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Retratos

do Brasil
Homossexual
Fronteiras,
Subjetividades
e Desejos

Horácio Costa et al.


organização
Horácio Costa et al. (orgs.)

Retratos do Brasil Homossexual


Fronteiras, Subjetividades e Desejos

PPG em literatura portuguesa


PPG em estudos comparados
FFLCH - DLCV I CELP

Secretaria Especial
dos Direitos Humanos
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Reitora Suely Vilela


Vice-reitor Franco Maria Lajolo

EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Diretor-presidente Plinio Martins Filho

COMISSÃO EDITORIAL
Presidente José Mindlin
Vice-presidente Carlos Alberto Barbosa Dantas
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Benjamin Abdala Júnior
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Nélio Marco Vincenzo Bizzo
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Diretora Editorial Silvana Biral


Editoras-assistentes Marilena Vizentin
Carla Fernanda Fontana
Horácio Costa
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Berenice Bento
Wiliam S. Peres
(organizadores)

Retratos do Brasil Homossexual:


Fronteiras, Subjetividades e Desejos
Copyright © 2010 by organizadores

Ficha catalográfica elaborada pelo Departamento Técnico do Sistema Integrado de Bibliotecas da USP

Retratos do Brasil homossexual : fronteiras,


subjetividades e desejos / Horácio Costa ... [et al] (org.).
–- São Paulo : Editora da Universidade de São Paulo :
Imprensa Oficial, 2010.
442 p. ; 23 cm.

ISBN 978-85-314-1242-4 (Edusp)


ISBN 978-85-7060-961-8 (Imprensa Oficial)

1. Homossexualidade-Sociologia. 2. Identidade sexual.


I. Costa, Horácio, 1954-.

CDD 306.766

Depósito Legal na Biblioteca Nacional, conforme Decreto Nº 10.944, de 14 de dezembro de 2004.

Direitos reservados à

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Printed in Brazil 2010


Sumário

Discurso de Abertura do IV Congresso da ABEH


HORÁCIO COSTA ...................................................................................... 15

Parte I
Homocultura e Direitos Humanos

A União Homoafetiva e a Constituição Federal


MARIA BERENICE DIAS ............................................................................. 27

El Matrimonio Heterosexual: ¿Un Mito?


FERNANDO GRANDE MARLASKA ................................................................ 33

¿Peligrosos y Normales? Sobre la Situación de la España


Democrática Respecto de la Diversidad Sexual
JUAN VICENTE ALIAGA .............................................................................. 43

Homocultura & Política Homossexual no Brasil:


do passado ao por-vir
JOÃO SILVÉRIO TREVISAN ......................................................................... 55

Direitos Humanos e Estudos Gays e Lésbicos: O que nós e Michel


Foucault Temos a Ver com Isso?
MÁRIO CÉSAR LUGARINHO ........................................................................ 67

Constâncias
PAULA VITURRO ...................................................................................... 77

Homofobia Letal: A Violência Velada contra a Liberdade de


Orientação Sexual no Brasil
DANIELLE ROSE, HELENA BARCELOS, LEA SANTOS, MARILENE DURÃES
E TÂNIA CARNEIRO ................................................................................... 87

Programa Vitória sem Homofobia


DURVALINA MARIA SESARI OLIOSA ............................................................. 99

5
A Arte-Educação como Instrumento Significativo de Diminuição
da Evasão Escolar da População LGBT
JOÃO BATISTA DA SILVA JUNIOR ............................................................... 717

Aspectos da Homossexualidade sob a Ótica da Dominação


Masculina de Bourdieu
JOSÉ GUILHERME DE O. FREITAS E MÔNICA PEREIRA DOS SANTOS ............ 727

Parte VI
Homocultura, Psicologia e Saúde Pública
Homoparentalidade e Práticas Sutis de Discriminação à
Diversidade Sexual: Um Estudo de Caso
LINDOMAR EXPEDITO S. DARÓS .............................................................. 741

Psicologia, Homofobia e Processos de Subjetivação: Impactos da


Resolução 001/99 do Conselho Federal de Psicologia
LUAN CARPES BARROS CASSAL, CAROLINA MOREIRA RIBEIRO, RAQUEL MARIA
FERREIRA DE MENEZES, LUCIANA FRANCEZ CARIELLO,
CARLOS EDUARDO LOURENÇO DOS SANTOS NÓRTE E PEDRO PAULO
GASTALHO DE BICALHO .......................................................................... 753
Club Drugs e Homocultura
VIRNA TEIXEIRA ..................................................................................... 763

