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JUSPODIVM

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR UNYAHNA


CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO DO ESTADO

NEIDSONEI PEREIRA DE OLIVEIRA

LIBERDADE RELIGIOSA E O PLENO EXERCÍCIO DA


CIDADANIA: PONDERAÇÕES SOBRE O DESCANSO SEMANAL
COMO DIA SAGRADO A PARTIR DO SISTEMA CONSTITUCIONAL
BRASILEIRO

Salvador
2007
NEIDSONEI PEREIRA DE OLIVEIRA

LIBERDADE RELIGIOSA E O PLENO EXERCÍCIO DA


CIDADANIA: PONDERAÇÕES SOBRE O DESCANSO SEMANAL
COMO DIA SAGRADO A PARTIR DO SISTEMA CONSTITUCIONAL
BRASILEIRO

Monografia apresentada ao Curso Juspodivm, em parceria


com o Instituto de Educação Superior Unyahna, como
requisito parcial para a obtenção de grau de Especialista
em Direito do Estado.

Salvador
2007
TERMO DE APROVAÇÃO

NEIDSONEI PEREIRA DE OLIVEIRA

LIBERDADE RELIGIOSA E O PLENO EXERCÍCIO DA


CIDADANIA: PONDERAÇÕES SOBRE O DESCANSO SEMANAL
COMO DIA SAGRADO A PARTIR DO SISTEMA CONSTITUCIONAL
BRASILEIRO

Monografia aprovada como requisito para obtenção do grau Especialista em Direito do


Estado, Juspodivm, pela seguinte banca examinadora:

Nome:__________________________________________________________
Titulação e instituição:________ _______________________________________

Nome:__________________________________________________________
Titulação e instituição: ______________________________________________

Nome:__________________________________________________________
Titulação e instituição:______________________________________________

Salvador, ____/_____/ 2007


Aos
Heróis da Fé. Aqueles que vivem segundo as
próprias convicções, não se conformando em
violar a consciência em troca do conforto ou
comodidade momentânea.
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, e sempre, ao Criador do Universo, pela inspiração e


força a cada momento. Agradeço particularmente a algumas pessoas que Ele colocou à minha
disposição para contribuir direta ou indiretamente na construção deste trabalho:
À Dra. Chalanna Silva de Oliveira, advogada e para meu privilégio também
esposa, pela paciência em todas as ocasiões e, especialmente, pela ajuda nas constantes
revisões e troca de idéias necessárias nesta monografia.
À minha irmã Nelci, pelo constante estímulo acadêmico para aprimorar este
trabalho, e sempre buscar novos conhecimentos.
Ao Dr. Dirley da Cunha Júnior, coordenador da pós-graduação, professor,
juiz federal e tantas outras funções, mas mesmo assim, sempre com tempo para atender e
orientar seus alunos.
“Em matéria de consciência, não pode haver lugar
para maiorias. Em coisas que dizem respeito a honra
de Deus e a salvação das almas, cada um deve
responder por si mesmo."
Minkowitz

“A liberdade e a igualdade dos homens não são um


dado de fato, mas um ideal a perseguir; não são uma
existência, mas um valor, não são um ser, mas um
deve-ser.”
Noberto Bobbio
RESUMO

Analisa primordialmente a atuação do Estado enquanto garantidor do direito fundamental à


liberdade religiosa quando, para o exercício de direitos, haja obrigações legais que venham
com aquela conflitar, em especial, a crença do descanso semanal enquanto dia sagrado. Trata
do significado de cidadania e sua extensão em um Estado Democrático de Direito, com ênfase
nos direitos à educação, acesso aos cargos públicos e liberdade religiosa. Esclarece as
características da liberdade religiosa enquanto direito fundamental, caracterizando seus
limites, estabelecidos pela moderna doutrina jurídica, e suas relações com outros princípios
constitucionais, sem olvidar o adequado significado do princípio do Estado laico. Enfoca as
normas e princípios constitucionais que fundamentam a tutela da liberdade religiosa, além da
efetividade do direito à objeção de consciência previsto no art. 5º, inciso VIII da Constituição
Federal de 1988, como pleno exercício da cidadania. Realiza ampla análise da jurisprudência,
pertinente ao tema, dos principais tribunais brasileiros, bem como pareceres do Ministério da
Educação e Cultura, identificando o posicionamento da jurisdição constitucional brasileira, na
maioria das vezes não uniforme, com divergências muitas vezes no próprio tribunal. Atenta
para a negativa do direito à liberdade religiosa e objeção de consciência pelos tribunais,
analisando o fundamento utilizado da ausência de norma federal infraconstitucional
regulamentadora, a despeito da base constitucional constatada. Em contrapartida, registra-se a
existência de projeto de lei federal em tramitação, e considerável legislação nas esferas
estaduais e municipais que tratam do presente tema, tendo sido, algumas dessas leis, objeto de
Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF, Tribunal que já decidiu pela procedência da
que contesta Lei do Rio Grande do Sul, por vício formal. Por fim, aduz que o Estado
brasileiro deve garantir por meio de ações afirmativas, conforme alguns precedentes já
aplicados pelos tribunais do país, o atendimento do princípio da liberdade religiosa
concomitante ao pleno exercício da cidadania a todo o seu povo, independente do credo
adotado, de modo que o seu Texto Constitucional faça jus ao título recebido de “Constituição
Cidadã”.

Palavras-chave: Liberdade religiosa, liberdade de crença, objeção de consciência, cidadania,


direito constitucional, direitos fundamentais, laicidade, descanso semanal, educação, cargos
públicos, jurisdição constitucional.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade

art. artigo

CEE Conselho Estadual de Educação

CF/88 Constituição Federal da República

Des. Desembargador

inc. inciso

LDB Lei de Diretrizes e Bases

MEC Ministério da Educação e Cultura

Min. Ministro

ONU Organização das Nações Unidas

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

TJ Tribunal de Justiça

TRF Tribunal Regional Federal


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 10

2 A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ 14
2.1 A CIDADANIA 14
2.1.1 Evolução Histórica 15
2.1.2 Conceito de Cidadania 21
2.3 CIDADANIA E EDUCAÇÃO 24
2.4 CIDADANIA E O ACESSO AOS CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS 28

3 A LIBERDADE RELIGIOSA 33
3.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA LIBERDADE RELIGIOSA 36
3.2 NOÇÕES CONCEITUAIS DE LIBERDADE E DE RELIGIÃO 40
3.2.1 Liberdade 40
3.2.2 Religião 44
3.3 O PRINCÍPIO DA LIBERDADE RELIGIOSA 46
3.3.1 Conceito, Natureza e Características da Liberdade Religiosa 46
3.3.2 Conteúdo do Princípio da Liberdade Religiosa 50
3.4 O ÂMBITO NORMATIVO DE PROTEÇÃO DO DIREITO À LIBERDADE 53
RELIGIOSA
3.5 LIMITES AO DIREITO DE LIBERDADE RELIGIOSA 55
3.6 LIBERDADE RELIGIOSA E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 58
3.7 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE EM MATÉRIA RELIGIOSA 59
3.8 DIREITO À OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA 61
3.9 O ESTADO LAICO 66
3.9.1 Estado Laico, Ateu, Pagão ou Confessional 68
3.9.2 Laicidade e Laicismo 70
3.9.3 Funções do Estado quanto à Liberdade Religiosa 72

4 A LIBERDADE RELIGIOSA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 74


4.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS 74
4.2 NORMAS CONSTITUCIONAIS GARANTIDORAS DA LIBERDADE 75
RELIGIOSA

5 A CONTROVÉRSIA SOBRE O DIA DE REPOUSO SEMANAL E SUAS 89


IMPLICAÇÕES JURÍDICAS
5.1 ORIGENS DO DESCANSO SEMANAL COMO DIA SAGRADO E SUA 90
POSITIVAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO
5.2 A IMPORTÂNCIA DA SANTIFICAÇÃO DE UM DIA 93
5.3 A CONTROVÉRSIA SOBRE O DIA DE GUARDA 96
5.4 IMPLICAÇÕES JURÍDICAS 99
5.4.1 Educação: Freqüência Mínima e o Abono de Faltas por Compensação 101
5.4.2 Vestibulares, Acesso aos Cargos Públicos e Cursos de Formação 117
5.5 JURISPRUDÊNCIA 118
5.5.1 Supremo Tribunal Federal 119
5.5.2 Superior Tribunal de Justiça 124
5.5.3 Outras Decisões 131
5.6 PROJETO DE LEI FEDERAL Nº 5/1999 E NORMAS 143
INFRACONSTITUCIONAIS
149
6 CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS 153

ANEXOS 160
10

1 INTRODUÇÃO

O monge agostiniano Martinho Lutero, na Dieta de Worms, em 1521, ao ser


questionado se afirmaria ou se retrataria do que tinha escrito em seus livros, pediu tempo para
que deliberasse a respeito. Ao retornar no dia seguinte entregou a célebre declaração:
“A não ser que seja persuadido por argumentos suficientes, tirados da Escritura e da razão,
não posso e não desejo retratar-me; porque fazer qualquer coisa contra a consciência é
arriscado e perigoso"1. No dia seguinte, ao deixar Worms, foi denunciado pelo Imperador
como um “herético notório” que devia ser silenciado. No entanto, a defesa de Martinho
Lutero pela liberdade de consciência contagiou e inspirou a muitos outros que o seguiram.
A partir de então, a luta pelo direito à liberdade de crença culminou na
integração desta aos direitos essenciais de cada homem. Desta forma, pela análise de diversos
textos constitucionais é possível observar, quer de maneira implícita ou explícita, o
estabelecimento e a proteção do direito à liberdade religiosa como um direito fundamental de
todo homem.
Em razão de inúmeras perseguições de ordem religiosa (em algumas
situações com motivações políticas ou econômicas subliminares) que ocorreram no passado, a
Comunidade Internacional também concretizou iniciativas de garantia do direito à liberdade
religiosa em diversos documentos jurídicos, como, v.g., na Declaração Universal dos Direitos
Humanos2. Não deve ser olvidado que, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU),
cerca de 75% dos atuais conflitos bélicos no mundo têm motivação religiosa, cultural ou de
diversidade3.
Sem fugir à tendência internacional, o Brasil também vem consagrando tal
direito desde a sua primeira Constituição Republicana4. Tendo início com a separação entre
Igreja e Estado, esse direito implica atualmente na liberdade de crença e consciência e no
direito à objeção de consciência, traduzindo-se na garantia de que ninguém será privado de

1
LUTERO, Martinho apud SCHAFF, Philip. A Liberdade Religiosa. Disponível em: <http://www.bapti
stlink.com/solascriptura/IgrejasNosSeculos/Schaff28ALiberdadeReligiosa.htm>. Acesso em 12 jan. 2007. p. 3.
2
Cf. art. 18 da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948.
3
Cf. SILVA JÚNIOR, Hédio. Liberdade Religiosa: questão de cidadania. Disponível em: <http://ablir
c.org/Ablirc/geral.asp?categoria=artigos&codigo=0004>. Acesso em: 19 ago. 2007.
4
O Art. 72º parágrafo 3º da Constituição de 1891 dispõe in verbis: “Todos os indivíduos e confissões religiosas
podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as
disposições do direito comum”.
11

direitos por motivo de crença religiosa5.


Analisando-se conceitualmente a garantia de liberdade religiosa, é possível
identificar diversos aspectos práticos que se desdobram desse direito. Um deles, e que
inclusive será objeto de reflexões e ponderações da pesquisa proposta, é o direito ao descanso
semanal como um dia sagrado ou dia de guarda. Por dia de guarda se entende o dia da semana
considerado sagrado por algumas religiões, no qual, seus adeptos, por motivo de crença
religiosa, se abstêm de trabalhos seculares realizados durante a semana, dedicando tal dia a
adoração ao seu Deus e à ajuda ao próximo.
Dentre as diversas crenças religiosas existentes, há algumas que consideram
a santificação e guarda de um dia da semana como aspecto teológico fundamental, cuja
prática é imprescindível ao exercício da convicção religiosa pessoal. É o caso dos judeus e
dos adventistas do sétimo dia que guardam e santificam o dia de sábado, não podendo neste
dia trabalhar, ou fazer qualquer outra coisa que esteja em desacordo com o preceito bíblico6
que seguem.
Embora o sentido teológico e histórico do dia de guarda ou adoração seja
adotado de forma variável por algumas instituições religiosas, é constatado que a observância
de um dia considerado sagrado tem gerado conflitos com determinadas obrigações legais, bem
como proporcionado a privação de alguns direitos. A exemplo, muitos concursos públicos e
provas de vestibular no Brasil têm sido realizados no dia de sábado, sendo que os guardadores
do referido dia ficam privados do direito de participar dos referidos certames quando não lhes
é concedido um horário alternativo para realizarem a prova. De igual modo, a imposição de
freqüência mínima de 75% para que o estudante não seja reprovado por faltas torna-se
obstáculo para a consumação do direito à educação, quando no calendário letivo são
designadas aulas para o dia de sábado.
Ainda que existam várias práticas que compõem o direito do exercício da
liberdade religiosa, o foco nesta monografia será a guarda do dia de sábado, por ser tal dia

5
Art. 5º, inc. VIII, in verbis: “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção
filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a
cumprir prestação alternativa, fixada em lei”;
6
Conforme o livro bíblico de Êxodo 20:8-11: “Lembra-te do dia do sábado, para o santificar. Seis dias
trabalharás, e farás toda a tua obra, mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR teu Deus; não farás nenhuma obra,
nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro,
que está dentro das tuas portas. Porque em seis dias fez o SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo que neles há,
e ao sétimo dia descansou; portanto abençoou o SENHOR o dia do sábado, e o santificou”; e Isaias 58:13 e 14:
“Se desviares o teu pé do sábado, de fazeres a tua vontade no meu santo dia, e chamares ao sábado deleitoso, e o
santo dia do SENHOR, digno de honra, e o honrares não seguindo os teus caminhos, nem pretendendo fazer a
tua própria vontade, nem falares as tuas próprias palavras, então te deleitarás no SENHOR
12

considerado sagrado por muitos indivíduos. Segundo dados do Censo do ano 20007, são mais
de um milhão e duzentos mil adventistas e quase noventa mil judeus, totalizando cerca de um
milhão e trezentos mil cidadãos brasileiros que possuem a crença da santidade do dia de
sábado, considerado por eles o sétimo dia da semana.
Assim, como já exemplificado, esses brasileiros têm alguns de seus direitos
de cidadão mitigados, além de prejuízos relacionados a determinadas obrigações legais
impostas quando conflitantes com suas crenças. Numa sociedade em que o cidadão que tenha
crenças religiosas diferentes da maioria seja impedido de usufruir direitos concedidos aos
demais, não se pode considerar que haja efetivo direito à liberdade religiosa, pois tal fato
caracteriza-se como uma coação indireta para os que não se encontram em conformidade com
a crença dominante.
A ponderação que se pretende fazer a partir da pesquisa proposta tem como
pano de fundo a Constituição Federal do Brasil de 1988. Nela, como foi mencionado, é
estabelecido que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa. É
importante ressaltar que a própria Constituição de 1988 possui uma vertente influenciada
pelos costumes do catolicismo. Por exemplo, o direito ao descanso semanal
constitucionalmente garantido como um direito social do trabalhador prevê a preferência pelo
domingo8. Registre-se que tanto o direito ao descanso quanto a preferência pelo dia de
domingo têm suas origens em um costume religioso dogmatizado, que no cristianismo foi
instituído pela Igreja Católica ao substituir a observância do sábado dos judeus pelo domingo,
dia considerado biblicamente como o da ressurreição de Jesus Cristo. Isso, de algum modo,
poderá influenciar os costumes e práticas sociais na medida em que a crença em outro dia
considerado como dia sagrado poderá encontrar determinados obstáculos em sua observância.
O ordenamento jurídico brasileiro prescinde de normas legais efetivas que
assegurem a todos os indivíduos não só a possibilidade de conformar seu modo de viver com
o seu pensamento sobre religião, a despeito de diferenças neste aspecto, simultaneamente ao
gozo de direitos civis e políticos. É neste sentido que o direito à liberdade de consciência e de

7
IBGE. Banco de Dados Agregados. Sistema IBGE de Recuperação Automática - SIDRA. Disponível em:
<http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?z=cd&o=7&i=P>. Acesso em: 10 jun. 2007. Enquanto o
Censo de 2000 do IBGE apontou 1.209.842 adventista no Brasil, o Relatório Estatístico da Secretaria da Divisão
Sul-Americana da Igreja Adventista do 7º Dia, no ano de 2006, informa que a Igreja teria alcançado o número de
1.377.764 membros batizados no Brasil. Disponível em: <http://www.igrejaadventista.org.br/relatorio/dsa_3_20
07.doc>. Acesso em: 26 ago. 2007.
8
O art. 7º, inc. XV da CF/88 afirma ser direito do trabalhador o “repouso semanal remunerado,
preferencialmente aos domingos".
13

crença deve ser exercido concomitantemente com o pleno exercício da cidadania, o que aqui
se propõe pesquisar e desvendar, a partir de ponderações feitas no sistema constitucional
brasileiro, tendo-se como pano de fundo, o tema da liberdade religiosa e o direito ao descanso
semanal como dia sagrado.
Nesse sentido, o capítulo 2 destina-se a demonstrar o real significado do
direito à cidadania e sua extensão num Estado Democrático de Direito, cuja Constituição
Federal revela um caráter inclusivo em diversos dispositivos, com ênfase nos direitos à
educação, acesso aos cargos públicos e à liberdade religiosa.
No capítulo seguinte se pretende esclarecer as características da liberdade
religiosa enquanto direito fundamental, caracterizando seus limites estabelecidos pela
moderna doutrina jurídica e suas relações com outros princípios constitucionais, sem olvidar o
adequado significado do princípio do Estado laico.
No quarto capítulo são analisadas as normas e princípios constitucionais que
fundamentam a tutela da liberdade religiosa concomitante ao pleno exercício da cidadania.
No capítulo 5, cerne deste trabalho, são analisados pareceres do Ministério
da Educação e Cultura e Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de
Justiça, Tribunais Regionais Federais e alguns Tribunais de Justiça a respeito das demandas
que envolvem o conflito entre a crença religiosa do descanso semanal enquanto dia sagrado e
obrigações legais como condição para o exercício de outros direitos, identificando quais
respostas foram oferecidas na jurisdição constitucional brasileira. Neste mesmo capítulo
também são feitos levantamento e análise de projetos de leis federais pertinentes ao presente
tema e/ou legislação correlata nas esferas estaduais e municipais.
Assim é que o presente trabalho, feito com base em pesquisas bibliográficas
e jurisprudências, utilizando como metodologia de análise dos dados coletados o método
indutivo, pretende demonstrar o presente prisma da atuação do Estado brasileiro
(Administração Pública e Poder Judiciário) diante da garantia do direito fundamental à
liberdade religiosa concomitante ao pleno exercício da cidadania, considerando a
possibilidade da guarda de um dia sagrado conflitar com determinadas obrigações legais e por
conseqüência ocasionar a privação de outros direitos constitucionalmente garantidos.
14

2 A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ

A Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988 ficou


conhecida como “Constituição Cidadã”. Tal adjetivação se deu no ato de sua promulgação
pelo, então presidente da Assembléia Constituinte, Deputado Ulysses Guimarães, em razão de
seu conteúdo normativo/programático objetivar a efetividade dos direitos humanos por meio
da construção de condições sociais, políticas, econômicas e culturais promovidas pelo Estado.
No decorrer de seus diversos dispositivos, e mesmo na própria estrutura e
ordenação dos temas, a Constituição de 1988 revela seu caráter democrático e inclusivo,
demonstrando sua preocupação com a cidadania do povo brasileiro. Nesse sentido afirma o
Senador Ramez Tebet:

a Constituição de 1988 é a mais democrática e inclusiva de todas as Cartas de nossa


História, e seus capítulos atinentes, por exemplo, aos direitos individuais e sociais, à
defesa das instituições, ao meio-ambiente, entre outros, contam-se entre as mais
avançadas propostas legislativas do mundo. É esse seu caráter democrático, com
firme posicionamento em favor da participação ativa da cidadania na vida
institucional do país, que a fez merecer o nome de Constituição Cidadã.9
Deve ser mencionado que embora a CF/88 tenha enumerado diversos
direitos fundamentais, não ficaram excluídos outros direitos decorrentes de tratados
internacionais ou direitos que possam fazer parte de outros princípios jurídicos adaptados,
tendo em vista que tal enumeração é apenas exemplificativa.

2.1 A CIDADANIA

A primeira reflexão a ser feita para saber se a atual Constituição de fato


merece a adjetivação de Constituição Cidadã é analisar o significado e o conteúdo da palavra
cidadania e o seu efetivo exercício. Para J. J. Calmon de Passos a palavra cidadania é do tipo
que se faz uso corriqueiro, acreditando a maioria saber o seu exato significado, muito embora
quando questionada ou levada a refletir sobre ela, se demonstra saber menos do que aquelas
palavras consideradas sofisticadas ou raras10. Nesse mesmo sentido adverte Milena Petters
Melo, citada por Álvaro Lazzarini:

9
TEBET, Ramez. Os Quinze Anos da Constituição Cidadã. Disponível em: <http://www.fugpmdb.o
rg.br/r2003rtebet.htm>. Acesso em: 10 jul. 2007. p. 1.
10
PASSOS, J. J. Calmon de. Cidadania tutelada. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de
Atualização Jurídica, v. I, nº. 7, outubro, 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em:
14 jun. 2007, p. 1.
15

A cidadania tem sido um dos temas mais freqüentes da retórica política e do


discurso das ciências sociais no Brasil. A ampliação do debate, no entanto, não
trouxe univocidade ao termo. Contrariamente, quanto mais se fala em cidadania,
tanto maior torna-se a ambigüidade da expressão. Já advertia Hegel, ‘a maneira mais
comum de iludir-se a si mesmo e de iludir os outros consiste em se supor conhecer
algo já conhecido e deixá-lo como tal’. A reflexão com vistas a uma nova praxis
pressupõe a elucidação dos conceitos abarcados pelo conceito de cidadania, por isso,
para que não se torne este conceito como de todo conhecido e a sua discussão como
pronta e pacífica, é que se passa ao seu enfrentamento.11
Daí, salutar é compreender a dimensão da palavra cidadania, sendo
necessária uma rápida passagem por sua evolução histórica para melhor construção de um
conceito adequado.

2.1.1 Evolução Histórica

Ensina José Roberto Fernandes Castilho12 que ao menos três visões distintas
de cidadania se sucederam ao longo da história: a visão medieval de cidadania, a liberal ou
moderna e a atual, que embora distintas são conexas, esclarecendo ainda sobre essas três
visões que:

da ausência de submissão pessoal passou-se à noção de simples titularidade de


direitos e desta à atual, concernente ao gozo efetivo dos direitos individuais,
coletivos, sociais e políticos (ou de participação na vida política), todos embasados
na nacionalidade — o direito a ter direitos. Com efeito, a noção atual de cidadania é
a de fruição concreta desses direitos todos, necessários e fundamentais para a
expansão da personalidade humana. Mas para que se chegasse a ela um longo
caminho teve antes que ser percorrido.13
Entretanto, a despeito do que foi dito acima, é valido mencionar que o
conceito de cidadania já existia em período anterior. Durante a Antiguidade Clássica a
concepção de cidadania estava diretamente ligada ao surgimento e evolução da Cidade-
Estado. Assim era caracterizada como uma condição de privilégios perante a sociedade, sendo
poucos os que tinham direito a ela. Sobre a qualidade de cidadão, nessa fase, Cláudia Maria
Toledo Silveira afirma que:

Cidadão era, na Antigüidade Clássica, aquele que morava na cidade e participava de


seus negócios. Era, destarte, aquele que podia ter acesso aos cargos públicos,
constituindo, portanto, uma minoria, devido às discriminações aos estrangeiros e

11
LAZZARINI. Álvaro. Cidadania e Direitos Humanos. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São
Paulo. n. 55/56. Centro de Estudos. São Paulo, 2001, p. 15.
12
CASTILHO, José Roberto Fernandes. Cidadania: Esboço de Evolução e Sentido da Expressão. Disponível
em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sos/textos/cid_expressao.html>. Acesso em 15 ago. 2007, p. 1.
13
Ibidem, loc. cit.
16

escravos.14
Desde essa época, portanto, o conceito de cidadania garante àquele que a
possui o direito à participação na gerência dos assuntos da cidade por meio dos cargos
públicos. Em relação à própria evolução do conceito de cidadania na Antiguidade, assevera a
mesma autora:

Por cidadania se entendia, pois, a qualidade de o indivíduo pertencer a uma


comunidade, com todas as implicações decorrentes de se viver em uma sociedade.
Este conceito se vai modificando, enriquecendo, chegando a ficar inseparável da
democracia, isto é, atinge-se uma situação em que não existem cidadãos sem
democracia ou democracia sem cidadãos.15
Percebe-se que a qualidade de cidadão não é algo estanque, mas dinâmico
por sofrer adequação e alterações conforme a época. Assim, é possível afirmar que o conceito
de cidadania na Antiguidade está relacionado com status, ou seja, cidadão era apenas o
homem livre, possuidor de direitos e deveres políticos, devendo estar inscrito no censo da
cidade.
No período medieval o traço marcante da sociedade era a religiosidade e a
submissão social, características percebidas na constatação do domínio da Igreja e na forma
de organização da sociedade. Nesse período, que também é conhecido como “Idade das
Trevas”, havia três camadas sociais distintas, “divinamente” estabelecidas e desprovidas de
mobilidade que formavam a pirâmide social, isto é, a plebe, a nobreza e o clero. Para a base
dessa pirâmide, a plebe, não se constatava nenhum direito que lembrasse a figura do cidadão,
sendo as questões do Estado tratadas por poucos que dispunham de títulos de nobreza
garantidos pela política da “vontade de Deus”.
Segundo Cláudia Maria Toledo Ferreira

a concepção medieval do Direito Natural tomou como base o Estoicismo e a Jurídica


Romana. Ele se vincula, na Idade Média, à vontade de Deus. A Igreja assume como
instituições legítimas a propriedade privada, o matrimônio, o direito, o governo e a
escravidão. No entanto, pregando sempre uma forma ideal de sociedade, na qual
reinaria um Direito Natural Absoluto (originário da doutrina estóica do Direito
Natural absoluto e relativo), em que todos os homens seriam iguais e possuiriam
todas as coisas em comum, não havendo governo dos homens sobre homens ou
domínio de amos sobre escravos, a Igreja conseguiu manter os ideais cristãos longe
da realidade.16
Outro aspecto a ser mencionado do período é a autonomia das cidades
medievais, na Baixa Idade Média - sécs. XII a XV. Segundo José Roberto Fernandes Castilho

14
SILVEIRA, Cláudia Maria Toledo. Cidadania. Jus Navigandi, Teresina, ano 1, n. 18, ago. 1997. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=78>. Acesso em: 20 abr. 2007, p. 1.
15
SILVEIRA, Cláudia Maria Toledo, op. cit. p.1.
16
Ibidem, p. 2.
17

as cidades nessa fase da Idade Média transformaram-se

num lugar privilegiado para o exercício da liberdade. Liberdade entendida aqui


como libertação da servidão. O servo da gleba fugia então dos feudos e penetrava
nos muros da cidade, onde se considerava ao mesmo tempo protegido e livre do
senhor feudal e da sujeição que devia a ele (a vassalagem).17
Diante disso, alude o mesmo autor que a etimologia da palavra “cidadão”
remete à palavra cidade – do latim civitas, concluindo que na origem “a idéia-força da
cidadania diz respeito à idéia da liberdade — real ou ilusória — de que dispunha o habitante
da cidade em comparação com o servo da gleba, no limiar do sistema capitalista”18.
É ainda na Idade Média que começam a surgir direitos e garantias a alguns
indivíduos, quando, por exigência dos barões ingleses, o rei João Sem Terra assinou a Magna
Carta inglesa (1215) limitando o poder estatal. A Magna Carta é considerada um documento
de grande valor histórico por ter estabelecido valores que inspirariam as futuras declarações
de direitos.
Com o surgimento de uma nova classe social, a burguesia, surge também a
necessidade de reformulação dos valores políticos, sociais, econômicos e culturais. Para a
concretização do novo regime econômico que estava por nascer - o capitalismo - eram
necessárias medidas que conferissem segurança às relações da emergente classe burguesa. Daí
resulta o surgimento das lutas por garantias contra abusos do poder estatal.
Também não se pode olvidar da influência do movimento conhecido como
Reforma Protestante, que lutou pelas liberdades individuais, em especial a liberdade de crença
e consciência. Edward Mcnall Burns, citado por Aldir Guedes Soriano, afirma que:
“Quando Lutero resistiu às assertivas da autoridade religiosa na Dieta de Worms,
proclamando: ‘Essa é a minha posição, não posso agir de outra forma’, estabeleceu um
precedente de autonomia da consciência individual que jamais seria esquecido”19.
É a partir da Reforma Protestante que, de acordo com Cláudia Maria Toledo
Silveira, “passa-se a dar ênfase à realidade social como objeto de reflexão e questionamento,
originando-se, então, na França, a corrente filosófica do Iluminismo”20. Para essa corrente
filosófica tudo deveria ser explicado pela razão, ao invés de ser justificado pelo “querer
divino”.

17
CASTILHO, José Roberto Fernandes, op. cit. p. 2.
18
CASTILHO, José Roberto Fernandes, op. cit., p. 2.
19
SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional. São Paulo:
Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 54-55.
20
SILVEIRA, Cláudia Maria Toledo, op. cit., p. 2.
18

A soma de todos esses movimentos (Burguesia, Reforma Protestante e


Iluminismo), que se fortaleciam cada vez mais, mostra que o homem daquele período
histórico clamava por liberdade, quer no aspecto econômico, político, social ou espiritual.
Começa a se formar a concepção moderna de direito de cidadania como
resultado dessas inúmeras transformações ocorridas entre o século XV e XIX. Nesse sentido é
que vários movimentos revolucionários eclodem e dão origem a diversos documentos
jurídicos. Para Dalmo de Abreu Dallari, pelo menos três desses movimentos político-sociais
devem ser mencionados por terem transposto para a prática os princípios que iriam nortear o
Estado Democrático, a saber:

o primeiro desses movimentos foi o que muitos denominam de Revolução Inglesa,


fortemente influenciada por LOCKE e que teve sua expressão mais significativa no
BilI of Rights, de 1689; o segundo foi a Revolução Americana, cujos princípios
foram expressos na Declaração de Independência das treze colônias americanas, em
1776; e o terceiro foi a Revolução Francesa, que teve sobre os demais a virtude de
dar universalidade aos seus princípios, os quais foram expressos na Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, sendo evidente nesta a influência direta
de ROUSSEAU.21
Dos três movimentos políticos mencionados, cada um com o seu respectivo
valor histórico, se destaca a Revolução Francesa (1789) que de forma marcante contribuiu
para a noção moderna de cidadania ao eleger como lema “liberdade, igualdade e
fraternidade”. Mesmo não tendo sido implementados, à época, esses três valores serviram
como norte para futuras transformações sociais.
Também nesse sentido é que Valério de Oliveira Mazzuoli afirma ter sido
com a ruptura do sistema do Antigo Regime (Estados Absolutos) que surgiu o conceito
moderno de cidadania, haja vista ser este conceito “incompatível com os privilégios mantidos
pelas classes dominantes, passando o ser humano a deter o status de ‘cidadão’”22. O mesmo
autor ainda ensina que:

A cidadania é um processo em constante construção, que teve origem,


historicamente, com o surgimento dos direitos civis, no decorrer do século XVIII –
chamado Século das Luzes –, sob a forma de direitos de liberdade, mais
precisamente, a liberdade de ir e vir, de pensamento, de religião, de reunião, pessoal
e econômica, rompendo-se com o feudalismo medieval na busca da participação na
sociedade.23
Desde então, o conceito de cidadania tem evoluído, em especial nos Estados
21
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.
147.
22
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos humanos, cidadania e educação. Uma nova concepção
introduzida pela Constituição Federal de 1988. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2074> Acesso em: 07 ago. 2007, p. 1.
23
Ibidem, loc. cit.
19

Democráticos, sendo sempre objeto de diversos estudos doutrinários. O que se observa nesses
estudos é a inter-relação do conceito de cidadania com o de Direitos Humanos. Segundo
Cláudia Maria Toledo Silveira, inicialmente as conceituações de cidadania e direitos humanos
não se identificavam, no entanto, tornou-se evidente a aproximação de ambos os conceitos,
chegando a ser inseparáveis, de modo que atualmente a evolução de um acarreta a
implementação do outro24.
Contudo, como bem salienta José Roberto Fernandes Castilho25, deve ser
esclarecido que embora exista uma zona em comum entre direitos humanos e cidadania, seus
conceitos não se confundem. Esclarece o autor que:

Pode-se dizer, em suma, que os direitos da cidadania dizem respeito aos direitos
públicos subjetivos consagrados por um determinado ordenamento jurídico,
concreto e específico. Já os direitos humanos — expressão muito mais abrangente
— se referem à própria pessoa humana como valor-fonte de todos os valores
sociais.26
Sobre esses direitos públicos subjetivos, ligados à cidadania, o citado autor
frisa que foi a partir da Revolução Francesa que se consolidou a idéia de “liberdades públicas”
como

direitos do homem consagrados pelo direito positivo ou, em outras palavras, os


poderes de autodeterminação reconhecidos e organizados pelo Estado (Jean Rivero).
No entanto, a expressão "liberdades públicas", no plural, só vai surgir tardiamente
com a Constituição francesa de 1852 (art. 25). Antes do século XVIII, era
impossível pensar-se em direitos subjetivos oponíveis ao Estado, que caracterizava-
se, como dito, pelo absolutismo monárquico.27
Assim, nas primeiras Constituições, que surgem em decorrência dos
movimentos sócio-políticos citados, como as Revoluções Francesa e Americana, percebe-se o
nascimento do Estado de Direito caracterizado pelo elevado grau de formalismo, tendo como
principais elementos estruturais a separação dos poderes, a garantia dos Direitos
Fundamentais, o conceito de lei, o princípio da legalidade da administração e a independência
dos tribunais28.
Essas transformações sócio-políticas resultaram da inadequação da estrutura
estatal diante dos novos anseios do homem moderno. Era inadmissível o poder ilimitado que
os Estados absolutistas possuíam. Para Eduardo Martines Júnior,

a oposição em face dos Estados absolutistas medievais tinha fundamento na

24
SILVEIRA, Cláudia Maria Toledo, op. cit., p. 1.
25
CASTILHO, José Roberto Fernandes, op. cit., p. 1.
26
Ibidem, loc. cit.
27
Ibidem, p. 3.
28
SILVEIRA, Cláudia Maria Toledo, op. cit., p. 4.
20

necessidade de segurança jurídica, cuja existência demandava o equilíbrio desses


dois fatores: autoridade estatal e liberdade individual. Nesse contexto, ao lado dessa
faceta jurídica, não se pode olvidar a influência decisiva do surgimento e
desenvolvimento do sistema capitalista. A burguesia necessitava de se cercar de
garantias legais de que o Estado não influiria em suas relações econômicas de
maneira arbitrária, inviabilizando todo o sistema econômico de mercado.29
No entanto, mesmo tendo sido conquistadas diversas liberdades que
proporcionaram os contornos da idéia de direito da cidadania com as características atuais,
tais conquistas não foram suficientes para se alcançar a necessária justiça social. Nesta
ponderação o mencionado autor enfatiza que justamente

o neutralismo do Estado Liberal surgido após a Revolução Francesa acabou por


acarretar injustiças. É que, embora o Estado não mais se imiscuísse exageradamente
nas liberdades dos particulares, dando-lhes a reclamada segurança jurídica, o sistema
capitalista encarregou-se de piorar as já existentes desigualdades sociais, sobretudo
no contexto da revolução industrial.30
Em meio a esse novo reclamo social, a saber, a efetividade do princípio da
igualdade, não apenas no aspecto formal, mas também no material, é que no início do século
XX surgem em textos constitucionais, como a Constituição Mexicana de 1917 e a de Weimar
de 1919, direitos a prestações positivas do Estado, em contrapartida aos direitos que
impunham limitações à atividade estatal. Neste contexto se verifica a ampliação da idéia de
direito de cidadania, pois tais prestações positivas impostas ao Estado se caracterizam por
fazê-lo criar serviços públicos e medidas que satisfaçam as necessidades da sociedade em prol
da concretização da justiça social, como por exemplo, ensino público gratuito e/ou reserva de
vagas para deficientes físicos em cargos públicos.
José Horácio Meirelles Teixeira leciona que

O Estado Social, portanto, nada mais é que o Estado cuja atividade assume este
sentido social, de realização cada vez maior e mais perfeita justiça social e do bem
comum, e essa tarefa se realiza essencialmente sob três aspectos diferentes, embora
intimamente entrosados e condicionados uns pelos outros: a) pelas limitações e
restrições aos direitos (liberdades) individuais; b) pela prestação positiva, pelo
próprio Estado, daquelas condições concretas, daqueles meios, necessários ao
exercício efetivo dos direitos (ou liberdades) individuais; c) pela fixação, aos
indivíduos, de certos deveres em relação ao Estado.31
Portanto, conclui-se que no desenvolvimento histórico da idéia de cidadania
são perceptíveis as inúmeras ampliações ou reduções de direitos que lhes são inerentes, mas
que garantem hodiernamente atuações positivas e negativas do Estado em prol da liberdade do

29
MARTINES JÚNIOR, Eduardo. Educação, Cidadania e Ministério Público: O artigo 205 da Constituição e
a sua Abrangência. 2006. 459 f. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2006, p.184-185.
30
MARTINES JUNIOR, Eduardo, op. cit., p. 187.
31
TEIXEIRA, José Horácio Meirelles apud MARTINES JUNIOR, Eduardo, op. cit., p. 189.
21

indivíduo de modo que este encontre o sentido intrínseco de viver, e viver com dignidade.
Pode se afirmar então que “o que se nota como inerente à idéia de cidadania é a participação,
o atuar, o agir para construir o seu próprio destino. O que muda, ao longo dos tempos, são o
grau e as formas de participação e sua abrangência”32. Partindo destes esclarecimentos, este
trabalho monográfico se torna apto para discorrer sobre o conceito moderno de cidadania.

2.1.2 Conceito de Cidadania

Após exposição do desenrolar histórico da idéia de cidadania é oportuno


destacar que em cada época houve um conceito desse termo, próprio para cada momento. Se
considerarmos o atual conceito em seu sentido amplo, que resulta da soma de todos os valores
gradativamente acrescentados ao conceito, se poderá observar ao menos três aspectos: os
direitos de nacionalidade, os direitos políticos e os direitos e garantias individuais e coletivas.
O primeiro aspecto se refere ao vínculo político entre o indivíduo e determinado Estado. O
segundo significa a possibilidade de o indivíduo influir nas decisões políticas do Estado,
inclusive fiscalizando-o. O terceiro aspecto protege da indevida ingerência do Estado,
determinados valores historicamente consagrados e, de outro lado, impõe determinadas
prestações a ele, em favor das pessoas que o integram.33
Entretanto, ainda há autores tendentes a ressaltar apenas o aspecto político
da cidadania. Essa acepção é restrita, contrária ao que se procura sedimentar neste trabalho.
Nesse sentido é que o dicionário Houaiss define cidadania como “condição de pessoa que,
como membro de um Estado, se acha no gozo de direitos que lhe permitem participar da vida
política”. Do mesmo modo Gabriel Dezen Junior define cidadania como “capacidade de a
pessoa física exercer direitos políticos”34.
Essa idéia de cidadania (direito de votar e ser votado) é restrita e formal, se
mostrando incompatível

com a ampliação dos direitos inerentes à afirmação da cidadania. Muitos autores, no


entanto, continuam hoje veiculando esta idéia liberal ou moderna sem situá-la no

32
SILVEIRA, Cláudia Maria Toledo, op. cit., p. 1.
33
MARTINES JUNIOR, Eduardo, op. cit., p. 176.
34
DEZEN JUNIOR, Gabriel. Curso Completo de Direito Constitucional. v. I, 4. ed. Brasília: Vestcon, 2003,
p. 13.
22

tempo e no espaço (Europa do século XVIII). A questão material, fática, muitas


vezes, escapa-lhes.35
Conceber a cidadania apenas sob o aspecto político é enxergar apenas uma
de suas facetas, a chamada cidadania política prevista no artigo 14 da CF/88. O que se busca
ressaltar é a cidadania tida como fundamento do Estado brasileiro, prevista no art. 1º, inc. II,
da CF/88. Dirley da Cunha Junior afirma que este dispositivo constitucional referente à
cidadania não se resume ao conceito de nacional no gozo de direitos políticos, mas “visa
qualificar todas as pessoas como titulares de direitos frente ao Estado, reconhecendo o
indivíduo como parte integrante e indissociável da sociedade”36.
Esse mesmo pensamento é corroborado por José Afonso da Silva ao
esclarecer que a norma constitucional contida no inciso II, art. 1º da CF/88, não só reconhece
o indivíduo como pessoa integrante da sociedade como também significa a submissão do
funcionamento do Estado à vontade popular. Continua o autor afirmando que o termo
cidadania

conexiona-se com o conceito de soberania popular (parágrafo único do art. 1º), com
os direitos políticos (art. 14) e com o conceito de dignidade da pessoa humana (art.
1º, III), com os objetivos da educação (art. 205), como base e meta essencial do
regime democrático.37
De igual forma, Uadi Lammêgo Bulos, ao comentar o inciso II do artigo 1º
da CF/88, sustenta que:

Cidadania, nos termos deste inciso II, foi empregada no sentido amplo. Denota
capacidade política, idoneidade para o gozo do direito de eleger (direito ativo) e ser
eleito ou, ao menos, credencia o cidadão a participar da vida democrática do Estado
brasileiro como partícipe da sociedade política. Neste último aspecto, o conceito
constitucional de cidadania anexa-se ao pórtico da soberania popular (art. 1º,
parágrafo único), ao exercício dos direitos políticos (art. 14, ao ditame da dignidade
da pessoa humana (art. 1º, inciso III), à educação, direito de todos e dever do Estado
(art. 205).38
Precisos são os ensinos de Eduardo Martines Junior que, citando Nagib
Slaibi Filho, coloca a questão da cidadania também no campo sociológico, haja vista habilitar
o indivíduo à “plenitude do exercício de todos os poderes que lhe são cabíveis em uma
39
sociedade” . Prossegue o autor pronunciando que quando o indivíduo é discriminado, não
lhe sendo garantida a

35
CASTILHO, José Roberto Fernandes, op. cit., p. 4.
36
CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 507.
37
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. rev e atual até emenda
constitucional nº 31. São Paulo, Malheiros: 2001, p. 109
38
BULOS, Uadi Lammëgo. Constituição Federal Anotada. 4. ed. rev. e atual. até a emenda constitucional n.
35/2001. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 49.
39
MARTINES JUNIOR, Eduardo, op. cit., p. 191.
23

condição de praticar ato que aos demais é deferido, deverá ser tomado como pessoa
com cidadania restrita, tal qual os grupos minoritários que são inibidos do exercício
pleno de seus direitos. Essas pessoas estariam impossibilitadas do exercício da
cidadania.40
Assim é que finaliza mencionando as exatas palavras de Nagib Slaib Filho:
“Cidadania, neste sentido mais amplo, é conceito correspectivo com os de democracia e
igualdade”41.
Ultrapassado, por tanto, o conceito original de cidadania em que se referia
apenas ao aspecto político (votar e ser votado), a doutrina atual, corroborada por diversos
textos constitucionais e internacionais, vem a ampliar o seu significado, conduzindo a um
entendimento de que a cidadania além de se referir à possibilidade de participação nas
decisões políticas, também engloba o direito de se efetivar os demais direitos, em especial os
direitos fundamentais, sejam os individuais ou coletivos, diante do Estado a que cada
indivíduo se encontre vinculado. Nesta direção é que se posiciona Eduardo Martines Junior ao
conceituar cidadania como

o direito conferido àqueles que têm vínculo com determinado Estado, a concretizar
todos os demais direitos, individuais ou coletivos, mediante a possibilidade de
influir nas decisões políticas. Esse direito de ter direitos, não está numa perspectiva
meramente formal, mas sim sob um prisma de realização material daquilo que é
plasmado pelo sistema jurídico como direitos conferidos.42
Seguindo essa mesma linha de pensamento é que Valério de Oliveira
Mazzuoli considera ser o cidadão

aquele indivíduo a quem a Constituição confere direitos e garantias – individuais,


políticos, sociais, econômicos e culturais –, e lhe dá o poder de seu efetivo exercício,
além de meios processuais eficientes contra a violação de seu gozo ou fruição por
parte do Poder Público.43
Tércio Sampaio Ferraz Junior também corrobora a mesma idéia ao afirmar
que “a cidadania na Constituição tem um sentido amplo, equivalente a todos os direitos e
obrigações decorrentes da nacionalidade, bem como um sentido referente à participação no
governo”44.
Cumpre ressaltar que a gama de direitos conferidos pela Constituição
brasileira de 1988 deve ultrapassar o seu aspecto formal da mera declaração e se concretizar
na vida de cada cidadão brasileiro. É especificamente nessa dicotomia (declaração e

40
Ibidem, loc. cit.
41
Ibidem, loc. cit.
42
MARTINES JUNIOR, Eduardo, op. cit., p. 176.
43
MAZZUOLI, Valério de Oliveira, op. cit., p. 11.
44
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Direito e Cidadania na Constituição Federal. Disponível em:
<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista3/rev1.htm>. Acesso em: 10 jun. 2007, p. 5.
24

efetivação) que, segundo José Roberto Fernandes Castilho, reside a atual e polêmica noção de
cidadania, fazendo o mesmo as seguintes indagações: “Como se garantir a fruição dos direitos
públicos subjetivos? Como proporcionar a igualdade de oportunidades? Como dar eficácia às
normas constitucionais que tratam dos direitos sociais? Este é o ponto fulcral”45.
Prossegue o mesmo autor dizendo que:

o processo de construção da cidadania é antigo e não tem fim. Não se completa


nunca. "Onde quer que seja, existirão sempre homens e mulheres, grupos e
indivíduos singulares, minorias e estratos particulares, submetidos a algum tipo de
humilhação, degradação, injustiça ou opressão" (Marco Aurélio Nogueira) e, por
isso, reivindicando direitos em concreto, exigindo a fruição efetiva das liberdades
públicas.46
Salutar, então, é a colocação de Tércio Sampaio Ferraz Junior ao expor a
importância do reconhecimento da cidadania:

Pode-se entender que sem o reconhecimento da cidadania, qualquer Constituição e,


em particular, a Constituição brasileira, torna-se letra no papel. Em conseqüência,
sem ela, o Direito perde, seguramente, sua substância. Afinal, no uso da expressão
“Estado Democrático de Direito”, estão presentes componentes que tendem a fazer
da liberdade ao mesmo tempo liberdade-autonomia e liberdade-participação.47
Depois de observados esses aspectos, importa mencionar que muitos são os
direitos pertinentes à cidadania, no entanto, este trabalho monográfico se restringirá à
abordagem dos seguintes direitos característicos da cidadania: liberdade de religião enquanto
direito que possibilite a autodeterminação do sujeito por meio da livre escolha de suas crenças
sem interferências e/ou pressões externas a ele; educação enquanto meio de preparo para a
vida e instrumento de capacitação para o exercício da cidadania conforme preceitua a norma
constitucional de 1988; e o direito subjetivo de participação política por meio do acesso aos
cargos públicos.
Cada um desses direitos (liberdade religiosa, educação, acesso aos cargos
públicos) é individualmente reconhecido pela doutrina e jurisprudência. No entanto, o
Judiciário tem se deparado com situações envolvendo a crença religiosa de alguns, pertinente
ao dia de guarda, que se apresenta em choque com obrigações legais de caráter educacional –
a presença em sala de aula no dia considerado santo – e obrigações condicionantes à
participação de processo seletivo para ingresso na carreira pública, que também é marcado
para o dia considerado sagrado.
A seguir, se fará abordagem sucinta do direito constitucional à educação,

45
CASTILHO, José Roberto Fernandes, op. cit., p. 4.
46
Ibidem, p. 6.
47
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio, op. cit., p. 9.
25

bem como do princípio ao amplo acesso aos cargos públicos. Quanto à análise do direito
fundamental à liberdade religiosa, também inerente à cidadania, será feita em capítulo à parte,
de modo a se permitir maiores reflexões no âmbito do direito que constitui cerne do presente
trabalho monográfico.

2.3 CIDADANIA E EDUCAÇÃO

O homem não nasce dotado com todas as aquisições culturais da sociedade.


À medida que cresce e se desenvolve por meio das possíveis oportunidades, se apropria por
meio da educação, do conhecimento produzido. Este conhecimento, que engloba todos os
ramos do saber, formará a sua capacidade de discernimento e autodeterminação na sociedade.
Por isso, quando não se possibilita meios para que o indivíduo adquira educação formal, o
mesmo se torna escravo de um mundo desconhecido por não estar ciente de direitos e deveres
na sociedade.
Neste sentido, a educação não é apenas o instrumento preparatório para o
exercício da cidadania, como também é o instrumento que qualifica o indivíduo para o
trabalho. É um direito atribuído a todos os brasileiros que está previsto expressamente na
Constituição Federal de 1988, sendo qualificado como um dever do Estado e da família.
Assim diz o seu art. 205:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e


incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho. [grifo nosso]
Se por um lado, a cidadania, como fundamento do Estado brasileiro, garante
a todos o acesso à educação, por outro é a educação que torna o indivíduo hábil para o
exercício da cidadania. Por essa razão a tarefa de educar é um dever para o poder público e
um direito para os cidadãos num Estado Democrático. Assim é que se pronuncia Valério de
Oliveira Mazzuoli: “A Constituição de 1988, ao consagrar a universalidade e indivisibilidade
dos direitos humanos, também entrega ao Estado e ao cidadão – de forma implícita – a tarefa
de educar (dever) e ser educado (direito) em direitos humanos e cidadania”48.
É por essa razão, dentre outras, que a CF/88 já no seu artigo 6º, cuidou de
incluir a educação no rol dos direitos fundamentais, classificando tal direito como um direito
social. Esse dispositivo constitucional está de acordo com o artigo 26 da Declaração Universal
48
MAZZUOLI, Valério de Oliveira, op. cit., p. 13.
26

dos Direitos Humanos de 1948 que estabelece em suas duas primeiras alíneas o direito à
educação (chamada aqui de instrução) ao afirmar que:

I - Todo o homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos
graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A
instrução técnica/profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior,
esta baseada no mérito.
II - A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e
pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e
amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as
atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
Deixa bem claro o citado texto que a instrução (educação) deve ser acessível
a todos, sem restrições, tendo a finalidade, dentre outras, de promover a compreensão e
tolerância em relação aos grupos religiosos. Desse modo, como se admitir que o cidadão
tenha restrito seu direito à educação em razão de sua fé, de sua crença religiosa? Ocorre que,
se instituições de ensino estabelecem em seu calendário letivo aulas em dias considerados
santificados por determinado grupo religioso, em especial os minoritários, e não lhes
concedem outra alternativa à presença neste dia, estará privando tais cidadãos - membros de
tal grupo - do direito à educação em razão das convicções religiosas.
Ressalte-se que a instrução, a que se refere o citado artigo 26, abrange
também o ensino superior, não se limitando à educação fundamental, devendo o acesso à
instrução superior ter como base o mérito do indivíduo mensurado em seleção pública.
A Conferência de Viena sobre Direitos Humanos de 1993 reitera o já
disposto no documento internacional de 1948 e acrescenta que

a educação em matéria de direitos do homem e a disseminação de informação


adequada, tanto ao nível teórico como prático, desempenham um papel importante
na promoção e no respeito dos direitos do homem relativamente a todos os
indivíduos, sem qualquer distinção de raça, sexo, língua ou religião, o que deverá ser
incluído nas políticas educacionais, quer a nível nacional, quer a nível internacional.
Também deve ser mencionado que o Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais de 196649 trata especificamente sobre o direito à educação
em seu artigo 13 dispondo que:

§1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à


educação. Concordam em que a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do sentido de sua dignidade e a fortalecer o respeito pelos
direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam ainda que a educação
deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre,

49
Adotada pela Resolução n.2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de
1966 e ratificada pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992.
27

favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre


todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações
Unidas em prol da manutenção da paz.
§2. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem que, com o objetivo de
assegurar o pleno exercício desse direito:
1. A educação primária deverá ser obrigatória e acessível gratuitamente a todos.
2. A educação secundária em suas diferentes formas, inclusive a educação
secundária técnica e profissional, deverá ser generalizada e tornar-se acessível a
todos, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação
progressiva do ensino gratuito.
3. A educação de nível superior deverá igualmente tornar-se acessível a todos, com
base na capacidade de cada um, por todos os meios apropriados e, principalmente,
pela implementação progressiva do ensino gratuito.
Depois de garantir a educação como direito social básico, em conformidade
com os Tratados Internacionais mencionados, a CF/88 estabelece em seu art. 23, inciso V, ser
de competência comum de todos os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e
Municípios) o dever de “proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência”.
Reforçando ainda este dever do Estado com a educação, o artigo 208, inciso V, dispõe que a
efetivação de tal dever se dará mediante a garantia de “acesso aos níveis mais elevados do
ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”. Estabelece
também o artigo 227 que o Estado juntamente com a família e a sociedade tem o dever de
assegurar à criança e ao adolescente, dentre outros, o direito à educação, à profissionalização
e à liberdade.
Percebe-se que o direito à educação como preparo para o exercício da
cidadania (em seu sentido amplo) está consagrado em todo o texto constitucional, além de sua
inserção no contexto dos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos.
Ainda sobre a educação, a CF/88 estabelece princípios norteadores do
ensino, sendo que no inciso I do artigo 206 estabelece a “igualdade de condições para o
acesso e permanência na escola” e no inciso II estabelece o “pluralismo de idéias e de
concepções pedagógicas”, em consonância com um dos fundamentos da República brasileira,
estabelecido no inciso V do art. 1º da CF/88, a saber, o pluralismo político.
Para Valério de Oliveira Mazzuoli, a Constituição Federal de 1988 ao tratar
do tema educação a relacionou diretamente com cidadania e direitos humanos com o
propósito de querer

significar que não há direitos humanos sem o exercício pleno da cidadania, e que
não há cidadania sem uma adequada educação para o seu exercício. De forma que,
somente com a interação destes três fatores – direitos humanos, cidadania e
educação – é que se poderá falar em um Estado Democrático assegurador do
exercício dos direitos e liberdades fundamentais decorrentes da condição de ser
28

humano.50
Por isso é que a verdadeira base para a transformação da sociedade reside na
educação, tanto no seu aspecto sócio-econômico quanto político, sendo a mesma apta a
capacitar todas as pessoas para participar efetivamente de uma sociedade livre, conforme
preceitua o citado art. 13 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
de 1966.
José Roberto Fernandes Castilho ainda conclui que

a educação, além de ser um direito social básico e elementar, é também o caminho


— ou a condição necessária — que vai permitir o exercício e a conquista do
conjunto dos direitos da cidadania, que se ampliam a cada dia em contrapartida às
necessidades do homem e da dignidade humana.51
Em seguida afirma o mesmo autor:

A educação política do povo, ou educação para a cidadania, deve, pois, possibilitar


primeiro o igual acesso ao Direito — isto é, o conhecimento do ordenamento
jurídico das liberdades públicas por parte de todas as pessoas — e então a formação
das consciências dos sujeitos sociais para a necessidade de sua afirmação no nível
dos fatos, no nível da vida real. E daí a luta por sua extensão.52
Percebe-se pelo exposto que a educação não apenas é um direito
fundamental, mas condição essencial para o desenvolvimento do indivíduo. A educação o
prepara para as atividades laborais necessárias à própria sobrevivência, bem como o capacita
a conhecer seu conjunto de direitos enquanto cidadão dotando-o de senso crítico da realidade.
Só assim será possível exercer plenamente sua cidadania.

2.4 CIDADANIA E O ACESSO AOS CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS

A Constituição de 1988, conforme João Baptista Herkenhoff53, foi a


primeira da História do Brasil a deixar de ser um documento de juristas para, diante das
manifestações populares, assumir a característica de verdadeiro pacto social. Para Herkenhoff,
mesmo sofrendo derrotas no processo de elaboração, o que de melhor apresentou o texto
constitucional surgiu direta ou indiretamente das reivindicações e pressões populares. Uma
dessas reivindicações populares foi a exigência de que houvesse no país o fim do regime de
afilhadismo, nepotismo e outras formas de corrupção, sendo traduzida na Constituição pela

50
MAZZUOLI, Valério de Oliveira, op. cit., p. 13.
51
CASTILHO, José Roberto Fernandes, op. cit., p. 5.
52
CASTILHO, José Roberto Fernandes, op. cit., p. 5.
53
HERKENHOFF, João Baptista. Concursos Públicos, Ética e Cidadania. Disponível em:
<http://www.ulbrajus.com.br/web/index.php?menu=opiniao&id=11>. Acesso em: 06 jun. 2007, p. 1.
29

fórmula “todos são iguais perante a lei”, com o devido conteúdo de efetividade social. Diz o
citado autor:

A igualdade passou a ser demanda incontornável. Da mesma forma, o princípio da


investidura em cargos públicos, por meio de concurso, deixou de ser uma promessa
vã, para tornar-se pleito marcado pela luta do povo. Efetiva igualdade perante a lei e
acesso igualitário aos cargos públicos são afirmações que se completam,
conseqüência necessária do regime democrático, naquilo que é a sua essência, sua
base ética.
[...]
Igualdade perante a lei é abolição de privilégios, é equivalência de oportunidades.
Impõe, dentre outras franquias, a disputa limpa dos empregos públicos.54
Como foi dito em tópico anterior, a cidadania em sua concepção histórica –
dentre outros direitos – conferia a poucos privilegiados a prerrogativa de ter acesso aos cargos
e empregos públicos. Mas, em razão do princípio democrático e da conseqüente ampliação do
conceito de cidadania e do seu alcance, hodiernamente é garantido a todos que preencham os
requisitos legais o direito de participar da Administração Pública, mediante seleção pública.
Declara Adilson Abreu Dallari que “a garantia de acessibilidade ao serviço
público, é um direito fundamental do cidadão”55, e dessa forma, prossegue o autor:
“todo brasileiro tem constitucionalmente assegurado o direito de, por qualquer forma,
participar da Administração Pública, direta ou indiretamente, mesmo quando ela se apresenta
com uma roupagem de pessoa jurídica de direito privado”56.
Nesse mesmo sentido afirma Fabrício Motta:

O acesso aos cargos e empregos públicos deve ser amplo e democrático, precedido
de procedimento impessoal, em que se assegure igualdade de oportunidades a todos
os interessados, incumbindo ao Estado identificar e selecionar os mais aptos para
atender ao interesse público a na realização de suas funções, sempre mediante
critérios objetivos.57
Na mesma linha ensina o constitucionalista Alexandre de Moraes:
“Existe, assim, um verdadeiro direito de acesso aos cargos, empregos e funções públicas,
sendo o cidadão e o estrangeiro, na forma da lei, verdadeiros agentes do poder, no sentido de
ampla possibilidade de participação da Administração Pública”58.
Ao se conceder a igualdade de oportunidades a todos os interessados,

54
Ibidem, loc. cit.
55
DALLARI, Adilson Abreu. Princípio da Isonomia e Concursos Públicos. Revista Eletrônica de Direito do
Estado. n. 6, abr/mai/jun 2006. Disponível em: <www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 05 fev. 2007, p. 1.
56
Ibidem, loc. cit.
57
MOTTA, Fabrício. Apresentação. In: MOTTA, Fabrício (coord). Concursos Públicos e Constituição. Belo
Horizonte: Fórum, 2005, p. 9.
58
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 4. ed. São
Paulo: Atlas, 2004, p. 834.
30

revela-se a aplicação do princípio democrático que rege a sociedade brasileira possibilitando a


participação de todos os cidadãos na Administração Pública. Esclarece ainda o mesmo autor:

Com efeito, a república democrática é marcada pela titularidade do poder conferida


aos cidadãos, e de tal assertiva decorre o direito de participar ativamente do
exercício e do controle das funções estatais. Por outro lado, o princípio isonômico
determina equânime tratamento dos cidadãos e igualdade na distribuição de
oportunidades, de acordo com sua situação pessoal, não havendo amparo para
tratamento injustificadamente privilegiado ou desfavorecido por parte do Estado.59
Daí, fazendo jus à adjetivação de cidadã conferida por Ulisses Guimarães, a
Constituição de 1988 estabelece iguais oportunidades a todos os brasileiros que desejarem
participar de seleção para provimento de cargos públicos. Sobre esse direito individual, o
Deputado Federal Patrus Ananias afirma:

Um importante direito individual, que inclusive é basilar em um Estado


democrático, é o direito igualitário de acesso aos cargos públicos. O art. 1º da
Constituição Federal é expresso ao estabelecer que a República Federativa do Brasil
é um Estado Democrático de Direito, que tem a cidadania como um dos seus
fundamentos. Ao contrário do que ocorria no passado, não há cargos públicos
hereditários. Positivando expressamente o direito individual de acesso aos cargos
públicos de forma impessoal e igualitária, já que vivemos em um Estado
Democrático de Direito e que tem a cidadania como fundamento, o art.37, inciso II,
da Constituição Federal é expresso no sentido de que a investidura em cargo ou
emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de acordo com
a natureza e a complexidade do cargo.60
Situa-se no art. 37, inc. I, da Constituição Federal de 1988 a previsão do
princípio da ampla acessibilidade aos cargos, empregos e funções públicas, dispondo que “os
cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os
requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei”.
De forma cristalina, José Afonso da Silva faz a seguinte reflexão sobre o
dispositivo constitucional acima referido:

Há aí duas normas e dupla referência à lei. A primeira norma, que reconhece


acessibilidade a todos os brasileiros, é de eficácia contida e aplicabilidade imediata,
de sorte que a lei a ela referida não cria o direito previsto, antes o restringe ao prever
requisitos para seu exercício. Essa lei está limitada pela própria regra constitucional,
de tal forma que os requisitos nela fixados não poderão importar em discriminação
de qualquer espécie ou impedir a correta observância do princípio da acessibilidade
de todos ao exercício da função administrativa.61
Das palavras do eminente constitucionalista ressalte-se que só a lei em

59
MOTTA, Fabrício, op. cit., p. 10.
60
ANANIAS, Patrus. Voto em separado à Proposta de Emenda à Constituição nº 2 de 2003. Comissão de
Constituição e Justiça e de Redação da Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/s
ileg/integras/180344.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2007, p. 2.
61
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. rev. e atual. até emenda
constitucional n. 31. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 663.
31

sentido formal poderá criar requisitos para ingresso nos quadros de servidores públicos, e que
esses possíveis requisitos deverão respeitar o princípio da não-discriminação sem justa causa.
É certo que o propósito da lei é justamente discriminar, pois ao estipular certo requisito fará
distinção entre aqueles que o cumprem dos que não. O que não deverá ocorrer é o que se
chama em discriminação odiosa, como aquelas em razão de cor, raça, crença
religiosa/política/filosófica etc., ou discriminações que não sejam pertinentes com as funções
a serem desempenhadas pelo possível ocupante do cargo a ser disputado. Neste sentido se
manifesta o administrativista Hely Lopes Meirelles ao dizer que:

o mesmo art. 37, inc. I, condiciona a acessibilidade aos cargos públicos ao


preenchimento dos requisitos estabelecidos em lei. Com isso, ficam as
Administrações autorizadas a prescrever exigências quanto à capacidade física,
moral, técnica, científica e profissional, que entender convenientes, como condições
de eficiência, moralidade e aperfeiçoamento do serviço público. Mas à lei específica,
de caráter local, é vedado dispensar condições estabelecidas em lei nacional para a
investidura em cargos públicos, como as exigidas pelas leis eleitorais e do serviço
militar, ou para o exercício de determinadas profissões (CF, art. 22, XVI). E tanto
uma como outra deverá respeitar as garantias asseguradas do art. 5º, da Constituição
da República, que veda distinções baseadas em sexo, raça, trabalho, credo religioso
e convicções políticas.62
O Supremo Tribunal Federal63 se manifestando na Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 1.040, de relatoria do Ministro Néri da Silveira, também frisou que
os requisitos da lei à admissão ao concurso público não pode constituir impedimento
desarrazoado à efetivação do princípio da ampla acessibilidade aos cargos públicos.
Segundo o texto constitucional, inciso II do art. 37, o acesso aos cargos e
empregos públicos se dará mediante participação em concursos públicos de acordo com a
natureza e a complexidade do cargo ou emprego, objetivando essencialmente, segundo José
Afonso da Silva64, realizar o princípio do mérito. Acrescenta Fabrício Motta:

A realização de certame competitivo prévio ao acesso aos cargos e empregos


públicos objetiva realizar os princípios consagrados em nosso sistema
constitucional, notadamente os princípios da republica, democracia, isonomia e
eficiência, e efetiva-se por meio de processo administrativo.65
Diante do retrospecto histórico da maneira como eram preenchidos os
cargos públicos, privilégio de uma minoria que possuía “padrinhos” políticos, declara Adilson
Abreu Dallari que “o concurso público somente interessa aos fracos, aos desprotegidos,
àqueles que não contam com o amparo dos poderosos capazes de conseguir cargos ou

62
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 429.
63
STF, ADI 1.040-MC, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 17/03/95.
64
SILVA, José Afonso da, op.cit. p. 664.
65
MOTTA, Fabrício, op. cit., p. 9.
32

empregos sem maiores esforços66.


