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filosofia política da educação

texto 3
A MODERNIDADE E A REDEFINIÇÃO
DO ESPAÇO PÚBLICO

Heitor Coelho

Vimos
imos estudando, até o momento, a educação e a política tendo em vista a

escola pública; dentro, portanto, de uma perspectiva que pretende privilegiar a

educação comum. A questão do espaço público é, assim, essencial para nós e, por isto,

procederemos a um breve estudo sobre a questão.

O que é, e como se constitui o espaço público? Que sentidos a palavra «público»

adquire, como estes sentidos se modificaram ao longo da história – e, mais

particularmente, na modernidade? Estas são talvez as questões fundamentais para o

estudo e a prática da política. Não


ão podemos ter a pretensão de respondê-las
respondê

definitivamente aqui: e, isto, não pela falta de tempo ou de espaço – de tal forma que,

alongando-nos
nos mais, tais respostas poderiam ser fornecidas – mas porque, como se

1
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procurará demonstrar, estas respostas não podem ser formuladas de uma vez por todas,

por meio de uma elocubração teórica, não podem ser «descobertas», mas resultam da

própria prática política. Podemos, e temos, porém, a intenção de estudar alguns

importantes recursos teóricos que, espera-se, ajudarão a refletir sobre o tema e, mais

importante, a lidar com as questões pertinentes ao espaço público na prática

educacional.

A primazia da aparência

Para tratar do espaço público e das relações entre as esferas pública e privada, a

autora de uma das mais importantes obras de teoria política da modernidade, Hannah

Arendt, parte de um princípio que poderia, à primeira vista, parecer:

Para nós, a aparência – aquilo que é visto e ouvido pelos outros e por
nós mesmos – constitui a realidade.1

A aparência constitui a realidade: eis aí uma inesperada mudança do sentido

comumente atribuído às palavras a que nossa cultura nos acostumou. Desde cedo,

aprendemos que «as aparências enganam» e que «não se deve julgar um livro pela

capa»; e nossa própria linguagem nos leva a opor a «mera aparência» à «verdade» –

como quando queremos, por exemplo, dizer que uma certa pessoa «apenas parece»

1
Hannah Arendt. A Condição Humana, Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 59.

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alguma coisa, quando «na verdade» não o é. E, como a filosofia insere-se numa cultura e

faz uso de sua linguagem, mesmo quando busca questioná-las, não é de espantar que

algumas vezes ela possa assumir posição semelhante.

Um dicionário de filosofia apresenta a seguinte definição para o vocábulo

aparência: «É, de um modo geral, o aspecto que uma coisa oferece, diferente, e até em

oposição, do seu ser verdadeiro. […] Na maioria dos casos, o vocábulo aparência alude

ao aspecto ocultador do ser verdadeiro; […]2». Esta maioria de casos engloba quase

sempre uma tradição

…pelo menos tão antiga quanto Parmênides, de que tudo o que


não seja dado aos sentidos – Deus ou o Ser ou os Primeiros
Princípios e Causas ou as Ideias – é mais real, mais verdadeiro,
mais significativo do que aquilo que aparece, que está não
apenas além da percepção sensorial, mas acima do mundo dos
sentidos.3

Buscando justamente distanciar-se desta forma de pensar, Arendt defenderá que

é «a presença de outros que veem o que vemos e ouvem o que ouvimos» que nos

garante a realidade do mundo e de nós mesmos4. Assim, o termo «aparência» é

empregado por Arendt em um sentido bastante amplo, designando aquilo que a nós

aparece – aquilo que, para nós, se faz presente.

Não se trata, é claro, de simplesmente inverter a ordem das coisas, chamando de

2
José Ferrater Mora. Dicionário de Filosofia, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1982, p. 32. O verbete, há que se dizer,
não se limita a esta acepção, oferecendo outras (inclusive a adotada por Arendt).
3
Hannah Arendt. A vida do espírito: o pensar, o querer, o julgar. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000, p. 10.
4
H. Arendt, A Condição Humana, op. cit. p. 60.

