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Salvador
2007
NEIDSONEI PEREIRA DE OLIVEIRA
Salvador
2007
TERMO DE APROVAÇÃO
Nome:__________________________________________________________
Titulação e instituição:________ _______________________________________
Nome:__________________________________________________________
Titulação e instituição: ______________________________________________
Nome:__________________________________________________________
Titulação e instituição:______________________________________________
art. artigo
Des. Desembargador
inc. inciso
Min. Ministro
TJ Tribunal de Justiça
1 INTRODUÇÃO 10
2 A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ 14
2.1 A CIDADANIA 14
2.1.1 Evolução Histórica 15
2.1.2 Conceito de Cidadania 21
2.3 CIDADANIA E EDUCAÇÃO 24
2.4 CIDADANIA E O ACESSO AOS CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS 28
3 A LIBERDADE RELIGIOSA 33
3.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA LIBERDADE RELIGIOSA 36
3.2 NOÇÕES CONCEITUAIS DE LIBERDADE E DE RELIGIÃO 40
3.2.1 Liberdade 40
3.2.2 Religião 44
3.3 O PRINCÍPIO DA LIBERDADE RELIGIOSA 46
3.3.1 Conceito, Natureza e Características da Liberdade Religiosa 46
3.3.2 Conteúdo do Princípio da Liberdade Religiosa 50
3.4 O ÂMBITO NORMATIVO DE PROTEÇÃO DO DIREITO À LIBERDADE 53
RELIGIOSA
3.5 LIMITES AO DIREITO DE LIBERDADE RELIGIOSA 55
3.6 LIBERDADE RELIGIOSA E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 58
3.7 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE EM MATÉRIA RELIGIOSA 59
3.8 DIREITO À OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA 61
3.9 O ESTADO LAICO 66
3.9.1 Estado Laico, Ateu, Pagão ou Confessional 68
3.9.2 Laicidade e Laicismo 70
3.9.3 Funções do Estado quanto à Liberdade Religiosa 72
REFERÊNCIAS 153
ANEXOS 160
10
1 INTRODUÇÃO
1
LUTERO, Martinho apud SCHAFF, Philip. A Liberdade Religiosa. Disponível em: <http://www.bapti
stlink.com/solascriptura/IgrejasNosSeculos/Schaff28ALiberdadeReligiosa.htm>. Acesso em 12 jan. 2007. p. 3.
2
Cf. art. 18 da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948.
3
Cf. SILVA JÚNIOR, Hédio. Liberdade Religiosa: questão de cidadania. Disponível em: <http://ablir
c.org/Ablirc/geral.asp?categoria=artigos&codigo=0004>. Acesso em: 19 ago. 2007.
4
O Art. 72º parágrafo 3º da Constituição de 1891 dispõe in verbis: “Todos os indivíduos e confissões religiosas
podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as
disposições do direito comum”.
11
5
Art. 5º, inc. VIII, in verbis: “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção
filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a
cumprir prestação alternativa, fixada em lei”;
6
Conforme o livro bíblico de Êxodo 20:8-11: “Lembra-te do dia do sábado, para o santificar. Seis dias
trabalharás, e farás toda a tua obra, mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR teu Deus; não farás nenhuma obra,
nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro,
que está dentro das tuas portas. Porque em seis dias fez o SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo que neles há,
e ao sétimo dia descansou; portanto abençoou o SENHOR o dia do sábado, e o santificou”; e Isaias 58:13 e 14:
“Se desviares o teu pé do sábado, de fazeres a tua vontade no meu santo dia, e chamares ao sábado deleitoso, e o
santo dia do SENHOR, digno de honra, e o honrares não seguindo os teus caminhos, nem pretendendo fazer a
tua própria vontade, nem falares as tuas próprias palavras, então te deleitarás no SENHOR
12
considerado sagrado por muitos indivíduos. Segundo dados do Censo do ano 20007, são mais
de um milhão e duzentos mil adventistas e quase noventa mil judeus, totalizando cerca de um
milhão e trezentos mil cidadãos brasileiros que possuem a crença da santidade do dia de
sábado, considerado por eles o sétimo dia da semana.
Assim, como já exemplificado, esses brasileiros têm alguns de seus direitos
de cidadão mitigados, além de prejuízos relacionados a determinadas obrigações legais
impostas quando conflitantes com suas crenças. Numa sociedade em que o cidadão que tenha
crenças religiosas diferentes da maioria seja impedido de usufruir direitos concedidos aos
demais, não se pode considerar que haja efetivo direito à liberdade religiosa, pois tal fato
caracteriza-se como uma coação indireta para os que não se encontram em conformidade com
a crença dominante.
A ponderação que se pretende fazer a partir da pesquisa proposta tem como
pano de fundo a Constituição Federal do Brasil de 1988. Nela, como foi mencionado, é
estabelecido que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa. É
importante ressaltar que a própria Constituição de 1988 possui uma vertente influenciada
pelos costumes do catolicismo. Por exemplo, o direito ao descanso semanal
constitucionalmente garantido como um direito social do trabalhador prevê a preferência pelo
domingo8. Registre-se que tanto o direito ao descanso quanto a preferência pelo dia de
domingo têm suas origens em um costume religioso dogmatizado, que no cristianismo foi
instituído pela Igreja Católica ao substituir a observância do sábado dos judeus pelo domingo,
dia considerado biblicamente como o da ressurreição de Jesus Cristo. Isso, de algum modo,
poderá influenciar os costumes e práticas sociais na medida em que a crença em outro dia
considerado como dia sagrado poderá encontrar determinados obstáculos em sua observância.
O ordenamento jurídico brasileiro prescinde de normas legais efetivas que
assegurem a todos os indivíduos não só a possibilidade de conformar seu modo de viver com
o seu pensamento sobre religião, a despeito de diferenças neste aspecto, simultaneamente ao
gozo de direitos civis e políticos. É neste sentido que o direito à liberdade de consciência e de
7
IBGE. Banco de Dados Agregados. Sistema IBGE de Recuperação Automática - SIDRA. Disponível em:
<http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?z=cd&o=7&i=P>. Acesso em: 10 jun. 2007. Enquanto o
Censo de 2000 do IBGE apontou 1.209.842 adventista no Brasil, o Relatório Estatístico da Secretaria da Divisão
Sul-Americana da Igreja Adventista do 7º Dia, no ano de 2006, informa que a Igreja teria alcançado o número de
1.377.764 membros batizados no Brasil. Disponível em: <http://www.igrejaadventista.org.br/relatorio/dsa_3_20
07.doc>. Acesso em: 26 ago. 2007.
8
O art. 7º, inc. XV da CF/88 afirma ser direito do trabalhador o “repouso semanal remunerado,
preferencialmente aos domingos".
13
crença deve ser exercido concomitantemente com o pleno exercício da cidadania, o que aqui
se propõe pesquisar e desvendar, a partir de ponderações feitas no sistema constitucional
brasileiro, tendo-se como pano de fundo, o tema da liberdade religiosa e o direito ao descanso
semanal como dia sagrado.
Nesse sentido, o capítulo 2 destina-se a demonstrar o real significado do
direito à cidadania e sua extensão num Estado Democrático de Direito, cuja Constituição
Federal revela um caráter inclusivo em diversos dispositivos, com ênfase nos direitos à
educação, acesso aos cargos públicos e à liberdade religiosa.
No capítulo seguinte se pretende esclarecer as características da liberdade
religiosa enquanto direito fundamental, caracterizando seus limites estabelecidos pela
moderna doutrina jurídica e suas relações com outros princípios constitucionais, sem olvidar o
adequado significado do princípio do Estado laico.
No quarto capítulo são analisadas as normas e princípios constitucionais que
fundamentam a tutela da liberdade religiosa concomitante ao pleno exercício da cidadania.
No capítulo 5, cerne deste trabalho, são analisados pareceres do Ministério
da Educação e Cultura e Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de
Justiça, Tribunais Regionais Federais e alguns Tribunais de Justiça a respeito das demandas
que envolvem o conflito entre a crença religiosa do descanso semanal enquanto dia sagrado e
obrigações legais como condição para o exercício de outros direitos, identificando quais
respostas foram oferecidas na jurisdição constitucional brasileira. Neste mesmo capítulo
também são feitos levantamento e análise de projetos de leis federais pertinentes ao presente
tema e/ou legislação correlata nas esferas estaduais e municipais.
Assim é que o presente trabalho, feito com base em pesquisas bibliográficas
e jurisprudências, utilizando como metodologia de análise dos dados coletados o método
indutivo, pretende demonstrar o presente prisma da atuação do Estado brasileiro
(Administração Pública e Poder Judiciário) diante da garantia do direito fundamental à
liberdade religiosa concomitante ao pleno exercício da cidadania, considerando a
possibilidade da guarda de um dia sagrado conflitar com determinadas obrigações legais e por
conseqüência ocasionar a privação de outros direitos constitucionalmente garantidos.
14
2 A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ
2.1 A CIDADANIA
9
TEBET, Ramez. Os Quinze Anos da Constituição Cidadã. Disponível em: <http://www.fugpmdb.o
rg.br/r2003rtebet.htm>. Acesso em: 10 jul. 2007. p. 1.
10
PASSOS, J. J. Calmon de. Cidadania tutelada. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de
Atualização Jurídica, v. I, nº. 7, outubro, 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em:
14 jun. 2007, p. 1.
15
Ensina José Roberto Fernandes Castilho12 que ao menos três visões distintas
de cidadania se sucederam ao longo da história: a visão medieval de cidadania, a liberal ou
moderna e a atual, que embora distintas são conexas, esclarecendo ainda sobre essas três
visões que:
11
LAZZARINI. Álvaro. Cidadania e Direitos Humanos. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São
Paulo. n. 55/56. Centro de Estudos. São Paulo, 2001, p. 15.
12
CASTILHO, José Roberto Fernandes. Cidadania: Esboço de Evolução e Sentido da Expressão. Disponível
em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sos/textos/cid_expressao.html>. Acesso em 15 ago. 2007, p. 1.
13
Ibidem, loc. cit.
16
escravos.14
Desde essa época, portanto, o conceito de cidadania garante àquele que a
possui o direito à participação na gerência dos assuntos da cidade por meio dos cargos
públicos. Em relação à própria evolução do conceito de cidadania na Antiguidade, assevera a
mesma autora:
14
SILVEIRA, Cláudia Maria Toledo. Cidadania. Jus Navigandi, Teresina, ano 1, n. 18, ago. 1997. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=78>. Acesso em: 20 abr. 2007, p. 1.
15
SILVEIRA, Cláudia Maria Toledo, op. cit. p.1.
16
Ibidem, p. 2.
17
17
CASTILHO, José Roberto Fernandes, op. cit. p. 2.
18
CASTILHO, José Roberto Fernandes, op. cit., p. 2.
19
SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional. São Paulo:
Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 54-55.
20
SILVEIRA, Cláudia Maria Toledo, op. cit., p. 2.
18
Democráticos, sendo sempre objeto de diversos estudos doutrinários. O que se observa nesses
estudos é a inter-relação do conceito de cidadania com o de Direitos Humanos. Segundo
Cláudia Maria Toledo Silveira, inicialmente as conceituações de cidadania e direitos humanos
não se identificavam, no entanto, tornou-se evidente a aproximação de ambos os conceitos,
chegando a ser inseparáveis, de modo que atualmente a evolução de um acarreta a
implementação do outro24.
Contudo, como bem salienta José Roberto Fernandes Castilho25, deve ser
esclarecido que embora exista uma zona em comum entre direitos humanos e cidadania, seus
conceitos não se confundem. Esclarece o autor que:
Pode-se dizer, em suma, que os direitos da cidadania dizem respeito aos direitos
públicos subjetivos consagrados por um determinado ordenamento jurídico,
concreto e específico. Já os direitos humanos — expressão muito mais abrangente
— se referem à própria pessoa humana como valor-fonte de todos os valores
sociais.26
Sobre esses direitos públicos subjetivos, ligados à cidadania, o citado autor
frisa que foi a partir da Revolução Francesa que se consolidou a idéia de “liberdades públicas”
como
24
SILVEIRA, Cláudia Maria Toledo, op. cit., p. 1.
25
CASTILHO, José Roberto Fernandes, op. cit., p. 1.
26
Ibidem, loc. cit.
27
Ibidem, p. 3.
28
SILVEIRA, Cláudia Maria Toledo, op. cit., p. 4.
20
O Estado Social, portanto, nada mais é que o Estado cuja atividade assume este
sentido social, de realização cada vez maior e mais perfeita justiça social e do bem
comum, e essa tarefa se realiza essencialmente sob três aspectos diferentes, embora
intimamente entrosados e condicionados uns pelos outros: a) pelas limitações e
restrições aos direitos (liberdades) individuais; b) pela prestação positiva, pelo
próprio Estado, daquelas condições concretas, daqueles meios, necessários ao
exercício efetivo dos direitos (ou liberdades) individuais; c) pela fixação, aos
indivíduos, de certos deveres em relação ao Estado.31
Portanto, conclui-se que no desenvolvimento histórico da idéia de cidadania
são perceptíveis as inúmeras ampliações ou reduções de direitos que lhes são inerentes, mas
que garantem hodiernamente atuações positivas e negativas do Estado em prol da liberdade do
29
MARTINES JÚNIOR, Eduardo. Educação, Cidadania e Ministério Público: O artigo 205 da Constituição e
a sua Abrangência. 2006. 459 f. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2006, p.184-185.
30
MARTINES JUNIOR, Eduardo, op. cit., p. 187.
31
TEIXEIRA, José Horácio Meirelles apud MARTINES JUNIOR, Eduardo, op. cit., p. 189.
21
indivíduo de modo que este encontre o sentido intrínseco de viver, e viver com dignidade.
Pode se afirmar então que “o que se nota como inerente à idéia de cidadania é a participação,
o atuar, o agir para construir o seu próprio destino. O que muda, ao longo dos tempos, são o
grau e as formas de participação e sua abrangência”32. Partindo destes esclarecimentos, este
trabalho monográfico se torna apto para discorrer sobre o conceito moderno de cidadania.
32
SILVEIRA, Cláudia Maria Toledo, op. cit., p. 1.
33
MARTINES JUNIOR, Eduardo, op. cit., p. 176.
34
DEZEN JUNIOR, Gabriel. Curso Completo de Direito Constitucional. v. I, 4. ed. Brasília: Vestcon, 2003,
p. 13.
22
conexiona-se com o conceito de soberania popular (parágrafo único do art. 1º), com
os direitos políticos (art. 14) e com o conceito de dignidade da pessoa humana (art.
1º, III), com os objetivos da educação (art. 205), como base e meta essencial do
regime democrático.37
De igual forma, Uadi Lammêgo Bulos, ao comentar o inciso II do artigo 1º
da CF/88, sustenta que:
Cidadania, nos termos deste inciso II, foi empregada no sentido amplo. Denota
capacidade política, idoneidade para o gozo do direito de eleger (direito ativo) e ser
eleito ou, ao menos, credencia o cidadão a participar da vida democrática do Estado
brasileiro como partícipe da sociedade política. Neste último aspecto, o conceito
constitucional de cidadania anexa-se ao pórtico da soberania popular (art. 1º,
parágrafo único), ao exercício dos direitos políticos (art. 14, ao ditame da dignidade
da pessoa humana (art. 1º, inciso III), à educação, direito de todos e dever do Estado
(art. 205).38
Precisos são os ensinos de Eduardo Martines Junior que, citando Nagib
Slaibi Filho, coloca a questão da cidadania também no campo sociológico, haja vista habilitar
o indivíduo à “plenitude do exercício de todos os poderes que lhe são cabíveis em uma
39
sociedade” . Prossegue o autor pronunciando que quando o indivíduo é discriminado, não
lhe sendo garantida a
35
CASTILHO, José Roberto Fernandes, op. cit., p. 4.
36
CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 507.
37
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. rev e atual até emenda
constitucional nº 31. São Paulo, Malheiros: 2001, p. 109
38
BULOS, Uadi Lammëgo. Constituição Federal Anotada. 4. ed. rev. e atual. até a emenda constitucional n.
35/2001. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 49.
39
MARTINES JUNIOR, Eduardo, op. cit., p. 191.
23
condição de praticar ato que aos demais é deferido, deverá ser tomado como pessoa
com cidadania restrita, tal qual os grupos minoritários que são inibidos do exercício
pleno de seus direitos. Essas pessoas estariam impossibilitadas do exercício da
cidadania.40
Assim é que finaliza mencionando as exatas palavras de Nagib Slaib Filho:
“Cidadania, neste sentido mais amplo, é conceito correspectivo com os de democracia e
igualdade”41.
Ultrapassado, por tanto, o conceito original de cidadania em que se referia
apenas ao aspecto político (votar e ser votado), a doutrina atual, corroborada por diversos
textos constitucionais e internacionais, vem a ampliar o seu significado, conduzindo a um
entendimento de que a cidadania além de se referir à possibilidade de participação nas
decisões políticas, também engloba o direito de se efetivar os demais direitos, em especial os
direitos fundamentais, sejam os individuais ou coletivos, diante do Estado a que cada
indivíduo se encontre vinculado. Nesta direção é que se posiciona Eduardo Martines Junior ao
conceituar cidadania como
o direito conferido àqueles que têm vínculo com determinado Estado, a concretizar
todos os demais direitos, individuais ou coletivos, mediante a possibilidade de
influir nas decisões políticas. Esse direito de ter direitos, não está numa perspectiva
meramente formal, mas sim sob um prisma de realização material daquilo que é
plasmado pelo sistema jurídico como direitos conferidos.42
Seguindo essa mesma linha de pensamento é que Valério de Oliveira
Mazzuoli considera ser o cidadão
40
Ibidem, loc. cit.
41
Ibidem, loc. cit.
42
MARTINES JUNIOR, Eduardo, op. cit., p. 176.
43
MAZZUOLI, Valério de Oliveira, op. cit., p. 11.
44
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Direito e Cidadania na Constituição Federal. Disponível em:
<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista3/rev1.htm>. Acesso em: 10 jun. 2007, p. 5.
24
efetivação) que, segundo José Roberto Fernandes Castilho, reside a atual e polêmica noção de
cidadania, fazendo o mesmo as seguintes indagações: “Como se garantir a fruição dos direitos
públicos subjetivos? Como proporcionar a igualdade de oportunidades? Como dar eficácia às
normas constitucionais que tratam dos direitos sociais? Este é o ponto fulcral”45.
Prossegue o mesmo autor dizendo que:
45
CASTILHO, José Roberto Fernandes, op. cit., p. 4.
46
Ibidem, p. 6.
47
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio, op. cit., p. 9.
25
bem como do princípio ao amplo acesso aos cargos públicos. Quanto à análise do direito
fundamental à liberdade religiosa, também inerente à cidadania, será feita em capítulo à parte,
de modo a se permitir maiores reflexões no âmbito do direito que constitui cerne do presente
trabalho monográfico.
dos Direitos Humanos de 1948 que estabelece em suas duas primeiras alíneas o direito à
educação (chamada aqui de instrução) ao afirmar que:
I - Todo o homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos
graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A
instrução técnica/profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior,
esta baseada no mérito.
II - A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e
pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e
amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as
atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
Deixa bem claro o citado texto que a instrução (educação) deve ser acessível
a todos, sem restrições, tendo a finalidade, dentre outras, de promover a compreensão e
tolerância em relação aos grupos religiosos. Desse modo, como se admitir que o cidadão
tenha restrito seu direito à educação em razão de sua fé, de sua crença religiosa? Ocorre que,
se instituições de ensino estabelecem em seu calendário letivo aulas em dias considerados
santificados por determinado grupo religioso, em especial os minoritários, e não lhes
concedem outra alternativa à presença neste dia, estará privando tais cidadãos - membros de
tal grupo - do direito à educação em razão das convicções religiosas.
Ressalte-se que a instrução, a que se refere o citado artigo 26, abrange
também o ensino superior, não se limitando à educação fundamental, devendo o acesso à
instrução superior ter como base o mérito do indivíduo mensurado em seleção pública.
A Conferência de Viena sobre Direitos Humanos de 1993 reitera o já
disposto no documento internacional de 1948 e acrescenta que
49
Adotada pela Resolução n.2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de
1966 e ratificada pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992.
27
significar que não há direitos humanos sem o exercício pleno da cidadania, e que
não há cidadania sem uma adequada educação para o seu exercício. De forma que,
somente com a interação destes três fatores – direitos humanos, cidadania e
educação – é que se poderá falar em um Estado Democrático assegurador do
exercício dos direitos e liberdades fundamentais decorrentes da condição de ser
28
humano.50
Por isso é que a verdadeira base para a transformação da sociedade reside na
educação, tanto no seu aspecto sócio-econômico quanto político, sendo a mesma apta a
capacitar todas as pessoas para participar efetivamente de uma sociedade livre, conforme
preceitua o citado art. 13 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
de 1966.
José Roberto Fernandes Castilho ainda conclui que
50
MAZZUOLI, Valério de Oliveira, op. cit., p. 13.
51
CASTILHO, José Roberto Fernandes, op. cit., p. 5.
52
CASTILHO, José Roberto Fernandes, op. cit., p. 5.
53
HERKENHOFF, João Baptista. Concursos Públicos, Ética e Cidadania. Disponível em:
<http://www.ulbrajus.com.br/web/index.php?menu=opiniao&id=11>. Acesso em: 06 jun. 2007, p. 1.
29
fórmula “todos são iguais perante a lei”, com o devido conteúdo de efetividade social. Diz o
citado autor:
O acesso aos cargos e empregos públicos deve ser amplo e democrático, precedido
de procedimento impessoal, em que se assegure igualdade de oportunidades a todos
os interessados, incumbindo ao Estado identificar e selecionar os mais aptos para
atender ao interesse público a na realização de suas funções, sempre mediante
critérios objetivos.57
Na mesma linha ensina o constitucionalista Alexandre de Moraes:
“Existe, assim, um verdadeiro direito de acesso aos cargos, empregos e funções públicas,
sendo o cidadão e o estrangeiro, na forma da lei, verdadeiros agentes do poder, no sentido de
ampla possibilidade de participação da Administração Pública”58.
Ao se conceder a igualdade de oportunidades a todos os interessados,
54
Ibidem, loc. cit.
55
DALLARI, Adilson Abreu. Princípio da Isonomia e Concursos Públicos. Revista Eletrônica de Direito do
Estado. n. 6, abr/mai/jun 2006. Disponível em: <www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 05 fev. 2007, p. 1.
56
Ibidem, loc. cit.
57
MOTTA, Fabrício. Apresentação. In: MOTTA, Fabrício (coord). Concursos Públicos e Constituição. Belo
Horizonte: Fórum, 2005, p. 9.
58
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 4. ed. São
Paulo: Atlas, 2004, p. 834.
30
59
MOTTA, Fabrício, op. cit., p. 10.
60
ANANIAS, Patrus. Voto em separado à Proposta de Emenda à Constituição nº 2 de 2003. Comissão de
Constituição e Justiça e de Redação da Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/s
ileg/integras/180344.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2007, p. 2.
61
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. rev. e atual. até emenda
constitucional n. 31. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 663.
31
sentido formal poderá criar requisitos para ingresso nos quadros de servidores públicos, e que
esses possíveis requisitos deverão respeitar o princípio da não-discriminação sem justa causa.
É certo que o propósito da lei é justamente discriminar, pois ao estipular certo requisito fará
distinção entre aqueles que o cumprem dos que não. O que não deverá ocorrer é o que se
chama em discriminação odiosa, como aquelas em razão de cor, raça, crença
religiosa/política/filosófica etc., ou discriminações que não sejam pertinentes com as funções
a serem desempenhadas pelo possível ocupante do cargo a ser disputado. Neste sentido se
manifesta o administrativista Hely Lopes Meirelles ao dizer que:
62
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 429.
63
STF, ADI 1.040-MC, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 17/03/95.
64
SILVA, José Afonso da, op.cit. p. 664.
65
MOTTA, Fabrício, op. cit., p. 9.
32
66
DALLARI, Adilson Abreu, op. cit., p. 6.
67
ANANIAS, Patrus, op. cit., p. 2.
33
3 A LIBERDADE RELIGIOSA
A idéia fundamental da religião é a de que vivemos uma vida transitória, que não
tem em si a medida de seu valor, mas que se mede, segundo valores eternos, à luz da
idéia de uma vida ultraterrena, na qual os homens serão julgados segundo o valor
ético de sua própria existência. O remorso é também, para o crente, uma força de
sanção imediata e imperiosa. Todas as regras possuem, em suma, sua forma de
sanção.68
Diferente da moral, da ética e do direito, a religião não regula apenas a
relação entre os homens, mas prescreve ao homem deveres em relação a si mesmo ou em
relação à divindade. Assim, é possível afirmar que as normas da religião são emanadas, “em
tese”, da própria divindade que diz como deseja ser cultuada/adorada.
Entretanto, a existência ou não de Deus não pode ser cientificada ou
provada. Por isso a crença ou não em sua existência, ou se de fato determinada prescrição
normativa foi emanada da divindade, fica a critério da consciência de cada indivíduo. Por
conseqüência, seu “norte” do que seja certo ou errado, no âmbito religioso, terá fundamento
nas convicções que sua consciência aceite como verdadeiras, não sendo possível ao Estado ou
a sociedade impor outra forma de pensar. A consciência é livre, e neste sentido afirma José
Cretella Júnior que
68
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 25. ed. São Paulo, Saraiva: 2001, p. 69.