Oportunamente, o Deputado Federal Patrus Ananias, argumenta que

a necessidade de concurso público para o provimento de um cargo público efetivo


decorre de ser a cidadania - todos são iguais perante a lei – um fundamento da
República Federativa do Brasil, que também se traduz no acesso igualitário aos
cargos públicos. Caso se admita que alguém pode ter um acesso privilegiado a um
cargo público efetivo, isto é, sem passar por um concurso público de acesso a esse
cargo, haverá uma estridente violação à cidadania e ao direito individual de acesso
igualitário aos cargos públicos.67
Em suma, o acesso aos cargos e empregos públicos é um direito
fundamental do cidadão, condicionado à aprovação em concurso público de provas ou provas
e títulos. Por conseqüência, a oportunidade de participar do processo seletivo é também um
direito fundamental individual. Tal direito só poderá ser limitado apenas por requisitos
estabelecidos em lei (em sentido formal) adequados ao exercício das atividades pertinentes ao
cargo e desde que não importe em discriminação de qualquer espécie, como em razão de sexo,
cor ou crença religiosa, possibilitando a participação do maior número possível de
concorrentes para que a Administração Pública tenha selecionado o mais preparado.
A cidadania será então violada quando o Poder Público concede privilégios
a certos indivíduos para que ocupem cargos públicos efetivos sem concurso público,
impedindo a tantos outros a oportunidade de disputar tal posto. De igual modo, haverá
violação ao princípio da cidadania quando o Poder Público cria (ainda que involuntariamente)
obstáculos que impeçam a participação de determinado indivíduo ou grupo no certame em
razão de particularidades como a crença religiosa adotada.

66
DALLARI, Adilson Abreu, op. cit., p. 6.
67
ANANIAS, Patrus, op. cit., p. 2.
33

3 A LIBERDADE RELIGIOSA

O que determina a conduta do indivíduo? O que o motiva a agir de uma


forma ou de outra? Que parâmetro pode ser utilizado para se definir uma conduta como
correta ou como errada? As respostas a essas indagações se encontram em “juízos de valor”
prescritos por regras da moral, ética, direito ou religião, que resultará em um “dever-ser”
acompanhado de algum tipo de sanção. Essa sanção poderá ser desde a mera reprovação
social até a coerção mediante força ou violência, como também a crença de uma punição
“espiritual” – nessa vida ou em outra – no caso da religião.
Sobre a religião e o tipo de sanção por ela imposta, se manifesta Miguel
Reale ensinando que:

A idéia fundamental da religião é a de que vivemos uma vida transitória, que não
tem em si a medida de seu valor, mas que se mede, segundo valores eternos, à luz da
idéia de uma vida ultraterrena, na qual os homens serão julgados segundo o valor
ético de sua própria existência. O remorso é também, para o crente, uma força de
sanção imediata e imperiosa. Todas as regras possuem, em suma, sua forma de
sanção.68
Diferente da moral, da ética e do direito, a religião não regula apenas a
relação entre os homens, mas prescreve ao homem deveres em relação a si mesmo ou em
relação à divindade. Assim, é possível afirmar que as normas da religião são emanadas, “em
tese”, da própria divindade que diz como deseja ser cultuada/adorada.
Entretanto, a existência ou não de Deus não pode ser cientificada ou
provada. Por isso a crença ou não em sua existência, ou se de fato determinada prescrição
normativa foi emanada da divindade, fica a critério da consciência de cada indivíduo. Por
conseqüência, seu “norte” do que seja certo ou errado, no âmbito religioso, terá fundamento
nas convicções que sua consciência aceite como verdadeiras, não sendo possível ao Estado ou
a sociedade impor outra forma de pensar. A consciência é livre, e neste sentido afirma José
Cretella Júnior que

a liberdade de consciência não necessita de proteção constitucional ou legal. O


direito não se preocupa com os atos internos ou intransitivos do homem, que, aliás,
não perturbam nenhuma pessoa, nem a ordem jurídica. O constituinte confundiu
“consciência” com “projeção da consciência”, no mundo externo. O mesmo ocorre
com a crença, sempre livre, indevassável pelo Estado. Objeto de cogitação do
direito é o “culto”, a “religião”, o “cerimonial”, a “prática da consciência e da

68
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 25. ed. São Paulo, Saraiva: 2001, p. 69.
34

crença”.69
Carlos Maximiliano, ora citado por José Cretella Junior, também declara:

o pensamento é íntimo, simples função psíquica, incoercível. Dele faz uso até o
encarcerado. O próprio indivíduo dificilmente o evita; cada um sente a tortura de
uma idéia, que desejaria expungir do cérebro. Reivindica-se apenas a liberdade da
palavra, que é a expressão do pensamento.70
Por outro lado, como ensina Celso Ribeiro Bastos, o pensamento/crença
“não se contorna no domínio do puro espírito. Ele tende à transcendência, quer por sua
vocação ao proselitismo, quer pelo simples fato de determinar em boa parte as próprias
atitudes individuais”71.
Assim, a maior parte das crenças, e em especial as religiosas, resultará em
algum tipo de exteriorização, necessária para a própria concretização da crença. Pertinente é a
ponderação de José Cretella Junior72 ao dizer que a “consciência é a fé interiorizada”,
enquanto que a “religião ou culto é a fé exteriorizada”.
A Bíblia – texto sagrado do cristianismo – no livro de Tiago, capítulo 2,
versos 17 a 19, em consonância com o ensinamento de Cretella acima citado, declara:

Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma. Mas dirá alguém:
Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e eu te
mostrarei a minha fé pelas minhas obras. Tu crês que há um só Deus; fazes bem.
Também os demônios o crêem, e estremecem.73
Percebe-se a necessidade que o homem tem de expressar o que pensa ou
acredita, vivendo conforme suas convicções. Na história sempre houve aqueles que
reivindicavam o direito de determinar a crença dos demais, empregando, se necessário, todo
tipo de coação. Muitos homens por causa de suas crenças preferiram sofrer as conseqüências
de serem fiéis a elas do que agirem de forma contrária, mesmo sob a ameaça do Estado ou de
outro grupo majoritário, religioso ou não. Muitos dos cristãos primitivos foram vitimados pelo
Império Romano por adorarem um “único Deus” se recusando a adoração do Imperador. De
igual modo, outros tantos foram vitimados pela “Santa” Inquisição no período conhecido
como Idade Média, por viverem ou pregarem em desacordo com dogmas da Igreja dominante.
A liberdade religiosa ou de crença nada mais é do que a liberdade de

69
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, v. I, Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1992, p. 216.
70
CRETELLA JÚNIOR, José, op. cit., p. 206.
71
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5
de outubro de 1988, v. II, 2 ed. atual. São Paulo. Saraiva: 2001, p. 52.
72
CRETELLA JÚNIOR, José, op. cit., p. 218.
73
BÍBLIA SAGRADA. Antigo e Novo Testamento. Trad. João Ferreira de Almeida. Rev. e atual. 2. ed. São
Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
35

pensamento no campo espiritual ou religioso. Para Celso Ribeiro Bastos a liberdade de


opinião se destaca no contexto da liberdade de pensamento, afirmando ser característica
daquela (liberdade de opinião) o direito de “livre escolha pelo homem da sua verdade, não
importa em que domínio. Ela ganha o nome de liberdade de consciência quando tem por
objeto a moral e a religião”74.
Sobre a crença religiosa afirma Hédio Silva Junior:

Crença religiosa diz respeito a leituras e interpretações de uma dimensão metafísica,


de uma realidade não demonstrável, no mais das vezes expressas em categorias
abstratas, espirituais, temporais. Deste modo, delas não se pode exigir que sejam
aceitáveis, racionais, lógicas, consistentes ou compreensíveis, seja para ateus, tanto
menos para adeptos de religiões distintas daquela posta eventualmente em exame.75
Em outras palavras, a multiplicidade de interpretações sobre um mesmo
fenômeno (fato que ocorre em qualquer campo do saber) resultará em igual quantidade de
crenças. E por ser no âmbito religioso, tais crenças não poderão ser passíveis de maiores
racionalizações, pois sempre se chegará a um ponto em que a fé atuará com mais força do que
a razão. Assim, cada religião poderá possuir sobre o mesmo fato, crenças distintas e
divergentes entre si, mas que se revestem de verdade para o respectivo grupo defensor. É
nesse sentido que o autor acima referido cita a seguinte ponderação de John Locke:

Porque cada Igreja é ortodoxa para si consigo mesma; para as outras, errônea ou
herege. E ainda: (...) todo o poder do governo civil diz respeito tão só aos interesses
civis dos homens, limitando-se ao cuidado enquanto pertence a este mundo, nada
tendo a ver com o mundo a vir.76
Cristobal Orrego Sanchez e Javier Saldaña Serrano, também citados por
Hédio da Silva Júnior, concluem que “o Estado não pode determinar a verdade ou falsidade
de qualquer credo religioso. Logo, não poderá discriminar nenhuma confissão com base na
verdade ou falsidade religiosa”77.
Entretanto, ao contrário da afirmação supramencionada, a realidade da
maior parte da história humana demonstra que os Estados de alguma forma procuraram a
unidade religiosa como forma de domínio sobre o povo, não importando o meio necessário
para a preservação dessa unidade. A crença individual pouco ou nada importava. Não havia
liberdade de expressão ou de manifestação da crença como se conhece atualmente. Os
dissidentes eram tratados como criminosos, sendo condenados à perda de direitos, dos bens,

74
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra, op. cit., p. 52.
75
SILVA JUNIOR, Hédio. A Liberdade de Crença como Limite à Regulamentação do Ensino Religioso.
2003. 245 f. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003, p. 33-34.
76
Ibidem, p. 34.
77
Ibidem, loc. cit.
36

da liberdade de locomoção e da própria vida.


Surgem então homens, como Martinho Lutero, Wycliffe, John Huss,
Calvino, entre outros, que não aceitam se submeter àquilo que seja contrário à própria
consciência. Mesmo não concordando entre si em tudo, estes indivíduos estavam certos de
que cada homem deveria ter o direito de viver conforme suas próprias crenças, interpretando
por si mesmo as Escrituras Sagradas.
A idéia de auto-determinação do indivíduo ganhou força a cada momento,
culminando então no direito fundamental à liberdade de pensamento, de crença e, por
conseqüência, de religião, inerentes ao novo conceito de cidadania.

3.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA LIBERDADE RELIGIOSA

Os antecedentes históricos da liberdade religiosa, segundo Victor Garcia


Toma, remontam às palavras do rei persa Addashir, no século III a.C., tendo o mesmo dito
que:

Sabei que a autoridade somente se exerce sobre o corpo dos súditos, e que o rei não
tem poder algum sobre o coração humano. Sabei que, ainda que se domine os
homens no que diz respeito a suas posses, não se dominará nunca o fundo da suas
mentes78. [tradução livre]
Reconhece-se, ainda que de forma sutil, que por mais que se pudesse impor
um comportamento exterior ao homem, não se poderia controlar aquilo que pensava. Mas,
como dito no início deste capítulo, o que importa à liberdade religiosa é a “projeção da
consciência”, a possibilidade de sua exteriorização, já que o simples pensamento/consciência
por sua própria natureza é livre e indevassável. Assim, ainda que se reconhecesse a natureza
indevassável da consciência, não era livre a sua manifestação na maioria das sociedades
primitivas. Fustel de Coulanges, sobre a liberdade de manifestação do pensamento, afirma:
“os antigos não conheciam, portanto, nem a liberdade de vida privada, nem a de educação,
nem a liberdade religiosa. A pessoa humana tinha muito pouco valor perante esta autoridade
santa e quase divina que se chamava pátria ou Estado”79.
Reforçando tal assertiva, o mesmo autor assevera que “o homem não tinha
escolha de crenças. Devia acreditar e submeter-se à religião da cidade. [...] A liberdade de

78
TOMA, Victor Garcia. Los derechos fundamentales de la persona como ser espiritual. Disponível em:
<http://www.uladech.edu.pe/comunicado/victorgarcia.pdf>. Acesso em: 02 fev. 2006, p. 2.
79
COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. Trad. Pietro Nassetti. Coleção a obra-prima de cada autor. São
Paulo: Martin Claret, 2002, p. 251.
37

pensamento, em matéria de religião, era absolutamente desconhecida entre os antigos”80.


Neste período histórico é possível localizar alguns casos em que determinado Estado
dominante concedia relativa liberdade religiosa aos povos dominados, permitindo que
permanecessem com o culto ao seu deus.
Aldir Guedes Soriano, sobre a expressão liberdade religiosa, assevera:

A expressão "liberdade religiosa" foi utilizada, provavelmente, pela primeira vez no


segundo século da era cristã. Tertuliano, um advogado convertido ao cristianismo,
usou essa expressão na sua obra intitulada Apologia (197 d.C.), para defender os
cristãos que passavam por uma feroz perseguição religiosa empreendida pelo
Império Romano.81
Contudo, segundo Victor Garcia Toma, é com a aprovação do Edito de
Milão, pelo Imperador Romano Constantino no ano 313 d.C, que foi concedido a todos os
homens, e em especial aos cristãos, o direito de seguir a religião que escolhessem. No entanto,
tal direito foi posteriormente desrespeitado pelo próprio Imperador Romano, que ao se
converter ao cristianismo, inicia uma terrível luta contra o paganismo82.
Com a conversão do Imperador Romano Constantino, o cristianismo é
consolidado e a religião Católica Apostólica Romana se torna a “fé” oficial do Estado.
Conforme Manuel Jorge e Silva Neto83 é aqui que ocorrem as maiores atrocidades que a
humanidade já viu, em nome da fé. A Igreja de perseguida passa a ser perseguidora, sendo
que qualquer tentativa de criação de novo segmento religioso ou profissão de fé distinta
daquela sacralizada pelos ordenamentos católicos era severamente castigada por ser tida como
heresia ou bruxaria.
Sendo a religião Católica a única, exclusiva e aceitável fé a ser professada
pelas pessoas, as perseguições se mantiveram e até recrudesceram diante das incisivas
contestações de Martinho Lutero e João Calvino, que pregavam imediatas reformas na Igreja
no século XVI84.
Em síntese, além de defenderem a doutrina da justificação pela fé (oposta à
doutrina católica que pregava a salvação pelas obras) e a Bíblia como única fonte de
autoridade nos assuntos de fé, o Luteranismo negava a infalibilidade do Papa, sustentando a
necessidade da instituição de Igrejas nacionais e a rejeição das ambições políticas do papado,
80
Ibidem, loc. cit.
81
SORIANO, Aldir Guedes. O Direito à Liberdade Religiosa. Correio Braziliense. Brasília, 08 nov. 2004,
Caderno Direito & Justiça, p. 2.
82
TOMA, Victor Garcia, op. cit. p. 2.
83
SILVA NETO, Manoel Jorge e. A Proteção Constitucional à Liberdade Religiosa. Revista de Informação
Legislativa, a. 40. n 160. out./dez.2003, Brasília, p. 113.
84
Ibidem, loc. cit.
38

enquanto que o Calvinismo também pregava a separação entre Igreja e Estado. Ressalte-se
que a essa época estava em vigor a “Teoria da Origem Divina Sobrenatural do Poder” que a
um só tempo consolidava o absolutismo monárquico como também o predomínio da Igreja
Católica, que justificava o poder político dos monarcas.
A tolerância religiosa, inaceitável nessa fase da história, começa a surgir
com a assinatura da Paz de Augsburg, em 1555, atendendo de certa forma os anseios dos
protestantes nos seguintes termos: “os príncipes e cidadãos do império respeitariam a filiação
religiosa de cada um e o povo teria a opção de adotar a confissão religiosa do respectivo
domínio ou de emigrar a território que tivesse a confissão desejada”85.
Os movimentos sócio-políticos e culturais que surgem nessa época, tais
como o Renascimento, Iluminismo, Revoluções Americana e Francesa dão significativa
contribuição à liberdade religiosa. Esses movimentos propagavam a idéia de que o homem
devia ser senhor de si, pensar por si mesmo. Tal ideologia era contrária à vigente, segundo a
qual, só a Igreja (Católica) poderia interpretar as Escrituras Sagradas, não cabendo ao homem
comum tal ato. Ocorre então um rompimento da unidade religiosa. É sobre esse contexto que,
corroborando com o que foi dito, afirma J.J. Gomes Canotilho:

A quebra de unidade religiosa da cristandade deu origem à aparição de minorias


religiosas que defendiam o direito de cada um à ‘verdadeira fé’. Esta defesa da
liberdade religiosa postulava, pelo menos, a idéia de tolerância religiosa e a
proibição do Estado em impor ao foro íntimo do crente uma religião oficial. Por este
facto, alguns autores, como G. JELLINEK, vão mesmo ao ponto de ver na luta pela
liberdade de religião a verdadeira origem dos direitos fundamentais. Parece, porém,
que se tratava mais da ideia de tolerância religiosa para credos diferentes do que
propriamente da concepção da liberdade de religião e crença, como direito
inalienável do homem, tal como veio a ser proclamado nos modernos documentos
constitucionais.86
Referente à influência do Iluminismo em relação à liberdade religiosa,
Geórgia Bajer Fernandes de Freitas Porfírio ensina:

No Iluminismo, a liberdade de consciência ganhou importância no campo político.


Transpareceu o paradoxo de se admitir que um Estado fundado na inviolabilidade da
personalidade exercesse coação sobre os cidadãos para que agissem de forma
contrária às suas consciências. Várias fórmulas foram idealizadas para contornar o

85
1532: PROTESTANTES GANHAM LIBERDADE DE RELIGIÃO. Disponível em: <http://www.dw-world.d
e/dw/article/0,2144,596156,00.html>. Acesso em: 20 fev. 2007. Carlos V, rei da Espanha e imperador do Sacro
Império Romano da Nação Germânica dependia da ajuda militar dos príncipes protestantes diante do perigo dos
turcos às portas do império, em Viena. Como as diferenças entre a Igreja Católica e a Igreja Luterana eram
profundas e inconciliáveis, mesmo como o movimento da Contra-reforma, foi forçosa a assinatura desse acordo.
86
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. rev. Coimbra: Livraria Almedina, 1993,
p. 503.
39

conflito.87
Corroborando com tal afirmação Aldir Guedes Soriano assevera:

a liberdade religiosa conquistada no Brasil – e nos demais países ocidentais –


representou um triunfo do pensamento liberal dos filósofos do século XVIII, como
John Locke, considerado o pai do liberalismo político, e Voltaire, o mais destacado
representante do Iluminismo.88
No entanto, os novos valores, conceitos e idéias que surgem dos referidos
movimentos em confronto com o poder estabelecido geram inúmeras perseguições. Tais
perseguições eram, portanto, não apenas religiosas, mas também políticas e filosóficas.
Em razão de não poder viver uma vida conforme a própria consciência,
muitos europeus migraram para as terras recém-descobertas, em especial, para a América do
Norte. Segundo Aldir Guedes Soriano, “entre os perseguidos migravam cristãos, judeus e
também os humanistas, os defensores do contrato-social e os deístas”89. Conclui o autor, que
dessa forma, se pode afirmar que “os pais da nação americana resultaram, pelo menos em
parte, do Iluminismo (do século XVIII), que foi uma reação ao arbítrio do poder estatal, ao
fanatismo e à intolerância religiosa”90. Como conseqüência, a nação norte-americana foi a
primeira a alojar o direito à liberdade religiosa em sua Constituição por meio da Primeira
Emenda constante do Bill of Rights de 1791. Dispõe tal emenda que:

O Congresso não fará lei relativa à instituição de religião ou que proíba o livre
exercício desta; ou restrinja a liberdade de palavra ou de imprensa; ou o direito do
povo de se reunir-se pacificamente e de dirigir petições ao Governo para a reparação
de suas lesões.
A Revolução Francesa – evento posterior ao acima relatado – também
inspirada nos ideais iluministas e tendo o exemplo da nação americana, estabeleceu na sua
Declaração de 1789, dentre outros direitos fundamentais, a separação entre Igreja e Estado e o
conseqüente direito à liberdade religiosa. No entanto, como bem frisa Jean Baubérot91, tal
reconhecimento desses referidos direitos se deu em um contexto diferente, pois enquanto a
jovem nação americana era formada por uma cultura protestante e de múltiplas denominações,
o contexto francês era caracterizado pelo monopólio religioso imposto pelo catolicismo.

87
PORFÍRIO, Geórgia Bajer Fernandes de Freitas. Liberdade. Dicionário de Direitos Humanos. Disponível em:
<http://www.esmpu.gov.br/dicionario/tiki-index.php?page=Liberdade>. Acesso em: 06 dez. 2006, p. 4.
88
SORIANO, Aldir Guedes. Mais um feriado religioso?. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1408, 10 maio
2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9859>. Acesso em: 23 set. 2007, p. 1.
89
SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional. São Paulo:
Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 56.
90
Ibidem, loc. cit.
91
BAUBÉROT, Jean. Laicidade. Disponível em: <http://www.ambafrance.org.br/abr/imagesdelafrance/For
mato%20PDF/laicidade.pdf>. Acesso em: 09 mar. 2007, p. 2.
40

Nas décadas seguintes, outros países, seguindo o exemplo dos Estados


Unidos e da França, passaram a adotar de alguma forma o princípio da separação entre Igreja
e Estado ou ao menos concederam algum tipo de liberdade religiosa, ainda que apenas no
campo da tolerância.
O século XX foi o período mais promissor no reconhecimento da liberdade
religiosa tanto nas legislações nacionais como em Tratados e Declarações Internacionais.
Conforme destaca Derek H. Davis92, o princípio da liberdade religiosa foi universalizado no
século XX por quatro Documentos Internacionais, a saber, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos (1948), a Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966),
a Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e de
Discriminação com base na Religião ou Crença (1981) e o Documento Final de Viena (1989).
O mencionado autor se se refere a esses quatro documentos como os quatro
pilares do princípio da liberdade religiosa por reconhecer vários direitos religiosos de suma
importância. Assim, o reconhecimento da liberdade religiosa deixa de ser apenas um direito
ou princípio reconhecido a um determinado povo para ser declarado como direito universal de
todo e qualquer homem.

3.2 NOÇÕES CONCEITUAIS DE LIBERDADE E DE RELIGIÃO

3.2.1 Liberdade

Etimologicamente, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa93,


liberdade vem do latim libertas, átis - liberdade, condição de pessoa livre'. A mesma obra traz
como primeira acepção do termo “grau de independência legítimo que um cidadão, um povo
ou uma nação elege como valor supremo, como ideal”94. Dessa simples definição se observa
de imediato a relação da liberdade com a cidadania.
Oportuna também é a descrição que Geórgia Bajer Fernandes de Freitas
Porfírio95 oferece a partir da etimologia grega eleutheria, ao dizer que liberdade significava
“liberdade de movimento. Tratava-se de uma possibilidade do corpo, não considerada como
92
DAVIS, Derek H. A evolução da liberdade religiosa como direito humano. Disponível em:
<http://usinfo.state.gov/journals/itdhr/1101/ijdp/id110106.htm>. Acesso em: 10 mar. 2007, p. 1.
93
HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa.
Rio de Janeiro, Objetiva, 2001, CD-ROM versão 1.0, para Windows.
94
Ibidem, loc. cit.
95
PORFÍRIO, Geórgia Bajer Fernandes de Freitas, op. cit., p. 1.
41

um dado da consciência ou do espírito”. A mesma autora ainda afirma que o termo também
teve o significado de “ausência de limitações e coações” e menciona que na língua alemã “a
palavra Freiheit (liberdade) tem origem histórica nos vocábulos freihals ou frihals. Ambos
significavam “pescoço livre” (frei Hals), livre dos grilhões mantidos nos escravos”96.
No campo da filosofia muitos são os debates sobre natureza, conceito ou
fundamentos da liberdade. Não cabe neste trabalho fazer divagações aprofundadas sobre o
referido termo, em especial discussões filosóficas a esse respeito. No entanto, apenas a título
de exemplo, o Dicionário Houaiss, sob a rubrica da filosofia, sintetiza diversas acepções
referentes à palavra liberdade, sendo que no kantismo, bergsonismo ou existencialismo
sartriano, vem a ser “a potencialidade (nem sempre concretizada) de escolha autônoma,
independente de quaisquer condições e limites, por meio da qual o ser humano realiza a plena
autodeterminação, constituindo a si mesmo e ao mundo que o cerca”97.
A mesma obra revela que para o estoicismo, spinozismo ou idealismo
alemão, a liberdade é

a capacidade inerente à ordem cósmica, também concebida como natureza, universo


ou realidade absoluta, de existir com autonomia e autodeterminação ilimitadas, que
corresponde a um poder semelhante alcançável pelos seres humanos, desde que
consigam agir e pensar como parte dessa realidade primordial e abrangente,
harmonizando-se conscientemente com seus desígnios.98
Em seguida o dicionário Houaiss relata que para o empirismo e utilitarismo,
o termo liberdade significa “a capacidade individual de autodeterminação, caracterizada por
compatibilizar autonomia e livre-arbítrio com os múltiplos condicionamentos naturais,
psicológicos ou sociais que impõem predisposições ao agir humano”99.
José Afonso da Silva cita definição de Rivero que diz que “liberdade é um
poder de autodeterminação, em virtude do qual o homem escolhe por si mesmo seu
comportamento pessoal”100, para em seguida expor sua própria definição de liberdade
afirmando: “liberdade consiste na possibilidade de coordenação dos meios necessários à
realização da felicidade pessoal”101. Justifica este conceito sob o argumento de nele se
encontrar todos os elementos subjetivos e objetivos que entende necessários à idéia de
liberdade, assim explicando:
96
Ibidem, loc. cit.
97
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles, op. cit.
98
Ibidem, loc. cit.
99
Ibidem, loc. cit.
100
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2001, p. 236.
101
Ibidem. loc. cit.
42

é poder de atuação sem deixar de ser resistência à opressão; não se dirige contra,
mas em busca, em perseguição de alguma coisa, que é a felicidade pessoal, que é
subjetiva e circunstancial, pondo a liberdade, pelo seu fim, em harmonia com a
consciência de cada um, com o interesse do agente. Tudo que impedir aquela
possibilidade de coordenação dos meios é contrário à liberdade. [...] Assim, por
exemplo, deixar o povo na ignorância, na falta de escola, é negar-lhe a possibilidade
de coordenação consciente daqueles meios; oprimir o homem, o povo, é retirar-lhe
aquela possibilidade.102
Até aqui se observa, pelo que foi dito, que a liberdade está diretamente
ligada à capacidade de autodeterminação, à possibilidade de escolher caminhos e/ou verdades
sem que haja obstáculos ou pressões que limitem ou desvirtuem essa faculdade. Assim é que
pondera J. J. Calmon de Passos ao afirmar:

a liberdade é um contínuo e pleno operar de um ente capaz de opções, sem lacunas e


sem obstáculos, descomportando, conseqüentemente, problematização. Esta se faz
apenas necessária e relevante por motivo das inelutáveis “limitações” com que se
defronta. Obstáculos oferecidos pela Natureza, a par dos que os homens se colocam
uns aos outros.103
Em outro momento também diz que “somos socialmente livres quando
inexiste algum agente em condições de nos obstar de fazer aquilo que nos dispúnhamos a
fazer”104.
Tratando-se de escolhas religiosas, tal aplicação é fundamental, ainda que a
realidade humana em muitos casos assim não permita. Se o indivíduo se encontra na situação
de ser privado de direitos (usufruídos por seus concidadãos) em razão de suas crenças, não se
pode dizer que este seja livre. É o caso dos que acreditam no sábado como dia de guarda e são
privados de participar de concursos para acesso aos cargos ou empregos públicos,
vestibulares, e mesmo conclusão do ensino superior.
No sistema jurídico a liberdade, lato senso, está inserida como um direito
fundamental inviolável no caput do art. 5º da Constituição Federal. Destarte, além de ser um
direito, também se enquadra no sistema constitucional pátrio como um princípio norteador
para interpretação e aplicação das demais regras da Constituição, sendo previsto no
preâmbulo e no inciso I do art. 3º da CF/88.
Ainda inseridas no art. 5º da CF/88 estão algumas espécies de liberdades
que Aldir Guedes Soriano105 relaciona na seguinte ordem: autodeterminação (inc. II),

102
Ibidem. loc. cit.
103
PASSOS, J. J. Calmon de. Tutela Jurisdicional das Liberdades. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ -
Centro de Atualização Jurídica, nº. 12, março, 2002. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>.
Acesso em: 07 jan. 2007. p. 2.
104
Ibidem, p. 3.
105
SORIANO, Aldir Guedes, op. cit., p. 4.
43

pensamento (inc. IV), religião (inc. VI, VII e VIII), expressão (inc. IX), profissional (inc.
XIII), informação (inc. XIV e XXXIII), locomoção (inc. XV, LIV e LXI), reunião (inc. XVI)
e associação (inc. XVII, XVIII e XX).
As normas constitucionais que estabelecem as liberdades supramencionadas
são classificadas, segundo José Afonso da Silva, como de eficácia plena e aplicabilidade
direta e imediata, afirmando este autor que assim é

porque o legislador constituinte deu normatividade suficiente aos interesses


vinculados à matéria de que cogitam. Vale dizer, não dependem de legislação nem
de providência do Poder Público para serem aplicadas. Algumas normas podem
caracterizar-se como de eficácia contida, mas sempre de aplicabilidade direta e
imediata, caso em que a previsão de lei não significa que desta dependem sua
eficácia e aplicabilidade, visto que tal lei não se destina a integrar-lhes a eficácia
(que já têm amplamente), mas visa restringir-lhes a plenitude desta, regulando os
direitos subjetivos que delas decorrem para os indivíduos ou grupos. Enquanto o
legislador, neste caso, não produzir a normatividade restritiva, sua eficácia será
plena.106
Em seguida, conclui o mesmo autor:

É necessário estar atento ao que acaba de ser dito, para não supor que exista ou deva
existir norma reguladora do exercício das liberdades. O exercício das liberdades não
depende de normas reguladoras, porque, como foi dito, as normas constitucionais
que as reconhecem são de aplicabilidade direta e imediata, sejam de eficácia plena
ou eficácia contida. Portanto, a expressão “falta de norma reguladora que torne
inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais [...]” do inciso LXXXI
art. 5º não pode induzir a que as liberdades dependam de normas reguladoras para
serem viáveis.107
O alcance da liberdade assim é o mais amplo possível, sem perder de vista o
adágio segundo o qual a “liberdade termina quando a começa a liberdade de outrem”, não
sendo, portanto, um direito absoluto. Pertinente e atual é o que dispõe a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 em seu art. 4º, ao estabelecer que

a liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique a outrem. Assim, o
exercício dos direitos naturais do homem não tem limites, senão aqueles que
asseguram aos outros membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos. Esses
limites somente a lei poderá determinar.
No art. 5º da mesma Declaração ainda afirma que “a lei não pode proibir
senão as ações nocivas à sociedade”.
A liberdade dos homens, de forma geral, sempre foi desrespeitada em maior
ou menor grau em toda a sua história. Mesmo depois da Declaração Francesa de 1789, a
efetivação desse princípio não se consumou como proposto. Assevera Geórgia Bajer
Fernandes de Freitas Porfírio que “a história traz exemplos de que a liberdade teve como

106
SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 271.
107
SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 271-272.
44

conteúdo tanto a tirania do mais forte sobre o mais fraco como o aniquilamento de uma
minoria pela maioria”108.
Tal afirmação é bem exemplificada por diversas atrocidades ocorridas
durante a Segunda Guerra Mundial, em especial a perseguição nazista aos judeus, ciganos,
deficientes de toda espécie etc. Daí a necessidade de já no art. 1º, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948 determinar que “todas as pessoas nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às
outras com espírito de fraternidade”.
A luta pela liberdade, consoante Geórgia Bajer Fernandes de Freitas
Porfírio, deve ser vista também na constatação da ausência de liberdade. Assevera a autora
que

interessa não só a liberdade permitida, mas também aquela coibida no seu exercício.
Assim, o oposto da liberdade e as garantias para que a liberdade seja usufruída
integram, também, a temática da liberdade. Situações complexas, nas quais o
indivíduo precisa da força estatal para remover obstáculos e fazer valer sua liberdade
perante outra pessoa, grupos sociais ou mesmo contra o próprio Estado, devem ser
consideradas como problemas jurídicos quando da conformação dos mecanismos de
tutela da liberdade, tanto no âmbito jurídico de cada Estado como na ordem jurídica
internacional.109
A liberdade sempre proclamada nas democracias modernas não encontrou
ainda a plena efetivação material. De nada adiantam inúmeras proclamações formais se diante
de situações fáticas tal direito é negado ao indivíduo. Ser livre quando se pensa e vive
conforme a maioria não realça o verdadeiro valor da liberdade. A liberdade mostra sua
substância quando em meio à correnteza se permite navegar no sentido contrário, deixando os
obstáculos apenas ao critério da Natureza, ao tempo em que cada consciência escolha, sem
pressões ou imposições de terceiros, o caminho a seguir.

3.2.2 Religião

A religião sempre fez parte da vida do homem, desde épocas mais antigas.
Samuel Koenig ensina que a “religião é não só encontrada em toda parte, mas também data
dos tempos mais remotos”110. Também assevera que “estudiosos da vida primitiva jamais

108
PORFÍRIO, Geórgia Bajer Fernandes de Freitas, op. cit., p. 2
109
PORFÍRIO, Geórgia Bajer Fernandes de Freitas, op. cit. p. 2.
110
KOENIG, Samuel. Elementos de Sociologia Trad. Vera Borda, 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970,
p. 131.
45

encontraram um povo sequer sem as crenças e práticas que constituem uma religião”111.
Mas, qual o conceito de religião? O mesmo Samuel Koenig afirma que “as
formas em que se expressa a religião variam tanto que se observou ser difícil estabelecer um
acordo acerca de uma definição que englobasse todas as variações”112.
Destarte, para delimitar o âmbito de proteção da liberdade religiosa como
um direito fundamental é necessário delinear os contornos do que seria esse instituto, haja
vista que as concepções podem vir a ser múltiplas e mesmo preconceituosas.
Entretanto, como afirmou Samuel Koenig não é tarefa fácil conceituar a
religião, mas este autor destaca que mesmo assim

a maioria dos entendidos sustenta que a religião inclui uma crença em poderes
sobrenaturais ou misteriosos, que essas crenças está associada com sentimentos de
respeito, temor e veneração, e que ela se expressa em atividades públicas destinadas
a lidar com esses poderes.113
Para aquele que tem uma religião, a sua é a verdadeira e, em regra, a única
digna de assim ser chamada. Mas numa sociedade democrática e pluralista não convém aqui
discriminar nenhum tipo de instituição religiosa, dando-lhe menor importância ou
qualificando como seita ou outro termo no sentido pejorativo, merecendo todas o mesmo
respeito.
No entanto, certos ritos, crenças e comportamentos podem ser imperativos
segundo as convicções de determinado indivíduo, sendo que para outros, tais atos poderão se
configurar como mera superstição, imoralidade, crime etc. Segundo Iso Chaitz
Scherkerkewitz, que faz referência a Konvitz, neste contexto, torna-se impossível uma
conceituação legal ou jurídica do que possa ser chamado de religião114.
Desse modo, busca o citado autor apoio na filosofia para tentar definir o que
vem a ser religião. Assim, menciona os ensinamentos de Carlos Lopes de Mattos que define
religião como “crença na (ou sentimento de) dependência em relação a um ser superior que
influi no nosso ser – ou ainda – a instituição social de uma comunidade unida pela crença e
pelos ritos”115.
Faz referência também, citando o prof. Régis Jolivet da Universidade
Católica de Lyon, à dupla acepção que pode ter o vocábulo, isto é, no sentido subjetivo, sendo

111
Ibidem, loc. cit.
112
Ibidem, p. 132.
113
Ibidem, loc. cit.
114
SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz. O Direito de Religião no Brasil. Disponível em: <http://www.pge.sp.go
v.br/centrodeestudos/revistaspge/revista2/artigo5.htm>. Acesso em: 10 abr. 2007, p. 3.
115
Ibidem, loc. cit.
46

a “homenagem interior de adoração e confiança e de amor que, com todas as suas faculdades,
intelectuais e afetivas, o homem vê-se obrigado a prestar a Deus, seu princípio e seu fim”116,
ao tempo que objetivamente religião seria “o conjunto de atos externos pelos quais se
expressa e se manifesta a religião subjetiva (oração, sacrifícios, sacramentos, liturgia, ascese,
prescrições morais)”117.
Por esses conceitos de religião aqui expostos se extrai a importância da
liberdade para a religião. Sendo esta, em um primeiro momento, subjetiva, de caráter interno,
psíquico, o indivíduo, que por algum motivo não pode exprimir suas convicções a respeito da
religião que adota, vive escravo do mundo exterior, além de ter que enfrentar uma luta interna
ao ter que escolher ignorar suas crenças subjetivas ou sofrer o preço que a sua “não-liberdade”
exige para exprimir.
Em verdade, a história apresenta muitos que assim escolheram seguir sua
consciência, preferindo pagar o preço com sua liberdade física, perda de bens, família e até
mesmo a própria vida.
Ignorar as convicções, quando se trata do religioso, do espiritual, não é
simplesmente ignorar um vago conceito teórico sem maiores conseqüências, mas colocar em
segundo plano a relação com um “Ser Superior”. Daí o sentido etimológico do termo religião
(do latim relio; re+ligare), denotando a ação de ligar novamente, prender algo ou alguém.
Assim é que, segundo Weiler Jorge Cintra Júnior, do ponto de vista
sociológico, a religião pode ser considerada como

“um dos elementos da vida do homem em sociedade, inspiradora de seu


comportamento público. Significaria assim um sentimento de vinculação, de
obrigação (do latim ob + ligare) para com um Ser Superior, Soberano,
Transcendente, qualquer que seja a idéia pela qual é Ele concebido”.118
Sendo elemento da vida do homem, a religião não deve ser desprezada pelo
Estado. Com isso, não se quer dizer que deva existir algum tipo de união, mas que deve ser
levada em conta a religiosidade do seu povo para que atos estatais não venham a causar
desrespeito à religião de quem quer que seja.

3.3 O PRINCÍPIO DA LIBERDADE RELIGIOSA

116
Ibidem, loc. cit.
117
Ibidem, loc. cit.
118
CINTRA JUNIOR, Weiler Jorge. A questão atual da intolerância Religiosa. Revista de Direito. Procuradoria
do Estado de Goiás, nº 22, Jan/Dez. 2002. Disponível em: <http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/weiler.pdf>.
Acesso em: 24 jun 2007, p. 37.
47

O princípio da liberdade religiosa não se enquadra apenas como objeto de


discussões teóricas, mas possui reflexos práticos no dia-a-dia da grande maioria dos homens
e, em especial, do povo brasileiro, em razão de sua religiosidade.

3.3.1 Conceito, Natureza e Características da Liberdade Religiosa

A liberdade religiosa tem um conteúdo complexo que não compreende


apenas o direito individual "isoladamente", mas também direitos coletivos, referindo-se neste
caso aos grupos religiosos. Como conseqüência, tem uma dimensão eminentemente social,
pelo que reclama o reconhecimento de direitos não apenas aos indivíduos, mas também às
Igrejas e coletividades religiosas nas quais aqueles vivem e praticam sua convicção pessoal.
A esse respeito assevera Robert Jacques:
A liberdade religiosa é, em primeiro lugar, uma liberdade ‘individual’ dado que
consiste, para o indivíduo, em dar ou não a sua adesão intelectual a uma religião,
escolhendo-a, ou rejeitando-a livremente. [...] Mas é também uma liberdade
‘coletiva’ no sentido de que não se esgotando na fé ou na crença, dá,
necessariamente, origem a uma ‘prática’ cujo livre exercício deve ser garantido119.

Assim é que lhe é atribuída natureza de direito individual, da pessoa


singular. No mesmo sentido acentua Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro que a natureza
jurídica da liberdade religiosa, em razão de vários fatores, é de um princípio fundamental.
Justifica da seguinte forma:

Em primeiro lugar, decorre de seu elevado grau de abstração e da considerável


indeterminação de seu conteúdo. É dizer, apenas na análise de cada caso concreto é
possível determinar até onde vai o conteúdo deste princípio fundamental, para se
saber se, naquelas específicas situações, ele está sendo violado ou não.120
Ainda justificando a natureza da liberdade religiosa a mesma autora
continua:

Demais disso, a própria idéia de liberdade religiosa revela-se compatível com


diversos graus de concretização, a depender das circunstâncias fáticas de cada caso
concreto, o que não se coaduna com o conceito mesmo de "regras", que só admitem
seu cumprimento ou seu descumprimento, sem soluções intermediárias, ou de
variadas intensidades de adequação. [...] Além do que, a liberdade religiosa

119
JACQUES, Robert. A liberdade religiosa. Consciência e Liberdade. nº 15, ano 2003. Lisboa. p. 84
120
PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri. O Conselho Nacional de Justiça e a permissibilidade da aposição
de símbolos religiosos em fóruns e tribunais: uma decisão viola a cláusula da separação Estado-Igreja e que
esvazia o conteúdo do princípio constitucional da liberdade religiosa. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1457,
28 jun. 2007. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10039>. Acesso em: 26 jul.
2007. p. 1.
48

desempenha um papel fundante dentro do ordenamento jurídico, inspirando e


pautando a produção de diversas outras normas, inclusive de normas constitucionais,
estas sim a consagrarem os direitos de liberdade religiosa e suas respectivas
garantias fundamentais.121
Nesta mesma linha assevera Ramón Soriano, citado por Iso Chaitz
Scherkerkewitz, ao conceituar a liberdade religiosa como

o princípio jurídico fundamental que regula as relações entre o Estado e a Igreja em


consonância com o direito fundamental dos indivíduos e dos grupos a sustentar,
defender e propagar suas crenças religiosas, sendo o restante dos princípios, direitos
e liberdades, em matéria religiosa apenas coadjuvantes e solidários do princípio
básico da liberdade religiosa.122
Deste modo, o ingresso do principio da separação entre Igreja e Estado –
com a conseqüente “abertura religiosa” – como princípio primário, supõe, necessariamente, o
reconhecimento pleno e o conseqüente acatamento do direito de liberdade religiosa, retirando
do Estado o poder de coagir seus cidadãos em matéria de fé.
Convém apresentar que o sentido de liberdade religiosa não pode ser
compreendido de uma forma estática, alheia às mudanças na sociedade123. Émile Polat,
sociólogo e historiador, citado por Maurice Verfaillie, defende que

a liberdade religiosa não tem apenas uma história: tem também uma estrutura. Por
outras palavras, não é uma afirmação ou um valor isolado, que se deixa defender em
si ou por si; não é senão um elemento destacado, ao qual se pode dedicar atenção,
por si mesmo, sem preocupação com o resto. Pertence a um conjunto, cultura e
civilizações. Direito e costumes; faz parte de um sistema, o sistema das liberdades,
das nossas liberdades, que diferem segundo os tempos e o país. Não se define de
uma vez por todas: participa da história das sociedades humanas.124
Nesse sentido, Ramon Soriano afirma: “la libertad religiosa no es lo que
fue ni lo que es hoy; La libertad religiosa es um concepto histórico como todas las libertades,
que em nuestro tiempo adopta uma determinada forma, que no es la única ni la definitiva”125.
Assim é perceptível que a liberdade religiosa terá contornos distintos no
tempo e no espaço, fato que não diminui sua importância, ao contrário enfatiza o destaque que
tal direito tem na atualidade em virtude da existência dos Estados Democráticos e Liberais.
A liberdade religiosa enquanto direito fundamental, engloba, segundo
palavras de João Tello Magalhães Collaço,

o conjunto de regras jurídicas que asseguram a todos os indivíduos não só a

121
Ibidem, loc. cit.
122
SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz, op. cit., p. 2.
123
Ibidem, loc. cit.
124
VERFAILLIE, Maurice. A liberdade religiosa e a laicidade do Estado – uma perspectiva global. Consciência
e Liberdade. nº 17, ano 2005. Lisboa, p. 7.
125
SORIANO, Ramon apud SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz, op. cit. p. 2.
49

possibilidade de conformar a sua atitude e ações com o seu pensamento sobre


religião, mas ainda, e a despeito de diferenças neste, o gozo igual de todos os
direitos civis e políticos.126
Destaca-se no conceito supracitado o fato de que o indivíduo não poderá ter
seus direitos civis e políticos restringidos em razão de sua fé. Por isso, em muitos textos
constitucionais se criou o instituto conhecido como “objeção de consciência”, que será
oportunamente analisado. Na sociedade em que o cidadão que tenha crenças religiosas
diferentes da maioria seja impedido de usufruir direitos concedidos aos demais, não se pode
considerar que seja efetivo o direito à liberdade religiosa, pois tal fato caracteriza-se como
uma coação indireta para que se conforme com a crença da maioria.
Oportunas, sábias e inspiradoras são as palavras de Rui Barbosa:

Onde há liberdade religiosa como na Constituição brasileira e na americana, não há,


nem pode haver, questão religiosa. A liberdade e a Religião são sociais, não
inimigas. Não há religião sem liberdade. Nasci na crença de que o mundo não é só
matéria e movimento, os fatos morais não são um mero produto humano. O estudo e
o tempo me convenceram que as leis do Cosmos sejam incompatíveis com uma
causa suprema, de que todas as coisas dependem.127
No entanto, considere-se que mesmo havendo previsão de liberdade
religiosa nos textos constitucionais é observável que existem diversas questões de cunho
religioso nas sociedades. A própria existência de um pluralismo religioso já denota de alguma
forma que há discordância e diferenças entre as diversas instituições religiosas. Contudo, tais
diferenças devem permanecer apenas no campo da discussão teológica, não devendo o Estado
favorecer qualquer lado.
Ocorre que a pressão da Instituição Religiosa dominante sobre os
legisladores poderá originar medidas que afetem a crença das minorias. Deste modo, mesmo
que o Estado não imponha diretamente nenhuma religião aos seus cidadãos, por via indireta
estará interferindo na liberdade religiosa dos mesmos. Neste sentido é que o constitucionalista
português Jorge Miranda conceitua a liberdade religiosa:

A liberdade religiosa não consiste apenas em o Estado a ninguém impor qualquer


religião ou a ninguém impedir de professar determinada crença. Consiste ainda, por
um lado, em o Estado permitir ou propiciar a quem seguir determinada religião ao
cumprimento dos deveres de que dela decorrem (em matéria de culto, de família ou
de ensino, por exemplo) em termos razoáveis.128

126
COLLAÇO, João Tello Magalhães apud ADRAGÃO, Paulo Pulido. A Liberdade Religiosa e o Estado.
Coimbra: Almedina, 2002, p. 409.
127
BARBOSA, Rui apud SCHEINMAN, Maurício. Liberdade religiosa e escusa de consciência. Alguns
apontamentos. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 712, 17 jun. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/dout
rina/texto.asp?id=6896>. Acesso em: 23 mar. 2007, p. 6.
128
MIRANDA, Jorge apud SORIANO, Aldir Guedes, op. cit., p. 7.
50

Entre os diversos conceitos de liberdade religiosa é relevante o contido na


Declaração Dignitatis Humanae sobre a Liberdade Religiosa, do Papa Paulo VI, em 7 de
dezembro de 1965, como resultado do Concilio Vaticano II:

A pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Esta liberdade consiste no


seguinte: todos os homens devem estar livres de coação, quer por parte dos
indivíduos, quer dos grupos sociais ou qualquer autoridade humana; e de tal modo
que, em matéria religiosa, ninguém seja forçado a agir contra a própria consciência,
nem impedido de proceder segundo a mesma, em privado e em público, só ou
associado com outros, dentro dos devidos limites. Declara, além disso, que o direito
à liberdade religiosa se funda realmente na própria dignidade da pessoa humana,
como a palavra revelada de Deus e a própria razão a dão a conhecer. Este direito da
pessoa humana à liberdade religiosa na ordem jurídica da sociedade deve ser de tal
modo reconhecido que se torne um direito civil.129
Diante das diversas definições de liberdade religiosa expostas, e em especial
desta última, algumas características devem ser ressaltadas: A primeira delas é que a liberdade
religiosa, como um direito fundamental, deve ser garantida a todo homem, sem exceção. Em
segundo lugar, o conteúdo e objeto desse direito é a inexistência de coação de qualquer
espécie, por parte dos indivíduos, dos grupos e dos poderes públicos. A terceira característica
é que, a inexistência de coação mencionada se refere à consciência, culto, organização,
expressão. A quarta e seguinte é que a liberdade religiosa se fundamenta na dignidade da
pessoa humana. A quinta, é um direito reconhecido internacionalmente e, portanto, deve ser
positivado e efetivado nas legislações de todos os países. Sexta, a liberdade religiosa assim
como os demais direitos fundamentais, não é um direito absoluto, havendo limites. A sétima
característica é de a liberdade religiosa ser tanto um direito individual quanto coletivo. A
oitava e última é que a liberdade religiosa deve garantir ao indivíduo o direito de se auto-
determinar no momento em que escolhe suas crenças, sem que seja privado do igual gozo de
todos os direitos civis e políticos concedidos aos demais cidadãos.

3.3.2 Conteúdo do Princípio da Liberdade Religiosa

O princípio da liberdade religiosa se materializa na livre escolha feita pelo


homem, de sua religião. No entanto, permitir apenas formalmente tal escolha sem que se
proporcionem meios para que o mesmo indivíduo a exercite é esvaziar o significado do
referido princípio. Pontua Celso Ribeiro Bastos que a liberdade religiosa

129
PAULO VI, Papa. Declaração Dignitatis Humanae sobre a Liberdade Religiosa. Concílio Vaticano II.
Disponível em: <http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_decl_196512
07_dignitatis-humanae_po.html>. Acesso em: 14 ago. 2007. p. 3.
51

não se esgota nessa fé ou crença. Demanda uma prática religiosa ou culto como um
dos seus elementos fundamentais, do que resulta também inclusa, na liberdade
religiosa, a possibilidade de organização desses mesmos cultos, o que dá lugar às
igrejas. Este último elemento é muito importante, visto que da necessidade de
assegurar a livre organização dos cultos surge o inevitável problema da relação
destes com o Estado.130
Por conseguinte, o pleno exercício da liberdade religiosa se efetiva em
diversos aspectos. Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro ressalta que, de modo a lhe conferir
densidade, o princípio fundamental da liberdade religiosa se projeta em três dimensões, a
saber:

uma dimensão subjetiva ou pessoal, a consubstanciar a liberdade de crença; uma


dimensão coletiva ou social, a incluir a liberdade de culto e uma dimensão
institucional ou organizacional, a englobar a liberdade institucional e dogmática dos
movimentos religiosos.131
Explica a mesma autora:

O princípio constitucional da liberdade religiosa, em toda sua amplitude,


compreende uma dimensão pessoal, uma dimensão social e uma dimensão
organizacional. O que significa afirmar que a limitação deste princípio fundamental
a apenas duas ou a uma de suas dimensões traduz, necessariamente, a amputação do
conteúdo material da liberdade religiosa que, então, estará sendo violada em seu
núcleo essencial.132
Ainda sobre a extensão do princípio da liberdade religiosa corrobora Milton
Ribeiro133 afirmando que a liberdade de religião não se traduz em apenas um direito, mas em
um “feixe de direitos”, tendo a liberdade de crença e de culto como principais vertentes, aos
quais se somam vários outros.
Esses outros direitos que se somam à liberdade de crença e de culto são
relacionados e sistematizados por Paulo Pulido Adragão (com base nos ensinamentos de
Jonatas Machado) que elenca as faculdades mais importantes compreendidas na liberdade
religiosa, divididas em dois grupos: a liberdade religiosa individual e a liberdade religiosa
coletiva. Segundo o autor, estariam contidos no primeiro grupo – liberdade religiosa
individual – os seguintes direitos: “a liberdade de crença; liberdade de actuação segundo as
próprias crenças; liberdade de divulgação de crenças; liberdade de culto (conexa com ela, está
o princípio de inviolabilidade dos templos religiosos); direito à privacidade religiosa”134.
Com relação à liberdade religiosa coletiva, na mesma estariam contidas:

130
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em
5 de outubro de 1988, v. II, 2 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 52.
131
PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri, op. cit., p. 2.
132
Ibidem, op. cit.
133
RIBEIRO, Milton. Liberdade Religiosa: Uma proposta para debate. São Paulo: Editora Mackenzie, 2002, p.
37.
134
ADRAGÃO, Paulo Pulido, op. cit., p. 418.
52

o direito geral de autodeterminação, que compreende a autocompreensão, a


autodefinição, a auto-organização, a auto-administração, a auto jurisdição, a
autodissolução. Objecto desta liberdade colectiva são as funções próprias das
confissões religiosas, interpretadas segundo a própria autocompreensão; a sua
extensão a outras pessoas colectivas criadas por aquelas é possível, sempre que
exista um vínculo estrutural com a prossecução de finalidades religiosas.135
Em síntese, pode ser dito que o princípio fundamental da liberdade religiosa
tem como conteúdo três tipos de liberdades, que, embora distintas estão intrinsecamente
relacionadas, a saber, a liberdade de crença ou de consciência, a liberdade de culto e a
liberdade de organização religiosa. Os demais direitos relacionados por Paulo Pulido
Adragão, supramencionados, podem ser enquadrados como sub-espécie destes aqui referidos.
No entanto, em relação à liberdade de crença ou de consciência, advertem
Celso Ribeiro Bastos e Samantha Meyer-Pflug que não são a mesma coisa, de modo que
declaram:

A liberdade de consciência não se confunde com a liberdade de crença, uma vez que
a primeira encontra-se relacionada com as convicções íntimas de cada um, não
estando, necessariamente, vinculada ao aspecto religioso, podendo até mesmo negá-
lo (ateísmo). Ela se encontra relacionada com as convicções ideológicas e políticas
de cada um. Já a liberdade de crença diz respeito ao aspecto religioso, ou melhor
dizendo, à escolha de uma determinada religião ou crença que se coadune com os
anseios espirituais de cada pessoa.136
A despeito de tal diferenciação proposta pelos citados autores, para efeitos
gerais, se considerarão os dois termos (crença e consciência) como tendo igual significado, se
usando preferencialmente a expressão “liberdade de crença” no sentido mais amplo possível,
de modo a abranger inclusive a liberdade de não-crer. Acrescente-se, como já foi dito em
outra oportunidade, que o que é protegido pelo princípio da liberdade religiosa é a projeção da
consciência, a exteriorização da crença no mundo físico.
Ainda em relação à liberdade de crença ou consciência, J. J. Lopes Praça,
com base em Jules Simon, assevera que

O primeiro direito, que reclamo, escreve, é o de me formar livremente uma crença


no tocante à natureza de Deus, aos meus deveres e ao meu futuro; é um direito
inteiramente interior que só governa as relações da minha vontade e da minha
consciência. É, se o permitem, a liberdade de consciência. É, se o permitem, a
liberdade de consciência em si mesma; é o seu primeiro acto e fundamento
indispensável.137
Percebe-se que para J. J. Lopes Praça o direito a escolher livremente suas

135
Ibidem, loc. cit.
136
BASTOS, Celso Ribeiro; MEYER-PFLUG, Samantha. Do Direito Fundamental à Liberdade de Consciência
e de Crença. Revista de Direito Constitucional e Internacional. N. 36, jul/set 2001. São Paulo: Revista dos
Tribunais: 2001, p. 114.
137
PRAÇA, J. J. Lopes apud ADRAGÃO, Paulo Pulido, op. cit., p. 415.
53

crenças em relação à divindade é como que uma necessidade primária do indivíduo, que nem
o Estado nem qualquer outro Poder deve subtrair.
Outra conseqüência do princípio da liberdade religiosa é o direito à
liberdade de culto. Mais uma vez, como já pontuado neste trabalho, a crença ou consciência,
como outra face do pensamento, não pode ser aprisionada ou limitada, é íntima, incoercível,
de modo que o que se procura proteger quando se garante a liberdade de pensamento, de
crença ou de consciência, é a sua projeção no mundo. No caso das crenças religiosas uma das
formas dessa projeção se dará necessariamente através de cultos à divindade. Celso Ribeiro
Bastos e Samantha Meyer-Pflug consideram o seguinte:

A liberdade religiosa, como de resto acontece com todas as demais liberdades de


pensamento, não se contenta com a sua dimensão espiritual, é dizer, enquanto
realidade ínsita à alma do indivíduo. Ela vai necessariamente buscar uma
externação, que, por sua vez, demanda um aparato, um ritual, uma solenidade, que a
manifestação do pensamento por si só não requer.138
Embora esses autores concluam que “pode haver liberdade de crença sem
liberdade de culto”139, citando como exemplo o período do Brasil Império – em que se
reconhecia como livre apenas o culto católico, enquanto que as demais religiões só tinham
permissão para celebrarem cultos domésticos, sendo vedado forma exterior de tempo – não
parece ser o melhor entendimento. Ali o que ocorria era que a exteriorização do culto estava
limitada aos lares, mas se permitia que o culto fosse celebrado livremente, desde que o local
de realização de tal ato não tivesse aparência de templo ou igreja.
A crença religiosa por si mesma exige a exteriorização por meio de algum
tipo de culto à divindade. Nesse sentido é que pondera José Cretella Júnior afirmando que
“na realidade, não há religião sem culto, porque as crenças não constituem, por si mesmo,
uma religião. Se não existe culto ou ritual correspondente à crença, pode haver posição
contemplativa, filosófica, jamais religião”140.
Dirley da Cunha Júnior, contribui com a seguinte definição de culto:
“é ato de veneração ou de homenagem que se presta a uma divindade em qualquer religião;
corresponde aos rituais, às cerimônias e às manifestações na diretriz indicada pela religião,
compreendendo a liberdade de orar e de pregar”141.
Por essa mesma linha José Afonso da Silva então afirma:

138
BASTOS, Celso Ribeiro; MEYER-PFLUG, Samantha, op. cit., p. 109.
139
Ibidem, loc. cit.
140
CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à constituição de 1988, v. I. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1992, p. 219.
141
CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 651.
54

A religião não é apenas sentimento sagrado puro. Não se realiza na simples


contemplação do ente sagrado, não é simples adoração a Deus. Ao contrário, ao lado
de um corpo de doutrina, sua característica básica se exterioriza na prática dos ritos,
no culto, com suas cerimônias, manifestações, reuniões, fidelidades aos hábitos, às
tradições, na forma indicada pela religião escolhida.142
Conclui o autor, com a citação de síntese de Pontes de Miranda sobre o
tema, afirmando que a “liberdade de culto consiste na liberdade de orar e de praticar os atos
próprios das manifestações exteriores em casa ou em público, bem como a de recebimento de
contribuições para tanto”143.
A garantia à liberdade de culto se aplica tanto ao indivíduo quanto à
coletividade, haja vista ser a liberdade religiosa tanto direito individual quanto coletivo. Os
atos próprios de manifestações exteriores da crença não se restringem àqueles realizados em
templos ou igrejas. O ato de cultuar a divindade ou adorá-la se refere àquilo que o indivíduo
diz, faz ou deixa de fazer para agradar o seu deus. Portanto os rituais, as crenças, atividades
sociais, fidelidade em devolução de dízimos, contribuição pessoais para o bem-estar de seus
semelhantes, reverência diante de imagens, guarda de dias, restrições na alimentação etc. são
exemplos de atos de adoração.
Para a garantia das liberdades de crença e culto, necessário foi estabelecer o
direito da liberdade religiosa. Tal liberdade se refere à possibilidade de criação, estruturação e
organização de igrejas e sua forma de se relacionar com o Estado. Em momento posterior será
abordado com maiores detalhes o tema das relações da Igreja com o Estado.

