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Il FORUM DE LINGUAGEM: LINGUAGEM, NATUREZA E CULTURA

FORUM DE CIÊNCIA E CULTURA


CURSO DE FONOAUDIOLOGIA DA UFRJ

LINGUAGEM, NATUREZA E CULTURA

Walter Omar Kohan

Filósofo, Doutor em Filosofia - Universidad Iberoamericana. Pós-Doutorado.


Universite de Paris, França . Professor Titular de Filosofia da Educação - 
UERJ 

Quando recebi o convite para estar nesta mesa, logo pensei o que poderiam
esperar, desde a fonoaudiologia convocante, de alguém apresentado como um
filósofo, junto a um antropólogo e um médico. Lembrei-me logo de algo que,
nesses mesmos dias, uma amiga me relatava como uma frase de cabeceira de
seu pai: “um filósofo é alguém que, quando um molar dói, percebe que, para além
deste molar que dói, há muitos outros que não doem.” Gostei da imagem e logo
me veio à cabeça um tema que dói e que também não dói, sobre o qual venho
trabalhando há algum tempo e que também está associado diretamente a uma
falta, a uma das faltas mais “infaltáveis” como é a falta da linguagem. Refiro-me,
claro, à infância.

i. Infância

Vocês conhecem a etimologia da palavra infância, ela vem do latim in-fans,


“ausência de fala”. Vou chamar em ajuda um dicionário etimológico:
“Um indivíduo de pouca idade é denominado infans. Esse termo está formado por 
um prefixo privativo in e fari , ‘falar’, daí seu sentido de ‘que não fala’, ‘incapaz de
falar’. Tão forte é seu sentido originário que Lucrécio emprega ainda o substantivo
derivado infantia com o sentido de ‘incapacidade de falar’. Porém, logo infans -
substantivado- e infantia são empregados no sentido de ‘infante’, ‘criança’ e
‘infância’, respectivamente. De fato, é desse sentido que se geram os derivados e
compostos, todos de época imperial, como infantilis, ‘infantil’; infanticidium,
‘infanticídio’, etc. [...]
Em geral, infans podia designar criança em idade muito mais avançada que
aquela em que ‘não falam’, de modo que essa denominação é usual para as
crianças até os sete anos [...] Na verdade , são encontrados usualmente usos de
infans referindo-se a pessoas que se aproximam inclusive dos treze ou quinze
anos. Então, podemos entender que infans não remete especificamente à criança
pequena que não adquiriu ainda a capacidade de falar, mas se refere aos que, por 
sua minoridade, não estão ainda habilitados para testemunhar nos tribunais:
infans é assim ‘o que não se pode valer de sua palavra para dar testemunho’.”
Castello; Márcico. Oculto nas palavras. Dicionário etimológico de termos usuais na
 práxis docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2006, no prelo
O texto agrega finalmente que, na cultura latina onde a res publica é tema de
importância central, “os que não podem participar são, de algum modo, marginais;
temporariamente, no caso dos menores e, definitivamente, no caso dos deficientes
mentais, aos quais também se costumava chamar  infantes.”

Percebam então que a etimologia reúne as crianças, aos não habilitados, aos
incapazes, aos deficientes, ou seja, a toda uma série de categorias que têm como
marca central uma ausência e que essa ausência fundamenta sua exclusão da
ordem social. É dessa falta marcada pela etimologia de infância, uma falta que
não pode faltar, uma falta a partir da qual uma linguagem, um direito e uma
política dominantes consagram uma exclusão, que gostaria de me pronunciar 
nesta mesa. E como temos um psicanalista como debatedor da mesa, não vou
falar da falta enquanto falta, da falta propriamente dita, mas de como podemos
pensar essa falta desde um outro lugar, desde uma presença e não apenas desde
uma ausência, desde uma capacidade tanto quanto desde uma incapacidade,
desde um dentro com não menos força que desde um fora.