34
crença”.69
Carlos Maximiliano, ora citado por José Cretella Junior, também declara:
o pensamento é íntimo, simples função psíquica, incoercível. Dele faz uso até o
encarcerado. O próprio indivíduo dificilmente o evita; cada um sente a tortura de
uma idéia, que desejaria expungir do cérebro. Reivindica-se apenas a liberdade da
palavra, que é a expressão do pensamento.70
Por outro lado, como ensina Celso Ribeiro Bastos, o pensamento/crença
“não se contorna no domínio do puro espírito. Ele tende à transcendência, quer por sua
vocação ao proselitismo, quer pelo simples fato de determinar em boa parte as próprias
atitudes individuais”71.
Assim, a maior parte das crenças, e em especial as religiosas, resultará em
algum tipo de exteriorização, necessária para a própria concretização da crença. Pertinente é a
ponderação de José Cretella Junior72 ao dizer que a “consciência é a fé interiorizada”,
enquanto que a “religião ou culto é a fé exteriorizada”.
A Bíblia – texto sagrado do cristianismo – no livro de Tiago, capítulo 2,
versos 17 a 19, em consonância com o ensinamento de Cretella acima citado, declara:
Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma. Mas dirá alguém:
Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e eu te
mostrarei a minha fé pelas minhas obras. Tu crês que há um só Deus; fazes bem.
Também os demônios o crêem, e estremecem.73
Percebe-se a necessidade que o homem tem de expressar o que pensa ou
acredita, vivendo conforme suas convicções. Na história sempre houve aqueles que
reivindicavam o direito de determinar a crença dos demais, empregando, se necessário, todo
tipo de coação. Muitos homens por causa de suas crenças preferiram sofrer as conseqüências
de serem fiéis a elas do que agirem de forma contrária, mesmo sob a ameaça do Estado ou de
outro grupo majoritário, religioso ou não. Muitos dos cristãos primitivos foram vitimados pelo
Império Romano por adorarem um “único Deus” se recusando a adoração do Imperador. De
igual modo, outros tantos foram vitimados pela “Santa” Inquisição no período conhecido
como Idade Média, por viverem ou pregarem em desacordo com dogmas da Igreja dominante.
A liberdade religiosa ou de crença nada mais é do que a liberdade de
69
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, v. I, Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1992, p. 216.
70
CRETELLA JÚNIOR, José, op. cit., p. 206.
71
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5
de outubro de 1988, v. II, 2 ed. atual. São Paulo. Saraiva: 2001, p. 52.
72
CRETELLA JÚNIOR, José, op. cit., p. 218.
73
BÍBLIA SAGRADA. Antigo e Novo Testamento. Trad. João Ferreira de Almeida. Rev. e atual. 2. ed. São
Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
35
Porque cada Igreja é ortodoxa para si consigo mesma; para as outras, errônea ou
herege. E ainda: (...) todo o poder do governo civil diz respeito tão só aos interesses
civis dos homens, limitando-se ao cuidado enquanto pertence a este mundo, nada
tendo a ver com o mundo a vir.76
Cristobal Orrego Sanchez e Javier Saldaña Serrano, também citados por
Hédio da Silva Júnior, concluem que “o Estado não pode determinar a verdade ou falsidade
de qualquer credo religioso. Logo, não poderá discriminar nenhuma confissão com base na
verdade ou falsidade religiosa”77.
Entretanto, ao contrário da afirmação supramencionada, a realidade da
maior parte da história humana demonstra que os Estados de alguma forma procuraram a
unidade religiosa como forma de domínio sobre o povo, não importando o meio necessário
para a preservação dessa unidade. A crença individual pouco ou nada importava. Não havia
liberdade de expressão ou de manifestação da crença como se conhece atualmente. Os
dissidentes eram tratados como criminosos, sendo condenados à perda de direitos, dos bens,
74
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra, op. cit., p. 52.
75
SILVA JUNIOR, Hédio. A Liberdade de Crença como Limite à Regulamentação do Ensino Religioso.
2003. 245 f. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003, p. 33-34.
76
Ibidem, p. 34.
77
Ibidem, loc. cit.
36
Sabei que a autoridade somente se exerce sobre o corpo dos súditos, e que o rei não
tem poder algum sobre o coração humano. Sabei que, ainda que se domine os
homens no que diz respeito a suas posses, não se dominará nunca o fundo da suas
mentes78. [tradução livre]
Reconhece-se, ainda que de forma sutil, que por mais que se pudesse impor
um comportamento exterior ao homem, não se poderia controlar aquilo que pensava. Mas,
como dito no início deste capítulo, o que importa à liberdade religiosa é a “projeção da
consciência”, a possibilidade de sua exteriorização, já que o simples pensamento/consciência
por sua própria natureza é livre e indevassável. Assim, ainda que se reconhecesse a natureza
indevassável da consciência, não era livre a sua manifestação na maioria das sociedades
primitivas. Fustel de Coulanges, sobre a liberdade de manifestação do pensamento, afirma:
“os antigos não conheciam, portanto, nem a liberdade de vida privada, nem a de educação,
nem a liberdade religiosa. A pessoa humana tinha muito pouco valor perante esta autoridade
santa e quase divina que se chamava pátria ou Estado”79.
Reforçando tal assertiva, o mesmo autor assevera que “o homem não tinha
escolha de crenças. Devia acreditar e submeter-se à religião da cidade. [...] A liberdade de
78
TOMA, Victor Garcia. Los derechos fundamentales de la persona como ser espiritual. Disponível em:
<http://www.uladech.edu.pe/comunicado/victorgarcia.pdf>. Acesso em: 02 fev. 2006, p. 2.
79
COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. Trad. Pietro Nassetti. Coleção a obra-prima de cada autor. São
Paulo: Martin Claret, 2002, p. 251.
37
enquanto que o Calvinismo também pregava a separação entre Igreja e Estado. Ressalte-se
que a essa época estava em vigor a “Teoria da Origem Divina Sobrenatural do Poder” que a
um só tempo consolidava o absolutismo monárquico como também o predomínio da Igreja
Católica, que justificava o poder político dos monarcas.
A tolerância religiosa, inaceitável nessa fase da história, começa a surgir
com a assinatura da Paz de Augsburg, em 1555, atendendo de certa forma os anseios dos
protestantes nos seguintes termos: “os príncipes e cidadãos do império respeitariam a filiação
religiosa de cada um e o povo teria a opção de adotar a confissão religiosa do respectivo
domínio ou de emigrar a território que tivesse a confissão desejada”85.
Os movimentos sócio-políticos e culturais que surgem nessa época, tais
como o Renascimento, Iluminismo, Revoluções Americana e Francesa dão significativa
contribuição à liberdade religiosa. Esses movimentos propagavam a idéia de que o homem
devia ser senhor de si, pensar por si mesmo. Tal ideologia era contrária à vigente, segundo a
qual, só a Igreja (Católica) poderia interpretar as Escrituras Sagradas, não cabendo ao homem
comum tal ato. Ocorre então um rompimento da unidade religiosa. É sobre esse contexto que,
corroborando com o que foi dito, afirma J.J. Gomes Canotilho:
85
1532: PROTESTANTES GANHAM LIBERDADE DE RELIGIÃO. Disponível em: <http://www.dw-world.d
e/dw/article/0,2144,596156,00.html>. Acesso em: 20 fev. 2007. Carlos V, rei da Espanha e imperador do Sacro
Império Romano da Nação Germânica dependia da ajuda militar dos príncipes protestantes diante do perigo dos
turcos às portas do império, em Viena. Como as diferenças entre a Igreja Católica e a Igreja Luterana eram
profundas e inconciliáveis, mesmo como o movimento da Contra-reforma, foi forçosa a assinatura desse acordo.
86
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. rev. Coimbra: Livraria Almedina, 1993,
p. 503.
39
conflito.87
Corroborando com tal afirmação Aldir Guedes Soriano assevera:
O Congresso não fará lei relativa à instituição de religião ou que proíba o livre
exercício desta; ou restrinja a liberdade de palavra ou de imprensa; ou o direito do
povo de se reunir-se pacificamente e de dirigir petições ao Governo para a reparação
de suas lesões.
A Revolução Francesa – evento posterior ao acima relatado – também
inspirada nos ideais iluministas e tendo o exemplo da nação americana, estabeleceu na sua
Declaração de 1789, dentre outros direitos fundamentais, a separação entre Igreja e Estado e o
conseqüente direito à liberdade religiosa. No entanto, como bem frisa Jean Baubérot91, tal
reconhecimento desses referidos direitos se deu em um contexto diferente, pois enquanto a
jovem nação americana era formada por uma cultura protestante e de múltiplas denominações,
o contexto francês era caracterizado pelo monopólio religioso imposto pelo catolicismo.
87
PORFÍRIO, Geórgia Bajer Fernandes de Freitas. Liberdade. Dicionário de Direitos Humanos. Disponível em:
<http://www.esmpu.gov.br/dicionario/tiki-index.php?page=Liberdade>. Acesso em: 06 dez. 2006, p. 4.
88
SORIANO, Aldir Guedes. Mais um feriado religioso?. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1408, 10 maio
2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9859>. Acesso em: 23 set. 2007, p. 1.
89
SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional. São Paulo:
Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 56.
90
Ibidem, loc. cit.
91
BAUBÉROT, Jean. Laicidade. Disponível em: <http://www.ambafrance.org.br/abr/imagesdelafrance/For
mato%20PDF/laicidade.pdf>. Acesso em: 09 mar. 2007, p. 2.
40
3.2.1 Liberdade
um dado da consciência ou do espírito”. A mesma autora ainda afirma que o termo também
teve o significado de “ausência de limitações e coações” e menciona que na língua alemã “a
palavra Freiheit (liberdade) tem origem histórica nos vocábulos freihals ou frihals. Ambos
significavam “pescoço livre” (frei Hals), livre dos grilhões mantidos nos escravos”96.
No campo da filosofia muitos são os debates sobre natureza, conceito ou
fundamentos da liberdade. Não cabe neste trabalho fazer divagações aprofundadas sobre o
referido termo, em especial discussões filosóficas a esse respeito. No entanto, apenas a título
de exemplo, o Dicionário Houaiss, sob a rubrica da filosofia, sintetiza diversas acepções
referentes à palavra liberdade, sendo que no kantismo, bergsonismo ou existencialismo
sartriano, vem a ser “a potencialidade (nem sempre concretizada) de escolha autônoma,
independente de quaisquer condições e limites, por meio da qual o ser humano realiza a plena
autodeterminação, constituindo a si mesmo e ao mundo que o cerca”97.
A mesma obra revela que para o estoicismo, spinozismo ou idealismo
alemão, a liberdade é
é poder de atuação sem deixar de ser resistência à opressão; não se dirige contra,
mas em busca, em perseguição de alguma coisa, que é a felicidade pessoal, que é
subjetiva e circunstancial, pondo a liberdade, pelo seu fim, em harmonia com a
consciência de cada um, com o interesse do agente. Tudo que impedir aquela
possibilidade de coordenação dos meios é contrário à liberdade. [...] Assim, por
exemplo, deixar o povo na ignorância, na falta de escola, é negar-lhe a possibilidade
de coordenação consciente daqueles meios; oprimir o homem, o povo, é retirar-lhe
aquela possibilidade.102
Até aqui se observa, pelo que foi dito, que a liberdade está diretamente
ligada à capacidade de autodeterminação, à possibilidade de escolher caminhos e/ou verdades
sem que haja obstáculos ou pressões que limitem ou desvirtuem essa faculdade. Assim é que
pondera J. J. Calmon de Passos ao afirmar:
102
Ibidem. loc. cit.
103
PASSOS, J. J. Calmon de. Tutela Jurisdicional das Liberdades. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ -
Centro de Atualização Jurídica, nº. 12, março, 2002. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>.
Acesso em: 07 jan. 2007. p. 2.
104
Ibidem, p. 3.
105
SORIANO, Aldir Guedes, op. cit., p. 4.
43
pensamento (inc. IV), religião (inc. VI, VII e VIII), expressão (inc. IX), profissional (inc.
XIII), informação (inc. XIV e XXXIII), locomoção (inc. XV, LIV e LXI), reunião (inc. XVI)
e associação (inc. XVII, XVIII e XX).
As normas constitucionais que estabelecem as liberdades supramencionadas
são classificadas, segundo José Afonso da Silva, como de eficácia plena e aplicabilidade
direta e imediata, afirmando este autor que assim é
É necessário estar atento ao que acaba de ser dito, para não supor que exista ou deva
existir norma reguladora do exercício das liberdades. O exercício das liberdades não
depende de normas reguladoras, porque, como foi dito, as normas constitucionais
que as reconhecem são de aplicabilidade direta e imediata, sejam de eficácia plena
ou eficácia contida. Portanto, a expressão “falta de norma reguladora que torne
inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais [...]” do inciso LXXXI
art. 5º não pode induzir a que as liberdades dependam de normas reguladoras para
serem viáveis.107
O alcance da liberdade assim é o mais amplo possível, sem perder de vista o
adágio segundo o qual a “liberdade termina quando a começa a liberdade de outrem”, não
sendo, portanto, um direito absoluto. Pertinente e atual é o que dispõe a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 em seu art. 4º, ao estabelecer que
a liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique a outrem. Assim, o
exercício dos direitos naturais do homem não tem limites, senão aqueles que
asseguram aos outros membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos. Esses
limites somente a lei poderá determinar.
No art. 5º da mesma Declaração ainda afirma que “a lei não pode proibir
senão as ações nocivas à sociedade”.
A liberdade dos homens, de forma geral, sempre foi desrespeitada em maior
ou menor grau em toda a sua história. Mesmo depois da Declaração Francesa de 1789, a
efetivação desse princípio não se consumou como proposto. Assevera Geórgia Bajer
Fernandes de Freitas Porfírio que “a história traz exemplos de que a liberdade teve como
106
SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 271.
107
SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 271-272.
44
conteúdo tanto a tirania do mais forte sobre o mais fraco como o aniquilamento de uma
minoria pela maioria”108.
Tal afirmação é bem exemplificada por diversas atrocidades ocorridas
durante a Segunda Guerra Mundial, em especial a perseguição nazista aos judeus, ciganos,
deficientes de toda espécie etc. Daí a necessidade de já no art. 1º, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948 determinar que “todas as pessoas nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às
outras com espírito de fraternidade”.
A luta pela liberdade, consoante Geórgia Bajer Fernandes de Freitas
Porfírio, deve ser vista também na constatação da ausência de liberdade. Assevera a autora
que
interessa não só a liberdade permitida, mas também aquela coibida no seu exercício.
Assim, o oposto da liberdade e as garantias para que a liberdade seja usufruída
integram, também, a temática da liberdade. Situações complexas, nas quais o
indivíduo precisa da força estatal para remover obstáculos e fazer valer sua liberdade
perante outra pessoa, grupos sociais ou mesmo contra o próprio Estado, devem ser
consideradas como problemas jurídicos quando da conformação dos mecanismos de
tutela da liberdade, tanto no âmbito jurídico de cada Estado como na ordem jurídica
internacional.109
A liberdade sempre proclamada nas democracias modernas não encontrou
ainda a plena efetivação material. De nada adiantam inúmeras proclamações formais se diante
de situações fáticas tal direito é negado ao indivíduo. Ser livre quando se pensa e vive
conforme a maioria não realça o verdadeiro valor da liberdade. A liberdade mostra sua
substância quando em meio à correnteza se permite navegar no sentido contrário, deixando os
obstáculos apenas ao critério da Natureza, ao tempo em que cada consciência escolha, sem
pressões ou imposições de terceiros, o caminho a seguir.
3.2.2 Religião
A religião sempre fez parte da vida do homem, desde épocas mais antigas.
Samuel Koenig ensina que a “religião é não só encontrada em toda parte, mas também data
dos tempos mais remotos”110. Também assevera que “estudiosos da vida primitiva jamais
108
PORFÍRIO, Geórgia Bajer Fernandes de Freitas, op. cit., p. 2
109
PORFÍRIO, Geórgia Bajer Fernandes de Freitas, op. cit. p. 2.
110
KOENIG, Samuel. Elementos de Sociologia Trad. Vera Borda, 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970,
p. 131.
45
encontraram um povo sequer sem as crenças e práticas que constituem uma religião”111.
Mas, qual o conceito de religião? O mesmo Samuel Koenig afirma que “as
formas em que se expressa a religião variam tanto que se observou ser difícil estabelecer um
acordo acerca de uma definição que englobasse todas as variações”112.
Destarte, para delimitar o âmbito de proteção da liberdade religiosa como
um direito fundamental é necessário delinear os contornos do que seria esse instituto, haja
vista que as concepções podem vir a ser múltiplas e mesmo preconceituosas.
Entretanto, como afirmou Samuel Koenig não é tarefa fácil conceituar a
religião, mas este autor destaca que mesmo assim
a maioria dos entendidos sustenta que a religião inclui uma crença em poderes
sobrenaturais ou misteriosos, que essas crenças está associada com sentimentos de
respeito, temor e veneração, e que ela se expressa em atividades públicas destinadas
a lidar com esses poderes.113
Para aquele que tem uma religião, a sua é a verdadeira e, em regra, a única
digna de assim ser chamada. Mas numa sociedade democrática e pluralista não convém aqui
discriminar nenhum tipo de instituição religiosa, dando-lhe menor importância ou
qualificando como seita ou outro termo no sentido pejorativo, merecendo todas o mesmo
respeito.
No entanto, certos ritos, crenças e comportamentos podem ser imperativos
segundo as convicções de determinado indivíduo, sendo que para outros, tais atos poderão se
configurar como mera superstição, imoralidade, crime etc. Segundo Iso Chaitz
Scherkerkewitz, que faz referência a Konvitz, neste contexto, torna-se impossível uma
conceituação legal ou jurídica do que possa ser chamado de religião114.
Desse modo, busca o citado autor apoio na filosofia para tentar definir o que
vem a ser religião. Assim, menciona os ensinamentos de Carlos Lopes de Mattos que define
religião como “crença na (ou sentimento de) dependência em relação a um ser superior que
influi no nosso ser – ou ainda – a instituição social de uma comunidade unida pela crença e
pelos ritos”115.
Faz referência também, citando o prof. Régis Jolivet da Universidade
Católica de Lyon, à dupla acepção que pode ter o vocábulo, isto é, no sentido subjetivo, sendo
111
Ibidem, loc. cit.
112
Ibidem, p. 132.
113
Ibidem, loc. cit.
114
SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz. O Direito de Religião no Brasil. Disponível em: <http://www.pge.sp.go
v.br/centrodeestudos/revistaspge/revista2/artigo5.htm>. Acesso em: 10 abr. 2007, p. 3.
115
Ibidem, loc. cit.
46
a “homenagem interior de adoração e confiança e de amor que, com todas as suas faculdades,
intelectuais e afetivas, o homem vê-se obrigado a prestar a Deus, seu princípio e seu fim”116,
ao tempo que objetivamente religião seria “o conjunto de atos externos pelos quais se
expressa e se manifesta a religião subjetiva (oração, sacrifícios, sacramentos, liturgia, ascese,
prescrições morais)”117.
Por esses conceitos de religião aqui expostos se extrai a importância da
liberdade para a religião. Sendo esta, em um primeiro momento, subjetiva, de caráter interno,
psíquico, o indivíduo, que por algum motivo não pode exprimir suas convicções a respeito da
religião que adota, vive escravo do mundo exterior, além de ter que enfrentar uma luta interna
ao ter que escolher ignorar suas crenças subjetivas ou sofrer o preço que a sua “não-liberdade”
exige para exprimir.
Em verdade, a história apresenta muitos que assim escolheram seguir sua
consciência, preferindo pagar o preço com sua liberdade física, perda de bens, família e até
mesmo a própria vida.
Ignorar as convicções, quando se trata do religioso, do espiritual, não é
simplesmente ignorar um vago conceito teórico sem maiores conseqüências, mas colocar em
segundo plano a relação com um “Ser Superior”. Daí o sentido etimológico do termo religião
(do latim relio; re+ligare), denotando a ação de ligar novamente, prender algo ou alguém.
Assim é que, segundo Weiler Jorge Cintra Júnior, do ponto de vista
sociológico, a religião pode ser considerada como
116
Ibidem, loc. cit.
117
Ibidem, loc. cit.
118
CINTRA JUNIOR, Weiler Jorge. A questão atual da intolerância Religiosa. Revista de Direito. Procuradoria
do Estado de Goiás, nº 22, Jan/Dez. 2002. Disponível em: <http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/weiler.pdf>.
Acesso em: 24 jun 2007, p. 37.
47
119
JACQUES, Robert. A liberdade religiosa. Consciência e Liberdade. nº 15, ano 2003. Lisboa. p. 84
120
PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri. O Conselho Nacional de Justiça e a permissibilidade da aposição
de símbolos religiosos em fóruns e tribunais: uma decisão viola a cláusula da separação Estado-Igreja e que
esvazia o conteúdo do princípio constitucional da liberdade religiosa. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1457,
28 jun. 2007. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10039>. Acesso em: 26 jul.
2007. p. 1.
48
a liberdade religiosa não tem apenas uma história: tem também uma estrutura. Por
outras palavras, não é uma afirmação ou um valor isolado, que se deixa defender em
si ou por si; não é senão um elemento destacado, ao qual se pode dedicar atenção,
por si mesmo, sem preocupação com o resto. Pertence a um conjunto, cultura e
civilizações. Direito e costumes; faz parte de um sistema, o sistema das liberdades,
das nossas liberdades, que diferem segundo os tempos e o país. Não se define de
uma vez por todas: participa da história das sociedades humanas.124
Nesse sentido, Ramon Soriano afirma: “la libertad religiosa no es lo que
fue ni lo que es hoy; La libertad religiosa es um concepto histórico como todas las libertades,
que em nuestro tiempo adopta uma determinada forma, que no es la única ni la definitiva”125.
Assim é perceptível que a liberdade religiosa terá contornos distintos no
tempo e no espaço, fato que não diminui sua importância, ao contrário enfatiza o destaque que
tal direito tem na atualidade em virtude da existência dos Estados Democráticos e Liberais.
A liberdade religiosa enquanto direito fundamental, engloba, segundo
palavras de João Tello Magalhães Collaço,
121
Ibidem, loc. cit.
122
SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz, op. cit., p. 2.
123
Ibidem, loc. cit.
124
VERFAILLIE, Maurice. A liberdade religiosa e a laicidade do Estado – uma perspectiva global. Consciência
e Liberdade. nº 17, ano 2005. Lisboa, p. 7.
125
SORIANO, Ramon apud SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz, op. cit. p. 2.
49
126
COLLAÇO, João Tello Magalhães apud ADRAGÃO, Paulo Pulido. A Liberdade Religiosa e o Estado.
Coimbra: Almedina, 2002, p. 409.
127
BARBOSA, Rui apud SCHEINMAN, Maurício. Liberdade religiosa e escusa de consciência. Alguns
apontamentos. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 712, 17 jun. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/dout
rina/texto.asp?id=6896>. Acesso em: 23 mar. 2007, p. 6.
128
MIRANDA, Jorge apud SORIANO, Aldir Guedes, op. cit., p. 7.
50
129
PAULO VI, Papa. Declaração Dignitatis Humanae sobre a Liberdade Religiosa. Concílio Vaticano II.
Disponível em: <http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_decl_196512
07_dignitatis-humanae_po.html>. Acesso em: 14 ago. 2007. p. 3.
51
não se esgota nessa fé ou crença. Demanda uma prática religiosa ou culto como um
dos seus elementos fundamentais, do que resulta também inclusa, na liberdade
religiosa, a possibilidade de organização desses mesmos cultos, o que dá lugar às
igrejas. Este último elemento é muito importante, visto que da necessidade de
assegurar a livre organização dos cultos surge o inevitável problema da relação
destes com o Estado.130
Por conseguinte, o pleno exercício da liberdade religiosa se efetiva em
diversos aspectos. Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro ressalta que, de modo a lhe conferir
densidade, o princípio fundamental da liberdade religiosa se projeta em três dimensões, a
saber:
130
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em
5 de outubro de 1988, v. II, 2 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 52.
131
PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri, op. cit., p. 2.
132
Ibidem, op. cit.
133
RIBEIRO, Milton. Liberdade Religiosa: Uma proposta para debate. São Paulo: Editora Mackenzie, 2002, p.
37.
134
ADRAGÃO, Paulo Pulido, op. cit., p. 418.
52
A liberdade de consciência não se confunde com a liberdade de crença, uma vez que
a primeira encontra-se relacionada com as convicções íntimas de cada um, não
estando, necessariamente, vinculada ao aspecto religioso, podendo até mesmo negá-
lo (ateísmo). Ela se encontra relacionada com as convicções ideológicas e políticas
de cada um. Já a liberdade de crença diz respeito ao aspecto religioso, ou melhor
dizendo, à escolha de uma determinada religião ou crença que se coadune com os
anseios espirituais de cada pessoa.136
A despeito de tal diferenciação proposta pelos citados autores, para efeitos
gerais, se considerarão os dois termos (crença e consciência) como tendo igual significado, se
usando preferencialmente a expressão “liberdade de crença” no sentido mais amplo possível,
de modo a abranger inclusive a liberdade de não-crer. Acrescente-se, como já foi dito em
outra oportunidade, que o que é protegido pelo princípio da liberdade religiosa é a projeção da
consciência, a exteriorização da crença no mundo físico.
Ainda em relação à liberdade de crença ou consciência, J. J. Lopes Praça,
com base em Jules Simon, assevera que
135
Ibidem, loc. cit.
136
BASTOS, Celso Ribeiro; MEYER-PFLUG, Samantha. Do Direito Fundamental à Liberdade de Consciência
e de Crença. Revista de Direito Constitucional e Internacional. N. 36, jul/set 2001. São Paulo: Revista dos
Tribunais: 2001, p. 114.
