Sei sulla pagina 1di 10

 

Nildo Viana*
A emancipação dos trabalhadores é participação da população no mesmo.
obra dos próprios trabalhadores. Esta é Até que ponto as eleições podem
uma das frases mais célebres de Karl promover uma contribuição para a
Marx e sua veracidade foi provada em emancipação humana ou para a melhoria
diversos momentos históricos e em nossa das condições de vida dos trabalhadores e
vida cotidiana. Aí está contido a ideia da demais classes exploradas e grupos
autoemancipação proletária, também oprimidos. Aqui temos um caminho e
defendida por Bakunin, Rosa todo caminho leva a algum lugar. Sendo
Luxemburgo, Pannekoek e vários outros assim, a escolha do caminho significa a
pensadores revolucionários. É justamente escolha do lugar aonde se quer chegar e,
isso que distingue o pensamento nesse sentido, é importante discutir ao
revolucionário proletário das demais lugar que leva o caminho eleitoral. Como
formas de pensamento. o caminho eleitoral parece não levar a
A ideia-chave é a da lugar algum, então é preciso iniciar por
autoemancipação proletária. A grande este para depois observar qual é o
questão é como se realiza esta caminho necessário para se chegar ao
autoemancipação. Para Marx, Rosa lugar que queremos, a libertação humana.
Luxemburgo e outros, é através da
Processo Eleitoral e Luta de Classes
própria luta da classe proletária que se
constitui o processo de autoemancipação. O processo eleitoral não é algo
Para se chegar a um determinado simples, ou seja, não é apenas o ato de
objetivo, é necessário utilizar os meios votar no dia da eleição. Em primeiro
que possibilitam chegar a ele, ou seja, é lugar, o processo eleitoral é marcado por
fundamental a unidade entre meios e fins, um rígido controle estatal. O estado,
tal como destacou Rosa Luxemburgo. através da legislação eleitoral, dos
Isso é o que se vê no diálogo entre o procedimentos burocráticos, da
Mestre Gato e Alice, em Alice no País interferência de suas instâncias (jurídicas,
das Maravilhas. Alice, diante de três políticas, etc.) produz um conjunto de
estradas, pergunta: regras para o jogo eleitoral. Entre essas
“– Podia me dizer, por favor,
regras, cabe destaque ao papel mediador
qual é o caminho para sair daqui? do partido político (Viana, 1993a; Viana,
– Isso depende muito do lugar 1993b). Os partidos políticos são os
para onde você quer ir – disse o Gato.
– Não me importa muito onde... meios pelos quais os indivíduos devem se
– disse Alice. submeter para lançar sua candidatura.
– Nesse caso, não importa por Somente através da participação num
onde você vá – disse o Gato” (Carrol,
1984, p. 74).
partido político é que o indivíduo pode se
lançar candidato e isso também não é
Se não há objetivo, qualquer algo simples, ele precisa conseguir ser
caminho serve, mas se alguém quer escolhido para ser candidato, e, quanto
chegar a um lugar definido, então mais elevado é o cargo para o qual quer
necessita escolher o caminho que se candidatar, mais difícil é e mais poder
possibilita chegar até lá. É nesse contexto é preciso ter no interior do partido para
que se coloca a questão da conseguir a indicação.
autoemancipação e dos caminhos para se Este processo parece inocente,
chegar a ela. Ao mesmo tempo, se coloca mas nada tem de inocente. O estado
a questão do processo eleitoral e da
Revista Enfrentamento – no 08, Jan./Jul. 2010 17
capitalista não é uma instituição neutra humana ou a libertação dos
que visa representar ou expressar os trabalhadores, duas faces da mesma
desejos e interesses da população. moeda.