Conhecimento de Jovens Homens que Praticam Sexo com Outros


Homens Sobre Doenças Sexualmente Transmissíveis/Aids e
Aderência ao Sexo Protegido
HUGO FERNANDES ................................................................................. 775

Parte VII
Homocultura e Catolicismo
Homossexualidade e Contra-Hegemonia no Catolicismo
LUÍS CORRÊA LIMA ................................................................................ 791

Sociedade Moderna e Conceito do Mal: Socialização e Inclusão


Perante a Escolha Homossexual
HERMIDE MENQUINI BRAGA .................................................................... 799

11
Aspectos da Homossexualidade sob a Ótica da
Dominação Masculina de Bourdieu

J OSÉ G UILHERME DE O LIVEIRA F REITAS E

M ÔNICA P EREIRA DOS S ANTOS 1

Este trabalho tem por objetivo destacar, discutir e problematizar os trechos


do livro A Dominação Masculina, de Pierre Bourdieu (1998), que tratem, de
maneira direta ou indireta, do tema da homossexualidade. Nessa perspectiva,
este artigo foi dividido em seções distintas, sendo elas: o preconceito em
relação às mulheres e aos homossexuais, e os binarismos masculino/ativo e
feminino/passivo, com ênfase na forma com que foram tratadas por Bourdieu
as relações homossexuais, mitos e estigmas que envolvem a homossexualidade
e a relação entre dominante/dominado, inclusive na escola. Ao considerarmos
que a escola é um ambiente onde se faz necessária uma permanente interlo-
cução entre professores e alunos, tratar de questões como a discriminação
naturalizada dos papéis e das identidades de gênero, dos atos de violência
simbólica ou não percebida nas relações entre homens e mulheres, assim como
entre heterossexuais e homossexuais, seria uma boa forma de contribuição em
direção ao não preconceito contra mulheres e homossexuais.
Na primeira seção discutiremos o preconceito em relação às mulheres
e aos homossexuais, argumentando que há diferenças no tratamento dado a
ambos, tendo em vista a generalização feita por Bourdieu quando se refere às
mulheres e aos homossexuais, como se fizessem parte de uma mesma

1. Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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José G. de Oliveira Feitas e Mônica P. dos Santos

categoria. Na segunda seção trataremos dos mitos e estigmas que envolvem


a homossexualidade e da relação entre dominante/dominado, inclusive na
escola, tendo em vista defender o direito a um tratamento digno e igualitário
aos homossexuais.

Bourdieu e a homossexualidade

Ao iniciar o livro, logo no prefácio, Bourdieu (2007) evidencia os assun-


tos que constituem alvo de sua preocupação, que são as estruturas da divisão
sexual, as relações entre os sexos e a subordinação eternizada da mulher.
Segundo este autor, a divisão entre os sexos está naturalizada em todo
o mundo social e incorporada nos corpos e nos habitus das pessoas de ambos
os sexos e funciona como esquemas de percepção, pensamento e ação em que
a força da ordem masculina, sua autoridade e domínio dispensam justificação
por serem legitimadas pela sociedade. Neste sentido, ele expressa a neces-
sidade de mobilização política por parte das mulheres como um meio de
resistência contra esta subordinação da seguinte forma:

É desejar que elas saibam trabalhar para inventar e impor, no seio


mesmo do movimento social e apoiando-se em organizações nascidas da
revolta contra a discriminação simbólica, de que elas são, juntamente
com os (as) homossexuais, um dos alvos privilegiados, formas de orga-
nização e de ação coletivas e armas eficazes, simbólicas, sobretudo, capa-
zes de abalar as instituições, estatais e jurídicas, que contribuem para
eternizar sua subordinação (Bourdieu, 2007, p. 5).

Achamos oportuno tanto a denúncia sobre a condição de inferioridade


a que são assujeitados mulheres e homossexuais quanto a expressão do desejo
do autor no sentido de que as mulheres lutem para mudar esta situação de
inferioridade imposta, ou pelo menos que expressem sua insatisfação.