137
PRAÇA, J. J. Lopes apud ADRAGÃO, Paulo Pulido, op. cit., p. 415.
53
crenças em relação à divindade é como que uma necessidade primária do indivíduo, que nem
o Estado nem qualquer outro Poder deve subtrair.
Outra conseqüência do princípio da liberdade religiosa é o direito à
liberdade de culto. Mais uma vez, como já pontuado neste trabalho, a crença ou consciência,
como outra face do pensamento, não pode ser aprisionada ou limitada, é íntima, incoercível,
de modo que o que se procura proteger quando se garante a liberdade de pensamento, de
crença ou de consciência, é a sua projeção no mundo. No caso das crenças religiosas uma das
formas dessa projeção se dará necessariamente através de cultos à divindade. Celso Ribeiro
Bastos e Samantha Meyer-Pflug consideram o seguinte:
138
BASTOS, Celso Ribeiro; MEYER-PFLUG, Samantha, op. cit., p. 109.
139
Ibidem, loc. cit.
140
CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à constituição de 1988, v. I. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1992, p. 219.
141
CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 651.
54
a liberdade de religião não está restrita à proteção aos cultos e tradições e crenças
das religiões tradicionais (Católica, Judaica e Muçulmana), não havendo sequer
diferença ontológica (para efeitos constitucionais) entre religiões e seitas religiosas.
Creio que o critério a ser utilizado para se saber se o Estado deve dar proteção aos
ritos, costumes e tradições de determinada organização religiosa não pode estar
vinculado ao nome da religião, mas sim aos seus objetivos. Se a organização tiver
por objetivo o engrandecimento do indivíduo, a busca de seu aperfeiçoamento em
prol de toda a sociedade e a prática da filantropia, deve gozar da proteção do
Estado.146
O mesmo autor ampliando mais o âmbito da proteção prossegue:
145
Cf. MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes, op. cit.
146
SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz, op. cit., p. 4.
147
Ibidem, loc. cit.
148
SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz, op. cit., p. 5.
149
MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes, op. cit., p. 200-201.
56
de que a proteção à liberdade religiosa deve ser a mais ampla possível, de modo a não limitar
conceitos como religião ou confissão religiosa, aspectos importantes que terão forte
incidência ao se tratar de princípio da igualdade150.
Diante do exposto, impende questionar: quais funções caberiam ao Estado
na tarefa de garantir a liberdade religiosa? Em resposta a essa indagação Paulo Pulido
Adragão faz referência a três feixes distintos sintetizados por Saturino Gomes, a saber:
Importa ressaltar, mais uma vez, a limitação do direito à liberdade religiosa dentro
dos parâmetros do Estado Democrático de Direito, para que essa liberdade pública
150
Ibidem, p. 201.
151
ADRAGÃO, Paulo Pulido, op. cit., p. 429.
152
PRAÇA, J. J. Lopes apud ADRAGÃO, Paulo Pulido, op. cit., p. 411.
153
SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional. São Paulo:
Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 152.
57
não seja, efetivamente, confundida com algo, que de fato, não é liberdade religiosa.
Essa distorção da “liberdade religiosa” é contrária à ordem pública e danosa para
sociedade. Todavia, a verdadeira liberdade religiosa é fundamental para a paz social
e para o equilíbrio de uma sociedade justa, fraterna e pluralista.154
Já Maurício Scheinman ressalta em sua definição de liberdade religiosa
a característica da limitação ao afirmar que o direito de liberdade religiosa
“consiste na aplicação do conceito de ‘liberdade’ às práticas relacionadas à fé seja ela qual
for, naturalmente não se podendo prestar a fins expressamente proibidos pelo sistema
normativo”155. Assim é que o próprio sistema normativo impõe limitações à liberdade
religiosa.
Com objetividade Paulo Pulido Adragão assinala que o limite da liberdade
religiosa “consiste na ponderação entre a liberdade religiosa e as outras liberdades
constitucionalmente protegidas, entre a religião e os outros bens fundamentais que o
ordenamento jurídico protege. O funcionamento concreto dos limites dá lugar a restrições”156.
Por outro lado, Themistocles Brandão Cavalcanti assevera que
154
Ibidem, loc. cit.
155
SCHEINMAN, Maurício. Liberdade religiosa e escusa de consciência: Alguns apontamentos. Jus
Navigandi, Teresina, ano 9, n. 712, 17 jun. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6
896>. Acesso em: 23 mar. 2007, p. 7.
156
ADRAGÃO, Paulo Pulido, op. cit., p. 513.
157
CAVALCANTI, Themistocles Brandão apud CRETELLA JUNIOR, José, op. cit., p. 219.
158
CONSTANTINO, Carlos Ernanin apud SORIANO, Aldir Guedes, op. cit., p. 94.
58
da dignidade da pessoa humana. A doutrina sublinha essa relação ao tempo que destaca a
dignidade da pessoa humana como valor mais elevado do sistema de direitos fundamentais.
Nesse sentido pondera Aldir Guedes Soriano:
temos por dignidade da pessoa humana que o faz merecedor do mesmo respeito e
consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um
complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra
todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as
condições existenciais para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua
participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em
comunhão com os demais seres humanos.163
Alexandre de Moraes, por sua vez, assim define a dignidade da pessoa
humana:
162
SORIANO, Aldir Guedes, op. cit. p. 166.
163
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 5. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 62.
164
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 4. ed. São
Paulo: Atlas, 2004, p. 128 e129.
165
SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 46.
60
166
MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes, op. cit., p. 285.
167
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Ação Afirmativa: O conteúdo democrático do princípio da igualdade
jurídica. Revista de Informação Legislativa. a. 33, n. 131, jul./set. 1996. Brasília, p. 289.
168
PASSOS, J. J. Calmon de. O Princípio da Não Discriminação. Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ -
Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº. 2, maio, 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.b r>.
Acesso em: 05 mar. 2007, p. 3.
61
Nalguns casos a igualdade formal dará lugar a uma igualdade meramente aparente,
se não mesmo a situações de discriminação. Deste modo, também é de considerar a
existência de uma obrigação de diferenciação de tratamento jurídico, possibilitando
disciplinas jurídicas distintas ajustadas às desigualdades fácticas concretamente
existentes e à particular auto-compreensão das diferentes confissões religiosas.169
Em outra oportunidade o mesmo autor assevera que a base da justiça se
encontra na igualdade, de modo que
169
MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes, op. cit., p. 291-292.
170
Ibidem, p. 290.
171
Ibidem, p. 290-291.
172
SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 229.
62
Esse objectivo pode implicar a previsão, sempre que isso se justifique, de regimes
especiais para membros de determinadas confissões religiosas. Pense-se por
exemplo, no já referido caso dos adventistas do sétimo dia e da necessidade de
respeitar e tutelar, tanto quanto possível, a sua recusa, religiosamente fundada, de
trabalhar ao sábado. Embora estejamos aqui perante diferenciações jurídicas, nem
por isso se viola o princípio da igualdade. Pelo contrário, estas servem o propósito
constitucional substantivo de garantir a todos os cidadãos uma igual medida de
dignidade e liberdade.175
Daí que diante da existência de leis que estejam em desacordo com a
consciência de alguns indivíduos, e numa tentativa de contornar tal situação visando garantir
igual liberdade de religião a todos, se criou o instituto da objeção ou escusa de consciência.
173
MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes, op. cit., p. 285-286.
174
Ibidem, p. 292.
175
Ibidem, p. 292-293.
63
176
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em
5 de outubro de 1988, v. II, 2. ed., atual. São Paulo. Saraiva: 2001, p. 61.
177
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. Coleção Temas Jurídicos. v. 3, 2. ed. São
Paulo: Atlas, 1998, p. 125.
178
Tais histórias se encontram na Bíblia Sagrada, livro de Daniel, capítulos 3 e 6 respectivamente.
64
daqueles que preferiram a morte a abrir mão de suas convicções por conveniência do Estado
(daqueles que detinham o poder).
Muitos cristãos foram perseguidos e mortos por se recusar a adorar o
imperador de Roma como se fosse um deus. Assim o cristianismo, na Idade Média, lança as
bases do que seria a objeção de consciência ao se opor à prestação de culto ao imperador e
posteriormente ao serviço com armas.
A objeção de consciência surge como direito em texto escrito durante a
Revolução Francesa, a partir de um Decreto de 1793, no qual foi estabelecida a dispensa do
serviço militar em razão de fortes motivos religiosos.
No século XIX se destaca a obra "A Desobediência Civil" do americano
Henry David Thoreau. No entanto, foi no século XX, com a escolha de sistemas de governo
democráticos, com a importância dada à proteção dos direitos fundamentais e com a critica à
solução bélica dos conflitos entre povos, que a objeção de consciência se consolidou como
direito.
Sobre o surgimento da objeção de consciência José Carlos Buzanello
assevera:
179
BUZANELLO, José Carlos. Direito de Resistência Constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen
Iuris. 2006, p. 152.
180
Ibidem, p. 150.
181
Ibidem, loc. cit.
65
do eticamente justo.182
As definições de objeção de consciência não apresentam grandes variações
entre os doutrinadores, havendo grande similaridade entre os conceitos. Dirley da Cunha
Júnior, por exemplo, sintetiza o conceito ao afirmar que se trata de um “direito individual que
investe a pessoa de recusar prestar ou aceitar determinada obrigação que contrarie as suas
crenças ou convicções”183. Para John Rawls a “objeção de consciência é a desobediência a
uma injunção legal ou a uma ordem administrativa mais ou menos direta”184. José Afonso da
Silva acrescenta que a objeção ou escusa de consciência se deriva do direito à liberdade de
consciência, de crença religiosa ou de convicção filosófica185. Nesse sentido assevera José
Carlos Buzanello que: “A liberdade de consciência é o núcleo de fundamentação da objeção
de consciência, pois reflete a liberdade de crença e de pensamento, não de uma liberdade
geral, mas de uma liberdade singular não pautada na igualdade entre os indivíduos”186.
Claudio Maraschin define a objeção de consciência como sendo
“um instrumento da liberdade ideológica que procura tornar compatíveis, tanto no plano
subjetivo e institucional, os valores que poderiam entrar em colisão – liberdade e igualdade –
num aspecto concreto da vida social”187.
Realçando o vínculo entre a liberdade de consciência e a objeção de
consciência, Gregório Câmara Villar pontua:
182
Ibidem, p. 150-151.
183
CUNHA JUNIOR, Dirley da, op. cit. p. 652.
184
RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves. 2. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 408.
185
SILVA, José Afonso da, op .cit., p. 245.
186
BUZANELLO, José Carlos. Objeção de Consciência: uma questão constitucional. Revista de Informação
Legislativa, n. 152, out/dez 2001. Brasília, p. 174.
187
MARASCHIN, Claudio. Em busca de uma Fundamentação Jurídica da Objeção de Consciência. Revista de
Direito Militar, nº 17, mai/jun 1999, p. 24.
188
VILLAR, Gregório Câmara apud MARASCHIN, Claudio, op. cit., p. 24.
66
Aqueles que gostariam de negar a liberdade de consciência não podem justificar sua
posição pela condenação do ceticismo em relação à filosofia e da indiferença
religiosa, nem pelo apelo aos interesses sociais e questões de Estado. A limitação da
liberdade só se justifica quando for necessária para a própria liberdade, para impedir
uma incursão contra a liberdade que seria ainda pior. 191
Em outra oportunidade John Rawls reafirma: “quando se nega a uma
religião a sua expressão plena, presume-se que a razão disso seja a sua violação das liberdades
iguais dos outros”192. Deste modo, se o indivíduo alega objeção de consciência diante de uma
obrigação a todos impostas e não tem seu pleito reconhecido, não pode tal indivíduo exercer
plenamente sua religião sem prejuízos de ser tolhido de algum outro direito.
Como dito em outro momento, a religião dominante da sociedade tende a
influenciar e mesmo determinar parte do conteúdo normativo das leis elaboradas pelo
legislativo (muitas vezes sob o argumento cultural), que tendo caráter geral e abstrato atingirá
aqueles que não tenham religião ou façam parte da minoria que discorda das crenças de tal
Instituição Religiosa (vide a questão do aborto ou das uniões homoafetivas). Desse modo, em
uma sociedade livre e democrática, onde deve prevalecer as liberdades clássicas e,
189
BUZANELLO, José Carlos, op. cit., p. 174.
190
Ibidem, loc. cit.
191
RAWLS, John, op. cit., p. 233.
192
Ibidem, p. 410.
67
especificamente, a liberdade de crença, conforme John Rawls, “o Estado não pode favorecer
nenhuma religião específica e não se pode vincular sanções ou incapacidades a nenhuma
afiliação religiosa ou ausência dela. Fica rejeitada a idéia de um Estado confessional”193.
Decorre então a separação entre a Igreja e o Estado, de modo que diversas
Instituições adquirem autonomia ao mesmo tempo em que se revestem de regras e ideologias
próprias. O Estado laico, assim, deve garantir a igual liberdade religiosa de todos, sem
privilégios, não devendo ter suas políticas conduzidas com base em dogmas religiosos, a
despeito de também não ser indiferente à religiosidade de seu povo.
193
Ibidem, p. 230.
194
HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa.
Rio de Janeiro, Objetiva, 2001, CD-rom versão 1.0, para Windows.
195
PIERUCCI, Antônio Flávio. Estado laico, Fundamentalismo e a Busca da Verdade. In: BATISTA, Carla;
MAIA, Mônica (Org.). Estado Laico e Liberdades Democráticas. SOS Corpo - Instituto Feminista para a
Democracia. Recife. Abril/2006. Disponível em: <http://www.convencion.org.uy/09Laicismo/estadolaico.pdf>.
Acesso em: 03 jun. 2007, p. 5.
68
divergências internas”196.
Para Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro
a separação entre Estado e Igreja nada mais é do que uma garantia fundamental
(direito-garantia), voltada especificamente à proteção dos direitos integrantes do
conceito maior de liberdade religiosa, pois a história das sociedades já evidenciou
que a associação entre político e religioso, entre os poderes temporal e espiritual
gera o aniquilamento da liberdade e promove intolerância e perseguições.197
A mencionada autora destaca que a reivindicação por um sistema de
separação entre Igreja e Estado se deu sob o pressuposto de que os poderes públicos não
utilizassem seus instrumentos de coerção “como meios de compulsória conversão,
aniquilando um dos fundamentos básicos da própria idéia de religião que é a conversão
interior pela fé e pelo voluntarismo, e não a imposição pela força”198.
Muitas vezes o meio de coerção não se apresentará de forma direta, pois
inaceitável seria o Estado abertamente impor o credo de alguma Instituição Religiosa. Assim
é que, de forma disfarçada e indireta, o Estado estará constrangendo o indivíduo a abandonar
ou mitigar sua fé ao estabelecer normas condicionantes à fruição de direitos que venham a
colidir com as convicções religiosas deste sem que lhe ofereça alternativa, restando assim
apenas a opção de ser fiel à consciência ou desprezá-la. Para Maurice Verfaillie,
A separação entre Igreja e Estado, a “laicidade” do Estado, não significa, pois, que o
Estado negue à Igreja o direito e o dever de contribuir para o bem da sociedade (em
assuntos não estritamente “religiosos”), ou que impeça os católicos de terem as suas
opiniões, de defendê-las e de cumprir com a sua responsabilidade e o seu direito de
participar na vida pública, como qualquer cidadão. Um Estado que não respeitasse
um espaço para a Igreja na sociedade, ou negasse o direito dos católicos de expressar
– como qualquer outro cidadão – as suas opiniões e opções políticas pessoais, teria
acabado com a democracia, cairia no sectarismo, no totalitarismo ideológico e
196
Ibidem, p. 9.
197
PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri, op. cit., p. 3.
198
PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri, op. cit., p. 3.
199
VERFAILLIE, Maurice. A liberdade religiosa e a laicidade do Estado – uma perspectiva global. Consciência
e Liberdade. nº 17, ano 2005. Lisboa, p. 11.
69
prático.200
Fica subentendido nas palavras de Francisco Faus a legitimidade da
influência da Igreja na elaboração das leis. De fato o Estado laico de modo algum deve negar
à Igreja ou qualquer instituição social o direito de contribuir para o bem da sociedade.
Destarte, se determinado comportamento é considerado inadequado por
determinada instituição religiosa, torna-se compreensível que esta deva instruir e motivar seus
adeptos a seguirem este padrão de conduta. No entanto, inconcebível em um Estado
democrático e pluralista é a imposição a toda a sociedade de uma forma especifica de conduta
por ser esta a aceita pela Igreja dominante. Exemplo claro disso é a pressão que é feita para
que não ocorra a legalização do aborto, ocorrendo, enquanto isso, além de muitos abortos
clandestinos de forma precária, o abandono de crianças até mesmo em latas de lixo, esgotos e
lagoas como tem sido noticiado nos últimos meses.
Assim, em um ambiente onde a Igreja esteja separada do Estado e prevaleça
a liberdade de expressão, de crença e de consciência, são válidas as palavras de Francisco
Faus quando diz que:
A questão central, portanto, nos Estados laicos será o de como limitar a interferência
dessas instituições no delineamento de políticas públicas de modo que possam
acarretar algum tipo de constrangimento a outras pessoas que não professam aquela
fé religiosa.202
200
FAUS, Francisco. Laicidade e Laicismo. Disponível em: <http://www.quadrante.com.br/Pages/servicos02.as
p?id=146&categoria=Sociedade>. Acesso em: 11 jul. 2007, p. 3.
201
FAUS, Francisco, op. cit., p. 4.
202
VENTURA, Miriam. Pontos de Contato Constitucionais entre Estado e Instituições Religiosas. In: BATISTA,
Carla; MAIA, Mônica (Org.). Estado Laico e Liberdades Democráticas. SOS Corpo - Instituto Feminista para
a Democracia. Recife. Abril/2006. Disponível em: <http://www.convencion.org.uy/09Laicismo/estadolaico.pdf>
Acesso em: 03 jun. 2007, p. 15.
70
203
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Estado Laico Não É Estado Ateu e Pagão. Jus Navigandi, Teresina, ano
11, n. 1488, 29 jul. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10209>. Acesso em: 30
jul. 2007, p. 1.
204
Ibidem, loc. cit.
205
SORIANO, Aldir Guedes. Estado Laico é Neutro. Folha de S. Paulo, São Paulo, 20 jul. 2007, Opinião, p. 3.
71
Estado buscar o bem comum não deve confundir este valor com os valores religiosos.
Assevera o autor:
A questão vai para além do fato de se lutar por um Estado laico. Além disso, o
Estado precisa ser democrático, dentro da definição de Ivone Gevara, de que
democracia não é o voto da maioria, mas a possibilidade de todas as pessoas, de uma
ou outra forma, serem incluídas.208
Tal assertiva torna-se mais claramente válida sob a ponderação do então
Cardeal Joseph Ratzinger ao considerar que mesmo sendo adotada pelo sistema democrático a
regra da maioria para a formação da vontade política, essa vontade deve ser considerada
206
Ibidem, loc. cit.
207
SORIANO, Aldir Guedes, op. cit., p. 3.
208
SCHWARZ, Aneli. Ética Luterana e Laicidade. In: BATISTA, Carla; MAIA, Mônica (Org.). Estado Laico e
Liberdades Democráticas. SOS Corpo - Instituto Feminista para a Democracia. Recife. Abril/2006. Disponível
em: <http://www.convencion.org.uy/09Laicismo/estadolaico.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2007, p. 8.
72
também pelo aspecto moral e não apenas técnico já que “as maiorias podem ser cegas ou
injustas”209.
209
RATZINGER, Joseph apud MARGA, Andrei.. O Debate Habermas-Ratzinger – Convergências e
Implicações. Consciência e Liberdade. nº 18, ano 2006. Lisboa, p. 50.
210
SALES, Dom Eugênio apud VENTURA, Miriam. Pontos de Contato Constitucionais entre Estado e
Instituições Religiosas. In: BATISTA, Carla; MAIA, Mônica (Org.). Estado Laico e Liberdades
Democráticas. SOS Corpo - Instituto Feminista para a Democracia. Recife. Abril/2006. Disponível em:
<http://www.convencion.org.uy/09Laicismo/estadolaico.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2007, p. 16.
211
FAUS, Francisco, op. cit., p. 4.
212
DAMÁSIO, Celuy Roberta Hundzinski. Secularização na Europa. Disponível em: <http://www.espacoaca
demico.com.br/048/48damasio.htm>. Acesso em: 09 ago. 2007, p. 2.
73
não devemos ignorar que o ser humano não é somente composto pela sociedade ou
pela religião, pelo intelecto ou pelo sentimento, e que tanto uma faceta quanto a
outra, compõem o Estado, bem como a Igreja. Não há discordância que não possa
ser discutida e superada, desde que ambos os lados estejam despojados da ganância
e do interesse próprio. Utópico? Eu diria: difícil, mas não impossível.214
Enquanto os homens, especificamente os que estão no poder, não
reconhecerem as próprias limitações em busca da sua verdade e assim respeitem a dignidade
de cada ser humano, concedendo-lhes igual liberdade, a paz social se realizará apenas entre os
muros de quem manda.
213
Ibidem, loc. cit.
214
Ibidem, loc. cit.
215
ADRAGÃO, Paulo Pulido. A Liberdade Religiosa e o Estado. Coimbra: Almedina, 2002, p. 429.
74
questiona: Qual o papel que a Constituição deverá desempenhar diante do fenômeno social
religioso? Sustenta Antunes Varela, citado por Paulo Pulido Adragão:
216
Ibidem, loc. cit.
217
Ibidem, p. 431.
218
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2001, p. 271.
75
219
PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri. O Conselho Nacional de Justiça e a permissibilidade da aposição
de símbolos religiosos em fóruns e tribunais: uma decisão viola a cláusula da separação Estado-Igreja e que
esvazia o conteúdo do princípio constitucional da liberdade religiosa. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1457,
28 jun. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/te xto.asp?id=10039>. Acesso em: 30 jul.
2007, p. 2
220
Ibidem, loc.cit.
221
VERFAILLIE, Maurice. A liberdade religiosa e a laicidade do Estado – uma perspectiva global. Consciência
e Liberdade. nº 17, ano 2005. Lisboa, p. 6.
76
222
SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional. São Paulo:
Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 67.
223
MARIANO, Ricardo apud ORO, Ari Pedro. Considerações sobre a liberdade religiosa no Brasil. Ciências &
Letras - Revista da Faculdade Porto Alegre. Porto Alegre, v. 37, 2005. Disponível em: <http://www1.fapa.co
m.br/cienciaseletras/pdf/revista37/cap20.pdf>. Acesso em: 06 dez. 2006, p. 437.
224
BIAL, Pedro e BUENO, Eduardo. Um Reino sem Mulheres. Disponível em: <http://fantastico.globo.com
/Jornalismo/Fantastico/0,,AA1643870-9546,00.html> Acesso em: 02 out. 2007, p. 2.
77
225
O BRASIL HOLANDÊS. Disponível em: <http://www.brazilianembassy.nl/emb_12.htm>. Acesso em: 15
set. 2007, p. 1.
226
SORIANO, Aldir Guedes, op. cit., p. 78.
227
SILVA NETO, Manoel Jorge e. A Proteção Constitucional à Liberdade Religiosa. Revista de Informação
Legislativa, a. 40. n 160. out./dez.2003, Brasília, p. 115.
78
228
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Ação Afirmativa: O conteúdo democrático do princípio da igualdade
jurídica. Revista de Informação Legislativa. A 33, n. 131, jul./set. 1996. Brasília, p. 288.
229
SORIANO, Aldir Guedes, op. cit., p. 88.
79
230
SILVA NETO, Manoel Jorge e, op. cit., p. 116.
231
SORIANO, Aldir Guedes, op. cit., p. 88.
232
SILVA NETO, Manoel Jorge e, op. cit., p. 116.
233
Ibidem, loc. cit.
80
A liberdade religiosa é, aliás, condição sine qua non de qualquer sistema político
pluralista e não se dá onde o pluralismo não é possível. Nesse sentido, Jorge
Miranda alega que sem plena liberdade religiosa, em todas as suas dimensões (...),
não há plena liberdade cultural, nem plena liberdade política. Assim como, em
contrapartida, aí onde falta a liberdade política, a normal expressão da liberdade
religiosa fica comprometida ou ameaçada.236
Eliane Moura da Silva faz brilhante reflexão sobre a diversidade e liberdade
em uma sociedade pluralista e suas conseqüentes implicações, como se transcreve a seguir:
234
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 48.
235
CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 508.
236
ADRAGÃO, Paulo Pulido, op. cit., p. 410.
237
SILVA, Eliane Moura da. Religião, Diversidade e Valores Culturais: Conceitos Teóricos e a Educação para a
Cidadania. Revista de Estudos da Religião. n. 2, ano 2004. Disponível em: <www.pucsp.br/rever/rv2_2004/p_s
ilva.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2007, p. 10.
81
O art. 3º traz uma declaração, uma afirmação e uma determinação em seus dizeres.
Declara, ali, implícita, mas claramente, que a República Federativa do Brasil não é
livre, porque não se organiza segundo a universalidade desse pressuposto
fundamental para o exercício dos direitos, pelo que, não dispondo todos de
condições para o exercício de sua liberdade, não pode ser justa. Não é justa porque
plena de desigualdades antijurídicas e deploráveis para abrigar o mínimo de
condições dignas para todos. E não é solidária porque fundada em preconceitos de
toda sorte. [...] O art. 3º traz também uma afirmação: a de que, conquanto retratada a
inexistência de uma autêntica República Democrática, o Direito organizou um
modelo de Estado que se põe exatamente para realizá-la.239
Em sentido semelhante, o Ministro do STF Marco Aurélio de Melo, em
palestra sobre Discriminação e Sistema Legal Brasileiro, assevera:
238
Ibidem, p. 7.