Apenas nas ficções liberais isso tem Assim, tanto quem coordena o
sentido, mas não nas relações sociais processo eleitoral como quem está na
concretas. O estado representa os disputa, possuem o mesmo objetivo de
interesses da classe dominante, ou seja, realizar a reprodução das relações de
da classe capitalista. Também expressa, produção capitalistas. O estado organiza
relativamente, os interesses das classes o processo eleitoral através da disputa
auxiliares da burguesia, especialmente da eleitoral e partidária e toda uma
burocracia estatal, e, assim, executa o legislação vem para promover um
papel de reproduzir as relações de processo de burocratização e manutenção
produção capitalistas. dos partidos mais conservadores no
Da mesma forma, os partidos poder. As exigências legais para a
políticos não são instituições neutras que legalização de um partido, para que haja
representam o “povo” ou os uma candidatura (além de ter que estar
trabalhadores e sim os interesses de subordinada a um partido, existem
determinadas classes sociais, critérios como idade para concorrer a
fundamentalmente a classe dominante ou determinados cargos, residência no local
alguma de suas classes auxiliares, onde se candidata por um determinado
dependendo do partido (Viana, 1993a). período, etc.). Os partidos também
As classes exploradas não possuem realizam processos internos de controle e
partidos políticos, pois mesmo aqueles assim a burocracia partidária acaba tendo
que dizem representar os trabalhadores hegemonia nos partidos de esquerda e os
e/ou possuem um grande número de grandes políticos profissionais ou
trabalhadores no seu interior, burgueses dominam os partidos
representam os interesses da classe que conservadores. A legislação também
possui a direção e hegemonia no partido, atinge os partidos e limita sua liberdade
geralmente a burocracia partidária e a de ação.
intelectualidade. Porém, o processo eleitoral ainda
Assim, o estado constitui e tem vários outros aspectos que fazem
controla o processo eleitoral visando que com que as eleições não levem a lugar
ele sirva ao processo de reprodução das algum. A própria eleição promove uma
relações de produção capitalistas, e os situação que é de reforçar as relações de
partidos políticos fazem o mesmo, com a produção capitalistas. Isso ocorre da
diferença que disputam para assumir o seguinte forma: a organização estatal e
governo e fazer parte do bloco partidária impede qualquer forma de
dominante. As lutas dos trabalhadores oposição radical no processo eleitoral e,
podem pressionar as ações estatais, mas além disso, promove um processo de
não pode conquistá-lo e nem usá-lo como mistificação e de legitimação do
quiser, tal como afirmam alguns capitalismo, por um lado, e, um processo
ideólogos, pois o estado tem, como de cooptação e corrupção, por outro. O
essência, a relação de dominação, é a processo de oposição radical no interior
parte dominante de uma relação social do processo eleitoral sempre foi difícil,
concreta e por isso serve à classe devido ao processo de corrupção e
dominante. Através do estado, no burocratização dos partidos ligados ao
máximo se trocaria os indivíduos no movimento operário, mas com o passar
governo ou a classe que domina, mas do tempo, a democracia representativa se
jamais seria possível a emancipação torna cada vez mais conservadora (Viana,
Revista Enfrentamento – no 08, Jan./Jul. 2010 18
1993b) e cada vez mais a oposição se Porém, esse vínculo psíquico não
torna mais domesticada e sem a menor é apenas entre eleitor e candidato eleito,
capacidade de apresentar um programa mas também pode se manifestar como
revolucionário, a não ser como mera vínculo entre grupos de eleitores, cuja
propaganda mal feita. crença e preferência comum criam uma
O processo de mistificação ocorre comunidade ilusória e reforço recíproco,
com a ilusão eleitoral. A eleição é um criando um círculo ilusório de crenças
processo no qual o eleitor escolhe no que muitas vezes são marcadas por uma
mercado eleitoral aqueles que irão extrema irracionalidade, assemelhando-se
governá-lo, ou seja, impor suas decisões, aos efeitos do futebol (Viana, 2010). As
ao contrário do que prega a própria esperanças e crenças em determinados
ideologia eleitoral, que é a falsa tese de partidos ou candidatos podem promover
que “o poder emana do povo”. O eleitor, uma vinculação muito forte entre setores
ao eleger um candidato, perde todo o da população e candidatos, gerando, no
poder, o seu suposto poder de decisão é momento da vitória, uma pseudestesia
apenas no momento do voto, no qual (falsa sensação) coletiva de alegria1, que
escolheria os candidatos. Parafraseando perdura por algum tempo. Essa esperança
