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vindo macular a mensagem de Cristo. O cultura alemã: Winckelmann, Herder e Kant.
Urchristentum, o Novo Testamento grego, Kant, nascido em 1724, tenta subordinar ao
é que conta. E o fato de que Lutero se pren- racional as verdades em que fora educado
de ao texto grego dos Evangelhos terá na infância e na juventude, quer dizer, busca
consequências que ele mesmo não poderia resolver dentro dos limites da pura razão o
prever. Assim, como que se desliga uma das irracionalismo pietista, seita protestante mui-
fontes da Cultura Ocidental e, o que é mais to difundida na época e que pretendia fazer
significativo para o nosso tema, a Alemanha voltar o cristianismo a sua forma mais
passa a ignorar ou a condenar qualquer sen- primeva. Herder, nascido em 1744, procura
tido positivo atribuível à cultura antiga. desenvolver a consciência nacional, funda-
mentado na ideia de um desdobramento or-
Mas a vitória inicial alemã dentro desse novo gânico da cultura, compreendida desde as
comportamento cultural transformou-se aos suas raízes populares. E, finalmente,
poucos em amargura, desenvolvendo qual- Winckelmann, nascido em 1717 – o mais
quer coisa como um complexo de inferiori- velho, portanto, dos três – fornecerá ao
dade, o gosto da insatisfação e a dor do or- classicismo alemão, juntamente com Herder,
gulho ferido – sentimentos cujas raízes tal- o seu ideal estético. A partir de
vez remontem aos primeiros contatos dos Winckelmann, a Alemanha começa a des-
antigos germanos com a superioridade das prender-se do exclusivismo de Lutero, bus-
tropas romanas – situação esta que terá uma cando uma nova dimensão para a sua alma
importância enorme para o desenvolvimen- na antiga Grécia.
to subsequente da cultura alemã.
Presença da Grécia
A reação e o início da superação desse sen-
timento de inferioridade encontramo-lo em A biografia do jovem Winckelmann revela
três gênios do século 18, fundadores da nova um fato significativo. Destinado ao estudo
da teologia e ao ministério de Deus, muito
cedo dedicou-se à língua grega, e conta-se
que, durante as aulas, sermões e ofícios reli-
giosos, o nosso autor ocupava-se com a lei-
tura dos poetas da Grécia antiga. Em verda-
de, detesta a teologia, assim como detestara
o humilde trabalho artesanal que seu pai lhe
quisera transmitir. Winckelmann é mais exi-
gente: não aceita imposições e pretende es-
tudar apenas o que lhe dita o próprio cora-
ção. Além disso, manifesta-se aos poucos
nele uma incontrolável capacidade de sonho,
a nostalgia de um passado longínquo. Fanta-
sia a Grécia; e fará o impossível para realizar
esse sonho, inclusive sacrificar a sua integrida-
de pessoal quando, mais tarde, farisaicamente,
Geschichte der kunst
se converte ao catolicismo, a fim de, através
da católica corte de Dresden, toda voltada
des Altermus
Fonte: http://
arte.laguia2000.com/general/
para o Vaticano, obter os favores dos car-
deais romanos.
neoclasicismo-el-arte-
alrededor
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se familiarizara no museu de Dresden. Dire- roso líder de um movimento antibarroco,
tamente, também não ataca a Roma antiga. que se anunciava já, mas de maneira débil.
Mas ergue-se contra a arte barroca, e é atra-
vés desta que atinge Roma. Em Dresden, O que motiva a reação de Winckelmann con-
para onde se mudara em 1748 e assumira tra o barroco? O assunto é complexo e a
o posto de bibliotecário do conde Buenau, partir de seu fundo histórico podemos com-
no castelo de Noethnitz, Winckelmann so- preender melhor a importância das Reflexões.
fre o impacto violento da arte barroca, so- Nessa obra, mais do que ao barroco de
bretudo no Grosser Garten, que oferecia Dresden, Winckelmann se opõe à arte de
na época mais de 150 estátuas de imitado- Bernini. Restringindo-se à consideração da
res franceses, italianos e alemães de Bernini. obra desse escultor, antes de atacar propri-
Em um local mais escondido e de difícil aces- amente toda a arte barroca, limita-se a recu-
so do mesmo jardim, tinha a oportunidade sar certas ideias defendidas por Bernini, re-
de flertar com algumas peças abandonadas lativas sobretudo ao aprendizado da arte.