239
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes, op. cit., p. 289.
240
MELO, Marcos Aurélio de apud VILAS-BÔAS, Renata Malta. Ações Afirmativas e o Princípio da
Igualdade. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003, p. 55.
82
(com a ressalva dos devidos limites já mencionados). Igualmente, como afirma Aldir Guedes
Soriano, “a promoção do bem de todos só pode ser alcançada por uma sociedade destituída de
preconceitos de qualquer espécie”241. De outra forma, como também pondera o autor, no
mínimo restará comprometido o bem-estar de uma minoria marginalizada.
Depois que o legislador constituinte estabeleceu os fundamentos, objetivos e
princípios que regem a República Federativa do Brasil, seguiu o estabelecimento dos Direitos
e Garantias Fundamentais. Dispõe o caput do artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Assim, já no caput do artigo 5º se estabeleceu o que se chama de princípio
da igualdade ao dispor que “todos são iguais perante a lei”, além de garantir a inviolabilidade
deste direito e do direito à liberdade, inclusive à liberdade religiosa. Para não restar dúvidas
sobre isto, o legislador constitucional consagrou no mesmo artigo a liberdade de pensamento
(inc. IV), a liberdade de consciência e crença (inc. VI), o direito à objeção ou escusa de
consciência (inc. VIII).
O direito à liberdade de consciência e de crença foram consagrados no
inciso VI do art. 5º da Constituição Federal de 1988 nos seguintes termos: “é inviolável a
liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos
e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
Trata-se da consolidação do direito à liberdade de expressão do pensamento
positivado no inc. IV do mesmo artigo constitucional, o qual já se mencionou, e que está
umbilicalmente relacionado com o princípio da dignidade da pessoa humana242. José Cretella
Júnior afirma ser a liberdade de consciência um dos mais invioláveis e supremos valores do
ser humano, sendo que em tal “santuário” nenhum poder terrestre tem o direito de penetrar243.
O mesmo autor ainda destaca que “a liberdade de consciência comporta o
direito de crer no que se deseja e de filiar-se à religião preferida, como também o direito de
não professar religião alguma”244.
241
SORIANO, Aldir Guedes, op. cit., p. 90.
242
José Afonso da Silva ensina que a “dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de
todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida” (SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 109),
sendo, portanto, lógica a conclusão de que a liberdade religiosa também está ai incluso, de modo que violar esse
direito de qualquer forma é uma violação basilar, pois o ser humano tem direito não apenas à vida, mas a uma
vida digna, também delimitado pela sua liberdade de crer e exercer aquilo que entende ser a verdade.
243
CRETELLA JUNIOR, José, op. cit., p. 216.
244
Ibidem, p. 217.
83
Sobre o serviço militar, farei uma pergunta, que talvez seja até de legislação
ordinária. Tenho sido procurado por esses grupos interessados (...), os menoritas do
245
SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 252.
246
Ibidem, loc. cit.
247
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em
5 de outubro de 1988, v. II, 2 ed. atual. São Paulo. Saraiva: 2001, p. 59.
248
Ibidem, loc. cit.
84
Rio Grande do Sul, brasileiros de origem alemã, que tem como base de sua religião
a proibição de matar, sob qualquer circunstância, e se recusam a prestar o serviço
militar. Temos visto de vez em quando na História do País, e recentemente, “n”
decretos do Presidente da República cassando a cidadania desses brasileiros, que
perdem os direitos políticos por uma questão de convicções religiosas, que não
querem ou não podem prestar o serviço militar. Como temos os sabatistas, que me
parece que o Exército, a Marinha e a Aeronáutica já têm uma forma de aliviar os
trabalhos nos sábados. É excessivamente drástico cassar-se a cidadania de uma
pessoa pelo fato de suas convicções religiosas. Nós todos, como homens
inteligentes, e nesta hora tentando melhorar o ordenamento jurídico, temos que ter
essa abertura democrática para esse contingente de brasileiros – e devemos respeitar
todas as tendências, a democracia é exatamente de senso, não de consenso.249
Como resultado das discussões a respeito da necessidade de previsão
constitucional do direito à objeção ou escusa de consciência, foi estabelecido no inciso VIII
do artigo 5º que: “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos
imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”.
A forma como foi redigido o dispositivo permite que a interpretação seja a
mais abrangente possível. Observe que o constituinte utilizou a expressão “ninguém será
privado de direitos”. Questionar-se-ia de quais direitos poderia o indivíduo ser privado e a
resposta é lógica: qualquer um. Em nenhum momento o dispositivo se refere apenas aos
direitos políticos ou a algum outro específico. O que o disposto no artigo 15 da Constituição
afirma ao vedar “a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos
de: IV – recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do
art. 5º, VIII”, é que a cassação de direitos políticos se dará no caso da recusa à prestação da
atividade alternativa como forma de punição posterior.
Assim é que o indivíduo não pode ter parte dos seus direitos de cidadão
restrita por causa de suas crenças, qualquer que sejam elas, tornando-se um cidadão de
“segunda categoria”. Registre-se também a ressalva de que se o indivíduo alegar motivo de
consciência para se eximir das obrigações impostas a todas as pessoas não poderá recusar
cumprir prestação alternativa.
O problema é que tal alternativa deve ser fixada em lei, e segundo a
doutrina, a lei aí referida, se trata de lei em sentido formal, lei ordinária. No entanto, o
casuísmo se apresenta por demais variável para que o legislador elabore leis para todos os
casos. Porém, não podem ser olvidadas as palavras do Brigadeiro José Elislande Bayer de
Barros, anteriormente citadas, ao se referir que as duas hipóteses que se afiguravam ao tempo
249
BUZANELLO, José Carlos. Direito de Resistência Constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen
Iuris, 2006, p. 232.
85
A leitura do art. 5º, inciso VIII, da Carta da República, permite constatar que o
sistema jurídico brasileiro adota a objeção de consciência do tipo total, visto que
admite a invocação de motivações de natureza religiosa, filosófica ou política. Por
evidente, o preceptivo constitucional em comento utiliza a locução “eximir-se de
obrigação legal a todos imposta”, sem adjetivar tal obrigação, pelo que contempla
não apenas a recusa ao serviço militar obrigatório (exemplo freqüentemente
lembrado pela doutrina), mas protege, ainda, ao menos teoricamente, a recusa ao
cumprimento de toda e qualquer obrigação legal a todos imposta.250
A associação da objeção de consciência com a liberdade de crença é
umbilical, razão pela qual para Cláudio Maraschin
250
SILVA JUNIOR, Hédio. A Liberdade de Crença como Limite à Regulamentação do Ensino Religioso.
2003. 245 f. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003, p. 76.
251
MARASCHIN, Claudio. Em busca de uma Fundamentação Jurídica da Objeção de Consciência. Revista de
Direito Militar, nº 17, mai/jun 1999, p. 23.
86
Como é possível se falar que não existe uma religião oficial quando ao abrir-se
qualquer folhinha nota-se a existência de feriados oficiais de caráter religioso? E
252
MIRANDA, Pontes de apud SILVA, José Afonso da, op. cit, p. 254-255.
253
SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz. O direito de religião no Brasil. Disponível em: <http://www.pge.sp.go
v.br/centrodeestudos/revistaspge/revista2/artigo5.htm>. Acesso em: 10 abr. 2007, p. 7.
254
DAMÁSIO, Celuy Roberta Hundzinski, op. cit., p. 2.
87
mais, de caráter santo para apenas uma religião (v.g., dia da padroeira do Brasil e
finados).255
Mesmo que a oficialização da separação entre a Igreja e o Estado tenha
acontecido com a primeira Constituição republicana em 1891, afirma Ari Pedro Oro que “a
secularização do Estado brasileiro e a instauração oficial da liberdade religiosa não retirou
alguns privilégios da Igreja Católica”256. Como privilégios o autor cita que o clero católico
conseguiu evitar o confisco de seus bens e fez permanecer algumas subvenções em algumas
localidades, e em décadas mais recentes, citando Alexandre Brasil Fonseca, relata que o
governo militar assumiu a construção da catedral de Brasília além de ter destinado “recursos
para o Pontifício Colégio Pio Brasileiro de Roma que passava por crise e que já havia
recebido milhares de dólares do governo nas duas décadas anteriores”257.
Pertinente, portanto, é a declaração de Maurice Verfaillie ao afirmar que
“o facto de nenhuma religião ser legalmente reconhecida como dominante, não implica,
necessariamente, que um verdadeiro regime de liberdade religiosa exista, ou que não haja
relações entre o Estado e uma religião dominante”258. Semelhantemente, Ari Pedro Oro
justifica que “se o tema da liberdade religiosa põe, de alguma forma, problema, é porque a
própria laicidade ou secularização do Estado não fora concretizada, sendo, ao contrário, algo
em constante construção”259.
Celuy Roberta Hundzinski Damásio faz a de seguinte declaração:
255
SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz, op. cit., p. 5.
256
ORO, Ari Pedro. Considerações sobre a liberdade religiosa no Brasil. Ciências & Letras - Revista da
Faculdade Porto Alegre. Porto Alegre, v. 37, 2005. Disponível em: <http://www1.fapa.com.br/cienciaseletras
/pdf/revista37/cap20.pdf>. Acesso em: 06 dez. 2006, p. 440.
257
Ibidem, p. 443.
258
VERFAILLIE, Maurice, op. cit., p. 12.
259
ORO, Ari Pedro, op. cit., p. 446.
260
DAMÁSIO, Celuy Roberta Hundzinski, op. cit., p. 2.
88
A existência dos feriados deve representar a identidade cultural do povo. Sendo esta
notadamente influenciada pela religião católica e pela herança da Civilização
Ocidental, que dela também bebeu, natural e perfeitamente jurídico que configurem
como elementos caracterizadores da instituição de determinadas datas civis. Não
podendo haver feriados para todos os grupos religiosos, pela impossibilidade
material. Assim, respeite-se o princípio constitucional da democracia e eleja-se,
como critério, a religião majoritariamente professada para a definição daqueles: e é o
catolicismo.262
Entretanto, por tudo o que já foi exposto neste trabalho monográfico, se
entende equivocada a posição do referido autor. Como bem afirma Douglas Laycock
Nada deve justificar, portanto, que um Estado que se pretenda democrático e plural e
que adote um regime de neutralidade e de ampla proteção aos direitos derivados do
princípio maior da liberdade religiosa venha a ignorar a garantia fundamental da
separação entre Estado e Igreja, para, em atendimento a demandas majoritárias,
admitir que seus prédios, seus órgãos e suas repartições sejam adornados com
aqueles símbolos religiosos vinculados às crenças tradicionais, muito embora tal
permissibilidade signifique o envio, aos cidadãos vinculados a diferentes crenças ou
a nenhuma delas, da mensagem do desvalor, do estigma da exclusão e da pecha da
inferioridade.264
Iso Chaitz Scherkerkewitz expõe sua posição sobre a constitucionalidade
dos feriados religiosos e apresenta solução conciliadora nos seguintes termos:
Creio não ser inconstitucional a existência dos feriados religiosos em si. O que
reputo ser inconstitucional é a proibição de se trabalhar nesse dia, por outras
palavras, não reputo ser legítima a proibição de abertura de estabelecimentos nos
feriados religiosos. Cada indivíduo, por sua própria vontade, deveria possuir a
faculdade de ir ou não trabalhar. Se não desejasse trabalhar, a postura legal lhe seria
favorável (abono do dia por expressa determinação legal), se resolvesse ir trabalhar
261
PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri, op. cit. p. 9.
262
BRODBECK, Rafael Vitola. Apreciação da Constitucionalidade dos Feriados Religiosos Católicos em
Face do Princípio do Estado Laico na Carta Política do Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 462, 12
out. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/tex to.asp?id=5551>. Acesso em: 05 out. 2007. p. 4.
263
LAYCOCK, Douglas apud PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri, op. cit., p. 7.
264
PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri, op. cit., p. 8.
89
não estaria obrigado a obedecer uma postura válida para uma religião que não
segue.265
Alargando ainda mais o problema da institucionalização de feriados
religiosos, o mesmo autor apresenta a seguinte reflexão:
265
SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz, op. cit., p. 5.
266
Ibidem, loc. cit.
267
Ibidem, loc. cit.
268
SILVA JÚNIOR, Hédio, op. cit., p. 25-26.
90
extremamente impregnado por valores religiosos, o que nos coloca desafios do ponto de vista
da realização efetiva de determinados direitos democráticos e de determinadas liberdades”.269
Com isso, é possível depreender que, sendo o Estado impregnado por
valores religiosos, muitos dos seus posicionamentos poderão estar maculados com a
parcialidade de seus agentes, que agem em nome do Estado, mas não deixam de ter suas
próprias convicções que influenciam nas decisões tomadas. Assim é que na história, “a prática
do direito à liberdade de consciência e de religião, nunca existiu de uma forma absoluta, nem
de uma forma constante e uniforme” 270.
Por fim, dentre as normas que tratam sobre o fato religioso na Constituição
de 1988, apenas por referência, se menciona o direito ao ensino religioso em escolas públicas,
consagrado no artigo 210, bem como a garantia da imunidade tributária dos templos, art. 150,
inc. VI, alínea b, como forma de assegurar a liberdade de culto, eliminando possíveis
empecilhos ao seu desenvolvimento.
269
ROHDEN, Fabíola. Em Direção a um Estado Laico. In: BATISTA, Carla; MAIA, Mônica (Org.). Estado
Laico e Liberdades Democráticas. SOS Corpo - Instituto Feminista para a Democracia. Recife. Abril/2006.
Disponível em: <http://www.convencion.org.uy/09Laicismo/estadolaico.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2007, p. 30.
270
VERFAILLIE, Maurice, op. cit., p. 7.
91
tolerar algumas crenças, por considerá-las antiquadas e fora de lugar. Por outro lado, a pré-
compreensão religiosa arraigada pela Instituição Religiosa dominante durante séculos, e
muitas vezes incutida no ordenamento jurídico, também cria barreiras para concepções
religiosas divergentes.
Exemplo disso é a questão a respeito do dia de repouso semanal positivado
pelo Estado. Embora depois da Revolução Industrial o descanso semanal tenha adquirido
contornos de direito social, a sua origem, como será visto, está vinculada ao fato religioso.
ninguém nega que o instituto que ora estamos a examinar surgiu em virtude não
propriamente de uma consideração precípua à necessidade elementar de repouso,
que a toda pessoa está afeta, mas sim em respeito à divindade, a um ser superior cuja
existência sempre foi intuída por todos os agrupamentos humanos, desde os mais
rudimentares, até a complexa sociedade industrial de nossos dias, assumindo, por
conta disto mesmo, um caráter francamente universal.274
No mesmo sentido Amauri Mascaro Nascimento275 ensina que o descanso
semanal tem origem em uma tradição de índole religiosa do povo hebreu que ordenava que no
sétimo dia dever-se-ia descansar das atividades seculares. Tal mandamento tem como base o
fato de Deus ao criar o mundo em seis dias ter abençoado, santificado e descansado no sétimo
dia (sábado = descanso). Segundo o citado autor
274
TOLEDO FILHO, Manoel Carlos. Dias de Repouso e Comemoração. Disponível em: <http://www.trt15.go
v.br/boletim/estudos_juridicos_1.pdf>. Acesso em: 30 out. 2007. p.16.
275
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 29. ed. rev. São Paulo: LTR, 2003, p.
330.
276
Ibidem, loc. cit. O erudito teólogo Samuele Bacchiocchi defende que, diferente do que usualmente é
difundido, a guarda do domingo não teve como causa imediata a ressurreição de Jesus Cristo, tendo esse motivo
sido associado só mais tarde. Assim é que para o autor não foi um ato único que determinou a mudança do dia de
guarda, mas sim um complexo de circunstâncias de ordem militar, política, fiscal, literária e religiosa que
resultou no abandono do sábado como dia sagrado e adoção do domingo. Em outras palavras, nos primeiros
93
Neste contexto, não parecia razoável ou adequado aos donos das fábricas, aos
detentores do capital, que a jornada fosse interrompida com o escopo de prestigiar
séculos do cristianismo se desenvolveu um corpo de crenças caracterizadas por uma diferenciação do judaísmo,
como forma de evitar a perseguição dos Romanos que tinham de enfrentar constantes rebeliões do povo judeu
em razão deste possuir forte sentimento nacionalista. (Cf. BACCHIOCCHI, Samuele. Do Sábado para o
Domingo: Uma Investigação do Surgimento da Observância do Domingo no Cristianismo Primitivo. 1974. 221f.
Tese (Doutorado) - Pontificia Universitas Gregoriana, Roma, 1974. Disponível em: <http://allen7.diinoweb.co
m/files/Bacchiocchi.rar>. Acesso em: 21 jun. 2007.)
277
Vide “Anexo B”.
278
NASCIMENTO, Amauri Mascaro, op. cit., p. 330.
279
Ibidem, loc. cit.
280
TOLEDO FILHO, Manoel Carlos, op. cit., p. 17.
94
uma tradição religiosa. A busca do lucro fácil e imediato sobrepujara o milenar e até
aquele momento inabalável respeito à divindade. E para tanto seguramente há de ter
contribuído o exacerbado laicismo derivado da Revolução Francesa, que emprestou,
ao caldo econômico que naquela ocasião se formava, o tempero político que estava a
faltar.281
Entretanto, com a organização da classe operária em busca de melhores
condições de trabalho, fundou-se uma federação como resultado de um congresso
internacional em Genebra, no ano de 1870, tendo como um dos objetivos disseminar a prática
do repouso semanal. Desde então, surgiram leis nacionais garantindo o repouso semanal no
domingo aos trabalhadores. Amauri Mascaro Nascimento registra que:
281
TOLEDO FILHO, Manoel Carlos, op. cit., p. 17.
282
NASCIMENTO, Amauri Mascaro, op. cit., p. 331.
283
Cf. Constituição de 1937, art. 137, alínea d; Constituição de 1946, art. 157, inciso VI; Constituição de 1967,
art. 158, inciso VI.
95
servidores estatais, é que cessam o funcionamento das repartições públicas e outros serviços
estatais não-essenciais como Instituições de Ensino, não se olvidando é claro, como regra, a
interrupção das atividades da iniciativa privada.
5.2 A IMPORTÂNCIA DA SANTIFICAÇÃO E GUARDA DE UM DIA
Art. 1º. Ninguém será sujeito à coerção por parte de qualquer Estado, instituição,
grupo de pessoas ou pessoas que debilitem sua liberdade de religião ou crença de
sua livre escolha.
Art. 6º. O direito à liberdade de pensamento, consciência, religião ou crença incluirá
as seguintes liberdades:
h) Observar dia de repouso e celebrar feriados e cerimônias de acordo com os
preceitos da sua religião ou crença.
284
SCHEINMAN, Maurício. Liberdade religiosa e escusa de consciência. Alguns apontamentos. Jus
Navigandi, Teresina, ano 9, n. 712, 17 jun. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6
896>. Acesso em: 21 jun. 2007, p. 1.
285
BACCHIOCCHI, Samuele. Do Sábado para o Domingo: Uma Investigação do Surgimento da Observância
do Domingo no Cristianismo Primitivo. 1974. 221 f. Tese (Doutorado) - Pontificia Universitas Gregoriana,
Roma, 1974. Disponível em: <http://allen7.diinoweb.com/files/Bacchiocchi.rar>. Acesso em: 21 jun. 2007, p.
10.
96
286
SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional. São Paulo:
Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 131.
287
Bento XVI declarou aos cristãos que, se nos domingos não houver um encontro com Deus, será um tempo
perdido. Disponível em: <http://www.overbo.com.br/modules/news/article.php?storyid=4366>. Acesso em: 30
jun. 2007.
288
PAULO II, Papa João.Carta Apostólica Dies Domini ao Episcopado, ao Clero e aos Fiéis da Igreja
Católica sobre a Santificação do Domingo. Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/a
post_letters/documents/hf_jp-ii_apl_05071998_dies-domini_po.html> Acesso em: 20 fev. 2007, p. 7.
289
Ibidem, loc. cit.
97
290
ANDREWS, J. N. apud WHITE, Ellen G. O Grande Conflito. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 1988, p.
437.
291
BACCHIOCCHI, Samuele, op. cit., p. 10.
98
carácter festivo deste dia, a evolução das condições sócio-económicas acabou por
modificar profundamente os comportamentos colectivos e, consequentemente, a
fisionomia do domingo. Impôs-se amplamente o costume do “fim de semana”,
entendido como momento semanal de distensão, transcorrido, talvez, longe da
morada habitual e caracterizado, com frequência, pela participação em actividades
culturais, políticas e desportivas, cuja realização coincide precisamente com os dias
festivos. Trata-se de um fenómeno social e cultural que não deixa, por certo, de ter
elementos positivos, na medida em que pode contribuir, no respeito de valores
autênticos, para o desenvolvimento humano e o progresso no conjunto da vida
social. Isto é devido, não só à necessidade do descanso, mas também à exigência de
“festejar” que está dentro do ser humano. Infelizmente, quando o domingo perde o
significado original e se reduz a puro “fim de semana”, pode acontecer que o homem
permaneça cerrado num horizonte tão restrito, que não mais lhe permite ver o “céu”.
Então, mesmo bem trajado, torna-se intimamente incapaz de “festejar”.292
A questão da tolerância, neste aspecto, fará grande diferença à efetivação do
direito fundamental à liberdade religiosa em uma sociedade pluralista e democrática, sem que
se restrinjam os direitos daqueles que desejarem seguir suas convicções. Eliane Moura da
Silva assevera sobre a tolerância no âmbito religioso da seguinte forma:
292
PAULO II, Papa João, op. cit., p. 2-3.
293
SILVA, Eliane Moura da. Religião, Diversidade e Valores Culturais: Conceitos Teóricos e a Educação para a
Cidadania. Revista de Estudos da Religião. n. 2, ano 2004. Disponível em: <www.pucsp.br/rever/rv2_2004/p_s
ilva.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2007, p. 10.
294
Ibidem, loc. cit.
99
295
Sobre a guarda do sábado na história ver “Anexo B” e “Anexo C”.
296
Conforme o Escritório Central de Estatísticas de Israel. Disponível em: <http://www.visaojudaica.com.br/Ou
tubro_2004/Artigos%20e%20reportagens/o_segredo_da_quizueza_dos_judeus.htm> Acesso em: 06 set. 2007.
100
superado pelos Adventistas que, segundo dados297 da Associação Geral dos Adventistas do 7º
Dia, atingiram em dezembro de 2005 cerca de 14 milhões e 400 mil membros.
No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE)298, censo demográfico do ano de 2000, constata-se o número de 1.209.842 adeptos da
religião adventista do 7º dia e de 86.825 adeptos do judaísmo. Assim, considerando apenas
essas duas religiões de maior representatividade quanto à guarda do sábado se estima um total
de cerca de 1 milhão e 300 mil cidadãos brasileiros que professam tal crença.
Destarte, como bem assevera Aldir Guedes Soriano, a despeito da garantia
constitucional de que ninguém poderá ser privado de direitos por motivo de crença religiosa,
“essa grande minoria encontra dificuldades no mundo moderno, principalmente, nas provas
escolares, vestibulares e concursos públicos discricionariamente marcados para o dia de
sábado”299. Tais dificuldades se caracterizam pelo fato da crença dessas religiões,
especialmente a adventista, não permitir a prática de atividades seculares como estudo ou
trabalho no sábado, que conforme o preceito bíblico vai do pôr-do-sol da sexta-feira até o pôr-
do-sol do sábado300.
Em virtude da natureza deste trabalho não se pretende aqui apontar
posicionamento teológico verdadeiro ou falso, mesmo porque um consenso a este respeito
está longe de ser alcançado. O que interessa a este estudo é a postura de um Estado laico,
pluralista e democrático frente a algumas implicações jurídicas que a referida parcela da
população brasileira tem de enfrentar ao optar em seguir suas convicções religiosas referentes
ao dia de guarda (considerando que seja diferente daquele aceito pela maioria da população e
referendado juridicamente pelo Estado).
Em pelo menos uma questão tanto a Igreja Católica quanto a Igreja
Adventista estão de acordo: existe um dia a ser guardado e este dia deve ser diferenciado dos
outros dias da semana. Tal afirmação é percebida pelas já citadas palavras do Sumo Pontífice
de Roma João Paulo II, e também pela declaração do mesmo de que “o dia do repouso é tal
primariamente porque é o dia ‘abençoado’ por Deus e por Ele ‘santificado’, isto é, separado
dos demais dias para ser, de entre todos, o ‘dia do Senhor’”301.
297
SEVENTH-DAY ADVENTIST WORLD CHURCH STATISTICS 2005. Disponível em: <http://www.adven
tistarchives.org/docs/Stats/SDAWorldChurchStats%2005.PDF>. Acesso em: 05 set. 2007, p. 1.
298
Fonte: IBGE – Dados do Censo Demográfico de 2000. Adventistas por Estado ver “Anexo D”.
299
SORIANO, Aldir Guedes. O Direito à Liberdade Religiosa. Correio Braziliense. Brasília, 08 nov. 2004,
Caderno Direito & Justiça, p. 2.
300
Ver Levítico 23:32; Marcos 1:32.
301
PAULO II, Papa João, op. cit., p. 6.