3.4 O ÂMBITO NORMATIVO DE PROTEÇÃO DO DIREITO À LIBERDADE


RELIGIOSA

Historicamente a liberdade religiosa tem suas origens relacionadas às lutas


das minorias religiosas contra as coligações teológicas e políticas então dominantes. Por essa
razão, ensina Jónatas Eduardo Mendes Machado que “a liberdade religiosa deve ser
interpretada em termos abertos e inclusivos”144. Tal conclusão se verifica pertinente nas
sociedades democráticas e, em especial, alicerçada nos princípios da dignidade da pessoa
humana e da igualdade.
Poder-se-ia questionar se o direito à liberdade religiosa protegeria apenas as
142
SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 252.
143
Ibidem, loc. cit.
144
MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional
Inclusiva: Dos Direitos da Verdade aos Direitos dos Cidadãos. Coimbra: Editora Coimbra, 1996. p. 200.
55

chamadas religiões que possuam significativa representação como cristianismo, judaísmo,


islamismo, budismo etc., ou se também tutelaria aquelas de pouca representatividade ou
mesmo aquelas chamadas de novos movimentos religiosos145. Ressalta Iso Chaitz
Scherkerkewitz que

a liberdade de religião não está restrita à proteção aos cultos e tradições e crenças
das religiões tradicionais (Católica, Judaica e Muçulmana), não havendo sequer
diferença ontológica (para efeitos constitucionais) entre religiões e seitas religiosas.
Creio que o critério a ser utilizado para se saber se o Estado deve dar proteção aos
ritos, costumes e tradições de determinada organização religiosa não pode estar
vinculado ao nome da religião, mas sim aos seus objetivos. Se a organização tiver
por objetivo o engrandecimento do indivíduo, a busca de seu aperfeiçoamento em
prol de toda a sociedade e a prática da filantropia, deve gozar da proteção do
Estado.146
O mesmo autor ampliando mais o âmbito da proteção prossegue:

Por outro lado, existem organizações que possuem os objetivos mencionados e


mesmo assim não podem ser enquadradas no conceito de organização religiosa (a
maçonaria é um exemplo desse tipo de sociedade). Penso que em tais casos o Estado
é obrigado a prestar o mesmo tipo de proteção dispensada às organizações
religiosas, uma que vez existe uma coincidência de valores a serem protegidos, ou
seja, as religiões são protegidas pelo Estado simplesmente porque as suas existências
acabam por beneficiar toda a sociedade [...]. Existindo uma coincidência de valores
protegidos, deve existir uma coincidência de proteção.147
Nos termos das normas constitucionais brasileiras de 1988 não se verifica
nenhuma restrição, haja vista que, ao se assegurar a liberdade de crença e consciência, o
constituinte originário não impôs limitações, ao contrário, estendeu tal garantia de liberdade
também àqueles que alegarem convicção ideológica ou filosófica. Corroborando com tal
ponderação afirma Iso Chaitz Scherkerkewitz:

Devemos ampliar ainda mais o conceito de liberdade de religião para abranger


também o direito de proteção aos não-crentes, ou seja, às pessoas que possuem uma
posição ética, não propriamente religiosa (já que não dá lugar à adoção de um
determinado credo religioso), saindo, em certa medida do âmbito da fé, uma vez que
a liberdade preconizada também é uma liberdade de fé e de crença, devendo ser
enquadrada na liberdade religiosa e não simplesmente na liberdade de
pensamento.148
Sendo assim, a tutela da liberdade religiosa abrange tanto as confissões
religiosas majoritárias quanto as minoritárias, considerando que essas últimas na concepção
de Jónatas Eduardo Mendes Machado devem ser “objeto de uma particular atenção, porque
situadas numa posição de maior vulnerabilidade”149. O mesmo autor chega ao entendimento

145
Cf. MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes, op. cit.
146
SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz, op. cit., p. 4.
147
Ibidem, loc. cit.
148
SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz, op. cit., p. 5.
149
MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes, op. cit., p. 200-201.
56

de que a proteção à liberdade religiosa deve ser a mais ampla possível, de modo a não limitar
conceitos como religião ou confissão religiosa, aspectos importantes que terão forte
incidência ao se tratar de princípio da igualdade150.
Diante do exposto, impende questionar: quais funções caberiam ao Estado
na tarefa de garantir a liberdade religiosa? Em resposta a essa indagação Paulo Pulido
Adragão faz referência a três feixes distintos sintetizados por Saturino Gomes, a saber:

Proteger a pessoa na defesa da liberdade individual, proteger a sociedade civil contra


todos os abusos e criar condições para que as confissões e grupos religiosos,
segundo o seu grau de representatividade, possam desempenhar coerentemente a sua
missão.151
As funções do Estado como garantidor da liberdade religiosa são como uma
via de mão dupla, pois ao mesmo tempo em que visam proteger seus cidadãos ao garantir-lhes
o direito à liberdade religiosa, também protegem a sociedade como um todo ao coibir os
abusos por parte de alguns, de modo que se demarquem limites para a liberdade religiosa.

3.5 LIMITES AO DIREITO DE LIBERDADE RELIGIOSA

Não há direitos ilimitados nem absolutos. Qualquer que seja o direito,


fundamental ou não, está sujeito a limites. A liberdade religiosa, consoante se costuma
afirmar, encontra seu limite na ordem pública. No entanto, J. J. Lopes Praça152 adverte que a
expressão “ordem pública” exprime ambivalência de significado, ressaltando que o sentido
que deve ser aplicado é a “ordem pública indispensável à vida regular e ao desenvolvimento
da civilização de um país” que se distingue da “ordem pública arvorada em instrumento do
autoritarismo político”.
Verdade é que a liberdade religiosa em muitos casos poderá ser distorcida e
usada com abuso por alguns grupos e indivíduos. De igual modo, é perceptível o surgimento
de inúmeras novas crenças, ocorrendo de certa forma, como é ensinado por Aldir Guedes
Soriano153, “uma mercantilização da fé por parte de alguns religiosos inescrupulosos”, além
de alguns crimes serem “acobertados pelo manto da religiosidade”. O mesmo autor assevera:

Importa ressaltar, mais uma vez, a limitação do direito à liberdade religiosa dentro
dos parâmetros do Estado Democrático de Direito, para que essa liberdade pública

150
Ibidem, p. 201.
151
ADRAGÃO, Paulo Pulido, op. cit., p. 429.
152
PRAÇA, J. J. Lopes apud ADRAGÃO, Paulo Pulido, op. cit., p. 411.
153
SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional. São Paulo:
Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 152.
57

não seja, efetivamente, confundida com algo, que de fato, não é liberdade religiosa.
Essa distorção da “liberdade religiosa” é contrária à ordem pública e danosa para
sociedade. Todavia, a verdadeira liberdade religiosa é fundamental para a paz social
e para o equilíbrio de uma sociedade justa, fraterna e pluralista.154
Já Maurício Scheinman ressalta em sua definição de liberdade religiosa
a característica da limitação ao afirmar que o direito de liberdade religiosa
“consiste na aplicação do conceito de ‘liberdade’ às práticas relacionadas à fé seja ela qual
for, naturalmente não se podendo prestar a fins expressamente proibidos pelo sistema
normativo”155. Assim é que o próprio sistema normativo impõe limitações à liberdade
religiosa.
Com objetividade Paulo Pulido Adragão assinala que o limite da liberdade
religiosa “consiste na ponderação entre a liberdade religiosa e as outras liberdades
constitucionalmente protegidas, entre a religião e os outros bens fundamentais que o
ordenamento jurídico protege. O funcionamento concreto dos limites dá lugar a restrições”156.
Por outro lado, Themistocles Brandão Cavalcanti assevera que

a liberdade religiosa, pela sua natureza, reveste-se de modalidades diferentes:


intimamente, qualquer um pode ter o culto ou a fé que mais lhe convier, sem que o
Estado possa penetrar ou violar os sentimentos de cada um. O mesmo não se dirá,
porém, quanto às manifestações desses sentimentos religiosos, manifestações que se
acham subordinadas a interesses de ordem pública, dos bons costumes e dos direitos
da coletividade. Certas práticas religiosas, ofensivas à moral, são necessariamente
proibidas, bem como aquelas manifestações que possam provocar tumultos ou
perturbações da ordem pública.157
Assim o referido autor amplia as limitações à liberdade religiosa incluindo
os bons costumes e outros direitos da coletividade, além da ordem pública, como obstáculos
para o livre exercício da religião. Se de outra forma fosse imaginado, retirar esses citados
limites implicaria criar situações aberrantes no contexto geral do sistema jurídico.
Exemplifica Carlos Ernani Constantino:

se erigíssemos a liberdade religiosa em direito ilimitado, teríamos que lidar com


situações literalmente catastróficas para a sociedade, como por exemplo: se, amanhã,
surgisse uma nova religião, pregando o sacrifício de vidas humanas e matando
pessoas, durante os seus cultos, tal comportamento repugnável estaria assegurado
pela liberdade religiosa, garantida na Carta Magna:? [...] É lógico que não; os
seguidores de tal seita estariam cometendo homicídios, provavelmente
qualificados.158

154
Ibidem, loc. cit.
155
SCHEINMAN, Maurício. Liberdade religiosa e escusa de consciência: Alguns apontamentos. Jus
Navigandi, Teresina, ano 9, n. 712, 17 jun. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6
896>. Acesso em: 23 mar. 2007, p. 7.
156
ADRAGÃO, Paulo Pulido, op. cit., p. 513.
157
CAVALCANTI, Themistocles Brandão apud CRETELLA JUNIOR, José, op. cit., p. 219.
158
CONSTANTINO, Carlos Ernanin apud SORIANO, Aldir Guedes, op. cit., p. 94.
58

José Joaquim Gomes Canotilho abordando o tema – ainda que se refira


diretamente aos direitos fundamentais dos quais a liberdade religiosa é espécie – insiste em
um procedimento metódico que deva ser utilizado para análise de pertinência de possíveis
restrições. Assim, o autor elabora os seguintes questionamentos:

Trata-se de efectiva restrição do âmbito de protecção de norma consagradora de um


direito, liberdade e garantia?
Existe uma autorização constitucional para essa restrição?
Corresponde a restrição à necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos?
A lei restritiva observou os requisitos expressamente estabelecidos pela Constituição
(necessidade, proporcionalidade, generalidade e abstração, não retroactividade,
garantia do núcleo essencial)?159
Utilizando tais técnicas de ponderação será possível, no caso concreto,
concluir se é justa, legítima e constitucional determinada medida estatal que restrinja a
liberdade de crença do cidadão.
No sentido de informar o papel do Estado diante da necessidade de impor
limites à liberdade religiosa, Aldir Guedes Soriano pontua:

Há limites para a liberdade, a fim de se preservar a ordem jurídica. Nenhuma


atividade ilícita pode ser praticada em nome da religião, pois não se trata de um
direito absoluto. De outra banda, não cabe ao Estado dizer o que é verdadeiro ou
falso no campo religioso [...]; cabe, entretanto, coibir as ilicitudes praticadas em
nome da religião, desde que prevista em lei. Para tanto, existe todo um ordenamento
jurídico, que regula o mínimo moral. Os crimes de estelionato, de bigamia, de
homicídio, de charlatanismo, de curandeirismo, o uso de alucinógenos e o terrorismo
merecem a reprovação estatal e devem ser punidos. O Estado promove a persecução
de tais ilícitos, porque violam a ordem pública, ferem a liberdade alheia e atentam
contra a segurança pública. Não o faz, portanto, com o escopo de combater os falsos
profetas ou as religiões falsas, pois, como ficou assentado, o Estado é neutro, não-
confessional ou laico.160
Enfim, conforme palavras do mesmo autor “a liberdade religiosa não pode
ser confundida com o que se chama de ‘libertinagem religiosa’”161.

3.6 LIBERDADE RELIGIOSA E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A liberdade religiosa está intimamente relacionada com o também princípio


159
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. rev. Coimbra: Livraria Almedina, 1993,
p. 601-602.
160
SORIANO, Aldir Guedes, op. cit. p. 168.
161
Ibidem, loc. cit.
59

da dignidade da pessoa humana. A doutrina sublinha essa relação ao tempo que destaca a
dignidade da pessoa humana como valor mais elevado do sistema de direitos fundamentais.
Nesse sentido pondera Aldir Guedes Soriano:

A liberdade religiosa é um direito humano fundamental amparado pelo princípio da


dignidade da pessoa humana; irreversivelmente consagrado, tanto pelo Direito
Constitucional como pelo Direito Internacional; oponível erga omnes, por tratar-se
de um direito público subjetivo, que confere ao cidadão a faculdade de cumprir os
seus deveres religiosos, se assim os tiver, conforme os ditames da sua própria
consciência, em condições de igualdade, seja qual for a sua confissão religiosa ou
filosofia de vida.162
Mas o que vem a ser dignidade da pessoa humana? O que significa tal
princípio? Ingo Wolfgang Sarlet responde ponderando:

temos por dignidade da pessoa humana que o faz merecedor do mesmo respeito e
consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um
complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra
todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as
condições existenciais para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua
participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em
comunhão com os demais seres humanos.163
Alexandre de Moraes, por sua vez, assim define a dignidade da pessoa
humana:

A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que


se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria
vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas,
constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve
assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao
exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária
estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.164
Verifica-se que a autodeterminação é aspecto inerente à dignidade da pessoa
humana, assim como também à liberdade e, especificamente, à liberdade religiosa. Não sem
razão Ingo Wolfgang Sarlet ao tratar do tema pondera que “o elemento nuclear da noção de
dignidade parece continuar sendo reconduzido primordialmente à matriz kantiana, centrando-
se, portanto, na autonomia e no direito de autodeterminação da pessoa (cada pessoa)”165.
O direito à autodeterminação é o elo entre a liberdade religiosa e a
dignidade da pessoa humana e é assim que Jónatas Eduardo Mendes Machado afirma:
“O direito à liberdade de consciência, de religião e culto apresenta-se radicado na idéia de

162
SORIANO, Aldir Guedes, op. cit. p. 166.
163
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 5. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 62.
164
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 4. ed. São
Paulo: Atlas, 2004, p. 128 e129.
165
SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 46.
60

dignidade da pessoa humana, e na compreensão da comunidade política como sistema justo


de cooperação entre cidadãos livres e iguais”166.
A dignidade da pessoa humana, portanto, sendo postulada como fundamento
da liberdade religiosa, norteará a interpretação das normas e dos casos concretos que venham
a restringir de alguma forma tal liberdade.

3.7 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE EM MATÉRIA RELIGIOSA

O princípio da igualdade é um dos fundamentos do Estado Democrático.


Em razão de tal princípio não se admite privilégios e distinções a qualquer pessoa ou grupo na
sociedade. “Todos são iguais perante a lei” é a síntese de tal princípio. Contudo, igualdade
perante a lei é a mera igualdade formal, o que sozinha não conduz a uma sociedade justa.
Sobre o princípio da igualdade se manifesta Cármen Lúcia Antunes Rocha
nos seguintes termos:

O princípio da igualdade resplandece sobre quase todos os outros acolhidos como


pilastras do edifício normativo fundamental alicerçado. É guia não apenas de regras,
mas de quase todos os outros princípios que informam e conformam o modelo
constitucional positivado, sendo guiado apenas por um, ao qual se dá a servir; o da
dignidade da pessoa humana.167
O referido princípio da igualdade ultrapassa a definição de igualdade como
igualdade formal. Conduz ao brocardo “tratar igualmente os iguais e desigualmente os
desiguais” que sempre é lembrado quando se aborda o assunto da igualdade material. Assim é
que J. J. Calmon de Passos afirma

consistir a igualdade jurídico-política em tratar-se igualmente os iguais e


desigualmente os desiguais, sempre com vistas a assegurar maior igualdade
substancial. Se trato desigualmente os iguais, discrimino. Se trato igualmente os
desiguais, discrimino.168
Pelo que acima afirmou o referido autor, em algumas situações será
necessário desigualar os desiguais para se alcançar a igualdade material, pois do contrário
haveria discriminação. Corroborando com essa linha de raciocínio Jónatas Eduardo Mendes
Machado pontua:

166
MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes, op. cit., p. 285.
167
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Ação Afirmativa: O conteúdo democrático do princípio da igualdade
jurídica. Revista de Informação Legislativa. a. 33, n. 131, jul./set. 1996. Brasília, p. 289.
168
PASSOS, J. J. Calmon de. O Princípio da Não Discriminação. Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ -
Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº. 2, maio, 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.b r>.
Acesso em: 05 mar. 2007, p. 3.
61

Nalguns casos a igualdade formal dará lugar a uma igualdade meramente aparente,
se não mesmo a situações de discriminação. Deste modo, também é de considerar a
existência de uma obrigação de diferenciação de tratamento jurídico, possibilitando
disciplinas jurídicas distintas ajustadas às desigualdades fácticas concretamente
existentes e à particular auto-compreensão das diferentes confissões religiosas.169
Em outra oportunidade o mesmo autor assevera que a base da justiça se
encontra na igualdade, de modo que

o princípio da igualdade decorre da concepção da sociedade como ordem de


cooperação entre cidadãos livres e iguais. Ele está na base da justiça e da
reciprocidade que a alicerçam, bem como da igual consideração e respeito devida a
todos os indivíduos.170
É o respeito mútuo entre os indivíduos, tendo a todos com igual
consideração que também caracteriza uma sociedade como fraterna, valor esse postulado em
inúmeras Constituições. Reconhecendo a diversidade entre os indivíduos se perceberá
substancialmente as diferenças, de modo que a efetividade do princípio da igualdade
assegurará

um mesmo nível de dignidade e reconhecimento a todos os cidadãos e grupos de


cidadãos. No entanto, ele não pode abstrair das desigualdades materiais que
efectivamente se estabelecem entre eles nem considerá-los idealmente desenraizados
das condições objectiva, onde concretamente se exprimem a sua singularidade e a
sua diversidade.171
Assim é que em matéria religiosa o princípio da igualdade tem um
importante papel para a concretização da democracia. A despeito de José Afonso da Silva
afirmar que o fator religião não vem sendo base de discriminações privadas ou públicas, com
a justificativa de ser o povo brasileiro profundamente democrático e respeitador da religião
dos demais172, em alguns casos, como na questão do dia de guarda – que será visto em outro
capítulo – não procede tal afirmação.
Ressalte-se que nas sociedades nas quais a maioria da população pratique
determinada religião, alguns dogmas da mesma terão influência no processo de elaboração
das leis desta sociedade, quer pela crença prévia do legislador, quer pela pressão exercida pela
organização religiosa dominante. Exemplo disso é o caso brasileiro no que se refere a temas
como aborto, uniões homossexuais, feriados por dia sagrado, dia de repouso semanal etc.
Portanto, em alguns casos ocorrerão conflitos entre as convicções do indivíduo e as leis que
deve obedecer.

169
MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes, op. cit., p. 291-292.
170
Ibidem, p. 290.
171
Ibidem, p. 290-291.
172
SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 229.
62

Será mais fácil, portanto, ser membro da Instituição Religiosa dominante do


que pertencer à outra que tenha convicções divergentes, já que as crenças da primeira estarão
em harmonia com o ordenamento jurídico, ou melhor, o ordenamento jurídico estará em
harmonia com as crenças predominantes. Como então tal indivíduo será livre para escolher
seu credo? Jónatas Eduardo Mendes Machado faz a seguinte reflexão:

Só se pode pensar e desenvolver livremente convicções em matéria religiosa, se se


puder comunicar com outros e ter acesso a diferentes pontos de vista
mundividenciais. Por outro lado, uma pessoa só tem liberdade religiosa se puder
optar num ou noutro sentido sem ser por isso afectada na sua validade cívica, isto é,
na sua igual dignidade como membro de pleno direito da comunidade política. A
liberdade a que se refere a Constituição só tem sentido num contexto de um “dar e
receber” em condições de reciprocidade. Por sua vez, a liberdade religiosa só tem
sentido num contexto de igual liberdade religiosa. Daí a importância da igualdade de
direitos entre todos os cidadãos e as diferentes confissões religiosas.173
Mesmo que o Estado não proíba diretamente a existência de alguma religião
ou a vinculação do indivíduo a esta, poderá indiretamente criar obstáculos na medida que
exija determinados comportamentos dos seus cidadãos, v.g., impondo condição contrária à fé
do indivíduo para que este usufrua determinados direitos, sem lhe proporcionar outra
alternativa.
Assim é que consoante Jónatas Eduardo Mendes Machado174 todas as
confissões religiosas devem ser tratadas como iguais, de modo que a todas seja concedida
igual medida de liberdade da forma mais ampla possível. Para isso, necessário será o
procedimento de ponderação de bens em relação aos outros interesses e direitos
constitucionalmente protegidos.

Esse objectivo pode implicar a previsão, sempre que isso se justifique, de regimes
especiais para membros de determinadas confissões religiosas. Pense-se por
exemplo, no já referido caso dos adventistas do sétimo dia e da necessidade de
respeitar e tutelar, tanto quanto possível, a sua recusa, religiosamente fundada, de
trabalhar ao sábado. Embora estejamos aqui perante diferenciações jurídicas, nem
por isso se viola o princípio da igualdade. Pelo contrário, estas servem o propósito
constitucional substantivo de garantir a todos os cidadãos uma igual medida de
dignidade e liberdade.175
Daí que diante da existência de leis que estejam em desacordo com a
consciência de alguns indivíduos, e numa tentativa de contornar tal situação visando garantir
igual liberdade de religião a todos, se criou o instituto da objeção ou escusa de consciência.

3.8 DIREITO À OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA

173
MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes, op. cit., p. 285-286.
174
Ibidem, p. 292.
175
Ibidem, p. 292-293.
63

A objeção (ou escusa) de consciência assim como a liberdade religiosa é


apenas superficialmente abordada nos livros e manuais de Direito Constitucional. A despeito
da objeção de consciência estar relacionada com a liberdade de crença e consciência, o que
envolveria convicções diversas, em especial, a religiosa, quando o tema é abordado na
doutrina facilmente se resume à recusa à prestação do serviço militar.
Celso Ribeiro Bastos chega a afirmar que “dificilmente se concretizará em
outras situações senão aquelas relacionadas com os deveres marciais do cidadão”176. No
entanto, existem outras situações no seio da sociedade que estariam protegidas pela objeção
de consciência como, por exemplo, a recusa em participar de aulas práticas em cursos de
ciências biológicas que utilizem animais como cobaias ou a recusa de efetuar atividades
seculares em dias considerados sagrados ou de descanso, como é o caso dos guardadores do
sábado. Alexandre de Moraes deixa isso bem claro ao declarar:

Importante ressaltar que a escusa de consciência se aplica às obrigações de forma


genérica, e não somente ao serviço militar obrigatório, como bem lembra Jorge
Miranda, ao afirmar que "é garantido o direito à objecção de consciência nos termos
da lei (art. 41, nº 6), e não se confinando a objecção ao serviço militar, pois pode
abranger quaisquer adstrições colectivas que contendam com as crenças e
convicções".177
Registre-se que apenas recentemente a objeção de consciência se consagrou
como um direito do indivíduo, embora a História esteja marcada com acontecimentos que
lembrem a figura do objeto em estudo.
Há um relato na Bíblia Sagrada de que três hebreus (Ananias, Misael e
Azarias), por imperativo de consciência desobedeceram à ordem do rei da Babilônia de se
curvarem e adorarem uma estátua de ouro, sendo imediatamente condenados à morte e
lançados em uma fornalha acesa. Em outra ocasião, após os medos-persas conquistarem o
reino da Babilônia, o rei Dario proibiu que durante trinta dias não se fizessem pedidos
(orações) a qualquer deus, sob pena de ser lançado na cova dos leões, mas Daniel, também
por imperativo de consciência, descumpriu tal comando, pois como era seu costume ajoelhou-
se e orou dando graças ao seu Deus178.
Sócrates, criador da filosofia ocidental atual, também é um exemplo

176
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em
5 de outubro de 1988, v. II, 2. ed., atual. São Paulo. Saraiva: 2001, p. 61.
177
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. Coleção Temas Jurídicos. v. 3, 2. ed. São
Paulo: Atlas, 1998, p. 125.
178
Tais histórias se encontram na Bíblia Sagrada, livro de Daniel, capítulos 3 e 6 respectivamente.
64

daqueles que preferiram a morte a abrir mão de suas convicções por conveniência do Estado
(daqueles que detinham o poder).
Muitos cristãos foram perseguidos e mortos por se recusar a adorar o
imperador de Roma como se fosse um deus. Assim o cristianismo, na Idade Média, lança as
bases do que seria a objeção de consciência ao se opor à prestação de culto ao imperador e
posteriormente ao serviço com armas.
A objeção de consciência surge como direito em texto escrito durante a
Revolução Francesa, a partir de um Decreto de 1793, no qual foi estabelecida a dispensa do
serviço militar em razão de fortes motivos religiosos.
No século XIX se destaca a obra "A Desobediência Civil" do americano
Henry David Thoreau. No entanto, foi no século XX, com a escolha de sistemas de governo
democráticos, com a importância dada à proteção dos direitos fundamentais e com a critica à
solução bélica dos conflitos entre povos, que a objeção de consciência se consolidou como
direito.
Sobre o surgimento da objeção de consciência José Carlos Buzanello
assevera:

A objeção de consciência surge historicamente como problema referente à


independência do indivíduo religioso em relação à autoridade religiosa ou ao Estado,
que mais tarde se torna uma prescrição política de ordem política (liberal), com
grande ressonância no ocidente com a defesa dos direitos individuais. A Declaração
de Direito do Homem e do Cidadão, de 1789, fruto da Revolução Francesa,
introduziu no discurso político-jurídico moderno as liberdades públicas.179
O mesmo autor define a objeção de consciência como “a recusa ao
cumprimento dos deveres incompatíveis com as convicções morais, políticas e filosóficas, ou
em outras palavras, o conflito entre o ato moral e o ato jurídico”180. Para melhor esclarecer o
conceito, afirma que “a escusa de consciência significa a soma de motivos alegados por
alguém numa pretensão de direito individual em dispensar-se da obrigação jurídica imposta
pelo Estado a todos, indistintamente”181. No entanto, José Carlos Buzanello deixa claro que os
motivos alegados devem ter o mínimo de seriedade, e nesse sentido afirma:

Os elementos determinantes do caráter relacional da decisão de objeção de


consciência devem levar em conta que esta “não significa um simples
convencimento subjetivo que pode abarcar toda ocorrência, capricho ou pensamento
fantástico, senão uma decisão adotada com toda seriedade na luta pelo conhecimento

179
BUZANELLO, José Carlos. Direito de Resistência Constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen
Iuris. 2006, p. 152.
180
Ibidem, p. 150.
181
Ibidem, loc. cit.
65

do eticamente justo.182
As definições de objeção de consciência não apresentam grandes variações
entre os doutrinadores, havendo grande similaridade entre os conceitos. Dirley da Cunha
Júnior, por exemplo, sintetiza o conceito ao afirmar que se trata de um “direito individual que
investe a pessoa de recusar prestar ou aceitar determinada obrigação que contrarie as suas
crenças ou convicções”183. Para John Rawls a “objeção de consciência é a desobediência a
uma injunção legal ou a uma ordem administrativa mais ou menos direta”184. José Afonso da
Silva acrescenta que a objeção ou escusa de consciência se deriva do direito à liberdade de
consciência, de crença religiosa ou de convicção filosófica185. Nesse sentido assevera José
Carlos Buzanello que: “A liberdade de consciência é o núcleo de fundamentação da objeção
de consciência, pois reflete a liberdade de crença e de pensamento, não de uma liberdade
geral, mas de uma liberdade singular não pautada na igualdade entre os indivíduos”186.
Claudio Maraschin define a objeção de consciência como sendo
“um instrumento da liberdade ideológica que procura tornar compatíveis, tanto no plano
subjetivo e institucional, os valores que poderiam entrar em colisão – liberdade e igualdade –
num aspecto concreto da vida social”187.
Realçando o vínculo entre a liberdade de consciência e a objeção de
consciência, Gregório Câmara Villar pontua:

La objeción de conciencia no puede ser algo distinto o desvinculado de la libertad


de conciencia. Es, evidentemente, una concreción o especificacíon de ella y, por
tanto, derecho fundamental (...) el contenido de la libertad idológica o de
conciencia no consiste solo en el derecho a formar libremente la conciencia, sino
también a poder obrar conforme con los imperativos de la misma, esto es, a que los
ciudadanos puedan adecuar coherentemente su conduta y sus formas de vida a sus
propias convicciones en aquello que es básico y fundamental en la vida humana y
afecta directamente a la propia dignidad y al desarrollo libre y pleno de la
personalidad.188
José Carlos Buzanello também destaca que a objeção de consciência é uma
espécie de direito de resistência, considerada como de baixa intensidade política – negação
parcial das leis – e elevada repercussão moral. Continua o autor afirmando que “caracteriza-se

182
Ibidem, p. 150-151.
183
CUNHA JUNIOR, Dirley da, op. cit. p. 652.
184
RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves. 2. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 408.
185
SILVA, José Afonso da, op .cit., p. 245.
186
BUZANELLO, José Carlos. Objeção de Consciência: uma questão constitucional. Revista de Informação
Legislativa, n. 152, out/dez 2001. Brasília, p. 174.
187
MARASCHIN, Claudio. Em busca de uma Fundamentação Jurídica da Objeção de Consciência. Revista de
Direito Militar, nº 17, mai/jun 1999, p. 24.
188
VILLAR, Gregório Câmara apud MARASCHIN, Claudio, op. cit., p. 24.
66

por um teor de consciência razoável, de pouca publicidade e de nenhuma agitação,


objetivando, no máximo, um tratamento alternativo ou mudanças da lei”189. Assevera ainda
que a objeção de consciência “reclama é a não-ingerência do Estado em assuntos privativos
da consciência individual, que se confunde também com a dignidade humana, agora
solidificada como princípio constitucional”190.
Daí, três elementos se destacam na configuração da objeção de consciência,
a saber, uma norma jurídica ou administrativa que gere obrigação a todos os cidadãos, sendo
recusada o seu cumprimento pelo indivíduo; o fundamento do descumprimento ser convicção
de foro íntimo do objetor por razão religiosa, moral ou política; e a não utilização da violência
na efetivação da escusa.
Por isso, negar a objeção de consciência ou relativizá-la de modo que se
esvazie o seu conteúdo é negar a própria liberdade de consciência e de crença. John Rawls,
em sua obra “Uma Teoria da Justiça”, revela que devem existir limites ao direito de objeção
de consciência, mas que tais limites devem ser apenas aqueles necessários para a própria
proteção da liberdade. Assim afirma:

Aqueles que gostariam de negar a liberdade de consciência não podem justificar sua
posição pela condenação do ceticismo em relação à filosofia e da indiferença
religiosa, nem pelo apelo aos interesses sociais e questões de Estado. A limitação da
liberdade só se justifica quando for necessária para a própria liberdade, para impedir
uma incursão contra a liberdade que seria ainda pior. 191
Em outra oportunidade John Rawls reafirma: “quando se nega a uma
religião a sua expressão plena, presume-se que a razão disso seja a sua violação das liberdades
iguais dos outros”192. Deste modo, se o indivíduo alega objeção de consciência diante de uma
obrigação a todos impostas e não tem seu pleito reconhecido, não pode tal indivíduo exercer
plenamente sua religião sem prejuízos de ser tolhido de algum outro direito.
Como dito em outro momento, a religião dominante da sociedade tende a
influenciar e mesmo determinar parte do conteúdo normativo das leis elaboradas pelo
legislativo (muitas vezes sob o argumento cultural), que tendo caráter geral e abstrato atingirá
aqueles que não tenham religião ou façam parte da minoria que discorda das crenças de tal
Instituição Religiosa (vide a questão do aborto ou das uniões homoafetivas). Desse modo, em
uma sociedade livre e democrática, onde deve prevalecer as liberdades clássicas e,

189
BUZANELLO, José Carlos, op. cit., p. 174.
190
Ibidem, loc. cit.
191
RAWLS, John, op. cit., p. 233.
192
Ibidem, p. 410.
67

especificamente, a liberdade de crença, conforme John Rawls, “o Estado não pode favorecer
nenhuma religião específica e não se pode vincular sanções ou incapacidades a nenhuma
afiliação religiosa ou ausência dela. Fica rejeitada a idéia de um Estado confessional”193.
Decorre então a separação entre a Igreja e o Estado, de modo que diversas
Instituições adquirem autonomia ao mesmo tempo em que se revestem de regras e ideologias
próprias. O Estado laico, assim, deve garantir a igual liberdade religiosa de todos, sem
privilégios, não devendo ter suas políticas conduzidas com base em dogmas religiosos, a
despeito de também não ser indiferente à religiosidade de seu povo.

3.9 O ESTADO LAICO

Imprescindível na abordagem da liberdade religiosa é a análise do princípio


do Estado laico, isto é, a norma que dispõe sobre a separação entre Estado e Igreja. Segundo o
dicionário Houaiss194 o termo laico tem origem no latim laicus e, em uma palavra, quer dizer
leigo. Conforme a mesma obra, o verbete laico tem a acepção de ser “aquele que não pertence
ao clero nem a uma ordem religiosa”; ou “aquele que é hostil à influência, ao controle da
Igreja e do clero sobre a vida intelectual e moral, sobre as instituições e os serviços públicos”;
ou ainda, “que é independente em face do clero e da Igreja, e, em sentido mais amplo, de toda
confissão religiosa”.
A importância do Estado laico alcança não apenas aqueles que não possuem
nenhuma religião, mas principalmente atinge aqueles que professam algum credo, em especial
quando tal confissão faz parte de grupo minoritário. Nas palavras de Antônio Flávio Pierucci,
“diversidade legítima, diferenciação ativa de crenças, tradições, dogmas e práticas, bem como
de figuras e entidades religiosas (santos, santas, anjos, demônios, deuses e deusas) só é
possível haver de forma sustentável se o Estado for laico”195. De igual modo John Rawls
pondera que “é preciso considerar que as sociedades não se fazem de uma única religião.
Mesmo que não fosse assim, vale notar que as religiões também são marcadas por

193
Ibidem, p. 230.
194
HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa.
Rio de Janeiro, Objetiva, 2001, CD-rom versão 1.0, para Windows.
195
PIERUCCI, Antônio Flávio. Estado laico, Fundamentalismo e a Busca da Verdade. In: BATISTA, Carla;
MAIA, Mônica (Org.). Estado Laico e Liberdades Democráticas. SOS Corpo - Instituto Feminista para a
Democracia. Recife. Abril/2006. Disponível em: <http://www.convencion.org.uy/09Laicismo/estadolaico.pdf>.
Acesso em: 03 jun. 2007, p. 5.
68

divergências internas”196.
Para Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro

a separação entre Estado e Igreja nada mais é do que uma garantia fundamental
(direito-garantia), voltada especificamente à proteção dos direitos integrantes do
conceito maior de liberdade religiosa, pois a história das sociedades já evidenciou
que a associação entre político e religioso, entre os poderes temporal e espiritual
gera o aniquilamento da liberdade e promove intolerância e perseguições.197
A mencionada autora destaca que a reivindicação por um sistema de
separação entre Igreja e Estado se deu sob o pressuposto de que os poderes públicos não
utilizassem seus instrumentos de coerção “como meios de compulsória conversão,
aniquilando um dos fundamentos básicos da própria idéia de religião que é a conversão
interior pela fé e pelo voluntarismo, e não a imposição pela força”198.
Muitas vezes o meio de coerção não se apresentará de forma direta, pois
inaceitável seria o Estado abertamente impor o credo de alguma Instituição Religiosa. Assim
é que, de forma disfarçada e indireta, o Estado estará constrangendo o indivíduo a abandonar
ou mitigar sua fé ao estabelecer normas condicionantes à fruição de direitos que venham a
colidir com as convicções religiosas deste sem que lhe ofereça alternativa, restando assim
apenas a opção de ser fiel à consciência ou desprezá-la. Para Maurice Verfaillie,

torna-se difícil promover, amplamente, a liberdade de consciência, de religião e de


convicção numa sociedade no seio da qual um ou mais grupos religiosos influentes,
não só recusam respeitar as crenças dos outros, o direito à liberdade de consciência
dos seus adeptos de mudarem de religião, ou se fecham numa recusa categórica de
viver em boa harmonia com os outros membros desta sociedade.199
Se verdadeiramente o Estado que afirme ser laico concretamente agir como
tal, os membros da sociedade poderão viver em harmonia mesmo que possuam convicções
conflitantes. Sobre a separação entre Igreja e Estado, Francisco Faus faz a seguinte
ponderação:

A separação entre Igreja e Estado, a “laicidade” do Estado, não significa, pois, que o
Estado negue à Igreja o direito e o dever de contribuir para o bem da sociedade (em
assuntos não estritamente “religiosos”), ou que impeça os católicos de terem as suas
opiniões, de defendê-las e de cumprir com a sua responsabilidade e o seu direito de
participar na vida pública, como qualquer cidadão. Um Estado que não respeitasse
um espaço para a Igreja na sociedade, ou negasse o direito dos católicos de expressar
– como qualquer outro cidadão – as suas opiniões e opções políticas pessoais, teria
acabado com a democracia, cairia no sectarismo, no totalitarismo ideológico e

196
Ibidem, p. 9.
197
PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri, op. cit., p. 3.
198
PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri, op. cit., p. 3.
199
VERFAILLIE, Maurice. A liberdade religiosa e a laicidade do Estado – uma perspectiva global. Consciência
e Liberdade. nº 17, ano 2005. Lisboa, p. 11.
69

prático.200
Fica subentendido nas palavras de Francisco Faus a legitimidade da
influência da Igreja na elaboração das leis. De fato o Estado laico de modo algum deve negar
à Igreja ou qualquer instituição social o direito de contribuir para o bem da sociedade.
Destarte, se determinado comportamento é considerado inadequado por
determinada instituição religiosa, torna-se compreensível que esta deva instruir e motivar seus
adeptos a seguirem este padrão de conduta. No entanto, inconcebível em um Estado
democrático e pluralista é a imposição a toda a sociedade de uma forma especifica de conduta
por ser esta a aceita pela Igreja dominante. Exemplo claro disso é a pressão que é feita para
que não ocorra a legalização do aborto, ocorrendo, enquanto isso, além de muitos abortos
clandestinos de forma precária, o abandono de crianças até mesmo em latas de lixo, esgotos e
lagoas como tem sido noticiado nos últimos meses.
Assim, em um ambiente onde a Igreja esteja separada do Estado e prevaleça
a liberdade de expressão, de crença e de consciência, são válidas as palavras de Francisco
Faus quando diz que:

cada cidadão pode expor e defender – merecendo o respeito de todos – as suas


próprias opiniões políticas, sociais, etc. (sejam ou não coincidentes com crenças
religiosas ou convicções ideológicas, ou sejam apenas preferências particulares). É
perfeitamente compatível (e sumamente desejável) a fidelidade à identidade própria
de cada um e aos seus “valores” de vida (p. ex. a identidade católica), unida, ao
mesmo tempo, à disponibilidade respeitosa para o diálogo com todos.201
A ressalva que deve ser feita é que uma coisa é expor ou defender uma idéia
ou convicção de caráter religioso, outra bem diferente é lutar para que a mesma seja aplicada
a todos, indistintamente, incluindo aqueles que não compartilhem do mesmo entendimento.
Será possível então a convivência livre, justa e solidária, por meio da
tolerância à diversidade de manifestações, enquanto um direito fundamental. Assim, Miriam
Ventura conclui que

A questão central, portanto, nos Estados laicos será o de como limitar a interferência
dessas instituições no delineamento de políticas públicas de modo que possam
acarretar algum tipo de constrangimento a outras pessoas que não professam aquela
fé religiosa.202

200
FAUS, Francisco. Laicidade e Laicismo. Disponível em: <http://www.quadrante.com.br/Pages/servicos02.as
p?id=146&categoria=Sociedade>. Acesso em: 11 jul. 2007, p. 3.
201
FAUS, Francisco, op. cit., p. 4.
202
VENTURA, Miriam. Pontos de Contato Constitucionais entre Estado e Instituições Religiosas. In: BATISTA,
Carla; MAIA, Mônica (Org.). Estado Laico e Liberdades Democráticas. SOS Corpo - Instituto Feminista para
a Democracia. Recife. Abril/2006. Disponível em: <http://www.convencion.org.uy/09Laicismo/estadolaico.pdf>
Acesso em: 03 jun. 2007, p. 15.
70

Outro aspecto importante é que além da religião não dever conduzir os


“rumos” das políticas públicas, o Estado também não poderá desprezar o “fato religioso” do
seu povo, ignorando esta característica sob o argumento do secularismo ou ceticismo.

3.9.1 Estado Laico, Ateu, Pagão ou Confessional

O questionamento a ser feito é o que de fato significa ser laico o Estado.


Estado laico é o mesmo que Estado ateu ou Estado pagão? Ives Gandra da Silva Martins
responde negativamente. Este autor ilustra citando os preâmbulos das Constituições
brasileiras em cujo conteúdo se encontra expressões como “confiança depositada em Deus”
na de 1934, ou “sob a proteção de Deus” na de 1946 e na de 1988. Sobre tais expressões nas
Constituições esclarece Ives Gandra da Silva Martins:

Esta percepção da importância de Deus como fundamento de uma sociedade fraterna


radica na indissociável conexão entre a história, a cultura e o próprio Criador, o que
é imprescindível para a elaboração de políticas públicas que não colidam com a
liberdade religiosa e nem desrespeitem a profunda religiosidade da nação
brasileira.203
Conclui o autor, acima citado, que existe uma grande distância entre o
pluralismo religioso do Estado laico e um Estado ateu ou pagão, já que este último não
reconhece a existência de Deus, ou ainda, propaga a divinização do ocupante do poder. Ives
Gandra da Silva Martins ilustra tal conclusão mencionando dois fatos históricos, sendo o
primeiro a perseguição sofrida pelos cristãos, no ano 64 d.C., promovida pelo Imperador
romano Nero com o objetivo de preservar o culto pagão aos imperadores, e o segundo relata a
política de extermínio de Hitler que “sustentou um Estado Ateu em que o Füher era o senhor
supremo da vida e da morte”204.
Por outro lado, Aldir Guedes Soriano, a despeito do que foi dito por Ives
Gandra da Silva Martins, acrescenta: “o Estado laico também não é confessional. Estado ateu
possui um caráter confessional às avessas. Assim, o Estado laico não é ateu nem muito menos
confessional: ele é neutro – ou, pelo menos, deveria, em tese, ser neutro205”.
É também com a menção a fatos históricos que Aldir Guedes Soriano
justifica o Estado laico como Estado não-confessional, ou neutro, argumentando que ao

203
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Estado Laico Não É Estado Ateu e Pagão. Jus Navigandi, Teresina, ano
11, n. 1488, 29 jul. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10209>. Acesso em: 30
jul. 2007, p. 1.
204
Ibidem, loc. cit.
205
SORIANO, Aldir Guedes. Estado Laico é Neutro. Folha de S. Paulo, São Paulo, 20 jul. 2007, Opinião, p. 3.
71

Estado buscar o bem comum não deve confundir este valor com os valores religiosos.
Assevera o autor:

Os horrores das "santas inquisições" só foram possíveis com a associação entre a


Igreja e o Estado, quando a heresia passou a ser considerada um crime contra o
próprio Estado. Como se pode perceber, os dois extremos devem ser evitados. Por
isso, é melhor que o Estado seja neutro. Sempre que o Estado tentou definir o que é
o bem comum por meio de leis, ocorreram graves confrontos, barbáries, genocídios
e guerras. Foi exatamente o que ocorreu com a experiência totalitarista nazista, que
foi imposta por Hitler a partir da edição das leis de Nuremberg de 1935. O mesmo
aconteceu quando os reis católicos Fernando e Isabel solicitaram ao Papa a
instituição da inquisição espanhola. Os monarcas elegeram o catolicismo como o
bem comum e pretenderam a unificação política e religiosa por meio da eliminação
das minorias religiosas. Assim, positivando o bem comum, ateu ou religioso, o
Estado se torna instrumento da tirania e da opressão.206
Como a liberdade religiosa é uma espécie da liberdade de expressão e esta,
em razão do princípio democrático, deve ser respeitada pelo Estado, é evidente que o mesmo
não pode ser indiferente à religiosidade de seus cidadãos, como também não deve ser
indiferente à ética humanista dos ateus. Conforme Aldir Guedes Soriano, tanto a corrente
religiosa quanto a humanista dos ateus são capazes de influenciar o processo legislativo e
decisório do Estado. Com fundamento em Gadamer e Ortega Y Gasset justifica que “os
agentes estatais, pessoas de carne e osso, dificilmente deixarão de carrear suas pré-
compreensões religiosas para a esfera pública”207.
Ainda que se faça a escolha por determinada ideologia (religiosa ou não) na
elaboração e efetivação de políticas públicas, visando o bem comum da população ou ao
menos da maioria dela, se espera de um Estado Democrático, que professe proteger a
liberdade de crenças de todos os seus cidadãos, o oferecimento de atividades alternativas para
os grupos minoritários, que em tese não devem ter seus direitos restritos em razão da crença
adotada. Aneli Schwarz entende que

A questão vai para além do fato de se lutar por um Estado laico. Além disso, o
Estado precisa ser democrático, dentro da definição de Ivone Gevara, de que
democracia não é o voto da maioria, mas a possibilidade de todas as pessoas, de uma
ou outra forma, serem incluídas.208
Tal assertiva torna-se mais claramente válida sob a ponderação do então
Cardeal Joseph Ratzinger ao considerar que mesmo sendo adotada pelo sistema democrático a
regra da maioria para a formação da vontade política, essa vontade deve ser considerada

206
Ibidem, loc. cit.
207
SORIANO, Aldir Guedes, op. cit., p. 3.
208
SCHWARZ, Aneli. Ética Luterana e Laicidade. In: BATISTA, Carla; MAIA, Mônica (Org.). Estado Laico e
Liberdades Democráticas. SOS Corpo - Instituto Feminista para a Democracia. Recife. Abril/2006. Disponível
em: <http://www.convencion.org.uy/09Laicismo/estadolaico.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2007, p. 8.
72

também pelo aspecto moral e não apenas técnico já que “as maiorias podem ser cegas ou
injustas”209.

3.9.2 Laicidade e Laicismo

Laicidade e laicismo são dois termos que embora aparentemente tenham o


mesmo sentido se traduzem em comportamentos distintos por parte do Estado. Dom Eugênio
Sales faz essa distinção ao declarar que o Estado leigo é aquele que respeita o credo de cada
cidadão que não desrespeite a ordem pública, enquanto que o Estado laicista seria “fruto de
ideologias que desconhecem os valores religiosos ensinados na integralidade da sua
conduta”210.
A laicidade, consoante Francisco Faus, pressupõe primeiramente que o
Estado seja independente em relação a qualquer Instituição Religiosa e em relação às suas
crenças e rituais, como também pressupõe a independência das Igrejas em relação ao Estado
de modo que este não intervenha em assuntos estritamente religiosos que sejam de
competência das Igrejas e comunidades. Em segundo lugar, a laicidade também pressupõe
que o Estado respeite a liberdade religiosa sem outros limites que não a ordem pública.
Por outro lado, Francisco Faus cita palavras do então Papa João Paulo II que
definem o laicismo como

uma ideologia que leva gradualmente, de forma mais ou menos consciente, à


restrição da liberdade religiosa, até promover o desprezo ou a ignorância de tudo o
que seja religioso, relegando a fé à esfera do privado e opondo-se à sua expressão
pública.211
Para Celuy Roberta Hundzinski Damásio o problema não reside na
separação entre Igreja e Estado em si, mas na maneira como tal separação é feita e no objetivo
que leva a isso. Afirma a autora que “há uma acomodação em cima de teorias, até bem
fundadas, que levam os poderes a fazer o que bem quiserem de acordo com o que lhe é mais
conveniente”212, e assim, sob o argumento da laicidade estatal – que para autora seria o

209
RATZINGER, Joseph apud MARGA, Andrei.. O Debate Habermas-Ratzinger – Convergências e
Implicações. Consciência e Liberdade. nº 18, ano 2006. Lisboa, p. 50.
210
SALES, Dom Eugênio apud VENTURA, Miriam. Pontos de Contato Constitucionais entre Estado e
Instituições Religiosas. In: BATISTA, Carla; MAIA, Mônica (Org.). Estado Laico e Liberdades
Democráticas. SOS Corpo - Instituto Feminista para a Democracia. Recife. Abril/2006. Disponível em:
<http://www.convencion.org.uy/09Laicismo/estadolaico.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2007, p. 16.
211
FAUS, Francisco, op. cit., p. 4.
212
DAMÁSIO, Celuy Roberta Hundzinski. Secularização na Europa. Disponível em: <http://www.espacoaca
demico.com.br/048/48damasio.htm>. Acesso em: 09 ago. 2007, p. 2.
73

reconhecimento de divergências dos sistemas de crenças – se impõe verdadeiro laicismo,


termo este que a mesma atribui como sendo a “utilização do espaço público para desvalorizar
ou ridicularizar as crenças”213.
A importância em se distinguir esses dois termos torna-se necessária porque
em muitos casos tanto a Administração Pública quanto o Judiciário tomam medidas contrárias
à liberdade de religião sob o argumento do princípio do Estado laico, sendo que, em verdade,
não é a verdadeira laicidade que é aplicada, mas como foi aqui diferenciado, inaceitável
laicismo.
Desse modo, iluminadas são as palavras de Celuy Roberta Hundzinski
Damásio ao ponderar que

não devemos ignorar que o ser humano não é somente composto pela sociedade ou
pela religião, pelo intelecto ou pelo sentimento, e que tanto uma faceta quanto a
outra, compõem o Estado, bem como a Igreja. Não há discordância que não possa
ser discutida e superada, desde que ambos os lados estejam despojados da ganância
e do interesse próprio. Utópico? Eu diria: difícil, mas não impossível.214
Enquanto os homens, especificamente os que estão no poder, não
reconhecerem as próprias limitações em busca da sua verdade e assim respeitem a dignidade
de cada ser humano, concedendo-lhes igual liberdade, a paz social se realizará apenas entre os
muros de quem manda.

3.9.3 Funções do Estado quanto à Liberdade Religiosa

Diante da adoção do princípio da laicidade, torna-se necessário indagar


quais as funções que cabem ao Estado como ente garantidor da liberdade religiosa. Pode o
Estado Democrático ser surdo à religiosidade de seus cidadãos? Paulo Pulido Adragão,
fundamentando-se em Saturino Gomes, responde a este questionamento sintetizando em três
caminhos (ou funções) que o Estado deve adotar para essa proteção:

proteger a pessoa na defesa da liberdade individual, proteger a sociedade civil contra


todos os abusos e criar condições para que as confissões e grupos religiosos,
segundo o seu grau de representatividade, possam desempenhar coerentemente a sua
missão .215
Continua o mesmo autor, relembrando que ao tempo que se alude às funções
do Estado, se dirige as atenções à própria Lei Fundamental, a saber, à Constituição. Daí se

213
Ibidem, loc. cit.
214
Ibidem, loc. cit.
215
ADRAGÃO, Paulo Pulido. A Liberdade Religiosa e o Estado. Coimbra: Almedina, 2002, p. 429.
74

questiona: Qual o papel que a Constituição deverá desempenhar diante do fenômeno social
religioso? Sustenta Antunes Varela, citado por Paulo Pulido Adragão:

Entre o conjunto de regras aplicáveis à liberdade individual ou comunitária de culto


e às relações do Estado com as confissões religiosas haverá sempre necessidade de
seleccionar aquelas que, pela sua natureza intrínseca, devem ser transplantadas para
o plano superior do estatuto político do País.216
Contudo, a tutela constitucional da liberdade religiosa é verificada apenas
em seu caráter essencial, o que leva a indagar se seria suficiente ou necessário algum tipo de
regulamentação infraconstitucional quanto à liberdade religiosa. Bastaria a mera aplicação da
norma constitucional? Ensina Paulo Pulido Adragão, com amparo no constitucionalista
português Jorge Miranda, que devido ao caráter geral das normas constitucionais, além da
complexidade das relações Estado/confissões, a simples aplicação da Constituição acarretaria
incertezas217.
De outro lado, afirma o constitucionalista pátrio José Afonso da Silva que as
normas constitucionais definidoras de liberdades (e no caso se aplica à liberdade religiosa) são
de regra denominadas de eficácia plena e aplicabilidade direta e imediata. Ressalta ainda o
autor que mesmo aquelas normas que possam ser caracterizadas como de eficácia contida
serão de “aplicabilidade direta e imediata, caso em que a previsão de lei não significa que
desta dependem sua eficácia e aplicabilidade”218.
Assim, mesmo diante da ausência de norma específica que regulamente o
exercício de determinada liberdade – e aqui se aplica à liberdade de crença – o Estado tem o
dever não apenas de não agir contra essa liberdade, mas ainda de protegê-la, podendo a
atuação do Judiciário se pautar por esse e outros princípios constitucionais (dignidade da
pessoa humana, liberdade, igualdade etc.) diante de um conflito concreto.

216
Ibidem, loc. cit.
217
Ibidem, p. 431.
218
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2001, p. 271.
75

4 A LIBERDADE RELIGIOSA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988

A Constituição brasileira de 1988 não apresenta nenhum dispositivo ou


texto que explicitamente estabeleça o direito à liberdade religiosa. Assim é que para Maria
Cláudia Bucchianeri Pinheiro a liberdade religiosa, na Constituição de 1988, se qualifica
como um princípio constitucional implícito. Mesmo reconhecendo o disposto nos incisos VI e
VIII, art. 5º da CF/88, que garante o direito à liberdade de crença e consciência, livre
exercício dos cultos e a previsão da objeção de consciência, a autora entende ser amplo o
conceito de liberdade religiosa, não se subsumindo apenas aos direitos mencionados. Nesse
sentido assevera que

O princípio da liberdade religiosa transborda a liberdade de crença e de culto para


exigir, por igual, a liberdade das organizações religiosas, que devem ser autônomas
e soberanas em seus assuntos internos (organizacionais e dogmáticos), além de
impor, ao Estado, por meio da cláusula da separação, a adoção de condutas
especialmente voltadas à preservação do voluntarismo em matéria de fé (a demandar
a igualdade material de crenças) e à tutela da autenticidade do fenômeno religioso.219
Em seguida Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro conclui:

O princípio fundamental da liberdade religiosa, portanto, inspira a produção de


diversas normas, gera a declaração dos direitos de liberdade religiosa e das garantias
fundamentais a eles relacionadas e impõe a adoção de um regime político de clara
separação entre Estado e Igreja, não se podendo jamais restringir a noção conceitual
desse princípio fundamental a um ou alguns dos particularizados direitos ou
garantias que em nome dele foram positivados, sob pena de, em assim ocorrendo,
restarem mutiladas algumas dimensões desse princípio fundamental, cuja máxima
efetividade deve ser objetivada.220
Por essa razão, necessária se faz a análise das normas constitucionais que,
mesmo no papel de “pano de fundo”, se qualificam como fundamentos, direitos ou garantias
pertinentes à liberdade religiosa.
Por outro lado, consoante entendimento de Maurice Verfaillie ao afirmar
que “uma reflexão sobre a situação actual da liberdade religiosa num Estado deveria passar,
sempre, pela história do caminho seguido por esse liberdade no passado e sobre as condições
do seu êxito no país”221, antes da abordagem das normas e princípios constitucionais do

219
PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri. O Conselho Nacional de Justiça e a permissibilidade da aposição
de símbolos religiosos em fóruns e tribunais: uma decisão viola a cláusula da separação Estado-Igreja e que
esvazia o conteúdo do princípio constitucional da liberdade religiosa. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1457,
28 jun. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/te xto.asp?id=10039>. Acesso em: 30 jul.
2007, p. 2
220
Ibidem, loc.cit.
221
VERFAILLIE, Maurice. A liberdade religiosa e a laicidade do Estado – uma perspectiva global. Consciência
e Liberdade. nº 17, ano 2005. Lisboa, p. 6.
76

documento de 1988, cumpre expor sucintamente os antecedentes da liberdade religiosa no


Brasil.
4.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS

No período da História brasileira conhecido como Brasil Colônia


predominou neste país o preconceito religioso, segundo Aldir Guedes Soriano. Assevera o
autor que “os portugueses se empenhavam ao máximo, para manter a hegemonia da religião
católica. Desde cedo, havia uma certa hostilidade, em face da heterodoxia religiosa”222.
Ricardo Mariano também assevera que no Brasil Colônia não havia
liberdade religiosa, registrando que

O Estado regulou com mão de ferro o campo religioso: estabeleceu o catolicismo


como religião oficial, concedeu-lhe o monopólio religioso, subvencionou-o,
reprimiu as crenças e práticas religiosas de índios e escravos negros e impediu a
entrada das religiões concorrentes, sobretudo a protestante, e seu livre exercício no
país.223
Entretanto, não se pode olvidar que mesmo durante o período do domínio
português, em duas oportunidades, quando outras nações tentaram conquistar parte desta terra
chamada Brasil, trouxeram para as regiões em que se estabeleciam os primeiros lampejos de
liberdade religiosa. Primeiro foram os franceses (1550-1567) que se estabeleceram na Ilha de
Guanabara, Rio de Janeiro, chamando-a França Antártica. Narra Pedro Bial e Eduardo Bueno
que o comandante da expedição francesa Nicolas Durand de Villegagnon buscando apoio de
todos os lados, com o objetivo de implementar o projeto de colonização francesa no Brasil,
prometeu liberdade religiosa total na nova colônia, conseguindo assim “encher dois navios de
guerra e um de carga com 600 homens que partiram sob bênçãos cristãs, católicas e
protestantes”224. No século seguinte (1637-1644) foi a vez dos holandeses que, conquistando
parte do Nordeste do Brasil, fundaram sua colônia em Olinda sob o comando de Maurício de
Nassau. O governante do “Brasil holandês”, com idéias avançadas para o seu tempo, se
preocupou “em manter convivência pacífica com os locais, inclusive e sobretudo com os
senhores de engenho, e estabeleceu a liberdade religiosa – papistas, calvinistas e judeus

222
SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional. São Paulo:
Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 67.
223
MARIANO, Ricardo apud ORO, Ari Pedro. Considerações sobre a liberdade religiosa no Brasil. Ciências &
Letras - Revista da Faculdade Porto Alegre. Porto Alegre, v. 37, 2005. Disponível em: <http://www1.fapa.co
m.br/cienciaseletras/pdf/revista37/cap20.pdf>. Acesso em: 06 dez. 2006, p. 437.
224
BIAL, Pedro e BUENO, Eduardo. Um Reino sem Mulheres. Disponível em: <http://fantastico.globo.com
/Jornalismo/Fantastico/0,,AA1643870-9546,00.html> Acesso em: 02 out. 2007, p. 2.
77

conviviam e produziam harmoniosamente”225. Assim foi que no “Brasil holandês” praticou-se


relativa tolerância religiosa a fim de atender as diferenças entre as denominações religiosas.
Após a independência, o Brasil conheceu uma restrita liberdade religiosa no
período do Império. Mesmo sendo mantida a religião Católica como oficial, toleravam-se
outras religiões, ficando estas, entretanto, proibidas de realizar cultos em locais públicos ou
prédios com aparência de templos.
Aldir Guedes Soriano, em sua obra sobre liberdade religiosa, afirma que foi
Melasporos, no Brasil, um dos primeiros a reconhecer a utilidade da separação entre Igreja e
Estado, em 1866. Tal manifestação ocorreu em um momento em que a Igreja ainda estava
unida ao Estado, não havendo plena liberdade religiosa, pois a mesma era restrita aos cultos.
Dentre os efeitos que Melasporos elencou como conclusão do comparativo entre os resultados
positivos da separação entre Igreja e Estado nos Estados Unidos e os prejuízos aqui sofridos
com a união desses entes está a “escravidão do espírito”226.
Foi com a Proclamação da República que o Brasil, então chamado de
Estados Unidos do Brasil, foi transformado de um Estado confessional para um Estado laico.
Em todas as nossas Constituições Republicanas, desde a de 1891, em seu art. 11, inciso II, até
a de 1988, em seu art. 19, inciso I, foi registrada a separação entre Igreja e Estado.

