UM CERTO

PONTO
DE VISTA
A CERTAIN
POINT
OF VIEW

ANA ANDRÉ
ISABEL BARAONA
PEDRO VALDEZ CARDOSO
THIERRY SIMÕES
TIAGO BATISTA
VASCO CÉLIO
 ARTADENTRO
arte contemporânea | associação

Um Certo Ponto de Vista

A Certain Point of View
14 de Outubro 2017 - 10 de Junho 2018
October 14, 2017 - June 10, 2018

© Artadentro – Arte Contemporânea – Associação 2018. All rights reserved.

 ÍNDICE
CONTENTS

“Um certo ponto de vista” no programa 365 Algarve

“A certain point of view” in the programme 365 Algarve 05
Anabela Afonso - Dália Paulo

Aposta Certa
The right bet 09
Rogério Bacalhau

Uma capela em modo de galeria

A chapel turned into art gallery 11
Marco Lopes

Um Certo Ponto de Vista

A Certain Point of View 15
Vasco Vidigal

Praia - Ana André

A pintura de Ana André: a memória como elegia
Ana André’s paintings: memory as «elegy»…
23
José Paulo Cruz Pereira

Tochas - Vasco Célio

“Tochas” – um assunto de homens
“Torches” – a men-only matter
49
Fernando Sampaio Amaro

Ar - Isabel Baraona / Thierry Simões / Tiago Batista

Desenho como Desígnio – Apontamentos sobre a exposição AR
Drawing by Design – Notes on the AR exhibition
65
Mirian Tavares

A Primeira Pedra - Pedro Valdez Cardoso

Pedro Valdez Cardoso – “A Primeira Pedra”
Pedro Valdez Cardoso – “A Primeira Pedra”
87
Sérgio Fazenda Rodrigues