 A inspiração para minha intervenção está em alguns trabalhos de um filósofo


italiano contemporâneo, Giorgio Agamben, particularmente em seu livro Infância e
historiai  (Belo Horizonte: UFMG, 2005). A tese forte de Agamben nesse texto é
que há uma relação muito marcante entre infância, experiência, linguagem e
história e essa relação nos permitirá pensar outros espaços para a infância.
Em poucas palavras, como bem perceberam os latinos, a infância, muito além de
uma etapa da vida, é uma condição da experiência humana. A infância nos
acompanha a vida toda. Agamben mostra muito sugestivamente que se bem é
verdade que a infância é a ausência da linguagem, não é menos verdade que a
adultez é a ausência da incorporação da linguagem; em outras palavras, e se
tiramos os casos excepcionais, são sempre crianças e não adultos que aprendem
a falar. Isto significa que uma das mais importantes e substantivas características
humanas, a aprendizagem da linguagem, está ligada a uma certa situação infantil:
se abandonamos a infância, abandonamos também a possibilidade de entrar na
linguagem, seja porque renunciamos a essa possibilidade, seja porque já
estaremos dentro dela.
Dessa maneira, a infância simboliza um rito de passagem, entre a natureza e a
cultura, entre o que somos enquanto jogados no mundo e o que fazemos com isso
que é nos jogado no mundo. E trata-se de um rito especificamente humano, na
medida em que o ser humano é o único animal que aprende a falar, e também de
um rito fundacional, na medida em que sem uma infância não teríamos como
passar da natureza à cultura. Nessa mesma medida, a infância é também a
condição da história e da experiência. Sem infância, o ser humano seria natureza
inerte. Se não há possibilidade de que o ser humano seja a-histórico, é
precisamente porque não fala desde “sempre”, porque tem que aprender a falar (a
falar-se, a ser falado) numa infância que não pode ser universalizada ou
antecipada, uma infância da e na experiência, uma infância da e na história.
Interessa notar que a infância não é apenas uma questão cronológica. Experiência
e infância não antecedem a linguagem, mas são suas condições originárias,
fundantes, já que não há humanidade (condição de ser humano) sem elas, e sem
elas não há sujeito que possa falar (ou ser falado). Num certo sentido, estamos
sempre aprendendo a falar (e a ser falados), nunca “sabemos” falar (ou somos
“sabidos” pela linguagem) de forma definitiva, nunca acaba nossa experiência na e
da linguagem. Nessa mesma medida, estamos sempre na infância. Quando
acreditamos tudo saber, quando já somos definitivamente “adultos”, “maduros”,
nos naturalizamos, nos convertemos em natureza. Sem a experiência da infância,
somos repetição do mesmo, lei invariante, normalidade imodificável; com a
infância, podemos ser uma historicidade que se interrompa e recomece.
Desse modo, experiência e infância (experiência da infância, infância da
experiência) são condições de possibilidade de uma existência humana que se
preze de tal, não importa sua idade. É conhecida a afirmação de Sócrates na
 Apologia de Platão de que uma vida sem exame, sem interrogar-se a si próprio,
não merece ser vivida. Da mesma forma, uma vida sem infância, sem uma relação
infantil com a linguagem, com o que sabemos e com o que somos, parece
também uma vida vazia de sentido.
Desta maneira, a infância é uma condição da experiência que tem uma
temporalidade para além do tempo normal da existência humana, das etapas da
vida e das fases do desenvolvimento. A infância tem mais a ver com uma
possibilidade de intensificar certa relação com a palavra, com o pensamento,
como o que somos. A infância está primeiro não apenas como aquilo que inicia e
antecede, mas também como aquilo sem o qual não há possibilidade de seguir 
sendo.