4.2 NORMAS CONSTITUCIONAIS GARANTIDORAS DA LIBERDADE RELIGIOSA

A tutela da liberdade religiosa é exposta na Constituição de 1988 a partir


dos Princípios Fundamentais. Ensina Manoel Jorge e Silva Neto227 que o procedimento
interpretativo de qualquer norma constitucional requer a análise dos mencionados princípios.
Em verdade, já no preâmbulo há a previsão de que a instituição do Estado
Democrático objetiva assegurar o exercício de direitos como liberdade, “igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na
harmonia social”.
Como bem pondera Cármen Lúcia Antunes Rocha, o texto constitucional
reconhece a fragilidade dos valores ali elencados e que o Direito a se estabelecer busque

225
O BRASIL HOLANDÊS. Disponível em: <http://www.brazilianembassy.nl/emb_12.htm>. Acesso em: 15
set. 2007, p. 1.
226
SORIANO, Aldir Guedes, op. cit., p. 78.
227
SILVA NETO, Manoel Jorge e. A Proteção Constitucional à Liberdade Religiosa. Revista de Informação
Legislativa, a. 40. n 160. out./dez.2003, Brasília, p. 115.
78

efetivar tais valores. Ensina a autora:

A Constituição Brasileira de 1988 tem, no seu preâmbulo, uma declaração que


apresenta um momento novo no constitucionalismo pátrio: a idéia de que não se tem
a democracia social, a justiça social, mas que o Direito foi ali elaborado para que se
chegue a tê-los. [...] Mesmo não tendo a força de norma, mas tendo a função de
elucidar o rumo palmilhado pelo constituinte, o preâmbulo traduz a preocupação de
se “instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos
sociais e individuais... a igualdade e a justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos...”228
A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 1º, estabelece
ser a nação brasileira um Estado Democrático de Direito o que implica que não apenas será
regido pelo princípio da legalidade, mas também pelo princípio da democracia. Desse modo,
no decorrer de todo o texto constitucional se encontram dispositivos concretizadores dessa
qualificação.
Na seqüência do artigo 1º se fixam os fundamentos deste Estado
Democrático de Direito relacionando valores que subsidiam o direito à liberdade religiosa
como a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político (incisos II, III e V).
A relação entre cidadania e liberdade religiosa já foi discorrida no início
deste trabalho, sendo suficiente registrar a afirmação de Aldir Guedes Soriano ao declarar
que: “Sem cidadania, nenhum direito humano pode ser adequadamente tutelado. É evidente,
portanto, que a liberdade religiosa também não pode ser reivindicada por aqueles que não
mais possuem uma pátria e que perderam a cidadania”229.
De igual modo, a dignidade da pessoa humana, como já foi dito em capítulo
anterior, pressupõe a capacidade de autodeterminação do indivíduo, o que inclui a livre
escolha das convicções religiosas, políticas ou filosóficas que regerão a sua vida. Assim, o
fundamento da liberdade religiosa encontra amparo na idéia de dignidade da pessoa humana.
Elucidando melhor a relação entre dignidade da pessoa humana e liberdade
religiosa, Manoel Jorge e Silva Neto tece o seguinte comentário:

Algumas perguntas são mais esclarecedoras sobre a ligação entre a dignidade da


pessoa humana e a liberdade de religião do que eventuais considerações a fazer-se
em torno ao tema: Preserva-se a dignidade da pessoa quando o Estado a proíbe de
exercer a sua fé religiosa? Conserva-se-lhe no momento em que o empregador, nos
domínios da empresa, “convida” o empregado para culto de determinado segmento
religioso? Reveste-se de alguma dignidade o procedimento por meio do qual alguns
segmentos religiosos investem contra outros, não descartado até o recurso à
violência? Sem dúvida, a opção religiosa está tão incorporada ao substrato de ser
humano – até, como se verá mais adiante, para não se optar por religião alguma –

228
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Ação Afirmativa: O conteúdo democrático do princípio da igualdade
jurídica. Revista de Informação Legislativa. A 33, n. 131, jul./set. 1996. Brasília, p. 288.
229
SORIANO, Aldir Guedes, op. cit., p. 88.
79

que o seu desrespeito provoca idêntico desacato à dignidade da pessoa.230


No mesmo sentido Aldir Guedes Soriano afirma que

A dignidade da pessoa humana apresenta-se como um princípio importante em sede


de liberdade religiosa, uma vez que o cerceamento à liberdade constitui,
indubitavelmente, um duro golpe à dignidade humana. O homem, destituído de
liberdade, tem, logicamente, sua dignidade abalada.231
Quando o constituinte elencou a dignidade da pessoa humana como
fundamento da República Federativa do Brasil e em seguida o pluralismo político, o mesmo
reconheceu que todos merecem um mínimo de respeito e consideração ainda que diferentes no
ser, pensar e agir. Só existem diferenças expressas onde há liberdade e, por haver liberdade, se
torna possível o pluralismo.
O pluralismo político mencionado no art. 1º, inc. V, não se restringe à
multiplicidade de partidos políticos, pois o termo pluripartidarismo seria mais adequado,
como de fato é utilizado no art. 17 que trata do assunto. É nesse sentido que leciona Manuel
Jorge e Silva Neto ao afirmar:

o fundamento do Estado brasileiro atinente ao pluralismo político também conduz à


concretização da liberdade religiosa. E como? Precisamente porque pluralismo
político não deve, em primeiro lugar, ser confundido com pluripartidarismo –
princípio vinculado à organização político-partidária no Brasil, conforme acentua o
art. 17, caput. Pluripartidarismo significa sistema político dentro do qual se permite
a criação de inúmeros partidos. Mais abrangente, e, por isso, de conceituação um
pouco mais difícil, é o pluralismo político. A despeito de sua maior amplitude, pode-
se arriscar um conceito: pluralismo político é o fundamento do Estado brasileiro
tendente a viabilizar a coexistência pacífica de centros coletivos irradiadores de
opiniões, atitudes e posições diversas. 232
De forma didática o mesmo autor faz uma análise do pluralismo político,
decompondo-o de modo a deixar clara a relação entre este fundamento e a liberdade religiosa.
Nestes termos afirma que tal expressão representa:

i) “fundamento do Estado brasileiro”, em face da “residência” constitucional do


postulado; ii) “tendente a viabilizar a coexistência pacífica”, porquanto o ideal
pluralista reflete a regra de ouro do livre arbítrio: a liberdade de um indivíduo
termina quando começa a liberdade do outro (Spencer); iii) “de centros coletivos”,
porque não se presta o pluralismo político a assegurar a liberdade de manifestação
de pensamento da pessoa individualmente considerada, direito assegurado pelo
fundamento concernente à cidadania e consubstanciado, por exemplo, no art. 5º, IV;
iv) “irradiadores de opiniões, atitudes e posições diversas”, sendo certo que, ali onde
se verificar diversidade quanto à opção política, ideológica, sexual e religiosa, deve
ser conduzido esforço à respectiva e imprescindível harmonização. 233
De forma semelhante entende Alexandre de Moraes ao comentar o referido

230
SILVA NETO, Manoel Jorge e, op. cit., p. 116.
231
SORIANO, Aldir Guedes, op. cit., p. 88.
232
SILVA NETO, Manoel Jorge e, op. cit., p. 116.
233
Ibidem, loc. cit.
80

dispositivo, concluindo que ao estabelecer o pluralismo político como fundamento da


República

demonstra a preocupação do legislador constituinte em afirmar-se a ampla e livre


participação popular nos destinos políticos do país, garantindo a liberdade de
convicção filosófica e política e, também, a possibilidade de organização e
participação em partidos políticos.234
Nessa mesma linha, Dirley da Cunha Junior assevera que o pluralismo
político

é fundamento que assegura a realização dos postulados democráticos, garantindo a


multiplicidade de opiniões, de crenças, de convicções e de idéias, que se manifestam
normalmente por instituições como as associações, as entidades sindicais e, em
especial, os partidos políticos.235
No contexto da liberdade religiosa, Paulo Pulido Adragão pontua a sua
importância numa sociedade pluralista afirmando que:

A liberdade religiosa é, aliás, condição sine qua non de qualquer sistema político
pluralista e não se dá onde o pluralismo não é possível. Nesse sentido, Jorge
Miranda alega que sem plena liberdade religiosa, em todas as suas dimensões (...),
não há plena liberdade cultural, nem plena liberdade política. Assim como, em
contrapartida, aí onde falta a liberdade política, a normal expressão da liberdade
religiosa fica comprometida ou ameaçada.236
Eliane Moura da Silva faz brilhante reflexão sobre a diversidade e liberdade
em uma sociedade pluralista e suas conseqüentes implicações, como se transcreve a seguir:

Trata-se de reconhecer a diferença como elemento-chave da paz e do progresso


humanos, de celebrar, aprovar e reafirmar a diferença como um valor básico e
essencial. Evidentemente, essa posição traz seus problemas. As diferenças que
encontramos em nossa sociedade pluralista são tão profundas e grandes, e estão
relacionadas a assuntos básicos e essenciais sobre o que é uma vida com sentido e
qualidade, que não é possível imaginar consenso sobre vários temas incluindo as
questões de ética e moral, por exemplo. É possível reconhecer o valor de cada ser
humano e a importância de garantir os direitos humanos para todos. Isto inclui a
liberdade individual de seguir suas próprias crenças e caminho espiritual. Valorizar
os direitos de outras pessoas a crenças variadas e diferentes é um passo fundamental
para apreciar a diversidade religiosa. 237
Diante de tamanha diversidade, e especificamente no campo religioso,
complementa a mesma autora que “o avanço visível do pensamento religioso está sendo
acompanhado de muitos atritos entre diversas expressões religiosas e dentro mesmo de igrejas

234
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 48.
235
CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 508.
236
ADRAGÃO, Paulo Pulido, op. cit., p. 410.
237
SILVA, Eliane Moura da. Religião, Diversidade e Valores Culturais: Conceitos Teóricos e a Educação para a
Cidadania. Revista de Estudos da Religião. n. 2, ano 2004. Disponível em: <www.pucsp.br/rever/rv2_2004/p_s
ilva.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2007, p. 10.
81

formais. É inevitável pensar, neste momento, na questão central da tolerância” 238.


A tolerância acima referida facilmente se relaciona com o terceiro
fundamento da Revolução Francesa, a saber, a fraternidade. A liberdade e a igualdade devem
ser também conjugadas com a fraternidade para que haja respeito mútuo e convivência justa e
pacífica na sociedade.
No art. 3º da Constituição de 1988 se encontram os objetivos fundamentais
da República Federativa do Brasil. Dentre eles se menciona o inciso I, “construir uma
sociedade livre, justa e solidária”, enquanto que o inciso IV estabelece “promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação”.
Interessante e pertinente é a ponderação que Cármen Lúcia Antunes Rocha
faz a respeito desse dispositivo:

O art. 3º traz uma declaração, uma afirmação e uma determinação em seus dizeres.
Declara, ali, implícita, mas claramente, que a República Federativa do Brasil não é
livre, porque não se organiza segundo a universalidade desse pressuposto
fundamental para o exercício dos direitos, pelo que, não dispondo todos de
condições para o exercício de sua liberdade, não pode ser justa. Não é justa porque
plena de desigualdades antijurídicas e deploráveis para abrigar o mínimo de
condições dignas para todos. E não é solidária porque fundada em preconceitos de
toda sorte. [...] O art. 3º traz também uma afirmação: a de que, conquanto retratada a
inexistência de uma autêntica República Democrática, o Direito organizou um
modelo de Estado que se põe exatamente para realizá-la.239
Em sentido semelhante, o Ministro do STF Marco Aurélio de Melo, em
palestra sobre Discriminação e Sistema Legal Brasileiro, assevera:

Neste preceito são considerados como objetivos fundamentais de nossa República:


primeiro, construir – prestem atenção a esse verbo – uma sociedade livre, justa e
solidária; segundo, garantir o desenvolvimento nacional – novamente temos aqui o
verbo conduzir, não a uma atitude simplesmente estática, mas a uma posição ativa;
[...]; e por último, no que nos interessa, promover o bem de todos, sem preconceito
de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Posso
assegurar, sem receio de equívoco, que se passou de uma igualização estática,
meramente negativa, no que se proibia a discriminação, para uma igualização eficaz,
dinâmica, já que os verbos “construir”, “garantir”, “erradicar” e “promover”
implicam, em si, mudança de óptica, ao denotar “ação”. Não basta não discriminar.
É preciso viabilizar – e encontramos, na Carta da República, base para fazê-lo – as
mesmas oportunidades.240
Portanto, a sociedade idealizada pela Constituição de 1988 – livre, justa e
solidária – estará comprometida se edificada com base no cerceamento da liberdade religiosa

238
Ibidem, p. 7.
239
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes, op. cit., p. 289.
240
MELO, Marcos Aurélio de apud VILAS-BÔAS, Renata Malta. Ações Afirmativas e o Princípio da
Igualdade. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003, p. 55.
82

(com a ressalva dos devidos limites já mencionados). Igualmente, como afirma Aldir Guedes
Soriano, “a promoção do bem de todos só pode ser alcançada por uma sociedade destituída de
preconceitos de qualquer espécie”241. De outra forma, como também pondera o autor, no
mínimo restará comprometido o bem-estar de uma minoria marginalizada.
Depois que o legislador constituinte estabeleceu os fundamentos, objetivos e
princípios que regem a República Federativa do Brasil, seguiu o estabelecimento dos Direitos
e Garantias Fundamentais. Dispõe o caput do artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Assim, já no caput do artigo 5º se estabeleceu o que se chama de princípio
da igualdade ao dispor que “todos são iguais perante a lei”, além de garantir a inviolabilidade
deste direito e do direito à liberdade, inclusive à liberdade religiosa. Para não restar dúvidas
sobre isto, o legislador constitucional consagrou no mesmo artigo a liberdade de pensamento
(inc. IV), a liberdade de consciência e crença (inc. VI), o direito à objeção ou escusa de
consciência (inc. VIII).
O direito à liberdade de consciência e de crença foram consagrados no
inciso VI do art. 5º da Constituição Federal de 1988 nos seguintes termos: “é inviolável a
liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos
e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
Trata-se da consolidação do direito à liberdade de expressão do pensamento
positivado no inc. IV do mesmo artigo constitucional, o qual já se mencionou, e que está
umbilicalmente relacionado com o princípio da dignidade da pessoa humana242. José Cretella
Júnior afirma ser a liberdade de consciência um dos mais invioláveis e supremos valores do
ser humano, sendo que em tal “santuário” nenhum poder terrestre tem o direito de penetrar243.
O mesmo autor ainda destaca que “a liberdade de consciência comporta o
direito de crer no que se deseja e de filiar-se à religião preferida, como também o direito de
não professar religião alguma”244.

241
SORIANO, Aldir Guedes, op. cit., p. 90.
242
José Afonso da Silva ensina que a “dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de
todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida” (SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 109),
sendo, portanto, lógica a conclusão de que a liberdade religiosa também está ai incluso, de modo que violar esse
direito de qualquer forma é uma violação basilar, pois o ser humano tem direito não apenas à vida, mas a uma
vida digna, também delimitado pela sua liberdade de crer e exercer aquilo que entende ser a verdade.
243
CRETELLA JUNIOR, José, op. cit., p. 216.
244
Ibidem, p. 217.
83

Nesse mesmo sentido o constitucionalista José Afonso da Silva pondera que


na liberdade de crença está compreendida

a liberdade de escolha da religião, a liberdade de aderir a qualquer seita religiosa,


a liberdade (ou direito) de mudar de religião, mas também compreende a
liberdade de não aderir a religião alguma, assim como a liberdade de descrença,
a liberdade de ser ateu e de exprimir agnosticismo.245
Complementa afirmando não compreender esse direito a liberdade de
embaraçar o livre exercício de qualquer religião, de qualquer crença, sob a justificativa de que
a liberdade de um se estende até onde não prejudique a liberdade de outro246.
No inciso VII do art. 5º da CF/88 o constituinte foi mais além do que
simplesmente não restringir o livre exercício das diversas religiões; reconheceu a importância
e o papel da religião na vida do indivíduo e por isso dispôs no texto constitucional que “é
assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e
militares de internação coletiva”. No entanto, Celso Ribeiro Bastos assevera que deve haver
respeito a alguns parâmetros, sendo que:

O primeiro deles é o de que a Igreja do interno se disponha a oferecer tal assistência.


O dever do Estado exaure-se com o criar as facilitações, por proporcionar condições.
Não pode, é curial, responsabilizar-se pela própria prestação, uma vez que, dado o
caráter laico do Estado brasileiro, não é possível que ele nutra relações de emprego
ou de alguma maneira subvencione uma seita ou religião para que ela preste
mencionada assistência.247
O citado autor também se manifesta sobre a importância da religião na vida
do indivíduo, de modo que assevera: “A religião pode ser de uma valia transcendental em
muitos casos. Quanto aos presos, pode exercer um papel fundamental na recuperação. No
caso dos hospitalizados, pode servir como um bálsamo, um lenitivo espiritual inigualável”248.
Em relação ao próximo dispositivo constitucional é oportuno registrar que,
segundo José Carlos Buzanello, durante a Assembléia Nacional Constituinte, “a defesa da
objeção de consciência foi encampada por democratas, grupos religiosos e pacifistas, tendo
como pano de fundo a liberdade de crenças religiosas”. Referido autor cita as seguintes
palavras do Brigadeiro José Elislande Bayer de Barros, proferidas em Audiência Pública no
dia 24/07/1987 e registradas na página 80 do Diário da Assembléia Nacional Constituinte:

Sobre o serviço militar, farei uma pergunta, que talvez seja até de legislação
ordinária. Tenho sido procurado por esses grupos interessados (...), os menoritas do

245
SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 252.
246
Ibidem, loc. cit.
247
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em
5 de outubro de 1988, v. II, 2 ed. atual. São Paulo. Saraiva: 2001, p. 59.
248
Ibidem, loc. cit.
84

Rio Grande do Sul, brasileiros de origem alemã, que tem como base de sua religião
a proibição de matar, sob qualquer circunstância, e se recusam a prestar o serviço
militar. Temos visto de vez em quando na História do País, e recentemente, “n”
decretos do Presidente da República cassando a cidadania desses brasileiros, que
perdem os direitos políticos por uma questão de convicções religiosas, que não
querem ou não podem prestar o serviço militar. Como temos os sabatistas, que me
parece que o Exército, a Marinha e a Aeronáutica já têm uma forma de aliviar os
trabalhos nos sábados. É excessivamente drástico cassar-se a cidadania de uma
pessoa pelo fato de suas convicções religiosas. Nós todos, como homens
inteligentes, e nesta hora tentando melhorar o ordenamento jurídico, temos que ter
essa abertura democrática para esse contingente de brasileiros – e devemos respeitar
todas as tendências, a democracia é exatamente de senso, não de consenso.249
Como resultado das discussões a respeito da necessidade de previsão
constitucional do direito à objeção ou escusa de consciência, foi estabelecido no inciso VIII
do artigo 5º que: “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos
imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”.
A forma como foi redigido o dispositivo permite que a interpretação seja a
mais abrangente possível. Observe que o constituinte utilizou a expressão “ninguém será
privado de direitos”. Questionar-se-ia de quais direitos poderia o indivíduo ser privado e a
resposta é lógica: qualquer um. Em nenhum momento o dispositivo se refere apenas aos
direitos políticos ou a algum outro específico. O que o disposto no artigo 15 da Constituição
afirma ao vedar “a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos
de: IV – recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do
art. 5º, VIII”, é que a cassação de direitos políticos se dará no caso da recusa à prestação da
atividade alternativa como forma de punição posterior.
Assim é que o indivíduo não pode ter parte dos seus direitos de cidadão
restrita por causa de suas crenças, qualquer que sejam elas, tornando-se um cidadão de
“segunda categoria”. Registre-se também a ressalva de que se o indivíduo alegar motivo de
consciência para se eximir das obrigações impostas a todas as pessoas não poderá recusar
cumprir prestação alternativa.
O problema é que tal alternativa deve ser fixada em lei, e segundo a
doutrina, a lei aí referida, se trata de lei em sentido formal, lei ordinária. No entanto, o
casuísmo se apresenta por demais variável para que o legislador elabore leis para todos os
casos. Porém, não podem ser olvidadas as palavras do Brigadeiro José Elislande Bayer de
Barros, anteriormente citadas, ao se referir que as duas hipóteses que se afiguravam ao tempo

249
BUZANELLO, José Carlos. Direito de Resistência Constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen
Iuris, 2006, p. 232.
85

da Constituinte eram a dos “sabatistas” e, com maior intensidade, a da recusa de prestação do


serviço militar obrigatório por parte de algumas religiões e outros grupos pacifistas.
Destarte, como forma de reafirmar o que dispõe o art. 5º, inc. VIII, sobre o
direito à escusa de consciência, no que tange ao serviço militar, ainda na CF/88, o artigo 143
estabelece que as Forças Armadas, na forma da lei, atribuirão serviço alternativo a quem
invocar imperativo de consciência para as atividades militares. A questão dos sabatistas foi
deixada de lado, mas em relação ao serviço militar obrigatório foi criada a lei nº 8.239/1991
que regulamenta a prestação alternativa estabelecendo em seu artigo 3º que:

O Serviço Militar inicial é obrigatório a todos os brasileiros, nos termos da lei.


§ 1º Ao Estado-Maior das Forças Armadas compete, na forma da lei e em
coordenação com os Ministérios Militares, atribuir Serviço Alternativo aos que, em
tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência decorrente de
crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, para se eximirem de
atividades de caráter essencialmente militar.
§ 2º Entende-se por Serviço Alternativo o exercício de atividades de caráter
administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, em substituição às
atividades de caráter essencialmente militar.
§ 3º O Serviço Alternativo será prestado em organizações militares da ativa e em
órgãos de formação de reservas das Forças Armadas ou em órgãos subordinados aos
Ministérios Civis, mediante convênios entre estes e os Ministérios Militares, desde
que haja interesse recíproco e, também, sejam atendidas as aptidões do convocado.
Entretanto, como já foi registrado no capítulo anterior, a objeção de
consciência de modo algum se restringe apenas à prestação do serviço militar. Com este
entendimento é que Hédio da Silva Junior declara:

A leitura do art. 5º, inciso VIII, da Carta da República, permite constatar que o
sistema jurídico brasileiro adota a objeção de consciência do tipo total, visto que
admite a invocação de motivações de natureza religiosa, filosófica ou política. Por
evidente, o preceptivo constitucional em comento utiliza a locução “eximir-se de
obrigação legal a todos imposta”, sem adjetivar tal obrigação, pelo que contempla
não apenas a recusa ao serviço militar obrigatório (exemplo freqüentemente
lembrado pela doutrina), mas protege, ainda, ao menos teoricamente, a recusa ao
cumprimento de toda e qualquer obrigação legal a todos imposta.250
A associação da objeção de consciência com a liberdade de crença é
umbilical, razão pela qual para Cláudio Maraschin

a objeção de consciência deve configurar, na legislação pátria, como um Direito


Fundamental que se projete como a concretização da liberdade de consciência e que
possa gozar o mesmo nível de proteção que a Constituição outorga a outros Direitos
Fundamentais. 251

250
SILVA JUNIOR, Hédio. A Liberdade de Crença como Limite à Regulamentação do Ensino Religioso.
2003. 245 f. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003, p. 76.
251
MARASCHIN, Claudio. Em busca de uma Fundamentação Jurídica da Objeção de Consciência. Revista de
Direito Militar, nº 17, mai/jun 1999, p. 23.
86

No art. 19 é reafirmado o que já vinha sendo consagrado nas Constituições


anteriores, a saber, o princípio da separação entre a Igreja e o Estado, refletindo, portanto, o
caráter laicista do Estado brasileiro. Assim dispõe nossa atual Constituição, no artigo já
referido:

É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:


I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o
funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência
ou aliança, ressalvada, na formada lei, a colaboração de interesse público;
Sobre esse conteúdo normativo, esclarece Pontes de Miranda:

estabelecer cultos religiosos está em sentido amplo: criar religiões ou seitas, ou


fazer igrejas ou quaisquer postos de prática religiosa, ou propaganda. Subvencionar
está no sentido de concorrer, com dinheiro ou outros bens de entidade estatal, para
que se exerça a atividade religiosa. Embaraçar o exercício significa vedar, ou
dificultar, limitar ou restringir a prática, psíquica ou material dos atos religiosos ou
manifestações de pensamento religioso.252
Por outro lado, a segunda parte da norma constitucional faz a ressalva de
que poderá haver colaboração do Estado com as instituições religiosas (quaisquer que sejam
elas) desde que visem atender ao interesse público.
Iso Chaitz Scherkerkewitz faz a seguinte ponderação:

Em que consiste a já mencionada separação de Estado e Igreja? Já vimos que o


Estado brasileiro está terminantemente proibido de subvencionar qualquer religião.
Vimos também que o Estado não pode obstar uma prática religiosa. Não pode adotar
uma religião oficial. Não pode discriminar por critérios religiosos. Não pode
fomentar disputas religiosas.253
No entanto, o primeiro questionamento que deve ser feito é: de fato existe
um Estado laico no Brasil, com as suas devidas implicações, conforme expostas no capítulo
anterior deste trabalho?
Celuy Roberta Hundzinski Damásio também pondera:

Aí cabem os questionamentos mais difíceis de serem respondidos: como pode o


Estado ser leigo se não é constituído 100% por pessoas leigas? Quero dizer com isso
que há uma profissão de religiosidade persistente nas pessoas que constituem o
Estado, ainda que essa profissão seja dissimulada ou personalizada.254
Iso Chaitz Scherkerkewitz então questiona a não-existência de uma religião
oficial, conforme se verifica no ordenamento jurídico, contrastando com a realidade:

Como é possível se falar que não existe uma religião oficial quando ao abrir-se
qualquer folhinha nota-se a existência de feriados oficiais de caráter religioso? E

252
MIRANDA, Pontes de apud SILVA, José Afonso da, op. cit, p. 254-255.
253
SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz. O direito de religião no Brasil. Disponível em: <http://www.pge.sp.go
v.br/centrodeestudos/revistaspge/revista2/artigo5.htm>. Acesso em: 10 abr. 2007, p. 7.
254
DAMÁSIO, Celuy Roberta Hundzinski, op. cit., p. 2.
87

mais, de caráter santo para apenas uma religião (v.g., dia da padroeira do Brasil e
finados).255
Mesmo que a oficialização da separação entre a Igreja e o Estado tenha
acontecido com a primeira Constituição republicana em 1891, afirma Ari Pedro Oro que “a
secularização do Estado brasileiro e a instauração oficial da liberdade religiosa não retirou
alguns privilégios da Igreja Católica”256. Como privilégios o autor cita que o clero católico
conseguiu evitar o confisco de seus bens e fez permanecer algumas subvenções em algumas
localidades, e em décadas mais recentes, citando Alexandre Brasil Fonseca, relata que o
governo militar assumiu a construção da catedral de Brasília além de ter destinado “recursos
para o Pontifício Colégio Pio Brasileiro de Roma que passava por crise e que já havia
recebido milhares de dólares do governo nas duas décadas anteriores”257.
Pertinente, portanto, é a declaração de Maurice Verfaillie ao afirmar que
“o facto de nenhuma religião ser legalmente reconhecida como dominante, não implica,
necessariamente, que um verdadeiro regime de liberdade religiosa exista, ou que não haja
relações entre o Estado e uma religião dominante”258. Semelhantemente, Ari Pedro Oro
justifica que “se o tema da liberdade religiosa põe, de alguma forma, problema, é porque a
própria laicidade ou secularização do Estado não fora concretizada, sendo, ao contrário, algo
em constante construção”259.
Celuy Roberta Hundzinski Damásio faz a de seguinte declaração:

Há uma dificuldade geral em separar o cultural do religioso, o que não devemos


estranhar, pois o homem é um todo e não partes. Assim sendo, o parlamento, para
ser laico, deveria ser composto somente de pessoas laicas, o que ocasionaria um
processo discriminativo. Somente suprimir os signos religiosos em lugares públicos
não interfere na formação individual de cada ser humano. Não proporcionando,
desta maneira, a verdadeira laicidade estatal.260
Contudo, é o argumento cultural o mais utilizado na defesa de alguns atos
do Estado tendenciosos a alguma religião, em especial à Católica. Nesse sentido foi que o
Conselho Nacional de Justiça decidiu pela legitimidade jurídico-constitucional da aposição de
símbolos religiosos no âmbito de Fóruns e Tribunais, justificando que “os símbolos religiosos
da crença majoritária possuiriam uma significação transcendente, pois representariam,

255
SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz, op. cit., p. 5.
256
ORO, Ari Pedro. Considerações sobre a liberdade religiosa no Brasil. Ciências & Letras - Revista da
Faculdade Porto Alegre. Porto Alegre, v. 37, 2005. Disponível em: <http://www1.fapa.com.br/cienciaseletras
/pdf/revista37/cap20.pdf>. Acesso em: 06 dez. 2006, p. 440.
257
Ibidem, p. 443.
258
VERFAILLIE, Maurice, op. cit., p. 12.
259
ORO, Ari Pedro, op. cit., p. 446.
260
DAMÁSIO, Celuy Roberta Hundzinski, op. cit., p. 2.
88

sobretudo, a própria cultura e tradição nacional”261. Justificativa semelhante é dada para a


permanência dos feriados religiosos católicos, exemplificada pela seguinte declaração de
Rafael Vitola Brodbeck:

A existência dos feriados deve representar a identidade cultural do povo. Sendo esta
notadamente influenciada pela religião católica e pela herança da Civilização
Ocidental, que dela também bebeu, natural e perfeitamente jurídico que configurem
como elementos caracterizadores da instituição de determinadas datas civis. Não
podendo haver feriados para todos os grupos religiosos, pela impossibilidade
material. Assim, respeite-se o princípio constitucional da democracia e eleja-se,
como critério, a religião majoritariamente professada para a definição daqueles: e é o
catolicismo.262
Entretanto, por tudo o que já foi exposto neste trabalho monográfico, se
entende equivocada a posição do referido autor. Como bem afirma Douglas Laycock

Se o governo fosse livre para exaltar ou condenar religião, celebrar feriados


religiosos, liderar preces ou serviços de oração, ele poderia potencialmente exercer
enorme influência nas crenças e liturgias religiosas. O governo é grande e altamente
visível; para o bem e para o mal, ele iria conformar uma forma de crença e de
discurso religioso relativamente aos demais. Uma maior aproximação com a
cláusula da neutralidade substancial impõe que o Estado seja silente em tema de
religião.263
Na mesma linha, embora se referindo à aposição de símbolos religiosos em
prédios públicos, mas podendo o mesmo princípio ser aplicado aos feriados religiosos, Maria
Cláudia Bucchianeri Pinheiro ressalta:

Nada deve justificar, portanto, que um Estado que se pretenda democrático e plural e
que adote um regime de neutralidade e de ampla proteção aos direitos derivados do
princípio maior da liberdade religiosa venha a ignorar a garantia fundamental da
separação entre Estado e Igreja, para, em atendimento a demandas majoritárias,
admitir que seus prédios, seus órgãos e suas repartições sejam adornados com
aqueles símbolos religiosos vinculados às crenças tradicionais, muito embora tal
permissibilidade signifique o envio, aos cidadãos vinculados a diferentes crenças ou
a nenhuma delas, da mensagem do desvalor, do estigma da exclusão e da pecha da
inferioridade.264
Iso Chaitz Scherkerkewitz expõe sua posição sobre a constitucionalidade
dos feriados religiosos e apresenta solução conciliadora nos seguintes termos:

Creio não ser inconstitucional a existência dos feriados religiosos em si. O que
reputo ser inconstitucional é a proibição de se trabalhar nesse dia, por outras
palavras, não reputo ser legítima a proibição de abertura de estabelecimentos nos
feriados religiosos. Cada indivíduo, por sua própria vontade, deveria possuir a
faculdade de ir ou não trabalhar. Se não desejasse trabalhar, a postura legal lhe seria
favorável (abono do dia por expressa determinação legal), se resolvesse ir trabalhar

261
PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri, op. cit. p. 9.
262
BRODBECK, Rafael Vitola. Apreciação da Constitucionalidade dos Feriados Religiosos Católicos em
Face do Princípio do Estado Laico na Carta Política do Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 462, 12
out. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/tex to.asp?id=5551>. Acesso em: 05 out. 2007. p. 4.
263
LAYCOCK, Douglas apud PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri, op. cit., p. 7.
264
PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri, op. cit., p. 8.
89

não estaria obrigado a obedecer uma postura válida para uma religião que não
segue.265
Alargando ainda mais o problema da institucionalização de feriados
religiosos, o mesmo autor apresenta a seguinte reflexão:

Qual é a lógica da proibição de abertura de estabelecimento aos domingos? Com


certeza existe uma determinação religiosa por trás da lei que proibiu a abertura de
estabelecimentos nos domingos (dia de descanso obrigatório para algumas
religiões). Como ficam os adeptos de outras religiões que possuem o sábado como
dia de descanso obrigatório (v.g., os judeus e os adventistas)? Dever-se-ia facultar
aos estabelecimentos a abertura aos sábados ou aos domingos, sendo que a ratio
legis estaria assim atendida, ou seja, possibilitar o descanso semanal remunerado.266
Deste modo, entende Iso Chaitz Scherkerkewitz que, uma possível solução
objetivando sanar qualquer resquício de inconstitucionalidade referente à institucionalização
de feriados religiosos seria “alargar o calendário de feriados e dias santificados para incluir as
datas das maiores religiões existentes no nosso país e tornar estes feriados e dias santificados
facultativos (no sentido de ser feita a opção entre ir trabalhar ou não)”267.
Os dias considerados sagrados por determinadas religiões poderão implicar
em limitações de comportamento de seus membros neste dia, como abstenção de trabalho ou
estudo. Contudo, aqueles que acreditam na santidade de outro dia, que não os já aceitos pela
maioria da população e referendados pelo Estado, encontrarão dificuldades em seguir suas
convicções e usufruir os demais direitos garantidos pela Constituição enquanto não houver
uma solução razoável e explícita prevista em lei. Tal problemática será abordada com maiores
detalhes no próximo capítulo.
Destarte, não há dúvidas de que existem muitos temas que por natureza
estarão relacionados com algum aspecto da religião sem que haja, contudo, unanimidade de
posicionamento. São os mais comuns: casamento, divórcio, dias santificados, eutanásia,
aborto e outros mais modernos como fertilização in vitro, células troncos, inseminação
artificial etc. Hédio Silva Junior ressalta que “ao menos no plano formal, a disciplina jurídica
dessas matérias revela a preservação de um amplo espaço de independência do Estado e dos
indivíduos em face do discurso religioso”268.
Por outro lado, não pode ser ignorada a influência do aspecto religioso sobre
esses importantes temas, haja vista a forte presença da religião na vida do povo brasileiro.
Assim, assevera Fabíola Rohden que “as pessoas não têm dimensão de como nosso Estado é

265
SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz, op. cit., p. 5.
266
Ibidem, loc. cit.
267
Ibidem, loc. cit.
268
SILVA JÚNIOR, Hédio, op. cit., p. 25-26.
90

extremamente impregnado por valores religiosos, o que nos coloca desafios do ponto de vista
da realização efetiva de determinados direitos democráticos e de determinadas liberdades”.269
Com isso, é possível depreender que, sendo o Estado impregnado por
valores religiosos, muitos dos seus posicionamentos poderão estar maculados com a
parcialidade de seus agentes, que agem em nome do Estado, mas não deixam de ter suas
próprias convicções que influenciam nas decisões tomadas. Assim é que na história, “a prática
do direito à liberdade de consciência e de religião, nunca existiu de uma forma absoluta, nem
de uma forma constante e uniforme” 270.
Por fim, dentre as normas que tratam sobre o fato religioso na Constituição
de 1988, apenas por referência, se menciona o direito ao ensino religioso em escolas públicas,
consagrado no artigo 210, bem como a garantia da imunidade tributária dos templos, art. 150,
inc. VI, alínea b, como forma de assegurar a liberdade de culto, eliminando possíveis
empecilhos ao seu desenvolvimento.

269
ROHDEN, Fabíola. Em Direção a um Estado Laico. In: BATISTA, Carla; MAIA, Mônica (Org.). Estado
Laico e Liberdades Democráticas. SOS Corpo - Instituto Feminista para a Democracia. Recife. Abril/2006.
Disponível em: <http://www.convencion.org.uy/09Laicismo/estadolaico.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2007, p. 30.
270
VERFAILLIE, Maurice, op. cit., p. 7.
91

5 A CONTROVÉRSIA SOBRE O DIA DO REPOUSO SEMANAL ENQUANTO DIA


SAGRADO E SUAS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS

A teologia assim como o direito não comporta interpretações unívocas. Um


mesmo texto ou fato sagrado poderá ter interpretações diversas ou mesmo opostas. Assim é
com o cristianismo. Não obstante ter como fonte o livro conhecido como Bíblia Sagrada271, o
cristianismo possui diversas ramificações.
Após a morte e ressurreição do seu fundador Jesus Cristo, a unidade do
grupo dos seus seguidores não permaneceu por muito tempo. Perseguidos pelo Império
Romano os seguidores de Jesus Cristo cresciam em número cada vez mais rápido, ao mesmo
tempo em que surgiam divergências sobre algumas crenças religiosas.
Concílios entre os líderes religiosos da Igreja primitiva procuravam manter
a unidade da cristandade, mas não conseguiram eliminar totalmente tais divergências. Com a
associação entre o poder religioso e o poder secular, aquilo que era considerado pecado,
divergência teológica, espiritual, passa também a ser heresia e ser considerado crime pelo
Estado. A perseguição aos grupos minoritários divergentes foi o preço da relativa unidade, e a
Igreja de perseguida passa a ser perseguidora.
Aldir Guedes Soriano272 assevera que antes da associação do poder civil
com o religioso, Tertuliano, um advogado convertido ao cristianismo, defendia os cristãos
contra a perseguição religiosa empreendida pelo Império Romano por meio de uma obra
intitulada Apologia (197, d.C.), no entanto, tal defesa era tida por seus contemporâneos como
excentrismo.
A liberdade religiosa hoje, mesmo em um país democrático como o Brasil e
com toda a proteção garantida pela legislação pátria e por Tratados Internacionais, é
considerada por alguns, em muitas ocasiões, como excentricidade, especialmente a respeito
daqueles grupos que professam alguma crença diferenciada e pouco compreendida273.
Uma sociedade moderna, que vive sob a tirania do individualismo, das
coisas e do espaço, pouco compreende como é possível dar prioridade para o espiritual
quando muitas vezes o preceito religioso se torna inconveniente. Tem dificuldade de aceitar e
271
A Bíblia dos cristãos é uma coleção de 66 livros ou cartas consideradas inspiradas por Deus (Jeová). Foram
escritas em um período de cerca de 1600 anos, por 40 autores diferentes, sendo dividida em Antigo e Novo
Testamento pelo fato de ter sido escrita parte antes e parte depois do nascimento de Jesus Cristo.
272
SORIANO, Aldir Guedes. O Direito à Liberdade Religiosa. Correio Braziliense. Brasília, 08 nov. 2004,
Caderno Direito & Justiça, p. 2.
273
Ibidem, loc. cit.
92

tolerar algumas crenças, por considerá-las antiquadas e fora de lugar. Por outro lado, a pré-
compreensão religiosa arraigada pela Instituição Religiosa dominante durante séculos, e
muitas vezes incutida no ordenamento jurídico, também cria barreiras para concepções
religiosas divergentes.
Exemplo disso é a questão a respeito do dia de repouso semanal positivado
pelo Estado. Embora depois da Revolução Industrial o descanso semanal tenha adquirido
contornos de direito social, a sua origem, como será visto, está vinculada ao fato religioso.

5.1 ORIGENS DO DESCANSO SEMANAL COMO DIA SAGRADO E SUA


POSITIVAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO

A origem do descanso semanal está atrelada intimamente a razões religiosas


relacionadas à adoração da divindade. Manoel Carlos Toledo Filho registra ser pacífico esse
entendimento ao afirmar que

ninguém nega que o instituto que ora estamos a examinar surgiu em virtude não
propriamente de uma consideração precípua à necessidade elementar de repouso,
que a toda pessoa está afeta, mas sim em respeito à divindade, a um ser superior cuja
existência sempre foi intuída por todos os agrupamentos humanos, desde os mais
rudimentares, até a complexa sociedade industrial de nossos dias, assumindo, por
conta disto mesmo, um caráter francamente universal.274
No mesmo sentido Amauri Mascaro Nascimento275 ensina que o descanso
semanal tem origem em uma tradição de índole religiosa do povo hebreu que ordenava que no
sétimo dia dever-se-ia descansar das atividades seculares. Tal mandamento tem como base o
fato de Deus ao criar o mundo em seis dias ter abençoado, santificado e descansado no sétimo
dia (sábado = descanso). Segundo o citado autor

O descanso aos sábados subsistiu entre os hebreus e os primeiros cristãos, pelo


menos até a morte de Cristo, e a partir dessa época a celebração dos sábados,
proveniente da voz hebraica shabat, que significa descanso, foi substituída pela
Igreja Católica pelo descanso no domingo, do latim dies domini, que quer dizer
celebrar o dia do Senhor para recordar a Ressurreição de Jesus Cristo, ocorrida num
domingo.276

274
TOLEDO FILHO, Manoel Carlos. Dias de Repouso e Comemoração. Disponível em: <http://www.trt15.go
v.br/boletim/estudos_juridicos_1.pdf>. Acesso em: 30 out. 2007. p.16.
275
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 29. ed. rev. São Paulo: LTR, 2003, p.
330.
276
Ibidem, loc. cit. O erudito teólogo Samuele Bacchiocchi defende que, diferente do que usualmente é
difundido, a guarda do domingo não teve como causa imediata a ressurreição de Jesus Cristo, tendo esse motivo
sido associado só mais tarde. Assim é que para o autor não foi um ato único que determinou a mudança do dia de
guarda, mas sim um complexo de circunstâncias de ordem militar, política, fiscal, literária e religiosa que
resultou no abandono do sábado como dia sagrado e adoção do domingo. Em outras palavras, nos primeiros
93

Porém, ao contrário do que afirma Amauri Mascaro Nascimento, a guarda


do sábado subsiste até os dias de hoje entre os judeus, bem como entre grupos cristãos
minoritários como adventistas e batistas do sétimo dia entre outros. De fato, ao longo da
história sempre houve grupos que continuaram a observar o sétimo dia como dia sagrado a
despeito de perseguição que sofreriam em razão desta crença277. No entanto, não se pode
olvidar que a mudança da guarda do sábado para o domingo foi disseminada e aceita a tal
ponto que se tornou quase que universal pela cristandade, com poucas exceções.
Sobre a obrigatoriedade do descanso semanal no domingo e sua positivação
no ordenamento jurídico, Amauri Mascaro Nascimento faz a seguinte referência:

O primeiro preceito civil que reconhece o descanso semanal provém, segundo os


historiadores, do Imperador Constantino, o ano de 321, ao proibir, aos domingos,
toda e qualquer espécie de trabalho, exceto as atividades agrícolas. Seguiram-se
decretos de Arcádio e Honório, Imperadores do Oriente e Ocidente, e o de
Theodosio II, o primeiro datado de 27.8.399.278
No entanto, não bastando a proibição de trabalho no domingo, o Concílio de
Laodicéia proibiu o descanso sabático, conforme afirma o autor supramencionado:

O Concílio de Laodicéia, reunido na segunda metade do século IV, em 366,


determinou, em seu cânon 29, que os cristãos deveriam trabalhar aos sábados,
preferindo o domingo para repouso. Assim, foi de origem puramente religiosa o
costume sancionado pelas legislações.279
Manoel Carlos Toledo Filho explica que

O desmantelamento do império romano do ocidente, verificado no ano 476, em nada


elidiu a observância do descanso dominical, que perdurou por toda a Idade Média e
adentrou a Idade Moderna. A partir da segunda metade do século XVIII, todavia, a
situação começou a mudar.280
A mudança a que se refere o autor se deve ao fenômeno conhecido como
maquinismo, que se origina com a Revolução Industrial resultando na produção de bens de
consumo em larga escala. Tal forma de produção necessitava da presença do homem operário
a todo instante junto das máquinas. Assim Manoel Carlos Toledo Filho explica:

Neste contexto, não parecia razoável ou adequado aos donos das fábricas, aos
detentores do capital, que a jornada fosse interrompida com o escopo de prestigiar

séculos do cristianismo se desenvolveu um corpo de crenças caracterizadas por uma diferenciação do judaísmo,
como forma de evitar a perseguição dos Romanos que tinham de enfrentar constantes rebeliões do povo judeu
em razão deste possuir forte sentimento nacionalista. (Cf. BACCHIOCCHI, Samuele. Do Sábado para o
Domingo: Uma Investigação do Surgimento da Observância do Domingo no Cristianismo Primitivo. 1974. 221f.
Tese (Doutorado) - Pontificia Universitas Gregoriana, Roma, 1974. Disponível em: <http://allen7.diinoweb.co
m/files/Bacchiocchi.rar>. Acesso em: 21 jun. 2007.)
277
Vide “Anexo B”.
278
NASCIMENTO, Amauri Mascaro, op. cit., p. 330.
279
Ibidem, loc. cit.
280
TOLEDO FILHO, Manoel Carlos, op. cit., p. 17.
94

uma tradição religiosa. A busca do lucro fácil e imediato sobrepujara o milenar e até
aquele momento inabalável respeito à divindade. E para tanto seguramente há de ter
contribuído o exacerbado laicismo derivado da Revolução Francesa, que emprestou,
ao caldo econômico que naquela ocasião se formava, o tempero político que estava a
faltar.281
Entretanto, com a organização da classe operária em busca de melhores
condições de trabalho, fundou-se uma federação como resultado de um congresso
internacional em Genebra, no ano de 1870, tendo como um dos objetivos disseminar a prática
do repouso semanal. Desde então, surgiram leis nacionais garantindo o repouso semanal no
domingo aos trabalhadores. Amauri Mascaro Nascimento registra que:

Desde 1877 a Suíça instituiu obrigatoriamente o descanso dominical. O Código


industrial, da Alemanha, de 1891, também. A Áustria, em 1898, a Rússia, em 1897,
a Espanha, em 1904, a Dinamarca, em 1904, a Bélgica, em 1905, a Argentina, em
1905, a França, que desde 1892 estabelecera a obrigatoriedade do descanso de
mulheres e menores, em 1906 estendeu a medida aos trabalhadores adultos, a Itália,
em 1907, Portugal, em 1911, os Estados Unidos em épocas sucessivas, mediante
diferentes leis estaduais etc.282
No ordenamento jurídico brasileiro se observa que a Constituição
Republicana de 1891 não fazia nenhuma referência ao repouso semanal. Após a Revolução de
1930 surgiram seguidos decretos, como o Decreto 21.186/32, que previa o descanso semanal
aos domingos para determinadas classes de trabalhadores, até que a Constituição de 1934
trouxe a previsão do repouso dominical no art. 121, §1º, alínea “e”, sendo também todos os
decretos, surgidos até então sobre a matéria, agrupados na Consolidação das Leis do Trabalho
de 1943 – CLT, artigos 67 a 69.
As Constituições seguintes283 repetiram a essência da Constituição de 1934,
garantindo o repouso semanal aos domingos. A Emenda nº 1, de 17/10/69, considerada por
muitos uma nova Constituição, reestruturou o assunto, estabelecendo como direito dos
trabalhadores no art. 165, inc. VII, “o repouso semanal remunerado e nos feriados civis e
religiosos, de acordo com a tradição local”. Aqui o legislador não fez menção ao domingo,
deixando o dia de repouso de acordo com a tradição local, o que de certa forma, em razão do
domínio do catolicismo no país, dificilmente seria outro dia diferente do domingo. A
Constituição Federal de 1988 no art. 7º, inc. XV, cuidou do tema ao garantir o “repouso
semanal remunerado, preferencialmente aos domingos”.
A conseqüência prática do repouso dominical que também foi estendida aos

281
TOLEDO FILHO, Manoel Carlos, op. cit., p. 17.
282
NASCIMENTO, Amauri Mascaro, op. cit., p. 331.
283
Cf. Constituição de 1937, art. 137, alínea d; Constituição de 1946, art. 157, inciso VI; Constituição de 1967,
art. 158, inciso VI.
95

servidores estatais, é que cessam o funcionamento das repartições públicas e outros serviços
estatais não-essenciais como Instituições de Ensino, não se olvidando é claro, como regra, a
interrupção das atividades da iniciativa privada.
5.2 A IMPORTÂNCIA DA SANTIFICAÇÃO E GUARDA DE UM DIA

Para algumas religiões a guarda e santificação de um dia da semana alcança


significativa importância dentro dos ritos e práxis sagrados. Assim, quer seja o sábado ou o
domingo considerado o dia bíblico destinado especificamente à adoração da divindade, tal dia
torna-se especial para o crente. Neste sentido é que Mauricio Scheinman afirma que “a
santificação e a guarda de um dia da semana representa um aspecto teológico fundamental
para diversas religiões”284.
Abordando a guarda de dia pelos cristãos, Samuele Bacchiocchi inicia sua
tese de doutorado pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma com o seguinte registro:

O ciclo de seis dias de trabalho e um de adoração e repouso, não obstante o legado


da história dos hebreus, tem, felizmente, prevalecido através de quase todo o mundo.
De fato, o culto judeu e cristão encontra sua expressão concreta em um dia, a cada
semana, no qual a adoração a Deus torna-se possível e mais significativa pela
interrupção das atividades seculares.285
A importância dos dias considerados como sagrados para determinadas
religiões é reconhecida pelo Direito Internacional. Como exemplo vale mencionar a
Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Baseadas
em Religião ou Crença, elaborada pela Organização das Nações Unidas – Resolução n.º
36/55. Deste documento extraímos os seguintes excertos:

Art. 1º. Ninguém será sujeito à coerção por parte de qualquer Estado, instituição,
grupo de pessoas ou pessoas que debilitem sua liberdade de religião ou crença de
sua livre escolha.
Art. 6º. O direito à liberdade de pensamento, consciência, religião ou crença incluirá
as seguintes liberdades:
h) Observar dia de repouso e celebrar feriados e cerimônias de acordo com os
preceitos da sua religião ou crença.

284
SCHEINMAN, Maurício. Liberdade religiosa e escusa de consciência. Alguns apontamentos. Jus
Navigandi, Teresina, ano 9, n. 712, 17 jun. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6
896>. Acesso em: 21 jun. 2007, p. 1.
285
BACCHIOCCHI, Samuele. Do Sábado para o Domingo: Uma Investigação do Surgimento da Observância
do Domingo no Cristianismo Primitivo. 1974. 221 f. Tese (Doutorado) - Pontificia Universitas Gregoriana,
Roma, 1974. Disponível em: <http://allen7.diinoweb.com/files/Bacchiocchi.rar>. Acesso em: 21 jun. 2007, p.
10.
96

Lembra também Aldir Guedes Soriano286 que “a questão do dia de guarda


pode parecer, à primeira vista, de pouca importância”. Entretanto, o mesmo autor faz a
ressalva de que ao contrário do que possa se pensar, o tema é tão importante que mereceu no
ano de 1998 a edição de uma carta apostólica, Dies Domini, do então Papa João Paulo II,
recomendando que todos os cristãos observem a santificação do domingo como um dia santo.
Igualmente, o atual líder máximo da Igreja Católica, Papa Bento XVI, em diversas ocasiões se
manifestou sobre a importância da observância do primeiro dia da semana287.
Na referida carta apostólica Dies Domini, o Sumo Pontífice João Paulo II
faz a seguinte reflexão sobre a observância do sábado:

O mandamento do Decálogo, pelo qual Deus impõe a observância do sábado, tem,


no livro do êxodo, uma formulação característica: “Recorda-te do dia de sábado,
para o santificares” (20,8). E mais adiante, o texto inspirado dá a razão disso mesmo,
apelando-se à obra de Deus: “Porque em seis dias o Senhor fez o céu, a terra, o mar
e tudo quanto contém, e descansou no sétimo; por isso o Senhor abençoou o dia de
sábado e santificou-o” (v. 11). Antes de impor qualquer coisa a ser praticada, o
mandamento indica algo a recordar. Convida a avivar a memória daquela grande e
fundamental obra de Deus que é a criação. É uma memória que deve animar toda a
vida religiosa do homem, para depois confluir no dia em que ele é chamado a
repousar. O repouso assume, assim, um típico valor sagrado: o fiel é convidado a
repousar não só como Deus repousou, mas a repousar no Senhor, devolvendo-Lhe
toda a criação, no louvor, na acção de graças, na intimidade filial e na amizade
esponsal.288
Em outra oportunidade, no mesmo documento, o Sumo Pontífice assevera:

Mas a relação do homem com Deus necessita também de momentos explicitamente


de oração, nos quais a relação se torna diálogo intenso, envolvendo toda a dimensão
da pessoa. O “dia do Senhor” é, por excelência, o dia desta relação, no qual o
homem eleva a Deus o seu canto, tornando-se eco da inteira criação. Por isso
mesmo, é também o dia do repouso: a interrupção do ritmo, muitos vezes oprimente,
das ocupações exprime, com a linguagem figurada da “novidade” e do
“desprendimento”, o reconhecimento da dependência de nós mesmos e do universo
de Deus. Tudo é de Deus! O dia do Senhor está continuamente a afirmar este
princípio. Assim, o “sábado” da revelação bíblica foi sugestivamente interpretado
como um elemento qualificante naquela espécie de “arquitetura sagrada” do tempo
que caracteriza a revelação bíblica. Ele nos lembra que a Deus pertencem o universo
e a história, e o homem não pode dedicar-se à sua obra de colaboração com o
Criador, sem ter constantemente em consideração esta verdade.289
J.N. Andrews, observador do sábado bíblico, escreve sobre a importância

286
SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional. São Paulo:
Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 131.
287
Bento XVI declarou aos cristãos que, se nos domingos não houver um encontro com Deus, será um tempo
perdido. Disponível em: <http://www.overbo.com.br/modules/news/article.php?storyid=4366>. Acesso em: 30
jun. 2007.
288
PAULO II, Papa João.Carta Apostólica Dies Domini ao Episcopado, ao Clero e aos Fiéis da Igreja
Católica sobre a Santificação do Domingo. Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/a
post_letters/documents/hf_jp-ii_apl_05071998_dies-domini_po.html> Acesso em: 20 fev. 2007, p. 7.
289
Ibidem, loc. cit.
97

deste dia nos seguintes termos:

A importância do sábado como memória da criação consiste em conservar sempre


presente o verdadeiro motivo de se render culto a Deus – porque Ele é o Criador, e
nós as Suas criaturas. “O sábado, portanto, está no fundamento mesmo do culto
divino, pois ensina esta grande verdade da maneira mais impressionante, e nenhuma
outra instituição faz isso. O verdadeiro fundamento para o culto divino, não
meramente o daquele que se realiza no sétimo dia, mas de todo o culto, encontra-se
na distinção entre o Criador e Suas criaturas. Este fato capital jamais poderá tornar-
se obsoleto, e jamais deverá ser esquecido.290
O que se pretende com os textos supracitados é demonstrar o valor que a
santificação de um dia da semana pode vir a ter para determinadas religiões, independente se
este dia é o sábado ou o domingo. Compreender estas crenças não é aceitá-las, mas respeitar a
dignidade daqueles que vivem conforme tais convicções. Mesmo que parte daqueles que
professam determinado credo não viva conforme a fé, de modo a relativizar sua crença em
favor da conveniência do mundo moderno, não se pode desprezar e discriminar aqueles que
prosseguem firmes em suas convicções, privando-os de direitos por esta razão.
A crença no dia de guarda e santificação é uma das crenças que tem sido
relativizada, mas isso não muda o fundamento da mesma. Samuele Bacchiocchi
compreendendo a atual realidade afirma:

A noção bíblica do “santo sábado”, entendida como uma ocasião de cessar as


atividades seculares a fim de experimentar as bênçãos da Criação-Redenção por
meio da adoração a Deus e do trabalho desinteressado pelos necessitados está cada
vez mais desaparecendo dos planos do cristão. O problema é constituído por uma
geral concepção errônea do significado do “santo dia” de Deus. Muitos cristãos bem
intencionados consideram a observância do domingo como uma HORA de adoração
em vez de O SANTO DIA do Senhor. Uma vez cumpridas suas obrigações de culto,
muitos, em boa consciência, gastam o restante do domingo ganhando dinheiro ou se
divertindo. Conseqüentemente, se alguém observa a pressão que nossas instituições
econômicas e industriais estão exercendo para obter a utilização máxima das
instalações industriais – programando turnos de trabalho que ignoram qualquer
feriado – é fácil compreender que o plano a nós transmitido de uma semana de sete
dias, com o seu dia de repouso e adoração, pode sofrer alterações radicais.291
Igualmente, o Papa João Paulo II, no documento já referido, faz a mesma
constatação da mudança de perspectiva de boa parte da sociedade a respeito do dia de guarda
ao afirmar que:

Ninguém desconhece, com efeito, que, num passado relativamente recente, a


“santificação” do domingo era facilitada, nos países de tradição cristã, por uma
ampla participação popular e, inclusive, pela organização da sociedade civil, que
previa o descanso dominical como ponto indiscutível na legislação relativa às várias
actividades laborativas. Hoje, porém, mesmo nos países onde as leis sancionam o

290
ANDREWS, J. N. apud WHITE, Ellen G. O Grande Conflito. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 1988, p.
437.
291
BACCHIOCCHI, Samuele, op. cit., p. 10.
98

carácter festivo deste dia, a evolução das condições sócio-económicas acabou por
modificar profundamente os comportamentos colectivos e, consequentemente, a
fisionomia do domingo. Impôs-se amplamente o costume do “fim de semana”,
entendido como momento semanal de distensão, transcorrido, talvez, longe da
morada habitual e caracterizado, com frequência, pela participação em actividades
culturais, políticas e desportivas, cuja realização coincide precisamente com os dias
festivos. Trata-se de um fenómeno social e cultural que não deixa, por certo, de ter
elementos positivos, na medida em que pode contribuir, no respeito de valores
autênticos, para o desenvolvimento humano e o progresso no conjunto da vida
social. Isto é devido, não só à necessidade do descanso, mas também à exigência de
“festejar” que está dentro do ser humano. Infelizmente, quando o domingo perde o
significado original e se reduz a puro “fim de semana”, pode acontecer que o homem
permaneça cerrado num horizonte tão restrito, que não mais lhe permite ver o “céu”.
Então, mesmo bem trajado, torna-se intimamente incapaz de “festejar”.292
A questão da tolerância, neste aspecto, fará grande diferença à efetivação do
direito fundamental à liberdade religiosa em uma sociedade pluralista e democrática, sem que
se restrinjam os direitos daqueles que desejarem seguir suas convicções. Eliane Moura da
Silva assevera sobre a tolerância no âmbito religioso da seguinte forma:

Todos os argumentos sobre a tolerância religiosa podem ser distribuídos ao longo de


um grande espectro que vai do puro pragmatismo aos princípios morais e éticos.
Podem variar da necessidade de proteção de interesses muito específicos de cada
pequeno grupo até a análise mais elaborada das verdades religiosas, das questões de
obrigação moral. Mas é a questão da diversidade, da pluralidade que fará a grande
diferença.293
Essas duas questões levantadas pela autora – diversidade e pluralidade –
devem ser entendidas de forma inclusiva, isto é, reconhecer as diferenças não apenas no
campo teórico, mas de forma prática, para se necessário aplicar e efetivar o princípio da
igualdade no sentido de desigualar os desiguais para que desfrutem de verdadeira igualdade.
A mesma autora ainda esclarece:

Tolerância religiosa não significa indiferença. A tolerância envolve ação e


participação. Em primeiro lugar, aceitar que os seguidores de diferentes religiões
consideram suas crenças como verdadeiras e, talvez, a única verdade que admitem.
Em segundo lugar, permitindo que os outros tenham crenças diferentes e que,
livremente, sem coerção de qualquer espécie (familiar, social, educacional, etc.)
possam mudar de religião, denominação ou crença. Em terceiro, trabalhar em prol da
garantia de livre prática religiosa, dentro dos limites da razão, cultura e sociedade.
Um outro conjunto de ações afirmativas significa recusar-se a discriminar emprego,
alojamento, função social, procurando respeitar e acomodar as necessidades
religiosas que envolvam dias festivos, datas sagradas, rituais significativos.294
A prática da tolerância da forma acima descrita favorecerá atingir os
objetivos para os quais o Estado Democrático de Direito foi instituído pela Assembléia

292
PAULO II, Papa João, op. cit., p. 2-3.
293
SILVA, Eliane Moura da. Religião, Diversidade e Valores Culturais: Conceitos Teóricos e a Educação para a
Cidadania. Revista de Estudos da Religião. n. 2, ano 2004. Disponível em: <www.pucsp.br/rever/rv2_2004/p_s
ilva.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2007, p. 10.
294
Ibidem, loc. cit.
99

Constituinte Brasileira, conforme o preâmbulo da CF/88, especialmente nos propósitos de se


assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos.