Notas Biográficas / Biographies 108

Ficha Técnica / Captions 111
Agradecimentos / Acknowledgements 116
“Um certo ponto de vista” no programa 365 Algarve
“A certain point of view” in the programme 365 Algarve
O ciclo de artes plásticas Um Certo Ponto de Vista,
com a curadoria de Vasco Vidigal, foi um dos projetos
selecionados para integrar a 2.ª edição do programa
cultural 365 Algarve. Um inovador programa que
nasce de uma parceria entre os Ministérios da
Economia e da Cultura, através das Secretarias de
Estado da Cultura e do Turismo, com financiamento
do Turismo de Portugal e execução pela Região de
Turismo do Algarve.
O 365 Algarve é uma proposta de intervenção no
território, materializada por meio de um programa
cultural que pretende complementar as dinâmicas já
existentes na região, potenciando a competitividade
do destino todo o ano, apostando na sua matriz
identitária e criativa, construído a partir da
identidade polissémica do lugar hoje, numa simbiose
entre território, comunidades, conhecimento,
património, inovação e criação contemporânea.
O ciclo de artes visuais Um Certo Ponto de Vista
insere-se no conceito geral do programa cultural
365 Algarve porque junta artistas de “dentro” com
artistas de “fora” em torno do território Algarve e
a partir do tema Luz, que se desdobra na pintura
de Ana André em Praia; na fotografia de Vaco Célio
em Tochas; no desenho de Isabel Baraona, Tiago
Batista e Thierry Simões em Ar e na escultura de
Pedro Valdez Cardoso em A Primeira Pedra. Estes
artistas convidam-nos a focar o olhar em paisagens
e pormenores, a realizar exercícios de memória e
de emoções, partilhando connosco o Algarve que
resulta dessa representação de múltiplas leituras,
que sempre nos traz o ato de criação.
The cycle of plastic arts A Certain Point of View,
curated by Vasco Vidigal, was one of the projects
selected to integrate the second edition of the
cultural programme 365 Algarve. This innovative
programme emerges from the partnership between
the Portuguese Ministries of Economy and Culture,
through the Secretaries of State of Culture and
Tourism, financed by the Tourism of Portugal and
executed by the Algarve Regional Tourism Board.
365 Algarve is a proposal of intervention in the
territory, materialized through a cultural programme
with the purpose of complementing the already
existing dynamics of the region, increasing the
competitiveness of the destination all year round,
and focusing on its cultural identity and creativity
created from today’s polysemic identity, in a
symbiosis among territory, communities, knowledge,
heritage, innovation and contemporary creation.
The cycle of visual arts A Certain Point of View is
part of the general cultural concept of 365 Algarve’s
because it joins local and foreign artists around
the territory called Algarve. From the topic of
Light, it unfolds in Ana André’s paintings in the
exhibition Praia; in Vasco Célio’s photography in
Tochas; in the drawings by Isabel Baraona, Tiago
Batista and Thierry Simões in Ar and in sculptures
by Pedro Valdez Cardoso in A Primeira Pedra. These
artists invite us to focus our vision on landscapes
and details, to perform exercises of memory and
emotions, sharing with us the Algarve that results
from the representation of multiple readings, which
always bring us to the act of creation.
A CERTAIN POINT OF VIEW 5
Percorrer o ciclo Um Certo Ponto de Vista é revisitar
um dos maravilhosos poemas sobre o Algarve que
Sophia de Mello Breyner Andresen escreve, em 1962,
no Livro Sexto:
“A luz mais que pura/ Sobre a terra seca// Eu quero o
canto o ar a anémona a medusa/ O recorte das pedras
sobre o mar// Um homem sobe o monte desenhando/ A
tarde transparente das aranhas// A luz mais que pura/
Quebra a sua lança”
Esta luz mais que pura que influencia artistas, que
torna a palete de cores da serra ao mar única, que
nos molda o ser, que nos impele a ficar, que convida
a demorar-se, é um dos cartões-de-visita do Algarve
e é, seguramente, um dos muitos elementos de
atração turística que fazem desta nossa terra um
local tão procurado por tantos, de tantos sítios
diferentes.
Através deste ciclo, Um Certo Ponto de Vista, o que
fazemos é desafiar-vos para mais uma viagem.
É pedir-vos que se deixem levar pela mão de
quem pinta, fotografa, esculpe ou desenha, e com
essa mão percorram outras paisagens, outras
perspetivas, outras cores e formas, descobrindo
sempre um novo Algarve. Queremos, assim, fazer
do 365 Algarve uma porta de entrada para novas
experiências e para novos olhares em volta.
Cabe-nos, por fim, agradecer à Artadentro – Arte
Contemporânea e ao Vasco Vidigal por imaginar o
ciclo; aos artistas – Ana André, Vasco Célio, Isabel
Baraona, Tiago Batista, Thierry Simões e Pedro
Valdez Cardoso - por continuarem a levar-nos pela
6 UM CERTO PONTO DE VISTA
To traverse the cycle A Certain Point of View is
to revisit one of the marvellous poems about
the Algarve written by Sophia de Mello Breyner
Andresen in 1962 (and published in Livro Sexto):
“The light more than pure / upon the dry land // I
want the chant the air the anemone the jellyfish / the
outline of the stone upon the sea // A man journeys
up the hill drawing / the transparent afternoon of
spiders // the light more than pure / breaks its spear”
This light more than pure that influences artists,
makes the palette of colours from the hills to the sea
unique, shapes the being, impels us to stay, invites
us to linger, is one of the visiting cards of the Algarve
and is certainly one of the numerous elements of
tourist attraction that makes our region a place
cared for by so many, from several different places.
Through the cycle “A Certain Point of View” we want
to challenge you to one more voyage. We ask you
to let yourself go by the hand of those who paint,
photograph, sculpt or draw, and with that hand
to examine other landscapes, other perspectives,
other colours and shapes, always discovering a new
Algarve. Thus we want to make 365 Algarve an entry
door into new experiences and new visions around.
We would lastly like to thank Artadentro –
Contemporary Art and Vasco Vidigal for imagining
the cycle; the artists – Ana André, Vasco Célio, Isabel
Baraona, Tiago Batista, Thierry Simões and Pedro
Valdez Cardoso – for continuing to take us by the
hand to see the world; and the municipalities and
the establishments that host this project for making
mão para ver o mundo; e aos municípios e espaços
de acolhimento, por tornarem possível estes pontos
de encontro – Câmara Municipal e Museu Municipal
de Faro, Câmara Municipal e Museu de Portimão e
Câmara Municipal e Galeria Municipal de São Brás de
Alportel.
Desejamos excelentes viagens às exposições, ao
catálogo, e aos novos motivos que encontrem para
nunca deixar de voltar ao nosso Algarve!
these meeting points possible – Faro Municipality
and Municipal Museum, Portimão Municipality and
Museum and São Brás do Alportel Municipality and
Municipal Gallery.
We wish you all excellent voyages to the exhibitions,
to the catalogue, and to the new reasons that you
find to keep coming back to our Algarve!
Faro, 8 de fevereiro de 2018
Faro, 8th of February of 2018
Anabela Afonso
Comissária do Programa Cultural 365 Algarve
Curator of the 365 Algarve Cultural Programme
Dália Paulo
Ex-Comissária do Programa Cultural 365 Algarve
former Curator of the 365 Algarve Cultural Programme
A CERTAIN POINT OF VIEW 7
Aposta Certa
The right bet
A Câmara Municipal de Faro tem marcado terreno
na área da programação expositiva na arte
contemporânea. A parceria histórica com Serralves
trouxe até ao Museu Municipal de Faro uma coleção
de arte dos anos 80, representada por nomes de
primeira linha como Rui Aguiar, Gerardo Burmester,
Pedro Cabrita Reis, Rui Chafes, Harald Klingelhöller,
Rui Sanches e Xana.
Depois seria o consagrado José Pedro Croft, numa
exposição que juntava escultura, desenho e gravura,
o mesmo artista que agora representa as cores
lusas na Bienal de Arte Plásticas em Veneza. Antes,
através do apoio da Fundação Millennium BCP, a
coleção de José de Guimarães também já tinha aqui
estado, precisamente neste museu. Não se esqueça
que num outro espaço vizinho ao antigo convento,
também da tutela municipal, a histórica galeria Trem,
agora com curadoria entregue ao curso de Artes
Visuais da UALG, tem feito da arte contemporânea
uma programação de excelência alternando nomes
de carreira intocável, com outros que agora dão os
primeiros passos, mas que se espera um futuro de
enorme destaque.
Agora é a vez da Artadentro, associação farense
com créditos firmados na arte contemporânea,
com longo currículo de programação nas suas
instalações e não só. No fundo esta parceria não é
novidade, pois em tempos já se consumaram outros
projetos em espaços municipais com a intervenção
da Artadentro, alguns deles lembrados ainda hoje
como grandes acontecimentos culturais. Este ciclo e
este projeto, acolhido favoravelmente pelo Programa
365 Algarve, tem tudo para correr na perfeição:
The Municipality of Faro has advanced hugely in
the programming of contemporary art exhibitions.
The historical partnership with Serralves Museum
(Porto) brought to Faro Municipal Museum an art
collection from the 1980s, represented by first class
names such as Rui Aguiar, Gerardo Burmester, Pedro
Cabrita Reis, Rui Chafes, Harald Klingelhöller, Rui
Sanches, and Xana.
After that, an exhibition was dedicated to José Pedro
Croft, joining sculpture, drawing and etching: he is
the artist who represents the national colours in
2017 Venice Biennale. Prior to that, the collection of
José de Guimarães was also shown in this museum,
in an exhibition sponsored by the Millennium BCP
Foundation. And may we remind that the historical
TREM – Art Gallery, another public building close
to the old convent of the Municipal Museum
and now curated by the Visual Art course of the
Algarve University, keeps presenting an excellent
programme of contemporary art, alternating names
of undoubtable reputation with others now taking
the first steps, and whom we hope will have a great
future.
It is now the turn of Artadentro, a local association
of proven quality in contemporary art with an
extensive curriculum in programming in its facilities
and beyond. The partnership between the gallery
and the Museum is not new: in the past other
projects were accomplished in municipal spaces with
the intervention of Artadentro, some of them are
remembered to this day as major cultural events.
This cycle and this particular project, accepted by the
Programme 365 Algarve, have all the ingredients for
A CERTAIN POINT OF VIEW 9
de um lado um espaço notável da arquitetura
histórica da cidade e de enorme simbologia;
do outro, um naipe de artistas de enorme qualidade
e uma curadoria competente.
Felicitamos a Artadentro e o Vasco Vidigal, não
apenas por este ciclo expositivo, mas por todo o
trabalho construído desde a criação da associação,
confirmando que a arte contemporânea tem lugar
garantido na cidade e que hoje em dia representa
uma aposta certa na oferta cultural e turística
da região. Esse é o caminho que a autarquia
tem assumido e que tudo fará para reforçar nos
próximos tempos, sempre com a ajuda de vários
parceiros, desde logo com o tecido associativo local,
com artistas da região e com a própria universidade.
A Câmara Municipal de Faro e o Museu Municipal de
Faro ficam sempre a ganhar, pois além do prestígio
deste ciclo, a programação deste equipamento
que se encontra indiscutivelmente numa onda de
enorme dinâmica, assume-se como um verdadeiro
centro das artes. Mas acaba por se criar também, um
hábito de agenda expositiva de arte contemporânea
no museu, que tem espaço de manobra e de
convívio com o restante acervo, conforme muito
bem defende o seu diretor. São estes projetos que
fazem a diferença, que colocam a cidade no mapa
das artes e que nos podem catapultar para outras
ambições.
10 UM CERTO PONTO DE VISTA
success. On the one hand, a remarkable building that
forms part of the town’s historical architecture, with
notable symbolic relevance. On the other hand, a set
of great-quality artists and a competent curatorship.
We congratulate Artadentro and its director Vasco
Vidigal not only on this exhibition cycle but also on
all the work carried out since the creation of the
Association, which confirms that contemporary
art has a safe place in Faro and that it represents
a rightful place in the region’s cultural and tourist
offer. This is the path assumed by this Municipality
and we will do everything to consolidate it in the
near future. As always, we count on the help from
various partners, namely local associations, Algarve
artists and the University.
Both Faro Municipality and Faro Municipal Museum
are winners in this: besides the prestige of the cycle,
the programme presented by the Museum, one of
enormous undoubted dynamism, it is also a true
Art Centre. Ultimately, the cycle will help create a
place for a contemporary Art programme in the
Museum, with the ability to coexist with the rest of
the collection, as its director declared. These are
projects that make a difference. They set the town
into the map of relevant arts and catapult us to even
higher ambitions.
Rogério Bacalhau
Presidente da Câmara Municipal de Faro
Mayor of Faro
Uma capela em modo de galeria
A chapel transformed into an art gallery
O Museu Municipal de Faro não podia deixar de
se associar a este projeto. Também ele tem uma
palavra a dizer, ou se quisermos, também ele
tem o seu ponto de vista daquilo que deve ser a
programação expositiva e o tipo de património que
as suas seculares paredes devem estar dispostas
a receber — e sobre isso não deve existir qualquer
espécie de preconceito.
Pelo menos este museu não embarca nesse
discurso. Convém não esquecer que no passado os
museus tinham o seu ponto de vista em matéria
de colecionismo. Primeiro arqueologia, depois
etnografia, mais tarde as artes visuais e por aí em
diante. Hoje, este museu, assim como outros
espalhados pelo país, têm uma miscelânea de
bens artísticos, diferentes é certo, mas que
convivem saudavelmente entre si. Apareceram
aqui por diferentes pontos de vista: o ponto de
vista da conservação, o ponto de vista do gosto do
colecionador, o ponto de vista da história da cidade.
No fim de contas o acervo que resulta é uma
amálgama de pontos de vista que se construíram
ao longo do tempo sobre o património cultural e
artístico, fruto de modas e tendências. O próprio
museu também experimentou estados de alma e de
corpo distintos nestes anos da sua vivência. Ao início
foi convento, depois fábrica de cortiça e mais tarde
equipamento cultural. Alguém adivinharia que a
capela onde eram celebradas cerimónias religiosas
serviria, quase 500 anos volvidos da sua fundação,
como sala expositiva para este ciclo de arte
contemporânea? Este também é um ponto de vista:
é o ponto de vista da adaptação e dos novos tempos.
The Faro Municipal Museum could not but be
associated to this project. The Museum has a word
to say, or if we want, it has a point of view about
what the exhibition programme should be and about
the type of heritage its ancient walls invite - with no
prejudice of any kind.
This museum will not hold the discourse of prejudice.
One should remember that in the past museums
had their own viewpoint regarding collections. First
there was the archaeological point of view, and then
the ethnographic; later came the visual arts, and so
on. Nowadays this museum, like so many others all
over the country, has a miscelanea of art objects,
different from one another but coexisting in a sound
manner. We have different points of view: the point
of view of preservation, the point of view of the
collector, the point of view of the history of the town.
Ultimately, the collection is a combination of points
of view which have been built over time about
cultural and artistic heritage, resulting from fashions
and trends. The museum itself has experienced
different states of minds and of body in its existence.
In its early days, this place was a convent; it then
became a cork factory and only afterwards a cultural
facility. Who would guess that the chapel where
religious ceremonies were held would, 500 years
after its foundation be used as an exhibition room
for a cycle of contemporary art? This is yet another a
point of view.
It is the point of view relating to adaptation and new
times. Although archaeology and ancient painting
are predominant in the museum’s collection,
contemporary art was never disconsidered or
A CERTAIN POINT OF VIEW 11
Embora a arqueologia e a pintura antiga sejam aqui
as coleções dominantes, a arte contemporânea
nunca se sentiu menorizada ou observada com
desdém. Tem-se sentido cómoda e os últimos anos
provam-no, com os projetos mais mediáticos de
Serralves ou da coleção de José de Guimarães,
pertencente à Fundação Millennium BCP. Este
tem sido o seu espaço de criatividade, de diálogo, de
crítica e de liberdade.
Todos os mundos artísticos e patrimoniais são
precisos, válidos e todos cabem aqui, sem que
tal retire naturalmente a identidade do Museu
Municipal de Faro e a coerência do seu discurso
expositivo, que dá prevalência ao território em que
nos inserimos, às comunidades que lhe dão vida
e às artes que nos segredam memórias. O que é
isso senão a Praia de Ana André, as Tochas de Vasco
Célio, o Ar de Isabel Baraona, Tiago Batista e Thierry
Simões ou A Primeira Pedra de Pedro Valdez Cardoso?
São as perspetivas de cada um desses artistas que
nos levam às nossas deslumbrantes paisagens, ao
nosso incomparável clima, às nossas sedutoras
arquiteturas e aos nossos enigmáticos rituais.
É desse território que o museu trata, desde os
vestígios históricos mais milenares ao legado
artístico mais contemporâneo, que este ciclo
expositivo partilha. Mas não são apenas obras
artísticas o que sobrará deste projeto — de elevada
qualidade, diga-se em bom rigor — , sobram
documentos de informação e de estudo, sobre
cada um dos artistas, os seus percursos, os temas
da região. No fundo, sobre o Algarve, que nos une
e que todos celebramos neste desígnio expositivo.
12 UM CERTO PONTO DE VISTA
despised. Instead, it has always found a comfortable
place here: in the last years that has been proved by
newsworthy projects, such as the collaboration with
Serralves or the José de Guimarães Collection (from
the BCP Millennium Foundation). Here they have
had their space of creativity, dialogue, critique and
freedom.
All artistic and heritage worlds are necessary, valid
and fit in here: and that does not hinder the identity
of the Faro Municipal Museum, nor the coherence
of the discourse of its exhibitions, which give
preference to our territory, to the communities that
give them life and the arts that confide memories
onto ourselves. And what is that if not Praia by
Ana André, Tochas by Vasco Célio, Ar by Isabel
Baraona, Tiago Batista and Thierry Simões or A
Primeira Pedra by Pedro Valdez Cardoso? These are
the perspectives of each artist leading us into our
dazzling landscapes, into the uniqueness of our
climate, into our seductive architectures and our
enigmatic rituals.
This is the territory the museum speaks forth,
from the millenary historical vestiges to the more
contemporary artistic legacy that this cycle proposes
to share. But the artworks - of great quality, it goes
without saying - are not the only feature resulting
from this project. It will result also in documents for
information and study, about the artists, their paths,
and the various aspects of the region.
In the end, the topic is the Algarve: that which
unites us and which we celebrate in the purpose of
this exhibition. But the cultural benefits from the
museums of tomorrow will also persist. Those which
Mas sobram também daqui os bens culturais dos
museus de amanhã. Aqueles que vão trazer novas
pistas de trabalho, novos caminhos exploratórios
na programação expositiva, novas abordagens do
património museológico da região e mais prestígio
aos acervos. E isso é sagrado, ou não estivéssemos
numa antiga capela.
will bring new subjects to work with, new exploratory
paths in exhibition programmes, new approaches
to the region’s museum heritage and more prestige
to the collections. This much is sacred, and it is only
fitting that it happens in an ancient chapel.
Marco Lopes
Diretor do Museu Municipal de Faro
Director of Faro Municipal Museum
A CERTAIN POINT OF VIEW 13
Um Certo Ponto de Vista
A Certain Point of View
Vasco Vidigal
Em nome da Artadentro, agradeço aos ministérios
da Economia e o da Cultura, e às suas Secretarias
de Estado da Cultura e a do Turismo, pela realização
do programa cultural 365 Algarve. Agradecemos
também ao Turismo de Portugal, entidade
financiadora, e à Região de Turismo do Algarve que
executa este projecto de valorização do Algarve.
Outro agradecimento devido, é o que fazemos ao
Município de Faro e ao seu presidente Prof. Rogério
Bacalhau, ao vice-presidente Dr. Paulo Santos, ao
Museu Municipal de Faro e ao seu director Dr. Marco
Lopes, bem como a toda a sua generosa equipa
que, desde o primeiro momento, nos apoiou e ao
nosso ciclo de arte contemporânea Um Certo Ponto
de Vista — numa mostra prática da valorização da
actividade artística/cultural como força motriz do
desenvolvimento farense. Agradecemos ainda ao
Município de Portimão, ao Museu de Portimão, ao
Município de S. Brás de Alportel e respectiva galeria
municipal, a sua importante participação neste
projecto.
Importa ainda, deixar aqui um muito justo e especial
obrigado à primeira comissária do programa, a Dra.
Dália Paulo e à Dra. Cristina Braga, pelo notável
empenho neste projecto. Também, o nosso obrigado
à sua sucessora e actual comissária, Dra. Anabela
Afonso.
Um último agradecimento aos artistas participantes
e a todos os outros, cuja colaboração, possibilitou à
Artadentro a realização de Um Certo Ponto de Vista.
Feitos os justos e devidos agradecimentos, a todos
os implicados na concepção e implementação
deste projecto de desenvolvimento regional —
sublinhando o “ponto de vista” que levou a
On behalf of Artadentro I wish to thank the
Portuguese Ministries of Economy and of Culture,
and their Secretaries of State of Culture and of
Tourism for the realization of the 365 Algarve
Cultural programme. Artadentro also thank the
Turismo de Portugal, funding institution, and the
Algarve Regional Tourism Board that executes this
project of valorization in the Algarve. Gratitude is
also due to the Faro Municipality and Mayor Rogério
Bacalhau, the Deputy-Mayor Paulo Santos, the
Faro Municipal Museum, its Director Marco Lopes
and his entire generous staff who have from the
very first moment supported us and our cycle of
Contemporary Art “A Certain Point of View”, in a
concrete demonstration of how to value the artistic
and cultural activity as a pillar of development in
Faro. We would also like to thank the Portimão
Municipality, the Museum of Portimão, S. Brás de
Alportel Municipality, and their Municipal Gallery for
their important participation in this project.
A just and special word of thankfulness goes to
Dália Paulo, the first curator of the 365 programme,
as well as to Cristina Braga for their incredible
commitment to this project. Dália Paulo’s successor
and present curator Anabela Afonso also deserves
our gratitude.
One last thank you goes out to the artists who
participated or somehow collaborated in helping us
make “A Certain Point of View” happen.
All gratitude expressed in due and just place to those
involved in conceiving and bringing this project
of regional development to reality, we underline
the “point of view” that first made the cultural
program gain the support it did, particularly in the
A CERTAIN POINT OF VIEW 15
apoiar tal programa na actividade cultural e, para
mais, aparentemente, na actividade artística
regional. Aqui, o “365”, aparentou uma vontade
de ultrapassar uma tradição de “pontos de vista”
pouco informados e/ou atavicamente arraigados a
hábitos, ideias e preconceitos, que os impedem de
considerar outros “pontos de vista” mais actuais:
ora, a persistência destas visões tem tido um efeito
nefasto no desenvolvimento cultural da sociedade
algarvia, atrasando-a e, assim, prejudicando o
desenvolvimento da vida regional nas suas diversas
áreas de actividade — de que o subdesenvolvimento
da produção artística/cultural é, não apenas um
reflexo, mas também uma causa.
Contudo, o programa 365 Algarve, não é imune às
suas próprias contradições: por um lado afirma-se
como dedicado ao sector turístico; por outro
insinua-se como factor de dinamização cultural, ao
procurar envolver os agentes culturais locais através
de um apoio — neste contexto, a conjugação do
verbo “envolver” (de muitos sinónimos), com o termo
“apoio”, aplicados aos agentes artísticos/culturais,
evidencia o perigo e a perversidade inerentes a este
“desenho” do programa, que menoriza e subjuga
a actividade artística, aos critérios da indústria
turística. É, infelizmente, um “ponto de vista”
clássico e, obviamente, inimigo da produção artística
— uma visão que se resume sucintamente na
máxima: “eu pago, eu mando” (mesmo que não saiba
bem no quê).
De facto, um “ponto de vista” é coisa que todos
podem ter: basta que do lugar onde estão foquem
o objecto em análise e os sentidos se informarão de
conexões sinápticas suficientes. Fica assim o sujeito,
‘naturalmente’, de modo fácil e indolor, habilitado a
16 UM CERTO PONTO DE VISTA
regional artistic activity. 365 appeared as a will
to overcome a tradition of “viewpoints” that are
little informed and/or atavistically rooted in habits,
ideas, and prejudices, which prevent other, more
updated “viewpoints”: but we are convinced that
the persistence of these visions has had a nefarious
effect in the cultural development of society in
the Algarve, holding it back and thus hindering the
course of the life of the region in its many areas of
activity — the underdevelopment of the artistic/
cultural production is not only a reflex but also a
cause of this phenomenon.
365 Algarve is, alas, not immune to its own
contradictions: on the one hand, it affirms itself as
dedicated to the tourist sector; on the other hand,
it insinuates itself as a factor of cultural dynamism
as it attempts to engage local cultural agents
through a support — in the context, articulating
the “engagement” (a word of many synonyms) with
“support”, as applied to artistic and cultural agents
evinces the danger and the perversity inherent to
the “design” of the program, to the extent that it
undervalues and subdues the artistic activity to
the criteria of the industry of tourism. Sadly, this
is a classic “viewpoint” that is clearly contrary to
the artistic production — a vision which can be
subsumed in the phrase “I pay, therefore I give the
orders (even if I know not about what).
A “point of view” is in fact something anyone can
have. From where they stand, they only have to
focus on the object and analyse it and the senses will
be informed by enough synaptic connexions. Thus,
the subject is, “naturally”, in an easy and painless
way, prepared to have an opinion – hence, in general,
the utility of “points of view”.
ter uma opinião — é para isso que, em geral, servem
(ou se usam) os “pontos de vista”.
Esta visão simplista, mas ao seu nível veraz,
que reduz o fenómeno a algumas reacções
físico-químicas condicionadas por banal relação
geométrica estática entre sujeito e objecto, tem
desde logo uma implicação de monta: é que, como
dois corpos não podem ocupar em simultâneo o
mesmo espaço físico, não é possível conceber a
existência de dois “pontos de vista” iguais.
Tal ‘ideia’ é reforçada pelo facto de que não se
concebe no universo conhecido dois sujeitos,
mesmo que monozigóticos inseparáveis, biográfica
e culturalmente idênticos. Por seguinte, quem deste
modo pode, e com razão, sobre qualquer assunto
afirmar ter um “ponto de vista”, portanto opinar,
não possui mais que um “certo ponto de vista”, o
seu; o que não significa um “ponto de vista certo”.
Por outro lado, uma vez que os objectos submetidos
à passagem do tempo, momento a momento,
constantemente se alteram, também sobre o nosso
“ponto de vista” temos de honestamente assumir
o seu carácter transitório. Por aqui, mais correcto
seria alguém reconhecer ter apenas um provisório e
“incerto ponto de vista”.
Paradoxalmente, embora aparente ser equívoco
inútil, o “ponto de vista”, sempre dependente
da idiossincrasia do sujeito na sua mutável
circunstância e da transitoriedade do objecto,
é coisa de muita utilidade; com a humildade de
aceitarmos que possuir “certo ponto de vista” não
significa mais que mera possibilidade de “verdade”
transitória, a pedir actualização e exame crítico
constantes, serve-nos como o ponto no teatro —
uma espécie de GPS que vai orientando na perpétua
This simplistic but truthful vision at its level, which
reduces the phenomenon to physical-chemical
reactions conditioned by a banal static geometric
relation between subject and object, has an
immediate very relevant implication: just as two
bodies cannot occupy the same physical space
simultaneously, it is not possible to conceive the
existence of two equal “points of view”.
Such an “idea” is reinforced by the fact that the
existence of two individuals in the known universe,
even though inseparably monozygotic, culturally
and biographically identical, is not conceivable.
Therefore, someone who would be able to rightly,
and on any topic declare to have a “point of view”
- and thus to opine – could not have more than a
“certain point of view”; which does not mean the
“point of view that is certain”.
On the other hand, once the objects submitted to
the passing of time, moment by moment, constantly
changing, also to our “point of view” we must
honestly ascribe its transitory character. It would
therefore be more correct to recognize that we have
only a provisory and “uncertain point of view”.
Paradoxically, although it seems to be a useless
misconception, the “point of view” always
dependent upon the subject’s idiosyncrasy in
its mutable circumstance and on the transience
of the object, is very useful; with the humility of
accepting that to have a “certain point of view”
does not mean more than a mere possibility of
transitory “truth”, asking for a constant updating
and critical examination, it is as useful to us as the
prompter in theatre – a kind of GPS that guides us
in the perpetual fight against ignorance, like in the
reception of ever new and diverse events.
A CERTAIN POINT OF VIEW 17
lida contra a ignorância, como na recepção de
sempre novos e diversos acontecimentos.
De facto, ter um “certo ponto de vista” pode e
deve servir para mais que desconversar no café.
No entanto, para isso, temos de abandonar a pose
estática e o olhar apressado, a favor da busca activa
da outra perspectiva, do novo ângulo, com diverso
enfoque, considerando o objecto pelo prisma da
visão alheia, de modo a obtermos um panorama
tão geral como detalhado, que nos permita uma
opinião mais informada e crítica — e assim, fruto
de estudo e reflexão, mas também da experiência,
possuir um “certo ponto de vista” menos incerto
e mais consciente, apto para modelo de aferição
— provisório e em permanente reavaliação — do
assunto a considerar.
Contudo, mesmo após tal esforço, este “ponto de
vista” não é de aplicação universal: apenas se aplica
a um objecto/assunto considerado isoladamente;
para todos os outros, é necessário repetir o
árduo processo. Na verdade, é muito natural que
especialistas num determinado campo de saber,
ou profissionais com toda uma vida de sucesso no
seu negócio, com títulos académicos ou historial de
cargos públicos de grande responsabilidade, sejam
perfeita e rematadamente destituídos de um “ponto
de vista certo” sobre tudo o que escapa à sua
específica e habitual área de interesse.
Não é raro o exemplo de alguém durante muitos
anos aplaudido pelo seu saber especializado,
na angústia de não desiludir os admiradores,
se sinta incapaz de reconhecer a sua ignorância
sobre assunto fora da sua esfera de saber e,
consequentemente, tome a decisão errada — pode
dizer-se, portanto, que um “certo ponto de vista”
18 UM CERTO PONTO DE VISTA
In fact, having a “certain point of view” may
and must serve for more than a chat at the pub.
However, in order for that to happen, one must
abandon the static pose and the quick glance, in
favour of an active quest for the other perspective,
for the new angle, with a diverse focus, and
considering the object through the viewpoint of
others, so that one obtains a panorama as wide
and as detailed, which allows for a more educated
and critical opinion. And upon that, through study
and reflexion, and also through experience, to
possess a “certain point of view” less uncertain
and more conscious, more able to serve as a model
for assessment – provisory and in permanent
reevaluation – of the subject to be considered.
However, even after such effort, this “point of view”
is not of universal application: it can only be applied
to an object/topic considered singly; for all the rest,
it is necessary to repeat the arduous process. In
truth, it is very natural that experts of a specific
field of knowledge or professionals who have had a
successful life in their business, with academic titles
or a history of important public jobs, be perfectly
and completely dismissed from a “point of view
that is certain” about everything that escapes their
specific and usual area of interest.
It is not uncommon to find someone who
has been applauded for many years for their
specialized knowledge feeling, in the anxiety of
not disappointing the fans, to feel incapable of
recognising their ignorance about a subject strange
to their area of expertise and, consequently,
choose the wrong option – one may say, thus, that a
“certain point of view” about himself/herself hinges
fundamentally on the circumstances of each and
sobre si próprio depende muito das circunstâncias
de cada um. Caso muito comum é o de se aplicar a
um tema pouco compreendido as receitas gerais da
gestão macroeconómica, ou regras administrativas
burocráticas e desajustadas, que impossibilitam
o cabal aproveitamento dos recursos — já neste
caso, é difícil discernir qual “o ponto de vista” a
responsabilizar, ou se sequer existe algum…
É também frequente que o indivíduo, não possuindo
um “certo ponto de vista”, em vez de se dar ao
trabalho de o construir, adopte um “ponto de
vista” colectivo. Na verdade, tal tipo de “pontos
de vista”, que se formam nebulosamente entre
grande variedade de acasos de todo o género e
qualidade, embora possa ser totalmente inadequado
ao tratamento de qualquer assunto, tem sempre o
encanto de gozar de uma espécie de legitimidade
“democrática”. É este amplo consenso que os
justifica e torna aptos a serem usados, com destreza
discreta e irreflectida, sem que o decisor alguma
vez se sinta confrontado com o fraco alicerce da sua
decisão — contando, para mais, com uma enorme
probabilidade de passivo/acrítico aplauso ‘colectivo’.
É um fenómeno que não implica forçosamente um
qualquer intuito malévolo. De facto, “certos pontos
de vista” comuns, por falta de tempo e disposição,
quando não de capacidade para o exame crítico, sob
a aparência (apenas pela sua difusão) de “verdades
universais”, disseminam-se sub-repticiamente em
cada mente desse ‘colectivo’ como se de um vírus
se tratasse, contaminando qualquer profissional
fragilizado pelas pressões e premências da
existência contemporânea.
every person. It is most common to apply upon a
very little understood theme the general principles
of macroeconomic management, or bureaucratic
and maladjusted administrative rules, preventing
the full use of resources – in this specific case, it is
difficult to discern which “point of view” must be
accounted responsible, or even whether there is
one…
It is also frequent that the individual not in
possession of a “certain point of view”, instead of
trying to establish it, adopts a collective “point of
view”. In fact, such kind of “points of view”, which
foggily form among the great variety of events of all
kinds and qualities, although it may be completely
inadequate concerning the treatment of any matter,
always has the charm of benefitting from a sort of
“democratic” legitimacy. It is this ample consensus
that justifies them and makes them suitable to
be used, with discrete and thoughtless dexterity,
preventing the decision-maker from ever being
confronted with the weak foundation of his/her
decision – furthermore when that decision maker
counts on an enormous probability of passive/a-
critical “collective” applause.
It is a phenomenon that does not necessarily imply
any type of malicious intention. In fact, common
“certain points of view”, for lack of time and
availability, or even in the absence of capacity for
a critical exam, under the appearance (only for
its diffusion) of “universal truths”, surreptitiously
disseminate in each mind of that “collective” like a
virus, contaminating any professional weakened
by the pressures and urgency of contemporary
existence.
A CERTAIN POINT OF VIEW 19
Infelizmente, a ‘visão popular’ e certas crenças
profissionais, têm a inadvertida vocação de
dificultarem a actividade artística. Note-se aliás
a contradição; por um lado estes “pontos de
vista” reconhecem méritos no contributo social/
cultural da actividade artística, até lamentam as
dificuldades sentidas pelos artistas, no entanto,
por outro, recusam-se acriticamente a reconhecer
a especificidade da sua actividade, sujeitando-os
insensivelmente a critérios uniformizadores.
Claro está, este tipo de “pontos de vista” têm
implicações no desempenho do autor seja onde for:
mesmo aqui no Algarve, onde a vida decorre com
uma placidez soalheira, invulgar noutras paragens.
Ora, os agentes artísticos quando solicitados a
afinarem os seus “certos pontos de vista” pelo
prisma da qualidade do viver algarvio — como lhes
foi sugerido quando idealizámos o ciclo de arte
contemporânea Um Certo Ponto de Vista —, não
poderiam escapar a estes obstáculos.
De facto, o que se lhes pede é o abandono e/ou a
distorção dos “pontos de vista” que alicerçaram
da observação crítica e do estudo, durante a sua
vida de trabalho, e que abdiquem de os defender
com a mesma intransigência e convicção com que
esforçadamente os construíram.
Neste contexto, a realização de Um Certo Ponto de
Vista deve ser entendida como acto de resistência,
em que a normal e quotidiana reavaliação/
actualização dos “pontos de vista” envolvidos,
pressionados por forças contrárias ao correcto
processo artístico e curatorial, tem de árdua e
acrescidamente lutar por manter a integridade de
princípios.
20 UM CERTO PONTO DE VISTA
Unfortunately the “popular vision” and certain
professional beliefs have the unintended
vocation of hampering the artistic work. Note the
contradiction: on the one hand, these “points of
view” acknowledge the merits of artistic activity for
the social/cultural contribution; they even lament the
difficulties felt by artists; yet, on the other hand, they
uncritically refuse to acknowledge the specificity of
their activity, insensitively subjecting the artists to
standardizing criteria.
Of course, these kinds of “points of view” have
implications in the author’s performance wherever
it occurs: even in the Algarve, where life is lived in
a sunny placidity unusual in other places. When
artists and other cultural agents are asked to tune
in their “certain points of view” through the prism
of Algarve’s life quality – as it was suggested when
we idealized the cycle of contemporary art A Certain
Point of View –, could not escape these obstacles.
In fact, what they are asked is to abandon and/or
distort their “points of view”, the ones they had
founded in their lifetime by their critical observation
and study, and abdicate from defending them
with the same intransigence and conviction they
experienced when dedicatedly constructed them.
In this context, the making of A Certain Point of
View must be understood as an act of resistance,
in which the normal and daily reassessment/
updating of the “points of view” involved, under the
pressure of forces contrary to the correct artistic and
curatorial process, need to fight harder and spend
more energy in order to maintain the integrity of
principles.
It is an exercise in which, among the mist of
uncertain convictions, of hesitating wills and
É um exercício em que, entre a neblina das
convicções incertas, das vontades hesitantes e
práticas contraditórias (além da problemática gestão
de meios materiais no/e do tempo), se impõe a
compatibilização e o convívio do pragmatismo mais
frio e racional com uma exuberante fé quase mística.
Naturalmente, um desafio eivado de tais
contradições apenas poderia ser enfrentado por
autores com fortes “pontos de vista”, sólidos
e resilientes e, em simultâneo, com o espírito
generoso e exigente de quem arrisca na convicção
de que o trabalho artístico é essencial a esta
sociedade global.
É o caso da Ana André, com as suas pinturas
da luminosidade equívoca e transitória, que
convocam o passado à renovação do presente, no
seu caminho de construção de uma obra sólida e
serena; é o caso do fotógrafo Vasco Célio, com o
seu registo/reportagem duma festividade popular
e seus protagonistas circunstanciais, encantado
pela estranheza e contradição dessa tradição tão
religiosa como profana, formalmente civilizada e
alegremente bárbara; é o caso da imperturbável
convicção com que a Isabel Baraona, o Tiago
Batista e o Thierry Simões apresentam as suas
perspectivas da disciplina do Desenho, num projecto
conjunto realizado em imersão neste “ar” algarvio
tão peculiar; e é o de Pedro Valdez Cardoso, como
um xamã que nos vem assinalar uma possibilidade
de referência geográfica e conceptual, ainda que
precária, para futuro.
contradictory practices (besides the problematic
management of material means in/and from time),
a compatibility is imposed between the conviviality
of a colder and more rational pragmatism with an
exuberant, almost mystical fait.
Naturally, a challenge contaminated with such
contradictions could only be faced by authors with
strong, solid and resilient “points of view”, and
simultaneously with a generous and demanding
spirit of those who take risks in the conviction that
the artistic work is essential to this global society.
Such is the case of Ana André, with her paintings
of equivocal and transitory luminosity summoning
the past to the renovation of the present, in her
path towards a solid and serene work of art; it is
the case of the photographer Vasco Célio, with his
documentation/reportage of a folk festivity and
its circumstantial protagonists, enchanted by the
strangeness and contradiction of a tradition that
is as religious as it is profane, at once formally
civilized and joyfully barbarian; it is the case of
the undisturbed conviction with which Isabel
Baraona, Tiago Batista and Thierry Simões show
their perspectives about the discipline of Drawing,
in a joint project carried out while they immersed
themselves in this so peculiar “air” of the Algarve;
and it is that of Pedro Valdez Cardoso who is like a
shaman coming to signal a possible geographic and
conceptual, if precarious reference for the future.
Artadentro, Vasco Vidigal
A CERTAIN POINT OF VIEW 21
Um Certo Ponto de Vista
A Certain Point of View