de arte antiga, pouco valorizadas e por isso Assim, por exemplo, escreve: “O estudo da
em má condição. natureza deve ser, pois, ao menos para o
A influência que sofreu do pintor Oeser fez conhecimento do belo perfeito, um cami-
com que Winckelmann, em 1755, escreves- nho mais longo e mais trabalhoso do que o
se sua primeira obra: Reflexões sobre a imi- estudo das obras da Antiguidade; e Bernini,
tação da arte grega na pintura e na escultu- que recomendava sempre aos jovens artis-
ra, um ensaio que contém já as principais tas estudar preferentemente a natureza no
ideias do autor; mais tarde as desdobrará e que ela mostra de mais belo, não lhes teria
fundamentará mais amplamente, fazendo indicado, para isso, o caminho mais curto”.
correções apenas secundárias. Esse panfleto Winckelmann recomenda aos jovens que, no
(pois na época o ensaio teve força processo de iniciação aos mistérios da cria-
ção artística, façam o aprendizado não a partir
Histoire de l’art de
l’antiquité, 1781 panfletária) teve considerável repercussão,
Fonte: www.brynmawr.edu/.../
fazendo de seu autor o porta-voz e o vigo- da natureza, mas da imitação dos antigos.
antiquity/education
“Creio”, diz ainda, “que a imitação dessas
obras (do Antinous Admirandos e do Apolo
do Vaticano) poderia ensinar mais rapida-
mente, pois o artista encontra aqui, numa, a
soma do que está disperso em toda a natu-
reza, e aprende, através da outra, a que ponto
a mais bela natureza pode elevar-se acima
de si própria, destemida e sabiamente”. E
acrescenta: “Mesmo se a imitação da natu-
reza pudesse tudo dar ao artista, certamen-
te não lhe daria a exatidão do contorno, que
só os gregos sabem ensinar”.
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cas, ou melhor, pela escultura, e não há nele herança deixada pela Renascença italiana.
sequer uma sensibilidade maior pela pintura Através desta, acentua-se a presença do ele-
ou pela arquitetura. Daí sua reiterada insis- mento pagão antigo ou, mais precisamente,
tência na ideia de “linha simples” ou de “con- o da última fase da cultura romana. Esse ele-
torno nobre”. E o importante é compreen- mento, contudo, não entra em choque com
der que não se trata aqui apenas de uma o cristianismo; ao contrário, é absorvido, tan-
questão subjetiva de preferência pessoal. to nas artes plásticas como na ópera, contri-
Segundo nosso autor, a escultura, se não é buindo para a conquista de uma harmonia
o único, impõe-se como o caminho mais que no barroco é compreendida como o
seguro que nos pode fazer voltar à fonte fruto da tensão entre opostos.
pura de Atenas. E mais: sublinhando o plás-
Winckelmann, em sua contribuição para o
tico, e apenas o plástico, o que cai por terra
dessoramento do ideal de arte total, isola
é simplesmente o ideal barroco de uma arte
também o elemento pagão do elemento
total. Winckelmann tem horror ao sentido
cristão, sem opô-los, porém, em uma ten-
de monumentalidade e de pompa, tão ca-
são conflituosa. Diante do cristianismo, seu
racterísticos do barroco, e busca um elemen- comportamento caracterizou-se sempre por
to puro, o mais simples possível. Nesse sen- uma profunda negligência: melhor fora não
tido, poderíamos quase dizer que encontra- existisse, pois nosso herói teimava em sen-
mos aqui um comportamento abstrato que tir-se como um grego perdido nos tempos
não é evidentemente absoluto, por encon- modernos, exilado de sua impossível pátria
trar-se sempre intrincado com uma dimen- nativa. Em seu exacerbado sentido para a
são valorizadora e uma intenção pedagógi- amizade (ele sempre quis fazer da amizade
ca. No barroco, nenhum elemento pode ser e da liberdade os ideais norteadores de sua
isolado. E o isolamento de um elemento é existência), pretendia vislumbrar seu paren-
precisamente a obra de Winckelmann. E tesco, sua afinidade profunda, com os gre-
mesmo esse elemento por ele desligado das gos clássicos.