5.3 A CONTROVÉRSIA SOBRE O DIA DE GUARDA

A grande controvérsia que existe acerca do dia de guarda dentro do


cristianismo se localiza na divergência entre a crença da maioria que entende ser o primeiro
dia da semana (domingo) aquele a ser santificado, em homenagem à ressurreição de Jesus
Cristo e, do outro lado, uma pequena minoria que observa o sétimo dia (sábado) como aquele
a ser santificado por ser o memorial da Criação, conforme ordenado nos Dez Mandamentos de
Deus, segundo a Bíblia Cristã. Ambos os dias foram observados pela cristandade ao longo da
história295, com nítida predominância pela guarda do domingo.
Não se pode olvidar da posição do Islamismo que tem a sexta-feira como
um dia santo e festivo. No entanto, neste estudo se ressalta a oposição sábado versus domingo
pelo fato do referido conflito estar em maior evidência. Tal postura não desmerece quaisquer
outras crenças distintas da exposta, podendo ser aplicada a estas outras os mesmos princípios
aqui abordados.
Registre-se que, se alguns acreditam que o sétimo dia da semana é o que
deve ser santificado, enquanto outros acreditam que deve ser o primeiro dia da semana, há
aqueles que não acham mais necessário a observância de qualquer dia, ou simplesmente
crêem que o necessário é trabalhar seis dias na semana e descansar no sétimo, não importando
que dia seja.
Porém, concernente ao sábado e ao domingo é perceptível que de um lado
está a Igreja Católica Apostólica Romana, juntamente com a maior parte dos cristãos
protestantes que acredita que o domingo deve ser santificado em homenagem à ressurreição
de Jesus Cristo. Do outro lado se encontra a Igreja Adventista do Sétimo Dia como maior
representante da guarda do sábado bíblico, ao lado de Judeus, Batistas do 7º dia e outros.
Estima-se que no mundo haja cerca de 13 milhões de judeus296, número já

295
Sobre a guarda do sábado na história ver “Anexo B” e “Anexo C”.
296
Conforme o Escritório Central de Estatísticas de Israel. Disponível em: <http://www.visaojudaica.com.br/Ou
tubro_2004/Artigos%20e%20reportagens/o_segredo_da_quizueza_dos_judeus.htm> Acesso em: 06 set. 2007.
100

superado pelos Adventistas que, segundo dados297 da Associação Geral dos Adventistas do 7º
Dia, atingiram em dezembro de 2005 cerca de 14 milhões e 400 mil membros.
No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE)298, censo demográfico do ano de 2000, constata-se o número de 1.209.842 adeptos da
religião adventista do 7º dia e de 86.825 adeptos do judaísmo. Assim, considerando apenas
essas duas religiões de maior representatividade quanto à guarda do sábado se estima um total
de cerca de 1 milhão e 300 mil cidadãos brasileiros que professam tal crença.
Destarte, como bem assevera Aldir Guedes Soriano, a despeito da garantia
constitucional de que ninguém poderá ser privado de direitos por motivo de crença religiosa,
“essa grande minoria encontra dificuldades no mundo moderno, principalmente, nas provas
escolares, vestibulares e concursos públicos discricionariamente marcados para o dia de
sábado”299. Tais dificuldades se caracterizam pelo fato da crença dessas religiões,
especialmente a adventista, não permitir a prática de atividades seculares como estudo ou
trabalho no sábado, que conforme o preceito bíblico vai do pôr-do-sol da sexta-feira até o pôr-
do-sol do sábado300.
Em virtude da natureza deste trabalho não se pretende aqui apontar
posicionamento teológico verdadeiro ou falso, mesmo porque um consenso a este respeito
está longe de ser alcançado. O que interessa a este estudo é a postura de um Estado laico,
pluralista e democrático frente a algumas implicações jurídicas que a referida parcela da
população brasileira tem de enfrentar ao optar em seguir suas convicções religiosas referentes
ao dia de guarda (considerando que seja diferente daquele aceito pela maioria da população e
referendado juridicamente pelo Estado).
Em pelo menos uma questão tanto a Igreja Católica quanto a Igreja
Adventista estão de acordo: existe um dia a ser guardado e este dia deve ser diferenciado dos
outros dias da semana. Tal afirmação é percebida pelas já citadas palavras do Sumo Pontífice
de Roma João Paulo II, e também pela declaração do mesmo de que “o dia do repouso é tal
primariamente porque é o dia ‘abençoado’ por Deus e por Ele ‘santificado’, isto é, separado
dos demais dias para ser, de entre todos, o ‘dia do Senhor’”301.

297
SEVENTH-DAY ADVENTIST WORLD CHURCH STATISTICS 2005. Disponível em: <http://www.adven
tistarchives.org/docs/Stats/SDAWorldChurchStats%2005.PDF>. Acesso em: 05 set. 2007, p. 1.
298
Fonte: IBGE – Dados do Censo Demográfico de 2000. Adventistas por Estado ver “Anexo D”.
299
SORIANO, Aldir Guedes. O Direito à Liberdade Religiosa. Correio Braziliense. Brasília, 08 nov. 2004,
Caderno Direito & Justiça, p. 2.
300
Ver Levítico 23:32; Marcos 1:32.
301
PAULO II, Papa João, op. cit., p. 6.
101

Destarte, o ponto de controvérsia reside no fato de que para os Adventistas o


dia de repouso escolhido, abençoado e santificado por Deus é o sétimo, com o objetivo de ser
um memorial da Criação, um dia em que se adora e se reconhece a Deus como Criador de
todas as coisas e o ser humano como simples criatura. Assim é que, conforme a Crença
Fundamental nº 19, os Adventistas do 7º Dia afirmam crer que

O bondoso Criador, após os seis dias da Criação, descansou no sétimo dia e instituiu
o sábado para todas as pessoas, como memorial da Criação. O quarto mandamento
da imutável lei de Deus requer a observância deste sábado do sétimo dia como dia
de descanso, adoração e ministério, em harmonia com o ensino e prática de Jesus, o
Senhor do sábado. O sábado é um dia de deleitosa comunhão com Deus e uns com
os outros. É um símbolo de nossa redenção em Cristo, um sinal de nossa
santificação, uma prova de nossa lealdade e um antegozo de nosso futuro eterno no
reino de Deus. O sábado é o sinal perpétuo do eterno concerto de Deus com Seu
povo. A prazerosa observância deste tempo sagrado duma tarde a outra tarde, do
pôr-do-sol ao pôr-do-sol, é uma celebração dos atos criadores e redentores de
Deus.302
Do outro lado, a Igreja Católica mesmo reconhecendo e exaltando o sétimo
dia como o dia santificado por Deus como memorial da criação, entende que as honras deste
dia foram transferidas para o domingo, como um memorial de uma “nova criação” por meio
da ressurreição de Jesus Cristo, sendo tal prática desde os tempos apostólicos.

Nós celebramos o domingo, devido à venerável ressurreição de nosso Senhor Jesus


Cristo, não só na Páscoa, mas inclusive em cada ciclo semanal”: assim escrevia o
Papa Inocêncio I, nos começos do século V, testemunhando um costume já
consolidado, que se tinha vindo a desenvolver logo desde os primeiros anos após a
ressurreição do Senhor. (...) A comparação do domingo cristão com a concepção do
sábado, própria do Antigo Testamento, suscitou também aprofundamentos
teológicos de grande interesse. De modo particular, evidenciou-se a ligação especial
que existe entre a ressurreição e a criação. Era, de facto, natural para a reflexão
cristã relacionar a ressurreição, acontecida “no primeiro dia da semana”, com o
primeiro dia daquela semana cósmica (cf. Gn 1,1-2,4) em que o livro do Génesis
divide o evento da criação: o dia da criação da luz (cf. 1,3-5). O relacionamento feito
convidava a ver a ressurreição como o início de uma nova criação, da qual Cristo
glorioso constitui as primícias, sendo Ele “o Primogénito de toda a criação” (Col
1,15), e também “o Primogénito dos que ressuscitam dos mortos” (Col 1,18).303
Para o legislador ou jurista importa quem teria razão nessa divergência?
Diante de uma sociedade democrática e pluralista, que garante constitucionalmente a
liberdade de crença e consciência, se torna obrigatório responder negativamente. No entanto,
não se pode olvidar que o legislador ou jurista também são cidadãos com direito a escolher as
próprias crenças, e tendo convicções religiosas preconcebidas devem redobrar o cuidado para
que as mesmas não influenciem decisões em que deva prevalecer a imparcialidade do Estado

302
DAMSTEEGT, P. G., Nisto Cremos: 27 Ensinos Bíblicos dos Adventistas do Sétimo Dia. Trad. Hélio L.
Grellmann. 7. ed. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2003, p. 331.
303
PAULO II, Papa João, op. cit., p. 8 e 10.
102

frente a essas questões, ressaltando que isso não significa ser indiferente.

5.4 IMPLICAÇÕES JURÍDICAS

A Constituição Federal de 1988 garante a liberdade religiosa e,


especificamente, proíbe a privação de direitos por motivo de crença religiosa. Sendo assim,
existiriam implicações jurídicas por se adotar e exteriorizar determinada crença ou convicção?
Conforme exposto no capítulo sobre a liberdade religiosa não há direitos ilimitados ou
absolutos, e o direito à liberdade religiosa não se configura exceção. Por conseqüência, a
liberdade religiosa, mesmo sendo um direito fundamental, encontra seus limites na ordem
pública e na liberdade de terceiros.
Em relação à crença do dia de guarda e adoração, em especial se
diferenciada da crença da maioria, haveria alguma implicação jurídica? A resposta é depende.
Explicitamente não existe no ordenamento jurídico brasileiro nenhuma norma que proíba a
guarda e santificação de qualquer dia que seja. No entanto, conseqüências indiretas sobrevirão
por causa do dia considerado sagrado, quando o dia sagrado da religião dominante é
oficializado como feriado enquanto que o das religiões minoritárias não recebe o mesmo
tratamento.
O primeiro problema se refere ao fato do domínio histórico da Igreja
Católica Apostólica Romana, o que implica na adesão da maioria da população a tal religião.
Desse modo, mesmo sendo o Estado laico, foram instituídos alguns feriados nacionais em
homenagem a santos reverenciados por tal Instituição Religiosa, possibilitando que seus
adeptos dispusessem de tempo livre para as festividades desse dia.
Registre-se como exemplo a lei nº 6.802/80, que declara feriado nacional o
dia 12 de outubro, para culto público e oficial304 a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do
Brasil, bem como a lei nº 9.093/95 que define em seu art. 2º que “são feriados religiosos os
dias de guarda, declarados em lei municipal, de acordo com a tradição local e em número não
superior a quatro, neste incluída a Sexta-Feira da Paixão”.
A questão maior não reside na concessão de feriado para aqueles que são
movidos pela convicção religiosa de que aquele dia deve ser dedicado à adoração ou outro ato

304
Em tempo seja registrado que o art. 19 da CF/88 dispõe que “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos”; como então aceitar a recepção pela atual
Constituição desta lei que cria um feriado com o propósito explicito de culto público neste dia? Mesmo à época
de sua edição a Constituição então vigente (1967/69) trazia igual dispositivo no art. 9º, inc. II.
103

religioso. A incoerência, tendo em vista a laicidade estatal, é a vedação, para aqueles que não
têm a mesma crença, do funcionamento dos seus estabelecimentos comerciais e por outro lado
não terem o dia de adoração de sua religião amparado pelo Estado305.
O segundo problema reside no fato do descanso semanal ocorrer no
domingo, favorecendo aos que acreditam que esse é o dia a ser observado e santificado, não
tendo, portanto, maiores dificuldades para a prática de suas convicções religiosas, situação
contrária à dos observadores do sábado, o que gera uma situação de desigualdade em termos
de liberdade de crença.

A partir do momento em que um determinado Estado concede benefícios,


imunidades ou privilégios a quem professar determinada fé, este estará
indiretamente influindo no íntimo do indivíduo que, naturalmente, não quer se ver
privado de determinadas regalias ou direitos.306
Mais uma vez é oportuna a ponderação que Iso Chaitz Scherkerkewitz
apresenta a respeito dos feriados nacionais aplicáveis a todos os cidadãos independente da
crença:

Qual é a lógica da proibição de abertura de estabelecimento aos domingos? Com


certeza existe uma determinação religiosa por trás da lei que proibiu a abertura de
estabelecimentos nos domingos (dia de descanso obrigatório para algumas
religiões). Como ficam os adeptos de outras religiões que possuem o sábado como
dia de descanso obrigatório (v.g., os judeus e os adventistas)? Dever-se-ia facultar
aos estabelecimentos a abertura aos sábados ou aos domingos, sendo que a ratio
legis estaria assim atendida, ou seja, possibilitar o descanso semanal remunerado.307
Aqui é que começam a se tornar mais claras as implicações em se ter como
dia de guarda outro, diferente do domingo, em especial o sábado. Por isso, oportuna se faz a
afirmação de Maurício Scheinman quando diz que

embora o sentido teológico e histórico do dia da guarda ou adoração varie entre as


diferentes religiões, é inegável que a observância de práticas religiosas, em
particular ou em público, no "Dia do Senhor", possibilite conflitos entre obrigações
legais e princípios religiosos.308

305
A despeito de os feriados católicos serem indiscutivelmente maioria, registre-se a existência de feriados não-
católicos oficializados pelo Estado. Por exemplo, no Amapá, a Lei Estadual nº 827/2004 declara feriado o dia 30
de novembro em homenagem aos evangélicos, assim como fez o Distrito Federal por meio da lei 893/95. A Lei
Estadual nº 1.026/2001 de Rondônia também homenageia os evangélicos com um feriado, mas no dia 18 de
junho. A Lei Municipal nº 3.302/2001 do Rio de Janeiro institui o feriado espírita em homenagem a São Jorge no
dia 23 de abril. O mesmo município de forma mais democrática, apenas garante ponto facultativo aos servidores
públicos que professem o judaísmo nos dias determinados à observância de Yom Kippur, Pessach e Rosh
Hashaná, conforme Lei Municipal nº 1.410/1989. O Estado do Rio de Janeiro, pela Lei Estadual nº 2.874/1997,
concede o mesmo direito aos seus servidores públicos.
306
RIBEIRO, Milton. Liberdade Religiosa: Uma proposta para debate. São Paulo: Editora Mackenzie, 2002, p.
35.
307
SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz. O direito de religião no Brasil. Disponível em: <http://www.pge.sp.go
v.br/centrodeestudos/revistaspge/revista2/artigo5.htm>. Acesso em: 10 abr. 2007, p. 5.
308
SCHEINMAN, Maurício, op. cit., p. 2.
104

Em um primeiro momento não se encontraria nenhum problema direto em


exercer a crença de que o dia principal de adoração a Deus seja o sétimo dia da semana
(sábado), ao invés do primeiro (domingo). Dificuldade se encontrará no momento em que se
desejar usufruir alguns direitos, haja vista que algumas condições para tal usufruto devem ser
satisfeitas no dia de sábado, dia em que o indivíduo entende ser vedado exercer atividades
seculares.

5.4.1 Educação: Freqüência Mínima e o Abono de Faltas por Compensação

O direito à educação é um exemplo do problema anteriormente mencionado.


A educação em todos os níveis é garantida pela CF/88 ao dispor que é um direito de todos e
dever do Estado, com o objetivo de preparar o indivíduo para o exercício da cidadania e
qualificá-lo para o trabalho. O texto constitucional ainda informa no art. 208, inc. V, que o
“acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a
capacidade de cada um”.
Contudo, para se usufruir tal direito determinadas regras devem ser
obedecidas. Assim, para se ingressar em um curso superior é necessário participar de uma
seleção, pois o acesso deve ser segundo a capacidade de cada um. Mas se tal seleção for
marcada para um sábado, como poderá o observador do sétimo dia ter preservada a sua
consciência em relação à sua obrigação religiosa e ao mesmo tempo ter igual oportunidade de
disputar uma vaga no ensino superior?
Se não for encontrada uma solução conciliatória, este indivíduo terá que
fazer uma opção entre sua religião ou sua educação. Ele será livre para fazer esta escolha, mas
ao mesmo tempo seria livre para escolher suas convicções? Nestas condições o Estado não
estará impondo diretamente nenhuma religião, mas se a religião escolhida pelo cidadão for a
que guarda o sábado, o mesmo deverá abrir mão de outros direitos, como o acima explicitado.
Considere-se que por qualquer motivo seja ultrapassada esta fase relativa ao
acesso ao ensino superior, e agora o objetivo será a conclusão do mesmo. Outra questão então
surgirá: A lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases – LDB) estabelece no art. 47 que o ano
letivo regular na educação superior deverá ter no mínimo duzentos dias de trabalho acadêmico
efetivo. No §3º é dito que é obrigatória a freqüência de alunos. A Resolução nº 04 de 16/09/86
do extinto Conselho Federal de Educação dispõe que a freqüência mínima de 75% em cada
disciplina é obrigatória. O art. 24, inc. VI, da LDB, determina que para a educação básica
105

também se exige a freqüência mínima de 75% em cada disciplina devendo o controle ficar a
cargo da escola.
Sob estas condições qual será a situação do estudante de educação básica ou
superior que tem como crença religiosa a observância do sábado, haja vista a programação de
aulas para a sexta-feira à noite e/ou sábado durante o dia?
O Ministério da Educação e Cultura, mediante provocação, já se manifestou
em pelo menos três oportunidades. No parecer CNE/CEB nº 15/99309, aprovado em 04/10/99,
sendo relator o Conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury, o Conselho Nacional de Educação
entendeu não haver amparo legal ou normativo para o abono de faltas de estudantes que se
ausentem regularmente dos horários de aulas devido às convicções religiosas.
Não deixa de ser interessante, ainda que refutável, a fundamentação para a
negativa do direito à educação ao estudante adventista que pretenda se manter firme em sua fé
e concluir seus estudos de modo a se preparar para o exercício da cidadania e se qualificar
para o trabalho.
O primeiro argumento utilizado se refere à questão da relatividade do tempo
e convencionalidade das horas sob a forma de construção sócio-histórica310. Tal argumento
presume a inadequação da guarda de um dia, qualquer que seja ele.
A indagação a ser feita quanto à pertinência deste argumento é: na discussão
da efetividade do direito à liberdade religiosa com a conseqüente liberdade de crença e a não-
privação de direitos em razão da mesma, cabe discutir a razoabilidade do conteúdo de tal
crença ou convicção religiosa?
Os limites à liberdade religiosa já foram discutidos em capítulo próprio, mas
com certeza deve ser dito que convicção religiosa ou fé nem sempre será harmonizada com a
razão. Fé não se explica sob os parâmetros da racionalidade. Como explicar a existência de
anjos, demônios, céu ou inferno e tudo o que isto envolve? A liberdade de crença abrange
tanto o direito de crer como o de não-crer, mas se determinada crença não poderá ser imposta
a terceiros, como a descrença poderá ser?
Ainda em desfavor do argumento da relatividade do tempo, se configura a
inexistência de prova formal a respeito do mesmo, referente à guarda do sábado. No parecer
309
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Parecer CNE/CEB nº 15/99. Relator: Cons.
Carlos Roberto Jamil Cury. Aprovado em 04 out. 1999. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/p
df/pceb15_99.pdf>. Acesso em: 09 ago. 2007. O parecer tratou de consulta sobre legislação pertinente ao
tratamento diferenciado a aluno freqüentador da Igreja Adventista do Sétimo Dia.
310
Em se tratando da relatividade do tempo, em especial, a questão do sábado na semana, vide “Anexo C”.
106

CNE/CEB nº 15/99, o relator menciona o fato de a Terra ter sido dividida em 24 fusos
horários, mediante convenção realizada em Roma em 1883 e confirmada em Washington em
1884, e que antes disso prevalecia variabilidade de horários em todos os quadrantes da Terra.
Contudo, qual a relação dessa informação com a crença religiosa da guarda
do sábado? A guarda do sábado possui fundamentação bíblica que define seus limites como
de um pôr-do-sol ao outro e não depende das convenções humanas. Se assim fosse, os seus
observadores deveriam guardá-lo da meia-noite do sexto dia até à meia-noite do sétimo dia,
conforme convenção atual.
Seria um melhor argumento questionar se o dia que hoje se chama sábado e
se considera como o sétimo é o mesmo sétimo dia santificado e abençoado por Deus no
Jardim do Éden; ou o mesmo dia escolhido por Ele para não cair o maná do céu durante o
Êxodo do povo de Israel; ou o mesmo dia ordenado no Monte Sinai para ser santificado e
lembrado como um memorial da Criação; ou o mesmo sábado guardado por Jesus conforme
seu costume311. Contudo, qualquer discussão a este respeito se mostra impertinente na
discussão do mérito jurídico, haja vista estar se discutindo o conteúdo da crença religiosa que
só é pertinente na seara teológica.
Como comparação se mencione o episódio do chute da imagem de uma
santa da Igreja Católica, no dia 12 de outubro de 1995, pelo Bispo Sérgio von Helde, da Igreja
Universal do Reino de Deus. Ao chutar a imagem, o Bispo argumentava que o povo brasileiro
errava em depositar suas esperanças em santos, ídolos ou imagens, pois, segundo a Bíblia, tais
ídolos não teriam poder algum e aquela imagem seria nada mais do que um objeto inerte. Em
razão deste incidente, que causou comoção no país, inúmeras queixas na polícia e ações
judiciais foram movidas por pessoas comuns e pelos próprios delegados e promotores de
justiça, sob a alegação da prática de vilipêndio e desrespeito à liberdade de culto, pouco
importando a veracidade ou não das palavras do Bispo. O objeto da proteção jurídica da
liberdade religiosa não é o mérito ou conteúdo da crença, mas a própria crença em si.
Outro argumento utilizado no parecer CNE/CEB 15/99 é que não há amparo
legal para concessão de abono de faltas ao estudante que se ausente por motivo de crença
religiosa. A despeito de não existir lei federal que regulamente o abono de faltas por motivo
religioso, assim como existe para outros casos, a exemplo do previsto pelo art. 7°, §5°, da Lei

311
Cf. Gênesis 2:1-3; Êxodo 16:4-5 e 22-30 e 20:8-11; Lucas 4:16 e 6:6.
107

n° 10.861312, de 14 de abril de 2004, não podem ser olvidados os preceitos constitucionais


garantidores da liberdade religiosa.
Uma das primeiras lições ministradas em um curso jurídico é que existem
diferentes tipos normativos e que estes são hierarquizados em grau de importância e
supremacia, formando o que se chama de pirâmide jurídica. No topo desta pirâmide se
encontra a Constituição, significando que todas as demais normas devem ser interpretadas e
aplicadas em conformidade com as normas e princípios constitucionais. No entanto, não é
incomum, especialmente por parte da Administração Pública, o erro de se fazer a
interpretação de forma inversa, isto é, interpretar a Constituição conforme a lei.
Este parece ser o caso. Mitigar o direito fundamental à liberdade religiosa,
consubstanciada na liberdade de crença e consciência, constitucionalmente garantida, em prol
da literalidade de lei infraconstitucional que determina a freqüência mínima, é inverter a
ordem da hierarquia normativa.
Além de ser previsto na CF/88 que é inviolável a liberdade de crença e
consciência, também é garantido que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença
religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de
obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”,
conforme art. 5º, inc. VIII. É a chamada escusa de consciência, já analisada.
O parecer CNE/CEB 15/99 trata deste direito constitucional, mas reduz o
seu significado. Afirma o parecer que a escusa de consciência, prevista no art. 5º, inc. VIII,
trata “de uma regra que admite exceções, mas que não pode significar a evasão de todos face
a uma imposição legal”313. No entanto, como já explanado no capítulo sobre liberdade
religiosa na Constituição de 1988, a escusa de consciência não se resume apenas ao serviço
militar obrigatório, como faz entender o parecer. Como bem afirma Hédio Silva Júnior,

o preceptivo constitucional em comento utiliza a locução “eximir-se de obrigação


legal a todos imposta”, sem adjetivar tal obrigação, pelo que contempla não apenas a
recusa ao serviço militar obrigatório (exemplo freqüentemente lembrado pela
doutrina), mas protege, ainda, ao menos teoricamente, a recusa ao cumprimento de
toda e qualquer obrigação legal a todos imposta.314
Assim é que o direito do qual o indivíduo está sendo privado é o direito à
educação, no sentido de não ser reprovado em razão das faltas referente às ausências em razão

312
Determina que as Instituições de Educação Superior devam abonar as faltas do estudante designado membro
da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior – CONAES, que tenha participado de reuniões em
horários coincidentes com os das atividades acadêmicas.
313
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Parecer CNE/CEB nº 15/99, op. cit., p. 3.
314
SILVA JUNIOR, Hédio, op. cit., p. 76.
108

de sua convicção religiosa, a saber, a guarda do sábado bíblico. “A obrigação a todos


imposta” é a obrigação de se ter 75% de presença para não ser reprovado. No entanto, não há
lei que regule a atividade alternativa para o presente caso. Então, qual deve ser a conseqüência
da lacuna normativa? Segundo o parecer CNE/CEB 15/99 “não há outra regra
infraconstitucional que trata da matéria de modo a especificar abono de faltas por conta de
não-comparecimento às aulas em razão de convicções religiosas”315, devendo ser aplicada a
lei específica da educação, isto é, a lei 9.394/96 que obriga a freqüência mínima de 75%.
Conforme a posição do MEC exposta neste parecer, se deduz não ser
compatível a religião adventista ou qualquer outra que tenha como crença a guarda e
santificação do sétimo dia da semana (sábado) com o sistema educacional brasileiro.
Entretanto, Dirley da Cunha Júnior, ao se manifestar sobre a existência ou não de lei que
regulamente a escusa de consciência, afirma:

É importante ressaltar que o cumprimento da prestação alternativa depende de sua


previsão legal, só estando a pessoa obrigada ao seu cumprimento quando fixada por
lei. Não é correto dizer que a escusa de consciência depende de lei, sobretudo em
face da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (art. 5º, § 1º). O que
depende de lei é a fixação da prestação alternativa, não o exercício da escusa de
consciência. Assim, fundada em suas crenças ou convicções, pode uma pessoa
deixar de cumprir uma obrigação legal a todos imposta, sem, no entanto, se sujeitar
a uma prestação alternativa, quando esta não estiver prevista em lei.316
Deste modo, para este autor, o direito à escusa de consciência é um direito
fundamental de aplicação imediata, sendo que apenas a prestação alternativa dependeria de
lei. Para algumas situações esta solução poderia ser aplicada sem maiores dificuldades, porém
em relação à assiduidade escolar há alguns pontos que serão posteriormente considerados.
O mesmo parecer tenta ainda fundamentar a aplicação dos princípios da
liberdade, do pluralismo e da tolerância com a existência do ensino livre à iniciativa privada.
Afirma o relator do parecer que

A coexistência de instituições públicas e privadas, princípio estabelecido no art. 206,


III, significa mais do que uma livre iniciativa. É o próprio direito à diferença que se
vê reconhecido na divisão entre escolas lucrativas e não – lucrativas e, no interior
dessas últimas, a tripartição entre comunitárias, filantrópicas e confessionais (art.
213). Esta é mais uma alternativa que visa propiciar aos cidadãos interessados numa
diferença significativa algo a mais para além do que oferece a escola comum a
todos. E, de acordo com a LDB em seu art. 12, os estabelecimentos escolares gozam
de autonomia para elaborar sua proposta pedagógica que tem no regimento escolar
seu ponto de apoio administrativo. Cabe dizer que o constrangimento da obediência
às normas comuns e as do seu sistema de ensino não implica horários rígidos e
uniformes. O que deve ser objeto de obediência é a carga horária mínima anual de

315
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Parecer CNE/CEB nº 15/99, op. cit., p. 4.
316
CUNHA JUNIOR, Dirley da, op. cit., p. 652.
109

800 horas em um mínimo de 200 dias e por conseqüência um mínimo de 4 horas de


efetivo ensino por dia. Isto significa que um estabelecimento confessional pode
adaptar o seu calendário escolar, seus marcadores do tempo aos ditames de seus
preceitos sem ferir o mínimo de 4 horas diárias e um total de 800 horas em 200
dias.317
Entretanto, como o devido respeito à posição do relator do parecer, tal
argumento é falacioso. Os princípios citados não apenas foram reproduzidos na LDB, art. 3º,
mas têm sua previsão na própria Constituição de 1988. Se essa fosse a finalidade do
constituinte o que estaria se criando é uma sociedade sectarista, na qual aqueles que tivessem
crenças religiosas diferentes da maioria não poderiam usufruir dos mesmos direitos, salvo se
criassem para si instituições próprias para atender suas necessidades. Deste modo, a sociedade
não seria fraterna, justa ou livre de preconceitos, especialmente dentro de uma instituição
pública de ensino.
No ano 2000 foi feita nova consulta ao Ministério da Educação, no sentido
da possibilidade de ser criada turma no turno diurno para atender alunos adeptos da religião
adventista. Desta consulta resultou o parecer CES 336/2000318, que concluiu pela negativa da
criação de turma específica.
Referido parecer é bastante conciso não fornecendo maiores detalhes sobre a
situação fática. Apenas registra que a União das Faculdades Alta Floresta fez a referida
consulta e que a mesma mantém a Faculdade de Ciências Sociais de Guarantã do Norte (MT),
para a qual foram autorizados, no turno noturno, os cursos de Administração e de Pedagogia.
O mesmo parecer cita, como fundamento de sua decisão, o relatório
128/2000 da Coordenação-Geral de Avaliação do Ensino Superior da SESu/MEC, no qual
enfatiza, mais uma vez, a obrigatoriedade da freqüência mínima de 75% para aprovação e que
não é permitido abono de faltas, ainda que a ausência seja por motivo de convicção religiosa,
conforme o parecer 430/84 do então Conselho Federal de Educação. A postulante da consulta
objetiva cumprir tanto a norma vigente no tocante à freqüência quanto a norma constitucional
relativa à liberdade religiosa. Assim, a instituição autora da consulta, diante da proposta
alternativa por ela formulada, indaga sobre sua responsabilidade institucional diante do limite
de vagas previsto no ato legal de autorização dos cursos, bem como das condições de oferta
dos mesmos.
O fundamento da conclusão do parecer é que a

317
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Parecer CNE/CEB nº 15/99, op. cit., p. 4.
318
Idem. Parecer CNE/CES nº 336/2000. Relatora: Consª. Eunice R. Durham. Aprovado em 05 abr. 2000.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pces336_00.pdf>. Acesso em: 09 ago. 2007.
110

iniciativa de compor turmas específicas destinadas a alunos adventistas representaria


uma espécie de reserva de vagas, o que fere o princípio da igualdade de
condições de acesso e permanência na escola, consagrado no artigo 206, da
Constituição.319
Em seguida recomenda que

a Instituição poderia apresentar projeto propondo a criação do turno diurno, com


novas vagas ou com parte das vagas autorizadas para o turno noturno, sem contudo
destinar tais vagas a essa clientela específica. Tais vagas seriam destinadas a
quaisquer interessados que desejassem estudar no período diurno.320
Aparentemente, a consulta foi mal formulada ou mal interpretada,
merecendo, portanto, algumas observações. Conforme informa o parecer, os cursos de
Administração e Pedagogia seriam ministrados no turno noturno, de modo que a dificuldade
para os adventistas (ou para outras religiões que possuam o sétimo dia como dia sagrado)
residiria nas aulas marcadas para sexta-feira à noite, período no qual os mesmos acreditam já
haver começado o sábado bíblico (de um pôr-do-sol ao outro).
Em razão da quantidade de alunos interessados (cerca de vinte) seria
justificável a criação de uma turma para os mesmos, ao invés de sua simples reprovação por
falta, ou exigência para que apresentassem algum tipo de trabalho para a compensação da
ausência em sala de aula, em claro prejuízo do conhecimento transmitido diretamente pelo
professor.
No entanto, em que consistiria a criação desta “turma”? Não parece razoável
acreditar que a “turma” a ser criada seria referente a todas as disciplinas do curso, pois deste
modo se caracterizaria a criação de um curso completo no turno diurno, lembrando que o
único problema seriam as aulas programadas para a sexta-feira à noite. Portanto, o que parece
provável é que a referida “turma” seria apenas uma alternativa às aulas do período referido,
sendo oferecidas as mesmas disciplinas deste dia no turno diurno. Em verdade, esta foi uma
possível solução apontada no parecer CNE/CEB 15/99 do Ministério da Educação
(anteriormente analisado) nos seguintes termos:

os estabelecimentos escolares gozam de autonomia para elaborar sua proposta


pedagógica que tem no regimento escolar seu ponto de apoio administrativo. Cabe
dizer que o constrangimento da obediência às normas comuns e as do seu sistema de
ensino não implica horários rígidos e uniformes. O que deve ser objeto de
obediência é a carga horária mínima anual de 800 horas em um mínimo de 200 dias
e por conseqüência um mínimo de 4 horas de efetivo ensino por dia. Isto significa
que um estabelecimento confessional pode adaptar o seu calendário escolar seus
marcadores do tempo aos ditames de seus preceitos sem ferir o mínimo de 4

319
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Parecer CNE/CES nº 336/2000, op. cit., p. 2
320
Ibidem, loc. cit.
111

horas diárias e um total de 800 horas em 200 dias.321 [grifo nosso]


Assim, os demais alunos poderiam cursar suas disciplinas no horário
ordinariamente estabelecido, isto é, o turno noturno, tendo a alternativa de na sexta-feira optar
pelo turno diurno, considerando que não haveria impedimento de cursar neste horário
juntamente com os guardadores do sábado se assim desejassem. Nestes termos, estaria sendo
respeitada a liberdade religiosa dos observadores do sábado e ao mesmo tempo o direito
destes de obter formação profissional em curso superior, não se configurando reserva de
vagas.
A igualdade estaria sendo respeitada, pois no processo seletivo todos
participariam sem distinção, concorrendo ao mesmo número de vagas, sendo que os que
possuíssem a crença da santificação do sétimo dia saberiam que em caso de aprovação seria
possível a conclusão do curso, haja vista o oferecimento de horário alternativo às aulas de
sexta-feira à noite.
Oportuno é mencionar que a própria LDB elege no art. 3º princípios a
nortearem o sistema de ensino no sentido da “igualdade de condições para acesso e
permanência na escola” (inciso I), do “pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas”
(inciso III) e do “respeito à liberdade e apreço à tolerância” (inciso IV). Estabelece ainda no
art. 4º que o dever do Estado com educação escolar pública se efetivará com a garantia de:
“acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a
capacidade de cada um” (inciso V) e da “oferta de ensino noturno regular, adequado às
condições do educando” (inciso VI).
No entanto, não é esse o entendimento da relatora do parecer, Conselheira
Eunice R. Durham. Para a relatora, a medida proposta significaria reserva de vaga, o que
feriria justamente o princípio da igualdade de condições de acesso e permanência na escola.
Mas, pelo exposto, em que sentido a criação de uma turma de disciplina específica, em
horário alternativo ao ordinariamente estipulado (sexta-feira à noite) feriria a igualdade de
condições de acesso à escola em relação aos outros cidadãos? Todos não passariam pelo
mesmo processo seletivo, concorrendo ao mesmo número de vagas? Haveria vedação de o
estudante de outra crença optar pelo horário alternativo oferecido aos adventistas ao invés do
ordinário? Se respondido negativamente, onde está a ofensa à igualdade de condições de
permanência na escola?

321
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Parecer CNE/CEB nº 15/99, op. cit., p. 4.
112

Justamente com essa medida é que a igualdade seria concretizada, no


momento em que os desiguais seriam desigualados na medida de suas desigualdades. Em
outras palavras, todos poderiam ter a crença que escolhessem, sem ser coagidos a abandoná-la
em razão de conflitar com obrigações a todos impostas, por encontrar guarida em um
cumprimento alternativo, e assim não ser privado do direito à educação por motivo da crença
religiosa escolhida.
No ano de 2006 foi feita nova consulta ao MEC, na qual se solicita parecer
da Câmara de Educação Superior sobre o abono de faltas a estudantes que se ausentem
regularmente dos horários de aulas devido a convicções religiosas e a possibilidade das
escolas negociarem alternativas para a realização de provas e trabalhos em outros dias.
Diante dessa provocação o Conselho Nacional de Educação, sem nada
inovar, se manifestou novamente, desta vez por meio do Parecer CNE/CES 224/2006322,
relatora Conselheira Marilena de Souza Chauí, aprovado em 20/09/2006. Referido parecer
basicamente transcreveu pareceres anteriores e repetiu a conclusão da inexistência de amparo
legal ou normativo para o abono de faltas aos alunos que se ausentem regularmente dos
horários de aulas por motivo de convicção religiosa.
A Conselheira Marilena de Souza Chauí também transcreve em seu voto as
orientações constantes do site do MEC/SESu – Secretaria de Educação Superior sobre o
assunto, disponíveis à época, que dentre outras informações, que já foram aqui expostas,
determinava categoricamente: “Os alunos Adventistas do 7° Dia têm que freqüentar as aulas
nas noites de sexta-feira”323.
Registre-se que ser “adventista” significa, dentre outras coisas, acreditar na
promessa de Jesus “virei outra vez” e “do sétimo dia” significa crer na ordem de Deus que o
dia de descanso santificado por Ele é o sábado, sétimo dia da semana, conforme consta nos
Dez Mandamentos em Êxodo 20:8-11, como um ato de amor e gratidão. Sendo assim,
fazendo uma releitura da posição do MEC, aqui exposta, é inconciliável ser um adventista do
sétimo dia e ao mesmo tempo usufruir o direito à educação, em razão das condições citadas.
Pode ser dito que o dilema é: cidadão, escolha ser fiel às suas convicções religiosas ou
concluir a sua formação educacional.
Atualmente, assim dispõe o site do Ministério da Educação e Cultura:

322
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Parecer CNE/CES 224/2006. Relatora: Consª.
Marilena de Souza Chauí. Aprovado em 20 set. 2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf
/pces224_06.pdf>. Acesso em: 09 ago. 2007.
323
Ibidem, p. 3.
113

HÁ DIREITO AO ABONO DE FALTA NA SEXTA-FEIRA À NOITE E AOS


SÁBADOS, TENDO EM VISTA CONVICÇÕES RELIGIOSAS?
De acordo com os Pareceres CNE/CES nºs 336/2000 e 224/2006, considerando-se a
relatividade do tempo e a convencionalidade das horas sob a forma de construção
sócio – histórica e a necessidade de marcadores do tempo, comuns a todos e
facilitadores da vida social, considerando-se a clareza dos textos legais, NÃO HÁ
AMPARO LEGAL OU NORMATIVO PARA O ABONO DE FALTAS A
ESTUDANTES QUE SE AUSENTAREM REGULARMENTE DOS HORÁRIOS
DE AULAS DEVIDO ÀS CONVICÇÕES RELIGIOSAS.324
A República Federativa do Brasil é um Estado não apenas de Direito, mas
também Democrático. Sua atual Constituição estabelece seus fundamentos na cidadania,
dignidade da pessoa humana e pluralismo político. Determina ainda ser seus objetivos
fundamentais a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza,
a marginalização e a promoção do bem de todos, sem preconceitos e/ou discriminações.
Garante também como direitos fundamentais do homem a igualdade, a liberdade de
pensamento, de crença religiosa, filosófica ou política e a não privação de direitos em razão
de tais crenças/convicções. Mesmo assim, se verifica pelo exposto que a posição oficial do
Poder Executivo Federal, por meio do Ministério da Educação e Cultura, é que uma parcela
de sua população tem que escolher entre viver conforme suas crenças (especificamente a
guarda e santificação do sétimo dia) ou abandoná-las para poder obter formação profissional
por meio do ensino superior regulamentado pelo Estado.
Felizmente há aqueles que rechaçam a possibilidade da existência de
cidadãos de “segunda categoria” (o que caracteriza aqueles que sofrem privação de parte de
seus direitos em razão das crenças que escolhem por considerarem verdadeiras). Além de
decisões jurisprudenciais, que em momento oportuno serão analisadas, se verifica o parecer nº
290/2004 do Conselho Estadual de Educação de Alagoas (CEE/AL) por meio da Câmara de
Educação Superior, em 31 de agosto de 2004325.
Deve ser dito que no Estado de Alagoas existe uma Lei Estadual, nº 6.336
de 22 de julho de 2002, que estabelece no seu art. 4º a obrigatoriedade do abono de faltas de
alunos que em razão de crença religiosa não possam freqüentar as aulas ministradas entre as
18:00 horas da sexta-feira até às 18:00 horas do sábado, desde que realizem tarefas
alternativas a serem exigidas pelos estabelecimentos de ensino.

324
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. SESu - Secretaria de Educação Superior:
Abono de Faltas. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/sesu/index.php?option=com_content&task=vie
w&id=823&Itemid=549>. Acesso em: 10 out. 2007.
325
ALAGOAS (Estado). CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. Parecer CEE/CES nº 290/2004.
Relator: Cons. Francisco Soares Pinto. Aprovado em 31 ago. 2004. Disponível em: <http://www.sinteal.org.br/e
xibir_noticia.asp?Cod=847>. Acesso em: 06 mar. 2007.
114

Em razão da existência da supracitada lei, a Chefia de Gabinete do


Governador do Estado de Alagoas submeteu à consideração do CEE/AL consulta quanto ao
abono de faltas, previsto na lei, em confronto com o estabelecido na LDB (lei n° 9394/96, art.
24, inc.VI), isto é, obrigatoriedade de freqüência mínima de 75% do total de horas-aula para
aprovação, tendo como “pano de fundo” o direito fundamental à liberdade de crença e à
objeção de consciência, previstos respectivamente nos incisos VI e VIII do art. 5º da
Constituição Federal de 1988.
O parecer nº 290/2004 do CEE/AL, cuja relatoria coube ao Conselheiro
Francisco Soares Pinto, fez um exame mais profundo e complexo do que a fria aplicação da
LDB, como feito nos pareceres do MEC, anteriormente analisados. O referido relator abordou
como objeto de reflexão as implicações da relação aproveitamento/assiduidade como
exigência da LDB, consubstanciada na freqüência mínima, e a Lei Estadual nº 6.334/2002,
ambas supramencionadas.
O Conselheiro Francisco Soares Pinto inicialmente faz referência à LDB,
que dispõe sobre o ensino de valores universais, como ética, cidadania e respeito humano,
cabível no ensino religioso. Considera o autor que este papel é estendido às demais disciplinas
que compõem o currículo escolar. Diante disto, faz os seguintes questionamentos:

como se daria a prática desses princípios aprendidos em sala de aula dentro de um


contexto nacional marcado pela diversidade social, étnica, cultural e religiosa? Os
sistemas de ensino e as escolas estão preparados para lidar com as implicações
oriundas dessa diversidade?326
É no contexto dessas reflexões que o relator do parecer considera que a
análise da questão não pode ficar circunscrita à abordagem fria da legislação educacional,
devendo ser considerada também uma abordagem cultural e constitucional, além da legislação
mencionada.

Nesse sentido o Conselheiro Francisco Soares Pinto faz referência às


origens da Igreja Adventista do Sétimo Dia (maior representante da crença da santificação e
guarda do sábado), algumas de suas principais crenças, nas quais se incluem o sábado bíblico,
e sua presença no mundo enquanto corpo organizacional.
Em seguida, o autor do parecer aborda as origens da guarda do sábado
dentro do contexto cultural e religioso judaico. Assim, registra que a palavra hebraica para
sábado é shabbat, que se relaciona com o verbo de mesma raiz, significando o ato de “cessar”,
326
Ibidem, p. 2.
115

“deixar de fazer algo” ou “descansar”, e que é o sétimo dia da semana, por conseqüência,
“equivalente ao nosso sábado”327. Sucintamente também aborda as origens da guarda do
domingo e do atual sistema de marcação do tempo.
Registre-se que assim como no parecer CNE/CEB 15/99 do Ministério da
Educação, o parecer 290/2004 do CEE/AL questiona o mérito da crença da guarda do sábado,
atitude que deve ser evitada diante da discussão jurídica da liberdade de crença, como
anteriormente afirmado. Contudo, este último parecer, agora analisado, não apenas aborda a
questão secular da marcação do tempo, como fez o primeiro, mas também aborda a questão
religiosa. Assim é que, segundo juízo de valor do relator, “o mais sensato, no sentido de
melhor organizar as atividades do nosso dia-dia, seria desenvolvermos essas atividades
ajustadas ao dia civil e horário oficial adotado pela União”328 e que

não estamos aqui julgando a religião Adventista por causa da guarda do sábado,
“Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua
nova, ou sábado...” Cl 2:16, mas fazer ver também que não há impedimento bíblico
algum em se guardar e santificar o domingo (Dominicus), após seis dias de trabalho,
como é o de costume, tradição, da maioria dos brasileiros e confissão cristã.329
Mesmo procurando demonstrar respeito à religião adventista, o relator do
parecer ao emitir sua opinião pessoal a respeito de um aspecto teológico controverso excede
sua competência, ainda que sua opinião seja a da maioria da cristandade. Igualmente,
desprezar a crença religiosa em favor de ideologias seculares, como fez o parecer CNE/CEB
15/99 do MEC, não cabe na discussão jurídica a respeito da liberdade religiosa.
Aspecto de extrema importância é a relação assiduidade/aproveitamento
enfrentada pelo Conselheiro Francisco Soares Pinto, ao levantar a seguinte questão: “será
pedagogicamente correto reprovar por faltas um aluno que tenha ótimos resultados
curriculares?”330. Segundo o autor do parecer tal questão encontra divergência mesmo entre
aqueles afetos à prática pedagógica, fazendo as seguintes citações para subsidiar tal
afirmação:

“Se o ensino é presencial, não há motivos para haver aprovação sem a freqüência
exigida por lei”. Lauro Spaggiari. Diretor pedagógico do Colégio Dante Alighieri.
São Paulo.
“(...). A decisão de reprovar por faltas deveria ficar a cargo dos conselhos de classe e
escolar”. Heloísa Ururahy, diretora do Colégio Dom Bosco, em Resende, Rio de
Janeiro.

327
ALAGOAS (Estado). CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. Parecer CEE/CES nº 290/2004, op.
cit., p. 3.
328
Ibidem, p. 4.
329
Ibidem, p. 3.
330
Ibidem, p. 4.
116

“Reprovar por faltas indica omissão por parte do colegiado escolar. Se um bom
aluno está se ausentando muito das aulas, algo errado deve estar acontecendo na
escola”. Carlos Jamil Cury. Membro da Câmara de Educação Básica do Conselho
Nacional de Educação.331
Neste contexto, o autor tenta compreender qual seria a preocupação do
legislador ao fixar na LDB percentual mínimo de assiduidade com sua conseqüente
reprovação em caso do não-cumprimento desta meta, independente do bom desempenho nas
atividades curriculares. Assim, considera que formalmente a lei supervaloriza o aspecto
quantitativo (freqüência) em detrimento do aspecto qualitativo (competências e habilidades
desenvolvidas) para a aprovação.
Desse modo conclui:

Entendemos que uma das preocupações foi julgar que uma freqüência mínima
obrigatória seria garantia de um mínimo de conteúdo aprendido. Outra, de
permanência mínima do aluno na escola e talvez a possível aquisição de diplomas
sem uma comprovada freqüência às aulas. A assiduidade às aulas não é sinônimo de
bom desempenho de aprendizagem. Os critérios de avaliação do rendimento escolar
estão voltados para dois tipos de avaliação: a quantitativa e a qualitativa. Quando
constatamos que um determinado aluno está com 75% de freqüência, estamos
medindo e não avaliando.
[...]
Este índice de assiduidade deve servir não como elemento de reprovação, mas antes
de tudo, como referência para a tomada de medidas pela escola no sentido de
detectar os problemas que estejam dificultando a permanência do aluno e comunicar
ao conselho tutelar quando este chegar a faltar mais da metade do limite permitido,
ou 12,5% das aulas anuais, procurando assim evitar ao máximo, dentro de suas
possibilidades, a repetência e evasão escolar. 332
Em relação ao aspecto constitucional da questão, o Conselheiro Francisco
Soares Pinto ressalta o direito à inviolabilidade de consciência e de crença como uma
conquista constitucional, na qual a crença é refletida pelos princípios que norteiam as ações e
pensamentos do homem para com seu “Deus”. Nesse sentido, com fundamento nos incisos VI
e VIII do art. 5º da CF/88, conclui que

a regra geral é de que não poderá ocorrer a privação de direitos por motivo de crença
religiosa ou de convicção filosófica ou política, até porque a Constituição em seu
inc. VI dá direito à liberdade de consciência e de crença, e não poderia haver
punição de qualquer espécie para pessoas que exercem um direito constitucional.333
Ainda em relação ao aspecto constitucional o autor faz referência ao art. 19,
inc III, que veda aos entes federativos “criar distinções entre brasileiros ou preferências entre

331
ALAGOAS (Estado). CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. Parecer CEE/CES nº 290/2004, op.
cit., p. 5.
332
Ibidem, loc. cit.
333
ALAGOAS (Estado). CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. Parecer CEE/CES nº 290/2004, op.
cit., p. 6.
117

si”, afirmando serem inconstitucionais as diferenças que não constem da Constituição.


Entretanto, registra que

Da igualdade e razoabilidade, os autores procuram realçar a possibilidade


excepcional de hipóteses em que pode ocorrer uma diferenciação, desde que
justificada e razoável, não-descabida e não-preconceituosa. Neste caso a regra da
igualdade poderia ser temperada pela lógica e pelo princípio administrativo da
razoabilidade.334
A despeito de o parecerista afirmar ser inconstitucional as diferenças que
não constem na Constituição, o mesmo cita exceções à regra de freqüência mínima de 75%
estipulada pela LDB, a saber, o Decreto-Lei nº 1.044 de 1969 e a Lei nº 6.202 de 1975. O
primeiro instrumento legal cuida do tratamento excepcional aos estudantes que se encontrem
enfermos, enquanto que o segundo cuida da situação da gestante, estabelecendo que, em
ambos os casos, os estudantes que se encontrem impossibilitados de cumprir a freqüência
mínima estarão submetidos ao regime de exercícios domiciliares durante o período de
ausência.
Por fim, ao emitir seu voto, o relator faz as últimas considerações, julgando
a Lei Estadual nº 6.334/2002 de Alagoas inconstitucional por tratar de matéria privativa da
União, isto é, legislar sobre lei de diretrizes e bases da educação nacional, conforme art. 22,
inc. XXIV, da CF/88. Assim, em razão de todo o exposto no parecer aqui analisado, e
desconsiderando a citada lei que regularia o abono de faltas por motivo religioso, por
considerá-la inconstitucional em razão de vício formal, conclui pela inexistência de amparo
legal para o abono de faltas às aulas de sexta-feira à noite ou sábado durante o dia.
Entretanto, o Conselheiro Francisco Soares Pinto considera que para a
situação em apreço existe amparo constitucional fundamentado nos princípios da igualdade e
razoabilidade. Deste modo, finaliza seu voto afirmando que

no sentido de se evitar constrangimentos ao/a aluno/a adventista, devido a sua


convicção religiosa quanto à guarda do sábado (das 18 horas da sexta-feira até às 18
horas do sábado), recomendamos às Unidade Escolares do Sistema Estadual de
Ensino do estado de Alagoas:
I. Ofertar vagas na(s) disciplina(s)/componente(s) curricular(es) desenvolvida(s) no
período do sábado (das 18 horas da sexta-feira até às 18 horas do sábado) em turmas
que funcionem em outro período para acesso ao(à) estudante que se considere
impedido(a) de freqüência por razões religiosas;
II. No caso da impossibilidade de atendimento ao disposto no parágrafo anterior,
orientar estudos domiciliares ao(à) estudante, naquela(s) disciplina(s)/componente(s)
curricular(es) acima citados;
III. Submeter o(a) estudante à avaliação de aprendizagem em outro período que não

334
Ibidem, loc. cit.
118

o compreendido entre às 18 horas de sexta-feira e 18 horas do sábado, sem prejuízo


do usufruto de segunda chamada ou reavaliação prevista no Regimento Escolar.335
Assim, mesmo tendo desconsiderado a Lei Estadual de Alagoas pelo motivo
exposto, o Conselho Estadual de Educação apresentou, com base na Constituição Federal,
igual solução apresentada pela referida lei.
No Estado de São Paulo, o também Conselho Estadual de Educação foi
provocado a se manifestar a respeito da questão do abono de faltas em razão de convicção
religiosa, emitindo o sucinto parecer CEE/CES nº 442/2002336, aprovado em 23 de outubro de
2002, tendo como relatora a Conselheira Ada Pellegrini Grinover.
Neste parecer, a relatora invoca o direito à objeção de consciência previsto
no art. 5º, inc. VIII da CF/88. No entanto, em sua interpretação deste dispositivo
constitucional entende que aquele que alegar objeção de consciência só terá o direito de se
submeter à atividade alternativa caso esta esteja fixada em lei. Deste modo, pelo fato de a
LDB estipular a freqüência mínima como obrigação legal a todos imposta e diante da
inexistência de lei que regulamente atividade alternativa ao objetor de consciência, conclui a
relatora que a Instituição de Ensino pode exigir dos estudantes de qualquer crença religiosa a
obrigação legal de freqüentar as aulas conforme o calendário pré-fixado pela mesma.
Cabe registrar que o entendimento da Conselheira Ada Pellegrini Grinover,
a respeito da necessidade de existência de lei que fixe prestação alternativa para que o
indivíduo possa exercer o direito fundamental à objeção de consciência, se opõe ao
entendimento de Dirley Cunha Junior, mencionado anteriormente e transcrito oportunamente
abaixo:

É importante ressaltar que o cumprimento da prestação alternativa depende de sua


previsão legal, só estando a pessoa obrigada ao seu cumprimento quando fixada por
lei. Não é correto dizer que a escusa de consciência depende de lei, sobretudo em
face da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (art. 5º, § 1º). O que
depende de lei é a fixação da prestação alternativa, não o exercício da escusa de
consciência. Assim, fundada em suas crenças ou convicções, pode uma pessoa
deixar de cumprir uma obrigação legal a todos imposta, sem, no entanto, se sujeitar
a uma prestação alternativa, quando esta não estiver prevista em lei.337
A solução apresentada por este último autor torna-se inviável para o caso de
escusa de consciência em razão da crença da validade de todos os Dez Mandamentos de Deus,

335
ALAGOAS (Estado). CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. Parecer CEE/CES nº 290/2004, op.
cit., p. 7.
336
SÃO PAULO (Estado). CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. Parecer CEE/CES nº 442/2002.
Relator: Consª. Ada Pellegrini Grinover. Aprovado em 23 out. 2002. Disponível em: <http://www.ceesp.sp.gov.b
r/Pareceres/pa_442_02.htm>. Acesso em: 16 mar. 2007.
337
CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 652.
119

o que inclui o 4º mandamento, isto é, a guarda e santificação do 7º dia – sábado. A


conseqüência prática desta crença é que com o não-comparecimento às atividades seculares,
como aulas marcadas para o período sabático, o objetor de consciência será penalizado com
sua reprovação por faltas, como já explicado.
Contudo, não se deve esquecer a relação aproveitamento/assiduidade que a
LDB estabelece como requisito para a aprovação. Assim, mesmo que a reprovação por faltas
não seja aplicada, se não for concedida prestação alternativa que possibilite a avaliação
qualitativa do estudante, o mesmo não alcançaria a aprovação por aproveitamento acadêmico.
No parecer CEE nº 442/2002 do Estado de São Paulo, ora analisado, mesmo
com a conclusão da obrigatoriedade da freqüência mínima, garantindo que a Instituição de
Ensino possa exigi-la de seus alunos, a Conselheira Ada Pellegrini Grinover, considerando os
princípios do pluralismo e da tolerância que moldam o ensino superior, recomenda:

Se houver alguma possibilidade de a Instituição substituir, para esse grupo religioso,


as aulas das sextas feiras à noite e dos sábados por outras, ministradas em horários
distintos, todos ganharão: a Faculdade e os estudantes. Mas é algo que fica a critério
da consulente.338
Desta forma o direito à liberdade de crença fica entregue à conveniência das
Instituições de Ensino e este direito constitucional com valor abaixo de uma norma ordinária
que estipule a obrigatoriedade de freqüência mínima. Entretanto, deve ser registrado que no
mesmo art. 47 da lei 9.394/96 – LDB, que estabelece a freqüência obrigatória em seu §3º,
também relativiza esta obrigação quando faz a seguinte previsão no §2º:

Os alunos que tenham extraordinário aproveitamento nos estudos, demonstrado por


meio de provas e outros instrumentos de avaliação específicos, aplicados por banca
examinadora especial, poderão ter abreviada a duração dos seus cursos, de
acordo com as normas dos sistemas de ensino. [grifo nosso]
A mesma lei também, no art. 24, inc. V, alínea “a”, estabelece que na
verificação do rendimento escolar, na educação básica, a avaliação será contínua e
cumulativa, devendo prevalecer os aspectos qualitativos (aproveitamento dos estudos) sobre
os quantitativos (freqüência). Isso demonstra que a regra da freqüência mínima de 75% pode
ser relativizada em diversas situações. Ocorre nas situações já mencionadas das gestantes e
estudantes enfermos, conforme Lei 6.202/75 e Decreto-Lei 1.044/69 respectivamente, para os
que estão prestando serviço militar obrigatório (Lei 4.375/64, art. 60, §4º) e para o
representante dos discentes no CONAES (Lei 10.861/2004, art. 7º, §5º). Para estes dois

338
SÃO PAULO (Estado). CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. Parecer CEE/CES nº 442/2002, op.
cit., p. 1.
120

últimos casos não se exige atividade compensatória ao dia em que ocorreu a ausência.
Vale lembrar, como destaca Letícia de Campos Velho Martel339, que esse
percentual definido no art. 24 da LDB aplica-se apenas à educação básica, sendo que em
relação ao ensino superior o texto normativo apenas torna obrigatória a freqüência de
professores e alunos, sem definir um percentual, ainda que a prática administrativa de muitas
Instituições de Ensino Superior seja estipular em 75%.
Outro instrumento legal que merece menção é a Portaria do MEC nº
4.059/04, publicada no Diário Oficial da União de 13/12/2004, Seção 1, p. 34. Esta portaria
admitiu disciplinas semi-presenciais nos cursos superiores presenciais, tendo como parâmetro
não ultrapassarem 20% da carga horária total do curso (art. 1º, caput, §§ 1º e 2º)
Diante desta e demais normas que criam exceções à freqüência mínima
obrigatória e considerando o sistema constitucional brasileiro como um todo, não parece ser
razoável negar o direito fundamental à educação, concretizado pela não-reprovação em
virtude do descumprimento da assiduidade mínima estabelecida, quando referida assiduidade
se confronta com a crença religiosa do descanso semanal enquanto dia sagrado.
Daí, solução simples e recomendada é a encontrada pelo Instituto de
Estudos Superiores da Amazônia – IESAM340 ao estabelecer como modalidades de abono de
faltas aquela em que o aluno deva apresentar um relatório resumido sobre a matéria que foi
lecionada no dia da falta, sendo a justificativa apreciada pelo respectivo Diretor Acadêmico
da Graduação.