ii. Estrangeridade e ignorância

O movimento que estou tentando sugerir sobre a infância pode ser pensado a
respeito de muitas outras formas que aparecem na cultura e particularmente nos
discursos e práticas educacionais, revestidas de uma ausência originária: por 
exemplo, o ignorante, aquele a quem falta o saber, o estrangeiro, aquele que não
fala a nossa língua ou o imprudente, aquele a quem falta a prudência, a sabedoria
prática, para se dar bem no mundo. Vou então me referir a outras formas de um
dispositivo que está muito longe de se limitar à infância.
Um belo exemplo destas formas está contido no livro O mestre ignorante,
de J. Rancière (Belo Horizonte: Autêntica, 2002). Rancière conta a história de um
pedagogo francês, pós-revolucionário, de inícios do século XIX, Joseph Jacotot.
Jacotot era um professor qualquer até que a situação política o obriga a deixar sua
terra. Sua estrangeiridade nasce, como quase sempre, de uma viagem. O retorno
dos Bourbons à França, obriga Jacotot a se exilar e, a convite do rei dos Países
Baixos, vai dar aulas de literatura na Universidade de Louvain. Ali, se enfrenta, de
cara, com sua estrangeiridade: seus alunos falam uma língua que ele desconhece
(holandês) e eles desconhecem a língua que Jacotot fala (francês). Não estão
dadas as condições da comunicação, não há língua em comum. O professor não
pode ensinar; os alunos não podem aprender: não há signos em comum entre
quem ensina e quem aprende. Não há como transmitir uma cultura em comum.
Não há nada em comum entre eles.
 A primeira vista, um professor não pode ser um estrangeiro, pelo menos
para seus alunos. Eles devem falar a mesma língua para que ela sirva de
transmissão do saber consagrado pela instituição pedagógica. Mas Jacotot não
desiste e encontra uma edição bilíngüe – holandês e francês – do Telêmaco de
Fénelon, que pode ser a coisa comum tão desejada. Com a ajuda de um
intérprete, pede para que seus alunos aprendam a dizer o texto na língua que eles
ignoram e que ele sabe, o francês. Ninguém aposta muito na tentativa, incluído o
próprio Jacotot, mas os resultados são surpreendentes: os seus alunos
estrangeiros, holandeses, se deram muito melhor com o texto do que se dariam
muitos franceses! A experiência sacode o professor que não apenas está numa
terra lingüística estrangeira à sua, mas na terra mais estrangeira da pedagogia
dominante que era até então a sua própria terra pedagógica. Jacotot ensina sem
fazer o que fez sempre, o mesmo que fazemos quase todos os professores:
considerar a tarefa principal de um professor formar espíritos e fazer isso
transmitindo conhecimentos de forma ordenada, dos mais simples ao mais
complexos; em outras palavras, Jacotot, como quase todos os professores,
pensava que “o ato essencial do mestre era explicar ”.
Mas uma simples experiência de estrangeiridade ajuda a colocar em xeque a terra
da explicação. Um mestre tinha ensinado, os alunos tinham aprendido, sem
explicação. Jacotot ensinou sem fazer o que um professor deve fazer para ensinar 
e os alunos aprenderem sem fazer o que um aluno deve fazer para aprender. Sem
transmissão de conhecimento, alguém ensinou e alguém aprendeu. Todo muito
estrangeiro. Jacotot decide empreender outras experiências para testar o valor da
ignorância e, surpreendentemente, confirma sua suspeita. Oferece cursos de
matérias que ignora (pintura, piano), sem explicar nada, e os alunos aprendem. A
estrangeiridade se multiplica: o professor não apenas não explica o que os alunos
aprendem, o ignora! Os alunos lotam as aulas, não querem deixar de aprender 
com o estrangeiro. Jacotot torna-se completamente estrangeiro da escola, tanto
que aos poucos ele não encontra mais lugar em qualquer instituição educacional
(Rancière, 2002, p. 142-147).

Interessa-me pensar, nesta mesa, o valor da estrangeridade e da ignorância para


ensinar e para aprender. Ambas quase não entram na sala de aula, a não ser 
como problemas ou obstáculos a ser superados. Falar a mesma língua parece ser 
um ponto de partida necessário, obvio, natural. Da mesma forma, estamos
costumados a colocar a ignorância do lado de quem aprende, como algo a ser 
superado; por isso, o professor não pode se reconhecer ignorante, a risco de
colocar-se em situação de debilidade perante seu alunos, senão até de perder seu
emprego.

 As experiências de ensino e aprendizagem de Jacotot interrompem a lógica da


explicação e a relação com o saber que ela pressupõe. Explicar algo a alguém é
dizer-lhe que não pode entendê-lo por si mesmo, é obturar o movimento de seu
pensamento, destruir a confiança em sua própria capacidade intelectual. O mestre
explicador não é um monstro. Ao contrário, pode ter rostos bem agradáveis. E
quanto mais sutil, conhecedor e participativo se apresente, quanto mais prazer e
confiança coloca no aprendiz, mais mascarada e mais eficaz a política do
desprezo, da desvalorização e da sujeição pressuposta pela razão explicadora
que afirma.
 A explicação divide os humanos sob uma série de dualismos: sábios e ignorantes,
maduros e imaturos, capazes e incapazes, inteligentes e tolos, julgadores e
 julgados. Uns e outros dela padecem por igual; os primeiros porque estão
condenados a falar àqueles que, por serem inferiores, não podem entendê-los; os
segundos porque não podem colocar sua inteligência a trabalhar por si própria. A
lógica da explicação é voraz e crescente: quantas mais explicações, mais
superiores e inferiores; quantas mais explicações, superiores mais superiores e
inferiores mais inferiores, mais desigualdade, mais distância entre uns e outros. A
explicação, afirma Jacotot, é a arte da distância.