ANA ANDRÉ
Praia

Museu Municipal de Faro

14 de Outubro a 3 de Dezembro de 2017
October 14 – December 3, 2017

Museu de Portimão
3 de Março a 8 de Abril de 2018
March 3 – April 8, 2018

23
24 UM CERTO PONTO DE VISTA
A CERTAIN POINT OF VIEW 25
26 UM CERTO PONTO DE VISTA
A CERTAIN POINT OF VIEW 27
28 UM CERTO PONTO DE VISTA
A CERTAIN POINT OF VIEW 29
30 UM CERTO PONTO DE VISTA
A CERTAIN POINT OF VIEW 31
32 UM CERTO PONTO DE VISTA
A CERTAIN POINT OF VIEW 33
34 UM CERTO PONTO DE VISTA
A CERTAIN POINT OF VIEW 35
36 UM CERTO PONTO DE VISTA
A pintura de Ana André: a memória como elegia
Ana André’s paintings: memory as «elegy»
José Paulo Cruz Pereira
1. O que primeiro se deveria observar, dessa
extraordinária pintura que é a de Ana André, é
que ela é uma pintura circunspecta, pensativa -
sonhadora até. Diz-nos a pintora – a propósito da
escolha da «praia de Faro» como espaço referencial
do seu olhar: «o que me motiva são memórias de um
tempo que lá vivi» . Mas dos seus quadros – embora
1
eles suponham, também, como veremos, uma
certa dimensão do testemunho – nenhuma vocação
memorialística, ou impulso arquivístico parecem,
com efeito, desprender-se: «porquê pintar? Não
basta fotografar ou filmar? Não, porque não
interessa só a imagem do que lá está. É mais que
isso. A pintura acrescenta um tempo que é outro» . Em
2
que consiste, então, esse tempo outro? Posto
que são «memórias ligadas a emoções», o que a faz
aí voltar... Ao que a pintora nos acrescenta: «para
olhar melhor»... O que estará, então, aí em jogo?
Uma discreta alusão a «Posesión del Ayer» – um
dos poemas de Los Conjurados, do grande escritor
argentino Jorge Luís Borges – oferece-nos já uma
primeira indicação: «há uma frase de Jorge Luís
Borges que nos diz que todos os paraísos são
perdidos, que só é nosso aquilo que perdemos» .
Que diz Borges, então, concretamente?
1
Apontamentos inéditos da pintora.
2
Ibidem: sublinhado meu.
3
Ibidem.
1. What should first be conveyed, about the
extraordinary paintings of Ana André is the way they
look circumspect, as if performed in a pensive mood
- even dreamlike. On choosing the beach of Faro
as the referential space for her vision, the painter
remarks: «what drives me are the memories of a
time when I lived there»1. But from those paintings
of hers – even if we take into careful consideration
the testimony dimension attached to them, as we
will later see – neither memorialistic vocation, nor
archival impulse seem to emerge: «why painting? Is
photographing or filming not enough? No, not at all,
because the image [of what stands there, in front of
the cameras] is not the only thing that matters.
It is much more than that. Painting adds another
kind of time»2. What kind of time, then? For all those
memories she refers to are also «memories attached
to emotions»3 which make her return... «To take a
better look», the artist adds... So, what is then at
stake here? A discreet allusion to «Posesión del Ayer»
– a poem from Los Conjurados, by the great
Argentinean writer Jorge Luís Borges – may offer
us an interesting clue: «There is a line by Jorge Luis
3
Borges which tells us that every paradise is lost, only
what we lose is ours» 4.
So, what was it that Borges really said? Let us recall
it:
1
From an unpublished notebook of the artist.
2
Ibidem.
3
Ibidem.
4
Ibidem.
A CERTAIN POINT OF VIEW 37
 Sé que he perdido tantas cosas que no podría contarlas y que esas perdiciones, ahora, son lo que es
mío. [...] Todo poema, con el tiempo, es una elegía. Nuestras son las mujeres que nos dejaron, ya no
sujetos a la víspera, que es zozobra, y a las alarmas y terrores de la esperanza. No hay otros paraísos
que los paraísos perdidos. 4 / 5
Assim, toda a «elegia» é, também, um testemunho:
não apenas da perda sofrida – e do que se perdeu,
mas que agora nos constitui, no que há de mais
profundamente nosso, «já não sujeitos» aos
«terrores da véspera» ou da «esperança»... – mas
também do que, por seu intermédio, tanto em nós
quanto a nós mesmos sobrevive. O que significa,
portanto, que se alguma coisa há de testemunho,
na pintura de Ana André, é justamente na medida
em que ela é intensamente movida, não apenas por
recordações, mas também por emoções e desejos.
Por uma discreta pulsão onírica, em suma, que a tais
recordações refunda ou desloque, e as reconfigure
hoje, para plasticamente as interrogar: para olhar
melhor... Pois que é precisamente disso que se trata,
se «a experiência primeira é a da imagem intensiva»
– aquela experiência ante-predicativa, que
ocorre antes de «a percepção se estabilizar» – e
se, como nos diz ainda José Gil, em A Imagem
Nua e as Pequenas Percepções: «o artista volta
incessantemente a essa massa primitiva».
4
BORGES, Jorge Luís, «Los Conjurados: ‘Posesión del Ayer’», in Obras
Completas II – 1975-1985, Buenos Aires, Emecê Editores, 1989, p. 482:
«sei que perdi tantas coisas que não poderia contá-las e que essas
perdas, agora, são o que é meu. [...] Todo o poema, com o tempo, é
elegia. Nossas são as mulheres que nos deixaram, já não sujeitos
à véspera, que é o pressentimento de um soçobrar e os alarmes e
terrores da esperança. Não há outros paraísos senão os perdidos»
38 UM CERTO PONTO DE VISTA
Thus, every «elegy» is also a testimony: not only of
the loss suffered – and of what was lost, but which is
now a part of us, the deepest part of us, «no longer
exposed» to the «alarms of eve» or the «terrors
of hope»... – …but also of what survives through it.
Which means that, if there is anything of a testimony
in Ana André’s paintings, that will precisely be to
the extent she is intensely moved, not only by her
memories, but also her emotions and desires.
Or a discreet oneiric drive that both regrounds
and shifts some of her memories from yesterday,
and reconfigures them today, so as to plastically
interrogate them: «to take a better look»... That is
precisely what it consists of, if «the first experience
is that of an intensive image»6 – that ante-predicative
experience which takes place before «perception
stabilizes» – and if, as is also stated by José Gil, in
A Imagem Nua e as Pequenas Percepções: «the artist
endlessly returns to that primitive mass»7.
5
BORGES, Jorge Luís, «Los Conjurados: ‘Posesión del Ayer’», in Obras
Completas II – 1975-1985, Buenos Aires,Emecê Editores, 1989, p. 482:
«I know I have lost countless things and that those losses are now
what is mine. [...] Every poem, with time, becomes elegy. Ours are the
women who left us, no longer exposed to eve, which is the anxious
antecipitation of failure, and to the alarms and terrors of hope. There
is no paradise other than the paradise lost».
6
GIL, José, A Imagem Nua e as Pequenas Percepções – estética e
metafenomenologia, 2ª ed., Lisboa, Relógio d’Água, 2005, p. 23.
7
Ibidem.
Pois que ela «é o seu reservatório de experiência, Since «it is the reservoir of his experience, the source
de onde tira a força virgem das suas formas», para a of the pure strength of his shapes»8, so as to rebuild
partir delas «refaz[er] um mundo já mais ou menos from them a world already more or less formed by
moldado pela linguagem»5. Ora, nesse artista: language». Thus, for the artist:

A sua experiência não é pura, mistura imagens actuais e imagens arcaicas, emoções que acabam de
irromper e recordações de emoções; esta mescla torna-se então a condição da imagem nova, essa
imagem vinda não se sabe donde – porque vinda do caos original que é necessário ao artista reactivar
incessantemente.6 / 9

Parte do que nesta pintura age é, portanto,
emergente do seu passado. Uma energia que,
comunicada ao seu presente, ao mesmo tempo a
liberta da mera nostalgia, ou do simples impulso
de qualquer espécie de restituição – sempre, de
resto, mais ou menos fantasmáticos. Posto que
So, part of what acts in these paintings emerges
from the past. An energy that, when communicated
to its present, releases itself from the burden of
mere nostalgia or the simple urge of any type
of restitution - which is always, to some extent,
phantasmatic. Since all memory space is also a

5
GIL, José, A Imagem Nua e as Pequenas Percepções – estética e 8
Ibidem.
metafenomenologia, 2ª ed., 9
Ibidem: «His experience is not pure, it combines current images and
Lisboa, Relógio d’Água, 2005, p. 23 archaic images, emotions just irrupted and memories of emotions;
6
Ibidem. this blend then becomes the new condition, that image coming from
an unknown place - because it comes from the original chaos which
the artist must incessantly reactivate.»

A CERTAIN POINT OF VIEW 39

todo o espaço da memória é, também ele, pulsional:
atravessado, não só pelo sonho, mas também pelo
desejo que ele pressupõe. Ou ainda, como nos
diria J. L. Borges, em «Todos los ayeres, un sueño»:
«el pasado es arcilla que el presente / Labra a su
antojo. Interminablemente»7. Pautada, assim, por
uma certa economia de forças, a pintura de Ana
André obedece, então, a apelos de vária índole. Que
apelos? Por um lado, de ordem temática e referencial
– ou mais simplesmente existencial e ontológico-
-temporal:
libidinal one, permeated not only by a certain
dreamwork but also by the desires it presupposes.
Or, in J.L. Borges’s words in «Todos los ayeres, un
sueño’»: «el pasado es arcilla que el presente / Labra
a su antojo»10. Ana André's work, hence marked by a
certain economy of forces, follows different kinds of
appeal. Which ones? On the one hand, thematic and
referential - or existential and ontological-temporal:

O espaço da praia é cheio de marcas, restos deixados pelas vivências das pessoas que lá habitam ou
habitaram. A sua passagem deixa marcas na paisagem. Interessa-me compreender a ocupação do
espaço, aparentemente caótica, na qual não há um planeamento visível, mas antes um crescimento
orgânico, tal como o crescimento das dunas, das plantas, das marés. É um vaivém que deixa ondas,
na areia, que são semelhantes às ondas da água. Interessam-me as marcas causadas pelo vento,
pela água, pelos habitantes que a ocupam. As casas, a sua construção e a sua destruição, o rasto
deixado pela sua destruição. 8 / 11

Mas, por outro lado, é já a este mesmo nível que, But, on the other hand, a surprising mutation is
muito discretamente, se vai instalando uma discreetly taking place at this same level – a sort
surpreendente mutação – uma passagem de nível of opening passage to another level – pertaining to
que diz, para nós, respeito ao seu pensamento its immanent thought: because what the painter
imanente: pois o que a pintora acaba de nos dar é,
então, a praia como uma espécie de extensa tela
exterior, aberta a diferentes processos de inscrição.

10
BORGES, Jorge Luís, in «Los Conjurados: ‘Todos los ayeres, un sueño’»,
Obras Completas II –1975-1985, op. cit. p. 493: «the past is clay endlessly
reshaped by the present’s most urging desires»
11
From an unpublished notebook of the artist: «The beach is a place
full of imprints, remains left by the experiences of those who once
lived there and those who still do. Their passage leaves marks on the
landscape. I am interested in understanding the apparently chaotic
occupation of space, in which there is no visible planning but an
7
BORGES, Jorge Luís, in «Los Conjurados: ‘Todos los ayeres, un sueño», organic growth such as the growth of the dunes, the plants and the
Obras Completas II – 1975-1985, op. cit. p. 493: «o passado é argila tides. It is a back and forth movement, it leaves wave shapes on the
que o presente / molda segundo os seus mais prementes desejos. sand which are similar to the waves of the water. I am interested in
Interminavelmente» the marks caused by the wind, the water, the inhabitants. The houses,
8
Apontamentos inéditos da artista. their construction and destruction, the trace left by destruction.»

40 UM CERTO PONTO DE VISTA

Essa articulação entre níveis – o existencial e o
estético... – nos faria então pensar, por um lado, na
memória como um imenso quadro, incessantemente
refeito pelas inscrições de um tempo que seria tanto
subjectivo quanto objectivo, por não depender,
unicamente, da vontade consciente. Por outro
lado, numa pintura que seria, então, uma forma de
memória. Pois que nela se increveriam, não apenas
os rastos e os restos da vida material de quem ali
habitou ou habita, mas também os efeitos das
forças dos seus afectos que, ali metaforizada pelo
silencioso e fracturante trabalho dos elementos,
aqui implicaria um incessante retraçamento dos
seus espaços.
Ora, no campo da tela – e já não na tela desse outro
campo: o da praia... E porque a tela é, também
ela, um campo de forças... - outro tipo de apelos
intervém. Oriundos da interação dinâmica entre
alguns dos seus elementos e valores plásticos,
esses apelos concorreriam, quer para certos efeitos
de modulação e harmonização tonal ou sugestão
rítmica, quer para certa economia de contrastes
ou recomposição dinâmica dos percursos, eles
próprios ligados à recordação e ao recordado.
Tais movimentos acompanhariam, assim, no
processo pictórico, a uma escala micrológica – a das
«pequenas percepções»... – aquele outro movimento
mais amplo que, no seu exterior, a pintora acaba de
descrever como orgânico. Essa passagem de nível
inscreve-se, precisamente, na sua ideia de
«paisagem utópica»:
has just given us is, consequently, the beach as a
type of extensive outdoor canvas, open to different
inscription processes. On one hand, such an
articulation between levels – existential and
aesthetical - would make us think of memory as
an immense painting, endlessly redone by the
inscriptions of a time both subjective and objective,
given that it does not depend on conscious will
alone. On the other hand, the same level-switching
would make us think of a painting as a form of
memory. In it, not only the traces and the material
remains of those who once lived there or still do would
be inscribed, but also the effects of the strength of
the affections, there symbolized by the quiet and
fracturing work of the elements would here imply an
endless retracing of space.
Now, on the canvas scope - and not anymore on
that other space: the outdoor canvas the beach is
like... and because the canvas is itself a force field...
- other types of appeal occur. Originating from the
interaction between some of their elements and
their plastic values, those appeals would contribute,
both to certain modulation and tonal harmonization
effects and rhythmic suggestion, and to a certain
economy of contrasts or a dynamic recomposition
of the paths, being themselves attached to memory
and to what is remembered. Such movements would
accompany, in the pictorial process, and at a
micrologic level - that of «small perceptions»...- that
other movement which is wider and that, externally,
the painter just described as organic. That sort of
level switching inscribes itself precisely in her idea of
«utopian landscape»12:
12
From an unpublished notebook of the artist: «The beach is today the
utopian place. It is the place of freedom, of pure presence, of harmony
with nature. It is paradise, not in a religious sense, but in the sense of
returning to nature, to the primitive. The house is almost in the water
- the closer the better. Could the utopian landscape be a materialization
of the landscape of our desire?»
A CERTAIN POINT OF VIEW 41
 A praia é o lugar da utopia hoje. É o lugar da liberdade, da presença pura, da sintonia com a natureza. É
o paraíso, não no sentido religioso, mas no de um certo regresso à natureza, ao primitivo. A casa está
quase dentro de água – quanto mais perto melhor. Será a paisagem utópica uma forma de concretizar
a paisagem do nosso desejo? 9

Ora, uma tal «paisagem utópica» implica já, como se
viu, a perda que hoje somos. E é precisamente por
isso que, referindo-se a certo tipo de reenvio, entre
elementos afastados que essa memória, –
situando-os ela, desta feita, num mesmo plano
de intensidades: «já não sujeita aos terrores e
esperanças da véspera»... – afinal projecta como
compossíveis e mutuamente instigadores, esses
apelos são, também, os de uma sugestividade
emotiva que ali se vale da inscrição persistente de
certas atmosferas ou ambiências. Elas se diriam,
assim, coessenciais ao devir-espaço deste sujeito.
O que ali assim se recorda, onderativamente se
retoma e perscruta, então, na sempre diversa
modulação das suas forças, para vir a reconfigurar-
se a partir de posições deste olhar que são sempre,
quer limítrofes, quer imanentes ao espaço do
observador.
Such a «utopian landscape» implies, as we have
seen, the loss we are today. And that is precisely
the reason why, responding to a certain type
of ressonance between elements at a distance,
memory now - placing them on the same level of
intensity: «no longer subjected to eve's terrors and
hopes»...- projects them as compatible. Mutually
motivating those appeals are also characterized
by emotional suggestiveness which makes use of
the persistent inscription of certain atmospheres
and ambiences. They are then coessential to
the becoming-space of this subject. What is
remembered, is ponderingly resumed and
scrutinized in its always diverse modulation of
forces, to later reconfigurate itself from viewpoints
which are always, either adjacent or immanent to the
observer's space.

9
Ibidem.

42 UM CERTO PONTO DE VISTA

15 16 17
2. Talvez não seja, portanto, meramente fortuita
a sua escolha de uma incerta hora: a de um certo
lusco-fusco. Quer a hora crepuscular do entardecer,
quer aquela outra que passa por certos «dias
cinzentos», cujas variações cromáticas, na grave e
profunda modulação de certos tons, nos surgem
reiteradamente exploradas. Ora exuberantemente
assinaladas – na exaltação de súbitas, obscuras
e vertiginosas florações... – ora subtilmente
indicadas – no esmaecimento da luz atenuada
por algum desses dias mais turvos – elas agem,
assim, em detrimento do recorte identificativo dos
elementos cuja presença ali somente se indicia.
Ora, o que assim se marca é já o movimento de uma
interrogação que ali se obtém pelo desprendimento
entre a coisa e o nome – numa hesitação ou
desnudamento10 também eles propiciados por esse
mesmo desvanecimento da luz. Daí a frequência
dos seus entardeceres. Daí ainda, os horizontes
de céu baixo, em dias sem sol, nos quais o mar, ao
fundo, parece subir céu adentro (como se, colocado
numa estranha reversão, vertesse para dentro de si
mesmo).
10
Para José Gil, na esteira de Freud: «as imagens nuas formam-se
por corte com o estrato verbal».
Cf. op. cit., p. 20.
2. Those could also be some of the reasons why her
choice of an uncertain hour, that of twilight, might
not be merely fortuitous. Whether the twilight in
the dusk, or that other moment on «grey days»,
which goes through chromatic variations, in the
serious and deep modulation of certain tones, arise
repeatedly explored. Either exuberantly noticed - in
the exaltation of sudden, obscure and vertiginous
bursts... - or subtly indicated - in the fading light of
one of those blurry days - they act, hence, to the
detriment of the identifying cutting of elements,
whose presence is there only suggested. What is
thus defined is the movement of an interrogation
there obtained by the detachment between the
object and the name - through hesitation or
denuding13, also provided by the same fading of
the light. Therefore, the frequency of nightfall.
Therefore, the low and blurred skyline horizons, on
days without sun, when the sea, in the background,
seems to be climbing onto the sky (as if, in an odd
reversion, it poured into itself).
13
To José Gil, as to Freud: the nude images «form by cutting temselves
loose from the verbal stratum» Cf. op. cit., p. 20.
A CERTAIN POINT OF VIEW 43
 19
18