5.4.2 Vestibulares, Acesso aos Cargos Públicos e Cursos de Formação

Além das implicações jurídicas oriundas de interpretação formal da LDB


que nega o direito fundamental à educação àqueles que adotam a crença do descanso semanal
como dia sagrado e tal dia seja o sétimo da semana (sábado), outras situações geram
semelhantes conflitos.
O próprio acesso ao ensino superior que acontece por meio de processo
seletivo conhecido como vestibular passa a ser obstáculo para os observadores do sábado. Em
339
MARTEL, Letícia de Campos Velho. “Laico, mas nem tanto”: cinco tópicos sobre liberdade religiosa e
laicidade estatal na jurisdição constitucional brasileira. Revista Jurídica. Brasília, v. 9, n. 86, p.11-57, ago./set.,
2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_86/Artigos/PDF/LeticiaCampos_rev
86.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2007, p. 41.
340
IESAM. Freqüência e Abono de Faltas. Disponível em: <http://www2.iesam-pa.edu.br/ensino/graduacao/gu
ia_academico/frequencia_abono_falta.php>. Acesso em: 08 jun 2007.
121

muitas situações a entidade organizadora da seleção marca a prova para o dia de sábado e na
maioria das vezes não oferece horário alternativo ao candidato.
Em relação ao acesso aos cargos públicos ocorre situação semelhante.
Mesmo que, em regra, os concursos tenham o domingo como principal dia para a realização
de provas, é comum também serem marcadas para o dia de sábado341, especialmente se a
seleção for composta por mais de uma etapa. Igualmente, nesta situação, os observadores do
sábado vêem cerceada sua cidadania em razão de convicção religiosa, sofrendo privação de
seu direito em participar da administração pública do país.
Se ultrapassada esta fase, ao ser possibilitado que o observador do sábado
participe da seleção pública e nesta ser aprovado, se ocorrer posterior curso de formação, os
cidadãos adeptos da crença religiosa do descanso sabático poderão encontrar novas
dificuldades, pois é comum acontecerem aulas durante o período sabático, sem oferecimento
de horário alternativo, e por conseqüência, resultando em reprovação por faltas.
Diante desses conflitos de interesses, o Judiciário tem sido constantemente
provocado a se manifestar sobre tais questões. A forma como têm sido decididos esses
conflitos é o que se verá no próximo item.

5.5 JURISPRUDÊNCIA

Não são muitos os casos que chegam aos tribunais superiores cuja lide
envolva o descanso semanal enquanto dia sagrado. Os poucos processos que chegaram a ser
decididos trataram justamente da questão da guarda e santificação do sétimo dia (sábado),
relacionada com as questões anteriormente mencionadas.
No entanto, em razão do crescimento do número de membros da Igreja
Adventista do 7º Dia e maior grau de conscientização destes a respeitos de seus direitos,
observa-se o aumento da procura pelo Judiciário para que este torne efetiva a Constituição
Federal referente à garantia de que ninguém será privado de direitos por motivo de crença

341
Existem cargos que quase como regra o seu processo seletivo ocorre no dia de sábado. Assim é que acontece
nas carreiras da Magistratura em todas as esferas, Receita Federal, Procuradores da República, Promotores
dentre outros. Como exemplo se menciona o recente concurso para Juiz de Direito Substituto do Estado do Piauí,
conforme edital CESPE nº 1, de 24/08/07, que estabeleceu os dias 20 (sábado) e 21 (domingo) de outubro de
2007 para realização de uma das etapas. De igual forma, o Edital ESAF nº 70 de 21/10/05, estabeleceu os dias 17
(sábado) e 18 (domingo) de dezembro de 2005 para realização da seleção pública para Auditor-Fiscal da Receita
Federal do Brasil. Registre que se não encontrada solução que harmonize os interesses envolvidos, tais funções
públicas estariam indiretamente vedadas para aqueles que professem a crença da santificação do sétimo dia,
estando os mesmos preliminarmente “excluídos” do certame.
122

religiosa (art. 5º, inc. VIII). Assim, aos poucos vem sendo criada jurisprudência a respeito do
assunto, não sendo, contudo, uniforme. Em verdade, deve ser dito que, se por um lado os
juízos de 1º grau são mais suscetíveis em conceder a tutela à liberdade religiosa na forma aqui
abordada, por outro, quando à lide chega às instâncias superiores (Tribunais), estes não o são.
Em contrapartida, atualmente constata-se uma sensível mudança de posicionamento destes
últimos, no sentido de valorizar a efetividade máxima dos direitos fundamentais, o que inclui
a liberdade religiosa.
Em regra, as demandas gravitam em torno das situações mencionadas em
tópico anterior, a saber, o caso do cidadão não poder concluir seus estudos pelo fato do
calendário acadêmico designar aulas para o dia de sábado sem proporcionar alternativa
diversa; a impossibilidade de se participar do processo seletivo (vestibular) para ingresso no
ensino superior; ou participar do processo seletivo (concursos públicos) para ingresso nos
quadros do funcionalismo estatal, quando marcadas para o sábado.
Em relação a essa última situação, os cidadãos têm recorrido ao Judiciário
solicitando que o mesmo determine a realização da prova após o pôr-do-sol (quando não
infringiria a crença da guarda do sábado) sob a condição de se apresentarem ao local da prova
no mesmo horário que os demais candidatos e lá permanecerem isolados e incomunicáveis até
o horário designado (o que normalmente ocorre às 18:00h), quando então poderiam fazer sua
prova com o mesmo tempo conferido aos demais candidatos.
Quanto ao primeiro caso, se pede que, não havendo outro horário disponível
na Instituição de Ensino para que o estudante curse a disciplina sem infringir sua consciência,
que se ofereça alternativa à sua presença em sala de aula, sendo designados exercícios
domiciliares ou outra forma de avaliação que a Instituição de Ensino julgue conveniente.
Não sendo encontrado um denominador comum entre as partes envolvidas,
o conflito resultará em duas saídas para os observadores do sábado: a aceitação da privação de
parte de seus direitos ou a violação do que sua crença religiosa lhes impõe. Essa privação de
diretos em virtude de crença religiosa, mesmo considerada voluntária, é incompatível com o
Estado Democrático. Este tem o dever constitucional de tornar possível a cada cidadão o livre
exercício de suas crenças religiosas (sem a privação de outros direitos) e ao mesmo tempo
criar alternativas para que todos gozem a plena cidadania.

5.5.1 Supremo Tribunal Federal


123

Em pelo menos três ocasiões o Supremo Tribunal Federal (STF) teve


oportunidade de se manifestar a respeito do direito à liberdade religiosa referente à crença do
repouso sabático.
A primeira delas, ocorrida na vigência da Constituição anterior, foi a
Representação342 por Inconstitucionalidade do art. 144 do Código Eleitoral, oferecida pelo
então Procurador-Geral da República Sepúlveda Pertence. Mesmo não se tratando
especificamente das questões principais aqui abordadas, torna-se importante esta decisão
porque teve como pano de fundo a liberdade religiosa concernente à guarda do sábado.
Na petição inicial foi considerado que as eleições do ano de 1986, marcadas
para o dia 15 de novembro, aconteceriam num sábado e que, por este motivo, diversos grupos
religiosos, como os judeus, os adventistas e os sabatistas, estariam postos ante o dilema de
descumprir a obrigação eleitoral ou o culto daquele dia, conforme a crença religiosa lhes
impõe. Nestes termos, foi requerido ao STF que suspendesse liminarmente o dispositivo no
ponto em que fixava o término da votação às 17 horas, a fim de que outro limite343 fosse
determinado pela Justiça Eleitoral, de modo a compatibilizá-lo com as exigências do culto
sabático.
O Supremo Tribunal Federal indeferiu o pedido, sendo a ementa da decisão
redigida nos seguintes termos:

REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 144 DO CE.


HORARIO DE VOTAÇÃO. OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA. MEDIDA
CAUTELAR. PRESSUPOSTOS (INOCORRÊNCIA). Para que se conceda a
medida cautelar reclama-se não só a ocorrencia do 'periculum in mora' quanto o
'fumus bonus iuris', relevância da questão jurídica que, sob o prisma proposto, não
se verifica na hipótese. Medida Cautelar indeferida.344
O relator, Ministro Rafael Mayer, ao fundamentar seu voto argumentou que

estabelecer um horário diferente para que se resguardasse aos adventistas e outros


cultos sabatistas, um horário diferente para que realizassem o seu direito de voto e
resguardassem as obrigações do seu culto seria obrigar ao Estado – que é leigo e
separado da religião – que fizesse uma discriminação favorecedora daqueles que
tenham determinada religião.345
Importa ressaltar alguns aspectos dessa decisão. Inicialmente se constata
que o pedido foi indeferido por outras razões do que a supracitada. O indeferimento se deu

342
STF. Rp-MC 1371/DF. Medida Cautelar na Representação. Relator: Ministro Rafael Mayer. Decisão do
plenário em 12/11/1986. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em 10: ago. 2007.
343
O autor da representação à Procuradoria da República foi um cidadão da comunidade israelita de São Paulo,
pleiteando a prorrogação do horário de votação até as vinte horas para que pudesse votar após o pôr-do-sol
daquele sábado.
344
STF. Rp-MC 1371/DF., op. cit. p. 61.
345
Ibidem, p. 65.
124

acima de tudo pelo fato do relator considerar não existir o fumus bonus iuris para que fosse
concedida a medida cautelar, haja vista entender que não há a mínima procedência quanto à
inconstitucionalidade do art. 144 do Código Eleitoral. Para o relator o que estaria em jogo
seria a chamada escusa de consciência, prevista no §6º do art. 153 da Constituição pretérita.
Deste modo, a obrigação de votar caberia a todos os cidadãos com as exclusões das objeções
de consciência, sendo que aqueles que fizerem esta alegação (objeção de consciência)
deveriam apresentar tal justificativa à Justiça Eleitoral para se exonerarem das
responsabilidades oriundas do descumprimento do dever eleitoral.
Por fim, ainda foi sustentado que a concessão da liminar, estendendo o
horário de votação, implicaria em prejuízos à regularidade do processo eleitoral. Deve ser
mencionado, conforme destaca o voto do Ministro Moreira Alves no mesmo processo, que a
decisão na antevéspera das eleições perturbaria o interesse coletivo em caso de concessão,
considerado o horário para a coleta de votos em todas as circunscrições eleitorais do Brasil.
A decisão do Supremo merece reparo em ao menos um aspecto. O voto não
é apenas um dever, mas também um direito. Cada voto é importante, inclusive já foi noticiado
pela imprensa que determinada Eleição foi decidida por um voto de diferença. Se continuasse
a possibilidade de coincidência do dia da Eleição346 com o sábado se estaria, indiretamente,
privando parte da população de escolher os seus representantes no governo, por não poderem
exercer seu direito ao voto neste dia. Portanto, apontar como solução a escusa de consciência
para não sofrerem outras penalidades é medida paliativa, mas que não impede a privação do
direito ao voto por motivo de crença religiosa.
A segunda oportunidade em que o STF se manifestou a respeito da guarda
do sábado foi na Suspensão de Segurança nº 2144, decidida monocraticamente pelo então
Presidente do STF, Ministro Marco Aurélio, no dia 18 de abril de 2002. Segundo notícia347 do
próprio site do STF, a Suspensão de Segurança (SS 2144) foi ajuizada pela União visando
cassar a decisão que concedeu tutela antecipada a um candidato de concurso público seguidor
da Igreja Adventista do Sétimo Dia. A decisão recorrida concedia ao candidato o direito de
fazer a prova em horário diverso do marcado, observando-se sua incomunicabilidade durante
o período dos exames. Sobre o pedido da União, o Ministro Marco Aurélio entendeu

346
A Constituição Federal de 1988, no art. 77, com redação dada pela EC 16/97, estabeleceu que as eleições
ocorressem no primeiro e ultimo domingo de outubro do ano eleitoral (primeiro e segundo turno
respectivamente).
347
STF. Notícias. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=5866
9&caixaBusca=N>. Acesso em: 29 abr. 2007.
125

não ser razoável a concessão da liminar no caso, já que envolve interesse de um


único candidato, que obteve apenas uma liminar. O risco de alguma perda é,
unicamente, do candidato, caso não obtenha sucesso no mérito, justificou o
presidente do STF.348
A ação posteriormente perdeu o objeto, segundo informação da própria
União prestada no processo.
No ano de 2003 o STF é provocado, por meio da ADI nº 2806, a se
manifestar sobre a constitucionalidade da Lei Estadual nº 11.830/2002 do Rio Grande do Sul,
que dispõe sobre fatos relacionados com a liberdade de crença religiosa, determinando à
Administração Pública e às entidades privadas o respeito e a observância às doutrinas
religiosas no Rio Grande do Sul. Na oportunidade o Supremo declarou a
inconstitucionalidade da lei, conforme ementa in verbis:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N.º 11.830, DE 16 DE


SETEMBRO DE 2002, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.
ADEQUAÇÃO DAS ATIVIDADES DO SERVIÇO PÚBLICO ESTADUAL E
DOS ESTABELECIMENTOS DE ENSINO PÚBLICOS E PRIVADOS AOS DIAS
DE GUARDA DAS DIFERENTES RELIGIÕES PROFESSADAS NO ESTADO.
CONTRARIEDADE AOS ARTS. 22, XXIV; 61, § 1.º, II, C; 84, VI, A; E 207 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
No que toca à Administração Pública estadual, o diploma impugnado padece de
vício formal, uma vez que proposto por membro da Assembléia Legislativa gaúcha,
não observando a iniciativa privativa do Chefe do Executivo, corolário do princípio
da separação de poderes.
Já, ao estabelecer diretrizes para as entidades de ensino de primeiro e segundo graus,
a lei atacada revela-se contrária ao poder de disposição do Governador do Estado,
mediante decreto, sobre a organização e funcionamento de órgãos administrativos,
no caso das escolas públicas; bem como, no caso das particulares, invade
competência legislativa privativa da União.
Por fim, em relação às universidades, a Lei estadual n.º 11.830/2002 viola a
autonomia constitucionalmente garantida a tais organismos educacionais. Ação
julgada procedente.349
O relator do processo, Ministro Ilmar Galvão, ao analisar os artigos da lei
considerou que o art. 1º e art. 3º cuidavam do regime jurídico dos servidores civis do Estado,
matéria de iniciativa privativa do Poder Executivo. Quanto ao artigo 2º da lei, o relator
considerou que cuidava de regular os órgãos da Administração Pública (escolas), matéria
também de competência do Poder Executivo, além de o mesmo artigo interferir na autonomia
das Universidades e de estabelecer diretrizes à educação (competência da União). No entanto,
em nenhum momento o relator, em seu voto, mencionou a questão da liberdade religiosa que
era o objeto específico da lei.

348
Ibidem, p. 1.
349
STF. ADI 2806/RS. Relator: Ministro Ilmar Galvão. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/inteiroTeo
r/obterInteiroTeor.asp?numero=2806&classe=ADI>. Acesso em: 14 ago. 2007, p. 359.
126

O art. 1º da Lei Estadual 11.830/2002, por exemplo, estabelece que o


processo seletivo para investidura de cargo, função ou emprego nos três poderes deve
realizar-se com respeito às crenças religiosas da pessoa, o que nada mais é do que uma
especificidade do direito à liberdade religiosa prevista no art. 5º, incisos VI e VIII da CF/88.
Em nenhum momento a lei estabelece dia específico para realização dos certames; apenas
garante que se tal dia for considerado sagrado para o candidato, que se ofereça um horário
alternativo, ficando o mesmo incomunicável desde o horário regular marcado para inicio da
avaliação até o momento do horário alternativo.
Na prática, a situação dos observadores do sábado estaria sendo tutelada, já
que o dia sagrado para estes se estende do pôr-do-sol da sexta-feira até ao pôr-do-sol do
sábado, quando então poderiam realizar as provas. Entretanto, nesta oportunidade não
entendeu assim o STF. Simplesmente visualizou a lei sob o ponto de vista do Estado,
colocando em segundo plano o direito fundamental do cidadão à liberdade religiosa,
concomitante aos direitos à educação e acesso aos cargos públicos.
Letícia de Campos Velho Martel ao analisar a decisão menciona que, em
relação à violação da autonomia das Universidades, o texto do voto permite ao leitor entender
que este item foi compreendido como uma inconstitucionalidade formal, o que para a autora é
um equívoco, pois a autonomia universitária é um princípio substantivo. Em seguida faz a
seguinte análise:

houve somente a invocação da autonomia universitária, inexistindo referência a


qualquer restrição de Direitos Fundamentais. Esse modo de agir pode soar como
uma ocultação do problema, pois a autonomia universitária foi trabalhada como se
fosse um espaço de competência intocável das instituições de ensino superior.
Assim, mesmo que as decisões de uma universidade sejam altamente lesivas aos
Direitos Fundamentais, poderiam ser levadas a cabo, tendo em vista o invólucro
gerado pela autonomia universitária, que abrigaria inclusive contra a incidência de
lei. Para não incorrer nessa conclusão, poder-se-ia sugerir que o Tribunal entendeu
que a liberdade religiosa não seria digna da proteção legislativa em face da
autonomia universitária, ou seja, que esta preponderaria sobre aquela. Ou, ainda, que
o Tribunal, delimitando o direito à liberdade religiosa, concebeu que a tutela do dia
de guarda diante das universidades não faria parte do seu âmbito de proteção, ao
ensejo da teoria do suporte fático restrito dos Direitos Fundamentais. Esse pensar é,
porém, forçoso, pois foi declarada a inconstitucionalidade formal, não foram nem
referidos nem seguidos postulados normativos, tampouco houve argumentação
acerca da delimitação do suporte fático da liberdade religiosa no caso.350
Na mesma ADI 2806 se manifestou o agora Ministro Sepúlveda Pertence no

350
MARTEL, Letícia de Campos Velho. “Laico, mas nem tanto”: cinco tópicos sobre liberdade religiosa e
laicidade estatal na jurisdição constitucional brasileira. Revista Jurídica. Brasília, v. 9, n. 86, p.11-57, ago./set.,
2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_86/Artigos/PDF/LeticiaCampos_rev
86.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2007, p. 35-36.
127

sentido de aderir ao voto do relator quanto à inconstitucionalidade formal da lei do Rio


Grande do Sul e acrescentando, mesmo que desnecessário como o mesmo afirma, que referida
lei também padeceria de inconstitucionalidade material. Pondera o Ministro:

Pergunto: seria constitucional uma lei de iniciativa do Poder Executivo que


subordinasse assim o andamento da Administração Pública aos “dias de guarda”
religiosos? Seria razoável, malgrado fosse a iniciativa do governador, acaso crente
de alguma fé religiosa que faz seus cultos na segunda-feira à tarde, que todos esses
crentes teriam direito a não trabalhar na segunda feira e pedir reserva de outra hora
para seu trabalho? É desnecessário à conclusão, mas considero realmente violados,
no caso, princípios substanciais, a partir do “due process” substancial e do caráter
laico da República.351
Dois fatos são dignos de nota. O primeiro, de menor relevância, é que o
Ministro Sepúlveda Pertence quando estava na função de Procurador Geral da República tinha
posicionamento diferente em relação ao descanso semanal enquanto dia sagrado, tendo
inclusive impetrado Representação de Inconstitucionalidade em relação ao art. 144 do Código
Eleitoral, como anteriormente visto. O segundo é que assim como fez o Ministro relator, o
Ministro Sepúlveda Pertence apenas invoca princípios e conceitos sem desenvolver maiores
argumentações, simplesmente não reconhecendo o direito à liberdade religiosa concernente ao
dia de guarda frente à Administração Pública. Nesse sentido a posição do Ministro Sepúlveda
Pertence destoa daquela exposta pelo Ministro Marco Aurélio na Suspensão de Segurança
narrada linhas atrás.
Diante do quadro apresentado não se visualiza um norte definido do
Supremo Tribunal Federal a respeito do assunto, devendo se considerar que o mérito da
matéria ainda não foi propriamente enfrentado, com a exceção da manifestação do Min.
Sepúlveda Pertence que se aposentou neste ano.
Em breve o STF terá que enfrentar novamente essas questões nas ADIs nos
3118, 3714 e 3901, onde estão sendo questionadas a constitucionalidade de leis dos Estados
do Espírito Santo, São Paulo e Pará. As leis destes Estados possuem a mesma natureza da lei
do Rio Grande do Sul que já foi declarada inconstitucional, como anteriormente visto.
Destarte, se a questão for analisada pelos mesmos parâmetros e sem maiores discussões se
visualiza que tais ações terão o mesmo fim que a lei gaúcha.

5.5.3 Superior Tribunal de Justiça

351
STF. ADI 2806/RS, op. cit., p. 367.
128

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) se manifestou em duas oportunidades a


respeito da crença religiosa da guarda do sábado em confronto com obrigações condicionantes
para o exercício de direitos, como a questão das provas de concursos marcadas para o sábado,
neste trabalho explanada. A primeira decisão foi no Recurso Ordinário em Mandado de
Segurança 16107/PA, in verbis:

RECURSO ORDINÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - CONCURSO


PÚBLICO - PROVAS DISCURSIVAS DESIGNADAS PARA O DIA DE
SÁBADO - CANDIDATO MEMBRO DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO
DIA - PEDIDO ADMINISTRATIVO PARA ALTERAÇÃO DA DATA DA
PROVA INDEFERIDO - INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE - NÃO
VIOLAÇÃO DO ART. 5º, VI E VIII, CF/88 - ISONOMIA E VINCULAÇÃO AO
EDITAL - RECURSO DESPROVIDO.
1. O concurso público subordina-se aos princípios da legalidade, da vinculação ao
instrumento convocatório e da isonomia, de modo que todo e qualquer tratamento
diferenciado entre os candidatos tem que ter expressa autorização em lei ou no
edital.
2. O indeferimento do pedido de realização das provas discursivas, fora da data e
horário previamente designados, não contraria o disposto nos incisos VI e VIII, do
art. 5º, da CR/88, pois a Administração não pode criar, depois de publicado o edital,
critérios de avaliação discriminada, seja de favoritismo ou de perseguição, entre os
candidatos.
3. Recurso não provido.352
Esta ementa tem sido citada por decisões de instâncias inferiores para
fundamentar a negativa do direito na prestação jurisdicional, não se fazendo valer o direito à
liberdade religiosa, consubstanciada no art. 5º, incisos VI e VIII, e, em especial, esse último
inciso que prevê a não-privação de direitos por motivo de crença religiosa. Por isso, é
oportuno apresentar os antecedentes fáticos que motivaram a impetração do Recurso
Ordinário no STJ e o seu julgamento.
De início, cumpre registrar que o Recurso Ordinário em questão foi
impetrado por um candidato ao cargo de Juiz de Direito no Estado do Pará. Em razão do
mesmo ser adepto da crença da santificação do sábado e a segunda fase do concurso ter sido
agendada para este dia, o candidato requereu administrativamente a alteração da data ou
horário alterantivo, resguardada a sua incomunicabilidade353, sendo tal pedido indeferido.
Assim, uma semana antes da prova impetrou mandado de segurança no Tribunal de Justiça do
Pará, não requerendo medida liminar, o que resultou na perda do objeto quando do

352
STJ. RMS 16107/PA; Sexta Turma; Rel Min. Paulo Medina; j. em 31/05/2005; DJ 01.08.2005 p. 555.
Disponível em: <www.stj.gov.br>. Acesso em: 10 ago. 2007. p. 1.
353
A incomunicabilidade requerida se caracteriza pelo fato do candidato se apresentar no local de prova no
horário comum aos demais concorrentes, ficando, contudo isolado e incomunicável até o horário em que sua
crença permitiria iniciar a prova, isto é, ao pôr-do-sol, tendo o mesmo tempo para respondê-la.
129

julgamento do mandamus, em razão de não ter comparecido à prova marcada para o sábado.
Ao analisar o Recurso Ordinário, o Ministro Paulo Medina invoca os
princípios aplicáveis ao concurso público como o democrático, o da eficiência, o da estrita
vinculação ao instrumento convocatório e o da isonomia. No entanto, só desenvolve os dois
últimos, informando sua aplicação ao caso concreto. Em relação ao princípio da vinculação ao
instrumento convocatório assevera o Ministro:

impende ressaltar que a Administração Pública fica, estritamente, vinculada às


normas e condições previamente definidas no edital, não podendo, no curso do
procedimento licitatório, criar novas regras ou das que antecipadamente previu se
afastar.354
Se em verdade a Administração Pública está vinculada às normas do edital,
como afirma o Ministro, tanto ela quanto o edital estão subordinados à lei e, acima de tudo, à
Constituição, sendo que nesta, inegável se mostra o direito à liberdade de crença. Sobre o
edital do concurso público e sua vinculação, Fabrício Motta afirma:

Sendo ato normativo editado no exercício de competência legalmente atribuída, o


edital encontra-se subordinado à lei e vincula, em observância recíproca,
Administração e candidatos, que dele não podem se afastar a não ser nas
previsões que conflitem com regras e princípios superiores e que por isso são
ilegais ou inconstitucionais.355 [grifo nosso]
No mesmo sentido, Hely Lopes Meirelles ressalta o dever das normas que
regem o concurso público em respeitar as garantias asseguradas constitucionalmente no artigo
5º, asseverando que:

à lei específica, de caráter local, é vedado dispensar condições estabelecidas em lei


nacional para a investidura em cargos públicos, como as exigidas pelas leis eleitoral
e do serviço militar, ou para o exercício de determinadas profissões (Constituição da
República, art. 22, XVI). E tanto uma como outra deverá respeitar as garantias
asseguradas do art. 5º, da Constituição da República, que veda distinções
baseadas em sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas.356 [grifo
nosso]
Consoante esses ensinamentos pode ser dito que o caso dos guardadores do
sábado, objeto do Recurso Ordinário em análise, se enquadra nesta situação. Desta forma,
caso o edital marque a prova para o dia de sábado e não preveja horário alternativo, nos
termos anteriormente expostos, a própria Administração ou mesmo o Judiciário deve adequar
as normas deste edital à realidade constitucional, de modo a resguardar o direito dos que por

354
STJ. RMS 16107/PA, op. cit., p. 555.
355
MOTTA, Fabrício. Concursos Públicos e o Princípio da Vinculação ao Edital. Jus Navigandi, Teresina,
ano 10, n. 972, 28 fev. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8 035>. Acesso em:
25 nov. 2007, p. 4.
356
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 429.
130

convicção religiosa se vejam impedidos de realizar a prova no horário regular. Assim se estará
aplicando os princípios da ampla acessibilidade aos cargos públicos, da igualdade e o direito à
liberdade religiosa. Fabrício Motta ainda ressalta:

o princípio da ampla acessibilidade aos cargos e empregos públicos, reconhecido no


sistema constitucional brasileiro, é também conseqüência do trinômio democracia-
isonomia-eficiência. As eventuais restrições à participação em concursos, por tais
motivos, devem possuir justificação nos valores consagrados pela Constituição e
consagradas em lei formal.357
Qual então seria o sentido de restringir a participação de candidatos que
possuam a crença da santificação do sábado nos concursos públicos? As formas de promover
discriminação são as mais variáveis possíveis e, muitas vezes, ocultas em regras gerais, mas
que excluem determinado grupo. Nesse sentido, para se excluir os adeptos de uma religião de
um certame, basta colocar alguma regra no edital que colida com as crenças fundamentais dos
mesmos. No caso das provas marcadas para o dia de sábado358 o problema não está
meramente em terem sido marcadas para este dia, mas não ser oferecido um
horário alternativo, resguardando evidentemente o sigilo das provas, entre outros
princípios.
O próprio relator, Ministro Paulo Medina, aponta que a atual jurisprudência
e melhor doutrina ensinam que a igualdade exigida em concurso público não deve ser
analisada do ponto de vista formal, pois na prática os indivíduos se distinguem por razões
econômicas, sociais, da ração, da religião etc. Em seguida assevera o Ministro:

Por essa razão, torna-se, muitas vezes, necessário reconhecer essas diferenças e
conferir, até certo ponto, um tratamento diferenciado aos indivíduos, a fim de se
buscar a chamada igualdade material ou substancial, a única capaz de realizar a
verdadeira justiça.359
Contudo, a conclusão do seu raciocínio é que:

Por outro lado, se é a lei quem iguala os indivíduos, somente ela é capaz de
diferenciá-los, segundo os objetivos que persegue. Ante a inexistência de tratamento
discriminatório de candidatos, em razão de opção religiosa, em lei ou no presente
edital, entendo inexistir para o Recorrente direito líquido e certo de realizar as
provas discursivas fora da data e local, determinados, genérica e isonomicamente,
para todos os interessados.360
Nos termos acima transcritos, o Ministro Paulo Medina faz justamente o
contrário do que afirmara na citação anterior. Assim, sob o pressuposto da inexistência de lei
357
MOTTA, Fabrício, op. cit. p. 2.
358
O que exclui cerca de um milhão e quinhentos mil brasileiros que possuem a crença da santificação do
Sábado, como Adventistas do 7º Dia, Judeus, Batistas do 7º Dia etc., conforme dados estatísticos anteriormente
mencionados.
359
STJ. RMS 16107/PA, op. cit., p. 4.
360
Ibidem, loc. cit.
131

que regulamente a situação dos guardadores do sábado, o Ministro valoriza o edital em sua
formalidade e, por conseqüência, torna ineficaz o dispositivo constitucional que determina
que ninguém será privado de direitos em razão de crença religiosa. Não só esse dispositivo foi
desprezado, mas outros, como o que estabelece o princípio democrático ou o da isonomia.
Afirma Fabrício Motta que:

A imposição constitucional de acesso aos cargos e empregos públicos mediante


concurso público tem importante razão de ser: o princípio democrático exige
participação popular no exercício das atividades estatais; o princípio da isonomia
garante que todos devem ter igualdade de oportunidades e condições para ascender
às posições públicas estáveis; e o princípio da eficiência impõe a escolha dos mais
aptos para ocupar tais posições.361
Uma questão deve ser discutida em relação ao princípio da igualdade
aplicável a essa matéria. Cabe ponderar em que medida a desigualação dos desiguais
proporcionaria, ou não, “vantagens” ou “privilégios” para alguns em detrimento de outros.
Quais seriam as condições básicas para a caracterização do princípio da igualdade em um
processo de seleção pública? Todos os candidatos devem ter o mesmo tempo para responder
as questões propostas, sendo tais questões iguais para todos, com o respeito ao sigilo das
mesmas até à abertura do envelope.
Até aqui todos também teriam a igualdade de oportunidades. No entanto, se
a crença de uma minoria colide com o horário estabelecido regularmente pelo edital,
continuaria existindo a citada igualdade? Enquanto a maioria tem a oportunidade de participar
do certame, um grupo só pode participar se aceitar desprezar suas convicções religiosas. Isto
seria igualdade? O Estado não impõe que o indivíduo viole suas crenças, mas, no presente
caso, se o mesmo desejar usufruir o direito de participar do concurso público, assim deve agir.
Considere-se agora que, administrativamente ou judicialmente, seja
permitido ao candidato, que, alegando impedimento de fazer a prova no horário regular em
razão de convicção religiosa, a faça em outro horário. Por exemplo, a situação que
comumente ocorre seria: horário regular para início da prova às 14 horas de um sábado, com
duração de 4 horas para respondê-la; o candidato que alegou objeção de consciência se
apresentaria no local da prova no mesmo horário que os demais e lá ficaria incomunicável até
o momento em que suas convicções o permitam realizá-la, o que acontece ao pôr-do-sol, por
volta das 18 horas; a partir deste horário lhe seriam concedidas as mesmas 4 horas para
responder às questões.

361
MOTTA, Fabrício. op.cit., p. 6.
132

Onde está o privilégio, vantagem ou discriminação que comprometa a


igualdade de oportunidades de todos? É vantagem permanecer em uma sala sentado,
incomunicável, sem poder nada ler ou conversar com terceiros por 4 horas ou mais, para só
depois começar a fazer uma prova? Não teria este candidato o mesmo tempo para responder
às questões da prova que os demais? Não teria sido resguardado o sigilo da prova para todos
igualmente? Esta conduta seria uma vantagem ou desvantagem em relação aos demais? A
maioria dos concorrentes ao chegar ao local da prova tão logo começa a respondê-la,
enquanto aquele que alegou objeção de consciência teve que esperar incomunicável a sua vez
por mais de quatro horas. Outro candidato aceitaria as mesmas condições para realizar a prova
se não tivesse semelhante convicção religiosa? Pertinente nesse contexto de igualdade de
oportunidades, com possíveis medidas desigualadoras que visem a igualdade, é a lição de
Cármen Lúcia Antunes Rocha ao afirmar:

é a busca da igualdade de oportunidades que o princípio da acessibilidade aos


cargos, funções e empregos públicos propicia, permitindo às pessoas e obrigando o
Estado a dar concretude ao princípio da igualdade jurídica. Não se destratam os
cidadãos de uma República segundo conveniências, privilégios, preconceitos ou
quaisquer elementos externos à qualificação que se lhes exige para o desempenho
dos encargos de que se devem desincumbir no exercício que lhes seja especificado.
Mais ainda, no Estado Democrático de Direito, há que se obrigar as entidades
políticas a cuidar para que todos os cidadãos se dotem das condições materiais,
intelectuais, psicológicas, políticas e sociais mínimas que os habilitem à disputa do
cargo, da função e do emprego público.362
O relator, Ministro Paulo Medina, não interpretou a questão sob o prisma
supramencionado do princípio da igualdade e do amplo acesso aos cargos públicos, sendo
acompanhado pelos demais Ministros membros da Sexta Turma. Letícia de Campos Velho
Martel, ao analisar a decisão do STJ no Recurso Ordinário nº 16107, faz o seguinte
comentário:

Do voto, extrai-se que os ministros do STJ sequer consideraram a existência de


restrições aos direitos fundamentais de liberdade religiosa e de acesso aos cargos
públicos. Se assim houvessem entendido, certamente teriam aplicado postulados
normativos referentes à colisão horizontal de princípios constitucionais, praxe no
Tribunal.
Talvez a decisão sugira a aderência dos ministros à tese dos limites imanentes dos
Direitos Fundamentais. Segundo tal concepção, existem hipóteses que estão fora do
âmbito de proteção de um direito fundamental, que seria definitivo e não prima
facie. Contudo, essa é apenas uma suposição, pois não existem elementos
argumentativos operando as delimitações do republicano direito de paridade no
acesso aos cargos públicos e do direito à liberdade religiosa.
Percebe-se também que o princípio da igualdade material foi interpretado como um
obstáculo ao pleito do candidato, pois ele ficaria em situação de vantagem diante dos

362
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes apud MOTTA, Fabrício, op. cit., p.2.
133

demais competidores, sem que lei determinasse o discrímen. O Tribunal


compreendeu, então, que o único modo de movimentar as engrenagens do princípio
constitucional da igualdade é a lei.363
Por fim, cabe mencionar que o impetrante do Recurso Ordinário cometeu
um deslize processual ao não requerer medida liminar no mandado de segurança originário.
Fato que foi registrado pelo relator, Ministro Paulo Medina, ao apontar que o mandado de
segurança só perdeu o objeto porque o recorrente não diligenciou em requerer medida liminar.
Afinal, o que poderia ser feito caso o STJ entendesse procedente o Recurso
no aspecto material? Imporia a anulação do concurso a partir daquela fase ocorrida no
sábado? E quanto a todos os outros candidatos? Determinaria que a Administração oferecesse
oportunidade ao recorrente para que fizesse a prova em momento posterior, já que aquela fase
do concurso já estava superada? As mesmas questões não poderiam ser parâmetro de
avaliação, pois não eram mais sigilosas, e questões diferentes violariam o princípio da
igualdade. Assim é que se percebe que o pedido liminar é essencial, pois se mesmo em caráter
precário não for alcançado êxito no sentido de o candidato fazer a prova no mesmo dia que os
demais sob as condições de incomunicabilidade aqui expostas, se caracterizará a perda do
objeto da demanda quando do julgamento do mérito.
Em 26 de junho de 2007 o STJ, novamente em Recurso Ordinário (nº
22.285/RO), se manifesta a respeito da questão com a seguinte ementa, prolatada agora pela
Quinta Turma:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO


PÚBLICO. POLICIAL MILITAR. ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. TESTE DE
CAPACIDADE FÍSICA. REALIZAÇÃO EM DIA DIVERSO DO
PROGRAMADO. LIMINAR DEFERIDA. SITUAÇÃO DE FATO
CONSOLIDADA. IMPOSSIBILIDADE. ISONOMIA E VINCULAÇÃO AO
EDITAL. RECURSO DESPROVIDO.
I - A liminar foi deferida quando a recorrente, por ter deixado de realizar o teste de
aptidão física na data prevista em edital de convocação, já estava eliminada do
certame. Ao ser cassada pelo e. Tribunal a quo, quando do julgamento final do
mandamus, a recorrente voltou à situação anterior de candidato eliminado do
concurso, razão por que não poderia prosseguir no certame.
II - O direito à liberdade de crença, assegurado pela Constituição da República, não
pode almejar criar situações que importem tratamento diferenciado - seja de
favoritismo seja de perseguição - em relação a outros candidatos de concurso
público que não professam a mesma crença religiosa. Precedente. Recurso ordinário
desprovido.364
Este Recurso Ordinário em muito se assemelha com o anterior. Uma

363
MARTEL, Letícia de Campos Velho, op. cit., p. 37.
364
STJ. RMS 22.825/RO, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 26.06.2007, DJ
13.08.2007, p. 390.
134

candidata ao cargo de Policial Militar, após ser aprovada na primeira etapa do concurso
(prova objetiva), teve o seu teste de capacidade física marcado para um sábado. Por ser
observadora do sábado requereu administrativamente a alteração da data do exame, sendo que
tal pedido não foi analisado até a data do mesmo, o que inviabilizou o comparecimento da
candidata no referido exame. Tendo a Administração procedido com nova convocação para
outros candidatos, a ora recorrente impetrou na ocasião mandado de segurança, obtendo êxito
no pedido de tutela cautelar. Tendo realizado o exame em outra data que não no sábado a
candidata obteve aprovação nesta e em todas as demais etapas do concurso. Contudo, teve seu
requerimento de matrícula no curso de formação indeferido em razão do julgamento
improcedente do mérito do mandamus.
Uma das principais alegações da recorrente foi a perda do objeto da ação
mandamental, invocando a aplicação da “teoria do fato consumado”. Entretanto, mesmo com
o parecer favorável da Sub-Procuradoria Geral da República, o relator, Ministro Félix Fischer,
entendeu não ser aplicável essa teoria ao caso concreto, considerando que a recorrente deveria
ter diligenciado para impetrar o mandamus antes da data inicialmente prevista para realização
do teste. Por ultrapassar os limites do objeto de estudo deste trabalho monográfico não cabe
maior análise deste aspecto da decisão (aplicação da teoria do fato consumado).
Quanto ao mérito, o Ministro Félix Fischer se limita a transcrever os
fundamentos da decisão do Tribunal a quo e a afirmar que a mesma não merece reparos. Tais
fundamentos se resumem nas questões já analisadas na decisão anterior do STJ, cuja parte do
voto e a ementa são invocadas pelo relator.
Em razão dessas duas decisões, o Superior Tribunal de Justiça inicialmente
se manifesta desfavorável ao pleito dos observadores do sábado bíblico que não abriram mão
de sua crença religiosa para participarem de seleção para provimento de cargos ou empregos
públicos.
Oportunamente duas observações devem ser feitas. A primeira é que em
ambos os Recursos os recorrentes cometeram falhas processuais. O primeiro em não ter
requerido medida liminar e o segundo em ter impetrado o mandamus apenas depois da data
estipulada para realização do teste de capacidade física. A segunda observação é que nas duas
decisões os Ministros do STJ, como afirmara Letícia de Campos Velho Martel, sequer
consideraram a existência de restrições aos direitos fundamentais da liberdade religiosa e do
acesso aos cargos públicos. No entanto, a decisão de 2005 já vinha sendo usada pelos
tribunais inferiores como fundamento para a denegação dos pedidos requeridos pelos
135

guardadores do sábado e, igualmente, essa última de 2007 também será.

5.3.4 Outras Decisões

Os Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça com freqüência cada


vez maior têm se defrontado com questões como as que foram anteriormente analisadas
envolvendo a liberdade de crença concernente a guarda do sábado. O que pode ser notado é
que as decisões têm sido contraditórias entre os tribunais, e mesmo dentro deles, sendo que a
maior parte das decisões recentes tem sido favorável aos guardadores do sábado.
Em relação à obrigatoriedade de freqüência mínima de 75% nas Instituições
de Ensino, por exemplo, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em 20/03/2003, entendeu
que tal obrigação é aplicável a todos os alunos, independente da religião que professem, não
existindo direito líquido e certo ao abono de faltas, e por conseqüência, não se caracterizando
a violação do direito do impetrante.

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. ENSINO. VIOLAÇÃO À


LIBERDADE DE CRENÇA (ART. 5.º, VIII, DA CF/88). ADVENTISTA DO 7.º
DIA. INOCORRÊNCIA. APLICAÇÃO DE FALTAS. NORMA GERAL
APLICÁVEL A TODO O CORPO DISCENTE. POSSIBILIDADE DE OPÇÃO
ENTRE O CURSO DIURNO OU NOTURNO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO
LÍQUIDO E CERTO. DECURSO DE TEMPO. SITUAÇÃO CONSOLIDADA.
MODIFICAÇÃO DESACONSELHÁVEL.
1. A jurisprudência desta Corte adota entendimento no sentido de que a Constituição
Federal de 1988 (art. 5.º, VIII) assegura a liberdade de crença como direito
individual do cidadão, sob a condição de que não ofenda o interesse público, ou seja,
que não seja ele invocado para a isenção de obrigação legal a todos imposta e a
recusa de cumprir prestação alternativa prevista em lei. (Cf. TRF1, AG
2001.01.00.050436-4/PI, Segunda Turma, Desembargador Federal Jirair Aram
Meguerian, DJ 09/09/2002, e AMS 1997.01.00.040137-5/DF, Sexta Turma, Juiz
Souza Prudente, DJ 28/09/2001.) 2. A imposição de freqüência mínima às aulas por
parte da impetrada, sob pena de reprovação, é uma norma geral, aplicável a todos os
alunos que compõem seu corpo discente, independentemente da religião que
professam, não se caracterizando como violação a direito líquido e certo do
impetrante. Dessa forma, não há ofensa à liberdade de crença. 3. Visando a seguir os
postulados de sua religião e ciente das proibições que ela lhe traz, o impetrante
poderia ter optado pela inscrição em curso diurno ou requerido a alteração da
matrícula para esse período, razão por que não se pode creditar à faculdade o
impedimento de freqüência às aulas de sextas-feiras e sábados. 4. Não havendo
nenhum prejuízo a terceiros ou ofensa ao interesse público, com o cancelamento das
faltas atribuídas nas sextas-feiras e sábados e a oferta de tarefas escolares
alternativas, é desaconselhável a desconstituição de situação de fato consolidada há
mais de 6 (seis) anos, por força de decisão judicial, em virtude da possibilidade de
serem causados danos irreparáveis ao estudante. (Cf. STJ, ERESP 143.991/RN,
Primeira Seção, Min. Eliana Calmon, DJ 05/08/2002; RESP 201.453/RN, Primeira
Turma, Min. Milton Luiz Pereira, DJ 17/06/2002, e RESP 388.879/DF, Primeira
Turma, Min. Luiz Fux, DJ 15/04/2002.) 5. Apelação parcialmente provida,
136

resguardados os fatos consolidados já ocorridos. Remessa oficial prejudicada.365


O Tribunal ainda ressaltou que não se poderia creditar à Faculdade o
impedimento de freqüência no dia santificado pelo aluno, haja vista a existência de oferta da
mesma disciplina em outro horário. No caso concreto havia a possibilidade. Mesmo assim, o
Tribunal considerou que seria desaconselhável desconstituir esta situação fática consolidada
há mais de seis anos, julgando, portanto, parcialmente provida a apelação.
Em decisão mais recente, em 02/10/2006, o mesmo TRF da 1ª Região,
considerando que em razão de não estar em risco o interesse público nem ocorrer violação dos
princípios da igualdade, da impessoalidade e da moralidade entre outros, entendeu pela
possibilidade do abono de faltas ocorridas na disciplina ministrada no período de guarda.

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA.


ENSINO SUPERIOR. ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. LIBERDADE DE
CULTO (CF, ART. 5º, VI E VIII). ABONO DE FALTAS OCORRIDAS NA
DISCIPLINA MINISTRADA NO PERÍODO DE GUARDA. POSSIBILIDADE.
CONCLUSÃO DO CURSO. APLICAÇÃO DA TEORIA DO FATO
CONSUMADO.
I - Com a garantia de ser inviolável a liberdade de consciência e de crença (CF, arts.
5º,VI), "ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação
legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei"
(CF, art. 5º, VIII). II - O abono das faltas à disciplina ministrada no período de
guarda da aluna, membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, não põe em risco o
interesse público, nem configura, por si só, qualquer violação aos princípios da
igualdade, da impessoalidade, da moralidade nem da seriedade das normas
administrativas, posto que tal medida não implica em isenção de obrigação legal a
todos imposta, mas, tão-somente, em possibilitar o seu cumprimento, sendo a
estudante submetida às mesmas avaliações e atividades discentes, sem que seja
violado o seu direito fundamental à liberdade de crença religiosa. III - Na hipótese
dos autos, também deve ser preservada a situação fática consolidada pelo decurso do
tempo, uma vez que, amparada pela decisão judicial, assegurando a pretensão
deduzida no writ, a impetrante concluiu o curso superior. IV - Apelação e remessa
oficial desprovidas. Sentença confirmada.366
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, de forma semelhante, emanou
em um primeiro momento decisão que entendeu pela impossibilidade do abono de faltas, em
26/10/2005.

ADMINISTRATIVO. LIBERDADE DE CRENÇA RELIGIOSA. ADVENTISTA


DO SÉTIMO DIA. DIREITO DE ABONAR FALTAS E PRESTAR PROVAS DA
FACULDADE EM HORÁRIOS DIVERSOS DO PREVISTO.
IMPOSSIBILIDADE. - O direito à liberdade de crença religiosa, garantido no art.
5º, incisos VI e VIII, da Constituição não outorga ao impetrante a prerrogativa de
prestar prova de concurso em horário diverso dos demais candidatos. - Prevalência

365
TRF1. AMS 1997.01.00.006643-4/RO, Rel. Juiz João Carlos Mayer Soares (conv), Primeira Turma
Suplementar, DJ de 20/03/2003, p. 96.
366
TRF1. AMS 2005.42.00.001770-2/RR, Rel. Desembargador Federal Souza Prudente, Sexta Turma, DJ de
02/10/2006, p.136.
137

dos princípios constitucionais da legalidade e da igualdade em face do direito de


liberdade de crença. - Sucumbência mantida, fixada na esteira dos precedentes da
Turma. - Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões
de decidir. - Apelação improvida.367
Dois anos depois, em 07/11/2007, a mesma 3ª Turma do TRF da 4º Região,
alterando a orientação anterior, reconheceu ao impetrante o direito de freqüentar, em turno
distinto, as disciplinas cujo horário colida com a sua crença do repouso sabático. Em caso de
impossibilidade, em virtude de problemas da Universidade ou pessoais justificados, também
reconheceu o direito ao abono de faltas mediante atividades alternativas. A relatora do
acórdão destacou que não podem prevalecer os princípios da legalidade e da igualdade com o
sacrifício, no caso concreto, do direito à educação de aluno adepto de credo minoritário, além
de já existir na legislação federal hipóteses de abono de faltas que não entende como
violadoras do princípio da igualdade (gestantes e convocados para o serviço militar).

LIBERDADE DE CRENÇA. DIREITO À EDUCAÇÃO. PRINCÍPIOS DA


LEGALIDADE E DA IGUALDADE. 1. Não há falar em separação radical de
Estado/religião, permitindo a Constituição um âmbito de cooperação, mas não de
sujeição a credo nem imposição de religião nacional. Diferentes trajetórias culturais
e constitucionais, a justificar a recusa a um laicismo radical e a advogar o
reconhecimento, na ordem jurídica, do princípio da não-confessionalidade, assente
nos seguintes pilares: a) o Estado não adota qualquer religião, nem se pronuncia
sobre questões religiosas; b) nos atos oficiais e no protocolo do Estado não serão
observados símbolos religiosos; c) o Estado não pode programar a educação e a
cultura segundo diretrizes religiosas; d) o ensino público não pode ser confessional.
2. Havendo colisão entre distintos direitos fundamentais, não se pode conceber o
sacrifício cabal de qualquer dos bens jurídicos postos em questão, devendo-se
proceder à concordância prática entre eles, de forma que, estabelecendo limites aos
direitos envolvidos, possam ser estes, ao mesmo tempo, chegarem a uma "eficácia
ótima". Conseqüência das modernas teorias constitucionais, desde Konrad Hesse e a
força normativa da Constituição. 3. O princípio da igualdade supõe, ao lado de uma
"proibição de diferenciação", também uma "obrigação de diferenciação", ajustando-
se às desigualdades fáticas existentes, decorrente, no caso das convicções religiosas,
de as instituições políticas e sociais incorporarem as necessidades e interesses da
confissão majoritária. Discussão já assentada no direito estadunidense, na distinção
entre "direito a tratamento como igual" e "direito a um tratamento igual", e recebida
pela teoria constitucional portuguesa. 4. Não há como entender-se a prevalência dos
princípios da legalidade e da igualdade com o sacrifício, no caso concreto, do direito
à educação de aluno adepto de credo minoritário. Necessidade de respeito ao
"núcleo essencial" da liberdade de crença: liberdade de ter, não ter e deixar de ter
religião e a liberdade de livre escolha da crença, de mudar e de abandonar a própria
crença religiosa. Moderna doutrina de "liberdade religiosa", compatível com o
pluralismo de idéias, o princípio da não-confessionalidade, a tolerância e a
diversidade de culturas, crenças e idéias. Reconhecimento, como âmbito de proteção
do direito, a "união indissociável entre crença e conduta". 5. Direito reconhecido ao
impetrante tanto de freqüentar disciplinas que colidam com o respeito ao seu credo-
no caso, do pôr-do-sol de sexta-feira ao pôr-do-sol de sábado- em turno distinto,

367
TRF4. AC 2003.70.02.005660-9, Terceira Turma, Relator do Acórdão Silvia Maria Gonçalves Goraieb, DJ
26/10/2005. Aparentemente a ementa foi redigida com erro quando fala em “prestar prova de concurso em
horário diverso dos demais candidatos”, pois o inteiro teor do acórdão em nenhum momento trata desta matéria,
se restringindo ao tema do “abono de faltas”.
138

bem como, na impossibilidade em virtude de problemas da universidade ou pessoais


justificados, de abono de faltas. Critérios que não são avessos à legislação federal e
que se encontram reconhecidos para casos de problemas de saúde, alunas gestantes e
alunos convocados para o serviço militar obrigatório.368
Entendimento complementar é aquele que afirma que se a Instituição de
Ensino já oferece a disciplina em outro horário alternativo, a mesma não pode ser obrigada a
abonar faltas ou designar atividades alternativas. Assim decidiu369 o Tribunal de Justiça do
Paraná, em 30/10/2007, in verbis:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA - ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA -


PRETENSÃO DA APELANTE DE, POR CONVICÇÃO RELIGIOSA, TER
ABONADAS AS FALTAS ÀS AULAS DE SEXTA-FEIRA E OPORTUNIZADA
PRESTAÇÃO ALTERNATIVA - IMPOSSIBILIDADE - MATÉRIAS QUE SÃO
MINISTRADAS EM DIAS DIVERSOS DA SEMANA - POSSIBILIDADE DE
MATRÍCULA SEM PREJUÍZO DA CRENÇA RELIGIOSA - PRINCÍPIO DA
ISONOMIA - APELO DESPROVIDO.370
Em relação à freqüência em atividades de possíveis cursos de formação,
destinados aos pré-selecionados ou mesmo aos já aprovados, o TRF da 1ª Região, em
28/09/2001, entendeu que a justificativa das faltas por motivo religioso seria razoável,
considerando que as candidatas realizaram provas idênticas às dos demais candidatos.

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO ANP.


ADVENTISTAS DO SÉTIMO DIA. LIBERDADE DE CULTO, ART. 5º, VI E
VIII, CF. CURSO DE FORMAÇÃO. FALTA AOS SÁBADOS. JUSTIFICATIVA
RAZOÁVEL. Se a justificação de faltas ao Curso de Formação da ANP, nos dias de
sábado, não põe em risco interesse público, uma vez que as impetrantes realizarão
provas idênticas às dos outros candidatos, em que lhes será cobrado o assunto
explanado nas aulas a que estiveram ausentes, a liberdade de culto, no caso, não
afronta a ordem pública a há de ser assegurada em benefício da pretensão deduzida
nos autos. Apelação e remessa oficial desprovidas. Sentença confirmada, com
segurança definitiva.371
Contudo, no ano anterior, o mesmo TRF da 1ª Região considerou que os
candidatos ao curso de formação deveriam ter diligenciado no sentido de requerer atividades
alternativas, e devido à ausência deste requerimento não é cabível revisão judicial da medida
administrativa que os reprovou.

ADMINISTRATIVO - CONCURSO PÚBLICO - CURSO FORMAÇÃO -


CRITÉRIO DE AFERIÇÃO FREQÜÊNCIA - INSUSCETIBILIDADE DE
REVISÃO JUDICIAL – FALTAS ACIMA DO LIMITE PERMITIDO - MOTIVO
RELIGIOSO - LIBERDADE DE CRENÇA - LIMITAÇÃO - LEGALIDADE -
APELAÇÃO IMPROVIDA - SENTENÇA MANTIDA. I. O critério de apuração da

368
TRF4. AMS 2003.70.00.017703-1, Terceira Turma, Relator Maria Lúcia Luz Leiria, D.E. 07/11/2007.
369
No mesmo sentido julgou o TRF 2ª Região no AMS 69012, Processo 2005.50.01.012623-0, UF ES, Sétima
Turma, Relator Juiz Sergio Schwaitzer, DJU 08/10/2007.
370
TJPR. AC 0431105-1, Sétima Câmara Cível. Foz do Iguaçu. Rel.: Juiz Conv. Edison de Oliveira Macedo
Filho - Unanime - J. 30.10.2007.
371
TRF1. AMS nº 1000401375, Rel. Souza Prudente TRF-1ª Região Julg. 28/09/2001.
139

freqüência em curso de formação correspondente à segunda etapa de concurso


público, desde que não se afaste da legalidade estrita, não é suscetível de revisão
pelo Judiciário. II. Candidata que, por motivos de convicção religiosa, deixa de
comparecer às aulas ministradas aos sábados, ultrapassando o máximo de faltas
permitidas pelo regulamento, não pode invocar o direito de liberdade de crença para
se eximir de obrigação legal imposta a todos, se não diligenciou no sentido de requer
atividades. alternativas aptas a compensar os dias faltosos, nos termos do art. 5º,
inciso VIII, da CF/88. III. Apelações improvidas. IV. Sentença mantida.372
O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, reformando decisão de
primeira instância, também não reconhece o direito à liberdade religiosa aos observadores do
sábado quando confrontado com a obrigação de freqüência mínima nos cursos de formação,
alegando no caso a supremacia do interesse público. Tal entendimento se encontra em sentido
oposto ao que teve o TRF da 1ª Região na decisão anteriormente citada.

MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. DETETIVE. CURSO


DE FORMAÇÃO. AUSÊNCIA AOS SÁBADOS. CONVICÇÃO RELIGIOSA.
EDITAL. PREVISÃO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. AUSÊNCIA. INTERESSE
PÚBLICO. SENTENÇA REFORMADA. DENEGAÇÃO DA ORDEM.373
Quanto à questão das provas de concursos públicos e vestibulares que
ocorrem no sábado, as decisões se apresentam tanto no sentido de se conceder horário
alternativo, com a devida incomunicabilidade do candidato, quanto no sentido de se negar o
pedido por considerar que o Estado, sendo separado da religião, não poderia favorecer
denominação específica ou que o impedimento é criado pelo próprio candidato ao escolher a
crença religiosa da guarda do sábado. Estas posições divergentes são encontradas dentro do
mesmo Tribunal, assim como entre Tribunais de Regiões ou Estados diferentes.
Em 13/10/2004, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, numa Apelação
em Mandado de Segurança, modificou a sentença de primeira instância que concedia tutela ao
direito à liberdade religiosa.

CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA -


CONCURSO PÚBLICO PARA A ESCOLA DE MÚSICA DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - CANDIDATO QUE PROFESSA RELIGIÃO -
IMPEDIMENTO DE REALIZAR O CONCURSO NO DIA DE SÁBADO -
PRIVAÇÃO DE DIREITOS POR MOTIVO DE CRENÇA RELIGIOSA -
INEXISTÊNCIA - FIXAÇÃO DO DIA DA PROVA SOB PENA DE APLICAÇÃO
DE MULTA DIÁRIA - AGRAVO RETIDO - PENALIDADE AFASTADA. I - Não
se pode imputar a Administração Pública privação de direitos face ao impedimento
do Impetrante em realizar o concurso público em dia diverso do sábado, eis que o
obstáculo não é ato criado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e sim pelo
próprio Impetrante. II - Inexistente a obrigação de marcar a prova em data diversa do
estabelecido no Edital, conseqüentemente, fica afastada qualquer possibilita da

372
Idem. AMS nº 96.01.04890-1/DF, Rel. Juiz Lourival Gonçalves De Oliveira (conv), Primeira Turma, DJ de
15/05/2000.
373
TJMG. AMS nº 1.0024.04.521642-1/001 – Belo Horizonte, Relator: Des. Hugo Bengtsson, Publ, em
26/08/2005.
140

aplicação da penalidade. III - Apelação e Remessa Necessária providas e Agravo


Retido provido.374
No ano seguinte, o mesmo Tribunal invoca o princípio da vinculação ao
edital e de que a prevalência do interesse público estaria ressalvada no art. 5º, inc. VIII da
CF/88 para negar a possibilidade de prestação de exames em condições especiais.

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRESTAÇÃO DE EXAME EM


CONDIÇÕES ESPECIAIS. LIBERDADE DE CRENÇA RELIGIOSA. - O escopo
principal do certame é propiciar a toda coletividade igualdade de condições no
serviço público, pactuando-se normas preexistentes entre os dois sujeitos da relação
editalícia, sendo defeso ao candidato vindicar direito alusivo a quebra de condutas
lineares, universais e imparciais adotadas para o concurso público. - O art. 5º, inciso
VIII, da Constituição Federal faz ressalva pela prevalência do interesse público
sobre o particular, quando determina a não-privação de direitos por motivo de crença
religiosa, salvo se o cidadão a invocar para eximir-se de obrigação legal a todos
imposta. - Em que pese o direito individual do cidadão à observância de sua crença
religiosa, o Poder Público não pode ser obrigado a se submeter às exigências daí
advindas, como condicionante da prática de atos administrativos, sob pena de
colocar em risco, no caso de concurso público, a observância da simultaneidade e
sigilo, necessários à validade do mesmo. - Agravo de instrumento provido.375
Por outro lado, o TRF da 3ª Região, em 22/06/2006, deu provimento a uma
Apelação no sentido de permitir que um candidato fizesse a prova de digitação em data que
não implicasse ofensa à liberdade religiosa, invocando como fundamento a aplicação do
princípio da máxima efetividade em matéria de hermenêutica constitucional.

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO.