Marx, quanto mais o eleitor se fia no e crença também tem uma duração
voto, menos tem de si mesmo. Porém, mesmo depois do partido ou candidato
uma vez eleito, o candidato passa a ter chegar ao poder estatal ou ser eleito,
autonomia e não se submete a nenhum quando as promessas e propostas não se
controle dos eleitores. De pedinte de voto concretizam e/ou se mostram
passa a ser o senhor do eleitor, que passa, insuficientes para resolver os problemas
tão logo acabe a eleição, de senhor a sociais mais urgentes da população. A
servo. sociabilidade capitalista e a competição
A ilusão de escolha e decisão e de promovem uma forte adesão a
que isso terá algum retorno para ele ou determinados candidatos e a vontade de
para a população pode persistir por sua vitória eleitoral, inclusive sendo a
algum tempo, mesmo porque o ato do justificativa para a escolha do candidato,
voto cria um vínculo psíquico entre o o que está na frente nas pesquisas
eleitor e o eleito, caracterizado por um eleitorais, o que é amplamente utilizado
processo de esperança e orgulho próprio por várias siglas partidárias. Da mesma
que faz com que o votante não queira ou
demore muito para admitir que o 1
candidato que ele elegeu não realizará As raízes dessa pseudestesia se encontram na
ânsia popular por mudanças, a necessidade de
suas promessas, não concretizará nada esperança, que todo ser humano carrega no seu
que se esperava dele. O vínculo psíquico íntimo e a vontade de sua materialização, se
entre eleitor e eleito pode durar muito agarrando muitas vezes às ilusões e soluções
tempo e racionalizações como as de que é fáceis, o que cria um vínculo irracional nas
disputas políticas, provocando um
preciso tempo para que consiga fazer
envolvimento emocional forte que gera brigas e
algo são comuns e mostram a dificuldade desentendimentos entre eleitores (tal como
do eleitor de se desvincular do eleito. também ocorre com o futebol e religião,
Isso reforça o efeito ilusório do processo embora sob formas e razões diferenciadas). O
eleitoral, que, mesmo superado, ainda é fascismo, por exemplo, pode se beneficiar deste
considerado como um erro momentâneo, tipo de vínculo irracional. A sua irracionalidade
está no aspecto emocional e sentimental da
apenas uma escolha errada e por isso ligação sem qualquer coordenação mais efetiva
ainda haverá o candidato ou partido que da consciência, ou seja, de ordem racional. É
realizará a sua redenção ou pelo menos por isso que é porta aberta para a violência, já
irá melhorar suas condições de vida. que a comunicação e reflexão são
interrompidas.
Revista Enfrentamento – no 08, Jan./Jul. 2010 19
forma, a pseudestesia provocada pela efetivou concretamente em nenhum lugar
vitória eleitoral do candidato, cria outro do mundo.
vínculo irracional e a fidelidade que se Por fim, temos o processo de
prolonga durante grande parte do cooptação e corrupção que sempre ocorre
mandato, reforçando e obliterando o nos processos eleitorais. Além da prática
senso crítico dos eleitores mais cotidiana de cooptação e corrupção
envolvidos com o processo eleitoral. realizada por governos e partidos
A legitimação se manifesta políticos, através de cargos, favores, etc.,
através das ideologias e representações temos também a corrupção eleitoral,
ilusórias que dizem que os eleitos foram tanto financeira, quanto as promessas de
escolhidos pelo “povo” e assim não há cargos, favores e benefícios. Os alvos
nada a fazer, mesmo quando ocorre a principais são os indivíduos que
decepção com os eleitos, pois somente no potencialmente podem angariar mais
próximo “pleito eleitoral” é que isso votos, devido sua posição junto a setores
poderá ser alterado. Isto ocorre desde a da população. É isso que torna militantes
ideologia da “vontade geral” ou “vontade estudantis, ativistas comunitários e de
coletiva” até chegar às representações movimentos sociais, sindicalistas e
ilusórias do voto da maioria. As ações membros de associação de bairros, entre
dos políticos profissionais empossados outros, o alvo principal dos partidos e
são legítimas porque foram escolhidos candidatos. Da mesma forma, os
pelo voto popular, pela decisão da cooptados e corrompidos são futuros
maioria. Claro que se abstrai todo o reprodutores do processo de cooptação e
processo existente por detrás de tal corrupção. O processo eleitoral é uma
“escolha”, inclusive que raramente é a verdadeira escola de manipulação e
maioria que escolhe, se se considerar corrupção e uma fábrica de políticos
apenas os eleitores, e nunca ocorre, se se profissionais, quando o demônio compra
considerar o conjunto da população, ou sua alma com seu dinheiro sujo.