pretensões da arte total é valorizado em um
sentido diametralmente oposto ao barroco E, finalmente, em quarto lugar, acentua-se o
porque, se neste encontramos uma forte elemento subjetivo.
tensão dinâmica (ligada à música), para
Antes da Renascença a arte é dominada
Winckelmann o plástico por excelência é o
pelo que Fritz Blaettner, usando uma ex-
calmo, o estático, o que sabe concretizar o
pressão da escolástica medieval, chama com
ideal de um repouso absoluto.
felicidade de intentio recta:6 a função cria-
Em terceiro lugar – e aqui topamos com mais dora do artista torna-se anônima diante dos
uma decorrência da derrubada da arte total valores objetivos (as exigências do culto,
– dissocia-se o elemento cristão. por exemplo), e a arte é manifestação da
glória divina. Na Renascença, as coisas co-
O barroco é talvez a última Kulturepoche, meçam a mudar de figura. Descobre-se a
no sentido rigoroso da expressão, quer di- arte antiga, ou se lhe dá ao menos uma nova
zer, um estilo que penetra, unitária e pro- dimensão, integrando-a ingenuamente no
fundamente, todos os campos da atividade próprio clima espiritual da época. Põe-se,
cultural. Sob esse aspecto, o barroco não por exemplo, um violino nos braços de
deixa de assemelhar-se à Idade Média, com Apolo – e disso queixa-se, revoltado,
ao menos uma diferença importantíssima: a Winckelmann –, e o deus grego se torna o
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disso, e sua frase pode ser mais bem com- gregos foram os únicos que atingiram o ple-
preendida se for explicitada da seguinte no desenvolvimento de sua forma e, por isso,
maneira: o único caminho para nos tornar- o esplendor maior da natureza. A perfeição
mos grandes e, se possível, tão inimitáveis foi tal, que o divino, poderíamos dizer, tor-
quanto os antigos são inimitáveis é a imita- nou-se sensível; a natureza grega – humana
ção dos antigos. A imitação visa, de fato, tor- – era tão perfeita, que nela podia-se ler o
nar-nos inimitáveis, tanto quanto os gregos. traço da mão divina. A educação e o condi-
Não se trata de levar a uma imitação pura e cionamento geral da cultura grega ofereciam
simples, ingênua, dos gregos, pois por esse ao artista um tal esplendor da natureza, que
caminho se pretenderia refazer a arte grega, seu ato criador se processava em condições
o que é manifestamente um absurdo. A um excepcionalmente felizes. O entusiasmo de
primeiro exame, a frase de Winckelmann Winckelmann radica precisamente nessa
parece implicar, portanto, uma contradição: coincidência entre a natureza e o eidos; as-
a imitação do inimitável; tornarmo-nos sim compreende ele a natureza grega.
inimitáveis imitando o inimitável. Mas a con-
A diferença entre o grego e o moderno re-
tradição só existe se tomarmos a imitação
side em que, naquele, a natureza já se apre-
no sentido de cópia.
sentava ao artista em seu estado de perfei-
Ora, sobre esse mal-entendido escreve o ção, ao passo que para o moderno – e aqui
próprio Winckelmann: “A imitação do belo vai implícita uma crítica ao cristianismo – a
na natureza concerne ou bem a um objeto perfeição da natureza perdeu-se. Desse
único ou então reúne as notas de diversos modo, o que para o grego era realizado sem
objetos particulares e faz delas um único esforço maior, para o moderno dever-se-ia
todo. O primeiro processo implica fazer uma tornar objeto de uma laboriosa conquista,
cópia semelhante, um retrato; é o caminho de um trabalho paciente e teimoso.