IMPETRANTE MEMBRO DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA.
PROVA DE DIGITAÇÃO PREVISTA NO EDITAL PARA SER REALIZADA
EM DOIS DIAS, SÁBADO OU DOMINGO. POSSIBILIDADE DE ESCOLHA,
PELA AUTORIDADE IMPETRADA, DE DATA QUE NÃO IMPORTE OFENSA
À LIBERDADE RELIGIOSA. INTERPRETAÇÃO DO CASO À LUZ DO
PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE EM MATÉRIA DE DIREITOS
FUNDAMENTAIS. 1. A realização de prova em concurso público, por força da
liminar concedida, não exaure o objeto do mandado de segurança. Sendo possível
que a autoridade impetrada persista na prática do ato aqui discutido ou invalide os
atos subseqüentes do concurso, subsiste o interesse processual da impetrante quanto
ao julgamento de mérito. 2. Incidência da regra do art. 515, § 3º, do Código de
Processo Civil. 3. A liberdade religiosa e o direito de não ser privado de direitos por
motivos religiosos (art. 5º, VI e VIII, da CF 88), como quaisquer direitos
fundamentais, não são absolutos. Aplica-se a eles, no entanto, o princípio da máxima
efetividade em matéria de hermenêutica constitucional, que impõe um resultado de
interpretação que dê a esses direitos maior eficácia possível. 4. Alegações de
desrespeito à isonomia e à impessoalidade administrativa, assim como à vinculação
ao edital, que não se aplicam ao caso, já que o próprio edital previu a realização da
prova em dias distintos e que vários outros candidatos se submeteram à prova no
domingo. 5. Permitido ao administrador público que designasse, de forma
indiferente, um ou outro dia para realização da prova da impetrante, a interpretação
que melhor se afeiçoa à máxima efetividade da liberdade religiosa seria aplicá-la no

374
TRF2. AMS 47217, Proc. Nº 2001.51.01.021679-2, Quinta Turma. Relator Juiz Franca Neto, DJU
13/10/2004, p. 186.
375
Idem. AG 131489, Proc. Nº 2004.02.01.011054-0, Sexta Turma. Relator Juiz Fernando Marques, DJU
18/04/2005, p. 293.
141

domingo, juntamente com os diversos outros candidatos ao mesmo certame, sem


desrespeitar os valores constitucionais e legais próprios do concurso público e
mesmo sem maiores contratempos administrativos. 6. Apelação a que se dá
provimento.376
De igual modo, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná concedeu a
segurança definitiva em 27/03/2003, garantindo o direito de realizar a prova escrita em
horário compatível com a religião dos observadores do sábado.

MANDADO DE SEGURANÇA - CONCURSO PÚBLICO - PROVA ESCRITA A


SER REALIZADA EM UM SÁBADO – CANDIDATOS MEMBROS DA IGREJA
ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA - SÁBADO COMO DIA SAGRADO - PROVA
QUE DEVE SER REALIZADA EM HORÁRIO COMPATÍVEL COM A
RELIGIÃO DOS IMPETRANTES - LIBERDADE DE CRENÇA E DIREITO DE
ACESSO À FUNÇÃO PÚBLICA ASSEGURADOS CONSTITUCIONALMENTE
– SEGURANÇA DEFINITIVAMENTE CONCEDIDA. A atuação da
Administração Pública deve ser pautada pelos princípios da liberdade de crença e
acesso à função pública, buscando harmonizá-los e compatibilizá-los. O fato dos
impetrantes realizarem a prova em outro horário, que obedeça à sua crença religiosa,
não prejudica os demais candidatos e muito menos confere qualquer privilégio
àqueles.377
No entanto, este não foi o entendimento adotado pelo Tribunal de Justiça de
Rondônia no acórdão proferido em 17/04/2007, in verbis:

CONCURSO PÚBLICO. ADVENTISTA. EDITAL. REALIZAÇÃO DE PROVA


AO SÁBADO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. A garantia
constitucional de liberdade de crença não garante ao candidato violar as regras
contidas no edital do certame, destinadas a todos indistintamente, porquanto à
Administração é vedado criar, no transcorrer do concurso, novos critérios de
avaliação ou calendário especial, notadamente se ensejarem tratamento diferenciado
a alguns poucos.378
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região é um dos que apresentam
considerável quantidade de decisões a respeito da matéria aqui analisada, e ao mesmo tempo
apresenta decisões divergentes proferidas pela mesma Turma em pequeno espaço de tempo.
Exemplo disso é o acórdão proferido pela Terceira Turma, publicado em 14/01/2004, cuja
relatora foi a Desembargadora Sílvia Maria Gonçalves Goraieb. Neste acórdão é reconhecido
o direito de se prestar prova em horário diverso do determinado pelo edital, in verbis:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO.


DIREITO DE PRESTAR PROVA EM HORÁRIO DIVERSO DO
DETERMINADO. CRENÇA RELIGIOSA. POSSIBILIDADE. A Constituição
Federal, em seu art. 5º, VIII, estabelece que "ninguém será privado de direitos por
motivos de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se os
invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir

376
TRF3. AMS 240650, Proc. Nº: 2002.61.00.000026-5, Terceira Turma, Relator Juiz Renato Barth, DJU
22/06/2006.
377
TJPR. MS 0132338-8, IV Gru. de C.Cíveis - Curitiba - Rel.: Des. Celso Rotoli de Macedo - Por maioria - J.
27/03/2003.
378
TJRO. Apelação Cível, nº 10000120050144439, Rel. Des. Renato Martins Mimessi, J. 17/04/2007.
142

prestação alternativa, prevista em lei". Se o impetrante compareceu ao local


determinado, ficando em sala reservada, mas sob fiscalização, e iniciou o exame às
18h21min, facultado a qualquer interessado o acompanhamento da realização da sua
prova, interesse público e direito individual do impetrante à liberdade de crença e
consciência preservados, sem prejuízo aos demais candidatos. Medida liminar que
produziu seus efeitos de forma definitiva, cabendo atender ao dever do Estado de
assegurar a estabilidade das relações jurídicas constituídas por força de decisão
judicial. Remessa oficial improvida.379
No ano seguinte, em 21/09/2005, a mesma Turma do TRF da 4ª Região
julgou semelhante pedido em sentido diverso, sendo registrado que este acórdão teve a mesma
relatora do supracitado.

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LIBERDADE DE


CRENÇA RELIGIOSA. ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. DIREITO DE
PRESTAR PROVA DE CONCURSO EM HORÁRIO DIVERSO DO PREVISTO.
IMPOSSIBILIDADE. - Remessa oficial considerada interposta. - O direito à
liberdade de crença religiosa, garantido no art. 5º, incisos VI e VIII, da Constituição
não outorga ao impetrante a prerrogativa de prestar prova de concurso em horário
diverso dos demais candidatos. - Prevalência dos princípios constitucionais da
legalidade e da igualdade em face do direito de liberdade de crença. -
Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de
decidir. - Apelação e remessa oficial providas.380
O Desembargador Luiz Carlos de Castro Lugon, no interstício das duas
decisões anteriores, em 11/08/2004, proferiu voto favorável a pleito semelhante, sendo o voto
acompanhado pela Terceira Turma do TRF da 4ª Região.

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO.


DIREITO DE PRESTAR PROVA EM HORÁRIO DIVERSO DO
DETERMINADO. CRENÇA RELIGIOSA. POSSIBILIDADE. - A liberdade de
culto, assegurada pela Constituição Federal, deve, sempre que possível, ser
respeitada pelo Poder Público na prática de seus atos. Ela compreende, além da
garantia de exteriorização da crença, a garantia de fidelidade aos hábitos e cultos,
como no caso concreto, em que o sábado é considerado dia de guarda para a religião
dos impetrantes.381
De igual modo, a Quarta Turma do mesmo Tribunal entendeu, em
24/01/1996, ser possível a realização de prova em horário diferenciado, em razão da crença
religiosa do candidato.

ADMINISTATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA OFICIAL.


DIREITO DE PRESTAR PROVA FÍSICA DE CONCURSO EM DIA DIVERSO
DO DETERMINADO. LIBERDADE DE CRENÇA RELIGIOSA. 1. Tratando-se
de prova física, sem necessidade de sigilo ou simultaneidade, não há prejuízo ao
interesse público, nem ao procedimento do concurso, se por força de liminar a
impetrante realizou a prova em momento não-conflitante com usa crença religiosa,
por pertencer a Igreja Adventista do Sétimo Dia, que tem o sábado como dia de

379
TRF4. REO 2002.70.00.069053-2, Terceira Turma, Relatora: Des. Silvia Maria Gonçalves Goraieb, DJ
14/01/2004.
380
Idem. AMS 2004.72.00.017119-0, Terceira Turma, Relatora: Des. Silvia Maria Gonçalves Goraieb, DJ
21/09/2005.
381
TRF4. REO 2002.70.00.068143-9, Terceira Turma, Relator Luiz Carlos de Castro Lugon, DJ 11/08/2004.
143

guarda. 2. Resguardo do princípio constitucional que assegura a liberdade de crença


e de consciência, bem como aqueles que regem a administração quando se trata de
concurso público. 3. Remessa oficial improvida.382
Contudo, a Quarta Turma do TRF da 4ª Região, em 20/08/2007, entendeu
que no confronto do Direito Constitucional à liberdade de crença e dos princípios da
legalidade, igualdade e isonomia, estes últimos devem prevalecer, negando a possibilidade da
realização da prova em horário alternativo.

ADMINISTRATIVO. CONCURSO VESTIBULAR. HORÁRIO ALTERNATIVO.


MOTIVO RELIGIOSO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Discute-se nos autos o direito dos
impetrantes participarem de concurso vestibular realizado em novembro de 2006 em
horário alternativo. Portanto, o pedido realizado na inicial era restrito à participação
no concurso, e tendo este sido realizado, perde o objeto a presente ação. 2. A
jurisprudência é tranqüila no sentido do indeferimento da pretensão dos impetrantes.
O objeto do presente recurso coloca em confronto direitos assegurados
constitucionalmente, ou seja, o direito a liberdade da crença religiosa em face dos
princípios da legalidade, igualdade e isonomia, sendo que deve prevalecer estes
últimos.383
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em sua primeira manifestação
sobre a matéria analisada neste trabalho, não reconheceu o pedido de realizar a prova em
horário diferente do estabelecido em edital, conforme o acórdão de 17/12/1990, in verbis:

CONSTITUCIONAL. ESCUSA DE CONSCIÊNCIA. ART. 5º, CAPUT, E INCISO


VIII DA CF/88. INTERPRETAÇÃO. Estabelecer, em nome da escusa de
consciência, um horário diferente para que adventistas realizem provas de vestibular,
resguardando obrigações de seu culto, importa ao Estado – que é leigo e separado da
religião – fazer discriminação favorecedora daqueles que professem determinada fé,
o que é proibido pela constituição. Exegese conjunta e sistemática do art. 5º, caput, e
inciso VIII da Carta em vigor.384
Em decisão mais recente, adotando nova orientação, o TRF da 1ª Região
confirmou medida liminar em mandado de segurança, entendendo cabível o estabelecimento
de horário diferenciado para a realização de vestibular compatível com os preceitos religiosos
dos impetrantes, que eram observadores do sábado:

PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE CRENÇA


RELIGIOSA. INCISO VI DO ARTIGO 5º DA CF/88. VESTIBULANDOS.
ADVENTISTAS DO 7º DIA. LIMINAR PARA GARANTIR A PARTICIPAÇÃO
EM EXAME VESTIBULAR. PROVAS REALIZADAS E HORÁRIO ESPECIAL.
PRESENÇA DOS REQUISITOS CONSTANTES NO INCISO II DO ARTIGO 7º
DA LEI Nº 1.533/51. CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR.
I – Adventistas do 7º Dia. Vestibular realizado em horário compatível com os
preceitos religiosos dos impetrantes/agravados. Presença de relevância na
fundamentação jurídica sustentada. Precedentes desta corte Federal (v.g. AMS
1997.01.00.040137-5, publicado em 28.09.2001). II – No Agravo de Instrumento
deve ser aferida a presença dos pressupostos aptos a justificarem a concessão da

382
Idem. REO 9504092560/RS, Quarta Turma, Relatora.: Juíza Silvia Goraieb, Quarta Turma, DJ:24/01/1996,
383
Idem. AMS 2006.70.00.028865-6, Quarta Turma, Relator Marga Inge Barth Tessler, D.E. 20/08/2007
384
TRF. REO 90.01.01978-1/GO, Relator Juiz Hércules Quasímodo, Segunda Turma, DJ 17/12/1990. p.30767.
144

media liminar, o que ocorre in casu. Logo, neste pormenor, não merece censura a
decisão recorrida. III – Agravo de Instrumento desprovido.385
Oportuno registrar que o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em
acórdão publicado em 25/01/2007, a despeito de não reconhecer o direito de se prestar prova
em horário distinto, aplicou a teoria do fato consumado por considerar inviável a
desconstituição dos efeitos da tutela que tinha sido antecipada.

AÇÃO ORDINÁRIA. CONCURSO PÚBLICO. DIREITO DE PRESTAR PROVA


EM HORÁRIO DISTINTO DO DETERMINADO. CRENÇA RELIGIOSA.
MEMBRO DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. I. O indeferimento do
pedido de realização das provas discursivas, fora da data e horário previamente
designados, não contraria o disposto nos incisos VI e VIII, do art. 5º, da CR/88, em
razão de não poder adotar a Administração, após publicado o edital, critérios de
avaliação discriminada entre os candidatos. II. Consolidada situação de fato, ante o
deferimento da antecipação dos efeitos da tutela, inviável a sua desconstituição. III.
Apelação prejudicada.386
Com esse mesmo entendimento, o TRF da 1ª Região tem manifestado
reiteradamente que é recomendável se manter a situação consolidada, não a desconstituindo
caso a medida liminar que permita ao candidato realizar a prova em horário diferenciado seja
confirmada pela concessão da segurança. Neste sentido, o acórdão in verbis:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO


PARA PROVIMENTO DE CARGOS DE ADVOGADO DA UNIÃO.
ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. REALIZAÇÃO DE PROVA EM HORÁRIO
DIVERSO DO ESTABELECIDO NO EDITAL. LIMINAR DEFERIDA.
SEGURANÇA CONCEDIDA. SITUAÇÃO DE FATO CONSOLIDADA.
PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL E DO STJ. 1. Concedida a liminar para o
candidato realizar a prova do concurso público para provimento de cargos de
Advogado da União, após às 18h (dezoito horas) do sábado, e obtendo ele a
concessão da segurança, exsurge situação de fato consolidada, cuja desconstituição
não se recomenda, por não haver prejuízo a terceiro ou ofensa ao interesse público.
2. Remessa oficial improvida. 387
Cumpre registrar que se o fundamento para não se desconstituir a situação
consolidada é a inocorrência de prejuízo a terceiro ou ofensa ao interesse público, esse mesmo
fundamento deveria ser utilizado para a concessão inicial da segurança quando solicitada.
Em verdade, uma sucinta abordagem do conceito de interesse público se
385
TRF1. AG 2001.01.00.050436-4/PI, Rel.: Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Segunda Turma,
DJ. 09/09/2002, p. 41
386
TRF5. AC 132426, Proc. Nº 2006.84.00.001496-9, Quarta Turma. Relator Des. Margarida Cantarelli, DJU
25/01/2007, p. 334.
387
TRF1. REOMS 2006.34.00.006094-4/DF, Rel. Desembargadora Federal Selene Maria De Almeida, Quinta
Turma, DJ de 18/12/2006, p.227. No mesmo sentido as seguintes decisões do TRF1: REOMS
2005.34.00.036865-8/DF, Rel. Desembargador Federal João Batista Moreira, Quinta Turma, DJ de 21/09/2007,
p.92; REOMS 2006.34.00.003967-0/DF, Rel. Desembargador Federal João Batista Moreira, Quinta Turma, DJ
de 21/09/2007, p.100; REOMS 2003.34.00.041108-7/DF, Rel. Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro,
Sexta Turma, DJ de 30/10/2006, p.209; REOMS 2005.35.00.016097-6/GO, Rel. Desembargador Federal Daniel
Paes Ribeiro, Sexta Turma, DJ de 30/10/2006, p.215; REO 2002.34.00.019633-2/DF, Rel. Desembargador
Federal Fagundes De Deus, Quinta Turma, DJ de 31/05/2004, p.93.
145

torna oportuna, haja vista a freqüência com que este postulado é invocado nas decisões
judiciais, ora relacionadas, sem maiores esclarecimentos de sua aplicabilidade ao caso
concreto.
Considerando que alguns defendem a idéia de Estado como uma espécie de
“Midas” – aquele que, em tudo que toca se transforma em interesse público – cumpre
questionar a entronização do interesse público num grau hierárquico superior àquele ocupado
pelos direitos e liberdades individuais. A doutrina não é uniforme e o tema sempre gera
longas discussões (o que não é cabível se estender aqui) em razão da expressão “interesse
público” ser um conceito indeterminado, plurissignificativo, de difícil – mas não impossível –
definição.
Dois renomados juristas, a seguir citados, delineiam com primor e síntese os
contornos do “interesse público” que tão veementemente costuma ser alegado pela
Administração Pública e mesmo por parte do Judiciário. Primeiramente Marçal Justen Filho
apresenta uma análise do que não é o “interesse público”, in verbis:

O interesse público não se confunde com o interesse do Estado, com o interesse do


aparato administrativo ou do agente público. É imperioso tomar consciência de que
um interesse é reconhecido como público porque é indisponível, porque não pode
ser colocado em risco, porque suas características exigem a sua promoção de modo
imperioso.
Afirma-se que o princípio da supremacia e indisponibilidade do interesse público é o
alicerce fundamental do Direito Público, o que seria suficiente para legitimar as
decisões adotadas pelos administradores. Ora, juridicamente, o titular do interesse
público é o povo, a sociedade (no seu todo ou em parte). Mas os governantes
refugiam-se neste princípio para evitar o controle de seus atos pela sociedade.
Fundamentar decisões no “interesse público” produz a adesão de todos, elimina a
possibilidade de crítica. Mais ainda, a invocação do “interesse púbico” imuniza as
decisões estatais ao controle e permite que o governante faça o que ele acha deve ser
feito, sem a comprovação de ser aquilo, efetivamente, o mais compatível com a
democracia e com a conveniência coletiva.388
Luís Roberto Barroso complementa as colocações de Marçal Justen Filho ao
fazer distinção entre o interesse público primário e o secundário, ressaltando qual destes é o
que vem a desfrutar de supremacia sobre o interesse particular:

O interesse público primário é a razão de ser do Estado, e sintetiza-se nos fins que
cabe a ele promover: justiça, segurança e bem-estar social. Estes são os interesses de
toda a sociedade. O interesse público secundário é o da pessoa jurídica de direito
público que seja parte em uma determinada relação jurídica – quer se trate da União,
do Estado-membro, do Município ou das suas autarquias. Em ampla medida, pode
ser identificado como o interesse do erário, que é o de maximizar a arrecadação e

388
JUSTEN FILHO, Marçal apud BORGES, Alice Gonzalez. Supremacia do Interesse Público: “Desconstrução
ou Reconstrução?”. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, nº. 15,
jan/fev/mar de 2007. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 10 jun. 2007, p. 5-6.
146

minimizar as despesas.
[...] essa distinção não é estranha à ordem jurídica brasileira. É dela que decorre, por
exemplo, a conformação constitucional das esferas de atuação do Ministério Público
e da Advocacia Pública. Ao primeiro cabe a defesa do interesse público primário; à
segunda, a do interesse público secundário. Aliás, a separação clara dessas duas
esferas foi uma importante inovação da Constituição Federal de 1988.
[...]
O interesse público secundário não é, obviamente, desimportante. Observe-se o
exemplo do erário. Os recursos financeiros provêem os meios para a realização do
interesse primário, e não é possível prescindir deles. Sem recursos adequados, o
Estado não tem capacidade de promover investimentos sociais nem de prestar de
maneira adequada os serviços públicos que lhe tocam. Mas, naturalmente, em
nenhuma hipótese será legítimo sacrificar o interesse público primário com o
objetivo de satisfazer o secundário. A inversão da prioridade seria patente, e
nenhuma lógica razoável poderia sustentá-la.
O interesse público secundário – i.e, o da pessoa jurídica de direito público, o do
erário – jamais desfrutará de supremacia a priori e abstrata em face do interesse
particular.389
O princípio da “supremacia do interesse público” é apenas um dos exemplos
de conceitos jurídicos que foram invocados na maior parte dos acórdãos analisados sem que
houvesse maiores discussões sobre o seu conteúdo. De igual modo ocorreu com o princípio da
laicidade – separação entre Igreja e Estado. Os julgadores têm reputado a laicidade apenas
como a neutralidade formal, isto é, a impossibilidade de o Estado impor prejuízos ou conceder
benefícios em virtude da afiliação religiosa. Contudo, como explanado no Capítulo 3, o
princípio do Estado laico não significa a indiferença da Administração Pública em relação ao
fato religioso de seus cidadãos. Letícia de Campos Velho Martel, a respeito da laicidade
estatal, acrescenta:

promover a inclusão de pessoas vinculadas a agremiações minoritárias por meio de


políticas afirmativas ou mediante a igualdade material torna-se uma tarefa árdua, eis
que aparentemente não-neutra. Ocorre que a neutralidade estatal em matéria
religiosa é intensamente problemática. Só para ilustar, tem-se que normas gerais
podem impactar adversamente minorias religiosas ou, ao revés, favorecer
grupamentos mais tradicionais numa dada comunidade.390
A mesma autora constatou que nos acórdãos, cujo conteúdo trata do direito
à liberdade religiosa – com relação à crença do descanso semanal enquanto dia sagrado –
frente às obrigações legais a todos impostas, como os casos neste trabalhado analisados,
prepondera a compreensão do Direito Administrativo nos moldes tradicionais, caracterizado
pelo apego aos princípios da igualdade formal, da estrita legalidade e da supremacia e

389
BARROSO, Luís Roberto apud BORGES, Alice Gonzalez, op. cit., p.6-7.
390
MARTEL, Letícia de Campos Velho. “Laico, mas nem tanto”: cinco tópicos sobre liberdade religiosa e
laicidade estatal na jurisdição constitucional brasileira. Revista Jurídica. Brasília, v. 9, n. 86, p.11-57, ago./set.,
2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_86/Artigos/PDF/LeticiaCampos_rev
86.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2007, p. 47.
147

indisponibilidade do interesse público, se mostrando menos permeável aos Direitos


Fundamentais.
Por essa razão, segundo a autora, a fundamentação das decisões se
apresenta, em algumas ocasiões, por meras invocações retóricas de postulados, como o já
mencionado “interesse público” ou o da igualdade, sem que se determinassem seus conteúdos
nem maior aprofundamento argumentativo a respeito dos mesmos. Diante disto, assevera a
autora:

Essa constatação não autoriza sustentar que os magistrados devem endossar uma ou
outra postura teórica nas exposição das razões de decidir. Trivial dizer que os
operadores do direito podem filiar-se às teses jurídicas e filosóficas mais diversas,
desde que possíveis segundo a lógica constitucional vigente. Quer-se simplesmente
salientar que quando se anuncia um método de exame para o caso, sua trilha deve
ser seguida, sob pena de incorrer-se no que se pode denominar déficit de
fundamentação.391
Outro aspecto a ser observado nas decisões aqui analisadas, como também
ressaltou Letícia de Campos Velho Martel392, é a falta de um padrão interpretativo, ficando
claro que, por vezes, no mesmo Tribunal – como no TRF da 4ª Região, foram proferidos
acórdãos radicalmente distintos diante de situações idênticas. O mesmo pode ser dito em
relação aos acórdãos de diferentes Tribunais.

5.6 PROJETO DE LEI FEDERAL Nº 5/1999 E NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS

Como já exposto neste trabalho, os guardadores do sábado entendem que o


direito ao livre exercício de sua crença religiosa concomitante ao pleno exercício da cidadania
tem por fundamento principal o direito de objeção de consciência previsto na Constituição
Federal de 1988, que garante que ninguém será privado de direito por motivo de crença
religiosa (art. 5º, inc. VIII).
No entanto, a norma citada não é o único dispositivo constitucional que
fundamenta o direito à liberdade religiosa e o pleno exercício da cidadania. O preâmbulo
constitucional, analisado no capítulo anterior, estabelece que o escopo para se instituir o
Estado Democrático é assegurar o exercício de direitos como liberdade, “igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na
harmonia social”. O art. 1º fixa os fundamentos deste Estado Democrático de Direito

391
MARTEL, Letícia de Campos Velho, op. cit., p. 45.
392
Ibidem, loc. cit.
148

relacionando valores que amparam o direito à liberdade religiosa, como a cidadania (inc. II), a
dignidade da pessoa humana (inc. III) e o pluralismo político (inc. V). No art. 3º está
determinado que dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil estão o
de “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, conforme inciso I, e o de “promover o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação”, conforme inciso IV.
Assim é que no caput do artigo 5º se estabeleceu o que se chama de
princípio da igualdade ao dispor que “todos são iguais perante a lei”, além de garantir a
inviolabilidade desse direito e do direito à liberdade, inclusive à liberdade religiosa. Para não
restar dúvidas sobre isto, o legislador constitucional consagrou no mesmo artigo a liberdade
de pensamento (inc. IV), a liberdade de consciência e crença (inc. VI) e como acima dito o
direito à objeção ou escusa de consciência (inc. VIII).
Nesse sentido, o direito à crença do descanso semanal enquanto dia sagrado
está amplamente protegido pela CF/1988 por se tratar de uma crença religiosa em que se
entende o dever de adoração à divindade, estando o Estado brasileiro pautado no regime
democrático, objetivando uma sociedade livre e a promoção do bem de todos sem qualquer
preconceito. Ademais, não se pode olvidar que dentre os seus fundamentos se encontram a
cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político.
Infelizmente, conforme visto, não é esse o entendimento de parte da
jurisprudência nem de boa parte da Administração Pública brasileira. Entendem que o
interesse do indivíduo não deve se sobrepor aos interesses do Estado e que por inexistir norma
especifica que regulamente o direito ao repouso semanal enquanto dia sagrado, este não
encontra guarida no ordenamento jurídico pátrio. Ressalte-se, como exemplo, que este é o
entendimento do Ministério da Educação e Cultura, conforme os pareceres anteriormente
analisados.
Existe também um aspecto peculiar a ser registrado. Letícia de Campos
Velho Martel fez um levantamento jurisprudencial sobre o tema, e constatou que em cerca de
93,10% dos casos393 os postulantes eram membros da mesma Instituição Religiosa, a saber,
Igreja Adventista do Sétimo Dia394. A autora então conclui que:

393
MARTEL, Letícia de Campos Velho, op. cit., p. 47.
394
Registre-se mais uma vez que, segundo informação do Relatório Estatístico da Secretaria da Divisão Sul-
Americana da Igreja Adventista do 7º Dia, no ano de 2006, a Igreja teria alcançado o número de 1.377.764
membros batizados no Brasil. Disponível em: <http://www.igrejaadventista.org.br/relatorio/dsa_3_2007.doc>.
Acesso em: 26 ago 2007.
149

as normas atinentes à educação pública e aos concursos públicos, ainda que editadas
sem qualquer intento discriminatório (neutras na origem ou prima facie), possuem
efeitos colaterais sobre uma minoria religiosa específica. Novamente, disso não se
pode extrair que a minoria possua um direito fundamental preponderante, mas há
motivos suficientes para aproximar-se do caso com um olhar ciumento,
assegurando-se de que o impacto sobre os interesses da minoria não se dá
exclusivamente em função de um interesse administrativo secundário ou de direitos
de terceiros que facilmente poderiam ser salvaguardados de outros modos. Trata-se
de proporcionar a grupos excluídos uma arena de participação, apta a desobstruir
canais democráticos e a evitar que pré-concepções compartilhadas atinjam núcleos
vitais da autonomia e da construção da identidade dos membros de uma sociedade
democrática.395
Na tentativa de contornar esse problema o então Deputado Federal Silas
Brasileiro apresentou na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 5 de 1999396 em que se
estabelece no art. 1º que “as provas de concursos públicos para ingresso na Administração
Pública federal direta, indireta ou fundacional, realizar-se-ão aos domingos”. Em sua
justificativa para tal projeto esclarece que “objetiva impedir a realização de concursos
públicos aos sábados, pois tal procedimento tem excluído muitos cidadãos que, por motivo de
crença religiosa, são impedidos de praticar determinadas atividades nesse dia da semana”,
considerando também que tal medida não causaria transtornos para a Administração Pública.
Em 31 de outubro de 2000, depois de apensados outros projetos que
tratavam do mesmo assunto (Projetos de lei nº 1413/1999, 1414/1999, 1427/1999, 1807/1999,
2176/1999 e 2177/1999), o Dep. Federal Babá, relator da matéria na Comissão de Trabalho,
de Administração e Serviço Público (CTASP), emitiu parecer favorável ao mesmo tempo em
que apresentou substitutivo ao Projeto de Lei nº 5/1999 e seus apensos nos seguintes termos:

Art. 1º - As provas de concursos públicos e de exames vestibulares promovidas por


instituições públicas ou privadas serão realizadas no período de Domingo a Sexta-
feira, no horário compreendido entre 08h00 (oito horas) e 18h00 (dezoitos horas).
§1º - quando a entidade organizadora tiver necessidade de realizar as provas no da
de Sábado, deve permitir ao candidato que alegue e prove convicção religiosa, a
alternativa de realização das provas após as 18h00 (dezoito horas) do dia em questão
(Sábado).
§2º - na hipótese do parágrafo anterior, o candidato ficará incomunicável desde o
horário regular previsto para exames, até o início do horário alternativo previamente
estabelecido.
Art. 2º - Os estabelecimentos de ensino da rede pública e privada, abonarão as faltas
de alunos que, por motivo de crença religiosa, estejam impedidos de freqüentar aulas
das 18h00 (dezoito horas) de Sexta-feira até 18h00 (dezoito horas) do Sábado.
§1º - Para beneficiar-se do disposto neste artigo, o aluno apresentará ao
estabelecimento de ensino, declaração da entidade religiosa a que pertence, com
firma reconhecida, atestando sua condição de membro congregante.

395
MARTEL, Letícia de Campos Velho, op. cit., p. 47-48.
396
BRASIL. Projeto de Lei 5/1999. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/MostrarIntegra.asp?CodTe
or=20421>. Acesso em: 12 dez. 2006.
150

§2º - O estabelecimento de ensino exigirá do aluno a realização de tarefa alternativa


que supra a falta abonada.
Art. 3º - Responderá por crime de falsidade ideológica, capitulado no art. 299 do
Código Penal Brasileiro, quem se utilizar indevidamente do disposto nesta Lei.397
Nestes termos, se referido projeto se converter em lei deixará claro o direito
de se observar o sábado como dia sagrado concomitante ao pleno exercício da cidadania,
especificamente em relação ao direito à educação e acesso aos cargos e empregos públicos.
O substitutivo do Deputado Federal Babá não determina de forma absoluta
dia específico para a realização de vestibulares ou concursos públicos. Simplesmente
“recomenda”, por via inversa, a não-realização da prova no sábado, permitindo que ocorra o
certame nesse dia, em caso de necessidade da entidade organizadora da seleção. Neste caso,
dispõe o referido substitutivo, que se deva garantir ao candidato, que alegue e prove a sua
convicção religiosa, a alternativa de realizar as provas após as 18 horas do sábado, ficando o
mesmo incomunicável desde o horário estabelecido para o comparecimento dos demais
candidatos no local de prova.
Deve ser observado também que o projeto não só garante o direito dos
observadores do sábado de preservar a sua crença religiosa com a possibilidade de acesso aos
cargos ou empregos públicos e ao ensino superior, como também o direito à educação ao
instituir o abono de faltas desde que compensadas com uma atividade alternativa.
Tendo sido o substitutivo aprovado por unanimidade pela Comissão de
Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP), referido projeto e apensos se
submeteram à apreciação da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).
Referida Comissão aprovou o substitutivo no sentido da constitucionalidade, juridicidade e
boa técnica legislativa, fazendo a ressalva que “tais projetos de lei não visam ferir o direito de
igualdade, comum a todos. Busca justamente dar condições iguais de opção religiosa, assim
não se cria nenhum impasse entre a obrigação humana e a própria questão religiosa”398.
Depois de ter recebido aprovação unânime nas comissões pertinentes, e
estando pronto para entrar na pauta de votação em plenário desde 11 de abril de 2002, ao
citado projeto de lei ainda foram apensados os projetos de lei nos. 5666/2001, 7001/2002,
7030/2002, 7125/2002, 2664/2003, 5446/2005, 6304/2005, 6663/2006, 6809/2006 e 8/2007.

397
BRASIL. Projeto de Lei 5/1999. Substitutivo apresentado em 23 nov. 2000. Disponível em: <http://www.ca
mara.gov.br/sileg/MostrarIntegra.asp?CodTeor=65448>. Acesso em: 12 dez. 2006.
398
BRASIL. Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 5/1999. Parecer
apresentado em 20 mar. 2002. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/MostrarIntegra.asp?CodTeor=1
99794>. Acesso em: 11 jun. 2007.
151

Entretanto, mesmo estando com status “pronto para a pauta”, se constata no relatório de
tramitação disponível no site da Câmara dos Deputados399 que o projeto foi arquivado. Não há
registro de ordem de arquivamento, mas desde 06 de fevereiro de 2007 até o momento
constam 3 (três) pedidos de desarquivamento, sendo todos indeferidos com o fundamento de
os pedidos não atenderem ao art. 105, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados400.
Contudo, inexplicável é que o mencionado projeto não deveria estar arquivado, pois tendo
pareceres favoráveis de todas as comissões cabíveis, se enquadraria na exceção prevista no
citado art. 105, caput e inciso I, do Regimento Interno.
Enquanto o Congresso Nacional não adota providências visando cumprir as
normas constitucionais mencionadas, outros entes da federação, dentro de sua esfera de
competência, têm elaborado normas que de alguma forma buscam garantir a dignidade do
cidadão, não o privando de direitos em razão de sua religião escolhida. Assim é que
legislaram alguns Municípios401 como Porto Alegre (RS), Manaus (AM), Feira de Santana
(BA), Lins (SP) e São José do Rio Preto (SP), e Estados402 como Acre, Alagoas, Amazonas,
Espírito Santo, Maranhão, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São
Paulo e Sergipe, além do Distrito Federal.
Estas normas foram editadas tanto na forma de leis ordinárias como também
na forma de emendas à Constituição do Estado. Quanto ao conteúdo, algumas são idênticas ao
Projeto de Lei nº 5/1999 – conforme substitutivo do Deputado Federal Babá – enquanto
outras, de forma simples, apenas vedam a realização de concursos públicos no sábado, não
tratando do “abono de falta” em razão da freqüência mínima obrigatória e das aulas marcadas
para o sábado.
Destarte, a despeito da iniciativa dos legisladores estaduais e municipais,
algumas destas leis estão sendo questionadas no Supremo Tribunal Federal em relação à
constitucionalidade das mesmas. Assim é o caso da Lei Estadual nº 6.667/2001 do Espírito

399
BRASIL. Câmara dos Deputados. Tramitação de Preposição. Projeto de Lei nº 5/1999. Disponível em:
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400
Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas
à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com
pareceres ou sem eles, salvo as: I - com pareceres favoráveis de todas as Comissões.
401
Leis Municipais nos. 10.010/2006 (Porto Alegre), 1.014/2006 (Manaus), 2.657/2006 (Feira de Santana), 4.194/
1999 (Lins) e 7.146/1998 (São José do Rio Preto). Ver “Anexo A”.
402
Leis Estaduais nos. 6.334/2002 (Alagoas), 3.072/2006 (Amazonas), 6.667/2001 (Espírito Santo), 268/2002
(Maranhão), 6.140/1998 e 6.468/2002 (Pará), 11.662/1997 (Paraná), 11.830/2002 (Rio Grande do Sul),
1.631/2006 e 1.012/2001 (Rondônia), 11.225/1999 (Santa Catarina) e 12.142/2005 (São Paulo). Constituições
dos Estados de Sergipe (art. 281 – incluído pela Emenda Constitucional nº 21/2000) e do Acre (art. 27, inc XXII
e XXIII – alterada pela Emenda Constitucional nº 6/1992); Lei Distrital nº 1.784/1997 (Distrito Federal).
152

Santo, questionada pela ADI 3118, da Lei Estadual nº 12.142 de São Paulo, pela ADI 3714 e
das Leis Estaduais nº 6.140/1998 e nº 6.468/2002 do Pará, pela ADI 3901. A Lei Estadual nº
11.830/2002 do Rio Grande do Sul que foi questionada pela ADI 2806, como anteriormente
visto, já teve o seu mérito julgado, sendo considerada formalmente inconstitucional, dentre
outras razões por vício de iniciativa. O STF não se manifestou a respeito do mérito da lei,
salvo o voto isolado do Ministro Sepúlveda Pertence.
Destarte, se a questão for analisada pelos mesmos parâmetros e sem maiores
discussões que vislumbrem novo entendimento da Suprema Corte a respeito do aspecto
formal das leis, se visualiza que referidas ADIs terão o mesmo fim que teve a que questionou
a lei gaúcha.
153

6 CONCLUSÃO

De todo o exposto conclui-se, inicialmente, que, considerando a


possibilidade da guarda de um dia sagrado conflitar com determinadas obrigações legais e,
por conseqüência, ocasionar a privação de outros direitos constitucionalmente garantidos, o
Estado brasileiro tem atuado de forma dúbia e insuficiente quanto à efetividade da garantia do
direito fundamental à liberdade religiosa concomitante ao pleno exercício da cidadania.
A despeito de a Constituição Federal de 1988 (adjetivada de Cidadã) prever
uma gama de direitos fundamentais, como a educação, o acesso aos cargos públicos e a
liberdade religiosa, consubstanciados em normas e princípios constitucionais, a
Administrador Pública e o Judiciário têm denegado em diversas ocasiões esse direito aos
observadores do sábado, que em sua grande maioria corresponde aos adeptos da religião
Adventista do 7º Dia.
O pleno exercício da cidadania não pode ficar limitado ao seu conceito
original, referente apenas ao aspecto político (votar e ser votado). Não obstante alguns
aplicadores do direito estarem presos a essa concepção, a doutrina, em geral, tem entendido
que o significado da cidadania é bastante amplo, englobando não somente a possibilidade de
participação nas decisões políticas, mas também o direito de se efetivar os demais direitos, em
especial, os direitos fundamentais, sejam os individuais ou coletivos, diante do Estado.
Cumpre também ressaltar que a gama de direitos conferidos pela
Constituição Brasileira de 1988 deve ultrapassar o aspecto formal da mera declaração e se
concretizar na vida de cada cidadão brasileiro. Dentre estes direitos se ressaltam o direito à
educação, o direito ao acesso aos cargos e empregos públicos e o direito à liberdade religiosa.
A educação, além de ser um direito social básico e elementar que capacitará
o sujeito para o desempenho de atividades laborais necessárias à própria sobrevivência, é
descrita pela própria Constituição como o instrumento preparatório para o exercício da
cidadania (em seu sentido amplo). Como conseqüência, a educação possibilita o igual acesso
ao Direito, ao menos no sentido do conhecimento do ordenamento jurídico relativo às
liberdades públicas, proporcionando a conscientização dos indivíduos para a sua afirmação no
nível da vida real, dotando-os do senso crítico da realidade.
No mesmo sentido, o acesso aos cargos e empregos públicos é um direito
fundamental do indivíduo, pois a cidadania plena só será efetiva na medida em que estes
tenham igual oportunidade de participar da atividade político-administrativa do Estado. Em
154

um regime democrático, a efetividade da cidadania se concretiza por meio de processo


seletivo, cujos critérios estabelecidos em lei sejam adequados ao exercício das atividades
pertinentes ao cargo e não importem em discriminação de qualquer espécie, especificamente
discriminação religiosa, mesmo que por vias indiretas ou mera omissão (indiferença) do Poder
Público. Assim, se possibilitará a participação de um maior número de concorrentes para que
a Administração Pública selecione o mais preparado.
Quanto ao direito à liberdade religiosa, se constatou que sendo uma espécie
de liberdade pública, tem caráter peculiar por se relacionar com o foro íntimo de cada um.
Norteia as escolhas do indivíduo, seu modo de viver, e mesmo suas expectativas e esperanças
quanto ao futuro. Por isso, a liberdade de escolher a religião que se pretenda seguir não deve
ter a influência/interferência do Estado. Quando esta interferência acontece, está se
interferindo na capacidade de autodeterminação do indivíduo, aspecto inerente à sua própria
dignidade.
Considerando que para algumas religiões a guarda e santificação de um dia
da semana alcança significativa importância dentro dos ritos e práxis sagrados, a santificação
do sábado ou do domingo, destinado à adoração da divindade, torna tal dia especial para o
crente. Por conseqüência, a coerção do Estado, ao privar o adepto desse credo de outros
direitos, torna-se uma afronta à dignidade desses indivíduos.
A Constituição Federal de 1988 previu o direito à objeção de consciência
por considerar que, em algumas situações, certas obrigações legais interfeririam na liberdade
de crença de seus cidadãos. Desse modo, estabeleceu que ninguém seria privado de outros
direitos por esse motivo, salvo se se recusasse a prestar atividade alternativa à obrigação
conflitante com a crença religiosa, política ou filosófica.
Infelizmente, em alguns casos, o direito à objeção de consciência é negado
ou relativizado pela Administração Pública ou pelo Judiciário de tal forma que resta esvaziado
o seu conteúdo, o que significa a própria negação da liberdade de consciência e de crença.
Mesmo não sendo o direito à liberdade religiosa e à objeção de consciência considerados
absolutos, assim como os demais direitos também não são, seus limites devem ser apenas
aqueles necessários para própria proteção da liberdade, ou como alguns autores afirmam, para
a proteção da ordem pública.
Registre-se que se verificou em pareceres administrativos e mesmo em
decisões judiciais que a justificativa para se negar a liberdade de consciência se
consubstanciava, por vezes, na indiferença religiosa, no ceticismo ou mesmo no
155

questionamento da própria crença em seu aspecto teológico.


Em outras ocasiões, o “interesse público” foi entronizado em um patamar
hierárquico superior ao do princípio da liberdade religiosa, sendo que o alegado “interesse
público”, nas situações analisadas, não passava do interesse da própria Administração
Pública. Do mesmo modo aconteceu com os princípios da legalidade, igualdade, vinculação
ao edital, entre outros, sendo que a mera invocação destes princípios se tornou suficiente para
sobrepujar o direito à liberdade de crença, sem que houvesse maiores argumentações.
O mesmo pode ser dito a respeito do princípio da laicidade, isto é, separação
entre Igreja e Estado. O princípio do Estado laico existe pelo próprio reconhecimento de
divergências dos sistemas de crenças, e como conseqüência o Estado deve se manter neutro
diante das diversas Instituições Religiosas. Contudo, alguns ainda confundem neutralidade
com indiferença, e ignoram que, não sendo confessional, o Estado não pode desprezar a
religiosidade de seus cidadãos. O que não deve é privilegiar ou prejudicar um grupo em
detrimento de outros. Isto é democracia, que não é apenas a predominância do
posicionamento da maioria através do voto, mas a possibilidade de inclusão de todos os
cidadãos.
Outro fundamento para a negativa do direito à objeção de consciência,
também utilizado pelo Judiciário e especialmente pela Administração pública, é o da ausência
de norma infraconstitucional que regulamente esse direito em relação ao descanso semanal
enquanto dia sagrado. Contudo, mesmo diante da ausência de norma que regulamente o
exercício da liberdade de crença, o Estado tem o dever não apenas de não agir contra essa
liberdade, mas ainda de protegê-la, podendo a atuação do Judiciário se pautar por este e outros
princípios constitucionais (dignidade da pessoal humana, liberdade, igualdade etc.) diante de
um conflito concreto.
Com a exposição dos posicionamentos da Administração Pública e do
Judiciário se constata que o pleno exercício da cidadania não é efetivo para uma parcela dos
cidadãos brasileiros por causa da crença adotada. Mesmo que de forma indireta, esses
indivíduos têm sido discriminados quando não lhes são garantidas condições para a prática de
atos que aos demais são deferidos. Por conseguinte, estes grupos minoritários são inibidos do
exercício pleno de seus direitos, tendo sua cidadania restrita por não poder exercer o direito à
liberdade religiosa concomitante ao direito à educação e ao acesso aos cargos públicos,
podendo ser chamados de cidadãos de “segunda categoria”.
Como então reconhecer a cidadania desses indivíduos de forma que a
156

Constituição Federal de 1988 não se torne para eles apenas letra no papel? Como então
proporcionar a igualdade de oportunidades aos mesmos indivíduos, de modo a torná-los
simplesmente “cidadãos”, iguais aos demais? Como dar eficácia às normas constitucionais
que tratam dos direitos fundamentais? As respostas a essas indagações, objeto deste trabalho,
foram apresentadas no decorrer do mesmo, quer pela demonstração de iniciativas legislativas
de alguns Estados e Municípios, quer pelas decisões judiciais favoráveis (ainda que em
pequeno número).
Para o problema da freqüência mínima obrigatória parece ser apropriada a
medida proposta em que a Instituição de Ensino ofereça atividade alternativa, como resultado
da aplicação do abono de faltas mediante compensação. Quanto aos vestibulares e concursos
públicos, se entende cabível o isolamento e a incomunicabilidade do candidato com o fim de
resguardar o sigilo das provas e a igualdade, possibilitando que os mesmos realizem a prova
em horário alternativo, isto é, após o pôr-do-sol do sábado.
Desse modo, com o uso de técnicas de ponderação constitucional é possível
observar se a medida restritiva ou concessiva respeita os requisitos constitucionais da
necessidade, proporcionalidade e garantia do núcleo essencial. Por conseqüência, se pode
concluir, no caso concreto, se a medida estatal que restrinja ou garanta a liberdade do cidadão
foi justa, legítima e constitucional.
Quando aplicadas essas soluções positivas (a despeito da inexistência de um
padrão decisório e da alta freqüência de decisões díspares) o Estado brasileiro faz valer a
denominação que adota de “Estado Democrático de Direito”, expressão na qual estão
presentes os componentes que reforçam o significado de liberdade enquanto liberdade-
autonomia e liberdade-participação. Assim, a República Federativa do Brasil concretiza o
direito à liberdade religiosa e o pleno exercício da cidadania na vida de todo o seu povo,
independente do credo adotado, mostrando que sua Constituição faz jus ao título de “Cidadã”.
157

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165

ANEXOS
166

ANEXO A – LEIS MUNICIPAIS E ESTADUAIS PERTINENTES AO TEMA

1 – PORTO ALEGRE (RS) – Lei Municipal nº 10.010, de 6 de julho de 2006.

Art. 1º Os exames e atividades curriculares que forem elementos de avaliação de desempenho do


educando nas instituições de ensino do Município de Porto Alegre deverão ser realizados com a
observância aos preceitos ou às convenções religiosas dos educandos.

Art. 2º Fica assegurada ao educando a transferência de datas de trabalhos e exames acadêmicos,


bem como quaisquer atividades curriculares, para dias não-coincidentes com o período de guarda
religiosa.

Parágrafo único. A instituição de ensino fixará data alternativa para a realização da exigência
acadêmica.

Art. 3º Para o gozo dos direitos constantes nesta Lei, os educandos ou responsáveis declararão, na
ocasião da matrícula ou em período hábil definido pelos órgãos responsáveis do Executivo
Municipal, a opção religiosa do educando.

Parágrafo único. A informação da opção religiosa apresentada à instituição de ensino somente


poderá ser utilizada para os fins desta Lei.

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação

2 – FEIRA DE SANTANAL (BA) – Lei Municipal nº 2.657, de 3 de abril de 2006.

Art. 1º Fica proibida a realização de concursos públicos para provimento de cargos na


Administração Municipal, direta ou indireta, com provas escritas ou práticas realizadas em dia de
sábado.

3 – LINS (SP) – Lei Municipal nº 4.194, de 05 de março de 1999.

Art. 1º Fica vedada, no município de Lins, a realização, aos sábados, de provas de concursos
públicos para a admissão de pessoal para a administração direta, indireta e funcional do Município.

Art. 2º Fica rede municipal de ensino, para os que alegarem imperativo de consciência,
entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa.

Art. 3º Fica vedada a Convocação para o trabalho nas sextas-feiras à noite e nos sábados de
qualquer servidor municipal que alegar imperativo de consciência, entendendo-se como tal o
decorrente de crença religiosa.

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 5º Revogam-se as disposições em contrário.

4 – SÃO JOSÉ DO RIO PRETO (SP) – Lei Municipal nº 7.146, de 10 de junho de 1998.

Art. 1º Fica vedada a realização, aos sábados, de provas de concurso para admissão de pessoal para
a Administração direta, indireta e fundacional do Município.
167

5 – MANAUS (AM) – Lei Municipal nº 1.014, de 14 de julho de 2006.

Texto não localizado.

6 – ALAGOAS – Lei Estadual nº 6.334, de 22 de julho de 2002.

Art. 1° Fica assegurado, nos termos do art. 5º, VI, da Constituição Federal, o direito do cidadão ao
Dia de Repouso de Caráter Religioso, aos professantes das diversas religiões, conforme determinar
as suas consciências.

Parágrafo Único. O reconhecimento desse direito dar-se-á mediante declaração firmada pelo
ministro da organização religiosa, que comprove a existência de vínculo com a respectiva
entidade.

Art. 2° Os concursos públicos e os exames vestibulares promovidos no Estado de Alagoas, por


instituições públicas e privadas, serão realizados no período de domingo a sexta-feira, das 08 às
18:00 horas.

Art. 3° Quando se configurar inviável a promoção dos eventos de que trata esta Lei, a entidade
organizadora poderá realizá-los aos sábados, devendo alternativamente permitir ao candidato que
alegar e provar convicção religiosa, a realização das provas após as 18:00 horas destes mesmos
dias.

Parágrafo Único. Para cumprimento do caput deste artigo, o candidato ficará incomunicável
desde o horário do início da realização do concurso ou do exame vestibular até o início da
realização das provas estabelecido previamente para ele.

Art. 4° Os estabelecimentos de ensino da rede pública e particular do Estado de Alagoas ficam


obrigados a abonar as faltas de alunos que, motivados por crença religiosa, não possam freqüentar
as aulas ministradas às sextas-feiras após as 18:00 horas e aos sábados após as 18:00 horas.

§ 1º Para beneficiar-se do disposto neste artigo, o aluno apresentará ao estabelecimento de


ensino declaração da congregação religiosa a que pertence, com firma reconhecida, atestando
sua condição de membro da Igreja.

§ 2º Na hipótese prevista no parágrafo anterior, o estabelecimento exigirá do aluno a realização


de tarefa alternativa que suprirá a falta abonada.

Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.

Art. 6° Revogam-se as disposições em contrário.

7 – AMAZONAS - Lei Estadual nº 3.072 de 19 de julho de 2006.

Art. 1º As provas de concurso público ou processo seletivo para admissão de pessoal para a
administração direta, indireta ou fundacional no Estado do Amazonas e os exames vestibulares das
universidades públicas e privadas serão realizados no período de domingo a sexta-feira, no horário
compreendido entre às 08:00 horas e 18:00 horas.

§1º Quando inviável a promoção de certames em conformidade com o "caput" .deste artigo, a
entidade organizadora poderá organizá-los no sábado, devendo permitir ao candidato que
alegar motivo de crença religiosa a possibilidade de faze-lo após às 18:00 horas.
168

§2º A permissão de que trata o parágrafo anterior deverá ser precedida de requerimento
assinado pelo próprio interessado dirigido à entidade organizadora, até 72 (setenta e duas)
horas antes do horário de início do certame, sendo imprescindível que o beneficiado apresente
declaração da congregação religiosa a que pertence, com firma reconhecida, atestando sua
condição de membro da igreja.

§3° Na hipótese do parágrafo primeiro deste artigo, o candidato ficará incomunicável, em local
previamente definido pela entidade organizadora, desde o horário regular previsto para o
exame até o início do horário alternativo estabelecido.

Art. 2º - Aos adventistas de todo o Estado que se inscreverem em concursos públicos estaduais
marcados para os dias e horários citados no Parágrafo primeiro do artigo anterior será facultado o
direito de prestar os exames em outras datas previamente estabelecidas.
Parágrafo único. A condição de adventista será comprovada por meio de declaração da igreja onde
a pessoa é congregada.

Art. 3º - É assegurado ao aluno devidamente matriculado nos estabelecimentos de ensino públicos


ou privados a aplicação de provas em dias não coincidentes com período de guarda religiosa
previsto no artigo 1º.

§ 1º - As instituições de ensino das redes pública e privada ficam obrigadas a abonar a falta de
alunos que, por força de suas crenças religiosas, não possam freqüentar aulas e atividades
acadêmicas realizadas no período de guarda religiosa.

§ 2º - Poderá o aluno, pelos mesmos motivos previstos neste artigo, requerer à instituição que, em
substituição à sua presença e para fins de obtenção de freqüência, lhe seja assegurado,
alternativamente, o direito de apresentação de trabalho escrito ou qualquer outra atividade de
pesquisa acadêmica, observados os parâmetros curriculares e planos de aula do dia de sua
ausência.
§ 3º - O requerimento de que trata este artigo será obrigatoriamente deferido pelo estabelecimento
de ensino, sendo imprescindível que o beneficiado apresente declaração da congregação religiosa a
que pertence, com firma reconhecida, atestando sua condição de membro da Igreja.

Art. 4º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

8 – ESPÍRITO SANTO – Lei Estadual nº 6.667/2001.403

Art. 1º Por imperativo de liberdade de consciência e de convicção religiosa, fica assegurado ao


membro, partícipe ou integrante de qualquer denominação ou congregação religiosa constituída, o
direito de se dedicar ao descanso e às atividades religiosas, nos dias e horários instituídos pela
entidade religiosa livremente escolhida.

§ 1º As disposições contidas na presente Lei obrigam qualquer pessoa jurídica de direito privado.

§ 2º Fica o Poder Executivo autorizado a estender os efeitos da presente Lei aos departamentos,
secretarias, divisões, autarquias, fundações, empresas públicas ou outros órgãos da administração
pública direta e indireta.

§ 3º As prescrições desta Lei que afetem qualquer entidade pública somente terão eficácia com o
ato do Governador que estender os efeitos desta Lei aos órgãos públicos, na forma do parágrafo
anterior.

Art. 2º A realização de concursos públicos, assim como o processo seletivo nas instituições de
ensino médio e exames vestibulares em instituições de ensino superior serão realizados no período
de segunda a sexta-feira, entre 8h (oito) e 18h (dezoito) horas.

403
Lei objeto da ADI nº 3118, STF.
169

Art. 3º É obrigatório o abono de faltas de alunos que, motivados por liberdade de consciência e de
convicção religiosa, não freqüentarem as aulas ou outras atividades acadêmicas realizadas nos dias
e horários instituídos pelas entidades religiosas livremente escolhidas.

§ 1º Para beneficiar-se do disposto neste artigo é imprescindível que o aluno apresente à instituição
de ensino uma declaração da congregação religiosa a que pertence, comprovando sua condição de
membro da mesma.

§ 2º A instituição de ensino poderá fixar dias ou períodos alternativos para a realização das
atividades acadêmicas perdidas pelo aluno que fizer uso do direito prescrito neste artigo.

§ 3º A instituição de ensino deverá, obrigatoriamente, estabelecer a realização de novas provas,


testes, exames ou outras atividades acadêmicas que impliquem em atribuição de notas, conceitos
ou menções, sempre que as datas de suas aplicações coincidam com os dias e horários instituídos
pela entidade religiosa na forma do artigo 1º.

Art. 4º Os trabalhadores que prestarem concurso público ou exame vestibular em dias e horários
coincidentes com seu horário de trabalho terão consideradas suas faltas como justificadas,
ficando a critério do empregador aboná-las ou exigir a compensação de horas.

Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 6º Revogam-se as disposições em contrário.

9 – PARÁ – Leis Estaduais nº 6.140/1998 e nº 6.468/2002404.

Lei Estadual nº 6.140/1998

Art. 1° - As provas de concursos públicos e exames vestibulares no Estado do Pará serão


realizadas no período compreendido entre às 18:00 horas de sábado e às 18:00 horas de sexta-feira
seguinte.

Parágrafo único - Esta Lei incidirá sobre todas as instituições de ensino, tanto da rede pública
quanto as instituições da rede privada.

Art. 2° - As instituições de ensino, tanto da rede pública quanto da rede privada, em todo o Estado,
abonarão as faltas de alunos que, por motivo religioso comprovado, não possam freqüentar aulas e
atividades acadêmicas no período compreendido entre às 18:00 horas das sextas-feiras e 18:00
horas de sábados.

§ 1° - Os alunos cujas crenças religiosas incidirem no previsto neste artigo comprovarão, no ato da
matrícula, essa condição através de declaração da congregação religiosa a qual pertençam.

§ 2° - Caberá à instituição de ensino distribuir o aluno para reposição da carga horária.

Art. 3° - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4° - Revogam-se as disposições em contrário.

Lei Estadual nº 6.468/2002

Art. 1º. A ementa da Lei nº 6.140, de 24 de junho de 1998, passa a vigorar com as seguinte
redação:

404
Leis objeto da ADI nº 3901, STF.
170

"Determina o período para a realização das provas de concursos públicos e exames vestibulares
no Estado do Pará e dá outras providências."

Art. 2º. O caput do art. 1º da Lei nº 6.140, de 24 de junho de 1998, passa a vigorar com a seguinte
redação:

"Art. 1º. As provas de concursos públicos e exames vestibulares no Estado do Pará serão
realizadas no período compreendido entre às 18:00 horas de sábado e às 18:00 horas da sexta-
feira seguinte."

Art. 3º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4º. Revogam-se as disposições em contrário.

10 – PARANÁ – Lei Estadual nº 11.662, de 10 de janeiro de 1997.

Art. 1º Ficam os estabelecimentos de ensino de rede pública e particular, de 10, 20 e 30 graus,


obrigados a abonarem as faltas de alunos motivadas por princípio de consciência religiosa.

Art. 2º Para o aluno beneficiar-se desta Lei deverá apresentar ao estabelecimento de ensino,
declaração assinada pelo responsável da congregação religiosa a que pertence, com firma
reconhecida, atestando a sua condição de membro regular da igreja e o dia da semana que deve se
abster de freqüentar aulas.

Art. 3º Caberá ao estabelecimento de ensino dispor sobre o período de validade da declaração


mencionada no art. 20.

Art. 4º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

11 – RIO GRANDE DO SUL – Lei Estadual nº 11.830, de 16 de setembro de 2002405.

Art. 1º - O processo seletivo para investidura de cargo, função ou emprego, nas estruturas do Poder
Público Estadual, na administração direta e indireta, das funções executiva, legislativa e judiciária,
e, ainda, as avaliações de desempenho funcional e outras similares, realizar-se-ão com respeito às
crenças religiosas da pessoa, propiciando a observância do dia de guarda e descanso, celebração de
festas e cerimônias em conformidade com a doutrina de sua religião ou convicção religiosa.

§ 1º - Quando inviável a promoção de certames em conformidade com o caput, dar-se-á à


pessoa a alternativa de realizar a prova no primeiro horário em que lhe permitam suas
convicções, ficando o candidato incomunicável desde o horário regular previsto para os
exames até o início do horário alternativo previamente estabelecido.

§ 2º - Considera-se primeiro horário, para efeitos desta lei, à luz das convicções religiosas dos
judeus ortodoxos, adventistas do sétimo dia, entre outras análogas, o término do interregno dos
pores-do-sol de sexta-feira a sábado.

§ 3º - Aplica-se também o disposto neste artigo à realização de provas de acesso a cursos, em


qualquer nível, de instituições educacionais públicas e privadas.

Art. 2º - É assegurado ao aluno, por motivo de crença religiosa, requerer à instituição educacional
em que estiver regularmente matriculado, seja ela pública ou privada, e de qualquer nível, que lhe
sejam aplicadas provas e trabalhos em dias não coincidentes com o período de guarda religiosa.

405
Declarada inconstitucional em 2003 pelo STF, em razão de vicio formal na iniciativa - ADI 2806.
171

§ 1º - A instituição de ensino fixará data alternativa para a realização das atividades estudantis,
que deverá coincidir com o período ou turno em que o aluno estiver matriculado, contando com
sua expressa anuência, se em turno diferente daquele.

§ 2º - Para o gozo dos direitos dispostos neste artigo, o aluno comprovará, preferencialmente,
no ato de matrícula, esta condição de crença religiosa, através de declaração da instituição
religiosa a que pertença.

§ 3º - O aluno, caso venha a se congregar a uma instituição religiosa no decorrer do ano letivo,
gozará dos mesmos direitos, com a apresentação de declaração após a sua congregação.

Art. 3º - Os servidores públicos civis de qualquer das funções que compõem a estrutura do Estado,
da administração direta e indireta, gozarão do repouso semanal remunerado preferencialmente aos
domingos, ou em outro dia da semana, a requerimento do servidor, por motivo de crença religiosa,
desde que compense a carga horária exigida pelo Estatuto e Regime Único dos Servidores
Públicos Civis do Estado do Rio Grande do Sul ou legislação especial.

Art. 4º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 5º - Revogam-se as disposições em contrário.

12 – RONDÔNIA – Leis Estaduais nº 1.012/2001 e nº 1.631/2006.