20 21

23
22

44 UM CERTO PONTO DE VISTA

Posto que todos eles acentuam o mistério e o lado
trágico da impermanência das coisas. Todos eles
insinuam a contingência do nosso encontro com um
mundo cuja presença tenderia, assim, a retrair-se
para uma obscuridade que nos devolveria, então, ao
seu enigma. Será mesmo a essa estranha luz que,
nas suas paisagens, se introduz, então, uma certa
e inquietante presença do sujeito que recorda: ora
porque, nas suas imediações, o chão levemente se
ilumine – às vezes em tonalidades cromáticas de
uma carnação nele aflorada ou para ele transferida;
ou porque é a seus pés que essa terra litoral nos
parece agora animar-se, como se instada a
reinscrever, na instável orografia das dunas ou na
rugosa estriagem dos terrenos abandonados,
quer os arrimos de certa ondulação suspensa do
mar – mesmo quando captada no abismado rodopio
dos seus redemoinhos... – quer certa tumultuosa
crestação de emoções que aí poderiam ter (tido)
lugar. «Aí»: na indecisão entre espaços, na sua
sobre(im)posição litoral.
Porque – convém lembrá-lo... – o (in)visível sujeito de
que, nas suas extraordinárias paisagens, Ana André
nos dá conta, está também no movimento-
-rebentação daquelas sucessivas aproximações em
que a sua pintura se vai sedimentando – sempre
«para ver melhor»... Assim vai ela deixando, atrás de
si – em cada quadro – o sobressaltado friso dessa
sua insistência. Significa isto, portanto, que «Praia»
nos traz à experienciação, quer de um certo espaço
limiar, quer de um tempo de transição... De resto,
o que o título da exposição nomeia é já sugestivo
daquela obliquidade corporizada no declive pelo
qual a terra se perde mar adentro... Como se, na
oscilação litoral que a sua respiração acolhe – entre
Because they all accentuate the mystery and the
tragic side of the impermanence of things. They
all insinuate the contingency of our encounter
with a world whose presence would tend towards
retracting to an obscurity which would consequently
take us back to its enigma. It is under that same
strange light that, in her landscapes, a restless
presence of the reminiscing subject is introduced:
whether because the nearby ground becomes
slightly illuminated - sometimes in flesh like
chromatic shades – or because at his feet, that
coastal land seems now to become alive, as if
urged to redraw, on the unstable orography of the
dunes, the lines of fracture of the roughened and
abandoned lands, the frozen movements of a certain
suspended sea undulation - even when captured by
the astonishing twiddle of its swirls... - or a certain
tumultuous scorching of emotions which could have
taken place there. «There» in the indecisiveness
between spaces, on its coastal overlapped
(im)position.
For - it should be recalled... - the (in)visible subject
Ana André alludes to, in her extraordinary landscape
paintings, is also present in the movement-riptide
of those successive approximations through which
her work is sedimented - in order to «see better»...
Therefore, the startling frieze of her insistence is left,
behind her, in each painting. Hence, this means that
the «Beach» makes us experience a sort of threshold
area and a transition time... Moreover, what the
title of the exhibition names, already suggests the
obliquity embodied in the slope where the earth
loses itself into the sea... As if, in the coastal oscillation
welcomed by its breathing - between presence and
absence, reality and utopia, memory and hope...
- what was there at stake was also an inclination
A CERTAIN POINT OF VIEW 45
46 UM CERTO PONTO DE VISTA
presença e ausência, realidade e utopia, memória
e desejo... – o que ali estivesse em causa fosse,
igualmente, a inclinação que a predispõe ao sentido
de uma certa pulsão de catástrofe. Porque, tal como
se diz em «Posesión del Ayer»:
Sólo el que ha muerto es nuestro, sólo es nuestro lo que perdimos. Ilion fue, pero Ilion perdura en el
hexámetro que la plañe. Israel fue cuando era una antigua nostalgia.11 / 14
Assim é a pintura de Ana André. Há, nas suas
paisagens, quer abandonos – é o caso daquele
grelhador que, feito de um tambor velho, ali
sobressai de entre o tojo: para onde foram todos,
entretanto? – quer abatimentos de um solo que vai
cedendo, em imprevistos deslocamentos, às forças
elementares de uma natureza que subtende toda
a sua orografia visível. E, no entanto, por entre
uma vegetação escassa e dispersa – muito desta
pintura nos sugere a imediação ou a periferia,
a transgressão ou a suspensão do limite, a
exterioridade e a eminência trágica... – a enigmática
figura da torre branca de uma bica abandonada aí
conota uma espécie de paradisíaca fonte: a de um
sedento mundo que é ainda preciso «ver melhor»...
Talvez por já condenado a desaparecer.
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve.
11
BORGES, Jorge Luís, «Los Conjurados: ‘Posesión del Ayer’», in op.
cit., p. 482: «Apenas o que morreu é nosso, somente nosso o que
perdemos. Ilion foi-se, mas Ilion perdura no hexâmetro que a chora.
Foi Israel quando era uma antiga nostalgia». Nota: Ilion é outro nome
antigo para Tróia.
towards a catastrophic pulsion. Because, as it is said
in «Posesión del Ayer»:
So is the work of Ana André. In her landscapes there
is abandonment - such as the grill made from an old
metal barrel, which stands out amongst the gorse:
where has everyone gone to in the meantime? There
is abatement of soil, which gives in through
unexpected displacements, to the primary
strength of nature which expands all its visible
orography. And, nevertheless, amid scarce and
disperse vegetation - much of this painting suggests
immediacy and periphery, transgression and limit
suspension, exteriority and tragic imminence... - the
enigmatic figure of a small white tower connotes a
type of paradisiacal fountain: that of a thirsty world
which one «must see better». Perhaps because it is
already doomed, condemned to disappear.
José Paulo Cruz Pereira
Departamento de Artes e Humanidades
14
BORGES, Jorge Luís, «Los Conjurados: ‘Posesión del Ayer’», in op. cit.,
p. 482: «Only what has died is ours, we only own what we have lost.
Ilion ceased to exist, but it lasts in the hexameter that weeps it. Israel
existed when it was an ancient nostalgia». Note: Ilión, that is Troy.
A CERTAIN POINT OF VIEW 47
Um Certo Ponto de Vista
A Certain Point of View

VASCO CÉLIO
Tochas

Museu Municipal de Faro

9 de Dezembro de 2017 a 4 de Fevereiro de 2018
December 9, 2017 – February 4, 2018

Galeria Municipal de São Brás de Alportel

28 de Março a 30 de Abril de 2018
March 28 – April 30 , 2018

49
50 UM CERTO PONTO DE VISTA
A CERTAIN POINT OF VIEW 51
52 UM CERTO PONTO DE VISTA
A CERTAIN POINT OF VIEW 53
54 UM CERTO PONTO DE VISTA
A CERTAIN POINT OF VIEW 55
56 UM CERTO PONTO DE VISTA
“Tochas” – um assunto de homens
“Torches” – a men-only matter
Fernando Sampaio Amaro
Vasco Célio adoptou como estratégia para o
seu trabalho fotográfico sobre a Procissão da
Ressurreição, que tem lugar todos os domingos
de Páscoa em São Brás de Alportel, o isolamento
dos homens das tochas floridas. De fora do registo
do fotógrafo ficaram as ruas ornamentadas com
tapetes de flores, as varandas engalanadas, os
espectáculos de música popular e os doces e os
petiscos regionais, a procissão.
De acordo com a interpretação religiosa, a Procissão
da Ressurreição, tal como outras outrora populares
em todo o Algarve, obrigava por tradição as
confrarias a levar uma tocha acesa ou luminária e
opas vestidas. Mais tarde, a falta de cera teria levado
ao aparecimento de paus pintados e ornamentados
com flores, no cimo dos quais se colocava uma
pequena vela.
Historicamente, as tochas floridas serão, no
entanto, a reminiscência ritualizada de um evento
que terá tido lugar há perto de dois séculos. Os
habitantes de São Brás de Alportel, receosos da
violência e do saque por parte de forças invasoras
prestes a desembarcar na costa algarvia, terão
usado tochas acesas durante a noite para simular a
presença de numerosos homens preparados para
defender a população. A frota invasora teria sido
então dissuadida de levar a cabo a sua incursão,
afastando-se. As tochas floridas serão a celebração
ritualizada desta memória colectiva, agora registada
por Vasco Célio através da fotografia.
Nas “Tochas” os homens estão assim separados do
contexto envolvente, do ritual formal, da liturgia.
While photographing the Resurrection Procession,
held every Easter Sunday in São Brás de Alportel,
Vasco Célio decided to isolate the figures of the men
bearing flowered torches. The photographer’s lens
omitted the streets decorated with flower carpets,
the ornamented balconies, the popular music shows,
the traditional delicacies and sweets, the procession
itself.
According to its religious interpretation, the
Resurrection Procession, like other similar events
once popular throughout the Algarve, traditionally
featured members of confraternities bearing
lighted torches or lamps, while wearing ceremonial
sleeveless garments. Later on, a wax shortage
apparently led to the use of painted, flower-
decorated sticks tipped with a small candle.
In historical terms, however, the flowered torches
seem to be the ritualised reminiscence of an event
that took place about two centuries ago. Fearing
violence and depredation from invading forces about
to disembark on the Algarve coast, the people of São
Brás de Alportel lit a number of torches during the
night to suggest the presence of many men ready
to defend the village. The stratagem dissuaded the
invaders from attacking and drove them away. The
flowered torches are, then, the ritualised celebration
of this collective memory, now depicted in Vasco
Célio’s photographic work.
In these “Torches” the men are then separated from
their surrounding context, from formal ritual, from
liturgy. In its dazzling neutrality the white wall of
the Parish Church, present in all pictures, does not
A CERTAIN POINT OF VIEW 57
58 UM CERTO PONTO DE VISTA
O branco da parede da Igreja Matriz, comum a todos
os enquadramentos, na sua neutralidade ofuscante,
não fornece ao observador o referente religioso.
Que está lá, para quem sabe.
Apesar da sua intrínseca dimensão documental
e antropológica, “Tochas”, o corpo de trabalho
de Vasco Célio presente na exposição inserida no
ciclo de arte contemporânea «Um Certo Ponto
de Vista» (9 retratos de mais de quatro centenas
registados em diferentes situações) remete, nos
seus pressupostos estéticos, para uma abordagem
contemporânea do retrato fotográfico, sugerindo
por exemplo no que respeita à opção pela
frontalidade, afinidades com o trabalho de Thomas
Ruff e Rineke Dijkstra e, retrospectivamente, com
o trabalho daquele que optou, primeiro que todos,
para esse tipo de abordagem, o alemão August
Sander.
De acordo com Susan Sontag, Sander ajustava
subconscientemente o seu estilo ao estatuto social
da pessoa que fotografava. A cumplicidade de
Sander para com todos, de acordo com Sontag,
também significava uma distância para com todos.
No trabalho de Vasco Célio esse posicionamento
não tem obviamente lugar e o tratamento é igual
para todos os retratados. As flores, muito mais que
qualquer manifestação de estatuto social, são a
marca identitária dos homens que fotografa, o que
os agrega enquanto grupo.
De acordo com Sontag, as fotografias são talvez
o mais misterioso de todos os objectos que
constituem e dão consistência ao ambiente que
consideramos moderno. Na realidade, diz ela,
as fotografias são experiências capturadas, e a
câmara, o instrumento ideal da consciência na sua
atitude aquisitiva. Fotografar é apropriarmo-nos da
coisa fotografada. Significa envolvermo-nos numa
certa relação com o mundo que se assemelha ao
conhecimento e, por isso, ao poder.
openly convey to the viewer the religious reference
- which nevertheless is recognizable for those who
know about it.
In spite of its intrinsic documentary and
anthropological quality, “Torches”, the group of
works by Vasco Célio (nine portraits chosen out of
over four hundred taken in a variety of contexts)
featured in an exhibition held within the scope of the
“A Certain Point of View” contemporary art cycle, is
aesthetically connected to a contemporary approach
to the photographic portrait, displaying, namely
through its frontal depiction of subjects, affinities
with the work of Thomas Ruff, Rineke Dijkstra and,
retrospectively, with the earliest adopter of that
approach: German photographer August Sander.
According to Susan Sontag, Sander subconsciously
adjusted his style to the social status of the person
he was photographing. Sander’s closeness to
every person meant, also according to Sontag,
a distance from everyone. Such an attitude has
obviously no place in Vasco Célio’s work: all of his
portrayed subjects are given the same treatment.
The flowers are not a sign of social status; in fact,
they are the common identifying trait of the men he
photographs, that which holds them together as a
group.
According to Sontag, photographs are perhaps the
most mysterious of all the objects that make up
and lend coherence to what we see as a modern
environment. In fact, she tells us, photographs
are captured experiences and the camera is the
ideal instrument of acquisitive consciousness.
To photograph is to take possession of the thing
photographed. It brings the photographer into a
certain relationship with the world that is similar to
knowledge, and thus to power.
In “Torches”, Vasco Célio explores the commitment
of contemporary art to the various elements of the
society that surrounds us, thus contributing towards
A CERTAIN POINT OF VIEW 59
Nas “Tochas” Vasco Célio procura assumir um
compromisso da arte contemporânea para com
as várias dimensões da sociedade que nos rodeia,
contribuindo para despertar um interesse crescente
pelas manifestações culturais e pela identidade
das comunidades algarvias. A contemporaneidade
das fotografias de Vasco Célio estabelece uma via
de diálogo com a tradição do retrato fotográfico
tradicional de matriz documental e antropológica,
actualizando-a conceptualmente.
Vasco Célio faz os homens posar solos diante da sua
câmara, interceptando numa fracção de segundo
todo um emaranhado antigo de relações humanas,
de teias sociais. O registo fotográfico materializa
esses momentos solenes em que se criam e
confirmam essas relações sociais, tornando-as
visíveis, simbolizando-as.
O sociólogo francês Pierre Bourdieu diz em 1965, na
sua obra Un Art moyen: Essai sur les usages sociaux de
la photographie, que a fotografia tem a capacidade de
tecer laços sociais, reforçando os sinais de pertença
a um determinado grupo. A fotografia assume, de
acordo com Bourdieu, um papel de solenização,
apresentando uma imagem ideal do grupo que
pretende representar, fortalecendo assim a coesão
social. Fotografa-se para cristalizar o grupo na sua
solenidade. Do ponto de vista sociológico, o tempo
da técnica fotográfica é uma sucessão de momentos
virtualmente separáveis.
Susan Sontag afirma por sua vez no seu livro de
ensaios sobre a Fotografia, On Photography, de 1977,
que a memorização das realizações de indivíduos
considerados como membros das famílias (assim
como de outros grupos) é o mais antigo uso popular
da fotografia.
As fotografias presentes na exposição “Tochas”
têm as dimensões de 1,62 por 1,30 metros e é com
esse classicismo formal que Vasco Célio enquadra
estes homens num plano próximo do chamado
60 UM CERTO PONTO DE VISTA
the growing interest in the cultural manifestations
and the identity of Algarve communities.
The contemporaneity of his photographs engages
in a dialogue with the tradition of documentary and
anthropological portrait, conceptually updating it.
Vasco Célio has the men pose alone before his
camera, capturing in a fraction of a second a
whole ancient tangle of human relations, of social
interactions. The photographic process materialises
the solemn moments in which these social relations
are made and confirmed, making them visible,
symbolising them.
French sociologist Pierre Bourdieu writes in 1965,
in his book Un Art moyen: Essai sur les usages sociaux
de la photographie, that photography has the ability
of weaving social connections, by reinforcing one’s
signs of belonging to a certain group. According to
Bourdieu, photography plays a solemnising role by
presenting an ideal image of a particular group, thus
strengthening social cohesion. From a sociological
point of view, photographic time is a succession of
virtually separable moments.
In On Photography (1977), Susan Sontag tells us
that preserving memories of the achievements
of individuals that are part of families (and other
groups) represents one of the oldest popular uses of
photography.
The photographs displayed in the “Torches”
exhibition all measure 1,62 x 1,30 metres; with
formal classicism, Vasco Célio frames these men
within the conventions of what is called the American
Shot, with the figures photographed from the knees
up. When film director D. W. Griffith invented that
shot, his intention was to show the cowboys’ guns in
the films of the popular Western genre; as for Vasco
Célio, it allows for a near full depiction of the men
and their flower arrangements. The whiteness of the
wall contrastingly enhances the bright colours of the
flowers and of the men’s clothes.
A CERTAIN POINT OF VIEW 61
Plano Americano, com as personagens fotografadas
dos joelhos para cima. Se David W. Griffith com
a invenção deste tipo de plano queria mostrar as
armas dos cowboys nos populares filmes do género
western, já Vasco Célio quer mostrar os homens e
os seus arranjos florais na sua quase plenitude. O
branco da parede acentua de forma contrastante as
cores fortes das flores e das vestes dos homens.
Na sua monumentalidade e rigor estético,
Vasco Célio intercepta a realidade de forma a
consciencializar-nos para a relevância de fenómenos
culturais que importam registar e sobre eles
reflectir. Para o fotógrafo Robert Frank há uma
coisa que a fotografia deve conter: a humanidade
do momento. É essa humanidade que Vasco Célio
procura mostrar-nos. Para Dorothea Lange, cada
imagem que o fotógrafo vê, cada fotografia que ele
tira, torna-se num certo sentido num auto-retrato,
partilhando-se a intimidade não só do fotógrafo com
o seu sujeito, mas também com o público. O acto
fotográfico, enquanto acto poético, mostra-se eficaz
na manutenção e fortalecimento de relações sociais,
tornando-nos momentaneamente humanos como
refere Frank.
Os homens, de idades variadas, estão trajados
a rigor e Vasco Célio coloca-os sensivelmente no
centro da imagem. As flores funcionam como traço
de união entre eles, de elemento identitário. Dentro
de um grupo social, o primeiro critério decisivo da
identidade de um indivíduo é sua singularidade. Nas
fisionomias e vestes desses nove homens podem-se
observar essas marcas de singularidade, assim como
na riqueza das tochas que seguram.
Os homens, quase todos com um olhar sério e
frontal, olham o observador, empunhando os
atributos que atestam a sua condição solene
enquanto participantes de um encontro simbólico
onde os intervenientes parecem querer perpetuar
um ritual intemporal, aparentemente, e só
62 UM CERTO PONTO DE VISTA
With monumentality and aesthetic precision, Vasco
Célio captures reality in such a way as to make
us aware of the relevance of cultural phenomena
that must be preserved and reflected upon. For
photographer Robert Frank, photographs must
contain one thing: the humanity of the moment. That
humanity is what Vasco Célio wants to portray. For
Dorothea Lange, each image the photographer sees,
each photograph taken, becomes in a certain sense
a self-portrait, sharing the intimacy not only of the
photographers with their subject, but also with the
public. The photographic act as poetic act is crucial
to the preservation and reinforcement of social
relations, making us momentarily human, according
to Frank.
Men of various ages and in their best clothes are
placed by Vasco Célio approximately in the middle
of the picture. The flowers act as a common trait,
an element of identity between them. Within a
social group, the first decisive sign of an individual’s
identity is their singularity. The nine men’s
countenances and garments display these signs of
singularity, and the same can be said of the torches
in their hands.
Depicted frontally and generally with serious facial
expressions, the men confront the viewer with
their gaze, while holding up the attributes that
testify to their solemn condition as participants in a
symbolic event in which everyone seems intent on
perpetuating a timeless ritual, one that seems, but
only seems, anachronistic in our present time.
According to Pierre Bourdieu, in every aesthetic
expression frontality stands for the eternal in
opposition to depth, which brings temporality back,
while a flat plane expresses the being or essence,
basically one which is timeless.
For Susan Sontag, within the general rhetoric of
the photographic solemnity and sincerity, to face
the camera stands for disclosing the essence of the
aparentemente, anacrónico nos tempos que correm.
Pierre Bourdieu afirma que na linguagem de todas
as estéticas, a frontalidade significa o eterno, por
oposição à profundidade por onde se reintroduz
a temporalidade, expressando o plano o ser ou a
essência, em suma, o intemporal.
Para Susan Sontag, na retórica normal do retrato
fotográfico, enfrentar a câmara significa solenidade,
sinceridade, revelação da essência do retratado. É por
isso que a frontalidade parece perfeita para o retrato
de cerimónias (como casamentos ou formaturas).
Actualmente, na sua apropriação frenética do
presente, o registo fotográfico não contempla somente
os momentos solenes dignos de serem fotografados,
registando igualmente os acontecimentos do
dia-a-dia, a vida na sua vulgaridade. O acto de
fotografar, hoje, tende a diluir-se efemeramente na
vida quotidiana, aprisionando-a e banalizando-a,
transformando-a num passatempo, numa diversão.
Se os aspectos mais sagrados da fotografia cerimonial
e ritualizada não desaparecem totalmente nas
práticas actuais, o aspecto lúdico do registo massivo
das imagens fotográficas registadas pelos dispositivos
digitais acentuam a trivialidade como norma.
As fotografias presentes no corpo de trabalho
“Tochas” estão nos antípodas dessa trivialidade.
Sendo certo que a luz só nos dá a conhecer a
superfície do mundo (só se pode fotografar essa
superfície, permanecendo uma grande parte do
mundo invisível), para Vasco Célio os homens das
“Tochas” não são só superfície. Vasco Célio convoca-
-nos assim para reflectirmos sobre o invisível,
mostrando-se optimista sobre a força e a coesão
social da manifestação cultural que registou em
“Tochas”.
portrayed. That is the reason why frontality seems
perfectly appropriate for ceremonial portraits
(namely at weddings or graduations).
Nowadays, in its frantic appropriation of the present,
photography is no longer reserved solely for solemn
occasions; it also takes in everyday occurrences,
life in all its commonness. Currently, the act of
photographing tends to dilute itself in everyday life,
capturing and vulgarising it, turning it into a past-
time, a recreation. While the most sacred features
of ceremonial, ritualised photography have not
completely disappeared, the frivolous quality of the
massive quantities of photographs made possible by
digital devices enhances triviality as the norm.
The photographs assembled under the “Torches”
title are the opposite of that triviality. While it is true
that light only reveals to us the surface of the world
(only that surface can be photographed, and thus
much of the world remains invisible), for Vasco Célio
the men in “Torches” are more than just surface. In
fact, he invites us to meditate on the invisible, by
displaying his optimistic view of the power and social
cohesion of the cultural event he has depicted in
“Torches”.
Fernando Sampaio Amaro
Departamento de Artes e Humanidades
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da
Universidade do Algarve.
A CERTAIN POINT OF VIEW 63
 Um Certo Ponto de Vista
A Certain Point of View