que conduz às formas e figuras dos holan-
deses. O segundo é o caminho que leva ao Exclui-se, portanto, a obtusidade da arte
belo universal e suas imagens ideais; esse foi entendida como cópia, e acede-se ao senti-
o seguido pelos gregos”. O que interessa, do de uma frase como a seguinte: “O estu-
pois, não está simplesmente na cópia, e sim do da natureza deve ser, ao menos para o
no eidos, na ideia ou na forma universal. O conhecimento do belo perfeito, um cami-
sentido da imitação não é naturalista ou re- nho mais longo e mais penoso que o estudo
alista, mas platônico. O importante, quando das obras da Antiguidade”. Daí sua oposição
se faz arte, não consiste simplesmente em a Bernini, que recomendava o estudo direto
copiar os antigos, e sim em pensar como os da natureza. Segundo Winckelmann, esse
gregos, em comportar-se como eles: exigin- caminho é penoso, senão impossível, devi-
do da arte uma missão semelhante à dos do à deficiência da natureza moderna. Os
gregos. Só desse modo a imitação pode ser gregos, pelo contrário, “tinham, quotidiana-
criadora e evitar o impasse do servilismo. mente, a ocasião de observar o belo na na-
tureza; uma ocasião que, para nós não se
É necessário insistir um pouco no tema: por oferece todos os dias e raras vezes se mos-
que a necessidade da inspiração nos anti- tra tal como o artista a deseja”.
gos? Mais tarde em sua obra mais importan-
te, a História da arte na Antiguidade, Torna-se claro, assim, que quando
Winckelmann defenderá o ponto de vista Winckelmann prega a imitação da arte gre-
de que, entre todos os povos antigos, os ga, não se refere simplesmente a uma cópia,
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Goethe explorará a ideia de que os deuses e a máxima vitória da divinização do huma-
se humanizaram a fim de divinizar o homem. no. Diante dessa estátua, seu comportamen-
to transforma-se em religioso, e ele a des-
Característica de Winckelmann é a crença creve com tal entusiasmo, que suas palavras
de que a “bela alma” encontra seu Urbild, se tornam um hino. Ergue o Apolo à condi-
seu modelo original, na Grécia antiga, razão ção de critério supremo para compreender
pela qual a imitação dos gregos afiança-se a arte grega e inaugura, assim, a visão apolínea
como sendo um caminho insubstituível. da cultura antiga; contemplando-o, “acredi-
“Quem não conhece as obras da Antiguida- tava ver o próprio deus, tal como aparece
de não creia saber o que é verdadeiramen- aos mortais”. Apolo passa a ser a epifania do
te belo.” O fundamental, assim, é aprender sentido último da Grécia.
a ver a beleza grega e, através desse ver,
despistar um comportamento arqueológico; Trajetória de um sonho
ou a compreender o arqueológico no senti-
Resta-nos ainda um problema: a influência
do etimológico da palavra, como um dizer a
exercida por Winckelmann. Essa influência
origem, mas uma origem que é perenidade
leva a um problema maior e complexíssimo,
e por isso empresta à arte antiga uma reali-
do qual só é possível, aqui, acenar aos mar-
dade sempre atual, desveladora de um fun-
cos mais importantes de seu desdobramen-
do permanente e divino das coisas. A volta
to. Referimo-nos ao delicado tema das trans-
aos antigos não significa apenas a volta ao pas-
formações do ideal apolíneo da Grécia no
sado, e sim a conquista para o homem de um
evolver da cultura alemã.
estado natural perfeito, sua atualização plena.
Que sua obra deveria forçosamente perma-
A visão da Grécia defendida por
Winckelmann concretiza-se através de suas necer fragmentária, disso Winckelmann ti-
análises de peças da escultura antiga, de nha plena consciência; sabia que não passa-
modo especial o Laocoonte e, sobretudo, va de um iniciador e queria sê-lo. De fato,
do Apolo de Belvedere. O grupo do estava reservado a outros espíritos interpre-
Laocoonte é analisado não como manifes- tar e corrigir sua obra. E mais: outros tenta-
tação do patológico – que era a tese de riam a realização de seu ideal – mas de um
Bernini – ou da violência, um estado efêmero ideal submisso agora à inexorabilidade his-
e indigno da arte, mas a partir da ideia do tórica e que viria, por isso, sofrer profundas
triunfo da alma, de um extremo da dor que transformações.
se sabe vitoriosa e que, por isso mesmo, é
plenamente compatível com a perenidade A influência exercida pelo autor das Refle-
do divino. O interesse principal que ofere- xões encontra-se, desde seu início, presa a
ce, contudo, a análise de Laocoonte é que a um paradoxo, pois o setor sobre o qual
calma grandeza não se confunde para Winckelmann exerceu não só a menor mas
Winckelmann com uma estaticidade morta; também a pior das influências foi precisa-
a famosa escultura seria a personificação da mente o de sua especialidade: as artes plás-
vitória da vida, o triunfo da nobreza e da ticas. Seus autênticos continuadores não são
medida sobre a dor e a imperfeição. os escultores e os pintores, mas os poetas.