seja, se incluir os não-votantes (não- A mercantilização das relações
eleitores, abstenções, voto nulo e branco) sociais está presente nas eleições e na
e os que votam nos candidatos corrupção eleitoral. A venda do voto
derrotados. O processo eleitoral ocorre pode ser considerada uma “corrupção do
dentro da legalidade e da vontade popular eleitor”. A corrupção é uma relação
e, por isso, não pode ser questionado, o social na qual há o corruptor e o
que se pode fazer é esperar a próxima corrompido. O corruptor é o que
eleição e os novos eleitos. corrompe, suborna, oferece dinheiro em
Os intelectuais cumprem um troca de algo, que, no caso, é o voto. Do
papel importante para reforçar essa lado do corruptor, há o dinheiro e o
legitimação através de várias ideologias e desejo de consumo da mercadoria
justificativas do processo eleitoral. Desde chamada voto e do lado do corrompido,
os discursos falaciosos da cidadania, da há o desejo de algo em troca, que é uma
vontade popular, da democracia, até mercadoria ou a possibilidade de
justificativas com uma percepção aquisição de mercadorias. Só existe a
supostamente mais crítica da realidade, venda do voto por existir a oferta e a
tal como aqueles que apelam para uma procura e, no caso, a procura precede a
pretensa “ameaça fascista” para garantir a oferta, pois só havendo procura poderá
reprodução do processo eleitoral ou então haver oferta.
o que dizem que a participação é Do lado do corruptor, isso ocorre
necessária para fazer o parlamento de devido sua ambição e ânsia pelo poder e
tribuna revolucionária, o que nunca se tudo que está relacionado a isso. Do lado
Revista Enfrentamento – no 08, Jan./Jul. 2010 20
do corrompido, isso ocorre por vários No entanto, o processo eleitoral
motivos. O eleitor corrompido entende o não ocorre apenas através da relação
ato eleitoral como sem sentido, como entre eleitores e candidatos, ou seja, entre
algo que não envolve sua vida cotidiana, indivíduos, pois estes são seres humanos
que não produz mudanças. A percepção concretos, e por isso não é possível
disso ocorre pela experiência cotidiana deixar de lado a luta de classes nesse
do votante, pois entra ano e sai ano, entra contexto. Grande parte da população
governo e sai governo e nada em sua vida apresenta uma desilusão com as eleições
muda. Assim, o não-significado do voto é e a democracia representativa, outra parte
razão para sua desvaloração cultural e é cética, e isto é derivado, em parte, das
que deve passar a ter alguma utilidade. experiências eleitorais passadas e das
Tendo em vista que vivemos numa desilusões que lhes acompanham, e, em
sociedade que realiza a mercantilização parte, do descontentamento oriundo de
das relações sociais em todos os níveis e uma ampla insatisfação, inclusive de
tudo é transformado em mercadoria, o necessidades básicas, e da falta de
eleitor vê na proposta de venda, a efetiva atendimento destas necessidades, o que
oportunidade de venda, a possibilidade atinge mais o lumpemproletariado, o
de ter algum retorno com o voto. Ele campesinato, o proletariado e algumas
pode ser útil e qualquer coisa que se outras classes desprivilegiadas.
consiga por ele é “lucro”. É por isso que o discurso eleitoral
Um terceiro elemento que ajuda a tem que produzir promessas irrealizáveis
explicar a venda do voto é o processo de e oferecer migalhas atrativas para a parte
corrupção existente na sociedade e mais descontente da população. Trata-se
política brasileira, desde o genérico de uma estratégia da classe dominante ou
“jeitinho brasileiro” até as diversas de suas classes auxiliares para buscar
denúncias de corrupção tanto no poder atrair para seu partido a camada enorme
executivo quanto no legislativo, a de pessoas descontentes e desiludidas, o
percepção dos políticos profissionais no que é complementado com a busca de
Brasil é bastante negativa e muitas vezes corrupção eleitoral, através de
eles são vistos como sinônimo de oferecimento de benefícios pessoais em
corruptos. Sendo a política um festival de troca do voto. Aqui, os elementos da
corrupção, então vender o voto é algo sociabilidade capitalista, como a
dentro da normalidade política brasileira. competição, mercantilização e
A desilusão eleitoral é reforçada pela burocratização das relações sociais
corrupção estatal existente. (Viana, 2008), são elementos
Porém, como o voto é secreto, o fundamentais para o sucesso da
que se vende, no fundo, não é o voto, corrupção e cooptação eleitoral. A
mas a promessa do voto, que nem sempre competição em torno do sucesso, status,
se cumpre por ele ser secreto e por que poder, riqueza, numa sociedade