 A estrangeiridade permitiu Jacotot quebrar essa lógica embrutecedora. O que


parecia uma impossibilidade foi uma porta a uma outra prática, à transformação de
si e da relação com os outros. Como a infância, o estrangeiro denota uma falta, a
da linguagem comum. Mas também, como a infância, a estrangeiridade talvez
também denote uma condição para que a palavra dita não seja apenas repetição
do mesmo e possa abrir espaço a uma diferença impensada na língua própria.
Jacotot necessitou se deslocar a uma terra estrangeira para que a impossibilidade
de repetir normalmente sua palavra professoral lhe abrisse espaço a uma outra
concepção do ensinar e do aprender.
Trata-se de um problema com diversas dimensões, dentre elas política. A
explicação naturalizada da pedagogia pressupõe a hierarquia, a divisão entre
inferiores e superiores, a lógica da desigualdade. Jacotot distingue, num ato
educativo, duas vontades e duas inteligências, a vontade e a inteligência de quem
ensina e a vontade e a inteligência de quem aprende. Quem ensina embrutece
quando submete a inteligência de quem aprende a sua inteligência. A
emancipação é o contrário do embrutecimento: ela não pode ser outorgada por 
ninguém; ao contrário, ela é tomada por uma inteligência que só se obedece a si
mesma. O estrangeiro, que deixa de falar a língua das explicações, encurta as
distâncias, as dissolve; ele quebra a lógica da desigualdade que sustenta a
instituição escolar; pressupõe a igualdade das inteligências e a cerne principal de
seu ato pedagógico é verificar essa igualdade.
O problema é político porque o que interessa ignorar a Jacotot é a desigualdade e
a lógica social que ela pressupõe: ignorância política, de um universo de
superiores e inferiores. Eis a lição da estrangeiridade de Jacotot: é necessário que
o mestre ignore, sobre tudo, a desigualdade das inteligências; é preciso um
mestre que não explique e que parta, ao contrário, do princípio da igualdade das
inteligências.
Desta forma, também a igualdade reveste uma lógica como a da infância. A
princípio, segundo a pedagogia explicadora, ignorar é uma falta que o ato de
ensinar saberá preencher. Na experiência de Jacotot, a ignorância muda de forma
e também muda de lugar. Por uma parte, ela já não é mais ou não é apenas
ignorância de um saber ou de um conteúdo mas, sobre tudo, ignorância de um
princípio político da relação pedagógica que perpetua a distância da qual parte: os
que não sabem estão consagrados num lugar de não saber perpetuado pela
distância inscrita no início do ato pedagógico. Por outra parte, a ignorância se
situa do lado de quem “sabe” como uma condição que desencadeia uma outra
relação com o outro e também com o ensinar e o aprender: é necessário ignorar a
lógica da desigualdade institucionalizada para que alguém possa ensinar e um
outro possa aprender para além da razão explicadora.

iii. Considerações finais

Chegamos ao final desta breve intervenção. Buscamos pensar algumas palavras –


infância, estrangeiridade, ignorância – desde um lugar que permita ver nelas
afirmações e não negações, presenças antes do que ausências, potências mais
do que impossibilidades. Trata-se de uma provocação para pensar o lugar que
damos a estas formas de outreidade e ao nosso próprio lugar em relação a elas.
No fundo, trata-se de se pensar o valor do próprio pensamento numa cultura. O
pensamento tem uma dimensão irrenunciável de experiência. Como no início, a
etimologia pode nos ajudar outra vez: a ‘experiência’ porta consigo a mesma raiz
de percurso e de perigo, uma raiz ‘per’ ligada a um deslocamento, a uma viagem,
a uma translação, que não antecipa o ponto de chegada... assim, pensar é
deslocar-se, deixar uma terra, habitar outra, se trasladar ao estrangeiro... tentei
sugerir que, para isso, pode ser vital situar a infância e a ignorância num lugar 
afirmativo. Se alguém de vocês se deslocou pelo menos um pouquinho da terra
que habitava em relação à infância, à estrangeiridade ou à ignorância, minha
viagem ganhou um novo sentido.
Texto referente à palestra apresentada em 26 de maio de 2006 no II FORUM DE
LINGUAGEM - NO FORUM DE CIÊNCIA E CULTURA da Universidade Federal
do Rio de Janeiro - UFRJ.

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