101
O bondoso Criador, após os seis dias da Criação, descansou no sétimo dia e instituiu
o sábado para todas as pessoas, como memorial da Criação. O quarto mandamento
da imutável lei de Deus requer a observância deste sábado do sétimo dia como dia
de descanso, adoração e ministério, em harmonia com o ensino e prática de Jesus, o
Senhor do sábado. O sábado é um dia de deleitosa comunhão com Deus e uns com
os outros. É um símbolo de nossa redenção em Cristo, um sinal de nossa
santificação, uma prova de nossa lealdade e um antegozo de nosso futuro eterno no
reino de Deus. O sábado é o sinal perpétuo do eterno concerto de Deus com Seu
povo. A prazerosa observância deste tempo sagrado duma tarde a outra tarde, do
pôr-do-sol ao pôr-do-sol, é uma celebração dos atos criadores e redentores de
Deus.302
Do outro lado, a Igreja Católica mesmo reconhecendo e exaltando o sétimo
dia como o dia santificado por Deus como memorial da criação, entende que as honras deste
dia foram transferidas para o domingo, como um memorial de uma “nova criação” por meio
da ressurreição de Jesus Cristo, sendo tal prática desde os tempos apostólicos.
302
DAMSTEEGT, P. G., Nisto Cremos: 27 Ensinos Bíblicos dos Adventistas do Sétimo Dia. Trad. Hélio L.
Grellmann. 7. ed. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2003, p. 331.
303
PAULO II, Papa João, op. cit., p. 8 e 10.
102
frente a essas questões, ressaltando que isso não significa ser indiferente.
304
Em tempo seja registrado que o art. 19 da CF/88 dispõe que “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos”; como então aceitar a recepção pela atual
Constituição desta lei que cria um feriado com o propósito explicito de culto público neste dia? Mesmo à época
de sua edição a Constituição então vigente (1967/69) trazia igual dispositivo no art. 9º, inc. II.
103
religioso. A incoerência, tendo em vista a laicidade estatal, é a vedação, para aqueles que não
têm a mesma crença, do funcionamento dos seus estabelecimentos comerciais e por outro lado
não terem o dia de adoração de sua religião amparado pelo Estado305.
O segundo problema reside no fato do descanso semanal ocorrer no
domingo, favorecendo aos que acreditam que esse é o dia a ser observado e santificado, não
tendo, portanto, maiores dificuldades para a prática de suas convicções religiosas, situação
contrária à dos observadores do sábado, o que gera uma situação de desigualdade em termos
de liberdade de crença.
305
A despeito de os feriados católicos serem indiscutivelmente maioria, registre-se a existência de feriados não-
católicos oficializados pelo Estado. Por exemplo, no Amapá, a Lei Estadual nº 827/2004 declara feriado o dia 30
de novembro em homenagem aos evangélicos, assim como fez o Distrito Federal por meio da lei 893/95. A Lei
Estadual nº 1.026/2001 de Rondônia também homenageia os evangélicos com um feriado, mas no dia 18 de
junho. A Lei Municipal nº 3.302/2001 do Rio de Janeiro institui o feriado espírita em homenagem a São Jorge no
dia 23 de abril. O mesmo município de forma mais democrática, apenas garante ponto facultativo aos servidores
públicos que professem o judaísmo nos dias determinados à observância de Yom Kippur, Pessach e Rosh
Hashaná, conforme Lei Municipal nº 1.410/1989. O Estado do Rio de Janeiro, pela Lei Estadual nº 2.874/1997,
concede o mesmo direito aos seus servidores públicos.
306
RIBEIRO, Milton. Liberdade Religiosa: Uma proposta para debate. São Paulo: Editora Mackenzie, 2002, p.
35.
307
SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz. O direito de religião no Brasil. Disponível em: <http://www.pge.sp.go
v.br/centrodeestudos/revistaspge/revista2/artigo5.htm>. Acesso em: 10 abr. 2007, p. 5.
308
SCHEINMAN, Maurício, op. cit., p. 2.
104
também se exige a freqüência mínima de 75% em cada disciplina devendo o controle ficar a
cargo da escola.
Sob estas condições qual será a situação do estudante de educação básica ou
superior que tem como crença religiosa a observância do sábado, haja vista a programação de
aulas para a sexta-feira à noite e/ou sábado durante o dia?
O Ministério da Educação e Cultura, mediante provocação, já se manifestou
em pelo menos três oportunidades. No parecer CNE/CEB nº 15/99309, aprovado em 04/10/99,
sendo relator o Conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury, o Conselho Nacional de Educação
entendeu não haver amparo legal ou normativo para o abono de faltas de estudantes que se
ausentem regularmente dos horários de aulas devido às convicções religiosas.
Não deixa de ser interessante, ainda que refutável, a fundamentação para a
negativa do direito à educação ao estudante adventista que pretenda se manter firme em sua fé
e concluir seus estudos de modo a se preparar para o exercício da cidadania e se qualificar
para o trabalho.
O primeiro argumento utilizado se refere à questão da relatividade do tempo
e convencionalidade das horas sob a forma de construção sócio-histórica310. Tal argumento
presume a inadequação da guarda de um dia, qualquer que seja ele.
A indagação a ser feita quanto à pertinência deste argumento é: na discussão
da efetividade do direito à liberdade religiosa com a conseqüente liberdade de crença e a não-
privação de direitos em razão da mesma, cabe discutir a razoabilidade do conteúdo de tal
crença ou convicção religiosa?
Os limites à liberdade religiosa já foram discutidos em capítulo próprio, mas
com certeza deve ser dito que convicção religiosa ou fé nem sempre será harmonizada com a
razão. Fé não se explica sob os parâmetros da racionalidade. Como explicar a existência de
anjos, demônios, céu ou inferno e tudo o que isto envolve? A liberdade de crença abrange
tanto o direito de crer como o de não-crer, mas se determinada crença não poderá ser imposta
a terceiros, como a descrença poderá ser?
Ainda em desfavor do argumento da relatividade do tempo, se configura a
inexistência de prova formal a respeito do mesmo, referente à guarda do sábado. No parecer
309
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Parecer CNE/CEB nº 15/99. Relator: Cons.
Carlos Roberto Jamil Cury. Aprovado em 04 out. 1999. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/p
df/pceb15_99.pdf>. Acesso em: 09 ago. 2007. O parecer tratou de consulta sobre legislação pertinente ao
tratamento diferenciado a aluno freqüentador da Igreja Adventista do Sétimo Dia.
310
Em se tratando da relatividade do tempo, em especial, a questão do sábado na semana, vide “Anexo C”.
106
CNE/CEB nº 15/99, o relator menciona o fato de a Terra ter sido dividida em 24 fusos
horários, mediante convenção realizada em Roma em 1883 e confirmada em Washington em
1884, e que antes disso prevalecia variabilidade de horários em todos os quadrantes da Terra.
Contudo, qual a relação dessa informação com a crença religiosa da guarda
do sábado? A guarda do sábado possui fundamentação bíblica que define seus limites como
de um pôr-do-sol ao outro e não depende das convenções humanas. Se assim fosse, os seus
observadores deveriam guardá-lo da meia-noite do sexto dia até à meia-noite do sétimo dia,
conforme convenção atual.
Seria um melhor argumento questionar se o dia que hoje se chama sábado e
se considera como o sétimo é o mesmo sétimo dia santificado e abençoado por Deus no
Jardim do Éden; ou o mesmo dia escolhido por Ele para não cair o maná do céu durante o
Êxodo do povo de Israel; ou o mesmo dia ordenado no Monte Sinai para ser santificado e
lembrado como um memorial da Criação; ou o mesmo sábado guardado por Jesus conforme
seu costume311. Contudo, qualquer discussão a este respeito se mostra impertinente na
discussão do mérito jurídico, haja vista estar se discutindo o conteúdo da crença religiosa que
só é pertinente na seara teológica.
Como comparação se mencione o episódio do chute da imagem de uma
santa da Igreja Católica, no dia 12 de outubro de 1995, pelo Bispo Sérgio von Helde, da Igreja
Universal do Reino de Deus. Ao chutar a imagem, o Bispo argumentava que o povo brasileiro
errava em depositar suas esperanças em santos, ídolos ou imagens, pois, segundo a Bíblia, tais
ídolos não teriam poder algum e aquela imagem seria nada mais do que um objeto inerte. Em
razão deste incidente, que causou comoção no país, inúmeras queixas na polícia e ações
judiciais foram movidas por pessoas comuns e pelos próprios delegados e promotores de
justiça, sob a alegação da prática de vilipêndio e desrespeito à liberdade de culto, pouco
importando a veracidade ou não das palavras do Bispo. O objeto da proteção jurídica da
liberdade religiosa não é o mérito ou conteúdo da crença, mas a própria crença em si.
Outro argumento utilizado no parecer CNE/CEB 15/99 é que não há amparo
legal para concessão de abono de faltas ao estudante que se ausente por motivo de crença
religiosa. A despeito de não existir lei federal que regulamente o abono de faltas por motivo
religioso, assim como existe para outros casos, a exemplo do previsto pelo art. 7°, §5°, da Lei
311
Cf. Gênesis 2:1-3; Êxodo 16:4-5 e 22-30 e 20:8-11; Lucas 4:16 e 6:6.
107
312
Determina que as Instituições de Educação Superior devam abonar as faltas do estudante designado membro
da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior – CONAES, que tenha participado de reuniões em
horários coincidentes com os das atividades acadêmicas.
313
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Parecer CNE/CEB nº 15/99, op. cit., p. 3.
314
SILVA JUNIOR, Hédio, op. cit., p. 76.
108
315
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Parecer CNE/CEB nº 15/99, op. cit., p. 4.
316
CUNHA JUNIOR, Dirley da, op. cit., p. 652.
109
317
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Parecer CNE/CEB nº 15/99, op. cit., p. 4.
318
Idem. Parecer CNE/CES nº 336/2000. Relatora: Consª. Eunice R. Durham. Aprovado em 05 abr. 2000.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pces336_00.pdf>. Acesso em: 09 ago. 2007.
110
319
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Parecer CNE/CES nº 336/2000, op. cit., p. 2
320
Ibidem, loc. cit.
111
321
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Parecer CNE/CEB nº 15/99, op. cit., p. 4.
112
322
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Parecer CNE/CES 224/2006. Relatora: Consª.
Marilena de Souza Chauí. Aprovado em 20 set. 2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf
/pces224_06.pdf>. Acesso em: 09 ago. 2007.
323
Ibidem, p. 3.
113
324
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. SESu - Secretaria de Educação Superior:
Abono de Faltas. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/sesu/index.php?option=com_content&task=vie
w&id=823&Itemid=549>. Acesso em: 10 out. 2007.
325
ALAGOAS (Estado). CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. Parecer CEE/CES nº 290/2004.
Relator: Cons. Francisco Soares Pinto. Aprovado em 31 ago. 2004. Disponível em: <http://www.sinteal.org.br/e
xibir_noticia.asp?Cod=847>. Acesso em: 06 mar. 2007.
114
“deixar de fazer algo” ou “descansar”, e que é o sétimo dia da semana, por conseqüência,
“equivalente ao nosso sábado”327. Sucintamente também aborda as origens da guarda do
domingo e do atual sistema de marcação do tempo.
Registre-se que assim como no parecer CNE/CEB 15/99 do Ministério da
Educação, o parecer 290/2004 do CEE/AL questiona o mérito da crença da guarda do sábado,
atitude que deve ser evitada diante da discussão jurídica da liberdade de crença, como
anteriormente afirmado. Contudo, este último parecer, agora analisado, não apenas aborda a
questão secular da marcação do tempo, como fez o primeiro, mas também aborda a questão
religiosa. Assim é que, segundo juízo de valor do relator, “o mais sensato, no sentido de
melhor organizar as atividades do nosso dia-dia, seria desenvolvermos essas atividades
ajustadas ao dia civil e horário oficial adotado pela União”328 e que
não estamos aqui julgando a religião Adventista por causa da guarda do sábado,
“Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua
nova, ou sábado...” Cl 2:16, mas fazer ver também que não há impedimento bíblico
algum em se guardar e santificar o domingo (Dominicus), após seis dias de trabalho,
como é o de costume, tradição, da maioria dos brasileiros e confissão cristã.329
Mesmo procurando demonstrar respeito à religião adventista, o relator do
parecer ao emitir sua opinião pessoal a respeito de um aspecto teológico controverso excede
sua competência, ainda que sua opinião seja a da maioria da cristandade. Igualmente,
desprezar a crença religiosa em favor de ideologias seculares, como fez o parecer CNE/CEB
15/99 do MEC, não cabe na discussão jurídica a respeito da liberdade religiosa.
Aspecto de extrema importância é a relação assiduidade/aproveitamento
enfrentada pelo Conselheiro Francisco Soares Pinto, ao levantar a seguinte questão: “será
pedagogicamente correto reprovar por faltas um aluno que tenha ótimos resultados
curriculares?”330. Segundo o autor do parecer tal questão encontra divergência mesmo entre
aqueles afetos à prática pedagógica, fazendo as seguintes citações para subsidiar tal
afirmação:
“Se o ensino é presencial, não há motivos para haver aprovação sem a freqüência
exigida por lei”. Lauro Spaggiari. Diretor pedagógico do Colégio Dante Alighieri.
São Paulo.
“(...). A decisão de reprovar por faltas deveria ficar a cargo dos conselhos de classe e
escolar”. Heloísa Ururahy, diretora do Colégio Dom Bosco, em Resende, Rio de
Janeiro.
327
ALAGOAS (Estado). CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. Parecer CEE/CES nº 290/2004, op.
cit., p. 3.
328
Ibidem, p. 4.
329
Ibidem, p. 3.
330
Ibidem, p. 4.
116
“Reprovar por faltas indica omissão por parte do colegiado escolar. Se um bom
aluno está se ausentando muito das aulas, algo errado deve estar acontecendo na
escola”. Carlos Jamil Cury. Membro da Câmara de Educação Básica do Conselho
Nacional de Educação.331
Neste contexto, o autor tenta compreender qual seria a preocupação do
legislador ao fixar na LDB percentual mínimo de assiduidade com sua conseqüente
reprovação em caso do não-cumprimento desta meta, independente do bom desempenho nas
atividades curriculares. Assim, considera que formalmente a lei supervaloriza o aspecto
quantitativo (freqüência) em detrimento do aspecto qualitativo (competências e habilidades
desenvolvidas) para a aprovação.
Desse modo conclui:
Entendemos que uma das preocupações foi julgar que uma freqüência mínima
obrigatória seria garantia de um mínimo de conteúdo aprendido. Outra, de
permanência mínima do aluno na escola e talvez a possível aquisição de diplomas
sem uma comprovada freqüência às aulas. A assiduidade às aulas não é sinônimo de
bom desempenho de aprendizagem. Os critérios de avaliação do rendimento escolar
estão voltados para dois tipos de avaliação: a quantitativa e a qualitativa. Quando
constatamos que um determinado aluno está com 75% de freqüência, estamos
medindo e não avaliando.
[...]
Este índice de assiduidade deve servir não como elemento de reprovação, mas antes
de tudo, como referência para a tomada de medidas pela escola no sentido de
detectar os problemas que estejam dificultando a permanência do aluno e comunicar
ao conselho tutelar quando este chegar a faltar mais da metade do limite permitido,
ou 12,5% das aulas anuais, procurando assim evitar ao máximo, dentro de suas
possibilidades, a repetência e evasão escolar. 332
Em relação ao aspecto constitucional da questão, o Conselheiro Francisco
Soares Pinto ressalta o direito à inviolabilidade de consciência e de crença como uma
conquista constitucional, na qual a crença é refletida pelos princípios que norteiam as ações e
pensamentos do homem para com seu “Deus”. Nesse sentido, com fundamento nos incisos VI
e VIII do art. 5º da CF/88, conclui que
a regra geral é de que não poderá ocorrer a privação de direitos por motivo de crença
religiosa ou de convicção filosófica ou política, até porque a Constituição em seu
inc. VI dá direito à liberdade de consciência e de crença, e não poderia haver
punição de qualquer espécie para pessoas que exercem um direito constitucional.333
Ainda em relação ao aspecto constitucional o autor faz referência ao art. 19,
inc III, que veda aos entes federativos “criar distinções entre brasileiros ou preferências entre
331
ALAGOAS (Estado). CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. Parecer CEE/CES nº 290/2004, op.
cit., p. 5.
332
Ibidem, loc. cit.
333
ALAGOAS (Estado). CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. Parecer CEE/CES nº 290/2004, op.
cit., p. 6.
117
334
Ibidem, loc. cit.
118
335
ALAGOAS (Estado). CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. Parecer CEE/CES nº 290/2004, op.
cit., p. 7.
336
SÃO PAULO (Estado). CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. Parecer CEE/CES nº 442/2002.
Relator: Consª. Ada Pellegrini Grinover. Aprovado em 23 out. 2002. Disponível em: <http://www.ceesp.sp.gov.b
r/Pareceres/pa_442_02.htm>. Acesso em: 16 mar. 2007.
337
CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 652.
119
338
SÃO PAULO (Estado). CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. Parecer CEE/CES nº 442/2002, op.
cit., p. 1.
120
últimos casos não se exige atividade compensatória ao dia em que ocorreu a ausência.
Vale lembrar, como destaca Letícia de Campos Velho Martel339, que esse
percentual definido no art. 24 da LDB aplica-se apenas à educação básica, sendo que em
relação ao ensino superior o texto normativo apenas torna obrigatória a freqüência de
professores e alunos, sem definir um percentual, ainda que a prática administrativa de muitas
Instituições de Ensino Superior seja estipular em 75%.
Outro instrumento legal que merece menção é a Portaria do MEC nº
4.059/04, publicada no Diário Oficial da União de 13/12/2004, Seção 1, p. 34. Esta portaria
admitiu disciplinas semi-presenciais nos cursos superiores presenciais, tendo como parâmetro
não ultrapassarem 20% da carga horária total do curso (art. 1º, caput, §§ 1º e 2º)
Diante desta e demais normas que criam exceções à freqüência mínima
obrigatória e considerando o sistema constitucional brasileiro como um todo, não parece ser
razoável negar o direito fundamental à educação, concretizado pela não-reprovação em
virtude do descumprimento da assiduidade mínima estabelecida, quando referida assiduidade
se confronta com a crença religiosa do descanso semanal enquanto dia sagrado.
Daí, solução simples e recomendada é a encontrada pelo Instituto de
Estudos Superiores da Amazônia – IESAM340 ao estabelecer como modalidades de abono de
faltas aquela em que o aluno deva apresentar um relatório resumido sobre a matéria que foi
lecionada no dia da falta, sendo a justificativa apreciada pelo respectivo Diretor Acadêmico
da Graduação.
muitas situações a entidade organizadora da seleção marca a prova para o dia de sábado e na
maioria das vezes não oferece horário alternativo ao candidato.
Em relação ao acesso aos cargos públicos ocorre situação semelhante.
Mesmo que, em regra, os concursos tenham o domingo como principal dia para a realização
de provas, é comum também serem marcadas para o dia de sábado341, especialmente se a
seleção for composta por mais de uma etapa. Igualmente, nesta situação, os observadores do
sábado vêem cerceada sua cidadania em razão de convicção religiosa, sofrendo privação de
seu direito em participar da administração pública do país.
Se ultrapassada esta fase, ao ser possibilitado que o observador do sábado
participe da seleção pública e nesta ser aprovado, se ocorrer posterior curso de formação, os
cidadãos adeptos da crença religiosa do descanso sabático poderão encontrar novas
dificuldades, pois é comum acontecerem aulas durante o período sabático, sem oferecimento
de horário alternativo, e por conseqüência, resultando em reprovação por faltas.
Diante desses conflitos de interesses, o Judiciário tem sido constantemente
provocado a se manifestar sobre tais questões. A forma como têm sido decididos esses
conflitos é o que se verá no próximo item.
5.5 JURISPRUDÊNCIA
Não são muitos os casos que chegam aos tribunais superiores cuja lide
envolva o descanso semanal enquanto dia sagrado. Os poucos processos que chegaram a ser
decididos trataram justamente da questão da guarda e santificação do sétimo dia (sábado),
relacionada com as questões anteriormente mencionadas.
No entanto, em razão do crescimento do número de membros da Igreja
Adventista do 7º Dia e maior grau de conscientização destes a respeitos de seus direitos,
observa-se o aumento da procura pelo Judiciário para que este torne efetiva a Constituição
Federal referente à garantia de que ninguém será privado de direitos por motivo de crença
341
Existem cargos que quase como regra o seu processo seletivo ocorre no dia de sábado. Assim é que acontece
nas carreiras da Magistratura em todas as esferas, Receita Federal, Procuradores da República, Promotores
dentre outros. Como exemplo se menciona o recente concurso para Juiz de Direito Substituto do Estado do Piauí,
conforme edital CESPE nº 1, de 24/08/07, que estabeleceu os dias 20 (sábado) e 21 (domingo) de outubro de
2007 para realização de uma das etapas. De igual forma, o Edital ESAF nº 70 de 21/10/05, estabeleceu os dias 17
(sábado) e 18 (domingo) de dezembro de 2005 para realização da seleção pública para Auditor-Fiscal da Receita
Federal do Brasil. Registre que se não encontrada solução que harmonize os interesses envolvidos, tais funções
públicas estariam indiretamente vedadas para aqueles que professem a crença da santificação do sétimo dia,
estando os mesmos preliminarmente “excluídos” do certame.
122
religiosa (art. 5º, inc. VIII). Assim, aos poucos vem sendo criada jurisprudência a respeito do
assunto, não sendo, contudo, uniforme. Em verdade, deve ser dito que, se por um lado os
juízos de 1º grau são mais suscetíveis em conceder a tutela à liberdade religiosa na forma aqui
abordada, por outro, quando à lide chega às instâncias superiores (Tribunais), estes não o são.
Em contrapartida, atualmente constata-se uma sensível mudança de posicionamento destes
últimos, no sentido de valorizar a efetividade máxima dos direitos fundamentais, o que inclui
a liberdade religiosa.
Em regra, as demandas gravitam em torno das situações mencionadas em
tópico anterior, a saber, o caso do cidadão não poder concluir seus estudos pelo fato do
calendário acadêmico designar aulas para o dia de sábado sem proporcionar alternativa
diversa; a impossibilidade de se participar do processo seletivo (vestibular) para ingresso no
ensino superior; ou participar do processo seletivo (concursos públicos) para ingresso nos
quadros do funcionalismo estatal, quando marcadas para o sábado.
Em relação a essa última situação, os cidadãos têm recorrido ao Judiciário
solicitando que o mesmo determine a realização da prova após o pôr-do-sol (quando não
infringiria a crença da guarda do sábado) sob a condição de se apresentarem ao local da prova
no mesmo horário que os demais candidatos e lá permanecerem isolados e incomunicáveis até
o horário designado (o que normalmente ocorre às 18:00h), quando então poderiam fazer sua
prova com o mesmo tempo conferido aos demais candidatos.
Quanto ao primeiro caso, se pede que, não havendo outro horário disponível
na Instituição de Ensino para que o estudante curse a disciplina sem infringir sua consciência,
que se ofereça alternativa à sua presença em sala de aula, sendo designados exercícios
domiciliares ou outra forma de avaliação que a Instituição de Ensino julgue conveniente.
Não sendo encontrado um denominador comum entre as partes envolvidas,
o conflito resultará em duas saídas para os observadores do sábado: a aceitação da privação de
parte de seus direitos ou a violação do que sua crença religiosa lhes impõe. Essa privação de
diretos em virtude de crença religiosa, mesmo considerada voluntária, é incompatível com o
Estado Democrático. Este tem o dever constitucional de tornar possível a cada cidadão o livre
exercício de suas crenças religiosas (sem a privação de outros direitos) e ao mesmo tempo
criar alternativas para que todos gozem a plena cidadania.
342
STF. Rp-MC 1371/DF. Medida Cautelar na Representação. Relator: Ministro Rafael Mayer. Decisão do
plenário em 12/11/1986. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em 10: ago. 2007.
343
O autor da representação à Procuradoria da República foi um cidadão da comunidade israelita de São Paulo,
pleiteando a prorrogação do horário de votação até as vinte horas para que pudesse votar após o pôr-do-sol
daquele sábado.
344
STF. Rp-MC 1371/DF., op. cit. p. 61.
345
Ibidem, p. 65.
124
acima de tudo pelo fato do relator considerar não existir o fumus bonus iuris para que fosse
concedida a medida cautelar, haja vista entender que não há a mínima procedência quanto à
inconstitucionalidade do art. 144 do Código Eleitoral. Para o relator o que estaria em jogo
seria a chamada escusa de consciência, prevista no §6º do art. 153 da Constituição pretérita.
Deste modo, a obrigação de votar caberia a todos os cidadãos com as exclusões das objeções
de consciência, sendo que aqueles que fizerem esta alegação (objeção de consciência)
deveriam apresentar tal justificativa à Justiça Eleitoral para se exonerarem das
responsabilidades oriundas do descumprimento do dever eleitoral.
Por fim, ainda foi sustentado que a concessão da liminar, estendendo o
horário de votação, implicaria em prejuízos à regularidade do processo eleitoral. Deve ser
mencionado, conforme destaca o voto do Ministro Moreira Alves no mesmo processo, que a
decisão na antevéspera das eleições perturbaria o interesse coletivo em caso de concessão,
considerado o horário para a coleta de votos em todas as circunscrições eleitorais do Brasil.
A decisão do Supremo merece reparo em ao menos um aspecto. O voto não
é apenas um dever, mas também um direito. Cada voto é importante, inclusive já foi noticiado
pela imprensa que determinada Eleição foi decidida por um voto de diferença. Se continuasse
a possibilidade de coincidência do dia da Eleição346 com o sábado se estaria, indiretamente,
privando parte da população de escolher os seus representantes no governo, por não poderem
exercer seu direito ao voto neste dia. Portanto, apontar como solução a escusa de consciência
para não sofrerem outras penalidades é medida paliativa, mas que não impede a privação do
direito ao voto por motivo de crença religiosa.