728
Aspectos da Homossexualidade

Neste particular concordamos com o autor no que diz respeito ao gêne-


ro, pois é essencial à dignidade humana que cada qual possa, sem constran-
gimentos ou medos, viver sua identidade de gênero, sem aniquilar suas
subjetividades, nem limitar suas possibilidades, nem tampouco escandalizar
os hipócritas, mas que tenham o direito de ser e de se sentir iguais, em valor
como ser humano, nas sociedades em que vivam. Igualmente importante, em
nosso ver, é a denúncia da violência simbólica existente na naturalização de
papéis de domínio, entre os homens, e de dominadas, entre as mulheres.
Porém, quando Bourdieu (2007) diz que as mulheres são, juntamente
com os homossexuais, um dos alvos privilegiados de discriminação simbólica,
colocando-os em situação de igualdade no que tange a tais processos discri-
minatórios, questionamos sua colocação. Acreditamos não ser possível esta-
belecer este nivelamento entre as categorias mulheres e homossexuais simples-
mente pelo fato de ambas serem discriminadas. A discriminação, somente, não
é suficiente para colocar mulheres e homossexuais em situações de semelhança
quando se trata da criação social desta desigualdade. Devemos considerar,
assim, que as concepções de gênero diferem não apenas entre as sociedades ou
entre os momentos históricos, mas no interior de cada sociedade, ao se
considerar os diversos grupos que a constituem.
Como nosso foco de interesse é a homossexualidade, destacaríamos
duas formas de discriminação que vêm sendo amplamente divulgadas e
veiculadas nas diversas mídias na sociedade, e que se manifestam diferencia-
damente para mulheres e homossexuais. Uma dessas formas situa-se no
campo do Direito, no sentido latu da palavra e a outra no campo da homo-
fobia, conforme veremos a seguir.
No que tange à questão do Direito, Silva (2002) diz que, à exceção do
jurista Roger Raupp Rios, que publicou um livro sobre este tema, o problema
da sexualidade humana, e mais especificamente da homossexualidade, não
está presente nos livros de Direito, leis, ou na jurisprudência e cultura jurídica
deste país. Parece algo pouco merecedor de atenção e proteção. No entanto,
no caso das mulheres, embora ainda sofram preconceito e discriminação, já

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José G. de Oliveira Feitas e Mônica P. dos Santos

existem leis2 que as protegem, tendo muito mais provisões legais em textos da
Lei do que os homossexuais. Como exemplo, poderíamos citar a Lei Maria da
Penha, que cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e
familiar contra a mulher, dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e
proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar sob o nº
11.340, de 7 de agosto de 2006.
A outra dimensão refere-se a aspectos de criminalidade que são pra-
ticados e percebidos de diferentes maneiras. Um exemplo típico de extremo
desrespeito se dá quando um homossexual chega a uma delegacia para fazer
uma denúncia. Normalmente, ele é tratado como se ele fosse “o problema”
enquanto no caso das mulheres este tratamento é “diferenciado”. Não estamos
aqui dizendo que elas não sejam discriminadas, mas são tratadas, geralmente,
como “as vítimas”, mesmo que não sejam. Ainda para as mulheres, já existem
instituições públicas destinadas ao atendimento de mulheres, tendo em vista
o alto índice de violência doméstica.
Estes seriam dois exemplos num universo macro, mas se refletirmos
sobre o âmbito da escola, nos dias de hoje, a discriminação em relação aos
homossexuais ainda é explícita, enquanto com relação às mulheres parece
haver uma tendência a ser mais controlada.
Outro trecho do livro em análise que nos fez questionar o uso não só de
termos como homossexuais e homossexualidade, mas também o pensamento
do autor sobre a postura e o proceder de homossexuais, foi o encontrado no
capítulo I, que se inicia da seguinte forma:

Se a relação sexual se mostra como uma relação social de dominação, é


porque ela está construída através do princípio de divisão fundamental
entre o masculino, ativo, e o feminino, passivo, e porque este princípio
cria, organiza, expressa e dirige o desejo – o desejo masculino como de-
sejo de posse, como dominação erotizada, e o desejo feminino como

2. Fonte: Cartilha da Legislação de Cidadania CECF/SP do governo de São Paulo.

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Aspectos da Homossexualidade

desejo da dominação masculina, como subordinação erotizada, ou


mesmo em última instância, como reconhecimento erotizado da
dominação. No caso em que, como se dá nas relações homossexuais, a
reciprocidade é possível, os laços entre a sexualidade e o poder se
desvelam de maneira particularmente clara, e as posições e os papéis
assumidos nas relações sexuais, ativos ou passivos principalmente,
mostram-se indissociáveis das relações entre as condições sociais que
determinam ao mesmo tempo, sua possibilidade e sua significação
(Bourdieu, 2007, pp. 31-32).