alguns eleitores entendem que tal venda é mercantil, promove a facilidade no
um motivo para não se votar no processo de corrupção e coloca o
candidato comprador de votos. Assim processo eleitoral como meio de ascensão
como o candidato corrupto promete e não social. Alguns indivíduos bem
cumpre, o eleitor corrompido também o intencionados acabam, devido à
faz. Porém, o elemento ativo nesse predominância da mentalidade
processo é o corruptor, aquele que quer burocrática, aderindo aos partidos e
comprar o voto, sem o qual a transação muitos se corrompem nesse processo,
não ocorreria. outros realizam uma ruptura que pode
desembocar no imobilismo ou no
Revista Enfrentamento – no 08, Jan./Jul. 2010 21
ativismo antipartidário. Outros são escravidão é que a libertação se torna
cooptados através do emprego como uma possibilidade real. O processo
cabos eleitoras e promessas de emprego eleitoral é um dos sustentáculos da
permanente após as eleições, caso seu escravidão moderna, da desumanização e
candidato ganhe, além do sonho de da alienação. Por isso, é necessária a
alguns em se tornar candidatos. recusa do processo eleitoral, da
Porém, os partidos expressam as democracia representativa, dos partidos,
classes sociais privilegiadas e disputam do estado e da mediação burocrática
entre si os cargos e a posição de governo, instituída por ele. A recusa do processo
querendo integrar o bloco dominante. eleitoral pode se manifestar como
Nesse contexto, o discurso eleitoral tem o abstencionismo ou como voto nulo2. É
objetivo de buscar, a qualquer custo, a disto que trataremos a seguir.
vitória. E para isso é preciso atingir o
As Formas do Voto Nulo
maior número de pessoas e interesses. Os
velhos discursos sobre saúde, educação, O voto nulo ou a abstenção é a
segurança, etc., apenas revelam essa opção que alguns indivíduos tomam
tentativa de atingir uma grande parte da durante o processo eleitoral. Porém, não
população, pois essas demandas são se deve pensar que o voto nulo sempre
visíveis e acessíveis pelas pesquisas de significa a mesma coisa, pois expressa
opinião. Daí também o discurso práticas e concepções diferentes. Assim,
policlassista, onde a classe ou grupos é fundamental perceber que o voto nulo
específicos com interesses específicos assume várias formas. Assim, é preciso
são substituídos pelo “povo”. Daí vem saber que muitos votam nulo não por
outra conseqüência, que é a necessidade vontade ou opção e sim por dificuldade
de propaganda generalizada, atingindo o
maior número de pessoas e sob variadas 2
O abstencionismo era a prática mais corrente
formas, desde a propaganda eleitoral dos setores politizados e à esquerda no início do
gratuita nos meios oligopolistas de século 20 até os anos 1960. Porém, no caso
comunicação até a distribuição de brasileiro, onde o voto é obrigatório e quem não
panfletos, santinhos, bandeiras, adesivos, vota é penalizado, o voto nulo é a forma de
ação antiparlamentar existente. Alguns pregam
e diversas outras formas. Isso tudo o abstencionismo, pensando ser assim mais
produz um discurso despolitizado e radical, porém, não existe nenhuma diferença
despolitizador, que reforça a mistificação fundamental entre as duas ações. Se o voto nulo
eleitoral. pode parecer “legitimador” por se realizar o ato
Por isso tudo, o processo eleitoral do voto, embora recusando-o, o abstencionismo
tende a ser desmobilizador, já que não provoca
contribui com a reprodução das relações nenhum ato, nem de recusa. O voto nulo faz
de produção capitalistas. Agora já perder tempo, mas se for uma luta cultural,
podemos responder a pergunta inicial: provoca reflexões e ações. O abstencionismo
para onde leva o processo eleitoral? A também pode fazê-lo, mas não tem ao seu lado
a obrigatoriedade de presença numa seção
resposta é evidente: o caminho eleitoral
eleitoral. O abstencionismo promove um total
leva para a reprodução das relações de afastamento da política burguesa, enquanto que
produção capitalistas, a manutenção do o voto nulo ainda mantém um vínculo formal.
capitalismo, o que significa a reprodução No fundo, ambos têm vantagens e desvantagens
da alienação, da miséria e da e a opção por um ou por outro, ao invés de
desumanização. Desta forma, é radicalismo abstrato e rebeldia irrefletida, é
mais questão de contexto e estratégia. No
impossível se pensar um caminho para a presente texto, como são bastante semelhantes,
liberdade através da escravidão. A quando falamos de voto nulo involuntário,
libertação não pode ocorrer via espontâneo, voluntário e autogestionário, isso
escravidão, somente através da recusa da também se aplica ao processo de abstenção e ao
abstencionismo.