ISABEL BARAONA
THIERRY SIMÕES
TIAGO BATISTA
AR

Museu Municipal de Faro

10 de Fevereiro a 8 de Abril de 2018
February 10 – April 8, 2018

65
66 UM CERTO PONTO DE VISTA
A CERTAIN POINT OF VIEW 67
68 UM CERTO PONTO DE VISTA
Desenho como Desígnio – Apontamentos sobre a exposição AR
Drawing by Design – Notes on the AR exhibition
Mirian Tavares
E por onde a gente deixa que o desenho entre em nós.
O que há em comum na obra de 3 artistas,
incomuns e distintos, que os possa juntar numa
única exposição? Há uma ideia, sem dúvida, há uma
escolha de um curador que decidiu pensar num
suporte artístico, ou numa técnica ou forma de
arte – o desenho e, dentre os muitos artistas que
podia convidar, decidiu-se por três, em cujas obras
o desenho ocupa, de facto um lugar, se não central,
permanente, nos seus processos de criação, mas
que o fazem de forma desigual e inusitada.
Amanhã, o trabalho que nos apresenta Isabel
Baraona, é um vir-a-ser, ou melhor, uma obra em
processo. Algo que virá, quiçá amanhã, porque o
amanhã é sempre uma certeza a seguir ao dia de
hoje. E também é a marca de uma possibilidade, de
algo que pode ser e tornar-se concreto.
O espaço em branco à volta do desenho
é por onde a gente entra.
The blank space around the drawing:
that is our point of entry.
Through it, we let the drawing enter us.
What common ground can be found in the work
of three uncommon and distinct artists, so that
they can be brought together in a single exhibition?
There is one concept, certainly; there is a selection
made by a curator who decided to focus on a certain
support, or some technique or art form, namely
drawing; and, out of the many artists he could have
invited, three were chosen. In their work, drawing
holds, in fact, a position that may not be central but
is certainly permanent, and the three explore it in
uneven and unusual ways within their respective
creative processes.
Amanhã [Tomorrow], Isabel Baraona’s piece, is a
becoming: more precisely, it is a work in process.
Something that will arrive perhaps tomorrow,
because it is always certain that there is a tomorrow
after today. It is also the sign of a possibility, of
something that may eventually take on a concrete
shape.
A CERTAIN POINT OF VIEW 69
70 UM CERTO PONTO DE VISTA
A CERTAIN POINT OF VIEW 71
72 UM CERTO PONTO DE VISTA
Amanhã é composto por um vídeo e um conjunto de
cartazes em que a palavra ocupa um lugar central, a
palavra amanhã - que é um desenho e um desígnio,
que aparece impressa nos cartazes e movente no
vídeo. Os cartazes são um convite à participação do
público que pode levar consigo a sua própria seleção
e criar, em casa, no escritório, em qualquer sítio,
a sua exposição privada ou pública, tornando-se
assim, também ele, público, um co-curador/criador.
A obra de Baraona é marcada pelos trabalhos
cuidadosamente impressos, em forma de livros,
postais ou cartazes, que circulam na contracorrente
do mercado da arte, que fluem, como a arte-postal
proposta pelo Grupo Fluxus, como uma maneira
de resistir a ser sempre a mesma arte, exibida nos
mesmos lugares consagrados para tal efeito. A arte
de Isabel Baraona é circular e esta circularidade é
visível também na palavra-fetiche que ela escolheu
como mote da sua peça nesta exposição e noutros
trabalhos. Amanhã já foi hoje e será sempre algo que
se busca, que se espera, que acontecerá.
Thierry Simões diz-me, e diz-nos, da sua obra,
com voz pausada, explicando o seu processo de
criação e as suas escolhas. O desenho, no seu caso,
é um rasto, é algo que fica dos materiais, quase
como se fosse uma sombra do acaso. Mas não há
casualidade na escolha dos materiais e das formas,
nem da disposição estudada das peças na galeria
ou nas paredes da capela do Museu Municipal de
Faro. Dispostas numa geometria particular, cada
fragmento da peça é uma peça inteira, que se repete
e que se completa. Revestidos de especiarias e pó de
cacau - materiais perecíveis e significantes dentro
da nossa cultura ou das culturas ancestrais que os
cultivaram e trouxeram até nós, a obra vai sendo
Amanhã consists of a video and a set of printed
posters in which the word “amanhã” holds a central
position, as both a drawing and a design, printed on
the posters and in motion in the video. The posters
invite visitors to make their own selection and take
the selected prints home with them, thus allowing
them to create their own private or public exhibition
at home, in the office, anywhere, and to become co-
curators/creators themselves. Generally, Baraona’s
work is characterised by carefully printed pieces
in the form of books, postcards or posters, that
circulate against the current of the art market: pieces
that flow, like the postal art of the Fluxus group, as a
way to avoid being always the same art, displayed in
the same locations dedicated to that purpose. Isabel
Baraona’s art is circular, and that circularity is also
visible in the fetiche-word she selected as the motto
of her piece in this exhibition and in other works.
Tomorrow was once today, and it will always be
something to look for and to expect, something that
will happen.
Thierry Simões talks to me, and to us, about his
piece in a calm and clear voice, explaining his
creative process and his choices. Drawing, in his
case, is a trace, something that is left from the
materials, almost like a shadow of chance. But
there is no chance in the selection of materials
and forms, nor in the studied arrangement of the
pieces in the Faro Municipal Museum’s gallery or
on the walls of its chapel. Disposed in a peculiar
geometry, each fragment of the piece is a full piece
in itself, repeating and completing itself. Covered
in spices and cocoa powder – perishable materials
that are relevant within our culture or within the
ancestral cultures that have cultivated these goods
A CERTAIN POINT OF VIEW 73
alterada. Neste caso não é o público que intervém,
ou que interage, no processo. É a perecibilidade
dos materiais e a tendência à evanescência dos
mesmos que transforma, a cada dia e com o passar
do tempo, uma obra que é um desenho no espaço,
que ocupa, efetivamente, lugar. A obra é, por si só,
matéria – tem peso, volume e corpo. E este corpo
vai-se transmutando até que, no final da exposição,
desaparece. E seu desaparecimento corresponde a
um ponto de chegada cuja partida foi iniciada com
a colocação da peça, criada in situ, que não existia
enquanto objeto, e que só existe numa espécie
de devir contínuo, em processo. Depois de deixar
suas marcas no espaço que ocupa, cada parte
que compõe este desenho tridimensional, será
embrulhada num lençol branco, uma referência
explícita ao sudário, e é nesta condição de
invisibilidade que irá permanecer. A obra não se
constitui daquilo que vemos, mas também é feita do
que deixaremos de ver.
74 UM CERTO PONTO DE VISTA
and brought them to us –, the pieces undergo a
slow change. Here, it is not up to the viewer to
intervene in the process, nor to interact with it. It is
the perishability of the materials and their tendency
to evanesce that transforms, with the passing of
time, a piece that is a drawing in space, a work that
effectively occupies a place. The piece is by itself
matter – it has weight, volume and body. And that
body slowly transmutes until, by the end of the
exhibition, it disappears. And its disappearance is
the point of arrival of a process which began with
the installation of the piece, created in situ, which
did not exist as an object and only exists in a sort of
continuous becoming, only exists in process. After
leaving its traces in the space it occupies, each part
of this three-dimensional drawing will be wrapped
in a white sheet, explicitly referencing the holy
shroud, and remain henceforth in that condition of
invisibility. The work does not consist just of what we
see: it is also made of what we will no longer see.
A CERTAIN POINT OF VIEW 75
76 UM CERTO PONTO DE VISTA
Primeira carta: - depositado sobre uma cadeira / visualiza-se um lençol / dobra-o
Segunda carta: - depositado sobre uma cadeira / visualiza-se um lençol / desdobra-o

A CERTAIN POINT OF VIEW 77

78 UM CERTO PONTO DE VISTA
A CERTAIN POINT OF VIEW 79
80 UM CERTO PONTO DE VISTA
A máquina de Tiago Batista é uma peça dentre
muitas, concebidas ou imaginadas pelo artista,
que o perseguem há algum tempo e que tentam,
de alguma maneira, dar resposta à complexidade
da relação entre humano e máquina que se
estabeleceu, na cultura ocidental, de maneira mais
contundente desde o aparecimento das primeiras
máquinas capazes de reproduzir imagens e de
participarem do/no processo de criação. A obra, e o
artista, convidam o público a interagir e a criar seus
próprios desenhos. Mas os desenhos não podem
variar demasiado porque a máquina limita a ação-
-criação. Pode-se, certamente, intervir no desenho
depois, na hora de exibi-lo nas paredes à volta
da peça. Pode-se, certamente, deixar uma marca
qualquer que torne cada desenho único. Na verdade,
mesmo sem grandes variações, cada desenho é
único porque cada mão, em cada momento, segura o
leme, e o direciona, com força, intensidade e sentido
próprios. Porque atrás da máquina existe a mão, há
o gesto que prescinde o desenho, há o desenho em
potência que a máquina contém em si. O trabalho
também se completa, se é que se completa algum
dia, no fim da exposição. Com a mostra de todos os
desenhos que se foram produzindo, que se foram
criando, que se foram expondo.
Os três trabalhos, dos três artistas, possuem
em comum a ideia de potência – do vir-a-ser que
ainda não é e que nunca será o mesmo. Que é
irrepetível, como o rasto que as coisas deixam,
como as sombras que se formam nas paredes,
como a circulação dos cartazes e como as centenas
de desenhos que se irão produzir pelo gesto, atrás
do leme. O artista brasileiro Leonilson, que fez do
desenho a sua alma mater, deixou muitos cadernos-
-obras, como pequenos livros que nos contam
histórias e que nos dão conta do seu processo
de criação. Num deles, escreveu: “O espaço em
Tiago Batista’s machine is one of the many pieces the
artist has been conceiving or imagining in his work;
they have haunted him for a while in an attempt to
give some sort of answer to the complexity of the
human/machine relationship that became more
intense in Western culture since the appearance of
the first machines that could reproduce images and
take part in the creative process. Both the work and
the artist invite visitors to interact with them, by
creating their own drawings. However, the drawings
cannot vary too much because the machine sets
limits on the action-creation. It is certainly possible
to work on the drawing afterwards when the time
comes to display it on the walls around the piece. It
is also certainly possible to leave on the drawing a
mark that will make it unique. In fact, even without
much variation, each drawing is unique because
each hand, in each moment, holds the helm, moving
it with a force, intensity and direction of its own.
Because behind the machine there is the hand, there
is the gesture preceding the drawing, there is the
potential drawing the machine contains in itself. The
work is finished, if it is ever finished, at the end of the
exhibition, with the full display of all the drawings
produced, created, exhibited over that time.
The common ground between the three works of
these three artists is the concept of potency – of
a becoming that is not yet and will never be the
same. One that is unrepeatable, like the traces left
by things, like the shadows that form on the walls,
like the posters’ circulation and the hundreds of
drawings that will be generated by the gesture
behind the helm. Brazilian artist Leonilson, for whom
drawing was an alma mater, left many notebooks,
small volumes that tell stories and reveal his creative
process. In one of them, he wrote: “The blank space
around the drawings is the other side. The side
through which we enter (…) In paintings, that space
A CERTAIN POINT OF VIEW 81
82 UM CERTO PONTO DE VISTA
A CERTAIN POINT OF VIEW 83
84 UM CERTO PONTO DE VISTA
branco em volta dos desenhos, é o outro lado. O
lado por onde a gente entra (…). Nas telas, às vezes,
este espaço permanece na lona, o linho cru (…). As
figuras parecem estar entrando em algum espaço. A
descobrir. Acho que se forem atentas, uma hora elas
entram bem fortes, do outro lado, sob a forma de
energia.” Ou sob a forma de ar, que ocupa espaço,
mesmo que não o vejamos. Que está sempre à
nossa volta, de que lado for, e que desatentos, nem
damos por ele. E é sobre este espaço à volta, sobre
este vir a ser, sobre a potência do desenho, sobre
o porvir, o que se trata nesta exposição. E é esta
energia criada entre as peças, na ligação que elas
estabelecem, lado a lado, expostas, em mutação
simultânea, que torna credível a junção de três
artistas que fazem do desenho uma arte incomum.
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve.
sometimes remains on the canvas, on raw linen (…)
The figures appear to enter some kind of space. To
be discovered. I believe that, if one pays attention, at
some point they will come out powerfully, from the
other side, in the form of energy.” Or in the form of
air, which occupies space, even if we cannot see it.
That is what this exhibition is about: this surrounding
space, this becoming, this potency of drawing, this
future. And it is this energy generated between the
pieces, out of the connection they define, exhibited
side by side, in simultaneous mutation, that makes
believable this combination of three artists who turn
drawing into an uncommon art.
Mirian Tavares
Departamento de Artes e Humanidades
A CERTAIN POINT OF VIEW 85
 Um Certo Ponto de Vista
A Certain Point of View