Quando o autor faz referência à relação sexual como uma relação social
de dominação, dizendo que ela é construída nas bases do masculino/ativo e
do feminino/passivo, e não só isso, mas também reconhecendo o desejo
masculino como o de posse e de dominação erotizada e o desejo feminino
como desejo da dominação masculina e de subordinação erotizada, pode-
ríamos pensar nas bases do patriarcado, em que é clara a dominação e o poder
do homem sobre a mulher.
No entanto, nossas dúvidas começam a surgir quando ele começa a
falar das relações homossexuais e destacando a reciprocidade ser possível, que
os laços entre a sexualidade e o poder se desvelariam de maneira particular-
mente clara, e ainda que as posições e os papéis assumidos nas relações
sexuais, ativos ou passivos, mostrar-se-iam-se indissociáveis das relações
entre as condições sociais.
Inevitavelmente, surgem as seguintes questões para reflexão: será que
somente nas relações homossexuais a troca, o dar e o receber são possíveis?
Se considerarmos as inúmeras formas de possibilidades de relações sexuais
homossexuais, se considerarmos ainda a diversidade de gostos de maneiras
de relação do tipo “homossexual”, bem como nas do tipo “heterossexual”,
podemos reconhecer que Bourdieu (2007) sinalizou algo, mas temos que
admitir que aprofundou pouco. A sinalização importante dá-se quando ele
vincula reciprocidade, laços, posições e papéis à condições sociais. Certa-
mente, há que se reconhecer que tal vínculo é inevitável, pois que o (des)valor

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José G. de Oliveira Feitas e Mônica P. dos Santos

que cada sociedade dará aos aspectos mencionados dependerá da própria


cultura e história destas mesmas sociedades, ao mesmo tempo em que estas
serão marcadas por sujeitos-atores, pertencentes à categorias sociais que mo-
bilizam, produzem, reproduzem e transformam a própria sociedade e, conse-
quentemente, sua cultura e sua história.
Entretanto, entendemos que o aprofundamento está ausente no texto
de Bourdieu pelo fato deste não considerar perspectivas que classificam pos-
turas de homens homossexuais, que podem ou não definir suas preferências
no momento do ato sexual, mas que de certa forma representariam um sinal,
face aos estigmas já consagrados pela sociedade.

A homossexualidade e seus mitos

Se nos reportarmos ao conceito de habitus desenvolvido por Bourdieu e


Passeron (1998) – que o definem como um princípio gerador de atitudes,
podendo traduzir estilos de vida, julgamentos morais e estéticos e que é também
um meio de ação que permite criar ou desenvolver estratégias individuais ou
coletivas, não tendo uma regra fixa, pois há espaço para improvisação e
mudanças – poderíamos supor que Bourdieu (2007, p. 31) ao dizer que as rela-
ções sexuais homossexuais são claras e recíprocas, estaria em desacordo com
este conceito, tendo em vista que os homossexuais, como todos os seres huma-
nos em sua complexidade, podem se utilizar de mecanismos e dispositivos que
os permitam, como a todos, no momento do ato sexual em si, improvisar.
Quando ele afirma ainda sobre as relações homossexuais, que os laços
entre a sexualidade e o poder se desvelam de maneira particularmente clara
surgem novos questionamentos. Claro para quem? De que clareza ele está
falando?
Seria a de que face aos estigmas existentes contra os homossexuais ha-
veria um ativo/másculo e um passivo/afeminado? Ou que considerando o mi-
to de que todos os homossexuais são promíscuos, nada haveria de se escon-
der? Ou que apenas os passivos e afeminados são considerados homossexuais?