Revista Enfrentamento – no 08, Jan./Jul. 2010 22
em votar. Esse é o voto nulo involuntário. em si uma grande potencialidade.
É o caso daqueles que, quando a eleição Aqueles que votam nulo
era com cédula de papel, tinham espontaneamente possuem uma
dificuldades em escrever o nome/número potencialidade e tendência de avançar no
dos candidatos ou, na urna eletrônica, sentido de uma concepção mais crítica da
dificuldade em digitar, seja por falta de realidade, embora a descrença também
habilidade com a escrita ou digitação, possa ser, em alguns casos, generalizada,
seja por esquecer os dados dos o que dificulta a aceitação de uma
candidatos. Porém, o número de votos proposta alternativa, o que é reforçado
nulos derivados da inabilidade do votante pela mentalidade dominante (valores,
é relativamente pequeno e os candidatos sentimentos, concepções dominantes, que
e governo se esforçam para criar ficam nos marcos da sociedade
mecanismos de treinamento e sugestões capitalista, naturalizando-a). No entanto,
para superar este processo (tal como mesmo nestes casos, uma ampla luta
urnas eletrônicas e simulações de votação cultural voltada para aprofundar a crítica
e propaganda em TV). da democracia burguesa e do capitalismo,
Além dessa forma de voto nulo, por um lado, e para mostrar a
que é involuntária, há o voto nulo necessidade e possibilidades de formas
espontâneo. Essa forma de voto é alternativas de ação política com o
produto da desilusão e do ceticismo objetivo de transformação social, pode
perante o processo eleitoral. O votante transformar o voto nulo efetivado por
não acredita nas eleições, nos candidatos, estes indivíduos em voto politizado.
nos partidos. Essa descrença o faz votar O voto nulo espontâneo pode ser
nulo. Assim, o voto nulo espontâneo é substituído pelo voto nulo politizado.
um ato fundado na descrença e por isso Porém, este último também assume
cumpre o papel de desvincular o votante formas diferenciadas, já que sendo
do candidato e do processo eleitoral politizado, pode ser feito a partir das
como um todo, manifestando-se como mais variadas concepções políticas.
uma recusa legítima da farsa eleitoral. Embora seja minoritário, é possível que a
Essa recusa aponta para a deslegitimação insatisfação se alie a concepções pouco
e desvinculação psíquico dos eleitores elaboradas, reflexões superficiais, mescla
com a democracia burguesa e isso é um de representações ilusórias e
ponto de partida para o voto nulo representações verdadeiras, mentalidade
engajado numa perspectiva política mais dominante e cultura contestadora, unindo
ampla e alternativa. Porém, isso é uma voto nulo e moralismo ou nacionalismo,
potencialidade que, para se efetivar, é por exemplo. Porém, isto se deve em
necessário ir além e isso pode ocorrer de parte ao processo geral de despolitização
forma também espontânea no caso de da sociedade capitalista, o que é corroído
determinados indivíduos ou de setores da com a ascensão das lutas dos
população, desde que haja ascensão das trabalhadores e lutas sociais em geral.
lutas sociais, ou então uma ampla luta Dentro do voto nulo politizado há o voto
cultural que consiga realizar uma crítica nulo oportunista, no qual se une recusa
da democracia burguesa e permitir uma temporária da democracia burguesa (por
politização mais rápida no caso de alguns impossibilidade de participação por
indivíduos ou grupos. determinados pequenos partidos ou
O voto nulo espontâneo, portanto, organizações aspirantes a partido) e
é revelação da crise de legitimidade do tentativa de recrutar militantes. No
estado capitalista e de uma politização entanto, o oportunismo está apenas em
inicial de setores da população, que traz quem propõe o voto nulo e não em quem
Revista Enfrentamento – no 08, Jan./Jul. 2010 23
vota nulo a partir da propaganda, pois sociedade capitalista, então é necessário
desconhece suas motivações, a não ser o combatê-lo. Isto se deve ao fato de que
vínculo com figuras ou pensadores não basta garantir a correspondência
políticos. entre meios e fins, é necessário evitar e
O voto nulo politizado é combater os meios inadequados de luta e
desenvolvido quando se encontra ligado a que servem para outras finalidades.