Os artistas que se deixaram entusiasmar por
Mas é no Apolo de Belvedere que suas ideias compreenderam tão mal o mes-
Winckelmann vê a suprema síntese da arte tre, que a consequência foi o academismo
e do homem gregos, o mais alto ideal antigo e a acusação impiedosa de ter sido
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lo. Na literatura alemã falta ainda, lamenta- são definitiva de Ifigênia, e dois anos mais
se Herder, a grande obra, falta o Homero tarde Schiller escreve sua última versão de
nórdico. Esquematizando: Winckelmann dá Os deuses da Grécia, sua máxima contribui-
ao classicismo alemão seu ideal estético, ção ao tema grego, que soube impor-se,
Herder lhe dá sua teoria, que será posta em durante muito tempo, como um dos poe-
prática por Goethe e SchilIer. mas mais populares da Alemanha.
Como para Herder, para Goethe o grego Durante alguns anos os dois poetas comun-
por excelência não é o artista plástico, mas gam os mesmos ideais clássicos. Schiller, po-
Homero. A despeito disso, Goethe foi na rém, permanece muito mais distante da Grécia
Alemanha o homem que permaneceu mais do que permitem julgar as aparências. Se em
próximo de Winckelmann. O aprendizado alguns de seus poemas programáticos há o
do ver, iniciado por este, atinge em Goethe elogio da Grécia, seu teatro é profundamente
sua plenitude; pode-se até dizer que Goethe alheio à dimensão grega, mesmo A noiva de
está todo nos olhos – é plasticamente que Messina, a única de suas peças em que pro-
ele compreende Homero. Assim se explica, curou inspirar-se em um modelo antigo,
por exemplo, seu perene desejo de tornar- aproxima-se mais do teatro barroco do que
se pintor. A viagem à Itália, a necessidade de do grego. Se o conceito de “bela alma” en-
ver a paisagem mediterrânea, tornou frutuosa contra seu paradigma no homem dos tem-
a concepção da Grécia que Goethe lera, ini- pos homéricos, sua problemática só pode
cialmente sem maiores consequências, nas ser compreendida a partir de Kant e do bon
páginas de Winckelmann e Lessing. Através sauvage de Rousseau. A nostalgia do Sul é
de seu contato com os antigos, o poeta for- débil em Schiller, e se o grande aconteci-
ma seu conceito de estilo, um conceito, mento da vida de Goethe foi a viagem à Itá-
aliás, muito próximo da ideia de imitação lia, em seu amigo encontramos a experiên-
defendida por Winckelmann. Tanto quanto cia puramente interior das leituras das Críti-
é possível para um alemão, em Goethe rea- cas de Kant. E, dessa forma, Schiller, em qua-
liza-se o classicismo ao menos durante al- se todos os aspectos de sua evolução e de
guns anos, na fase em que escreve Tasso; e sua obra, é o oposto de Winckelmann.
o poema épico Herrmann e Dorotea. A certa altura, acontece a inquietante fatali-
dade: Schiller insiste para que Goethe volte
Sem dúvida, o ideal de calma grandeza e
a ocupar-se com um dos temas de sua ju-
nobre simplicidade se torna real em algu-
ventude, da época do já distante Sturm und
mas obras de Goethe e também em sua vida,
Drang. Relutante no início, Goethe cede e
pondo-se assim à prova a teoria classicista se entusiasma. O tema é o Fausto, e nessa
dos profetas que o antecederam. Os ideais sua decisão há toda uma renúncia da qual o
forjados por Winckelmann, de uma cultura poeta acaba tomando consciência: a lenda
olimpicamente apolínea, atingem quase mais implica uma problemática eminentemente
na pessoa de Goethe do que em sua obra romântica. Paradoxalmente, a obra mais im-
seu ponto culminante, fazendo com que portante do chamado classicismo alemão é
Schiller não estivesse de todo errado ao ver romântica. Desse modo, o classicismo, que
em seu amigo a realização da “bela alma”. O nunca conseguira realmente criar raízes nem
ápice desse classicismo coincide, no mais, transcender o âmbito privilegiado de uma rica
com os 10 anos de amizade dos dois gran- mas reduzida elite, termina reconhecendo no
des poetas; em 1786, Goethe nos dá a ver- romantismo seu sentido mais profundo.