732
Aspectos da Homossexualidade

Ou mesmo, por se considerar que nas relações homossexuais não há senti-


mentos envolvidos, tudo ficaria às claras?
Poderíamos considerar que nesta afirmativa, Bourdieu se valeu do
senso comum e dos mitos que envolvem a homossexualidade. Furlani (2007)
destacou em seu livro cinco ideias que caracterizam os mitos mais comuns em
relação à homossexualidade, a seguir:

1. os desequilíbrios existentes ao nível dos hormônios sexuais são os res-


ponsáveis pelas práticas homossexuais;
2. os(as) homossexuais são infelizes ou que é impossível alguém ser feliz
vivendo a homossexualidade;
3. gays praticam, necessariamente, sexo anal e lésbicas não gostam de
homens porque não gostam de sexo com penetração vaginal;
4. homossexuais são promíscuos(as), irresponsáveis, imorais etc.;
5. na relação homossexual não existe amor, carinho, respeito, fidelidade
(p. 156-7).

Não desenvolveremos todas estas ideias aqui, apenas nos deteremos


nas quarta e quinta ideias para argumentar contrariamente ao senso comum,
que acredita no mito de que os homossexuais são promíscuos(as), irrespon-
sáveis, imorais etc., e que, na relação homossexual, não existe amor, carinho,
respeito e fidelidade e por isso discrimina, desrespeita e agride os homos-
sexuais. Concordamos com Furlani (2007), quando este diz que esta não é a
realidade observada em pesquisas realizadas com gays e lésbicas que amam,
se apaixonam, sofrem, se desiludem e sonham como quaisquer outras pessoas
e negar aos homossexuais sentimentos nobres humanos seria mais uma forma
cruel de preconceito.
O trecho do capítulo I de Bourdieu (2007) continua fazendo observa-
ções sobre questões que envolvem a homossexualidade. Neste particular, vai
falar do poder de domínio através da penetração, que segundo o autor “jamais
está de todo ausente na libido masculina”. Sendo assim, poderíamos pensar
que numa relação sexual entre dois homens, pelo menos no pensar de cada

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José G. de Oliveira Feitas e Mônica P. dos Santos

um, ambos estariam em situação de domínio, o que contradiria o trecho em


análise, do próprio Bourdieu (2007), que diz:

A penetração, sobretudo quando se exerce sobre um homem é uma das


afirmações da libido dominandi, que jamais está de todo ausente na
libido masculina. Sabe-se que em inúmeras sociedades, a posse
homossexual é vista como uma manifestação de potência, um ato de
dominação (exercido como tal, em certos casos, para afirmar a
superioridade “feminizando” o outro) e que é a este título que, entre os
gregos, ela leva aquele que a sofre à desonra e à perda do estatuto de
homem íntegro e de cidadão; ao passo que para um cidadão romano, a
homossexualidade “passiva” com um escravo é considerada algo
“monstruoso”. Do mesmo modo, segundo John Boswell, “penetração e
poder estavam entre as prerrogativas da elite dirigente masculina; ceder
à penetração era uma ab-rogação simbólica do poder e da autoridade.
Compreende-se que, sob esse ponto de vista, que liga sexualidade à
poder, a pior humilhação, para um homem, consiste em ser transfor-
mado em mulher (pp. 31-32).

Teria ele considerado que mesmo no homem que está assumindo o


papel de passivo, também está presente o desejo de domínio? Será que naquele
instante ele (o passivo) não pensa que é o dominador, assim como uma mulher
pode entender que domina quando o homem lhe pede, e se utiliza de variados
meios de sedução, para possuí-la? Quando um homem compra uma revista
que contenha fotos de mulheres nuas e dali tira seu prazer, quem está exer-
cendo o poder de domínio?
Não seria possível responder concretamente a estas questões conside-
rando-se as diversidades existentes nos seres humanos. Porém, poderíamos
refletir sobre os papéis ativo/passivo que rotulam os homens homossexuais.
Segundo Bourdieu (2007) esta oposição binária ativo/passivo e a oposição
entre os sexos se inscreve na série de oposições mítico-rituais: alto/baixo, em
cima/embaixo dentre outros. Se a relação de dominação entre o homem e a