PEDRO VALDEZ CARDOSO

A Primeira Pedra

Museu Municipal de Faro

14 de Abril a 10 de Junho de 2018
April 14 – June 10, 2018

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88 UM CERTO PONTO DE VISTA
A CERTAIN POINT OF VIEW 89
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A CERTAIN POINT OF VIEW 91
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A CERTAIN POINT OF VIEW 99
100 UM CERTO PONTO DE VISTA
A CERTAIN POINT OF VIEW 101
102 UM CERTO PONTO DE VISTA
A CERTAIN POINT OF VIEW 103
104 UM CERTO PONTO DE VISTA
Pedro Valdez Cardoso – “A Primeira Pedra”
Sérgio Fazenda Rodrigues
Pedro Valdez Cardoso apresenta a exposição “A
Primeira Pedra” nas instalações do Convento de
Nossa Senhora da Assunção, actual Museu Municipal
de Faro. Ocupando o espaço da antiga Capela, o seu
trabalho é composto por um conjunto de esculturas
de pavimento e de parede que, pelo reconhecimento
e pela estranheza, interpelam o próprio local.
I)
A primeira pedra esteve sempre associada a um acto
simbólico, no início da construção, onde se depunha
um bloco debaixo do Altar, contudo, a ligação do
artista a este contexto não corresponde a uma
alusão direta ao passado, ou a uma qualquer
figuração de um pressuposto religioso, histórico ou
cultural previamente estabelecido.
Na verdade, o trabalho de Pedro Valdez Cardoso é
portador de um discurso próprio e a relação que
estabelece com o local advém de um equilíbrio
subtil e subversivo, onde as obras reagem ao
contexto mas não abraçam uma postura mimética e
ilustrativa. Assumindo uma posição crítica perante
a ideia de uma cultura padronizada, a sua acção é
provocatória, com um recorte irónico e por vezes
sarcástico, próprio de quem questiona os limites.
Pedro Valdez Cardoso brings his exhibition “A
Primeira Pedra” [The Foundation Stone] to the
premises of the former Nossa Senhora da Assunção
Convent, currently the Faro Municipal Museum. In
what was once the Chapel, he has installed a set of
floor and wall sculptures that, through recognition
and strangeness, interpellate the location itself.
I)
The foundation stone has always been associated
with a symbolic event where, at the beginning of the
construction of a temple, a block of stone was laid
under the Altar. However, the artist’s connection to
this context has nothing to do with a direct reference
to the past, or to any previously defined religious,
historic or cultural assumptions.
Actually, Pedro Valdez Cardoso’s work carries in itself
a personal discourse; the relationship it develops
with the location is the result of a subtle, subversive
balance, in which the pieces react to the context
without adopting a mimetic and illustrative posture.
Opting instead for a critical posture regarding
the notion of a standardised culture, its effect is
provocative, with an ironic and sometimes sarcastic
tone, as befits those who question the limits.
A CERTAIN POINT OF VIEW 105
As obras apresentadas assentam numa junção
de épocas e proveniências distintas, baralhando
referências e valores que aparentemente se
entrosam, mas que, na realidade, escapam a uma
norma assimilada. Assim, boicotando os códigos,
a sua ação é a de quem discute os conteúdos que
estão dados por adquiridos. Esta é uma posição
política, que constrói uma nova identidade onde
se valoriza o que é rejeitado e se adopta o que é
excluído.
II)
Pedro Valdez Cardoso constrói um grupo de objetos
que cruzam diferentes tempos, modos, crenças e
culturas, e diluem uma hipotética origem, facilmente
associada ao local. Assim, a homogeneização das
obras por uma substância branca, que as cobre e as
relaciona cromaticamente com a capela, surge, na
verdade, como um processo de camuflagem que
problematiza a identidade e solicita um tempo
próprio à sua descoberta.
Os materiais que o artista emprega, reconhecíveis
por debaixo desta camada que aparentemente os
iguala, combinam utensílios, objetos descartáveis, e
reproduções de ossadas que provêm de contextos
díspares. Deste modo, e contrariamente ao
aspecto totémico e celebrativo a que os objetos
se aproximam, é possível perceber a presença de
elementos que associamos a um carácter precário
e por vezes descartável, que incorporam um uso
e uma vida, aparentemente retida, ou cristalizada
no tempo. Todo este trabalho opera num processo
de inversão, em que a sua funcionalidade, quer
decorativa, quer invocativa, é deturpada. Assumindo
106 UM CERTO PONTO DE VISTA
The works in display are based on a combination of
various ages and provenances, shuffling references
and values that appear to harmonise among
themselves but in fact evade an assimilated set
of rules. By thus boycotting codes, they put into
question those contents that are taken for granted.
This is a political stance, one that creates a new
identity in which the rejected is valued and the
excluded is adopted.
II)
Pedro Valdez Cardoso has assembled a group of
objects in which a variety of times, modes, beliefs
and cultures intersect, diluting a hypothetical
provenance that might be easily associated with
the location. Thus, the homogenisation of the
pieces by a white substance that covers them and
chromatically links them to the chapel comes across
as a camouflage process that complicates identity
and demands a certain amount of time for its
discovery.
The materials employed by the artist, recognisable
beneath this layer that apparently standardises
them, combine utensils, disposable objects
and artificial bones from a variety of contexts.
Consequently, and contrarily to the totemic and
celebratory look suggested by the objects, it is
possible to discern in them elements which we
associate to a precarious, sometimes disposable
quality, which incorporate both a use and a life,
apparently captured or crystallised in time. All this
work operates in a process of inversion, in which
the pieces’ decorative and evocative functionality is
distorted. While embracing a disparity that is socially
uma disparidade que é socialmente crítica, a leitura
da diferença e a alteração de linguagem, detém, na
verdade, uma carga de ironia e de sarcasmo que
desmistifica o peso icónico e sagrado a que o local se
associa.
Compondo e decompondo códigos e valores, as
esculturas de Pedro Valdez Cardoso, questionam os
padrões correntes, e alertam para uma visão que
celebra a diferença, reinventando uma noção do que
as coisas podem ser.
O seu trabalho comenta uma apropriação
popular, mas também um entendimento erudito,
questionando as referências tradicionais que
pautam a História de Arte. Assim, as suas esculturas
não são talhadas na pedra, nem respondem a um
processo de apuramento que surge do bloco maciço
e dá corpo à obra final. Pelo contrário, elas emergem
de um aglomerado de elementos que se sobrepõem,
física e culturalmente, recusando o carácter perene
e unitário da dita escultura clássica. De igual forma,
tampouco se recorre à ideia de plinto ou base, ou a
um sentido tradicional de hierarquia.
Em boa verdade, o prazer que estas obras emanam
está no estímulo que vem da descoberta mas,
também, no reconhecimento da subversão e da
causticidade que lhe está inerente. Uma descoberta
descomprometida e descomplexada, de outras
realidades que não encaixam na lógica vigente.
critical, the works’ interpretation of difference and
variations in tone actually contain a level of irony and
sarcasm that demystify the iconic and sacred weight
associated with the location.
By composing and decomposing codes and values,
Pedro Valdez Cardoso’s sculptures question our
current standards and highlight a vision that
celebrates difference, reinventing an idea of what
things may be.
His work comments on both popular appropriation
and erudite understanding of traditional references
from Art History. Thus, his sculptures are not carved
from stone, nor follow a process of depuration
that begins with a massive block and ends in a
finished piece. On the contrary, they emerge out
of an agglomeration of objects that physically
and culturally overlap one another, refusing the
perennial, unitary quality of so-called classic
sculpture. Similarly, no use is made here of plinths
or bases, and there is no hierarchy in the traditional
sense.
In actual fact, the pleasure that emanates from these
works lies not just in the excitement of discovery
but also in the recognition of the subversion and
causticity they conceal. An unengaged, unprejudiced
discovery of other realities that do not fit the
prevalent logic.
Sérgio Fazenda Rodrigues
Arquitecto, investigador e curador.
A CERTAIN POINT OF VIEW 107
Notas Biográficas
Biographies
Ana André (Faro, 1969)
Vive e trabalha em Faro desde 2002. Estudou Pintura e
Desenho no Ar.Co em Lisboa e fez a Licenciatura em Artes
Visuais na Universidade do Algarve. Expõe desde 1995,
em exposições individuais e colectivas. O seu trabalho
é desenvolvido principalmente em pintura e desenho,
ocasionalmente utiliza outros suportes como a fotografia,
o som e o vídeo.
Isabel Baraona (Cascais, 1974)
Actualmente a coordenadora do curso de Artes Plásticas
da ESAD.CR, é licenciada em Pintura pela La Cambre
(Bruxelas, Bélgica) e Doutorada em Artes Visuais e
Intermedia pela Universidade Politécnica de Valência
(Espanha). Em 2013, no âmbito de pós-doutoramento,
foi bolseira da Universidade Rennes 2 (França) onde
desenvolveu uma investigação que deu origem a Tipo.
pt — um arquivo online sobre livros de artista e edição
de autor em Portugal. Actualmente Tipo.pt é coordenado
em conjunto com Catarina Figueiredo Cardoso. Expõe
a sua obra individual e colectivamente desde 2001, em
Portugal e no estrangeiro. Colabora regularmente com as
publicações Cão Celeste e Journal of Artists’ Books, assim
como com a galeria belga Office d’Art Contemporain.
Pedro Valdez Cardoso (Lisboa, 1974)
Expõe a sua obra desde 2001, colectiva e individualmente
em Portugal e no estrangeiro. Integra reputadas colecções
nacionais, bem como as espanholas do DA2 - DOMUS
ARTIUM de Salamanca, IVAM – Instituto Valenciano de
Arte Moderna de Valência e do MACUF - Museu de Arte
Contemporânea Union Fenosa de Coruña. A sua obra foi
premiada em Portugal e em Espanha.
108 UM CERTO PONTO DE VISTA
Was born in Faro, the city where she currently lives and
works. She studied Painting and Drawing at Ar.Co in
Lisbon and Visual Arts at the University of Algarve. She
has been exhibiting at individual and group exhibitions
in Portugal and abroad since 1995. Her work essentially
focuses on painting and drawing but she occasionally uses
photography, sound and video too.
Is currently coordinating the Visual Arts Degree in ESAD.
CR. She has a Painting Degree at La Cambre (Brussels,
Belgium) and a PhD in Visual Arts from UPValência, Spain.
In 2013, during the postdoctorate, receives a scholarship
student at the University of Rennes 2 (France) to develop
a research that gave origin to Tipo.pt – an online archive
about artist’s books and author’s edition in Portugal. Today
Tipo.pt is coordinated with Catarina Figueiredo Cardoso.
Isabel has exhibited his work in solo and group exhibitions
since 2001, in Portugal and abroad. She collaborates
regularly with publishers such as: Cão Celeste and Journal
of Artists’ Books, and also with the Belgium gallery Office
d’Art Contemporain.
Has been exhibiting his work at individual and group
exhibitions in Portugal and abroad since 2001. His works
can been found in various highly-regarded Portuguese
collections, as well as in the Spanish collections of the DA2
– DOMUS ARTIUM in Salamanca, IVAM – Valencian Institute
of Modern Art in Valencia and the MACUF – Union Fenosa
Contemporary Art Museum in A Coruña. He has won prizes
for his work in both Portugal and Spain.
Thierry Simões (Maisons-Laffitte, 1968)
Reside e trabalha em Lisboa. Em 1987, após frequência
do Lycée du livre et de l’industrie graphique, no Lycée
Maximilien Vox, vem para Lisboa. Em 1990, concluiu o
Curso Completo do Ar.Co em Lisboa onde, depois de em
1998 realizar o Projecto Individual de Desenho, passa a
leccionar. Tem participado em numerosas exposições e
projectos de Desenho, individuais e colectivos, em Portugal
e no estrangeiro.
Tiago Batista (Lisboa, 1967)
Reside e trabalha em Faro, onde é Professor do Curso
de Artes Visuais da Universidade do Algarve. Mestre em
Desenho pela Faculdade de Belas Artes da Universidade
de Lisboa, é especialista em Internet Macromedia pela
Flag, Lisboa. Paralelamente à actividade pedagógica que
desenvolve desde 1997, expõe a sua obra em exposições
colectivas e individuais desde 1991, em Portugal e no
estrangeiro.
Vasco Célio (Lubango, 1975)
É natural do Lubango em Angola donde, recém-nascido,
vem com a família para Portugal. Desde então, reside e
trabalha em Loulé no Algarve, região onde se tem afirmado
como fotógrafo profissional e como artista. Estudou
História da Fotografia de Publicidade, Fotojornalismo,
fez Pós-Graduação em Artes e Programação Cultural no
INUAF em 2007. Posteriormente participa em workshops
de vídeo, de fotografia para cinema e, entre 2009 e 2012,
frequenta Mobile Home (projecto de formação artística
desenvolvido por Nuno Faria em Loulé). Desde 1996,
participa em exposições individuais e colectivas em
Portugal e no estrangeiro, bem como em projectos de
colaboração com outros artistas.
Lives and works in Lisbon. In 1987, after studying Lycée
du livre et de l’industrie graphique, at Lycée Maximilien
Vox, moved to Lisbon. In 1990, completed the Complete
Course of the Ar.Co in Lisbon, where, after finishing the
Drawing Individual Project in 1998, began teaching. He
has participated in several solo and group exhibitions and
Drawing projects, in Portugal and abroad.
Lives and works in Faro, where he is currently lecturing in
the Course of Visual Arts at the University of the Algarve.
With a Master’s Degree in Drawing by the Faculty of Fine
Arts, University of Lisbon, he has specialized in Internet
Macromedia by Flag, Lisbon. Along with his teaching
activity, which started in 1997, Tiago has exhibited his
works in group and solo exhibitions since 1991, in Portugal
and abroad.
Comes from Lubango in Angola. He lives and works in
Loulé, in the Algarve, the region where he has made a
name for himself as a professional photographer and
artist. He studied the History of Advertising Photography
and Photojournalism, and did a postgraduate course
in Arts and Cultural Programming at INUAF in 2007.
Since 1996, he has been participating in individual and
group exhibitions in Portugal and abroad, as well as in
collaborative projects with other artists.
A CERTAIN POINT OF VIEW 109
Ficha Técnica
Captions