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de poder visitar algum dia “o túmulo da jo- doch die Stille im Lande der Seligen, und
vem humanidade”, Já se vê: seu amor pelos ueber den Sternen vergisst das Herz seine
antigos é profundamente triste. “A arte cho- Not und seine Sprache.8 Ao homem que
ra comigo”, confessou Winckelmann, e esse mora na terra – na terra dos homens e não
seu choro brota do entusiasmo e da alegria, na dos santos – resta apenas o sonho. Se
confundindo-se com a esperança da recon- Winckelmann pretendia tornar presente e
quista próxima. O choro de Hoelderlin, ao atual a Grécia, com Hoelderlin predomina a
contrário, é todo tristeza. O seu mais famo- ideia da distância, e sua tristeza nasce da
so personagem, Hyperion, exclama: O consciência aguda de um abismo entre a
Grécia e a Alemanha. O poema Grécia
Genius meines Volks, o Seele Griechenlands!
(Griechenland) termina com as palavras:
ich muss hinab, ich muss im Toten-reiche dich Denn mein Herz gehoert den Toten an.9
suchen.7 Hoelderlin sabe que a Grécia é de-
finitivamente uma ausência. A morte chama-se Jacob Burckhardt e é o
capítulo final da história do sonho grego.
Em verdade, ele a compreende de uma Winckelmann acorda para a realidade: com
maneira fundamentalmente clássica e recu- Burckhardt o sonho já foi completamente
sa, assim, a unilateralidade em que incidiam esgotado. As raízes do autor de Considera-
frequentemente os românticos, presos ao ções sobre a história universal ainda estão
excesso irracionalista do anticlassicismo. Mas no classicismo alemão, mas, se para Goethe
recusa também o horror de Goethe pelo o mais belo sonho da humanidade foi so-
noturno, porque só a partir da raiz, do caó- nhado pelos gregos, esse sonho, em
tico (daquilo que Goethe alcunhava de do- Burckhardt, transforma-se quase em um pe-
entio), pode o clássico crescer e desdobrar sadelo, objetivado em sua monumental His-
todo o seu sentido. Dessa maneira, a ideia tória da cultura grega, a primeira visão pes-
de um grego fixo, produto apolíneo da ter- simista da Grécia. Ele vê a cultura antiga com
ra, é substituída por um grego que conquis- os olhos de Schopenhauer, e suas catego-
ta seu classicismo, que faz sua própria histó- rias interpretativas básicas, que adquirem cor-
ria desde o absurdo até atingir a claridade po na arte, são as da angústia, da melancolia,
dos deuses olímpicos. Se o romantismo é do desespero, da dor.
insuficiente e tende ao classicismo com a
necessidade da raiz que encontra na árvore A partir dessa obra, a Grécia deixa de ser
seu sentido, o classicismo, por sua vez, é uma religião. Se Hoelderlin realmente acre-
problematizado. Poderíamos dizer que encon- ditava nos deuses gregos, agora abrem-se as
tramos em Hoelderlin um classicismo crítico. portas para uma interpretação do mundo
antigo determinada pelo critério da objetivi-
Desde o tempo de Winckelmann, a visão dade. Digamos, com Walter Rehm, que a
que Hoelderlin nos apresenta da Grécia é a antropodiceia greco-alemã chega a seu ter-
mais equilibrada e a que maior familiaridade mo. 10 Esgota-se essa modalidade de
revela com o “olhar sagrado” dos deuses, de Ersatzreligion, que Santo Agostinho coloca-
“uma clareza calma e eterna”. E se Hoelderlin ria sob o título geral de experimentum suae
não pode esquivar-se do fascínio do olhar medietatis.
de Diotima – a encarnação da Grécia – esse
olhar torna-se sempre mais vago e distante, Curioso é ainda observar que a Grécia não
como que viciado pela nostalgia, vivendo da ocupa o lugar central das preocupações de
ressonância da plenitude perdida. Wohnt Burckhardt, e sim a Itália renascentista, da
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sua atitude por dois novos aspectos: em pri- vivacidade quanto Winckelmann. E isso não
meiro lugar, Winckelmann faz a análise da é pouco – é mesmo o mais importante. Com
obra de arte independentemente da biografia Winckelmann, aprendemos a amar a Grécia.