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Aspectos da Homossexualidade

mulher for estabelecida somente a partir da relação sexual em que a mulher


assume a posição de submissão, “por baixo”, em que a suposta superioridade
seria a daquele que preenche o outro, no caso das relações sexuais entre
homens o cima/embaixo seria analogamente substituído por frente-trás e o
passivo estaria na mesma posição da mulher submissa e dominada e o ativo
na postura hierarquizada de dominação do possuidor sobre o possuído.
Levando-se em conta que embora a orientação sexual seja a homosse-
xual, este indivíduo pode abrir mão ou não do poder do falo, do poder que a
sociedade confere ao homem através dos tempos. Porém, o sujeito homos-
sexual passivo, de acordo com o modo de pensar de nossa sociedade, contraria
toda uma construção social do que se entende por masculino. Deixar-se pene-
trar representaria a perda desse poder conferido aos homens. A maneira
depreciativa como são tratados os homens que assumem o papel de dominado
tem perpassado os séculos. Bourdieu (2007) sinaliza que, desde os gregos
antigos aos dias atuais, se atribui poder hierárquico e uma suposta
superioridade a quem desempenha o papel ativo. Daí, o motivo de muitos
guardarem em segredo sua orientação sexual, pois aqueles que se mostram
homossexuais, para a sociedade, são aqueles que abriram mão desse poder,
ao abrir mão de todas as expectativas de gênero esperadas, como casar, ter
filhos e ter o controle da família. Portanto, a questão não seria a passividade
em si, mas a visibilidade ou não dessa postura. Mais uma vez, infelizmente, a
hipocrisia é a grande vencedora, como forma de defesa daqueles que não que-
rem ser perseguidos nem discriminados em seu convívio social.
O último trecho do livro em que Bourdieu (2007) faz menção aos
homossexuais se refere à instituição escolar e diz o seguinte:

[...] de todos os fatores de mudança, os mais importantes são os que


estão relacionados com a transformação decisiva da função da insti-
tuição escolar na reprodução da diferença entre os gêneros, tais como
o aumento do acesso das mulheres à instrução, e, correlativamente, à
independência econômica e à transformação das estruturas familiares
(em consequência, sobretudo, da elevação nos índices de divórcios):

735
José G. de Oliveira Feitas e Mônica P. dos Santos

assim, embora a inércia dos habitus, e do direito, ultrapassando as


transformações da família real, tenda a perpetuar o modelo dominante
da estrutura familiar e, no mesmo ato, o da sexualidade legítima,
heterossexual e orientada para a reprodução; embora se organize
tacitamente em relação a ela a socialização e simultaneamente,a
transmissão dos princípios de divisão tradicionais, o surgimento de
novos tipos de famílias, como as famílias compostas e o acesso à
visibilidade pública de novos modelos de sexualidade (sobretudo os
homossexuais) contribuem para quebrar a dóxa e ampliar o espaço das
possibilidades em matéria de sexualidade (p. 107).

Sob esse aspecto estamos de acordo com Bourdieu, pois achamos que
a escola como um todo deve perceber a existência dos preconceitos e suas
consequências, bem como adotar uma postura de enfrentamento em relação
a quaisquer tipos de discriminação e violência. Para tanto, a escola precisa ter
consciência de que, enquanto instituição que educa e protege, jamais deve ter
ligada à sua estrutura ações discriminatórias ou preconceituosas, silenciosas
ou não.
Para que isso ocorra será necessário que algumas mudanças ocorrem.
O ambiente escolar deve ser um espaço onde se pratique os esclarecimentos,
a discussão e a reflexão sobre as questões da homossexualidade, de forma res-
peitosa, adotando-se uma postura crítica e inovadora, propiciando, assim, a
inclusão deste segmento populacional na vida cotidiana das instituições, e que
todos que participem desse movimento se sintam tocados e propensos a criar
em si espaços renovadores com novos conceitos e modelos que fujam aos
antigos, preconceituosos e heteronormativos.

736
Aspectos da Homossexualidade

Referências bibliográficas

BOURDIEU, P. A Dominação Masculina. 5ª ed., Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2007.


& PASSERON, J. C. Escritos de Educação. Petrópolis, Vozes, 1998.
FURLANI, J. Mitos e Tabus da Sexualidade Humana: Subsídios ao Trabalho em
Educação Sexual. Belo Horizonte, Autêntica. 2007.
SILVA, S. M. O Princípio Constitucional da Igualdade e a Discriminação Homossexual:
Ações e Omissões dos Poderes Públicos no Brasil. Fortaleza, UFC, Dissertação
de mestrado, 2002.

737

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