concepções políticas libertárias, embora Assim, o voto obrigatório e o voto válido
haja muita falta de politização e devem ser combatidos, assim como toda
equívocos também neste caso, o que é concepção política que aponte para o
oriundo da formação cultural e política processo eleitoral como forma de luta
deficiente de muitos militantes ou de revolucionária. Da mesma forma,
limites de algumas tendências que ainda algumas formas de voto nulo devem ser
se ligam a formas organizacionais superadas por outras, o que significa que
ultrapassadas (anarcossindicalismo, por a luta pelo voto nulo deve não somente
exemplo). Esta forma de voto nulo é a ser uma forma de recusa do voto e das
forma politizada e pode ser dividido entre concepções que lhes acompanha, mas
semilibertário, devido suas limitações também de aprofundamento e
acima aludidas, e o libertário. Assim, o radicalização do voto nulo em suas
voto nulo libertário é a forma mais formas não-libertárias.
avançada de voto nulo quando ultrapassa Assim, a luta pelo voto nulo
os limites acima aludidos, pois não só autogestionário é estratégica, ou seja, tem
mostra recusa e protesto contra a uma finalidade imediata articulada com o
democracia e sociedade burguesas, como objetivo final que é a autogestão social.
também apresenta um projeto concreto e Ela busca atingir o conjunto das classes
alternativo de prática política e exploradas e grupos oprimidos, bem
sociedade. como a todos os possíveis aliados da luta
Há uma forma específica de voto pela emancipação humana, e, no interior
nulo libertário que compartilha os destes, aqueles que possuem uma posição
princípios dele, mas que possui algumas a favor do voto nulo sob formas
especificidades. É o voto nulo incipientes, visando colaborar com a
autogestionário, que é uma forma de superação das suas contradições. Assim,
voto nulo libertário, mas que tem como a luta pelo voto nulo assume formas mais
diferencial determinadas propostas sintéticas e de propaganda generalizada,
específicas. É justamente este voto que sendo, portanto, mais simples e acessível,
abordaremos a seguir. e formas mais elaboradas, teóricas,
buscando expressar a questão da negação
O Voto Nulo Autogestionário
do processo eleitoral com a totalidade das
O voto nulo autogestionário é o relações sociais, o que remete para a
que vincula voto nulo e autogestão social. discussão sobre estado capitalista,
Sem dúvida, muitas tendências democracia burguesa, partidos políticos,
anarquistas também fazem o mesmo. políticos profissionais, capital eleitoral
Porém, há algumas diferenças e isto será (“indústria eleitoral”), ideologia e
explicitado aqui. A ideia básica do voto ideologias políticas, exploração e luta de
nulo autogestionário é explicitado em sua classes, etc. de forma mais aprofundada.
própria denominação, que revela a Neste sentido, a luta pelo voto nulo numa
necessidade de inseparabilidade entre perspectiva autogestionária aponta para a
meios e fins, pois autogestionário quer propaganda generalizada e para a
dizer que visa à autogestão social. Assim, elaboração teórica, sendo esta última a
se o voto é um meio para a reprodução da

Revista Enfrentamento – no 08, Jan./Jul. 2010 24


fonte inspiradora da primeira, que é sua mesmo, nem a luta pelo voto nulo3. Esta
versão mais simples, sintética, acessível. última é parte de uma luta cultural e
Outro elemento do voto nulo prática para deslegitimar, desmistificar,
autogestionário é que não só apresenta corroer o processo eleitoral no sentido de
uma concepção crítica e totalizante do avançar a consciência revolucionária e
processo eleitoral como também do colocar em evidência um projeto
próprio voto nulo, de seus limites e alternativo de sociedade, a autogestão
formas, ou seja, é uma proposta e prática social. Assim, não tem caráter apenas
política fundada na reflexão e não no negativo, mas também propositivo. Não
praticismo, defendido por determinados votar apenas por não votar, é algo que
grupos e tendências. O próprio voto nulo pode ocorrer concretamente, mas não
deve ser analisado e ver seus limites como objetivo da luta autogestionária.