A segunda oportunidade em que o STF se manifestou a respeito da guarda
do sábado foi na Suspensão de Segurança nº 2144, decidida monocraticamente pelo então
Presidente do STF, Ministro Marco Aurélio, no dia 18 de abril de 2002. Segundo notícia347 do
próprio site do STF, a Suspensão de Segurança (SS 2144) foi ajuizada pela União visando
cassar a decisão que concedeu tutela antecipada a um candidato de concurso público seguidor
da Igreja Adventista do Sétimo Dia. A decisão recorrida concedia ao candidato o direito de
fazer a prova em horário diverso do marcado, observando-se sua incomunicabilidade durante
o período dos exames. Sobre o pedido da União, o Ministro Marco Aurélio entendeu
346
A Constituição Federal de 1988, no art. 77, com redação dada pela EC 16/97, estabeleceu que as eleições
ocorressem no primeiro e ultimo domingo de outubro do ano eleitoral (primeiro e segundo turno
respectivamente).
347
STF. Notícias. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=5866
9&caixaBusca=N>. Acesso em: 29 abr. 2007.
125
348
Ibidem, p. 1.
349
STF. ADI 2806/RS. Relator: Ministro Ilmar Galvão. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/inteiroTeo
r/obterInteiroTeor.asp?numero=2806&classe=ADI>. Acesso em: 14 ago. 2007, p. 359.
126
350
MARTEL, Letícia de Campos Velho. “Laico, mas nem tanto”: cinco tópicos sobre liberdade religiosa e
laicidade estatal na jurisdição constitucional brasileira. Revista Jurídica. Brasília, v. 9, n. 86, p.11-57, ago./set.,
2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_86/Artigos/PDF/LeticiaCampos_rev
86.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2007, p. 35-36.
127
351
STF. ADI 2806/RS, op. cit., p. 367.
128
352
STJ. RMS 16107/PA; Sexta Turma; Rel Min. Paulo Medina; j. em 31/05/2005; DJ 01.08.2005 p. 555.
Disponível em: <www.stj.gov.br>. Acesso em: 10 ago. 2007. p. 1.
353
A incomunicabilidade requerida se caracteriza pelo fato do candidato se apresentar no local de prova no
horário comum aos demais concorrentes, ficando, contudo isolado e incomunicável até o horário em que sua
crença permitiria iniciar a prova, isto é, ao pôr-do-sol, tendo o mesmo tempo para respondê-la.
129
julgamento do mandamus, em razão de não ter comparecido à prova marcada para o sábado.
Ao analisar o Recurso Ordinário, o Ministro Paulo Medina invoca os
princípios aplicáveis ao concurso público como o democrático, o da eficiência, o da estrita
vinculação ao instrumento convocatório e o da isonomia. No entanto, só desenvolve os dois
últimos, informando sua aplicação ao caso concreto. Em relação ao princípio da vinculação ao
instrumento convocatório assevera o Ministro:
354
STJ. RMS 16107/PA, op. cit., p. 555.
355
MOTTA, Fabrício. Concursos Públicos e o Princípio da Vinculação ao Edital. Jus Navigandi, Teresina,
ano 10, n. 972, 28 fev. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8 035>. Acesso em:
25 nov. 2007, p. 4.
356
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 429.
130
convicção religiosa se vejam impedidos de realizar a prova no horário regular. Assim se estará
aplicando os princípios da ampla acessibilidade aos cargos públicos, da igualdade e o direito à
liberdade religiosa. Fabrício Motta ainda ressalta:
Por essa razão, torna-se, muitas vezes, necessário reconhecer essas diferenças e
conferir, até certo ponto, um tratamento diferenciado aos indivíduos, a fim de se
buscar a chamada igualdade material ou substancial, a única capaz de realizar a
verdadeira justiça.359
Contudo, a conclusão do seu raciocínio é que:
Por outro lado, se é a lei quem iguala os indivíduos, somente ela é capaz de
diferenciá-los, segundo os objetivos que persegue. Ante a inexistência de tratamento
discriminatório de candidatos, em razão de opção religiosa, em lei ou no presente
edital, entendo inexistir para o Recorrente direito líquido e certo de realizar as
provas discursivas fora da data e local, determinados, genérica e isonomicamente,
para todos os interessados.360
Nos termos acima transcritos, o Ministro Paulo Medina faz justamente o
contrário do que afirmara na citação anterior. Assim, sob o pressuposto da inexistência de lei
357
MOTTA, Fabrício, op. cit. p. 2.
358
O que exclui cerca de um milhão e quinhentos mil brasileiros que possuem a crença da santificação do
Sábado, como Adventistas do 7º Dia, Judeus, Batistas do 7º Dia etc., conforme dados estatísticos anteriormente
mencionados.
359
STJ. RMS 16107/PA, op. cit., p. 4.
360
Ibidem, loc. cit.
131
que regulamente a situação dos guardadores do sábado, o Ministro valoriza o edital em sua
formalidade e, por conseqüência, torna ineficaz o dispositivo constitucional que determina
que ninguém será privado de direitos em razão de crença religiosa. Não só esse dispositivo foi
desprezado, mas outros, como o que estabelece o princípio democrático ou o da isonomia.
Afirma Fabrício Motta que:
361
MOTTA, Fabrício. op.cit., p. 6.
132
362
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes apud MOTTA, Fabrício, op. cit., p.2.
133
363
MARTEL, Letícia de Campos Velho, op. cit., p. 37.
364
STJ. RMS 22.825/RO, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 26.06.2007, DJ
13.08.2007, p. 390.
134
candidata ao cargo de Policial Militar, após ser aprovada na primeira etapa do concurso
(prova objetiva), teve o seu teste de capacidade física marcado para um sábado. Por ser
observadora do sábado requereu administrativamente a alteração da data do exame, sendo que
tal pedido não foi analisado até a data do mesmo, o que inviabilizou o comparecimento da
candidata no referido exame. Tendo a Administração procedido com nova convocação para
outros candidatos, a ora recorrente impetrou na ocasião mandado de segurança, obtendo êxito
no pedido de tutela cautelar. Tendo realizado o exame em outra data que não no sábado a
candidata obteve aprovação nesta e em todas as demais etapas do concurso. Contudo, teve seu
requerimento de matrícula no curso de formação indeferido em razão do julgamento
improcedente do mérito do mandamus.
Uma das principais alegações da recorrente foi a perda do objeto da ação
mandamental, invocando a aplicação da “teoria do fato consumado”. Entretanto, mesmo com
o parecer favorável da Sub-Procuradoria Geral da República, o relator, Ministro Félix Fischer,
entendeu não ser aplicável essa teoria ao caso concreto, considerando que a recorrente deveria
ter diligenciado para impetrar o mandamus antes da data inicialmente prevista para realização
do teste. Por ultrapassar os limites do objeto de estudo deste trabalho monográfico não cabe
maior análise deste aspecto da decisão (aplicação da teoria do fato consumado).
Quanto ao mérito, o Ministro Félix Fischer se limita a transcrever os
fundamentos da decisão do Tribunal a quo e a afirmar que a mesma não merece reparos. Tais
fundamentos se resumem nas questões já analisadas na decisão anterior do STJ, cuja parte do
voto e a ementa são invocadas pelo relator.
Em razão dessas duas decisões, o Superior Tribunal de Justiça inicialmente
se manifesta desfavorável ao pleito dos observadores do sábado bíblico que não abriram mão
de sua crença religiosa para participarem de seleção para provimento de cargos ou empregos
públicos.
Oportunamente duas observações devem ser feitas. A primeira é que em
ambos os Recursos os recorrentes cometeram falhas processuais. O primeiro em não ter
requerido medida liminar e o segundo em ter impetrado o mandamus apenas depois da data
estipulada para realização do teste de capacidade física. A segunda observação é que nas duas
decisões os Ministros do STJ, como afirmara Letícia de Campos Velho Martel, sequer
consideraram a existência de restrições aos direitos fundamentais da liberdade religiosa e do
acesso aos cargos públicos. No entanto, a decisão de 2005 já vinha sendo usada pelos
tribunais inferiores como fundamento para a denegação dos pedidos requeridos pelos
135
365
TRF1. AMS 1997.01.00.006643-4/RO, Rel. Juiz João Carlos Mayer Soares (conv), Primeira Turma
Suplementar, DJ de 20/03/2003, p. 96.
366
TRF1. AMS 2005.42.00.001770-2/RR, Rel. Desembargador Federal Souza Prudente, Sexta Turma, DJ de
02/10/2006, p.136.
137
367
TRF4. AC 2003.70.02.005660-9, Terceira Turma, Relator do Acórdão Silvia Maria Gonçalves Goraieb, DJ
26/10/2005. Aparentemente a ementa foi redigida com erro quando fala em “prestar prova de concurso em
horário diverso dos demais candidatos”, pois o inteiro teor do acórdão em nenhum momento trata desta matéria,
se restringindo ao tema do “abono de faltas”.
138
368
TRF4. AMS 2003.70.00.017703-1, Terceira Turma, Relator Maria Lúcia Luz Leiria, D.E. 07/11/2007.
369
No mesmo sentido julgou o TRF 2ª Região no AMS 69012, Processo 2005.50.01.012623-0, UF ES, Sétima
Turma, Relator Juiz Sergio Schwaitzer, DJU 08/10/2007.
370
TJPR. AC 0431105-1, Sétima Câmara Cível. Foz do Iguaçu. Rel.: Juiz Conv. Edison de Oliveira Macedo
Filho - Unanime - J. 30.10.2007.
371
TRF1. AMS nº 1000401375, Rel. Souza Prudente TRF-1ª Região Julg. 28/09/2001.
139
372
Idem. AMS nº 96.01.04890-1/DF, Rel. Juiz Lourival Gonçalves De Oliveira (conv), Primeira Turma, DJ de
15/05/2000.
373
TJMG. AMS nº 1.0024.04.521642-1/001 – Belo Horizonte, Relator: Des. Hugo Bengtsson, Publ, em
26/08/2005.
140
374
TRF2. AMS 47217, Proc. Nº 2001.51.01.021679-2, Quinta Turma. Relator Juiz Franca Neto, DJU
13/10/2004, p. 186.
375
Idem. AG 131489, Proc. Nº 2004.02.01.011054-0, Sexta Turma. Relator Juiz Fernando Marques, DJU
18/04/2005, p. 293.
141
376
TRF3. AMS 240650, Proc. Nº: 2002.61.00.000026-5, Terceira Turma, Relator Juiz Renato Barth, DJU
22/06/2006.
377
TJPR. MS 0132338-8, IV Gru. de C.Cíveis - Curitiba - Rel.: Des. Celso Rotoli de Macedo - Por maioria - J.
27/03/2003.
378
TJRO. Apelação Cível, nº 10000120050144439, Rel. Des. Renato Martins Mimessi, J. 17/04/2007.
142
379
TRF4. REO 2002.70.00.069053-2, Terceira Turma, Relatora: Des. Silvia Maria Gonçalves Goraieb, DJ
14/01/2004.
380
Idem. AMS 2004.72.00.017119-0, Terceira Turma, Relatora: Des. Silvia Maria Gonçalves Goraieb, DJ
21/09/2005.
381
TRF4. REO 2002.70.00.068143-9, Terceira Turma, Relator Luiz Carlos de Castro Lugon, DJ 11/08/2004.
143
382
Idem. REO 9504092560/RS, Quarta Turma, Relatora.: Juíza Silvia Goraieb, Quarta Turma, DJ:24/01/1996,
383
Idem. AMS 2006.70.00.028865-6, Quarta Turma, Relator Marga Inge Barth Tessler, D.E. 20/08/2007
384
TRF. REO 90.01.01978-1/GO, Relator Juiz Hércules Quasímodo, Segunda Turma, DJ 17/12/1990. p.30767.
144
media liminar, o que ocorre in casu. Logo, neste pormenor, não merece censura a
decisão recorrida. III – Agravo de Instrumento desprovido.385
Oportuno registrar que o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em
acórdão publicado em 25/01/2007, a despeito de não reconhecer o direito de se prestar prova
em horário distinto, aplicou a teoria do fato consumado por considerar inviável a
desconstituição dos efeitos da tutela que tinha sido antecipada.
torna oportuna, haja vista a freqüência com que este postulado é invocado nas decisões
judiciais, ora relacionadas, sem maiores esclarecimentos de sua aplicabilidade ao caso
concreto.
Considerando que alguns defendem a idéia de Estado como uma espécie de
“Midas” – aquele que, em tudo que toca se transforma em interesse público – cumpre
questionar a entronização do interesse público num grau hierárquico superior àquele ocupado
pelos direitos e liberdades individuais. A doutrina não é uniforme e o tema sempre gera
longas discussões (o que não é cabível se estender aqui) em razão da expressão “interesse
público” ser um conceito indeterminado, plurissignificativo, de difícil – mas não impossível –
definição.
Dois renomados juristas, a seguir citados, delineiam com primor e síntese os
contornos do “interesse público” que tão veementemente costuma ser alegado pela
Administração Pública e mesmo por parte do Judiciário. Primeiramente Marçal Justen Filho
apresenta uma análise do que não é o “interesse público”, in verbis:
O interesse público primário é a razão de ser do Estado, e sintetiza-se nos fins que
cabe a ele promover: justiça, segurança e bem-estar social. Estes são os interesses de
toda a sociedade. O interesse público secundário é o da pessoa jurídica de direito
público que seja parte em uma determinada relação jurídica – quer se trate da União,
do Estado-membro, do Município ou das suas autarquias. Em ampla medida, pode
ser identificado como o interesse do erário, que é o de maximizar a arrecadação e
388
JUSTEN FILHO, Marçal apud BORGES, Alice Gonzalez. Supremacia do Interesse Público: “Desconstrução
ou Reconstrução?”. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, nº. 15,
jan/fev/mar de 2007. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 10 jun. 2007, p. 5-6.
146
minimizar as despesas.
[...] essa distinção não é estranha à ordem jurídica brasileira. É dela que decorre, por
exemplo, a conformação constitucional das esferas de atuação do Ministério Público
e da Advocacia Pública. Ao primeiro cabe a defesa do interesse público primário; à
segunda, a do interesse público secundário. Aliás, a separação clara dessas duas
esferas foi uma importante inovação da Constituição Federal de 1988.
[...]
O interesse público secundário não é, obviamente, desimportante. Observe-se o
exemplo do erário. Os recursos financeiros provêem os meios para a realização do
interesse primário, e não é possível prescindir deles. Sem recursos adequados, o
Estado não tem capacidade de promover investimentos sociais nem de prestar de
maneira adequada os serviços públicos que lhe tocam. Mas, naturalmente, em
nenhuma hipótese será legítimo sacrificar o interesse público primário com o
objetivo de satisfazer o secundário. A inversão da prioridade seria patente, e
nenhuma lógica razoável poderia sustentá-la.
O interesse público secundário – i.e, o da pessoa jurídica de direito público, o do
erário – jamais desfrutará de supremacia a priori e abstrata em face do interesse
particular.389
O princípio da “supremacia do interesse público” é apenas um dos exemplos
de conceitos jurídicos que foram invocados na maior parte dos acórdãos analisados sem que
houvesse maiores discussões sobre o seu conteúdo. De igual modo ocorreu com o princípio da
laicidade – separação entre Igreja e Estado. Os julgadores têm reputado a laicidade apenas
como a neutralidade formal, isto é, a impossibilidade de o Estado impor prejuízos ou conceder
benefícios em virtude da afiliação religiosa. Contudo, como explanado no Capítulo 3, o
princípio do Estado laico não significa a indiferença da Administração Pública em relação ao
fato religioso de seus cidadãos. Letícia de Campos Velho Martel, a respeito da laicidade
estatal, acrescenta:
389
BARROSO, Luís Roberto apud BORGES, Alice Gonzalez, op. cit., p.6-7.
390
MARTEL, Letícia de Campos Velho. “Laico, mas nem tanto”: cinco tópicos sobre liberdade religiosa e
laicidade estatal na jurisdição constitucional brasileira. Revista Jurídica. Brasília, v. 9, n. 86, p.11-57, ago./set.,
2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_86/Artigos/PDF/LeticiaCampos_rev
86.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2007, p. 47.
147
Essa constatação não autoriza sustentar que os magistrados devem endossar uma ou
outra postura teórica nas exposição das razões de decidir. Trivial dizer que os
operadores do direito podem filiar-se às teses jurídicas e filosóficas mais diversas,
desde que possíveis segundo a lógica constitucional vigente. Quer-se simplesmente
salientar que quando se anuncia um método de exame para o caso, sua trilha deve
ser seguida, sob pena de incorrer-se no que se pode denominar déficit de
fundamentação.391
Outro aspecto a ser observado nas decisões aqui analisadas, como também
ressaltou Letícia de Campos Velho Martel392, é a falta de um padrão interpretativo, ficando
claro que, por vezes, no mesmo Tribunal – como no TRF da 4ª Região, foram proferidos
acórdãos radicalmente distintos diante de situações idênticas. O mesmo pode ser dito em
relação aos acórdãos de diferentes Tribunais.
391
MARTEL, Letícia de Campos Velho, op. cit., p. 45.
392
Ibidem, loc. cit.
148
relacionando valores que amparam o direito à liberdade religiosa, como a cidadania (inc. II), a
dignidade da pessoa humana (inc. III) e o pluralismo político (inc. V). No art. 3º está
determinado que dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil estão o
de “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, conforme inciso I, e o de “promover o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação”, conforme inciso IV.
Assim é que no caput do artigo 5º se estabeleceu o que se chama de
princípio da igualdade ao dispor que “todos são iguais perante a lei”, além de garantir a
inviolabilidade desse direito e do direito à liberdade, inclusive à liberdade religiosa. Para não
restar dúvidas sobre isto, o legislador constitucional consagrou no mesmo artigo a liberdade
de pensamento (inc. IV), a liberdade de consciência e crença (inc. VI) e como acima dito o
direito à objeção ou escusa de consciência (inc. VIII).
Nesse sentido, o direito à crença do descanso semanal enquanto dia sagrado
está amplamente protegido pela CF/1988 por se tratar de uma crença religiosa em que se
entende o dever de adoração à divindade, estando o Estado brasileiro pautado no regime
democrático, objetivando uma sociedade livre e a promoção do bem de todos sem qualquer
preconceito. Ademais, não se pode olvidar que dentre os seus fundamentos se encontram a
cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político.
Infelizmente, conforme visto, não é esse o entendimento de parte da
jurisprudência nem de boa parte da Administração Pública brasileira. Entendem que o
interesse do indivíduo não deve se sobrepor aos interesses do Estado e que por inexistir norma
especifica que regulamente o direito ao repouso semanal enquanto dia sagrado, este não
encontra guarida no ordenamento jurídico pátrio. Ressalte-se, como exemplo, que este é o
entendimento do Ministério da Educação e Cultura, conforme os pareceres anteriormente
analisados.
Existe também um aspecto peculiar a ser registrado. Letícia de Campos
Velho Martel fez um levantamento jurisprudencial sobre o tema, e constatou que em cerca de
93,10% dos casos393 os postulantes eram membros da mesma Instituição Religiosa, a saber,
Igreja Adventista do Sétimo Dia394. A autora então conclui que:
393
MARTEL, Letícia de Campos Velho, op. cit., p. 47.
394
Registre-se mais uma vez que, segundo informação do Relatório Estatístico da Secretaria da Divisão Sul-
Americana da Igreja Adventista do 7º Dia, no ano de 2006, a Igreja teria alcançado o número de 1.377.764
membros batizados no Brasil. Disponível em: <http://www.igrejaadventista.org.br/relatorio/dsa_3_2007.doc>.
Acesso em: 26 ago 2007.
149
as normas atinentes à educação pública e aos concursos públicos, ainda que editadas
sem qualquer intento discriminatório (neutras na origem ou prima facie), possuem
efeitos colaterais sobre uma minoria religiosa específica. Novamente, disso não se
pode extrair que a minoria possua um direito fundamental preponderante, mas há
motivos suficientes para aproximar-se do caso com um olhar ciumento,
assegurando-se de que o impacto sobre os interesses da minoria não se dá
exclusivamente em função de um interesse administrativo secundário ou de direitos
de terceiros que facilmente poderiam ser salvaguardados de outros modos. Trata-se
de proporcionar a grupos excluídos uma arena de participação, apta a desobstruir
canais democráticos e a evitar que pré-concepções compartilhadas atinjam núcleos
vitais da autonomia e da construção da identidade dos membros de uma sociedade
democrática.395
Na tentativa de contornar esse problema o então Deputado Federal Silas
Brasileiro apresentou na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 5 de 1999396 em que se
estabelece no art. 1º que “as provas de concursos públicos para ingresso na Administração
Pública federal direta, indireta ou fundacional, realizar-se-ão aos domingos”. Em sua
justificativa para tal projeto esclarece que “objetiva impedir a realização de concursos
públicos aos sábados, pois tal procedimento tem excluído muitos cidadãos que, por motivo de
crença religiosa, são impedidos de praticar determinadas atividades nesse dia da semana”,
considerando também que tal medida não causaria transtornos para a Administração Pública.
Em 31 de outubro de 2000, depois de apensados outros projetos que
tratavam do mesmo assunto (Projetos de lei nº 1413/1999, 1414/1999, 1427/1999, 1807/1999,
2176/1999 e 2177/1999), o Dep. Federal Babá, relator da matéria na Comissão de Trabalho,
de Administração e Serviço Público (CTASP), emitiu parecer favorável ao mesmo tempo em
que apresentou substitutivo ao Projeto de Lei nº 5/1999 e seus apensos nos seguintes termos:
395
MARTEL, Letícia de Campos Velho, op. cit., p. 47-48.
396
BRASIL. Projeto de Lei 5/1999. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/MostrarIntegra.asp?CodTe
or=20421>. Acesso em: 12 dez. 2006.
150
397
BRASIL. Projeto de Lei 5/1999. Substitutivo apresentado em 23 nov. 2000. Disponível em: <http://www.ca
mara.gov.br/sileg/MostrarIntegra.asp?CodTeor=65448>. Acesso em: 12 dez. 2006.
398
BRASIL. Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 5/1999. Parecer
apresentado em 20 mar. 2002. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/MostrarIntegra.asp?CodTeor=1
99794>. Acesso em: 11 jun. 2007.
151
Entretanto, mesmo estando com status “pronto para a pauta”, se constata no relatório de
tramitação disponível no site da Câmara dos Deputados399 que o projeto foi arquivado. Não há
registro de ordem de arquivamento, mas desde 06 de fevereiro de 2007 até o momento
constam 3 (três) pedidos de desarquivamento, sendo todos indeferidos com o fundamento de
os pedidos não atenderem ao art. 105, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados400.
Contudo, inexplicável é que o mencionado projeto não deveria estar arquivado, pois tendo
pareceres favoráveis de todas as comissões cabíveis, se enquadraria na exceção prevista no
citado art. 105, caput e inciso I, do Regimento Interno.
Enquanto o Congresso Nacional não adota providências visando cumprir as
normas constitucionais mencionadas, outros entes da federação, dentro de sua esfera de
competência, têm elaborado normas que de alguma forma buscam garantir a dignidade do
cidadão, não o privando de direitos em razão de sua religião escolhida. Assim é que
legislaram alguns Municípios401 como Porto Alegre (RS), Manaus (AM), Feira de Santana
(BA), Lins (SP) e São José do Rio Preto (SP), e Estados402 como Acre, Alagoas, Amazonas,
Espírito Santo, Maranhão, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São
Paulo e Sergipe, além do Distrito Federal.
Estas normas foram editadas tanto na forma de leis ordinárias como também
na forma de emendas à Constituição do Estado. Quanto ao conteúdo, algumas são idênticas ao
Projeto de Lei nº 5/1999 – conforme substitutivo do Deputado Federal Babá – enquanto
outras, de forma simples, apenas vedam a realização de concursos públicos no sábado, não
tratando do “abono de falta” em razão da freqüência mínima obrigatória e das aulas marcadas
para o sábado.
Destarte, a despeito da iniciativa dos legisladores estaduais e municipais,
algumas destas leis estão sendo questionadas no Supremo Tribunal Federal em relação à
constitucionalidade das mesmas. Assim é o caso da Lei Estadual nº 6.667/2001 do Espírito
399
BRASIL. Câmara dos Deputados. Tramitação de Preposição. Projeto de Lei nº 5/1999. Disponível em:
<http://www2.camara.gov.br/proposicoes/loadFrame.html?link=http://www.camara.gov.br/internet/sileg/prop_li
sta.asp?fMode=1&btnPesquisar=OK&Ano=1999&Numero=5&sigla=PL>. Acesso em: 30 nov. 2007.
400
Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas
à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com
pareceres ou sem eles, salvo as: I - com pareceres favoráveis de todas as Comissões.
401
Leis Municipais nos. 10.010/2006 (Porto Alegre), 1.014/2006 (Manaus), 2.657/2006 (Feira de Santana), 4.194/
1999 (Lins) e 7.146/1998 (São José do Rio Preto). Ver “Anexo A”.
402
Leis Estaduais nos. 6.334/2002 (Alagoas), 3.072/2006 (Amazonas), 6.667/2001 (Espírito Santo), 268/2002
(Maranhão), 6.140/1998 e 6.468/2002 (Pará), 11.662/1997 (Paraná), 11.830/2002 (Rio Grande do Sul),
1.631/2006 e 1.012/2001 (Rondônia), 11.225/1999 (Santa Catarina) e 12.142/2005 (São Paulo). Constituições
dos Estados de Sergipe (art. 281 – incluído pela Emenda Constitucional nº 21/2000) e do Acre (art. 27, inc XXII
e XXIII – alterada pela Emenda Constitucional nº 6/1992); Lei Distrital nº 1.784/1997 (Distrito Federal).