do artista, e uma análise que tende a recriar
(1961)
no crítico as condições estéticas da criação
da obra de arte; o historiador passa a ser Mestre de várias gerações, Gerd Alberto Bornheim, pen-
uma espécie de artista em segundo grau. sador, ensaísta, esteta, crítico de teatro – facetas entre
Além disso, o historiador deve procurar vol- as tantas de sua notável e incansável operosidade inte-
lectual –, estaria completando 80 anos de idade. Figura
tar à época em que foi criada a obra de arte eminente no panorama cultural brasileiro, homem de seu
e reconstituir, assim, também as condições tempo, desmentindo, assim, os juízos apressados daque-
gerais dentro das quais ela foi criada; captar, les que o julgavam encerrado em sua torre de marfim,
Bornheim, atento às exigências de uma quadra infeliz da
portanto, as causas originantes da obra de história brasileira, lançou uma ponte entre a cátedra e a
arte. Daí sua exigência de acompanhar em vida, na feliz expressão do argentino Alejandro Korn. Não
suas fases de origem, crescimento, maturi- se abateu nem se deixou bater mesmo quando, alvo do
dade e queda a vida dos povos antigos.12 arbítrio, pagou com a cassação de seus direitos políticos
e a aposentadoria compulsória do cargo de professor a
ousadia de “não permitir que o medo diminua nossa ca-
Em verdade, esse duplo programa só foi se- pacidade de pensar” (Max Horkheimer). É esse pensador
guido parcialmente e mesmo de maneira de- brasileiro do mais alto coturno que ora lembramos.
ficiente por seu autor; ele foi tão só o desbra-
vador de uma nova atitude diante da arte.
Mas já aponta claramente para a necessidade Notas
de apreender a essência da obra de arte, e
1 Humana praevalent in eo plus divina. In carta de Lutero a
não meramente de fazer-lhe a história ou uma Lang, de 1 de março de 1517, in Luthers Werke, Berlin:
o
aproximação biográfica. Essas exigências, após Ed. Walter de Gruyter, 1955, v.VI:4.
o desaparecimento de seu fundador, foram 2 In La Div. Comm., Inferno, canto XV:76.
esquecidas e tornaram-se novamente atuais,
3 “O que me prende às antigas e sagradas praias, para que eu
de modo mais crítico e fundamentado, ape- as ame ainda mais do que a minha pátria?”
nas em nossos dias. Para a história da arte,
4 “Ouvi falar de Elis e Olímpia.”
Winckelmann deve ser considerado não só
o iniciador de um novo comportamento em 5 Ver, sobre o assunto, a esplêndida análise de Walter Rehm,
in Griechentum und Goetthzeit, Muenchen, 1952:20 e ss.
face da arte, mas também o precursor da
moderna metodologia científica. 6 Das Griechenbild J. J. Winckelmanns, in Antike und Abenland,
Hamburg: ed. Marion von Schöeder, 1944, v.1:121 e ss.
Tais méritos, que devem ser reconhecidos 7 “Ó gênio de meu povo, ó alma da Grécia! Devo descer,
em sua obra, são todos mais ou menos limi- devo procurar-te no reino dos mortos.”
tados, quer por deficiência individual, quer 8 “A calma mora na terra dos santos, e além das estrelas
por precariedade das condições históricas. esquece o coração a sua necessidade é a sua lingua-
Mas há um mérito, fundamental nele, que gem.”
desconhece essas desvantagens e que torna 9 “Pois meu coração pertence aos mortos.”
valiosa a leitura de sua obra ainda em nos- 10 Op. cit.:14.
sos dias: Winckelmann foi um entusiasta da
arte grega, e de um entusiasmo que contagia 11 In Theophania, der Geist der Altgriechischen
Religion. Hamburg: Rowohlts, 1956:67-8.
e deixa sua marca no leitor. Poucos autores
conseguem transmitir a Grécia como uma 12 Este esquema já está presente na tese de Vico, de uma
“história ideal eterna”.
presença de modo tão vibrante e com tanta