como prática e concepção, suas formas Nesse caso, o vínculo entre voto nulo e
de manifestação concreta. Assim, nem autogestão social é fundamental e por
todo voto nulo é relevante para uma isso é importante não só colocar a
análise política, caso, por exemplo, ele necessidade de práticas conjuntas ao voto
seja voluntário em grande número de nulo e alternativas (auto-organização,
casos. Da mesma forma, o voto nulo auto-formação), como o sentido e
despolitizado é um potencial que precisa objetivo disso tudo, a revolução
de se desenvolver, e a luta cultural e pelo proletária, a instauração de uma
voto nulo autogestionário tem um papel sociedade radicalmente diferente, a
fundamental nesse processo. Assim, é emancipação humana. Um ato tão
necessário refletir sobre as formas e insignificante como o voto pode ter um
limites do voto nulo e também sobre o significado político radical, ser um
próprio voto nulo autogestionário, momento de colocar em discussão e
buscando analisá-lo, compreendê-lo, reflexão a autogestão social, a
aperfeiçoá-lo e contribuir, assim, para emancipação humana.
que ele supere seus possíveis limites e Assim, o fundamental é deixar
ganhe maior eficácia. claro o vínculo entre a luta pelo voto nulo
Um terceiro elemento é que além e o próprio voto nulo com a perspectiva
da concepção crítica e totalizante do do proletariado, a luta pela autogestão
processo eleitoral e do caráter reflexivo social, unindo os dois elementos com
sobre o voto nulo, inclusive o de caráter propostas práticas e reflexões críticas,
autogestionário, é fundamental nunca pois assim a deslegitimação e
perder de vista, tanto na propaganda desmistificação ganham maior
generalizada como na elaboração teórica, profundidade indo além do próprio ato do
o vínculo necessário entre voto nulo e voto nulo, bem como o negacionismo
autogestão social. Obviamente que, no puro é superado por uma ação possível e
primeiro caso, isso se dá de forma projeto revolucionário.
precária, principalmente dependendo do Nesse sentido, quem opta pelo
material (se é um adesivo, por exemplo, voto nulo autogestionário faz uma opção
não é possível aprofundamento, apenas pela autoemancipação proletária e
defesa do voto nulo e vínculo com humana, ou seja, pela autogestão social.
autogestão social), porém, é necessário Quanto mais pessoas votarem nulo nessa
sempre utilizar as palavras “voto nulo” e perspectiva, mais pessoas conscientes
“autogestão social” juntas, pois a estarão defendendo a autogestão social.
negação ganha explicitamente a
afirmação que lhe é complementar. O
3
voto nulo não é um objetivo em si Luta e não “campanha”, que significa
reproduzir a linguagem eleitoral.
Revista Enfrentamento – no 08, Jan./Jul. 2010 25
O significado disso é o aumento de A classe proletária, em seu
indivíduos e de ações a favor da conjunto, assim como outros setores da
autogestão, o que torna sua tendência de população, pode dar um salto e pular
realização cada vez mais forte. É um etapas, mas isto depende das lutas
passo no caminho da autogestão, embora sociais. Os indivíduos isolados, no
seja no início da estrada, sem ele os entanto, somente através da luta cultural
passos seguintes dificilmente serão poderiam realizar tal salto. Porém, alguns
dados, pois a crença na democracia vão a passos lentos, outros saltam, mas se
burguesa e no processo eleitoral é um for na estrada certa, chega-se ao lugar
obstáculo a ser superado. desejado, a autoemancipação humana.

REFERÊNCIAS

CARROL, Lewis. Aventuras de Alice no País das Maravilhas. São Paulo, Círculo do livro, 1984.
VIANA, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. Rio de Janeiro, Achiamé, 2003b.
VIANA, Nildo. Notas Sobre o Significado Político do Futebol. Maringá/PR, Revista Espaço Acadêmico,
Ano 10, num. 111, Agosto de 2010.
VIANA, Nildo. O Que São Partidos Políticos? Goiânia, Edições Germinal, 2003a.
VIANA, Nildo. Universo Psíquico e Reprodução do Capital. Ensaios Freudo-Marxistas. São Paulo,
Escuta, 2008.
* Professor da UFG; Doutor em Sociologia pela UnB. E-mail: nildoviana@ymail.com.br

Revista Enfrentamento – no 08, Jan./Jul. 2010 26

Potrebbero piacerti anche