152
Santo, questionada pela ADI 3118, da Lei Estadual nº 12.142 de São Paulo, pela ADI 3714 e
das Leis Estaduais nº 6.140/1998 e nº 6.468/2002 do Pará, pela ADI 3901. A Lei Estadual nº
11.830/2002 do Rio Grande do Sul que foi questionada pela ADI 2806, como anteriormente
visto, já teve o seu mérito julgado, sendo considerada formalmente inconstitucional, dentre
outras razões por vício de iniciativa. O STF não se manifestou a respeito do mérito da lei,
salvo o voto isolado do Ministro Sepúlveda Pertence.
Destarte, se a questão for analisada pelos mesmos parâmetros e sem maiores
discussões que vislumbrem novo entendimento da Suprema Corte a respeito do aspecto
formal das leis, se visualiza que referidas ADIs terão o mesmo fim que teve a que questionou
a lei gaúcha.
153
6 CONCLUSÃO
Constituição Federal de 1988 não se torne para eles apenas letra no papel? Como então
proporcionar a igualdade de oportunidades aos mesmos indivíduos, de modo a torná-los
simplesmente “cidadãos”, iguais aos demais? Como dar eficácia às normas constitucionais
que tratam dos direitos fundamentais? As respostas a essas indagações, objeto deste trabalho,
foram apresentadas no decorrer do mesmo, quer pela demonstração de iniciativas legislativas
de alguns Estados e Municípios, quer pelas decisões judiciais favoráveis (ainda que em
pequeno número).
Para o problema da freqüência mínima obrigatória parece ser apropriada a
medida proposta em que a Instituição de Ensino ofereça atividade alternativa, como resultado
da aplicação do abono de faltas mediante compensação. Quanto aos vestibulares e concursos
públicos, se entende cabível o isolamento e a incomunicabilidade do candidato com o fim de
resguardar o sigilo das provas e a igualdade, possibilitando que os mesmos realizem a prova
em horário alternativo, isto é, após o pôr-do-sol do sábado.
Desse modo, com o uso de técnicas de ponderação constitucional é possível
observar se a medida restritiva ou concessiva respeita os requisitos constitucionais da
necessidade, proporcionalidade e garantia do núcleo essencial. Por conseqüência, se pode
concluir, no caso concreto, se a medida estatal que restrinja ou garanta a liberdade do cidadão
foi justa, legítima e constitucional.
Quando aplicadas essas soluções positivas (a despeito da inexistência de um
padrão decisório e da alta freqüência de decisões díspares) o Estado brasileiro faz valer a
denominação que adota de “Estado Democrático de Direito”, expressão na qual estão
presentes os componentes que reforçam o significado de liberdade enquanto liberdade-
autonomia e liberdade-participação. Assim, a República Federativa do Brasil concretiza o
direito à liberdade religiosa e o pleno exercício da cidadania na vida de todo o seu povo,
independente do credo adotado, mostrando que sua Constituição faz jus ao título de “Cidadã”.
157
REFERÊNCIAS
BIAL, Pedro e BUENO, Eduardo. Um Reino sem Mulheres. Disponível em: <http://fantasti
co.globo.com /Jornalismo/Fantastico/0,,AA1643870-9546,00.html> Acesso em: 02 out. 2007.
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ANEXOS
166
Parágrafo único. A instituição de ensino fixará data alternativa para a realização da exigência
acadêmica.
Art. 3º Para o gozo dos direitos constantes nesta Lei, os educandos ou responsáveis declararão, na
ocasião da matrícula ou em período hábil definido pelos órgãos responsáveis do Executivo
Municipal, a opção religiosa do educando.
Art. 1º Fica vedada, no município de Lins, a realização, aos sábados, de provas de concursos
públicos para a admissão de pessoal para a administração direta, indireta e funcional do Município.
Art. 2º Fica rede municipal de ensino, para os que alegarem imperativo de consciência,
entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa.
Art. 3º Fica vedada a Convocação para o trabalho nas sextas-feiras à noite e nos sábados de
qualquer servidor municipal que alegar imperativo de consciência, entendendo-se como tal o
decorrente de crença religiosa.
4 – SÃO JOSÉ DO RIO PRETO (SP) – Lei Municipal nº 7.146, de 10 de junho de 1998.
Art. 1º Fica vedada a realização, aos sábados, de provas de concurso para admissão de pessoal para
a Administração direta, indireta e fundacional do Município.
167
Art. 1° Fica assegurado, nos termos do art. 5º, VI, da Constituição Federal, o direito do cidadão ao
Dia de Repouso de Caráter Religioso, aos professantes das diversas religiões, conforme determinar
as suas consciências.
Parágrafo Único. O reconhecimento desse direito dar-se-á mediante declaração firmada pelo
ministro da organização religiosa, que comprove a existência de vínculo com a respectiva
entidade.
Art. 3° Quando se configurar inviável a promoção dos eventos de que trata esta Lei, a entidade
organizadora poderá realizá-los aos sábados, devendo alternativamente permitir ao candidato que
alegar e provar convicção religiosa, a realização das provas após as 18:00 horas destes mesmos
dias.
Parágrafo Único. Para cumprimento do caput deste artigo, o candidato ficará incomunicável
desde o horário do início da realização do concurso ou do exame vestibular até o início da
realização das provas estabelecido previamente para ele.
Art. 1º As provas de concurso público ou processo seletivo para admissão de pessoal para a
administração direta, indireta ou fundacional no Estado do Amazonas e os exames vestibulares das
universidades públicas e privadas serão realizados no período de domingo a sexta-feira, no horário
compreendido entre às 08:00 horas e 18:00 horas.
§1º Quando inviável a promoção de certames em conformidade com o "caput" .deste artigo, a
entidade organizadora poderá organizá-los no sábado, devendo permitir ao candidato que
alegar motivo de crença religiosa a possibilidade de faze-lo após às 18:00 horas.
168
§2º A permissão de que trata o parágrafo anterior deverá ser precedida de requerimento
assinado pelo próprio interessado dirigido à entidade organizadora, até 72 (setenta e duas)
horas antes do horário de início do certame, sendo imprescindível que o beneficiado apresente
declaração da congregação religiosa a que pertence, com firma reconhecida, atestando sua
condição de membro da igreja.
§3° Na hipótese do parágrafo primeiro deste artigo, o candidato ficará incomunicável, em local
previamente definido pela entidade organizadora, desde o horário regular previsto para o
exame até o início do horário alternativo estabelecido.
Art. 2º - Aos adventistas de todo o Estado que se inscreverem em concursos públicos estaduais
marcados para os dias e horários citados no Parágrafo primeiro do artigo anterior será facultado o
direito de prestar os exames em outras datas previamente estabelecidas.
Parágrafo único. A condição de adventista será comprovada por meio de declaração da igreja onde
a pessoa é congregada.
§ 1º - As instituições de ensino das redes pública e privada ficam obrigadas a abonar a falta de
alunos que, por força de suas crenças religiosas, não possam freqüentar aulas e atividades
acadêmicas realizadas no período de guarda religiosa.
§ 2º - Poderá o aluno, pelos mesmos motivos previstos neste artigo, requerer à instituição que, em
substituição à sua presença e para fins de obtenção de freqüência, lhe seja assegurado,
alternativamente, o direito de apresentação de trabalho escrito ou qualquer outra atividade de
pesquisa acadêmica, observados os parâmetros curriculares e planos de aula do dia de sua
ausência.
§ 3º - O requerimento de que trata este artigo será obrigatoriamente deferido pelo estabelecimento
de ensino, sendo imprescindível que o beneficiado apresente declaração da congregação religiosa a
que pertence, com firma reconhecida, atestando sua condição de membro da Igreja.
Art. 4º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
§ 1º As disposições contidas na presente Lei obrigam qualquer pessoa jurídica de direito privado.
§ 2º Fica o Poder Executivo autorizado a estender os efeitos da presente Lei aos departamentos,
secretarias, divisões, autarquias, fundações, empresas públicas ou outros órgãos da administração
pública direta e indireta.
§ 3º As prescrições desta Lei que afetem qualquer entidade pública somente terão eficácia com o
ato do Governador que estender os efeitos desta Lei aos órgãos públicos, na forma do parágrafo
anterior.
Art. 2º A realização de concursos públicos, assim como o processo seletivo nas instituições de
ensino médio e exames vestibulares em instituições de ensino superior serão realizados no período
de segunda a sexta-feira, entre 8h (oito) e 18h (dezoito) horas.
403
Lei objeto da ADI nº 3118, STF.
169
Art. 3º É obrigatório o abono de faltas de alunos que, motivados por liberdade de consciência e de
convicção religiosa, não freqüentarem as aulas ou outras atividades acadêmicas realizadas nos dias
e horários instituídos pelas entidades religiosas livremente escolhidas.
§ 1º Para beneficiar-se do disposto neste artigo é imprescindível que o aluno apresente à instituição
de ensino uma declaração da congregação religiosa a que pertence, comprovando sua condição de
membro da mesma.
§ 2º A instituição de ensino poderá fixar dias ou períodos alternativos para a realização das
atividades acadêmicas perdidas pelo aluno que fizer uso do direito prescrito neste artigo.
Art. 4º Os trabalhadores que prestarem concurso público ou exame vestibular em dias e horários
coincidentes com seu horário de trabalho terão consideradas suas faltas como justificadas,
ficando a critério do empregador aboná-las ou exigir a compensação de horas.
Parágrafo único - Esta Lei incidirá sobre todas as instituições de ensino, tanto da rede pública
quanto as instituições da rede privada.
Art. 2° - As instituições de ensino, tanto da rede pública quanto da rede privada, em todo o Estado,
abonarão as faltas de alunos que, por motivo religioso comprovado, não possam freqüentar aulas e
atividades acadêmicas no período compreendido entre às 18:00 horas das sextas-feiras e 18:00
horas de sábados.
§ 1° - Os alunos cujas crenças religiosas incidirem no previsto neste artigo comprovarão, no ato da
matrícula, essa condição através de declaração da congregação religiosa a qual pertençam.
Art. 1º. A ementa da Lei nº 6.140, de 24 de junho de 1998, passa a vigorar com as seguinte
redação:
404
Leis objeto da ADI nº 3901, STF.
170
"Determina o período para a realização das provas de concursos públicos e exames vestibulares
no Estado do Pará e dá outras providências."
Art. 2º. O caput do art. 1º da Lei nº 6.140, de 24 de junho de 1998, passa a vigorar com a seguinte
redação:
"Art. 1º. As provas de concursos públicos e exames vestibulares no Estado do Pará serão
realizadas no período compreendido entre às 18:00 horas de sábado e às 18:00 horas da sexta-
feira seguinte."
Art. 2º Para o aluno beneficiar-se desta Lei deverá apresentar ao estabelecimento de ensino,
declaração assinada pelo responsável da congregação religiosa a que pertence, com firma
reconhecida, atestando a sua condição de membro regular da igreja e o dia da semana que deve se
abster de freqüentar aulas.
Art. 4º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Art. 1º - O processo seletivo para investidura de cargo, função ou emprego, nas estruturas do Poder
Público Estadual, na administração direta e indireta, das funções executiva, legislativa e judiciária,
e, ainda, as avaliações de desempenho funcional e outras similares, realizar-se-ão com respeito às
crenças religiosas da pessoa, propiciando a observância do dia de guarda e descanso, celebração de
festas e cerimônias em conformidade com a doutrina de sua religião ou convicção religiosa.
§ 2º - Considera-se primeiro horário, para efeitos desta lei, à luz das convicções religiosas dos
judeus ortodoxos, adventistas do sétimo dia, entre outras análogas, o término do interregno dos
pores-do-sol de sexta-feira a sábado.
Art. 2º - É assegurado ao aluno, por motivo de crença religiosa, requerer à instituição educacional
em que estiver regularmente matriculado, seja ela pública ou privada, e de qualquer nível, que lhe
sejam aplicadas provas e trabalhos em dias não coincidentes com o período de guarda religiosa.
405
Declarada inconstitucional em 2003 pelo STF, em razão de vicio formal na iniciativa - ADI 2806.
171
§ 1º - A instituição de ensino fixará data alternativa para a realização das atividades estudantis,
que deverá coincidir com o período ou turno em que o aluno estiver matriculado, contando com
sua expressa anuência, se em turno diferente daquele.
§ 2º - Para o gozo dos direitos dispostos neste artigo, o aluno comprovará, preferencialmente,
no ato de matrícula, esta condição de crença religiosa, através de declaração da instituição
religiosa a que pertença.
§ 3º - O aluno, caso venha a se congregar a uma instituição religiosa no decorrer do ano letivo,
gozará dos mesmos direitos, com a apresentação de declaração após a sua congregação.
Art. 3º - Os servidores públicos civis de qualquer das funções que compõem a estrutura do Estado,
da administração direta e indireta, gozarão do repouso semanal remunerado preferencialmente aos
domingos, ou em outro dia da semana, a requerimento do servidor, por motivo de crença religiosa,
desde que compense a carga horária exigida pelo Estatuto e Regime Único dos Servidores
Públicos Civis do Estado do Rio Grande do Sul ou legislação especial.
Art. 2º Os estabelecimentos de ensino da rede pública e privada abonarão as faltas de alunos que,
por motivo de crença religiosa, estejam impedidos de freqüentar aulas das 18 (dezoito) horas de
sexta-feira até as 18 (dezoito) horas do sábado.
406
No site da Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia consta a observação que, a respeito desta lei,
tramita a ADIN N º 01.004578/3. Não sendo localizada tal ação no site do STF, presume-se que tramita no
Tribunal de Justiça do referido Estado.
172
§1º Quando inviável a promoção dos certames em conformidade com o caput, a entidade
organizadora poderá realizá-los no sábado devendo permitir ao candidato, que alegue e
comprove convicção religiosa, a alternativa da realização das provas depois das dezoito horas.
§2º Na hipótese prevista neste artigo, o estabelecimento exigirá do aluno a realização de tarefas
alternativas que supram as faltas abonadas
Art. 1º As provas de concurso público ou processo seletivo para provimento de cargos públicos e
os exames vestibulares das universidades públicas e privadas serão realizados no período de
domingo a sexta -feira, no horário compreendido entre as 8h e as 18h.
§2º A permissão de que trata o parágrafo anterior deverá ser precedida de requerimento, assinado
pelo próprio interessado, dirigido à entidade organizadora, até 72 (setenta e duas) horas antes do
horário de início certame.
§3º Na hipótese do § 1º, o candidato ficará incomunicável desde o horário regular previsto para os
exames até o início do horário alternativo para ele estabelecido previamente.
§1º Poderá o aluno, pelos mesmos motivos previstos neste artigo, requerer à escola que, em
substituição à sua presença na sala de aula, e para fins de obtenção de freqüência, seja -lhe
assegurada, alternativamente, a apresentação de trabalho escrito ou qualquer outra atividade de
pesquisa acadêmica, determinados pelo estabelecimento de ensino, observados os parâmetros
curriculares e plano de aula do dia de sua ausência.
407
Lei objeto da ADI nº 3714, STF.
173
§2º Os requerimentos de que trata este artigo serão obrigatoriamente deferidos pelo
estabelecimento de ensino.
Art. 3º As despesas decorrentes da execução desta lei correrão à conta das dotações orçamentárias
próprias, suplementadas se necessário.
Art. 281. Fica proibida a realização de concursos públicos e vestibulares aos sábados. (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 21 de 2000)
Art. 27. A administração pública direta, indireta ou fundacional dos Poderes do Estado e de seus
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
mais aos seguintes:
§1º quando inviável a promoção dos certames em conformidade com o caput, a entidade
organizadora poderá realizá-los no Sábado, devendo permitir ao candidato, que alegue e prove
convicção religiosa a alternativa de realização das provas após as dezoito horas."
§2º na hipótese do parágrafo anterior, o candidato ficará incomunicável desde o horário regular
previsto para os exames até o início do horário alternativo para ele estabelecido previamente.
§2º Na hipótese prevista neste artigo, o Estabelecimento exigirá do aluno a realização de tarefa
alternativa que supra a falta abonada.
“Quase todas as igrejas no mundo celebram os sagrados mistérios [da Ceia do Senhor] no sábado de
cada semana.” Socrates Scholasticus, Eccl. History.
Século I
“Então a semente espiritual de Abraão [os cristãos] fugiram para Pela, do outro lado do rio Jordão,
onde encontraram um lugar de refúgio seguro, e assim puderam servir a seu Mestre e guardar o Seu
sábado.” Eusebius’s Ecclesiastical History
Filo, filósofo e historiador, afirma que o sábado correspondia ao sétimo dia da semana.
Século II
“Os cristãos primitivos tinham grande veneração pelo sábado, e dedicavam o dia para devoção e
sermões(...) Eles receberam essa prática dos apóstolos, conforme vários escritos para esse fim.” D.
T. H. Morer (Church of England), Dialogues on the Lord’s Day, Londres, 1701.
Século II,
III e IV
“Desde o tempo dos apóstolos até o Concílio de Laodicéia [364 d.C.), a sagrada observância do
sábado dos judeus persistiu, como pode ser comprovado por muitos autores, não obstante o voto
contrário do concílio.” John Ley, Sunday A Sabbath, Londres, 1640
Século III
“Pelo ano 225 d.C., havia várias dioceses ou associações da Igreja Oriental, que guardavam o
sábado, desde a Palestina até a Índia.” Mingana Early Spread of Christianity
“Na igreja de Milão (Itália), o sábado era tido em alta consideração. Não que as igrejas do Oriente
ou qualquer outra das restantes que observavam esse dia, fossem inclinadas ao judaísmo, mas elas
se reuniam no sábado para adorar a Jesus, o Senhor do sábado.” Dr. Peter Heylyn, History of the
Sabbath, Londres, 1636
“Por mais de 17 séculos a Igreja da Abissínia continuou a santificar o sábado como o dia sagrado do
quarto mandamento.” Ambrósio de Morbius
Século IV
“Ambrósio, famoso bispo de Milão, disse que quando ele estava em Milão, guardou o sábado, mas
quando passou a morar em Roma, observou o domingo. Isso deu origem ao provérbio: ‘Quando
você está em Roma, faça como Roma faz.’” Heylyn, History of the Sabbath
Pérsia 335-375 d.C. Eles [os cristãos] desprezam nosso deus do Sol.
“Eles [os cristãos] desprezam nosso deus do Sol. Zoroastro, o venerado fundador de nossas crenças
divinas, não instituiu o domingo mil anos antes em honra ao Sol cancelando o sábado do Antigo
Testamento? Os cristãos, contudo, realizam suas cerimônias religiosas no sábado.” O’Leary, The
Syriac Church and Fathers
“Agostinho [cujo testemunho é mais incisivo pelo fato de ter sido um devotado observador do
Século V
domingo] mostra... que o sábado era observado em seus dias ‘na maior parte do mundo cristão’.”
Nicene and Post-Nicene Fathers, série 1, vol. 1, págs. 353 e 354
“No quinto século a observância do sábado judaico persistia na igreja cristã.” Lyman Coleman,
Ancient Christianity Exemplified, pág. 526
“Neste último exemplo, eles [a Igreja da Escócia] parecem ter seguido o costume do qual
encontramos vestígios na primitiva igreja monástica da Irlanda, ou seja, afirmavam que o sábado
era o sétimo dia no qual descansavam de todas as atividades.” W. T. Skene, Adamnan’s Life of St.
Século VI
408
O SÁBADO ATRAVÉS DOS SÉCULOS. Disponível em: <http://www.igrejaadventista.org.br/Osabado/te
mas10.asp#>. Acesso em: 27 jun. 2007.
176
“Parece que, nas igrejas célticas primitivas, era costume, tanto na Irlanda quanto na Escócia,
guardar o sábado... como um dia de descanso. Eles obedeciam literalmente ao quarto mandamento
Século VII
no sétimo dia da semana.” Jas. C. Moffatt, The Church in Scotland
Disse Gregório I, Papa de Roma (590-604): “Cidadãos romanos: Chegou a meu conhecimento que
certos homens de espírito perverso têm disseminado entre vós coisas depravadas e contrárias à fé
cristã, proibindo que nada seja feito no dia de sábado. Como eu deveria chamá-los senão de
pregadores do anticristo?”
Índia, China, Pérsia, etc. “Abrangente e persistente foi a observância do sábado entre os crentes da
Igreja Oriental e dos Cristãos de São Tomás da Índia, que jamais estiveram ligados a Roma. O
Século
VIII
mesmo costume foi mantido entre as congregações que se separaram de Roma após o Concílio de
Calcedônia, como por exemplo, os abissínios, jacobitas, marionitas e armênios.” New Achaff-
Herzog Encyclopedia of Religious Knowledge, artigo intitulado “Nestorians”
“O papa Nicolau I, no nono século, enviou ao príncipe governante da Bulgária um extenso
Século IX
documento dizendo que se devia cessar o trabalho no domingo, mas não no sábado. O líder da
Igreja Grega, ofendido pela interferência do papado, declarou o papa excomungado.” B. G.
Wilkinson, Ph.D., The Truth Triumphant, pág. 232
Século X
“Os seguidores de Nestor não comem porco e guardam o sábado. Não crêem em confissão auricular
nem no purgatório.” New Schaff-Herzog Encyclopedia, artigo “Nestorians”
Século XI
Sobre os valdenses, em 1120: “A observância do sábado... é uma fonte de alegria.” Blair, History of
the Waldenses, vol.1, pág. 220
França: “Por vinte anos Pedro de Bruys agitou o sul da França. Ele enfatizava especialmente um dia
de adoração reconhecido na época entre as igrejas celtas das ilhas britânicas, entre os seguidores de
Paulo, e na Igreja Oriental, isto é, o sábado do quarto mandamento.” Coltheart, pág. 18
“Contra os observadores do sábado, Concílio de Toulouse, 1229: Canon 3: Os senhores dos
Século
diversos distritos devem procurar diligentemente as vilas, casas e matas, para destruir os lugares que
XIII
servem de refúgio. Canon 4: Aos leigos não é permitido adquirir os livros tanto do Antigo quanto
do Novo Testamentos.” Hefele
“Em 1310, duzentos anos antes das teses de Lutero, os irmãos boêmios constituíam um quarto da
população da Boêmia, e estavam em contato com os valdenses, que havia em grande número na
Século
XIV
nos séculos dezessete e dezoito.” Dr. Brian W. Ball, The Seventh-Day Men, Sabbatarians and
Sabbatarianism in England and Wales, 1600-1800, Clarendon Press, Oxford University, 1994
Alemanha: “Tennhardt de Nuremberg adere estritamente à doutrina do sábado, por ser um dos dez
mandamentos.” J. A. Bengel, Leben und Wirken, pág. 579
Século XVIII
primeiro lugar, porque a Bíblia o ensina, e, em segundo, porque seus ancestrais o guardavam como
dia de culto.” A Critical History of Sabbath and Sunday.
Em 1844 surgiu nos Estados Unidos o movimento que, anos depois, teria a denominação de
Adventistas do Sétimo Dia, de âmbito mundial.
178
O Dr. William M. Jones, notável arqueólogo americano (21), organizou, após pacientes e
aturadas investigações, levadas a efeito com muito trabalho e despesas, um quadro da semana
intitulado: “Chart of the Week, showing the Unchanged Order of lhe Days and the True Position
of the Sabbath, as proved by the Combined Testimony of Ancient and Modern Languages” (Mapa
da semana, demonstrando a ordem inalterada dos dias e a legítima posição do sábado pelo
testemunho combinado de línguas antigas e modernas). Esse mapa, concluído em 1886, revela que
em 108 línguas antigas e modernas o sétimo dia conserva o nome de sábado ou o nome
equivalente, ao passo que em 160 línguas é atestada a uniformidade dos dias, e, portanto, a
identidade da semana primitiva e da atual! (22) A parte referente aos idiomas europeus foi
compilada pelo eminente linguista Príncipe Louis-Lucien Bonaparte (23).
Na introdução ao seu trabalho, diz o autor:
“Tem o presente mapa por fim responder às seguintes asserções frequentemente feitas:
1) Que a semana não constituiu uma divisão uniforme de tempo;
2) que não há certeza alguma quanto à ordem exata dos dias da semana;
3) que a ninguém é dado saber qual seja o primeiro dia da semana e qual o sétimo;
4) que o sábado original foi o domingo – que o dia foi mudado quando Israel saiu do Egito
– que desde a ressurreição de Cristo até a presente data os cristãos têm estado
observando o sábado original instituído no Éden.
“Há um bom número de anos ocorreu ao autor indagar o que a esse respeito adiantava a
história das línguas. A linguagem de um povo revela as idéias, costumes e práticas do povo que a
fala. Se do começo da linguagem escrita até ao tempo atual o seu testemunho for unânime sobre
este ponto, ele é merecedor de toda a confiança, a evidência deve ser aceita e o nosso juízo
formulado de acordo com a mesma.
“A organização deste mapa exigiu, como é natural, longos e pacientes estudos e a consulta
de grande número de obras; além de correspondência com estrangeiros, entrevistas com
indígenas, missionários, viajantes e autores, sem levar em linha de conta a longa demora do
próprio autor e os estudos por ele pessoalmente feitos em países do oriente.
“Como ao leitor atento é dado verificar, o hebraico tem as suas formas antigas, medievais e
modernas, como as têm os demais idiomas semíticos e bem assim os da família hamítica ejafética.