Praia (Ana André)

[p.24] [p.32] [p.43] - 17

S/Título | untitled #p96, 2015 S/Título | untitled #p90, 2014 S/Título | untitled #p116, 2016
óleo s/tela | oil on canvas óleo s/cartão | oil on cardboard óleo s/cartão | oil on cardboard
114 x 146 cm 25 x 33,5 cm 33,5 x 35 cm

[p.25] [p.33] [p.44] - 18

S/Título | untitled #p97, 2015 S/Título | untitled #p89, 2014 S/Título | untitled #p123, 2016
óleo s/tela | oil on canvas óleo s/cartão | oil on cardboard óleo s/cartão | oil on cardboard
114 x 162,3 cm 37 x 50 cm 25 x 34,8 cm

[p.26] [p.34] [p.44] - 19

S/Título | untitled #p98, 2015 S/Título | untitled #p117, 2016 S/Título | untitled #p128, 2017
óleo s/tela | oil on canvas óleo s/cartão | oil on cardboard óleo s/cartão | oil on cardboard
114 x 162,3 cm 35 x 32,5 cm 17,4 x 25 cm

[p.27] [p.35] [p.44] - 20

S/Título | untitled #p106, 2016 S/Título | untitled #p129, 2017 S/Título | untitled #p124, 2017
óleo s/cartão | oil on cardboard óleo e pastel s/cartão acrílico e grafite s/papel
35 x 50 cm oil and pastel on cardboard acrylic and graphite on paper
35,3 x 33,5 cm 29,5 x 40,4 cm

[p.28]
S/Título | untitled #p91, 2014
óleo s/cartão | oil on cardboard
34 x 50 cm
[p.29]
S/Título | untitled #p92, 2014
óleo s/tela | oil on canvas
34 x 50 cm
[p.30]
S/Título | untitled #p87, 2014
óleo s/cartão | oil on cardboard
33,3 x 35 cm
[p.31]
S/Título | untitled #p93, 2014
óleo s/tela | oil on canvas
50 x 70 cm
[p.36]
S/Título | untitled #p88, 2014
óleo s/cartão | oil on cardboard
25 x 33,5 cm
[p.39]
S/Título | untitled #p86, 2014
óleo s/cartão | oil on cardboard
25 x 35,5 cm
[p.43] - 15
S/Título | untitled #p111, 2016
óleo e pastel de óleo s/cartão | oil and
oil pastel on cardboard
33,5 x 35 cm
[p.43] - 16
S/Título | untitled #p115, 2016
óleo s/cartão | oil on cardboard
33,3 x 35 cm
[p.44] - 21
S/Título | untitled #p126, 2017
acrílico, grafite e óleo s/papel
acrylic and graphite on paper
29,5 x 40,4 cm
[p.44] - 22
S/Título | untitled #p125, 2017
acrílico e grafite s/papel
acrylic and graphite on paper
29,5 x 40,4 cm
[p.44] - 23
S/Título | untitled #p122, 2016
óleo s/cartão | oil on cardboard
25 x 35 cm
[p.46]
S/Título | untitled #p127, 2017
óleo s/tela | oil on cardboard
114 x 162 cm

A CERTAIN POINT OF VIEW 111

Tochas (Vasco Célio)
[p.50]
Vasco Célio, Tochas (#392), 2017
Impressão jacto de tinta | ink jet print
moldura em criptoméria dos Açores
Azores cryptomeria wood frame
162 x 130 cm
[p.51]
Vasco Célio, Tochas (#201), 2017
Impressão jacto de tinta | ink jet print
moldura em criptoméria dos Açores
Azores cryptomeria wood frame
162 x 130 cm
[p.52]
Vasco Célio, Tochas (#215), 2017
Impressão jacto de tinta | ink jet print
moldura em criptoméria dos Açores
Azores cryptomeria wood frame
162 x 130 cm
AR (Isabel Baraona / Thierry Simões / Tiago Batista)
[p.66]
Ar, Vista geral, 10-2-2018.
Ar, overview, 10 -2 - 2018
[p.67]
Ar, Vista geral, 18-3-2018.
Ar, overview, 18 -3 - 2018
[p.68]
Isabel Baraona, “amanhã”, 2018
instalação, dimensões variadas, vídeo
00:02:14.
posters A2 impressos frente e verso
de tiragem aberta e distribuição livre,
mesas em metal.
installation, diverse dimensions.
free A2 posters, both sides printed,
open edition, metal tables.
[p.70]
Isabel Baraona, “amanhã”,
pormenor
detail
[p.71]
Isabel Baraona, “amanhã”,
pormenor
detail
112 UM CERTO PONTO DE VISTA
[p.53] [p.56]
Vasco Célio, Tochas (#318), 2017 Vasco Célio, Tochas (#240), 2017
Impressão jacto de tinta | ink jet print Impressão jacto de tinta | ink jet print
moldura em criptoméria dos Açores moldura em criptoméria dos Açores
Azores cryptomeria wood frame Azores cryptomeria wood frame
162 x 130 cm 162 x 130 cm
[p.54] [p.58]
Vasco Célio, Tochas (#65), 2011 Vasco Célio, Tochas (#397), 2017
Impressão jacto de tinta | ink jet print Impressão jacto de tinta | ink jet print
moldura em criptoméria dos Açores moldura em criptoméria dos Açores
Azores cryptomeria wood frame Azores cryptomeria wood frame
162 x 130 cm 162 x 130 cm
[p.55] [p.61]
Vasco Célio, Tochas (#23), 2011 Vasco Célio, Tochas (#304), 2017
Impressão jacto de tinta | ink jet print Impressão jacto de tinta | ink jet print
moldura em criptoméria dos Açores moldura em criptoméria dos Açores
Azores cryptomeria wood frame Azores cryptomeria wood frame
162 x 130 cm 200 x 150 cm
[p.72] [p.80]
Isabel Baraona, “amanhã”, Tiago Batista, "Master Your Future",
pormenor
detail 2018
Estirador de madeira, mecanismos
diversos, guiador de ferro, matriz em
[p.74] gesso, lápis de cor vermelho, folhas de
Thierry Simões, 2018 papel A3.
dimensões variadas wood drafting table, metal mechanism,
contraplacado de choupo, especiarias iron steering wheel, matrix in plaster,
red crayon, A3 drawing paper.
(pimentão, açafrão, canela, cacau),
lençóis. 141 x 100 x 86 cm
Diverse dimensions.
poplar plywood, spices (chili, saffron,
[p.82]
cinnamon, cocoa), bed sheets
Tiago Batista, “Master Your Future”,
pormenor
[p.75] detail
Thierry Simões,
pormenor
[p.83]
detail
Tiago Batista, “Master Your Future”,
pormenor
[p.76] - [p.77] detail
Thierry Simões, Ar / Dobradura
(performance), 18-03-2018
[p.84]
Tiago Batista, “Master Your Future”,
pormenor
[p.78]
detail
Thierry Simões, Ar / Dobradura
(performance),
pormenor
detail
A Primeira Pedra (Pedro Valdez Cardoso )
[p.88]
Pedro Valdez Cardoso,
Cantaria #2, 2015
Silicone liquida e cimentos sobre
diversos objectos e materiais
Liquid silicone and cements
on various objects and materials
151 x 52 x 57 cm
[p.89]
Pedro Valdez Cardoso,
Cantaria #1, 2015
Silicone liquida e cimentos sobre
diversos objectos e materiais
Liquid silicone and cements
on various objects and materials
164 x 47 x 47 cm
[p.90]
Pedro Valdez Cardoso,
Cantaria #3, 2015
Silicone liquida e cimentos sobre
diversos objectos e materiais
Liquid silicone and cements
on various objects and materials
135 x 50 x 50 cm
[p.91]
Pedro Valdez Cardoso,
Cantaria #4, 2015
Silicone liquida e cimentos sobre
diversos objectos e materiais
Liquid silicone and cements
on various objects and materials
123 x 57 x 57 cm
[p.92]
Pedro Valdez Cardoso,
Cantaria #5, 2015
Silicone liquida e cimentos sobre
diversos objectos e materiais
Liquid silicone and cements
on various objects and materials
108 x 43 x 43 cm
[p.93]
Pedro Valdez Cardoso,
A Primeira Pedra #11, 2017
Silicone liquida, borracha, plástico e
esferovite
Liquid silicone, rubber, plastic and
styrofoam
79 x 52 x 20 cm
[p.94]
Pedro Valdez Cardoso,
A Primeira Pedra #7, 2017
Silicone liquida, plástico, borracha e
esferovite
Liquid silicone, plastic, rubber and
styrofoam
86 x 84 x 18 cm
[p.95]
Pedro Valdez Cardoso,
A Primeira Pedra #6, 2017
Silicone liquida, plástico, borracha e
esferovite
Liquid silicone, plastic, rubber and
styrofoam
45 x 43 x 15 cm
[p.96]
Pedro Valdez Cardoso,
A Primeira Pedra #8, 2017
Silicone liquida, plástico, borracha e
esferovite
Liquid silicone, plastic, rubber and
styrofoam
73 x 44 x 14 cm
[p.97]
Pedro Valdez Cardoso,
A Primeira Pedra #9, 2017
Silicone liquida, plástico e esferovite
Liquid silicone, plastic and styrofoam
93 x 43 x 14 cm
[p.98]
Pedro Valdez Cardoso,
A Primeira Pedra #10, 2017
Silicone liquida, plástico e esferovite
Liquid silicone, plastic and styrofoam
42 x 97 x 16 cm
[p.99]
Pedro Valdez Cardoso,
A Primeira Pedra #5, 2017
Silicone liquida, plástico e esferovite
Liquid silicone, plastic and styrofoam
18 x 64 x 16 cm
[p.100]
Pedro Valdez Cardoso,
A Primeira Pedra #4, 2017
Silicone liquida, plástico, borracha e
esferovite
Liquid silicone, wood, rubber and
styrofoam
37 x 35 x 11,5 cm
[p.101]
Pedro Valdez Cardoso,
A Primeira Pedra #2, 2017
Silicone liquida, madeira, borracha e
esferovite
Liquid silicone, wood, rubber and
styrofoam
71 x 62 x 15,5 cm
[p.102]
Pedro Valdez Cardoso,
A Primeira Pedra #3, 2017
Silicone liquida, plástico, madeira e
esferovite
Liquid silicone, plastic, wood and
styrofoam
52 x 52 x 10 cm
[p.103]
Pedro Valdez Cardoso,
A Primeira Pedra #12, 2017
Silicone liquida, borracha, plástico e
esferovite
Liquid silicone, rubber, plastic and
styrofoam
37 x 11 x 7,5 cm
[p.104]
Pedro Valdez Cardoso,
A Primeira Pedra #1, 2017
Silicone liquida, madeira e esferovite
Liquid silicone, wood and styrofoam
91 x 52 x 6 cm
A CERTAIN POINT OF VIEW 113
114 UM CERTO PONTO DE VISTA
Um Certo Ponto de Vista
A Certain Point of View

Exposições / Exhibitions Catálogo / Catalogue

Curador / Curator Edição / Edition Impressão e acabamento /

Vasco Vidigal Artadentro – Arte Printing and binding
Contemporânea – Associação Gráfica Comercial
Coordenação / Coordination
Vasco Vidigal (Artadentro) Concepção / Concept Tiragem / Print run
Marco Lopes (Museu Municipal de Ana André 500 exemplares / copies
Faro) Vasco Vidigal
Isabel Soares (Museu de ISBN: 978-989-20-8292-9
Portimão) Concepção Gráfica / Design Depósito legal: 440360/18
Sónia Silva (Galeria Municipal de Fábio Santos (OrizonArt Studios)
S. Brás de Alportel) Sara Martins (OrizonArt Studios) © 2018 Artadentro
Patrícia Reis (Galeria Municipal de © das fotografias, dos textos e
S. Brás de Alportel) Textos / Texts das traduções: os autores / of
Comissariado 365 Algarve / photographs, texts, and translations:
Produção / Production 365 Algarve Curators the authors
Ana André (Artadentro) Presidente do Município de Faro /
Mayor of Faro Todos os direitos reservados. Esta
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Domingos Carreira Ana Isabel Soares
Museu de Portimão:
António Pereira Fotografia / Photography
Vera Santos Vasco Célio (Stills)
Margarida Patrício Filipe Farinha (Stills)
Paula Raimundo Edição de Imagem / Photo
João Rosado Edition
Cidália Pacheco (Comunicação) Ricardo Nascimento (Stills)
Carlos Barreto (Stills)
Galeria Municipal de S.Brás de
Alportel: Capa / Cover
Emília Guerreiro Vasco Vidigal
José Manuel Cristino “Gato Momentaneamente
Veríssimo Medeiros Satisfeito” vídeo still, 2017
Hélder Silva “Momentarily Satisfied Cat” video
still, 2017
A CERTAIN POINT OF VIEW 115
Agradecimentos
Acknowledgements

A Artadentro agradece a todos os a / A special thank to:

que de alguma forma ajudaram a
realizar “Um Certo Ponto de Vista”, Professora Doutora Isabel Cardigos
nomeadamente a: (Ex-Directora do Centro de Estudos
Artadentro would like to thank Ataíde Oliveira), Daniela Garcia (texto
to people and institutions whose p/folha de sala p/exp.“Tochas”),
contributions made “A Certain Point Madalena André, Cristina Catuna e
of View” possible, namely: Alfio Fassio, Teresa Ramos, Manuel
Rodrigues e Elisabete Lourenço
Faro: Rogério Bacalhau (Presidente Rodrigues, António André, Lino André,
do Município), Paulo Santos (Vice- Eduardo Martins, Bertílio Martins,
Presidente do Município), Marco Emídio Freire, Carlos Gracias, Gilmar
Lopes (Director do Museu Municipal Brito e Vico Ughetto.
de Faro), Paula Paixão, Heliodoro
Martins, Maria do Carmo Mendonça,
Fátima Nascimento, Isabel Louro,
Valentina Rodrigues, Denisa Fuseta,
Vitorino Pinto, Luis Mansinho, Rui
André Gonçalves, Susana Laneiro,
Maria José Barradas.
Portimão: Isilda Gomes (Presidente
do Município), Teresa Mendes
(Vereadora da Cultura), José Gameiro
(Director do Museu de Portimão).
S.Brás de Alportel: Vitor Guerreiro
(Presidente do Município), Marlene
Guerreiro (Vice-Presidente do
Município), Emanuel Sancho (Director
do Museu do Traje de S.Brás de
Alportel), Custódia Reis, Anabela
Correia, Mauro Rodrigues.
Também um especial agradecimento

116 UM CERTO PONTO DE VISTA

every day counts
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arte contemporânea | associação

Artadentro – Arte Contemporânea – Associação

Rua Rasquinho, 7 — 8000-416 Faro
artadentro@hotmail.com
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