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verdadeiro ao que há de mais superficial e, ao que há de mais profundo, de falso; trata-

se, sim, de assinalar que, para nós, uma coisa só existe quando chega à evidência dos

sentidos, quando, enfim, aparece.

H. Arendt chama a atenção para o fato de que, longe de ser enganosa, a

«primazia da aparência é um fato da vida cotidiana do qual nem o cientista nem o

filósofo podem escapar»5. Entendamos o que esta frase significa: o cientista, tanto

quanto o filósofo, aprenderam a desconfiar das aparências, a questionar o que se

apresenta como evidência, como verdade. Mas eles não podem negar a experiência dos

sentidos, mas devem poder explicá-la. Nós dizemos: «é ver para crer». O cientista e o

filósofo desconfiam desta afirmação, colocam em dúvida suas primeiras impressões.

Mas, ainda assim, a ciência, tanto quanto a filosofia, não podem simplesmente ignorar a

experiência dos sentidos, que é colocada à prova, reconstruída, reformulada,

redimensionada – mas jamais abandonada.

A reflexão nasce, assim, da decisão mesma de não se contentar com a realidade

aparente, mas questionar-se sempre acerca do que ela oculta e que deve ser desvelado,

daquilos que se constitui em seu fundamento.

Esse fundamento supostamente responde à mais antiga questão,


tanto da filosofia quanto da ciência: como pode alguma coisa ou

5
H. Arendt, A Vida do Espírito, op. cit., p. 21.

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alguém, inclusive eu mesmo, simplesmente aparecer, e o que faz


com que apareça desta e não de outra forma?6

Na tradição ocidental, foram muitos os pensadores que acreditaram dever

recusar o aparente, buscando situar este fundamento, em um princípio extra-humano:

neste caso, a razão de ser de tudo deveria ser buscada em nosso sentimento íntimo, ou

mesmo em nosso próprio pensamento. Porém, observa Arendt, somente a «presença

de outros que veem o que vemos e ouvem o que ouvimos garante-nos a realidade do

mundo e de nós mesmos». O que chamamos normalmente de «consciência» – o fato de

que «estou cônscio de mim mesmo» – significa justamente que, de alguma forma,

também preciso «aparecer para mim mesmo»7. Por isto, a intimidade que caracteriza

nossa experiência de nós mesmos, esta subjetividade que afirmamos nos constituir, tudo

isto de fato se apóia em uma dimensão da realidade que apenas o mundo objetivo das

coisas e dos outros nos pode fornecer:

…embora a intimidade de uma vida privada plenamente


desenvolvida, tal como jamais se conheceu antes do surgimento
da era moderna e do concomitante declínio da esfera pública,
sempre intensifique e enriqueça grandemente toda a escala de
emoções subjetivas e sentimentos privados, esta intensificação
sempre ocorre às custas da garantia da realidade do mundo e
dos homens8.

A esfera pública

6
Id.
7
Id., p. 17.
8
Id., A Condição Humana, p. 60.

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Para Arendt, o conceito de «público» identifica dois fenômenos intimamente

correlatos, mas não perfeitamente idênticos. Por um lado, o público refere-se a tudo o

que

…pode ser visto e ouvido por todos e tem a maior divulgação


possível.9

Dizer que algo é público significa, nesta acepção, afirmar que é caracterizado por

sua visibilidade, que a ninguém escapa sua existência; que, no contexto da sociedade em

que se insere, ele desfruta da «maior divulgação possível».

Não nos enganemos: não é a divulgação que determina o caráter público de algo,

mas, ao contrário, é este seu caráter que determina sua visibilidade: uma prova

contundente do caráter público da escola é o fato de que a pouquíssimos em nossa

sociedade passa despercebida sua existência e sua função. Outra é, sem dúvida, a

situação de um bem de consumo, que alcança grande evidência por meio de bem-

sucedidas campanhas publicitárias: sua «visibilidade» é artificialmente construída, e

geralmente direcionada a um «público-alvo»10.

Mas, pondera Arendt, o termo público designa, muito mais do que coisas,

objetos e instituições de que se compõem o mundo humano, este próprio mundo

9
Id., p. 59.
10
Nesse sentido, a notoriedade que o marketing comercial produz é o extremo oposto da visibilidade como a estamos
definindo: o público implica na apropriação de todos, e assim a visibilidade é decorrência de uma acessibilidade real.
Os meios de propaganda buscam, ao contrário, dar a conhecer bens e produtos que só podem ser objeto de
apropriação privada.

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…que é comum a todos nós e diferente do lugar que nos cabe


dentro dele. Este mundo […] tem a ver com o artefato humano,
com o produto de mãos humanas, com os negócios realizados
entre os que, juntos, habitam o mundo feito pelo homem.
Conviver no mundo significa essencialmente ter um mundo de
coisas interposto entre os que nele habitam em comum, […] pois,
como todo intermediário, o mundo ao mesmo tempo separa e
estabelece uma relação entre os homens.11

É neste espaço, que podemos chamar de «comum», que vivemos todos. O

mundo humano não existe fora da natureza, nem sem ela, mas distingue-se nitidamente

do mundo natural, por ser criado pela ação humana. Contrariamente à noção de uma

sociabilidade natural que sustentaria toda vida social – defendida por muitos autores,

como John Locke, por exemplo – H. Arendt coloca em relevo o caráter artificial e

construído da sociedade:

Nas condições de um mundo comum, a realidade não é


garantida pela «natureza comum» de todos os homens que o
constituem, mas sobretudo pelo fato de que, a despeito de
diferenças de posição e da resultante variedade de perspectivas,
todos estão sempre interessados no mesmo objeto.12

Mas isto não significa que o mundo humano seja apenas, ou principalmente, um

mundo de «coisas» – de objetos materiais produzidos pelo fazer humano, tanto quanto

de instituições e de bens culturais, de linguagem, de costumes. O «interesse» de que

nos fala a autora é o comprometimento com a criação e a manutenção de uma realidade

em torno da qual todos estão juntos, ainda que, cada um segundo seu modo de ser

11
Id., p. 62.
12
Id., p. 67.

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próprio.

Disto extraem-se duas conclusões importantes. A primeira delas é a de que o

mundo comum é objeto de investimento por parte de todos e de cada um: e sem este

comprometimento não há, realmente, uma esfera pública.

A segunda conclusão é de que, unindo os indivíduos, o mundo comum não não

pressupõe a homogeneidade mas, ao contrário, o fato de que cada humano é singular. O

espaço público, afirma Arendt, é o único em que pode emergir a auitêntica pluralidade

humana: ele é criado e mantido pela diversidade de pontos de vista e ações. Ele não é,

pois, comum apenas porque, no interior da cultura, «somos todos iguais», e sim porque,

mesmo compartilhando valores, interesses, hábitos e aspirações comuns, somos todos

sempre singularmente diferentes – porque «homens, e não o Homem, vivem na terra e

habitam o mundo»13. E é na esfera ppública que esta diversidade pode emergir e se

manifestar.

Neste sentido, pode-se dizer que é apenas na democracia que se constrói, de fato,

o espaço verdadeiramente público: ali, a unificação imposta pela cultura já não extingue

as diferenças individuais, e o princípio político (democrático) da igualdade dos cidadãos

permite, pelo contrário, o aparecimento das singularidades.

A esfera privada
13
Id., p. 15.

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No espaço que podemos designar, segundo Arendt, de público, cada um ocupa

um lugar que lhe é próprio, que não se confunde, nem com a totalidade deste espaço,

nem com o lugar que ocupa o outro. Mas não há espaço público sem um mundo privado

– ou, para empregar um termo ao qual já recorremos em capítulos anteriores, a

identificação do que, em uma sociedade, deve ser objeto de participação de todos – o

participável – não vem sem a designação daquilo que pode ser atribuído de forma

exclusiva a um indivíduo ou grupo – o partilhável.

Nas sociedades ocidentais, a propriedade da terra e a riqueza se apresentam

como exemplos máximos da apropriação privada, mas o espaço privado não é apenas

composto de valores materiais. Ele é também o lugar em que se realiza o cuidado com a

vida e com a sobrevivência, onde se cultivam os laços afetivos e a identidade baseada

em uma história comum e em valores próprios. É neste sentido que Arendt insiste que o

espaço privado tem por função proteger os indivíduos, resguardando, para cada um, seu

lugar próprio no mundo, oferecendo proteção contra a exposição que a esfera pública

não deixa também de representar:

…há muitas coisas que não podem suportar a luz implacável e


crua da constante presença de outros no mundo público; […] É
claro que isto não significa que as questões privadas sejam
geralmente irrelevantes; pelo contrário, veremos que existem
assuntos muito relevantes que só podem sobreviver na esfera
privada. O amor, por exemplo, em contraposição à amizade,

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morre ou, antes, extingue-se assim que é trazido a público14.

Todo indivíduo e, especialmente, as crianças precisam deste âmbito de

intimidade, à sombra do que pode ser exposto e vir imediatamente ao julgamento e à

deliberação públicos. E, para seu próprio bem , a sociedade deve traçar a distinção entre

o que deve ser posto em comum e o que não pode sê-lo, e deve permanecer oculto.

Esta distinção varia, é claro, de sociedade para sociedade, mas uma vida irrestrita e

constantemente exposta aos olhares dos outros seria intolerável. Mas, da mesma forma,

uma vida inteiramente passada em um ambiente privado aparece como inumana:

Para o indivíduo, viver uma vida inteiramente privada significa,


acima de tudo, ser destituído de coisas essenciais à vida
verdadeiramente humana: ser privado da realidade que advém
do fato de ser visto e ouvido por outros, privado de uma relação
«objetiva» com eles decorrente do fato de ligar-se e separar-se
deles mediante um mundo comum de coisas, e privado da
possibilidade de realizar algo mais permanente que a própria
vida.15

Não há, assim, e apesar do que se pôde imaginar, mundo constituído apenas de

espaço público, tanto quanto um mundo inteiramente privado perde suas características

humanas mais essenciais. Para explicitar melhor esta relação entre público e privado,

Arendt recorre ao estudo da antiguidade clássica grega e romana:

O pleno desenvolvimento da vida no lar e na família como


espaço interior e privado deve-se ao extraordinário senso
político do povo romano que[…] compreendeu que estas duas

14
Id., p. 61.
15
Id., p. 68.

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esferas [pública e privada] somente podiam subsistir sob a forma


de coexistência.16

A autora demonstra, portanto, não apenas a interdependência entre esfera

pública e privada, mas a importância crucial da existência de ambas as esferas para a

vida humana.

Ascensão do social

Este tênue equilíbrio entre as esferas pública e privada, que existiu na

Antiguidade clássica, começou a desaparecer com seu declínio, e foi definitivamente

abalado com o advento da modernidade, e pelo que Arendt denomina de «ascensão do

social». Como veremos a seguir, para a autora, longe de servir como designação genérica

para as comunidades humanas, o termo «social» aplica-se somente àquelas sociedades

em que a preocupação com as funções de reprodução e sobrevivência, antes reservadas

ao espaço privado, se expandiu a tal ponto que engoliu todo o campo de atividade

humana. A emergência da esfera social implica na dissolução da antiga distinção entre as

esferas pública e privada e, assim sendo, em sua extinção17 das esferas, e transformando

toda ação em mero comportamento. Esta emergência

…coincidiu historicamente com a transformação da preocupação


individual com a propriedade privada em preocupação pública.
Logo que passou à esfera pública, a sociedade assumiu o disfarce
de uma organização de proprietários que, ao invés de se

16
Id., p. 68 e 69.
17
Id., p. 50-51.

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arrogarem acesso à esfera pública em virtude de sua riqueza,


exigiram dela proteção para o acúmulo de mais riqueza18.

Diferentemente do que propõe a autora, nossa época não só não vê qualquer

problema em se almejar sempre mais riqueza, como considera esta pretensão bastante

justa, identificando sua realização como uma virtude. Em nossos dias, não se mostrar

capaz de «empreendedorismo», não ambicionar riquezas materiais passou a ser

considerado um equívoco e, mesmo, uma falha. Mais uma vez, Hannah Arendt recorre à

Antigüidade para nos mostrar que nem sempre foi assim: para os antigos, a participação

na política, isto é, o ingresso na esfera pública, era o mais importante – muito mais que o

acúmulo de riquezas – pois «ser político significava atingir a mais alta possibilidade da

existência humana»19. Mas a riqueza era importante, na medida em que fornecia as

condições para o exercício da vida política: ela garantia ao indivíduo a possibilidade de

prover seu próprio sustento, sem ter de se submeter a outrem, tanto quanto o tempo

livre necessário para ocupar-se das questões públicas. A riqueza existia em função da

política, e não o contrário:

Caso o dono de uma propriedade preferisse ampliá-la ao invés


de utilizá-la para viver uma vida política, era como se ele
espontaneamente sacrificasse a sua liberdade e voluntariamente
se tornasse aquilo que o escravo era contra a vontade, ou seja,
um servo da necessidade.20

18
Id., p. 78.
19
Id., p. 74.
20
Id., p. 74-75.

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Mas por que a política era tão importante para os antigos, a ponto de ofuscar a

riqueza? A partir do que acabamos de ver, poderíamos facilmente responder que

nenhuma riqueza seria capaz de oferecer o que a esfera pública oferece, isto é, a

companhia de outros, a garantia da realidade; mas, além disto, a política era, segundo

Arendt, a possibilidade de se ir além dos frágeis limites da existência humana, a única

forma de permanência oferecida ao humano, em uma existência marcada pela

provisoriedade. Por isto mesmo, a atividade de construção do mundo comum, a política,

não pode ser realizada tendo em vista apenas uma geração, ser planejada para aqueles

que estão vivos, mas «deve transcender a duração da vida de homens mortais»21.

Adentrar o mundo por meio da participação na esfera pública significava, pois,

transcender sua existência individual, tornar-se parte de algo maior que si mesmo e

deixar um legado para as gerações futuras. A acumulação de riquezas jamais poderia

alcançar esta dignidade, ser «comum» no sentido que atribuímos ao mundo. O mundo

humano perdeu sua durabilidade, quando a riqueza se tornou a única preocupação de

todos na sociedade.

Sem a perspectiva da durabilidade do mundo, toda ação que pretende deixar

atrás de si um legado passa a parecer fútil e mesquinha, e a própria participação no

mundo comum perde o sentido: se o que fazemos aqui e agora não terá nenhum

resultado minimamente permanente, então para quê fazê-lo? A partir daí são possíveis

21
Id., 64.

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atitudes bastante diversas – que vão desde a abstinência cristã ao consumismo

desenfreado das sociedades de mercado; mas todas estas opções têm em comum a

rejeição à esfera pública e ao mundo comum. Mas, como acabamos de ver, as esferas

pública e privada dependem uma da outra para existir; sem um mundo comum,

tampouco pode a política, em sua acepção original e mais autêntica. Ambas as esferas,

«a esfera pública porque se tornou função da esfera privada, e a esfera privada porque

se tornou a única preocupação comum que sobreviveu», se dissolvem numa nova esfera,

a «esfera social» 22 – invenção da modernidade que engloba todos seus membros sem

realmente oferecer nada que os una, e que os trata como «indivíduos» sem contudo

respeitar sua individualidade.

Mas estamos, desde a Modernidade, acostumados a viver numa sociedade

erguida em torno da esfera social, que tem por valor e preocupação máximos a

produtividade e o lucro. Sob esta influência, a educação passa a estar inteiramente

voltada para a formação de mão-de-obra, e toda arte é transformada em uma espécie

de mercadoria.

As conseqüências deste estado de coisas são a solidão coletiva em que nos

mergulha a sociedade de massas e a rejeição da política, que parece perder todo o

sentido. E, de fato, nada nos une, senão o amor pelo consumo e pelo gozo; mas a fruição

e o gozo são sempre passageiros e não substituem o sentido mais amplo que somente a

22
Id., p. 79.

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construção comum pode oferecer para a existência humana.

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