Lei Estadual nº 1.012, de 01 de outubro de 2001406.

Art. 1° Fica acrescido o § 4° ao artigo 3° da Lei n° 749, de 04 de novembro de 1997, com a


seguinte redação:

“§ 4° Os concursos públicos de provas ou provas e títulos, bem como a aplicação de exames


correlatos, no âmbito estadual, deverão ser realizados de segunda a sexta-feira”.

Lei Estadual nº 1.631, de 23 de maio de 2006.

Art. 1º As provas de concursos públicos e de exames vestibulares promovidos por instituições


públicas ou privadas serão realizadas no período de domingo a sexta-feira, no horário
compreendido entre 8 (oito) e 18 (dezoito) horas.

Art. 2º Os estabelecimentos de ensino da rede pública e privada abonarão as faltas de alunos que,
por motivo de crença religiosa, estejam impedidos de freqüentar aulas das 18 (dezoito) horas de
sexta-feira até as 18 (dezoito) horas do sábado.

§ 1º Para ser beneficiado do disposto neste artigo o aluno apresentará ao estabelecimento de


ensino declaração da denominação religiosa a que pertence, com firma reconhecida, atestando
sua condição de membro congregante.

§ 2º O estabelecimento de ensino exigirá do aluno a realização de tarefa alternativa que supra a


falta abonada.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

406
No site da Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia consta a observação que, a respeito desta lei,
tramita a ADIN N º 01.004578/3. Não sendo localizada tal ação no site do STF, presume-se que tramita no
Tribunal de Justiça do referido Estado.
172

13 – SANTA CATARINA – Lei Estadual nº 11.225, de 20 de novembro de 1999.

Art. 1º As provas de concursos públicos e os exames vestibulares de Instituições Públicas ou


Privadas, serão realizadas no Estado de Santa Catarina, no período de domingo à sexta-feira, no
horário compreendido entre às oito e dezoito horas.

§1º Quando inviável a promoção dos certames em conformidade com o caput, a entidade
organizadora poderá realizá-los no sábado devendo permitir ao candidato, que alegue e
comprove convicção religiosa, a alternativa da realização das provas depois das dezoito horas.

§2º Na hipótese do parágrafo anterior, o candidato ficará incomunicável, desde o horário


regular previsto para os exames até o início do horário alternativo para ele estabelecido
previamente.

Art. 2º Os estabelecimentos de ensino da Rede Pública e Particular do Estado de Santa Catarina,


ficam obrigados a abonar as faltas de alunos que, por crença religiosa, estejam impedidos de
freqüentar as aulas ministradas às sextas-feiras, após às dezoito horas e aos sábados até às dezoito
horas.

§1º Para beneficiar-se do disposto neste artigo, o aluno apresentará ao estabelecimento de


ensino declaração de congregação religiosa a que pertence, com firma reconhecida, atestando
sua condição de membro da Igreja.

§2º Na hipótese prevista neste artigo, o estabelecimento exigirá do aluno a realização de tarefas
alternativas que supram as faltas abonadas

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário.

14 – SÃO PAULO – Lei Estadual nº 12.142/05407

Art. 1º As provas de concurso público ou processo seletivo para provimento de cargos públicos e
os exames vestibulares das universidades públicas e privadas serão realizados no período de
domingo a sexta -feira, no horário compreendido entre as 8h e as 18h.

§1º Quando inviável a promoção de certames em conformidade com o "caput", a entidade


organizadora poderá realizá-los no sábado, devendo permitir ao candidato que alegar motivo de
crença religiosa a possibilidade de fazê-los após as 18h.

§2º A permissão de que trata o parágrafo anterior deverá ser precedida de requerimento, assinado
pelo próprio interessado, dirigido à entidade organizadora, até 72 (setenta e duas) horas antes do
horário de início certame.

§3º Na hipótese do § 1º, o candidato ficará incomunicável desde o horário regular previsto para os
exames até o início do horário alternativo para ele estabelecido previamente.

Art. 2º É assegurado ao aluno, devidamente matriculado nos estabelecimentos de ensino público


ou privado, de ensino fundamental, médio ou superior, a aplicação de provas em dias não
coincidentes com o período de guarda religiosa previsto no "caput" do artigo 1º.

§1º Poderá o aluno, pelos mesmos motivos previstos neste artigo, requerer à escola que, em
substituição à sua presença na sala de aula, e para fins de obtenção de freqüência, seja -lhe
assegurada, alternativamente, a apresentação de trabalho escrito ou qualquer outra atividade de
pesquisa acadêmica, determinados pelo estabelecimento de ensino, observados os parâmetros
curriculares e plano de aula do dia de sua ausência.

407
Lei objeto da ADI nº 3714, STF.
173

§2º Os requerimentos de que trata este artigo serão obrigatoriamente deferidos pelo
estabelecimento de ensino.

Art. 3º As despesas decorrentes da execução desta lei correrão à conta das dotações orçamentárias
próprias, suplementadas se necessário.

Art. 4º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

15 – CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SERGIPE

Art. 281. Fica proibida a realização de concursos públicos e vestibulares aos sábados. (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 21 de 2000)

16 - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO ACRE

Art. 27. A administração pública direta, indireta ou fundacional dos Poderes do Estado e de seus
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
mais aos seguintes:

XXII - os concursos públicos realizar-se-ão exclusivamente no período de domingo a sexta-


feira, das oito às dezoito horas; (Emenda Constitucional n.º 6/92.)

XXIII - é assegurado ao servidor público estadual e municipal repouso semanal remunerado,


preferencialmente aos domingos, ou concedido aos sábados, a requerimento do servidor, por
motivo de crença religiosa. (Emenda Constitucional n.º 6/92.)

17 – DISTRITO FEDERAL – Lei Distrital nº 1.784, de 24 de novembro de 1997.

Art. 1º As provas de Concursos Públicos e os exames vestibulares de inscrições públicas ou


privadas serão realizadas no Distrito Federal no período de domingo a sexta-feira, no horário
compreendido entre as oito e as dezoito horas.

§1º quando inviável a promoção dos certames em conformidade com o caput, a entidade
organizadora poderá realizá-los no Sábado, devendo permitir ao candidato, que alegue e prove
convicção religiosa a alternativa de realização das provas após as dezoito horas."

§2º na hipótese do parágrafo anterior, o candidato ficará incomunicável desde o horário regular
previsto para os exames até o início do horário alternativo para ele estabelecido previamente.

Art. 2º Os Estabelecimentos de Ensino na rede pública e particular do Distrito Federal, ficam


obrigados a abonar as faltas de alunos que, por crença religiosa estejam impedidos de freqüentar
aulas às Sextas-feiras após às 18:00 horas e aos Sábados até às 18:00 horas."

§1º Para beneficiar-se do disposto neste artigo o aluno apresentará ao Estabelecimento de


ensino, declaração da congregação religiosa a que pertence com firma reconhecida atestando
sua condição de membro da Igreja.

§2º Na hipótese prevista neste artigo, o Estabelecimento exigirá do aluno a realização de tarefa
alternativa que supra a falta abonada.

Art. 3º Essa lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4º Revogam-se às disposições em contrário.


174
175

ANEXO B – O SÁBADO ATRAVÉS DOS SÉCULOS408

“Quase todas as igrejas no mundo celebram os sagrados mistérios [da Ceia do Senhor] no sábado de
cada semana.” Socrates Scholasticus, Eccl. History.
Século I

“Então a semente espiritual de Abraão [os cristãos] fugiram para Pela, do outro lado do rio Jordão,
onde encontraram um lugar de refúgio seguro, e assim puderam servir a seu Mestre e guardar o Seu
sábado.” Eusebius’s Ecclesiastical History
Filo, filósofo e historiador, afirma que o sábado correspondia ao sétimo dia da semana.
Século II

“Os cristãos primitivos tinham grande veneração pelo sábado, e dedicavam o dia para devoção e
sermões(...) Eles receberam essa prática dos apóstolos, conforme vários escritos para esse fim.” D.
T. H. Morer (Church of England), Dialogues on the Lord’s Day, Londres, 1701.
Século II,
III e IV

“Desde o tempo dos apóstolos até o Concílio de Laodicéia [364 d.C.), a sagrada observância do
sábado dos judeus persistiu, como pode ser comprovado por muitos autores, não obstante o voto
contrário do concílio.” John Ley, Sunday A Sabbath, Londres, 1640
Século III

“Pelo ano 225 d.C., havia várias dioceses ou associações da Igreja Oriental, que guardavam o
sábado, desde a Palestina até a Índia.” Mingana Early Spread of Christianity

“Na igreja de Milão (Itália), o sábado era tido em alta consideração. Não que as igrejas do Oriente
ou qualquer outra das restantes que observavam esse dia, fossem inclinadas ao judaísmo, mas elas
se reuniam no sábado para adorar a Jesus, o Senhor do sábado.” Dr. Peter Heylyn, History of the
Sabbath, Londres, 1636
“Por mais de 17 séculos a Igreja da Abissínia continuou a santificar o sábado como o dia sagrado do
quarto mandamento.” Ambrósio de Morbius
Século IV

“Ambrósio, famoso bispo de Milão, disse que quando ele estava em Milão, guardou o sábado, mas
quando passou a morar em Roma, observou o domingo. Isso deu origem ao provérbio: ‘Quando
você está em Roma, faça como Roma faz.’” Heylyn, History of the Sabbath
Pérsia 335-375 d.C. Eles [os cristãos] desprezam nosso deus do Sol.
“Eles [os cristãos] desprezam nosso deus do Sol. Zoroastro, o venerado fundador de nossas crenças
divinas, não instituiu o domingo mil anos antes em honra ao Sol cancelando o sábado do Antigo
Testamento? Os cristãos, contudo, realizam suas cerimônias religiosas no sábado.” O’Leary, The
Syriac Church and Fathers
“Agostinho [cujo testemunho é mais incisivo pelo fato de ter sido um devotado observador do
Século V

domingo] mostra... que o sábado era observado em seus dias ‘na maior parte do mundo cristão’.”
Nicene and Post-Nicene Fathers, série 1, vol. 1, págs. 353 e 354
“No quinto século a observância do sábado judaico persistia na igreja cristã.” Lyman Coleman,
Ancient Christianity Exemplified, pág. 526
“Neste último exemplo, eles [a Igreja da Escócia] parecem ter seguido o costume do qual
encontramos vestígios na primitiva igreja monástica da Irlanda, ou seja, afirmavam que o sábado
era o sétimo dia no qual descansavam de todas as atividades.” W. T. Skene, Adamnan’s Life of St.
Século VI

Columba, 1874, pág. 96


Sobre Columba de Iona: “Tendo trabalhado na Escócia por trinta e quatro anos, ele predisse clara e
abertamente sua morte, e no dia 9 de junho, um sábado, disse a seu discípulo Diermit: ‘Este é o dia
chamado sábado, isto é, o dia de descanso, e como tal será para mim, pois ele colocará um fim aos
meus labores’.” Butler’s Lives of the Saints, artigo sobre “St. Columba”

408
O SÁBADO ATRAVÉS DOS SÉCULOS. Disponível em: <http://www.igrejaadventista.org.br/Osabado/te
mas10.asp#>. Acesso em: 27 jun. 2007.
176

“Parece que, nas igrejas célticas primitivas, era costume, tanto na Irlanda quanto na Escócia,
guardar o sábado... como um dia de descanso. Eles obedeciam literalmente ao quarto mandamento
Século VII
no sétimo dia da semana.” Jas. C. Moffatt, The Church in Scotland
Disse Gregório I, Papa de Roma (590-604): “Cidadãos romanos: Chegou a meu conhecimento que
certos homens de espírito perverso têm disseminado entre vós coisas depravadas e contrárias à fé
cristã, proibindo que nada seja feito no dia de sábado. Como eu deveria chamá-los senão de
pregadores do anticristo?”
Índia, China, Pérsia, etc. “Abrangente e persistente foi a observância do sábado entre os crentes da
Igreja Oriental e dos Cristãos de São Tomás da Índia, que jamais estiveram ligados a Roma. O
Século
VIII

mesmo costume foi mantido entre as congregações que se separaram de Roma após o Concílio de
Calcedônia, como por exemplo, os abissínios, jacobitas, marionitas e armênios.” New Achaff-
Herzog Encyclopedia of Religious Knowledge, artigo intitulado “Nestorians”
“O papa Nicolau I, no nono século, enviou ao príncipe governante da Bulgária um extenso
Século IX

documento dizendo que se devia cessar o trabalho no domingo, mas não no sábado. O líder da
Igreja Grega, ofendido pela interferência do papado, declarou o papa excomungado.” B. G.
Wilkinson, Ph.D., The Truth Triumphant, pág. 232
Século X

“Os seguidores de Nestor não comem porco e guardam o sábado. Não crêem em confissão auricular
nem no purgatório.” New Schaff-Herzog Encyclopedia, artigo “Nestorians”
Século XI

“Margaret da Escócia, em 1060, tentou arruinar os descendentes espirituais de Columba, opondo-se


aos que observavam o sábado do sétimo dia em vez de o domingo.” Relatado por T. R. Barnett,
Margaret of Scotland, Queen and Saint, pág. 97

“Há vestígios de observadores do sábado no século doze, na Lombárdia.” Strong’s Encyclopedia


Século XII

Sobre os valdenses, em 1120: “A observância do sábado... é uma fonte de alegria.” Blair, History of
the Waldenses, vol.1, pág. 220
França: “Por vinte anos Pedro de Bruys agitou o sul da França. Ele enfatizava especialmente um dia
de adoração reconhecido na época entre as igrejas celtas das ilhas britânicas, entre os seguidores de
Paulo, e na Igreja Oriental, isto é, o sábado do quarto mandamento.” Coltheart, pág. 18
“Contra os observadores do sábado, Concílio de Toulouse, 1229: Canon 3: Os senhores dos
Século

diversos distritos devem procurar diligentemente as vilas, casas e matas, para destruir os lugares que
XIII

servem de refúgio. Canon 4: Aos leigos não é permitido adquirir os livros tanto do Antigo quanto
do Novo Testamentos.” Hefele
“Em 1310, duzentos anos antes das teses de Lutero, os irmãos boêmios constituíam um quarto da
população da Boêmia, e estavam em contato com os valdenses, que havia em grande número na
Século
XIV

Áustria, Lombárdia, Boêmia, norte da Alemanha, Turíngia, Brandenburgo e Morávia. Erasmo


enfatizava que os valdenses da Boêmia guardavam o sétimo dia (sábado) de uma maneira estrita.”
Robert Cox, The Literature of the Sabbath Question, vol. 2, págs. 201 e 202
“Erasmo dá testemunho de que por volta do ano 1500 os boêmios não apenas guardavam
estritamente o sábado, mas eram também chamados de sabatistas.” R. Cox, op. cit.
Concílio Católico realizado em Bergen, Noruega, em 1435: “Estamos cientes de que algumas
Século XV

pessoas em diferentes partes de nosso reino adotam e observam o sábado. A todos é


terminantemente proibido – no cânon da santa igreja – observar dias santos, exceto os que o papa,
arcebispos e bispos ordenam. A observância do sábado não deve ser permitida, sob nenhuma
circunstância, de agora em diante, além do que o cânon da igreja ordena. Assim, aconselhamos a
todos os amigos de Deus na Noruega que desejam ser obedientes à santa igreja, a deixar de lado a
observância do sábado; e os demais proibimos sob pena de severo castigo da igreja por guardarem o
sábado como dia santo.” Dip. Norveg., 7, 397
Noruega, 1544: “Alguns de vocês, em oposição à advertência, guardam o sábado. Vocês devem ser
severamente punidos. Quem for visto guardando o sábado, pagará uma multa de dez marcos.” Krag
Século
XVI

e Stephanius, History of King Christian III


Liechtenstein: “Os sabatistas ensinam que o dia de repouso, o sábado, ainda deve ser guardado.
Dizem que o domingo [como dia semanal de descanso] é uma invenção do papa.” Wolfgang Capito,
177

Refutation of the Sabbath, c. de 1590


Índia: “Francisco Xavier, famoso jesuíta, chamado para a inquisição que foi preparada em Goa,
Índia, em 1560, para verificar ‘a maldade judaica, a observância do sábado’.” Adeney, The Greek
and Eastern Churches, págs. 527 e 528
Abissínia: “Não é pela imitação dos judeus, mas em obediência a Cristo e Seus apóstolos, que
observamos este dia [o sábado].” De um legado abissínio na corte de Lisboa, 1534, citado na
História da Igreja da Etiópia, de Geddes, págs. 87 e 88.

“Cerca de 100 igrejas guardadoras do sábado, a maioria independentes, prosperaram na Inglaterra


Século
XVII

nos séculos dezessete e dezoito.” Dr. Brian W. Ball, The Seventh-Day Men, Sabbatarians and
Sabbatarianism in England and Wales, 1600-1800, Clarendon Press, Oxford University, 1994

Alemanha: “Tennhardt de Nuremberg adere estritamente à doutrina do sábado, por ser um dos dez
mandamentos.” J. A. Bengel, Leben und Wirken, pág. 579
Século XVIII

“Antes que Zinzendorf e os morávios de Belém [Pensilvânia] iniciassem a observância do sábado e


prosperassem, havia um pequeno grupo de alemães observadores do sábado na Pensilvânia.” Rupp,
History of the Religious Denominations in the United States
“Os abissínios e muitos do continente europeu, especialmente na Romênia, Boêmia, Morávia,
Holanda e Alemanha, continuaram a guardar o sábado. Onde quer que a igreja de Roma
predominasse, esses sabatistas eram penalizados com o confisco de suas propriedades, multas,
encarceramento e execução.” Coltheart, pág. 26
China: “Os taiping, quando interrogados sobre a observância do sábado, responderam que, em
Século XIX

primeiro lugar, porque a Bíblia o ensina, e, em segundo, porque seus ancestrais o guardavam como
dia de culto.” A Critical History of Sabbath and Sunday.

Em 1844 surgiu nos Estados Unidos o movimento que, anos depois, teria a denominação de
Adventistas do Sétimo Dia, de âmbito mundial.
178

ANEXO C – O SÁBADO COMO DIA DEFINIDO NÃO SE EXTRAVIA409

O Dr. William M. Jones, notável arqueólogo americano (21), organizou, após pacientes e
aturadas investigações, levadas a efeito com muito trabalho e despesas, um quadro da semana
intitulado: “Chart of the Week, showing the Unchanged Order of lhe Days and the True Position
of the Sabbath, as proved by the Combined Testimony of Ancient and Modern Languages” (Mapa
da semana, demonstrando a ordem inalterada dos dias e a legítima posição do sábado pelo
testemunho combinado de línguas antigas e modernas). Esse mapa, concluído em 1886, revela que
em 108 línguas antigas e modernas o sétimo dia conserva o nome de sábado ou o nome
equivalente, ao passo que em 160 línguas é atestada a uniformidade dos dias, e, portanto, a
identidade da semana primitiva e da atual! (22) A parte referente aos idiomas europeus foi
compilada pelo eminente linguista Príncipe Louis-Lucien Bonaparte (23).
Na introdução ao seu trabalho, diz o autor:
“Tem o presente mapa por fim responder às seguintes asserções frequentemente feitas:
1) Que a semana não constituiu uma divisão uniforme de tempo;
2) que não há certeza alguma quanto à ordem exata dos dias da semana;
3) que a ninguém é dado saber qual seja o primeiro dia da semana e qual o sétimo;
4) que o sábado original foi o domingo – que o dia foi mudado quando Israel saiu do Egito
– que desde a ressurreição de Cristo até a presente data os cristãos têm estado
observando o sábado original instituído no Éden.
“Há um bom número de anos ocorreu ao autor indagar o que a esse respeito adiantava a
história das línguas. A linguagem de um povo revela as idéias, costumes e práticas do povo que a
fala. Se do começo da linguagem escrita até ao tempo atual o seu testemunho for unânime sobre
este ponto, ele é merecedor de toda a confiança, a evidência deve ser aceita e o nosso juízo
formulado de acordo com a mesma.
“A organização deste mapa exigiu, como é natural, longos e pacientes estudos e a consulta
de grande número de obras; além de correspondência com estrangeiros, entrevistas com
indígenas, missionários, viajantes e autores, sem levar em linha de conta a longa demora do
próprio autor e os estudos por ele pessoalmente feitos em países do oriente.
“Como ao leitor atento é dado verificar, o hebraico tem as suas formas antigas, medievais e
modernas, como as têm os demais idiomas semíticos e bem assim os da família hamítica ejafética.
Todos eles, porém, concordam em que o domingo é o primeiro dia da semana e o sábado o dia
sétimo. É digno de nota também que o sétimo dia conservasse sempre o seu primitivo nome de

409
Trecho da obra de STEIN JÚNIOR, Guilherme. O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia: Sua história seu
objetivo e seu problema atual. (original em português de 1919). 2. ed. revista e comentada por Ruy Carlos de
Camargo Vieira, Brasília: Sociedade Criacionista Brasileira, 1995. p. 33-35. As notas de rodapé seguintes estão
numeradas e formatadas conforme o original.
(21)
William Mead Jones, nascido em 2 de maio de 1818, em Fort Ann, Nova York, Estados Unidos da América do Norte, tornou-se ministro
licenciado na Igreja Batista do Sétimo Dia em 1840, depois de diplomado pela Madison University. Foi notável seu gosto e facilidade pelo
aprendizado de línguas. Tendo sido designado para servir como missionário em Burma, não chegou a deslocar-se para o Oriente mas foi enviado para
o Haiti onde em pouco tempo pregava em francês. Em seguida foi incumbido do campo missionário na antiga Jope, tendo então viajado por toda a
Terra Santa. Aí estudou árabe, hebraico, latim, grego, alemão e italiano, tendo chegado em 1858 a pregar em árabe e em 1859 em alemão. Desde 1872
foi pastor em Londres e professor de árabe e hebraico no City of London College. (Resumo biográfico retirado do capítulo “The Sabbath in the British
Isles”, escrito pelos Rev. J. Lee Gamble e Charles H. Greene, no livro Seventh day Baptists in Europe and America, vol. I, impresso para a Seventh
Day Baptist General Conference pela American Sabbath Tract Society, Painfield, N. Jersey, 1910, pp. 80-83).
(22)
Ver cópia das pranchas dessa Carta no Apêndice.
(23)
Louis-Lucien Bonaparte (* 1813, + 1891) era o terceiro filho de Lucien Bonaparte, segundo irmão vivo de Napoleão Bonaparte. Dedicou-se
ao estudo dos dialetos ingleses e publicou também algumas obras notáveis sobre a língua basca. (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA,
MICROPAEDIA, vol. II, p. 139. Verbete Bonaparte, Louis-Lucien).
179

sábado conferido por Deus. Temos aí pois uma história contínua da semana e do sábado, história
ininterrupta, inalterada, sem lacunas e sem o extravio de um único dia, desde a criação até o
tempo presente. O autor dedicou o melhor dos seus esforços e do seu tempo, e durante um bom
número de anos, a reunir essas vozes dos países de sua procedência para trazê-las ao
conhecimento dos seus colegas cristãos, na firme esperança de por este meio varrer de todo o
espírito sincero os sofismas e insinuações, as asserções inexatas efrioleiras acerca do extravio de
um dia, de uma mudança do sábado ou de ser o domingo o sétimo dia original. Depois de um
estudo atento do presente mapa, o leitor chegará naturalmente à conclusão de que é
absolutamente impossível que o testemunho dessas línguas históricas minta, persuadindo-se de
que elas dizem a verdade, toda a verdade e só a verdade sobre o assunto em questão.
“O mapa oferece em suma uma perspectiva da história linguística da semana de sete dias
desde a antiguidade mais remota até o tempo atual. Ele demonstra a continuidade ininterrupta de
nosso ciclo semanal desde o começo da linguagem falada senão do próprio tempo. Uma meia
hora de estudo que dedique a este trabalho bastará para convencer ao leitor de que é manifesta a
mão dirigente de Deus em preservar intacta desde o princípio até agora, entre as nações, essa
simples mas importante divisão do tempo, que é a um tempo o monumento e a memória de Sua
obra criadora.”
Com efeito, nesse trabalho, que tivemos o cuidado de examinar minuciosamente, somos
defrentados com povos de raças diferentes, de diferentes idades e de origens diversas – povos
muitos dos quais não tiveram entre si o mais ligeiro contato e que no entanto são perfeitamente
concordes no que respeita à ordem dos dias da semana e à posição que nesta ocupa o dia de
sábado (o sétimo dia), ficando assim exuberantemente comprovado que a semana estabelecida por
Deus na criação nunca sofreu alteração aiguma através dos tempos e que o sábado do sétimo dia é
e continuará a ser o legítimo dia sétimo, o dia correspondente ao sétimo dia da criação, o dia de
descanso de Deus.
É curioso notar entretanto como no decorrer do tempo mais de uma vez tentativas foram
feitas no sentido de introduzir novas divisões do tempo em substituição à da semana de sete dias e
até mesmo uma modificação da ordem primitiva dos dias que constituem a semana.
Não nos referimos aqui à alteração que os dias da semana experimentaram em suas
designações em conseqüência da astrolatria, alteração que, embora adaptada e consagrada em
muitos povos, absolutamente não influiu para uma alteração da sua ordem legítima, servindo, ao
contrário, ainda hoje, de atestar que esta continua absolutamente a mesma.
Os babilônios, que foram sem dúvida os primeiros a introduzir essa nova designação dos
dias da semana, conservaram ao lado do nome planetário de Saturno (24), dado ao sétimo dia, o seu
nome legítimo de “sábado”, como ficou demonstrado pelas recentes descobertas ali feitas; os
vestígios do sábado, porém, remontam até aos sumerianos, os fundadores da civilização
babilônica, em cuja língua, a mais antiga de que temos notícia, o sábado é interpretado como “um
dia de descanso para a alma” (25).

(24)
Ver sobre isto o estudo apresentado no Apêndice.
(25)
SAYCE, A. H. The Higher Criticism and the Verdict of the Monuments, p. 74.
Archibald Henry Sayce (* 1845, + 1933) foi um erudito lingüista cujas muitas valiosas contribuições para a pesquisa linguística e arqueológica do
Oriente Próximo incluiram a primeira gramática em inglês da língua assíria, um dialeto do acádico. (ENCYCLOPAEDÍA BRITANNICA,
MICROPAEDIA, vol. VIII, p. 938. Verbete Sayce, Archibald Henry).
O próprio Guilherme Stein Jr., nos seus escritos inéditos que aprofundam vários aspectos lingüísticos relacionados com o texto bíblico, baseando-
se em assiriólogos de renome, como Sayce acima citado, e o Prof. Langdon, autor de numerosas obras sobre as línguas mesopotâmicas, legou-nos o
seguinte trecho ilustrativo do significado do sábado em conexão com a religião da Suméria:
“Esse dia (o sábado) foi chamado em assírio shabattu, palavra que em assírio assumiu duas acepções distintas, as quais, pela sua incongruência,
deixaram perplexo ao próprio Professor Langdon, levando-o a concluir que o assírio shabattu devia ter etimologia diversa da do hebraico shabbath.
Num lugar shabattu é interpretado um nuh libbi, literalmente ‘um dia de descanso do coração’, o que foi tomado no sentido de ‘um dia de descanso
para o coração dos fiéis’. Em outros, shabattu é interpretado como dia nefastus. dia de luto, de penitência, de lamentação e de choro, o que,
certamente, não pode significar um dia de descanso para o coração dos fiéis. Torna-se evidente que o coração ao qual alude essa definição não é o
180

Figura 4 – Calendário encontrado nos Banhos de Tito, em Roma (b).


Neste calendário os dias da semana são representados por figuras dos sete deuses planetários. O primeiro é o dia de Saturno,
correspondente ao sétimo dia da semana bíblica. Os doze signos do zodíaco em princípio apontam para os doze meses do ano. As duas
colunas de algarismos romanos indicam os dias do mês, o último algarismo devendo ser repetido no mês que tivesse trinta e um dias. Nos
orifícios (marcados por pontos cheios na figura) eram inseridas pequenas hastes removíveis para marcar o mês e os dias da semana e do mês.

Queremos referir-nos antes de tudo às divisões do tempo que foram introduzidas e


estiveram em voga na Grécia e em Roma, sendo em Roma as nundinae (26), espécie de semana de
nove dias, e na Grécia a divisão do mês em três períodos de dez dias, respectivamente. Não

coração dos fiéis, e sim Ninib, chamado ‘o coração do deus Enlil’. (Ninib representa o Messias, na Suméria; e Enlil, seu pai). É o que se presume
estar entendido na palavra sumérica sabad, como composta com sa, ‘coração’ (abreviação de sab), e bad, ‘morto’. A esse coração morto dedicou-se
um templo E-sabad, e na liturgia que lhe diz respeito figuram estes dizeres: ‘pelo templo do sabad eu choro’. Não vamos discutir aqui a etimologia do
assírio shabattu, que pelo final tu deve ser uma forma feminina do hebraico shabath, cujo radical, de acordo com Gesênio, teria a significação
própria de ‘cessar’. ‘Sua alma trabalhou’, diz o profeta, falando do Messias, e nesse dia, que era o Seu dia, Seu coração cessou de trabalhar, e de
‘todas as Suas obras’, fazendo repousar também o Espírito do Pai ‘nas terras do norte’. As grandes liturgias de lamentação terminam sempre pelo
estribilho: ‘Possa o teu coração repousar’, o que certamente tanto se refere a Ninib como ao seu pai Enlil”.
(b)
ODOM, Robert Leo. How did Sunday get its name? Southern Publishing, Association, Nashville, Tennessee USA, 1947, p.2.
(26)
A divisão do tempo em Roma sob a forma de núndinas não caracterizava propriamente uma semana, pois ao seu lado permanecia a “semana
planetária” de sete dias, cada um dos dias ligado a um dos astros mais destacados na esfera celeste.
De fato “como os autores clássicos nunca caracterizaram as núndinas como indicativas de uma unidade de tempo, não se pode argumentar que
elas tenham correspondido a um ciclo de oito dias semanais (na contagem inclusiva). O fato de que os ‘dias de mercado’ (ou núndinas) em uma cidade
não coincidiam com os de uma outra cidade vizinha, também induz à conclusão de que as núndinas não constituíam um tipo de ciclo semanal. Foi o
surgimento da ‘semana planetária’, nos tempos helenísticos, que popularizou no Império o ciclo semanal até grangear-lhe aceitação total”. (STRAND,
Kenneth A. The Sabbath in Scripture and History. Review and Herald Publishing Association, Washington D.C., USA, 1982, pp. 308 e 309).
Kenneth A Strand é professor de História da Igreja e Novo Testamento no Seminário Teológico Adventista da Andrews University desde 1959.
Doutorou-se em 1958 na Universidade de Michigan e foi autor e editor de numerosos livros e artigos, dos quais o citado acima constitui valiosa
contribuição para o conhecimento mais aprofundado da história do Sábado.
Vale destacar, a propósito das núndinas romanas, a interessante publicação de Immanuel Velikovsky intitulada “Words in Collision”, que tenta
apresentar uma razão astronômica para a divisão do mês lunar em quatro períodos de nove dias, nos tempos de Rômulo e Numa Pompílio (item
“Meses em Desarranjo”, capítulo 8). O capítulo citado trata de um ano original de 360 dias, e das perturbações que se sucederam, em conexão com o
dilúvio, alterando a duração do ano solar e dos meses lunares.
181

sabemos se essas instituições eram destinadas a substituir a semana de sete dias; o que é certo,
porém, é que a sua duração foi limitada, não logrando nunca foros de universais, e ainda menos
influir sobre a ordem primitiva dos dias da semana, que tiveram entre esses povos as mesmas
designações que entre os babilônios.
Outra tentativa, mas de evidente má fé, foi a da Revolução Francesa, que, insurgindo-se
contra toda a espécie de religião, estabeleceu uma semana de dez dias em substituição à de sete,
instituição que, sobre as precedentes teve apenas a vantagem de uma extensão mais limitada e de
uma existência ainda mais efêmera (27).
Coisa mais curiosa nos oferece a China. Os chineses maometanos adotaram para os dias da
semana as designações semíticas de “primeiro do sábado” (domingo), “segundo do sábado”
(segunda-feira), etc, ao passo que os católicos, sem alterarem a ordem dos dias, designam estes a
começar pelo domingo ou primeiro dia da semana: “dia de olhar para cima e de render culto”
(domingo), “dia de culto dois” (segunda-feira), “dia de culto três” (terça-feira) e ao sábado “dia de
culto sete”, conservando, portanto, a sua numeração exata. Não assim os protestantes, que vieram
mais tarde e que, alterando essa numeração, designaram o domingo “dia de culto ou de adoração
respeitosa”, a segunda-feira “dia de culto um”, a terça-feira “dia de culto dois”, e o sábado, “dia

(27)
CALENDÁRIO REPUBLICANO FRANCÊS
“Na França do fim do século 18, com a Revolução Francesa impendente, começaram a ser feitas exigências para uma alteração radical no
calendário civil que o divorciasse completamente de qualquer conexão eclesiástica. Os primeiros ataques ao Calendário Gregoriano e propostas
para sua reforma surgiram em 1785 e 1788, sendo projetadas alterações principalmente para despir o calendário de todas as suas associações com o
cristianismo. Após a queda da Bastilha em julho de 1789, as exigências tornaram-se mais retumbantes, e se falava amplamente de um novo
calendário a iniciar-se no ‘primeiro ano da liberdade’. ... O Calendário Republicano Francês, como ficou conhecido, foi formulado para iniciar-se a
22 de setembro de 1792, o dia da proclamação da República, e naquele ano também a data do equinócio de outono. ... O número total de dias do ano
era de 365, como nos calendários Juliano e Gregoriano, o ano sendo dividido em doze meses de trinta dias, os restantes cinco dias dedicados a
festivais e férias. ... A semana de sete dias foi abandonada, e cada mês de trinta dias foi dividido em três períodos de dez dias, denominados décadas;
o último dia de cada década era um dia de repouso. ... A denominação dos meses foi alterada, para que todas as associações anteriores fossem
perdidas, e Fabre d’Eglantine escolheu novos nomes descritivos como se segue (entre parênteses são dados os significados dos nomes descritivos e as
datas correspondentes ao início e fim de cada mês, de conformidade com o Calendário Gregoriano):
- Vindimário (vindima, 22 de setembro a 21 de outubro)
– Brumário (bruma, 22 de outubro a 20 de novembro)
– Frimário (frio, 21 de novembro a 20 de dezembro)
– Nivose (neve, 21 de dezembro a 19 de janeiro)
– Pluviose (chuva, 20 de janeiro a 18 de fevereiro)
– Ventose (vento, 19 de fevereiro a 20 de março)
– Germinal (semente, 21 de março a 19 de abril)
– Floreai (flor, 20 de abril a 19 de maio)
– Prarial (prado, 20 de maio a 18 de junho)
– Messidor (messe, 19 de junho a 18 de julho)
– Termidor (calor, 19 de julho a 17 de agosto)
– Frutidor (fruto, 18 de agosto a 16 de setembro)
“... Em setembro de 1805, sob o regime napoleônico, o Calendário Republicano Francês foi virtualmente abandonado, e em 1o de janeiro de
1806 foi substituído pelo Calendário Gregoriano.
“O insucesso do Calendário Republicano Francês sem dúvida influiu para que outros regimes não adotassem quaisquer sistemas semelhantes,
pois quando a Rússia Soviética procedeu à reforma de seu calendário em fevereiro de 1918, somente passou do Calendário Juliano para o
Gregoriano, com a supressão de 13 dias, de tal forma que 1o de fevereiro tornou-se 13 de fevereiro. Em 1929 foi proposto para a União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas um novo calendário, que nunca entrou em vigor” (*). (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA.
Verbete Calendar, vol. 3, pp. 601 e 602).
(*) Nota do Editor: Na realidade, em 1929, com o propósito de dissociar o calendário de quaisquer finalidades religiosas, o governo soviético
adotou a “semana” de cinco dias, eliminando o sábado e o domingo com suas respectivas conotações religiosas. O primeiro dia era amarelo; o
segundo, alaranjado; o terceiro, vermelho; o quarto, púrpura; e o quinto, verde. Cada pessoa recebeu uma côr indicativa de seu dia de repouso. Durante
o ano foram estabelecidos cinco feriados gerais. O calendário, que entrou em vigor em outubro de 1929, causou enorme confusão. Como não existisse
mais “fim de semana”, todos os dias eram dias úteis. As famílias tinham de conseguir rearranjos nas escalas de trabalho para que pudessem ter um dia
comum para se reunir no fim de semana. O mesmo se passava com os amigos, que só podiam se reunir se tivessem a mesma côr. Já em janeiro de
1930 o governo soviético compreendeu que era impossível funcionar esse novo sistema, e modificou-o estabelecendo doze períodos (correspondentes
a meses) de cinco “semanas” com seis dias cada. O primeiro dia do mês deveria cair sempre no primeiro dia da semana. Os dias da semana
continuaram a ser designados por números. Os trezentos e sessenta dias dos doze períodos anuais foram complementados com dias extras de trabalho
ou feriados. Em 1932 ficou patente que também esse sistema era inexequível, e o governo tentou ajustá-lo então ao Calendário Gregoriano. Como os
“meses” permaneceram com trinta dias, não foi possível tal ajuste. O hábito de chamar os dias e os meses pelos seus nomes tradicionais, e não pelos
números a eles associados, estava suficientemente enraizado para forçar a volta à antiga tradição, de tal forma que em 27 de junho de 1940 os
soviéticos aceitaram o Calendário Gregoriano, terminando a infausta experiência. [PARISE, Frank (Editor). The Book of Calendars. Facts on File.
New York, 1982, p. 377].
182

de culto seis”, figurando aí o sábado como sexto dia, em vez de sétimo, que no cálculo deles
passou a ser o domingo (28).
Contudo, nem mesmo essa inovação conseguiu estender-se além da igreja, muito menos
influir de modo geral e decisivo sobre a ordem legítima dos dias, pois os chineses, que também
adotaram o sistema babilônico de designar os dias, conservam por ele a ordem inalterada
observada por todos os demais povos, possuindo, além disso, um sistema particular de divisão de
tempo, que consiste num período de 28 dias, de sucessão absolutamente regular, o qual se divide
em quatro períodos de sete dias, a que eles denominam “os sete reguladores”, e que correspondem
à nossa semana. Com referência a ele diz Sir Mead Jones: “Esse sistema de cálculo da semana é
antiquíssimo e representa um quádruplo testemunho da ordem inalterada da série de sete dias tão
conhecida na antiguidade quanto nos tempos modernos. Esse sistema tem sido uma salvaguarda
contra o extravio de um dia, ou substituição de um dia pelo outro.” (29) Cada dia tem seu lugar
marcado por quatro nomes planetários, tornando impossível qualquer confusão.
De resto, é perfeitamente sabido que os chineses em tempos remotos conheceram e
observaram o sétimo dia em caráter de sábado ou descanso (30).
Concluiremos este capítulo transcrevendo a propósito o seguinte testemunho do eminente
Rabino Isaac M. Wise:
“Não há época na história que não esteja compreendida na tradição dos judeus. Poder-se-
ia tão bem afirmar que o domingo não é o primeiro dia da semana ou o terceiro dia depois da
crucificação, como afirmar que os judeus olvidaram a ordem dos dias, sendo o sábado tão
sagrado para eles. Qualquer que sustentar que houve extravio de um dia deve poder provar em
que lugar e a que tempo os judeus cometeram um lapso no cálculo dos dias.
“Os judeus não têm nomes para os dias da semana, designando-os simplesmente ‘primeiro,
segundo, terceiro, etc, do sábado’ (31). Admitido pois que em qualquer parte para onde foram
dispersos oitocentos anos antes de Cristo alguns deles houvessem errado no cálculo dos dias,
outros haveria, em outros lugares, que não teriam cometido o mesmo erro, devendo daí
naturalmente ter-se originado entre eles uma disputa quanto ao legítimo dia a observar. A
história nada absolutamente diz a esse respeito.
“O Sinédrio de Jerusalém publica regularmente todos os anos o calendário judaico para os
judeus em todo o mundo. Em que tempo teria ele pois se enganado a respeito do sábado? Aqueles
que pretendem que houve extravio de um dia sustentam um absurdo” (32).

(28)
Ainda nos escritos inéditos de Guilherme Stein Jr. encontra-se o texto seguinte que complementa as asserções acima:
“Assim também a catequese, tanto a católica como a protestante, serviu-se dessa expressão lai pai (= tuan) para designar a semana. Os
protestantes designavam os dias da semana usando essa expressão acompanhada do respectivo número de ordem, e chamavam ao primeiro dia da
semana lai pai yat (dia da semana um) traduzindo lai pai, ‘culto respeitoso’. Os católicos chamavam a esse dia (domingo) chan li yit, e traduziam
‘dia de olhar para cima e render culto’ (li é lai, e yit é yat, ‘um’). Daí em diante diziam chan li erh, ‘dia de culto dois’; chan li san, ‘dia de culto três’,
e ao sábado chamam chan li tsi, ‘dia de culto sete’. Os protestantes chamam à segunda-feira lai pai yi, ‘dia de culto um’; a terça-feira lai pai erh,
‘dia de culto dois’, e ao sábado lai pai leu ‘dia de culto seis’.”
Vide também “Carta da Semana” no trabalho citado de William Mead Jones (chinês maometano – sexagésima linha; chinês-católico romano –
qüinquagésima oitava linha; chinês-protestante – qüinquagésima nona linha) no Apêndice.
(29)
JONES, William Mead. op. cit.
(30)
Veja-se também GILFILLAN, History of the Sabbath, p. 360.
Referência mais completa é a seguinte: GILFILLAN, James: The Sabbath viewed in the light of reason, revelation and history. American Tract
Society and New York Sabbath Committee, 1862, p. 360.
James Gilfillan (* 1797, + 1874), nascido em Perthshire, Escócia, graduou-se no Edinburgh College, e foi ordenado em 1822. E conhecido como
autor do livro “The Sabbath, viewed in the light of Reason, Revelation and History”, publicado em 1861 e rapidamente aceito como autoridade no
assunto. (THE DICTIONARY OF NATIONAL BIOGRAPHY, Ed. Leslie Stephen and Sidney Lee, Oxford University Press, London, reprinted 1921-
1922, Vol. VII, p. 1230).
(31)
Vide “Carta da Semana” no trabalho citado de William Mead Jones, linha 2, no Apêndice.
(32)
Transcrição do editorial “Tempo Extraviado” publicado no “Arauto da Verdade”, vol. IX, nº 7, p. 114, julho de 1908.
183

The Sabbath and the Seven Day Weekly Cycle – Ancient Languages Prove its
Perpetuity410
Showing the unchanged order of the days and true position of the Sabbath, as proved by the combined
testimony of Ancient and Modern Languages – By Rev William Mead Jones D.D

No. LANGUAGE WEEK SEVEN DAY


Shemitic
1. Hebrew Bible Sha-vu-ah. - Seven Day the Sabbath
2. Hebrew Sha-vu-ah. Holy Sabbath Day
(Ancient & Modern ) Seven
3. Targum of Onkelos Sha-vu-ah. - Seven Day Seventh. Sabbath
4. Jews in Kurdistan Seven Holy Sabbath Day
Sha-vu-ab
5. Ancient Syriac Shab-ba-tho Sabbath
Sabbath
6. Chaldee Syriac Ya-mat shap-tu Sabbath
(Kurdistan & Persia) Days into Sabbath
7. Samaritian Sha-vu-ah. Day the Seven. Sabbath
(Nabius, Palestine) Seven
8. Babylonian Ma-a-su Seventh. Sabbath
(Euphrates & Tigris valleys) Quarter of Lunation
9. Assyrian Ma-a-su Seventh. Sabbath
(Euphrates & Tigris valleys) Quarter of Lunation
10. Assyrian Planetary Names Seven chiefs of the days of The Star Zibanit.
the week Saturn
11. Arabic As-bu-ah Chief or Rejoicing Day
(Very Old Names) Seven
12. Arabic - Ancient & Modern The Seven, Collection (of The Sabbath
West Asia W & N Africa days)
13. Maltese, Malta Ghimgh’s - Collection
14. Ethiopic As-beth. – Seven Sabbath
15. Tigre. Abyssinia Sa-me-net - Eight. The Sabbath
turn from the 7th
16. Amharic. Abyssinia Sa-me-net. Eight. The turn Sabbath
from the 7th
17. Falasha (Language of the Sa-me-net Yini sanbat. The Sabbath
Jews of Abyssina)
Hamitic
18. Old Egyptian No word found for week Saturn
19. Coptic. Egypt Pf anan. A period of time The 7th day. The Sabbath
(Dead Language for 200 years) belonging to the Sabbath
20. Orma or Galla. Torban and Torbo Zam-ba-da (tenna)
South of Abyssina Seven Sabbath
21. Tamashek or Towarek Jum-a a-hal es-sabt
Atlas Mountains – Africa Collection of Seven days The Sabbath Day
22. Kabyle or Berber Wik, dart, du-a-rin Ghas assebt
North Africa Seven (days) The Sabbath Day
23. Hausa (Central Africa) Kwana bokoi - Seven Days Assebatu. The Sabbath
Japhetic
24. Sanscit (The classic language Saptaha Ahani-var Sani-var
of India from 2000 B.C.) Seven Saturn-day
25. Hindi – India Suptah – Seven Ahuni-war
Saturn-day
26. Pali - (The Sacred Language Sattaham Sanivaro
of India) Seven Days Saturn-day
27. Urdu or Hindustani - India Haftah Sanichar. Shamba
Seven Saturn Sabbath
28. Sindhi Hapta Chhancharn
Sindh, India Seven Saturn-day
29. Sindhi Muhammadan Jum-a Chhanchharu

410
“Mapa da semana, demonstrando a ordem inalterada dos dias e a legítima posição do sábado pelo testemunho
combinado de línguas antigas e modernas”. Extraída da obra já citada de Gulilherme Stein Júnior, e também
encontrada em <http://www.seventh-day.org/chart-weekall.doc>. Visando uma disposição objetiva do tema,
foram omitidas as colunas correspondentes aos outros seis dias da semana, sem que se perdesse o sentido
original.
184

India Saturn-day
30. Gujarati Ravivar Sani-var
India Seven Days Saturn-day
31. Marathi Saptaha Shani-var
India Seven Saturn-day
32. Cashmere Hafta Bat-war
India Seven Idolator’s day
33. Punjabi sata Bar- day
India Seven (end of week)
34. Punjabi Muhammadan Hafta Sanich-chhar
India Seven Saturn
35. Bengali Saptaha Shani-bar
India Seven Saturn-day
36. Assamese Saptaha Sani-ar
Assam, India Seven Saturn-day
37. Uriya Sapah and hapa Sani-ar
Orissa, India Seven Saturn-day
38. Pashto or Afghan Al-ishbuah Shamba
Afghanistan The Seven Sabbath
39. Pahlavior Shaba and Baft Kevan – Saturn
Ancient Persian Seven Shambid – The pleasant day
of the week “Deis Sabbati”
40. Persian Hafta Shambih
Seven Holiday, Sabbath
41. Mythological Haft Rang Black to Saturn
Persia and India (Seven Colours)
42. Armenian Shapat Shapat
Armenia Sabbath Sabbath
43. Kurdish Ahfti Shamba
Kurdistan Seven Sabbath
44. Brahuiky Hafta Shambe
Beluchistan Seven Sabbath
45. Tartaric - Tungusian Boi-huan wu-shi-ha
Manchu – Manchuria Saturn-day
Sa-ni-tsar, bemba
The Son of the Sun: Saturn
“The Mongols use ‘Bema’ as
another and especial term for the
Do-lo-ghau gu-nuk Seventh-day. They strictly keep it
Eastern Mongolian
46. Seven nights/days from the transaction of secular
business. They neither give out nor
take in any property at their houses,
nor collect or pay debts, or start on
a journey on that day.”
Bem-be gra-ku
47. Kalmuk Do-lon gu nuk Saturn Planet
Western Mongolian Seven Days The centre or culmination
of the other days
48. Osnianhan Asbn-Ah Yom-es-sabt
Turkey Seven Day the Sabbath
Lazen Asabath
49.
Pashalik of Trebizond. Sabbath
Kazani At-na At-narti
50. Karan, East Russia Day Hindmost of the series of
seven days
Subbota - Sabbath
Dravidian Varamkilamai Sunikilamai
51.
Tamil (India) A period of time Saturn-day
Malaylam Archavattam Saniyorcha
52.
India Day circle (of seven) Saturn-day
53. Kodagu or Coorg Yelu-nalu chanache
Southern India Seven days Saturn-day
54. Kanarese Hafta vara Shani wara
India Seven Day Saturn-day
55. Telugu Athwara varamu Sanivaramu
India Space of Seven Days Saturn-day
Singhalese Sattiye dawas Senasurada
56.
Ceylon Seven Days Saturn-day
Monosyllabic
Ancient Chinese Tsi cheng 1. Nu
Names of the cycles of 28 days. It Seven regulators, 2. wei
ever repeats itself without regard equivalent to week 3. liu
57.
to years. This 7 and 28 day cycle 4. ti
is used in Corea, Manchuria,
Mongolia, Tibet
Saturn
185

Chinese (Roman Catholic) Li pai Chan li usi


58. (Adopted long prior to Worship day seven
protestant)
Chinese (Protestant) Li pai Li pai leu
59. (Missionary Names changed from Worship day six
the above within a century)
Muhammadan Chinese Jum-a Sai bi tai
60.
(Persian and Arabic Names) Sabbath
Annamite Tuan le Ngay thu bay
61.
Aunam Series of days Day in order 7
62. Siamese - Siam athit Saturn-day
Kambojan Atut Thngay sau
63.
Kamboja Sun Day Satan
Burmese Hkoo hnit yek Isa-nay
64.
Burmah Seven Days Saturn
65. Ancient Peguan Sattaha T’pauh
Pegu-Burraah Seven (days) (Day) Seven
66. Modern Peguan Sattaha A’gne-saw
Burmah Seven (days) Saturn (day)
67. Shan Has tang Sane
Burmah Seven Days Saturn (Day)
68. Manipuri Choyol Thanja
South of Assam Seven Saturn
Khassi Ka shi taiew Ka sngi sait-jain
69.
Cossyah Hills, East of Bengal A Seven days A day to wash clothes:
Purification-day
Ancient Rong or Lepcha Dun-hrok Pun-jeng sa-ayak
70.
Darjeling & Sikim Hills, East A Period of Seven Days Earth Planet Day
of Nepal & South of Tibet
71. Modern Rong or Lepcha Dun-hrok Za phem-bo
A Period of Seven Days Planet Saturn
Isolated Languages

72. Japanese Mawari Doyoubi


Japan A turn, a period of 7 days Saturn-day (Copper)
73. Corean The names of the Corean 28 T oh
constellations correspond with the 4
Corean weeks cycle of the Chinese Earth Star, Saturn
74. Tibetan Zag-dun-prag-shig Za-pen-pa
Tibet One Seven Days (Planet Seven), The
Seventh Planet, Saturn
75. Boutan (1) Sa-kar dun – Planet (1) pen-pa – Eye of God =
Little Tibet days Seven; (2) gugna dun Saturn, (2) od-sar-dun pa
– Days Seven – Seventh Brilliant Star
76. Georgian Shvideooli – Seven Shabati
Caucasus Shabati – Sabbath Sabbath
77. Sauanian There were 150 languages spoken Sammtyn
by the Caucasus in Pliny’s time.
Caucasus Sabbath
78. Ingoush Shatt
Caucasus Sabbath
79. Aware or Avar (Daghestan) Ant Samat qo
Cis-Caucasus Seven Sabbath Day
80. Circassian Sit tkhamafey, hamapey Matizaka
Circassia Space of Seven Days Morrow after Assembly
Polynesian
81. Malayan Jum at Hari sabtu
Sumatra Collection (of days) Day Sabbath
82. Javanese sajemoohat Saptoe (saptu)
Java Collection of days Sabbath
83. Sunda (West Java) Jum-a Saptu
Collection (of Days) Sabbath
84. Dayak Sabtu
Borneo Sabbath
85. Makssar Boesa Sattu
Southern Celebes and Salayer Islands Seven Sabbath
86. Bugis Balanitya Sattu
Celebes Seven Sabbath
87. Malagassy Herinando Alsabotsy
Madagaskar Complete Measure The Sabbath
88. Nuforian Ras de fiek Ras fiek
N.W. New Guinea Day in Seven Day Seven
186

African
89. Swahili Jum-a As-sabt
East Equatorial Aftrica Collection of (Days) The Sabbath
90. Congo The Negroes of the Gold Coast Satade – Saturday
West Equatorial Africa say “God, the Creator, made Kiansabulu – Sabbado:
Seven Days.” Sabbath
Isolated Languages
91. Wolof Ayoubesse Alere-asser
Senegambia, West Africa Seven Last Day, Sabbath
92. Fulah Essibt
(West Africa) The Sabbath

93. Mandingo Lukungo Sibiti


South of Senegal, West Africa Sabbath
94. Teda Degesa tuddesa Essebdu
Central Africa Collection of Days The Sabbath
95. Bornu or Kanuri Mage Sibda
Central Africa Collection Sabbath
96. Fulfulde Assebdu
Central Africa The Sabbath
97. Sonyal Assebdu
Central Africa The Sabbath
98. Logone Semalge Sel-sibde
Central Africa Seven Days The Sabbath
99. Wandala Harwuye Sibda
Central Africa Sabbath
100. Bagrimma Dzamorta Sibbedi
Central Africa Collection Sabbath
101. Maba Mindri Sab
Central Africa Seven Sabbath
Miscellaneous
102. Norman French Sepmayn, Sepmeme Sabbedi, Smaday, Semadi,
(10th & 11th centuries) Sabbath Day
103. Ancient French Semaine, Semeigne Samedi
(12th & 13th centuries) i.e. Sabbath Day
104. D’oc France Semana, Semane Dissata, Dissate
(Ancient & Modern) Seven Days Day Sabbath
105. Ecclesiastical Sabbatum
Roman
106. Parliamentary Until recently whenever Parliament Dies Sabbati
assembled on Saturday, the Clerk
British wrote the day of the week thus:
“Dies Sabbati”
107. Astronomical Saturn

The Days of the week in all the European languages


Prepared by H.I.M. Prince Louis Lucien Bonaparte

No. Language Week Seven day


108. Basque Aste Larumbat
Spain and France One Quarter (of the moon or
lunation)
109. Finland Viikko Lauvantai, Lauantai
(Corruptions of Icelandic
Laugardagur)
110. Esthonian Nadal Lau-paaw (Bath-day)
Baltic Russia (1st part is corruption of Icelandic
Laugardagur)
111. Livonian (Baltic Russia) Nadiil Puol-paava
(Half day)
112. Lap Vakko Lavardak
Norway Corruption of Icelandic
Laugardagur
113. Morduin Nedla Subbota, Subta,
Russia Sabbath
114. Tsheremissian Arna Kuks-keca
Russia Dry-day (day without work)
115. Permian (Russia) Sim-lun, Nedil Subota (Sabbath)
116. Votiak (Russia) Arna Kos-nunal, Arna-bor
187

Dry-day (day without


work), (Week-back),
Sumat, Subbota (Sabbath)
117. Hungarian (Hungary) Het Szombat (Sabbath)
118. Vogul (Russia) Sat Katit-katel (Sixth-day)
119. Ostiac Labyt, Labet, Labyt-och Chotmet-chatl (sixth-day)
Russia Ju-olyn-chatl (Hinder end-day)
120. Gaelic Seachdmhain Sathurn, Dia Sathuirn
Ireland Saturn, day of Saturn
121. Welsh (Wales) Wythnos Dydd Sadwrn (Day Saturn)
122. Cornish (Cornwall) Seithun De Zadarn (Day Saturn)
123. Breton (France) Sizun Sadorn, Disadorn (Saturn,
Day Saturn)
124. Greek (Greece) E (Sabbath)
125. Modern Greek (Greece) (Sabbath)
126. Albanian (Turkish Albania) Jave Setune, (Saturn)
127. Latin Hebdomas Sabbatum, dies Saturni
Italy Sabbath, Day of Saturn
128. Italian (Italy) Settimana Sabato, Sabbato (Sabbath)
129. Spanish (Spain) Semana Sabado (Sabbath)
130. Portugese (Portugal) Semana Sabbado (Sabbath)
131. French (France) Semaine Samedi (Sabbath-day)
132. Roman (Spain, Catalonia) Semmana Dissapte (Day-Sabbath)
133. Rhetian (Canton des Grisona, Jamna, Emna Sonda (Corruption of
Switzerland) High German Sonnabend)
134. Wallachian Septamana Sambata
Roumania or Wallachia Sabbath
135. Gothic (Moeaia) Viko
136. Old High German Wecha Sunnun aband, (Sun(day’s)eve,
Sambaztag (Sabbath’s day)
South Germany
137. Old Low German Wica
North Germany
138. Anglo-Saxon Wice, Weoce, Wuce, Saternesdaeg, (Saturn’s day),
England Wecce Saterdaeg (Saturday)
139. Friesian Wike Saterdi, Saturday, Snevend
Holland Corruption of High German
Sonnabend
140. High German Woche Sonnabend, (sun(day’s)eve)
Germany Samstag (Sabbath’s day)
141. Low German Week Sunnabend
North Germany (Holstein) Sun(day’s) eve
142. Dutch (Holland) Week Zaturdag (Saturday)
143. Modern Friesian Wike Sniund (Corruption of High
Holland German Sonnabend)
144. English (England) Week Saturday (Saturn-day)
145. Icelandic (Iceland) Vika Laugardagur (of bath-day)
146. Swedish Vecka Lordag (Corruption of
Sweden Icelandic Laugardagur)
147. Danish Uge Laverdag (Corruption of
Denmark Icelandic Laugardagur)
148. Old Slave (Bulgaria) Sedmica, Sedmina Subbota (Sabbath)
149. Russian (Russia) Nedjelja Subbota (Sabbath)
150. Illynan (Dalmatia, Servia) Nedjelja Subota (Sabbath)
151. New Slovenian Tedon, Tjeden, Keden Sobota
Illyria, in Austria Sabbath
152. Bulgarian (Bulgaria) Nedjelja Subbota (Sabbath)
153. Polish (Poland) Tydzien, Niedziele Sobota (Sabbath)
154. Bohemian (Bohemia) Tyden, Nedele Sobota (Sabbath)
155. Lusatian (Saxony) Tydsen, Njedzele Sobota (Sabbath)
156. Polabic Nedela Subuta
Borders of the Elbe Sabbath
157. Lithuanian (Prussian Lithuania) Nedelia, Nedele Fubata (Sabbath)
158. Prussian (Prussia) Sabatico (Sabbath)
159. Lettish (Baltic Russia) Neddela Sesdina (Sixth-day of work)
160. English Bible Week The Seventh Day,
The Sabbath
188

ANEXO D – POPULAÇÃO DE ADVENTISTAS E JUDEUS NO BRASIL411

Tabela 2094 – População residente por cor ou raça e religião


Variável = População residente (Pessoas)
Ano = 2000
Brasil e Unidade da Federação Religião
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 1.209.842
Brasil
Judaísmo 86.825
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 34.122
Rondônia
Judaísmo 126
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 5.859
Acre
Judaísmo 12
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 63.440
Amazonas
Judaísmo 663
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 6.473
Roraima
Judaísmo -
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 87.662
Pará
Judaísmo 967
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 5.499
Amapá
Judaísmo 45
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 8.737
Tocantins
Judaísmo 246
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 64.916
Maranhão
Judaísmo 101
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 8.543
Piauí
Judaísmo 49
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 22.868
Ceará
Judaísmo 223
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 8.725
Rio Grande do Norte
Judaísmo 106
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 9.151
Paraíba
Judaísmo 76
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 41.032
Pernambuco
Judaísmo 1.398
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 13.343
Alagoas
Judaísmo 9
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 15.997
Sergipe
Judaísmo 171

411
IBGE. Banco de Dados Agregados. Sistema IBGE de Recuperação Automática - SIDRA. Disponível em:
<http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?z=cd&o=7&i=P>. Acesso em: 10 jun. 2007.
189

Bahia Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 115.151


Bahia Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista
Judaísmo 71.794
927
Minas Gerais
Judaísmo 2.213
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 41.153
Espírito Santo
Judaísmo 247
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 61.178
Rio de Janeiro
Judaísmo 25.752
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 240.656
São Paulo
Judaísmo 42.174
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 87.954
Paraná
Judaísmo 2.280
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 28.657
Santa Catarina
Judaísmo 462
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 59.443
Rio Grande do Sul
Judaísmo 7.269
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 25.086
Mato Grosso do Sul
Judaísmo 203
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 32.845
Mato Grosso
Judaísmo 135
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 32.311
Goiás
Judaísmo 350
Evangélicas de missão - Igreja Evangélica Adventista 17.248
Judaísmo 624

Nota:

1 - Os dados são da Amostra

Fonte: IBGE - Censo Demográfico


190

Para contato: neidsonei@gmail.com

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