Todos eles, porém, concordam em que o domingo é o primeiro dia da semana e o sábado o dia
sétimo. É digno de nota também que o sétimo dia conservasse sempre o seu primitivo nome de
409
Trecho da obra de STEIN JÚNIOR, Guilherme. O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia: Sua história seu
objetivo e seu problema atual. (original em português de 1919). 2. ed. revista e comentada por Ruy Carlos de
Camargo Vieira, Brasília: Sociedade Criacionista Brasileira, 1995. p. 33-35. As notas de rodapé seguintes estão
numeradas e formatadas conforme o original.
(21)
William Mead Jones, nascido em 2 de maio de 1818, em Fort Ann, Nova York, Estados Unidos da América do Norte, tornou-se ministro
licenciado na Igreja Batista do Sétimo Dia em 1840, depois de diplomado pela Madison University. Foi notável seu gosto e facilidade pelo
aprendizado de línguas. Tendo sido designado para servir como missionário em Burma, não chegou a deslocar-se para o Oriente mas foi enviado para
o Haiti onde em pouco tempo pregava em francês. Em seguida foi incumbido do campo missionário na antiga Jope, tendo então viajado por toda a
Terra Santa. Aí estudou árabe, hebraico, latim, grego, alemão e italiano, tendo chegado em 1858 a pregar em árabe e em 1859 em alemão. Desde 1872
foi pastor em Londres e professor de árabe e hebraico no City of London College. (Resumo biográfico retirado do capítulo “The Sabbath in the British
Isles”, escrito pelos Rev. J. Lee Gamble e Charles H. Greene, no livro Seventh day Baptists in Europe and America, vol. I, impresso para a Seventh
Day Baptist General Conference pela American Sabbath Tract Society, Painfield, N. Jersey, 1910, pp. 80-83).
(22)
Ver cópia das pranchas dessa Carta no Apêndice.
(23)
Louis-Lucien Bonaparte (* 1813, + 1891) era o terceiro filho de Lucien Bonaparte, segundo irmão vivo de Napoleão Bonaparte. Dedicou-se
ao estudo dos dialetos ingleses e publicou também algumas obras notáveis sobre a língua basca. (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA,
MICROPAEDIA, vol. II, p. 139. Verbete Bonaparte, Louis-Lucien).
179
sábado conferido por Deus. Temos aí pois uma história contínua da semana e do sábado, história
ininterrupta, inalterada, sem lacunas e sem o extravio de um único dia, desde a criação até o
tempo presente. O autor dedicou o melhor dos seus esforços e do seu tempo, e durante um bom
número de anos, a reunir essas vozes dos países de sua procedência para trazê-las ao
conhecimento dos seus colegas cristãos, na firme esperança de por este meio varrer de todo o
espírito sincero os sofismas e insinuações, as asserções inexatas efrioleiras acerca do extravio de
um dia, de uma mudança do sábado ou de ser o domingo o sétimo dia original. Depois de um
estudo atento do presente mapa, o leitor chegará naturalmente à conclusão de que é
absolutamente impossível que o testemunho dessas línguas históricas minta, persuadindo-se de
que elas dizem a verdade, toda a verdade e só a verdade sobre o assunto em questão.
“O mapa oferece em suma uma perspectiva da história linguística da semana de sete dias
desde a antiguidade mais remota até o tempo atual. Ele demonstra a continuidade ininterrupta de
nosso ciclo semanal desde o começo da linguagem falada senão do próprio tempo. Uma meia
hora de estudo que dedique a este trabalho bastará para convencer ao leitor de que é manifesta a
mão dirigente de Deus em preservar intacta desde o princípio até agora, entre as nações, essa
simples mas importante divisão do tempo, que é a um tempo o monumento e a memória de Sua
obra criadora.”
Com efeito, nesse trabalho, que tivemos o cuidado de examinar minuciosamente, somos
defrentados com povos de raças diferentes, de diferentes idades e de origens diversas – povos
muitos dos quais não tiveram entre si o mais ligeiro contato e que no entanto são perfeitamente
concordes no que respeita à ordem dos dias da semana e à posição que nesta ocupa o dia de
sábado (o sétimo dia), ficando assim exuberantemente comprovado que a semana estabelecida por
Deus na criação nunca sofreu alteração aiguma através dos tempos e que o sábado do sétimo dia é
e continuará a ser o legítimo dia sétimo, o dia correspondente ao sétimo dia da criação, o dia de
descanso de Deus.
É curioso notar entretanto como no decorrer do tempo mais de uma vez tentativas foram
feitas no sentido de introduzir novas divisões do tempo em substituição à da semana de sete dias e
até mesmo uma modificação da ordem primitiva dos dias que constituem a semana.
Não nos referimos aqui à alteração que os dias da semana experimentaram em suas
designações em conseqüência da astrolatria, alteração que, embora adaptada e consagrada em
muitos povos, absolutamente não influiu para uma alteração da sua ordem legítima, servindo, ao
contrário, ainda hoje, de atestar que esta continua absolutamente a mesma.
Os babilônios, que foram sem dúvida os primeiros a introduzir essa nova designação dos
dias da semana, conservaram ao lado do nome planetário de Saturno (24), dado ao sétimo dia, o seu
nome legítimo de “sábado”, como ficou demonstrado pelas recentes descobertas ali feitas; os
vestígios do sábado, porém, remontam até aos sumerianos, os fundadores da civilização
babilônica, em cuja língua, a mais antiga de que temos notícia, o sábado é interpretado como “um
dia de descanso para a alma” (25).
(24)
Ver sobre isto o estudo apresentado no Apêndice.
(25)
SAYCE, A. H. The Higher Criticism and the Verdict of the Monuments, p. 74.
Archibald Henry Sayce (* 1845, + 1933) foi um erudito lingüista cujas muitas valiosas contribuições para a pesquisa linguística e arqueológica do
Oriente Próximo incluiram a primeira gramática em inglês da língua assíria, um dialeto do acádico. (ENCYCLOPAEDÍA BRITANNICA,
MICROPAEDIA, vol. VIII, p. 938. Verbete Sayce, Archibald Henry).
O próprio Guilherme Stein Jr., nos seus escritos inéditos que aprofundam vários aspectos lingüísticos relacionados com o texto bíblico, baseando-
se em assiriólogos de renome, como Sayce acima citado, e o Prof. Langdon, autor de numerosas obras sobre as línguas mesopotâmicas, legou-nos o
seguinte trecho ilustrativo do significado do sábado em conexão com a religião da Suméria:
“Esse dia (o sábado) foi chamado em assírio shabattu, palavra que em assírio assumiu duas acepções distintas, as quais, pela sua incongruência,
deixaram perplexo ao próprio Professor Langdon, levando-o a concluir que o assírio shabattu devia ter etimologia diversa da do hebraico shabbath.
Num lugar shabattu é interpretado um nuh libbi, literalmente ‘um dia de descanso do coração’, o que foi tomado no sentido de ‘um dia de descanso
para o coração dos fiéis’. Em outros, shabattu é interpretado como dia nefastus. dia de luto, de penitência, de lamentação e de choro, o que,
certamente, não pode significar um dia de descanso para o coração dos fiéis. Torna-se evidente que o coração ao qual alude essa definição não é o
180
coração dos fiéis, e sim Ninib, chamado ‘o coração do deus Enlil’. (Ninib representa o Messias, na Suméria; e Enlil, seu pai). É o que se presume
estar entendido na palavra sumérica sabad, como composta com sa, ‘coração’ (abreviação de sab), e bad, ‘morto’. A esse coração morto dedicou-se
um templo E-sabad, e na liturgia que lhe diz respeito figuram estes dizeres: ‘pelo templo do sabad eu choro’. Não vamos discutir aqui a etimologia do
assírio shabattu, que pelo final tu deve ser uma forma feminina do hebraico shabath, cujo radical, de acordo com Gesênio, teria a significação
própria de ‘cessar’. ‘Sua alma trabalhou’, diz o profeta, falando do Messias, e nesse dia, que era o Seu dia, Seu coração cessou de trabalhar, e de
‘todas as Suas obras’, fazendo repousar também o Espírito do Pai ‘nas terras do norte’. As grandes liturgias de lamentação terminam sempre pelo
estribilho: ‘Possa o teu coração repousar’, o que certamente tanto se refere a Ninib como ao seu pai Enlil”.
(b)
ODOM, Robert Leo. How did Sunday get its name? Southern Publishing, Association, Nashville, Tennessee USA, 1947, p.2.
(26)
A divisão do tempo em Roma sob a forma de núndinas não caracterizava propriamente uma semana, pois ao seu lado permanecia a “semana
planetária” de sete dias, cada um dos dias ligado a um dos astros mais destacados na esfera celeste.
De fato “como os autores clássicos nunca caracterizaram as núndinas como indicativas de uma unidade de tempo, não se pode argumentar que
elas tenham correspondido a um ciclo de oito dias semanais (na contagem inclusiva). O fato de que os ‘dias de mercado’ (ou núndinas) em uma cidade
não coincidiam com os de uma outra cidade vizinha, também induz à conclusão de que as núndinas não constituíam um tipo de ciclo semanal. Foi o
surgimento da ‘semana planetária’, nos tempos helenísticos, que popularizou no Império o ciclo semanal até grangear-lhe aceitação total”. (STRAND,
Kenneth A. The Sabbath in Scripture and History. Review and Herald Publishing Association, Washington D.C., USA, 1982, pp. 308 e 309).
Kenneth A Strand é professor de História da Igreja e Novo Testamento no Seminário Teológico Adventista da Andrews University desde 1959.
Doutorou-se em 1958 na Universidade de Michigan e foi autor e editor de numerosos livros e artigos, dos quais o citado acima constitui valiosa
contribuição para o conhecimento mais aprofundado da história do Sábado.
Vale destacar, a propósito das núndinas romanas, a interessante publicação de Immanuel Velikovsky intitulada “Words in Collision”, que tenta
apresentar uma razão astronômica para a divisão do mês lunar em quatro períodos de nove dias, nos tempos de Rômulo e Numa Pompílio (item
“Meses em Desarranjo”, capítulo 8). O capítulo citado trata de um ano original de 360 dias, e das perturbações que se sucederam, em conexão com o
dilúvio, alterando a duração do ano solar e dos meses lunares.
181
sabemos se essas instituições eram destinadas a substituir a semana de sete dias; o que é certo,
porém, é que a sua duração foi limitada, não logrando nunca foros de universais, e ainda menos
influir sobre a ordem primitiva dos dias da semana, que tiveram entre esses povos as mesmas
designações que entre os babilônios.
Outra tentativa, mas de evidente má fé, foi a da Revolução Francesa, que, insurgindo-se
contra toda a espécie de religião, estabeleceu uma semana de dez dias em substituição à de sete,
instituição que, sobre as precedentes teve apenas a vantagem de uma extensão mais limitada e de
uma existência ainda mais efêmera (27).
Coisa mais curiosa nos oferece a China. Os chineses maometanos adotaram para os dias da
semana as designações semíticas de “primeiro do sábado” (domingo), “segundo do sábado”
(segunda-feira), etc, ao passo que os católicos, sem alterarem a ordem dos dias, designam estes a
começar pelo domingo ou primeiro dia da semana: “dia de olhar para cima e de render culto”
(domingo), “dia de culto dois” (segunda-feira), “dia de culto três” (terça-feira) e ao sábado “dia de
culto sete”, conservando, portanto, a sua numeração exata. Não assim os protestantes, que vieram
mais tarde e que, alterando essa numeração, designaram o domingo “dia de culto ou de adoração
respeitosa”, a segunda-feira “dia de culto um”, a terça-feira “dia de culto dois”, e o sábado, “dia
(27)
CALENDÁRIO REPUBLICANO FRANCÊS
“Na França do fim do século 18, com a Revolução Francesa impendente, começaram a ser feitas exigências para uma alteração radical no
calendário civil que o divorciasse completamente de qualquer conexão eclesiástica. Os primeiros ataques ao Calendário Gregoriano e propostas
para sua reforma surgiram em 1785 e 1788, sendo projetadas alterações principalmente para despir o calendário de todas as suas associações com o
cristianismo. Após a queda da Bastilha em julho de 1789, as exigências tornaram-se mais retumbantes, e se falava amplamente de um novo
calendário a iniciar-se no ‘primeiro ano da liberdade’. ... O Calendário Republicano Francês, como ficou conhecido, foi formulado para iniciar-se a
22 de setembro de 1792, o dia da proclamação da República, e naquele ano também a data do equinócio de outono. ... O número total de dias do ano
era de 365, como nos calendários Juliano e Gregoriano, o ano sendo dividido em doze meses de trinta dias, os restantes cinco dias dedicados a
festivais e férias. ... A semana de sete dias foi abandonada, e cada mês de trinta dias foi dividido em três períodos de dez dias, denominados décadas;
o último dia de cada década era um dia de repouso. ... A denominação dos meses foi alterada, para que todas as associações anteriores fossem
perdidas, e Fabre d’Eglantine escolheu novos nomes descritivos como se segue (entre parênteses são dados os significados dos nomes descritivos e as
datas correspondentes ao início e fim de cada mês, de conformidade com o Calendário Gregoriano):
- Vindimário (vindima, 22 de setembro a 21 de outubro)
– Brumário (bruma, 22 de outubro a 20 de novembro)
– Frimário (frio, 21 de novembro a 20 de dezembro)
– Nivose (neve, 21 de dezembro a 19 de janeiro)
– Pluviose (chuva, 20 de janeiro a 18 de fevereiro)
– Ventose (vento, 19 de fevereiro a 20 de março)
– Germinal (semente, 21 de março a 19 de abril)
– Floreai (flor, 20 de abril a 19 de maio)
– Prarial (prado, 20 de maio a 18 de junho)
– Messidor (messe, 19 de junho a 18 de julho)
– Termidor (calor, 19 de julho a 17 de agosto)
– Frutidor (fruto, 18 de agosto a 16 de setembro)
“... Em setembro de 1805, sob o regime napoleônico, o Calendário Republicano Francês foi virtualmente abandonado, e em 1o de janeiro de
1806 foi substituído pelo Calendário Gregoriano.
“O insucesso do Calendário Republicano Francês sem dúvida influiu para que outros regimes não adotassem quaisquer sistemas semelhantes,
pois quando a Rússia Soviética procedeu à reforma de seu calendário em fevereiro de 1918, somente passou do Calendário Juliano para o
Gregoriano, com a supressão de 13 dias, de tal forma que 1o de fevereiro tornou-se 13 de fevereiro. Em 1929 foi proposto para a União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas um novo calendário, que nunca entrou em vigor” (*). (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA.
Verbete Calendar, vol. 3, pp. 601 e 602).
(*) Nota do Editor: Na realidade, em 1929, com o propósito de dissociar o calendário de quaisquer finalidades religiosas, o governo soviético
adotou a “semana” de cinco dias, eliminando o sábado e o domingo com suas respectivas conotações religiosas. O primeiro dia era amarelo; o
segundo, alaranjado; o terceiro, vermelho; o quarto, púrpura; e o quinto, verde. Cada pessoa recebeu uma côr indicativa de seu dia de repouso. Durante
o ano foram estabelecidos cinco feriados gerais. O calendário, que entrou em vigor em outubro de 1929, causou enorme confusão. Como não existisse
mais “fim de semana”, todos os dias eram dias úteis. As famílias tinham de conseguir rearranjos nas escalas de trabalho para que pudessem ter um dia
comum para se reunir no fim de semana. O mesmo se passava com os amigos, que só podiam se reunir se tivessem a mesma côr. Já em janeiro de
1930 o governo soviético compreendeu que era impossível funcionar esse novo sistema, e modificou-o estabelecendo doze períodos (correspondentes
a meses) de cinco “semanas” com seis dias cada. O primeiro dia do mês deveria cair sempre no primeiro dia da semana. Os dias da semana
continuaram a ser designados por números. Os trezentos e sessenta dias dos doze períodos anuais foram complementados com dias extras de trabalho
ou feriados. Em 1932 ficou patente que também esse sistema era inexequível, e o governo tentou ajustá-lo então ao Calendário Gregoriano. Como os
“meses” permaneceram com trinta dias, não foi possível tal ajuste. O hábito de chamar os dias e os meses pelos seus nomes tradicionais, e não pelos
números a eles associados, estava suficientemente enraizado para forçar a volta à antiga tradição, de tal forma que em 27 de junho de 1940 os
soviéticos aceitaram o Calendário Gregoriano, terminando a infausta experiência. [PARISE, Frank (Editor). The Book of Calendars. Facts on File.
New York, 1982, p. 377].
182
de culto seis”, figurando aí o sábado como sexto dia, em vez de sétimo, que no cálculo deles
passou a ser o domingo (28).
Contudo, nem mesmo essa inovação conseguiu estender-se além da igreja, muito menos
influir de modo geral e decisivo sobre a ordem legítima dos dias, pois os chineses, que também
adotaram o sistema babilônico de designar os dias, conservam por ele a ordem inalterada
observada por todos os demais povos, possuindo, além disso, um sistema particular de divisão de
tempo, que consiste num período de 28 dias, de sucessão absolutamente regular, o qual se divide
em quatro períodos de sete dias, a que eles denominam “os sete reguladores”, e que correspondem
à nossa semana. Com referência a ele diz Sir Mead Jones: “Esse sistema de cálculo da semana é
antiquíssimo e representa um quádruplo testemunho da ordem inalterada da série de sete dias tão
conhecida na antiguidade quanto nos tempos modernos. Esse sistema tem sido uma salvaguarda
contra o extravio de um dia, ou substituição de um dia pelo outro.” (29) Cada dia tem seu lugar
marcado por quatro nomes planetários, tornando impossível qualquer confusão.
De resto, é perfeitamente sabido que os chineses em tempos remotos conheceram e
observaram o sétimo dia em caráter de sábado ou descanso (30).
Concluiremos este capítulo transcrevendo a propósito o seguinte testemunho do eminente
Rabino Isaac M. Wise:
“Não há época na história que não esteja compreendida na tradição dos judeus. Poder-se-
ia tão bem afirmar que o domingo não é o primeiro dia da semana ou o terceiro dia depois da
crucificação, como afirmar que os judeus olvidaram a ordem dos dias, sendo o sábado tão
sagrado para eles. Qualquer que sustentar que houve extravio de um dia deve poder provar em
que lugar e a que tempo os judeus cometeram um lapso no cálculo dos dias.
“Os judeus não têm nomes para os dias da semana, designando-os simplesmente ‘primeiro,
segundo, terceiro, etc, do sábado’ (31). Admitido pois que em qualquer parte para onde foram
dispersos oitocentos anos antes de Cristo alguns deles houvessem errado no cálculo dos dias,
outros haveria, em outros lugares, que não teriam cometido o mesmo erro, devendo daí
naturalmente ter-se originado entre eles uma disputa quanto ao legítimo dia a observar. A
história nada absolutamente diz a esse respeito.
“O Sinédrio de Jerusalém publica regularmente todos os anos o calendário judaico para os
judeus em todo o mundo. Em que tempo teria ele pois se enganado a respeito do sábado? Aqueles
que pretendem que houve extravio de um dia sustentam um absurdo” (32).
(28)
Ainda nos escritos inéditos de Guilherme Stein Jr. encontra-se o texto seguinte que complementa as asserções acima:
“Assim também a catequese, tanto a católica como a protestante, serviu-se dessa expressão lai pai (= tuan) para designar a semana. Os
protestantes designavam os dias da semana usando essa expressão acompanhada do respectivo número de ordem, e chamavam ao primeiro dia da
semana lai pai yat (dia da semana um) traduzindo lai pai, ‘culto respeitoso’. Os católicos chamavam a esse dia (domingo) chan li yit, e traduziam
‘dia de olhar para cima e render culto’ (li é lai, e yit é yat, ‘um’). Daí em diante diziam chan li erh, ‘dia de culto dois’; chan li san, ‘dia de culto três’,
e ao sábado chamam chan li tsi, ‘dia de culto sete’. Os protestantes chamam à segunda-feira lai pai yi, ‘dia de culto um’; a terça-feira lai pai erh,
‘dia de culto dois’, e ao sábado lai pai leu ‘dia de culto seis’.”
Vide também “Carta da Semana” no trabalho citado de William Mead Jones (chinês maometano – sexagésima linha; chinês-católico romano –
qüinquagésima oitava linha; chinês-protestante – qüinquagésima nona linha) no Apêndice.
(29)
JONES, William Mead. op. cit.
(30)
Veja-se também GILFILLAN, History of the Sabbath, p. 360.
Referência mais completa é a seguinte: GILFILLAN, James: The Sabbath viewed in the light of reason, revelation and history. American Tract
Society and New York Sabbath Committee, 1862, p. 360.
James Gilfillan (* 1797, + 1874), nascido em Perthshire, Escócia, graduou-se no Edinburgh College, e foi ordenado em 1822. E conhecido como
autor do livro “The Sabbath, viewed in the light of Reason, Revelation and History”, publicado em 1861 e rapidamente aceito como autoridade no
assunto. (THE DICTIONARY OF NATIONAL BIOGRAPHY, Ed. Leslie Stephen and Sidney Lee, Oxford University Press, London, reprinted 1921-
1922, Vol. VII, p. 1230).
(31)
Vide “Carta da Semana” no trabalho citado de William Mead Jones, linha 2, no Apêndice.
(32)
Transcrição do editorial “Tempo Extraviado” publicado no “Arauto da Verdade”, vol. IX, nº 7, p. 114, julho de 1908.
183
The Sabbath and the Seven Day Weekly Cycle – Ancient Languages Prove its
Perpetuity410
Showing the unchanged order of the days and true position of the Sabbath, as proved by the combined
testimony of Ancient and Modern Languages – By Rev William Mead Jones D.D
410
“Mapa da semana, demonstrando a ordem inalterada dos dias e a legítima posição do sábado pelo testemunho
combinado de línguas antigas e modernas”. Extraída da obra já citada de Gulilherme Stein Júnior, e também
encontrada em <http://www.seventh-day.org/chart-weekall.doc>. Visando uma disposição objetiva do tema,
foram omitidas as colunas correspondentes aos outros seis dias da semana, sem que se perdesse o sentido
original.
184
India Saturn-day
30. Gujarati Ravivar Sani-var
India Seven Days Saturn-day
31. Marathi Saptaha Shani-var
India Seven Saturn-day
32. Cashmere Hafta Bat-war
India Seven Idolator’s day
33. Punjabi sata Bar- day
India Seven (end of week)
34. Punjabi Muhammadan Hafta Sanich-chhar
India Seven Saturn
35. Bengali Saptaha Shani-bar
India Seven Saturn-day
36. Assamese Saptaha Sani-ar
Assam, India Seven Saturn-day
37. Uriya Sapah and hapa Sani-ar
Orissa, India Seven Saturn-day
38. Pashto or Afghan Al-ishbuah Shamba
Afghanistan The Seven Sabbath
39. Pahlavior Shaba and Baft Kevan – Saturn
Ancient Persian Seven Shambid – The pleasant day
of the week “Deis Sabbati”
40. Persian Hafta Shambih
Seven Holiday, Sabbath
41. Mythological Haft Rang Black to Saturn
Persia and India (Seven Colours)
42. Armenian Shapat Shapat
Armenia Sabbath Sabbath
43. Kurdish Ahfti Shamba
Kurdistan Seven Sabbath
44. Brahuiky Hafta Shambe
Beluchistan Seven Sabbath
45. Tartaric - Tungusian Boi-huan wu-shi-ha
Manchu – Manchuria Saturn-day
Sa-ni-tsar, bemba
The Son of the Sun: Saturn
“The Mongols use ‘Bema’ as
another and especial term for the
Do-lo-ghau gu-nuk Seventh-day. They strictly keep it
Eastern Mongolian
46. Seven nights/days from the transaction of secular
business. They neither give out nor
take in any property at their houses,
nor collect or pay debts, or start on
a journey on that day.”
Bem-be gra-ku
47. Kalmuk Do-lon gu nuk Saturn Planet
Western Mongolian Seven Days The centre or culmination
of the other days
48. Osnianhan Asbn-Ah Yom-es-sabt
Turkey Seven Day the Sabbath
Lazen Asabath
49.
Pashalik of Trebizond. Sabbath
Kazani At-na At-narti
50. Karan, East Russia Day Hindmost of the series of
seven days
Subbota - Sabbath
Dravidian Varamkilamai Sunikilamai
51.
Tamil (India) A period of time Saturn-day
Malaylam Archavattam Saniyorcha
52.
India Day circle (of seven) Saturn-day
53. Kodagu or Coorg Yelu-nalu chanache
Southern India Seven days Saturn-day
54. Kanarese Hafta vara Shani wara
India Seven Day Saturn-day
55. Telugu Athwara varamu Sanivaramu
India Space of Seven Days Saturn-day
Singhalese Sattiye dawas Senasurada
56.
Ceylon Seven Days Saturn-day
Monosyllabic
Ancient Chinese Tsi cheng 1. Nu
Names of the cycles of 28 days. It Seven regulators, 2. wei
ever repeats itself without regard equivalent to week 3. liu
57.
to years. This 7 and 28 day cycle 4. ti
is used in Corea, Manchuria,
Mongolia, Tibet
Saturn
185
African
89. Swahili Jum-a As-sabt
East Equatorial Aftrica Collection of (Days) The Sabbath
90. Congo The Negroes of the Gold Coast Satade – Saturday
West Equatorial Africa say “God, the Creator, made Kiansabulu – Sabbado:
Seven Days.” Sabbath
Isolated Languages
91. Wolof Ayoubesse Alere-asser
Senegambia, West Africa Seven Last Day, Sabbath
92. Fulah Essibt
(West Africa) The Sabbath
411
IBGE. Banco de Dados Agregados. Sistema IBGE de Recuperação Automática - SIDRA. Disponível em:
<http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?z=cd&o=7&i=P>. Acesso em: 10 jun. 2007.
189
Nota: