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Correspondência:
Isabel Mangas Palma › isabel.m.mangas@gmail.com
RESUMO
As glândulas supra-renais têm um papel central nos mecanismos adaptativos do ser humano
ao meio ambiente, bem como na regulação de diferentes processos fisiológicos, estando em
estreita inter-relação com os demais órgãos endócrinos e com o sistema nervoso autónomo.
No presente artigo abordamos, a título de revisão, a anatomia e embriologia das glândulas
supra-renais e a fisiologia das hormonas produzidas e secretadas na região cortical.
PALAVRAS-CHAVE
Supra-renal; Cortisol; Aldosterona; Dehidroepiandrosterona.
SUMMARY
The adrenal glands play a very important role in the adaptive mechanisms of humans to the envi-
ronment and in regulation of different physiologic processes. They are already in near interrelation
with the other endocrine organs and the autonomous nervous system. In this article we focus the
anatomy, embryology of the adrenal glands and the physiology of the hormones produced and
secreted in the cortex.
KEY WORDS
Adrenal; Cortisol; Aldosterone; Dehydroepiandrosterona.
Correspondência:
Isabel Mangas Palma › tlm. 919551799 › isabel.m.mangas@gmail.com
RESUMO
A insuficiência cortical supra-renal caracteriza-se por um défice de hormonas esteróides
supra-renais e sua consequência na homeostasia do meio interno. No presente artigo, abor-
damos as principais causas e apresentações da insuficiência cortical supra-renal, bem como
as considerações sobre o seu diagnóstico e tratamento, em diferentes contextos clínicos.
PALAVRAS-CHAVE
Insuficiência Supra-renal. Doença de Addison. Cortisol. Aldosterona. Dehidroepiandrosterona
SUMMARY
The adrenal cortex failure is marked by a deficit in adrenal steroid hormones, and its conse-
quence in the internal environment homeostasis. In this article we focus the main causes and
presentations of the adrenal cortex insufficiency, its diagnosis and treatment in different cli-
nical settings.
KEY WORDS
Adrenal insufficiency. Addison’s disease. Cortisol. Aldosterone. Dehydroepiandrosterona.
TABELA 1. Causas de insuficiência crónica do cortex supra-renal susceptibilidade à doença de Addison, foram
Auto-imune
Esporádica
realizados diferentes estudos que eviden-
Síndrome poliglandular auto-imune tipo I ciam a associação da doença ao antigénio
Síndrome poliglandular auto-imune tipo II
HLA-DR3 e ao haplótipo DR3/DQ211.
Infecções
Tuberculose Estudos mais recentes comprovam que a
Fungos existência de linkage desiquilibrium, ao nível
Vírus (CMV/HIV)
Metástases tumorais
da região promotora do CYPB27B1, tam-
Doenças infiltrativas bém está associada à doença de Addison
Hemorragia intra supra-renal
auto-imune7.
Adrenoleucodistrofia
Hipoplasia adrenal congénita Ainda relativamente à genética da
Síndrome de resistência ao ACTH doença de Addison auto imune, foi possível
Adrenalectomia Bilateral
Adaptado de Kronenberg et al, Williams Textbook of ENDOCRINOLOGY, 11th
demonstrar o valor da enzima 21-
Edition, Saunders, 2008. Hidroxilase na monitorização do processo
auto-imune que, apesar de não estar direc-
A insuficiência auto-imune, responsável tamente envolvida na destruição da glân-
por 60 a 70% dos casos de insuficiência cor- dula, constitui o principal auto-antigénio
tical supra-renal nos países desenvolvidos, na insuficiência supra-renal primária9.
decorre da destruição auto-imune das célu- A incidência da insuficiência supra-
las produtoras de hormonas esteróides. renal de causa tuberculosa tem vindo a
Verificou-se a existência de vários tipos diminuir nos países desenvolvidos devido à
de auto-anticorpos contra enzimas esteroi- disponibilidade de fármacos anti-tuberculo-
dogénicas, 21-Hidroxilase e 17-Hidroxilase, sos. Todavia, o aumento da incidência desta
em 75% destes pacientes1 sendo também enfermidade nos países em vias de desen-
possível afirmar que 50% dos casos de doen- volvimento, associado aos grandes fluxos
ça de Addison auto-imune, ocorrem no con- migratórios e à emergência de estirpes mul-
texto das síndromes poliglandulares auto- tirresistentes, leva a que esta continue a
imunes tipos I e II17. tomar um papel relevante no diagnóstico
A síndrome poliglandular auto-imune diferencial.
do tipo I (doença de Addison, hipoparatiroi- De um modo geral, esta doença ocasio-
dismo, candidíase mucocutânea crónica, na, no momento inicial, infecções activas
hipoplasia dentária, alopécia, hipogonadis- em outros órgãos como os pulmões e o apa-
mo primário) é uma doença rara, autossó- relho genito-urinário, sendo, posteriormen-
mica recessiva, causada por mutação no te e por disseminação hematogénea, atingi-
gene regulador AIRE localizado em 21q221,11. das as glândulas supra-renais que se tor-
A síndrome poliglandular auto-imune nam volumosas devido aos extensos granu-
tipo II (doença de Addison, hipotiroidismo lomas e caseo que então se formam e afec-
primário, hipogonadismo primário, diabe- tam tanto o cortex como a medula. Em 50%
tes mellitus tipo I, anemia perniciosa e vití- dos casos, verifica-se que este processo evo-
ligo), afecta predominantemente indivíduos lui para a fibrose e calcificação1.
jovens. É uma entidade poligénica e alguns Os carcinomas metastáticos do pulmão e
estudos sugerem uma associação a polimor- da mama constituem outra causa frequente
fismos do HLA1,11, cujas moléculas demons- de atingimento das glândulas supra-renais
traram estar envolvidas com a susceptibili- podendo, em alguns casos, levar a uma
dade e com a protecção genética à doença. insuficiência cortical supra-renal crónica1.
Desde o primeiro trabalho publicado O atingimento destas glândulas por
sobre este assunto em 1975, onde se destaca- infecções oportunistas (Citomegalovirus,
va a associação do antigénio HLA-B8 com a Mycobacterium avium, entre outros) ou por
Da mesma forma, o excesso de hormo- fludrocortisona 0,1 mg por dia, via oral,
nas tiroideias causado por hipertiroidismo associada à ingestão livre de cloreto de
ou terapêutica com levotiroxina exógena sódio. A dose pode variar entre os 0,05 e os
aumenta o turnover cortisona/cortisol e pode 0,25 mg por dia toma única diária ou repar-
requerer ajuste da dose. Pela mesma razão, tida por duas tomas, uma de manhã e outra
o início do tratamento com glicocorticóides ao início da tarde.
em doentes com hipopituitarismo deve pre- Os objectivos da terapêutica com mine-
ceder o início da substituição com levotiro- ralocorticóides são a manutenção da pres-
xina, visto que o inverso pode precipitar são arterial adequada, em decúbito e em pé,
uma crise adrenal. bem como, a normocaliémia18.
Glicocorticóides de acção prolongada A monitorização do sódio e potássio e
também podem ser usados na terapêutica da actividade ou concentração da renina
substitutiva. A equipotência das doses é a plasmática deve ser efectuada em intervalos
seguinte: 10mg de hidrocortisona equivale regulares, com objectivo de a renina plas-
a 2 mg de prednisolona e a 0.25 mg dexa- mática estar no limite superior do normal,
metasona. reduzindo-se assim o risco de hipocaliémia,
A hidrocortisona também tem acção edema e hipertensão16, 22.
mineralocorticóide. Dos glicocorticóides sin- A introdução da substituição com DHEA
téticos, a prednisolona tem reduzida acção e representa um avanço na terapêutica subs-
a dexametasona não tem acção mineralo- titutiva da insuficiência supra-renal.
corticóide, o que tem considerável impor- A produção de DHEA pela supra-renal é
tância no tratamento da insuficiência adre- a maior fonte de androgénios na mulher e a
nal primária16. deficiência desta hormona origina significa-
A terapêutica de substituição com glico- tiva deficiência de androgénios nas mulheres
corticóides de acção prolongada é menos afectadas. Nas mulheres com insuficiência
desejável, principalmente devido à desfavo- do cortex supra-renal, primária ou secundá-
rável actividade dos glicocorticóides durante ria, os níveis de androgénios também se
a noite e à sua elevada semi-vida biológica. encontram baixos, pelo que alguns autores
Não há marcadores eficazes da acção propõem acrescentar ao esquema terapêuti-
dos glicocorticóides, pelo que a monitoriza- co habitual 25 a 50 mg de DHEA, com o
ção da terapêutica substitutiva com os mes- objectivo de melhorar a qualidade de vida
mos é baseada na avaliação clínica de das pacientes e a densidade mineral óssea.
sinais e sintomas sugestivos de sub ou sobre Esta prática foi recentemente fundamen-
substituição: fadiga, náusea, mialgia, falta tada por um estudo randomizado em que o
de energia e perda de peso ou aumento de tratamento prolongado com DHEA eviden-
peso, obesidade central, osteoporose, altera- ciou alguns efeitos benéficos em pacientes
ções da tolerância à glicose e hipertensão, com doença de Addison. Contudo, a nível da
respectivamente. fadiga e do desempenho cognitivo, a terapêu-
Nos doentes tratados com adequada tica com DHEA não evidenciou benefícios22.
dose de glicocorticóides, não é necessária a A substituição deve ser monitorizada
monitorização da densidade mineral óssea. através dos níveis plasmáticos de DHEA e,
O cortisol sérico e o ACTH não devem ser em mulheres, recorrendo também aos
utilizados como instrumento de monitoriza- níveis de androstenediona, testosterona e
ção da substituição dos glicocorticóides, na SHBG, 24 horas após ingestão da toma
insuficiência adrenal primária ou secundária. matinal. O tratamento deve obter níveis
Os pacientes com insuficiência primária dentro dos valores de referência em adultos
devem ainda receber mineralocorticóides: saudáveis.
Finalmente, os pacientes devem ser edu- Em caso de doença grave, deve adminis-
cados relativamente à sua situação clínica, trar-se 100 mg de hidrocortisona, por via
sintomatologia e ter autonomia no ajuste endovenosa de 8 em 8 horas. Diminuir até
terapêutico, sob aconselhamento médico à dose de manutenção, 50% a cada dia,
prévio, nas intercorrências que potencial- atendendo à evolução clínica.
mente possam desencadear uma necessida- Em caso de procedimentos minor sob
de acrescida de esteróides (regras para os anestesia local, ou procedimentos radiológi-
dias de doença). Devem também ser porta- cos, geralmente não é necessária suplemen-
dores de informação relativa à sua patolo- tação extra. Contudo para procedimentos
gia que permita o seu reconhecimento por como o enema baritado, endoscopia, arte-
terceiros em situações agudas. riografia deve administrar-se 100 mg de
hidrocortisona endovenosa, em dose única,
antes de se iniciar o procedimento.
TRATAMENTO DA Por fim, em casos de cirurgia major,
INSUFICIÊNCIA CRÓNICA DO administrar 100mg de hidrocortisona, antes
CORTEX SUPRA- RENAL da indução anestésica, repetindo de 8 em 8
SITUAÇÕES PARTICULARES5 horas nas primeiras 24 horas. Reduzindo
rapidamente a dose, 50% por dia, até à dose
1. DOENÇAS FEBRIS MINOR OU de manutenção.
SITUAÇÕES DE STRESS Tendo em conta a informação recolhida
Os doentes sob terapêutica substitutiva para a elaboração deste trabalho, podemos
com glicocorticóides devem ser educados afirmar que, apesar de já ser possível a
para aumentar duas a três vezes a dose do substituição de todas as linhas afectadas
glicocorticóide, sem alterar a dose do mine- (glicocorticóides, mineralocorticóides e
ralocorticóide, perante uma doença febril DHEA), o tratamento da insuficiência
minor ou uma situação de stress psicológico. supra-renal ainda não é fisiológico, pois
Caso o quadro clínico se agrave, persis- não é conseguida a reconstituição do ritmo
ta por mais de três dias ou curse com vómi- circadiano do cortisol.
tos, deve proceder-se a avaliação médica. Novas formulações de hidrocortisona
(libertação prolongada), que permitem
2. TRAUMA OU SITUAÇÕES DE uma libertação sustentada da hidrocortiso-
STRESS GRAVES na e infusões subcutâneas contínuas de
hidrocortisona, libertadas por um dispositi-
Deve proceder-se à administração de 4 vo programável apontam para um futuro
mg de dexametasona, via intramuscular, promissor, em que a reprodução do nível
seguida de cuidados médicos adequados ao normal fisiológico e circadiano de cortisol
quadro clínico. em doentes com insuficiência supra-renal
será uma realidade.
3. SITUAÇÕES DE DOENÇA COM
INTERNAMENTO HOSPITALAR /
CIRURGIA BIBLIOGRAFIA
Em situação de doença moderada, deve 1. Kumar et al, Robbins & Cotran Patologia,
administrar-se 50 mg de hidrocortisona de Tradução da 7ª Edição, Saunders Elsevier,
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31ª Edição, 2005.
19. Gurnell et al, Long-Term DHEA Replacement in
Primary Adrenal Insufficiency: A Randomized
Correspondência
Léone Duarte › Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do Hospital de Curry Cabral › Rua da Beneficiência, nº 8. 1069-166 Lisboa
› Telefone: 217924379 / Fax: 217924377 › e-mail: leoneduarte@gmail.com
RESUMO
Os incidentalomas da supra-renal e a síndrome de Cushing subclínica têm sido objecto de estu-
do crescente nos últimos anos, dado que a descoberta casual de massas supra-renais e de alte-
rações analíticas subtis se tornou muito frequente, pela ampla utilização de técnicas imagiológi-
cas e laboratoriais de elevada sensibilidade. O objectivo deste artigo é fazer uma revisão sucinta
da literatura publicada sobre este tema, nomeadamente em relação à sua definição, história natu-
ral, consequências clínicas, diagnóstico, abordagem terapêutica e seguimento.
O adenoma cortical é o tipo mais frequente de incidentaloma da supra-renal. Em 5 a 20%
dos casos, dependendo do protocolo do estudo e dos critérios de diagnóstico, verifica-se uma
secreção autónoma de cortisol por estes adenomas. A secreção autonóma de glucocorticói-
des na ausência de sintomas e sinais específicos da síndrome de Cushing define a síndrome
de Cushing subclínica. Com uma prevalência estimada de 79 casos por 100.000 pessoas, a
síndrome de Cushing subclínica é muito mais frequente que a síndrome de Cushing clássica
(1 caso por 100.000 pessoas). O diagnóstico, abordagem, impacto clínico e tratamento desta
entidade são ainda muito controversos. No entanto, na síndrome de Cushing subclínica, tem-
se verificado um aumento da incidência de consequências clínicas atribuíveis ao hipercortiso-
lismo, tais como hipertensão arterial, obesidade, diminuição da tolerância à glicose, dislipidé-
mia e síndrome metabólica, associadas a um aumento do risco cardiovascular. Deste modo,
o hipercortisolismo subclínico pode ser nocivo, particularmente em indivíduos com outros
factores de risco, geneticamente determinados ou adquiridos, podendo ter um papel impor-
tante na aceleração do processo aterosclerótico. A supra-renalectomia ou a vigilância regular
e cuidada destes doentes, tendo como prioridades a prevenção cardiovascular e o tratamen-
to das comorbilidades, são as opções terapêuticas actualmente válidas. Os doentes referen-
ciados para cirurgia devem fazer terapêutica com corticosteróides no período perioperatório,
dado o risco de insuficiência supra-renal pós-supra-renalectomia.
PALAVRAS-CHAVE
Síndrome Cushing subclínica; Incidentaloma supra-renal; Hipercortisolismo.
ABSTRACT
Adrenal incidentaloma and subclinical Cushing’s syndrome have been increasingly a matter of
study in the last years, since the serendipitous discovery of an adrenal mass and the finding of
laboratory abnormalities have become very frequent owing to the routine use of sensitive radiolo-
gic and laboratory techniques. The aim of this article was to review the published literature about
subclinical Cushing’s syndrome, namely its definition, natural history, clinical consequences, diag-
nosis and management.
Adrenocortical adenoma is the most frequent type of adrenal incidentaloma. In 5 to 20% of cases,
depending on the study protocols and diagnostic criteria, there is an autonomous secretion of cor-
tisol by these adenomas. Autonomous glucocorticoid production in the absence of specific signs
and symptoms of Cushing’s syndrome defines subclinical Cushing’s syndrome. With an estimated
prevalence of 79 cases per 100.000 persons, subclinical Cushing’s syndrome is much more frequent
than classic Cushing’s syndrome (1 case per 100.000). The diagnosis, management, clinical impact
and treatment of this entity are still very controversial. Nevertheless, an increased incidence of cli-
nical consequences attributable to hypercortisolism, such as hypertension, obesity, impaired gluco-
se tolerance, dislipidemia and metabolic syndrome, all associated with increased cardiovascular risk,
have been detected in these patients. Subclinical hypercortisolism may be harmful, particularly to
individuals with other risk factors, genetically determined or acquired, probably playing an impor-
tant role in the progression of the atherosclerosis process. Adrenalectomy or regular and careful fol-
low up, emphasizing cardiovascular prevention and comorbidity management, are the present valid
treatment options. Patients undergoing adrenalectomy should receive glucocorticoid therapy perio-
peratively since the risk of adrenal insufficiency is of concern.
KEYWORDS
Subclinical Cushing’s Syndrome; Adrenal incidentaloma; Hypercortisolism.
que a pressão arterial sistólica e diastólica, parentes apresentavam uma maior preva-
os níveis de glicémia em jejum, insulinémia lência de diminuição da tolerância à glicose,
em jejum, colesterol total, razão colesterol de hipertensão arterial sistólica e diastólica e
total/colesterol HDL, colesterol LDL, triglicé- de diminuição da sensibilidade à insulina,
ridos e fibrinogénio, o grau de insulino- quando comparados com controlos empare-
resistência (calculado pelo homeostasis lhados. Estas alterações não eram restritas
model assessment of insulin resistance - aos doentes com síndrome de Cushing subclí-
HOMA-IR), a razão cintura/anca e a espes- nica mas eram mais acentuadas nestes que
sura íntima-média carotídea eram signifi- nos que apresentavam adenomas não fun-
cativamente mais elevados nos doentes com cionantes7. Os autores defendem que a eleva-
síndrome de Cushing subclínica que nos ção da concentração do cortisol sérico da
controlos emparelhados. Inversamente, os meia-noite pode ser considerado um marca-
níveis de colesterol HDL eram significativa- dor de sensibilidade à insulina e de um perfil
mente inferiores nos indivíduos com síndro- de risco cardiovascular adverso nos doentes
me de Cushing subclínica. Estes autores com adenomas da supra-renal clinicamente
verificaram ainda que, destes 28 indivíduos, inaparentes3,6,7.
60.7% apresentavam hipertensão arterial, Um aumento da concentração de adipo-
71.4% alterações lipídicas, 28.6% diminui- cinas envolvidas no desenvolvimento da
ção da tolerância à glicose (na prova de insulino-resistência e da aterosclerose (IL-6,
tolerância à glicose oral clássica, com 75g resistina, TNF-α e MCP-1) foi demonstrado
de glicose), 35.7% diabetes tipo 2 e 53.6% em indivíduos com incidentalomas da
alterações nos parâmetros hemostáticos. supra-renal, independentemente da presen-
Seis doentes (21.4%) apresentavam evidên- ça de obesidade e adiposidade visceral,
cias clínicas de doença cardiovascular (car- reforçando a associação entre os incidenta-
diopatia isquémica ou claudicação intermi- lomas da supra-renal com hipercortisolismo
tente) e onze (39.3%) evidenciavam altera- subclínico e o aumento da incidência da
ções electrocardiográficas e/ou alterações síndrome de insulino-resistência11.
ultrassonográficas no ecodoppler carotídeo5. A osteoporose é outra complicação bem
Noutro estudo retrospectivo multi-cêntri- conhecida do excesso de cortisol endógeno
co envolvendo 210 doentes com adenomas ou exógeno e, como tal, seria plausível con-
da supra-renal clinicamente inaparentes, siderar que os doentes com adenomas da
Terzolo et al. observaram uma prevalência de supra-renal e hipercortisolismo subclínico
hipertensão arterial em 53.8%, de obesidade evidenciassem uma diminuição na densida-
em 21.4% e de hiperglicémia em 22.4% dos de mineral óssea. No entanto, os resultados
casos. Os doentes com elevação dos níveis de dos estudos realizados e publicados nos últi-
cortisol sérico da meia-noite apresentavam mos anos são divergentes, provavelmente
níveis de glicémia em jejum e de pressão devido aos diferentes métodos utilizados
arterial sistólica mais elevados que os indiví- para avaliar a densidade mineral óssea, aos
duos com cortisol normal. A prevalência de diferentes critérios de selecção dos doentes e
doentes com pressão arterial controlada era controlos, bem como ao pequeno número
menor e os níveis de hemoglobina glicada de doentes estudados. Osella et al., num
(HbA1c), nos indivíduos com diabetes, era estudo realizado com 27 doentes com inci-
significativamente superior nos doentes com dentalomas da supra-renal, não encontra-
hipercortisolémia6. Os mesmos autores já ram diferenças estatisticamente significati-
previamente tinham demonstrado que indi- vas na densidade mineral óssea comparati-
víduos não obesos e normoglicémicos com vamente aos controlos, mesmo nos 8 doen-
adenomas da supra-renal clinicamente ina- tes com critérios de síndrome de Cushing
subclínica12. No entanto, vários estudos maioria destes estudos foi realizada a partir
recentes documentaram uma diminuição na de séries reunidas em centros académicos,
densidade mineral óssea em doentes com com amostras relativamente pequenas e
hipercortisolismo subclínico, com conse- com tempo e estratégias de follow-up variá-
quente aumento do risco de osteopénia e veis. Consequentemente, não são estudos
osteoporose, principalmente em mulheres populacionais e, como tal, a generalização
pós-menopaúsicas13-17. Como tal, a vigilância dos resultados não é totalmente correcta.
periódica da densidade mineral óssea nos Nos vários estudos analisados, verificou-se
doentes com síndrome de Cushing subclínica que os protocolos relativamente aos critérios
parece justificada pelo potencial aumento do de definição da síndrome de Cushing subclí-
risco de fracturas osteoporóticas. nica não eram semelhantes, tornando difi-
O espectro de manifestações da síndrome cíl a sua interpretação e comparação.
de Cushing subclínica varia desde alterações Relativamente à avaliação da sensibilidade
endócrinas ligeiras isoladas, sem repercussões à insulina, em nenhum dos estudos analisa-
clínicas, a uma síndrome de Cushing clínica dos esta foi realizada através da sua técni-
clássica. A evolução do hipercortisolismo ca-padrão, o clamp euglicémico hiperinsuli-
silencioso para a síndrome de Cushing clíni- némico, embora os modelos utilizados
ca parece ocorrer raramente mas não é total- tenham sido previamente validados para
mente negligenciável. Barzon et al. estuda- estudos epidemiológicos. Apesar das limita-
ram 130 doentes com incidentalomas da ções referidas, as conclusões encontradas
supra-renal, com um follow-up entre 1 e 15 pelos vários estudos são muito semelhantes
anos, e calcularam um risco cumulativo esti- entre si relativamente à associação entre o
mado de 12.5% após um ano para o desen- hipercortisolismo subclínico e o desenvolvi-
volvimento de síndrome de Cushing nos mento de insulino-resistência e dos vários
doentes com hipercortisolismo subclínico. factores de risco metabólicos e cardiovascu-
Nos doentes com adenomas não funcionan- lares associados. Tal facto reforça a impor-
tes, o risco cumulativo estimado para o tância da avaliação, vigilância e tratamen-
desenvolvimento de hipercortisolismo subclí- to dos doentes com adenomas da supra-
nico foi de 3.8% após um ano e de 6.6% após renal aparentemente não funcionantes. A
cinco anos18. No entanto, em outras séries, realização de estudos prospectivos popula-
não se observou uma evolução do hipercorti- cionais randomizados, de adequado poder
solismo subclínico para uma síndrome de epidemiológico, é fundamental para escla-
Cushing clássica, apesar do desenvolvimento recer, com maior rigor, as consequências clí-
de outras alterações endócrinas minor e, em nicas e a história natural desta síndrome,
alguns casos, do crescimento do adenoma19,20. nomeadamente em relação a um possível
O risco de desenvolvimento de hiperfunção é impacto na morbilidade e mortalidade des-
maior nos adenomas não funcionantes com tes doentes.
dimensão igual ou superior a 3cm e quando
a cintigrafia com [75Se] Methylnorcholesterol
revela uma captação exclusiva pelo adeno- DIAGNÓSTICO
ma21. Num pequeno número de doentes pode
verificar-se uma regressão espontânea das O diagnóstico da síndrome de Cushing
alterações no eixo hipotálamo-hipófise- subcliníca na prática clínica é extremamen-
supra-renal, sugerindo um possível padrão te difícil. As provas hormonais usadas no
cíclico na hipersecreção de cortisol20. diagnóstico da síndrome de Cushing não
A interpretação dos resultados destes têm sensibilidade suficiente para detectar
estudos deve ser ponderada com cautela. A hipersecreções subtis de cortisol. Por outro
TABELA II: Alterações do eixo hipotálamo-hipófise-supra-renal e prevalência da síndrome de Cushing subclínica em doentes com inciden-
talomas da supra-renal.
Rossi, 2000 8
65 17 23 25 NR 18.4
Grossrubatscher, 2001 25
53 4.0 c
15 11 NR 5.7
PSD: Prova de supressão com dexametasona; NR: não reportado; SCS: síndrome de Cushing subclínica.
a – Prova de supressão nocturna com 1 mg de dexametasona com um limiar de cortisol de 5.0 µg/dl, excepto quando especificado de outra forma
b – PSD com 8mg
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Feocromocitoma: actualizações no
diagnóstico e tratamento
Jacinta Santos1, Isabel Paiva2, Manuela Carvalheiro3
1
Interna Complementar de Endocrinologia
2
Assistente Hospitalar Graduada de Endocrinologia
3
Directora do Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo dos Hospitais da Universidade de Coimbra, EPE
RESUMO
O feocromocitoma é uma neoplasia rara, com origem nas células cromafins. Pode apresentar
características de benignidade ou malignidade. A principal localização é na medula supra-
renal, designando-se por paraganglioma quando tem origem nos gânglios do sistema nervo-
so simpático ou parassimpático. Em cerca de 25% dos casos aparentemente esporádicos, exis-
tem mutações que predispõem ao desenvolvimento de síndromas genéticas específicas
(Neurofibromatose tipo 1, doença de von Hippel-Lindau, Neoplasias Endócrinas Múltiplas tipo
1 e 2 e Paraganglioma Familiar). A principal manifestação clínica é a hipertensão arterial. O
diagnóstico bioquímico baseia-se na determinação das catecolaminas e metanefrinas plasmá-
ticas e urinárias. Os principais exames imagiológicos destinados à localização do tumor são a
TAC, RM, cintigrama com MIBG e PET. A supra-renalectomia é o único tratamento definitivo.
É fundamental proceder à preparação médica pré-operatória através do bloqueio α e β e à
estabilização hemodinâmica do doente. O feocromocitoma maligno tem um prognóstico
variável, indolente ou rapidamente progressivo. Neste caso, as estratégias terapêuticas incluem
a cirurgia citorreductora, o recurso ao MIBG e a quimioterapia, todos com eficácia limitada.
PALAVRAS-CHAVE
Feocromocitoma; Catecolaminas; Mutação; Hipertensão arterial; Rastreio; Suprarrenalectomia;
Metastização.
ABSTRACT
Pheochromocytoma is a rare neoplasm, originated from chromaffin cells. It can present characte-
ristics of benignity or malignity. The main location is on the adrenal medulla, being designated as
a paraganglioma when it’s origin in on the sympathetic or parasympathetic ganglia of the ner-
vous system. In about 25% of apparently sporadic cases, there are mutations that predispose to
the development of specific genetic syndromes (Neurofibromatosis type 1, von Hippel-Lindau
disease, Multiple Endocrine Neoplasia type 1 and 2 and Familiar Paraganglioma). The main clini-
cal manifestation is arterial hypertension. Biochemical diagnosis is based on determination of plas-
matic and urinary catecholamines and metanephrines. The most important imaging studies des-
tined to localize the tumour are CT, MRI, MIBG scan and PET. Adrenalectomy is the only definiti-
ve treatment. It is highly important to perform medical preoperative preparation through α and β
blockade and patient’s hemodynamic stabilization. Malignant pheochromocytoma has a variable
prognosis, being indolent or rapidly progressive. In this case, therapeutic strategies include surgi-
cal debulking, MIBG therapy and chemotherapy, all with limited efficacy.
KEYWORDS
Pheocromocytoma; Catecholamines; Mutation; Arterial hypertension; Screening; Adrenalectomy;
Metastization.
seus metabolitos sofrem difusão para a cir- implica considerar um conjunto de patolo-
culação sanguínea, atingindo os diferentes gias ao estabelecer o diagnóstico diferen-
órgãos alvo, onde desencadeiam os seus cial. As principais patologias a ter em conta
efeitos. Há a destacar o predomínio de nora- são: hipertensão arterial essencial, hiperten-
drenalina no interior das células tumorais, são renovascular por estenose da artéria
contrariamente ao que acontece nas células renal, patologia psiquiátrica (nomeada-
normais da medula supra-renal. mente ansiedade e distúrbio de pânico),
hipertiroidismo, síndroma carcinóide,
Tradicionalmente, a hipertensão arterial taquicardia paroxística, menopausa, enxa-
induzida pelo feocromocitoma era interpre- queca, lesões intracraneanas, epilepsia, pré-
tada como resultando apenas da acção das eclampsia e eclampsia, hipoglicemia, inges-
catecolaminas circulantes sobre os recepto- tão de drogas (cocaína, anfetaminas, efedri-
res do sistema cardiovascular, estando a na,...), infecções agudas, apneia obstrutiva
actividade do sistema nervoso simpático do sono e mastocitose.1,2
(SNS) normal ou deprimida. Posteriormente,
estudos clínicos e experimentais, mostraram
que a actividade do SNS permanece intacta, DIAGNÓSTICO
podendo até ser potenciada, o que constitui
um factor de manutenção da hipertensão 1. CLÍNICO
arterial. Desta forma, a estimulação do siste-
ma nervoso pelo stress, dor ou anestesia, O quadro clínico é caracterizado por
poderá induzir uma libertação de catecola- manifestações diversas, dependendo da
minas nas fendas sinápticas, desencadean- variação da secreção hormonal, do padrão
do uma crise hipertensiva.1 de libertação, e das diferenças individuais
na sensibilidade às catecolaminas. Na prá-
Os feocromocitomas têm a capacidade tica, as manifestações resultam dos efeitos
de segregar outros peptídeos, alguns dos cardiovasculares, viscerais e metabólicos
quais podem contribuir para o quadro clíni- das catecolaminas, sendo semelhantes nos
co. Destacam-se a PTHrP (hipercalcémia), a casos esporádicos e familiares. A principal
ACTH (síndroma de Cushing), a eritropoie- diferença reside na idade de apresentação,
tina (eritrocitose), a IL-6 (febre) e o neuro- mais precoce no segundo caso.
peptídeo Y. Este último tem acção vasocons-
trictora, através do aumento da resistência A principal manifestação clínica é a
vascular periférica e coronária, por actua- hipertensão arterial, podendo ser paroxísti-
ção em receptores acoplados à proteína G. ca (48%) ou persistente (29%), ligeira ou
A cromogranina A, não produzindo mani- severa, frequentemente resistente à terapêu-
festações clínicas, tem sido encarada como tica antihipertensora instituída. Um aspecto
um marcador tumoral potencial. Por últi- a salientar é a ausência de correlação entre
mo, em situações de feocromocitoma malig- os níveis de catecolaminas circulantes e o
no, é frequente a existência de níveis eleva- grau de hipertensão arterial, o que pode ser
dos de Enolase Neurónio Específica (NSE).1,2 justificado pelos seguintes factos:
– diferenças individuais na sensibilidade
dos vasos às catecolaminas;
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL – mecanismo de “down regulation” (a
libertação constante de catecolaminas
Os feocromocitomas apresentam mani- condiciona redução da sensibilidade
festações clínicas muito variáveis, o que dos receptores adrenérgicos);
– resposta adaptativa com redução da sões ou efeitos neurológicos focais) podem ser
volémia, secundária à vasoconstrição o quadro clínico de apresentação e inclusiva-
mantida; mente constituir a causa de morte. Deste
– secreção de substâncias vasodilatado- modo, estima-se que cerca de um terço dos
ras pelo tumor, que modificam a res- feocromocitomas sejam diagnosticados ape-
posta dos vasos às catecolaminas.3 nas após a morte do doente.1,11
chá, chocolate e baunilha podem também mente um dos três metabolitos. Apresenta
interferir.2,3 elevada sensibilidade, funcionando como
Há ainda a referir a possibilidade de um excelente método de rastreio de feocro-
elevação dos níveis de catecolaminas em mocitoma.
situações de stresse e ansiedade, sendo as Deverão efectuar o rastreio bioquímico
metanefrinas muito menos afectadas.1 desta patologia todos hipertensos jovens e
os doentes com manifestações clínicas
Catecolaminas plasmáticas sugestivas, principalmente: paroxismos de
palpitações, cefaleias e sudorese, hiperten-
A maioria dos doentes com feocromoci- são arterial lábil, história familiar de feocro-
tomas hormonalmente activos apresentam mocitoma, manifestações das síndromas
elevação da adrenalina e da noradrenalina, genéticas associadas ao feocromocitoma,
alguns exclusivamente da noradrenalina e incidentaloma da supra-renal e crises de
outros apenas da adrenalina. Estas diferen- hipertensão ou arritmias desencadeadas
ças reflectem variações na expressão da por fármacos, pela anestesia, cirurgia ou
enzima responsável pela conversão da parto. O principal problema destes dosea-
noradrenalina em adrenalina.1 mentos é a sua disponibilidade limitada.
A colheita de sangue deve ser efectuada Perante um doseamento de metanefrina
em repouso, cerca de 20 minutos após a superior a 236 pg/mL ou normetanefrina
colocação do catéter numa veia periférica, superior a 400 pg/mL, a probabilidade de
devendo-se proceder à determinação da ten- feocromocitoma é muito elevada, o que
são arterial antes da colheita.3 Ainda assim, implica a imediata realização de exames
é impossível excluir um feocromocitoma se complementares para estabelecer a sua
a colheita for realizada num período em localização.1,12
que o doente está normotenso e assintomá-
tico. Paralelamente, catecolaminas plasmá- Cromogranina A sérica
ticas normais num doente hipertenso e sin-
tomático tornam pouco provável o diagnós- A cromogranina A tem sido sugerida
tico de feocromocitoma.1 como um doseamento alternativo, útil para
o diagnóstico de feocromocitoma, uma vez
Metanefrinas plasmáticas fraccionadas que a sua secreção e determinação não são
influenciadas pelos antihipertensores habi-
As metanefrinas plasmáticas são conti- tualmente utilizados. É considerado um
nuamente produzidas e libertadas pelo marcador com elevada sensibilidade,
tumor, em contraste com as catecolaminas porém com baixa especificidade. A sua eli-
plasmáticas, que são libertadas de modo minação ocorre por via renal, daí que em
intermitente. doentes insuficientes renais crónicos, um
As técnicas recentes de cromatografia valor elevado possa constituir um falso
líquida de alta pressão (HPLC) permitem o positivo. Os níveis séricos deste marcador
doseamento das várias fracções das meta- são directamente proporcionais à massa
nefrinas (metanefrina, normetanefrina e tumoral, e particularmente elevados em
metoxitiramina, o metabolito da dopami- caso de malignidade. É sobretudo um mar-
na), separadamente. O valor diagnóstico da cador tumoral útil no seguimento destes
determinação fraccionada destes metaboli- doentes, uma vez que os seus níveis sofrem
tos é superior ao das metanefrinas totais, elevação no contexto de uma recidiva ou
uma vez que permite uma melhor detecção metastização.1,3
de tumores que produzem predominante-
Características clínico-laboratoriais e
sobrevida em doentes com tumores
neuroendócrinos do estômago
Ana Candeias1, John Preto2, José Manuel Lopes3
1
Aluna do 6ºano do Mestrado Integrado em Medicina, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
2
Serviço de Cirurgia do Hospital de São João, EPE, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP)
3
Serviço de Anatomia Patológica do Hospital de São João, EPE, Professor Associado da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
(FMUP), Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP)
Correspondência
Ana Candeias › E-mail: catpinh@gmail.com
RESUMO
Os tumores neuroendócrinos (NETs) do estômago são neoplasias raras, correspondendo a <1%
das neoplasias gástricas. Na maioria dos casos, os tumores neuroendócrinos do estômago deri-
vam das células neuroendócrinas idênticas às células enterocromafins (Enterochromaffin-like -
ECL) que estão envolvidas no controlo da secreção ácida no estômago. Os NETs gástricos são
classificados clinicamente em três tipos, de acordo com a patologia gástrica associada: o tipo I,
que ocorre em doentes com gastrite crónica atrófica; o tipo II, que ocorre associado à sindro-
ma de Zollinger-Ellison (ZES); e o tipo III, também designado de NET gástrico esporádico, que
não se associa às patologias gástricas dos outros subtipos.
Os NETs gástricos do tipo I e II ocorrem com hipergastrinemia. Apesar da gastrina poder cau-
sar hiperplasia e displasia das ECL não é suficiente para causar desenvolvimento tumoral. Co-
factores como mutações, factores de crescimento e alterações nas proteínas do mesênquima
têm vindo a ser propostos na patogenia dos NETs gástricos.
Os NETs gástricos do tipo I são considerados tumores com comportamento benigno, com
risco mínimo de metastização. Os NETs gástricos do tipo II e III cursam mais frequentemen-
te com metastização à distância. A abordagem terapêutica depende do subtipo e do estadia-
mento dos NETs gástricos. Os tumores do tipo I e II podem ser tratados com remoção endos-
cópica ou exérese cirúrgica, dependendo da extensão local e considerando a causa da hiper-
gastrinemia. Os NETs do tipo III têm indicação cirúrgica.
Existem várias modalidades disponíveis para a terapêutica da doença metastática incluindo
quimioterapia, radioterapia e radiologia de intervenção.
O prognóstico dos NETs gástricos do tipo I e II é bom, com taxas de sobrevida cumulativa
aos 5 anos de 78-100%. Os NETs gástricos do tipo III têm pior prognóstico, com taxa de
sobrevida cumulativa aos 5 anos <50%.
PALAVRAS-CHAVE
Tumores neuroendócrinos do estômago; célula ECL; hipergastrinemia; gastrite crónica atrófi-
ca; síndroma de Zollinger-Ellison.
ABSTRACT
Gastric neuroendocrine tumors (NETs) are rare, representing less than 1% of all stomach neo-
plasms. Most gastric NETs derive from enterochromaffin-like (ECL) cells, involved in the control of
gastric acid secretion. Gastric NETs are classified in three types based on the gastric pathology
background: type I, chronic atrophic gastritis; type II, multiple endocrine neoplasia and Zollinger-
Ellison syndrome; and sporadic type III, without any background pathology.
Types I and II are associated with hypergastrinaemia. Despite gastrin can cause ECL hyperplasia
and dysplasia, it is not sufficient for tumor development. Other cofactors for the development of
gastric NETs have been proposed including genetic mutations, growth factors and factors from the
mesenchyme.
Type I tumors behavior is benign, with minimal risk for metastases. Type II and III are frequently
associated with distant metastases. The therapeutic approach depends on tumour subtype and
staging of gastric NETs. Type I and II may be treated with endoscopic excision or surgical resec-
tion depending on the local extension and considering the cause of hypergastrinaemia. Type III
has surgical indication.
There are several methods available for the treatment of metastatic disease including chemothe-
rapy, radiotherapy and radiological intervention.
The prognosis of type I and II is good, with 78-100% of 5-year cumulative survival rate. Type III
neuroendocrine tumours have worse prognosis, with <50% of 5-year cumulative survival rate.
KEY WORDS
Gastric neuroendocrine tumors; ECL cell; hypergastrinaemia; chronic atrophic gastritis; Zollinger-
Ellison syndrome.
Nervo Vago
Gastrina
+ + +
Célula G Célula ECL Célula parietal Célula D
- Gastrina Histamina HCI
Somatostatina
nante causada por mutações no gene MEN- cia semelhante em homens e mulheres,
1, localizado no cromossoma 11q13, que com média de idades ao diagnóstico de 45-
codifica uma proteína (menin) supressora 50 anos.15
tumoral.17 Esta síndroma é caracterizada A relação da hipergastrinemia com o
pelo desenvolvimento de hiperplasia das desenvolvimento de NETs em doentes com
paratiróides, tumores neuroendócrinos, gastrite crónica atrófica e em doentes com
adenomas da hipófise anterior e adenomas ZES tem sugerido que níveis elevados de
da suprarrenal. Outras manifestações, gastrina podem estar implicados no desen-
menos comuns, incluem: lipomas, colage- volvimento de NETs gástricos.6,8
nomas, angiofibromas e NETs gástricos e A hipergastrinemia tem sido implicada
brônquicos. no desenvolvimento de NETs gástricos em
A ZES ocorre em 21-70% dos casos de modelos animais. Vários estudos realizados
MEN-1 e é causada pela secreção aumenta- em animais, utilizando diversos métodos
da de HCl no estômago secundária a hiper- para a indução da hipergastrinemia (ex:
gastrinemia produzida por um gastrino- drogas, cirurgia) demonstraram que a hiper-
ma.17 A secreção aumentada de ácido clorí- gastrinemia pode promover o desenvolvi-
drico causa doença ulcerosa péptica, esofa- mento de NETs gástricos.8 Em humanos, con-
gite erosiva e diarreia. A maioria dos gastri- tudo, estudos referentes à utilização de inibi-
nomas localiza-se no duodeno (50-70%), dores de bomba de protões (IBP) descrevem
pâncreas (20-40%) e outras localizações aumento de densidade das células ECL após
intra-abdominais: estômago, fígado e gân- tratamento com omeprazole e aumento sig-
glios linfáticos.18 nificativo (p< 0,005) nas glândulas fúndicas
A ZES, no contexto da MEN-1, está asso- após tratamento com lanzoprazole.20 No
ciado a risco de 13-37% de desenvolvimento entanto, nenhum estudo demonstrou a ocor-
de NETs gástricos do tipo II, comparativamen- rência de NETs gástricos nestes contextos.21 A
te ao risco de 0-2% nos doentes com ZES espo- hipergastrinemia associada à vagotomia
rádico que desenvolvem este tipo de NET.8 também não foi associada ao desenvolvi-
Um estudo de ZES esporádicos (sem MEN mento de NETs gástricos em humanos.8 Este
1) descreveu que a maioria (52% de 106 facto pode reflectir uma interacção impor-
doentes com hipergastrinemia de 13-42 tante, ainda não determinada, de neuropep-
anos) apresentava alterações nas células tídeos e alterações genéticas.
ECL: hiperplasia linear e/ou alterações mais Os NETs gástricos do tipo III não cursam
avançadas.19 Neste estudo, nenhum doente com níveis aumentados de gastrina (são
desenvolveu NET gástrico do tipo II. Alguns habitualmente normais) nem se associam a
estudos descrevem alterações mais avança- qualquer das patologias gástricas dos outros
das na proliferação das células ECL em 46-53 subtipos.5,6 São, por isso, designados NETs
% dos doentes com ZES/MEN 1, que é uma gástricos esporádicos. A etiologia deste tipo
percentagem superior à observada (10-13%) de NET gástrico é desconhecida.8 Os NETs
em doentes com ZES esporádico.19 gástricos do tipo III correspondem a cerca de
A mutação heterozigótica no gene MEN- 15-23% dos NETs gástricos e são mais
1 e a presença da hipergastrinemia, causa- comuns em homens, com idade superior a
da por gastrinomas, estão provavelmente 50 anos.5
implicados no desenvolvimento de NETs No contexto de transformação neoplási-
gástricos do tipo II.14 ca neuroendócrina no estômago descrevem-
Os NETs gástricos do tipo II são menos se casos anedóticos de carcinomas neuroen-
comuns, correspondendo <5-8% do total dócrinos de células pequenas (38 casos
de NETs gástricos.5,8 Ocorrem com frequên- publicados desde 1976).22 Os carcinomas
3. PATOLOGIA E GENÉTICA
QUADRO I: Características dos NETs gástricos (adaptado de Delle Fave et al 20055, Ruszniewski et al 2006 63
e Burkitt et al 20066).
são destes marcadores associada a pior nos NETs gástricos é a alteração do gene
sobrevida dos doentes.31 MEN-1 associado à síndroma de neoplasia
Vários factores investigados numa série endócrina múltipla (MEN-1).34 A MEN 1 é
com 102 NETs gástricos tornaram possível o uma síndroma com transmissão autossómi-
desenvolvimento de um sistema de classifi- ca dominante de alta penetrância, causada
cação histopatológica para os NETs gástri- por mutação germinativa inactivante do
cos.32 Foram propostos três graus histológicos gene MEN 1, localizado no cromossoma
(G1-G3): grau 1 (G1), caracterizado por 11q13, que codifica uma proteína (menin)
estrutura monomorfa, microlobular-trabe- supressora tumoral. A mutação germinati-
cular, discreta atipia celular e raras mitoses va afecta o gene MEN-1, sendo o portador
típicas (1-3/10 campos de grande ampliação da mutação genética um heterozigótico
(High Power Field-HPF); grau 2 (G2), caracte- com predisposição para o desenvolvimento
rizado por agregados sólidos e elevado índi- tumoral.35 A inactivação somática do alelo
ce mitótico (>7/10 HFP); grau 3 (G3), carci- não mutado (perda de heterozogotia) resul-
nomas neuroendócrinos pouco diferencia- ta no desenvolvimento das lesões associa-
dos, com áreas sólidas, necrose extensa e ele- das à síndroma MEN-1.
vado índice mitótico, com mitoses atípicas. Os NETs esporádicos do estômago ou
que ocorrem num contexto hereditário
3.2 CARACTERÍSTICAS GENÉTICAS apresentam frequentemente perda de hete-
(CITOGENÉTICAS E MOLECULARES) rozigotia para o locus da MEN-1. A perda de
– CARCINOGÉNESE E PROGRESSÃO heterozigotia foi demonstrada em 75% de
DOS TUMORES NEUROENDÓCRINOS 23 casos de NETs gástricos hereditários e em
DO ESTÔMAGO 41% de 46 NETs gástricos esporádicos.36
O papel dos factores de crescimento
A gastrina parece estar envolvida na pro- envolvidos no desenvolvimento de NETs gás-
liferação das células parietais e das células tricos foi recentemente centrado na proteína
ECL.10,33 As células progenitoras das células Reg. A proteína Reg (Regenerating protein)
ECL não expressam receptor CCK2 e a respos- foi identificada como factor de crescimento
ta proliferativa parece estar relacionada com necessário à regeneração pancreática, tendo
a libertação de factores de crescimento, como sido identificada em localizações extra-pan-
o factor de crescimento epidérmico ligando creáticas de animais e humanos, nomeada-
da heparina (heparin binding epidermal growth mente na mucosa gástrica onde é secretada
factor) e o factor transformador de crescimen- pelas células ECL e células principais.37,38 No
to alfa (Transforming Growth Factor-α- estômago, a proteína Reg estimula a prolife-
TGF-α).6,8 A gastrina parece ter um efeito pró- ração das células parietais, a sua produção é
proliferativo directo nas células ECL no desen- estimulada pela gastrina e a sua expressão
volvimento de NETs gástricos.6 aumenta nas células ECL que rodeiam as
Embora a hipergastrinemia seja essen- úlceras da mucosa gástrica. Admite-se que a
cial para o desenvolvimento de NETs do tipo Reg é um possível regulador da regeneração
I e II, não é suficiente para causar desenvol- da mucosa gástrica. No entanto, tendo em
vimento tumoral.6 Outros co-factores como conta a acção endócrina da gastrina, o
mutações genéticas, factores de crescimento aumento da expressão da Reg exclusivamen-
e alterações nas proteínas do mesênquima te nas células que rodeiam as lesões gástricas
têm vindo a ser propostos.5,6 não pode ser explicado considerando apenas
A base molecular da patogénese dos a gastrina, o que pressupõe o envolvimento
NETs gástricos é ainda largamente desco- de outros factores reguladores da expressão
nhecida.5 O modelo genético mais estudado da Reg.37 Em ratos com mucosa gástrica lesa-
sificada como M1. Recomenda-se a indicação vência dos doentes.32 NETs gástricos G2 ou
do local anatómico das metástases à distância G3, com índice mitótico ≥ 9 / 10 HPF e > 300
(PUL - Pulmão; HEP- Fígado; OSS- Osso). células Ki-67 positivas/10 HFP, têm compor-
tamento mais maligno.32
QUADRO III: Proposta ENETS (European Neuroendocrine Tumor
A sobrevida cumulativa global dos NETs
Society) de Estadiamento dos NETs gástricos (adaptado de Rindi et
al 2006 59). gástricos aos 5 anos é de 63%.44 A presença
Estadiamento de metástases ganglionares ou à distância
Estádio 0 Tis N0 M0
Estádio I T1 N0 M0
agrava o prognóstico (7,1-21,2% compara-
Estádio IIa T2 N0 M0 tivamente aos 64,5-69,1% sem doença mes-
Estádio IIb T3 N0 M0
tastizada).44
Estádio IIIa T4 N0 M0
Estádio IIIb Qualquer T N1 M0 As lesões do tipo I têm habitualmente
Estádio IV Qualquer T Qualquer N M1 bom prognóstico, com sobrevida aos 5 anos
de 78-100%.44
No estadiamento (Quadro III), as lesões A sobrevida dos doentes com NETs do
superficiais <1cm com invasão da lâmina tipo II é semelhante à dos com tipo I.8 O
própria ou da submucosa, sem metástases prognóstico está relacionado com o gastri-
ganglionares ou à distância, são designadas noma associado, que tem taxa de sobrevida
estádio I (T1N0M0); lesões de maiores dimen- aos 5 anos de 60-75 %.8
sões, com invasão da muscular própria (T2) Os doentes com NETs gástricos do tipo
ou serosa (T3), sem metástases ganglionares III têm pior prognóstico, com sobrevida aos
nem metástases à distância, são designadas 5 anos < 50%.6 Este facto relaciona-se com
estádio II (T2 ou T3 N0M0); tumores com 60% de metastização ganglionar e >50% de
invasão de estruturas adjacentes ou com metastização hepática observadas nos NETs
metástases ganglionares, sem metástases à gástricos do tipo III.61
distância, são designadas estádio III
(T4N0M0 ou qualquer T, N1M0). A presença
de metástases à distância define o estádio IV. 8. TRATAMENTO
Um estudo de 202 doentes, 48 dos quais
com NETs gástricos, revelou que a proposta O tratamento dos NETs gástricos deve
de classificação TNM é útil, permitindo uma ser decidido após a confirmação do diag-
estratificação prognóstica dos NETs gas- nóstico do tipo de tumor e do estadiamento
trointestinais.60 da doença.6
É importante a determinação dos níveis
séricos de gastrina, porque os tumores asso-
7. PROGNÓSTICO ciados a hipergastrinemia devem ser trata-
dos com procedimentos de redução/elimi-
O prognóstico dos NETs gástricos depen- nação dos níveis de gastrina.6
de do tipo e do estadiamento do tumor.11
Vários parâmetros têm sido usados na 8.1 TRATAMENTO DO TUMOR
avaliação prognóstica de NETs gástricos, in- PRIMÁRIO
cluindo: estudo anátomo-patológico, grau
histológico (G1-G3), dimensão, índice mitó- Os NETs gástricos não metastizados
tico, índice Ki67 (indicador da actividade podem ser removidos endoscopicamente ou
proliferativa), expressão da p53, invasão cirurgicamente6 (Quadro IV).
vascular e da parede.
Todos estes parâmetros demonstraram
valor preditivo de malignidade e da sobrevi-
QUADRO IV: Tratamento de NETs gástricos primários (adaptado de mulações mais eficazes disponíveis actual-
Akerstrom G et al 2007 62, Ruszniewski et al 2006 63, Jensen RT 2008 18).
Tipo e dimensão de NET gástrico Tratamento
mente são o lanreótido e o octreótido, consi-
Tumor do tipo I e II < 1 cm Ressecção endoscópica/ derados eficazes no controlo dos sintomas e
Vigilância
na redução dos níveis dos marcadores séri-
Tumor do tipo I e II 1-2 cm Ressecção endoscópica
Ressecção cirúrgica cos tumorais.52 A terapêutica com análogos
Tumor do tipo I e II > 2 cm Ressecção cirúrgica da somatostatina não está recomendada
Antrectomia nos NETs
do tipo I
nos NETs gástricos do tipo I e II, excepto nos
Tumor do tipo III Gastrectomia e casos de tumores funcionantes e no caso dos
linfadenectomia
NETs gástricos do tipo II, quando associados
a outros tumores neuroendócrinos.63
Os NETs gástricos do tipo I e II <1 cm de Nos NETs do tipo II deve ser dada aten-
diâmetro são indolentes e com risco mínimo ção à causa de hipergastrinemia, geralmen-
de invasão, podendo ser tratados com res- te um gastrinoma duodenal.65 No caso de
secção limitada via endoscópica.62 No gastrinomas co-existentes há autores que
entanto, de acordo com as recomendações aconselham a exérese cirúrgica apenas
da ENETS, os NETs gástricos do tipo I e II <1 quando não há metástases, enquanto
cm de diâmetro podem ser vigiados, estan- outros sugerem abordagens mais agressi-
do a ressecção endoscópica indicada em vas, mesmo na presença de metástases
tumores> 1cm de diâmetro que não ultra- hepáticas, com remoção de todos os gastri-
passem a muscular própria e com <6 lesões nomas. O valor destas abordagens alterna-
tumorais.63 Num trabalho recentemente tivas não está esclarecido.18 As lesões do tipo
publicado sobre o seguimento (média de 54 III não metastizadas devem ser removidos
meses) de 11 doentes com NETs gástricos do com gastrectomia e linfadenectomia.62
tipo I demonstrou-se que em 9 doentes não
foram detectadas lesões> 1 cm de diâmetro, 8.2 TRATAMENTO DA DOENÇA
nem metástases locais ou à distância, METASTÁTICA
levantando a possibilidade de seguir estes
doentes apenas com vigilância As abordagens terapêuticas da doença
clínica/endoscópica. 64
metastática incluem terapêutica médica,
Nos NETs gástricos do tipo I e II > 2 cm de quimioterapia, radioterapia e radiologia de
diâmetro, ou com metastização ganglionar, intervenção.6
alguns autores recomendam gastrectomia Nos casos raros de NETs gástricos sinto-
enquanto outros recomendam antrectomia máticos, podem ser utilizados análogos da
no tratamento de NETs gástricos do tipo I somatostatina ou antagonistas dos recepto-
para reduzir a hipergastrinemia.18 A antrecto- res de serotonina, como o ondansetron,
mia tem-se revelado eficaz em mais de 80% para o alívio da sintomatologia.66,67
dos doentes com NETs gástricos do tipo I.63 O tratamento sistémico dos NETs gástri-
Para os NETs gástricos do tipo I e II entre cos inclui o uso de agentes biológicos [aná-
1 e 2 cm de diâmetro ainda há não consenso, logos da somatostatina e interferão-alfa
existindo autores que recomendam a ressec- (Interferon - INF-α)] e quimioterapia.56
ção endoscópica e outros tratamento cirúrgi- Os análogos da somatostatina de acção
co, especialmente nos casos de NETs gástricos prolongada e o INF-α reduzem raramente o
do tipo I e II múltiplos e com recidiva tumo- tamanho do tumor mas exercem efeitos citos-
ral detectada durante o seguimento.5,18 táticos em 26-95% dos tumores neuroendócri-
Outra opção terapêutica para a preven- nos. Ainda não foi estabelecida a duração de
ção da recidiva tumoral consiste no uso de tratamento para estabilização tumoral nem
análogos da somatostatina.5 As duas for- o efeito na sobrevida com estes tratamentos.18
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RESUMO
A resistência aos androgénios designada por síndrome de insensibilidade aos androgénios, é
um distúrbio genético ligado ao cromossoma X, causado por mutações no gene do receptor
dos androgénios. Os defeitos neste gene causam uma variedade de fenótipos em indivíduos
com cariótipo 46, XY, que vão desde a infertilidade masculina a indivíduos com genitais exter-
nos femininos normais. O seu diagnóstico baseia-se na clínica e na investigação hormonal e
molecular. A apresentação fenotípica complexa deste síndrome dificulta o seu diagnóstico e
o aconselhamento genético das famílias afectadas. Foram identificadas mais de 400 mutações
no gene do receptor dos androgénios. Esta revisão foca os aspectos clínicos, as alterações
hormonais, os defeitos moleculares e a abordagem terapêutica do síndrome de insensibilida-
de aos androgénios.
PALAVRAS-CHAVE
Síndrome de insensibilidade aos androgénios; SIA; Ambiguidade genital; Gene do receptor
dos androgénios.
SUMMARY
The end-organ resistance to androgens has been designated as androgen insensitivity syndrome
(AIS), an X-linked disorder caused by mutations in the androgen receptor (AR) gene. The defects
in the AR gene causes a variety of phenotypes in 46,XY individuals, ranging from male infertility
to completely normal female external genitalia. Precise diagnosis requires clinical, hormonal and
molecular investigation. The complexity of phenotypic presentation of AIS complicates both the
diagnostic procedure and genetic counselling of the affected families. More than 400 different AR
gene mutations have thus far been reported. This review focuses on the clinical features, molecu-
lar pathophysiology and management of AIS.
KEY-WORDS
Androgen insensitivity syndrome; AIS; Ambiguous genitalia; Androgen Receptor Gene.
outros, os receptores de estrogénios, das hor- glicinas (16-27 resíduos)9, cuja importância
monas tiroideias, da vitamina D, do ácido exacta não está completamente esclarecida,
retinóico, de glicocorticóides, de mineralo- porém repetições semelhantes são encontra-
corticóides, e da progesterona8. Os recepto- das em vários factores de transcrição. A
res dos andrógenios, dos glicocorticóides, expansão da repetição de poliglutaminas
dos mineralocorticóides e da progesterona para 40-65 resíduos está associada à atrofia
fazem parte, por sua vez, de uma sub-famí- muscular espinhal/bulbar ou doença de
lia dos factores de transcrição nuclear, que Kennedy. Esta expansão parece não afectar
estão agrupados pela sequência homóloga a afinidade de ligação aos andrógenios,
e pela capacidade de activarem a transcri- mas pode causar diminuição na actividade
ção de genes-alvo através do mesmo ele- transcricional do receptor, talvez como
mento de resposta hormonal8. Após a for- resultado da redução nos níveis do RNA
mação do complexo hormona-receptor, o mensageiro (RNAm) e da proteína do RA,
RA, interage directamente com os genes- identificada em pacientes com este tipo de
alvo para regular a sua transcrição. expansão10. Foi proposto que a actividade
Quando ocorre falha do receptor em activar transcricional do RA é inversamente propor-
estes genes resulta em resistência hormonal. cional à extensão de repetição de glutami-
O RA possui diferentes domínios funcio- nas. Alguns estudos epidemiológicos de-
nais: o domínio de regulação transcricional monstraram que indivíduos com menor
(amino-terminal), o domínio de ligação ao extensão da repetição de glutaminas têm
DNA que contém zinc fingers, a região hinge maior risco de desenvolvimento de cancro
e o domínio de ligação ao esteróide (carbo- de próstata e geralmente apresentam doen-
xi-terminal) (Figura 1)1,8. ça mais avançada ao diagnóstico11. Os
exons 2 e 3 codificam o domínio de ligação
FIGURA 1: Gene humano do receptor de androgénios. Adaptado ao DNA, que possui cerca de 70 aminoáci-
de Galani e colaboradores1.
dos. O domínio de ligação ao DNA contém
dois iões zinco, cada um ligado ao enxofre
de 4 cisteínas, produzindo uma estrutura de
hélice-alça-hélice que interage com sequên-
cias específicas de DNA, denominadas ele-
mentos de resposta hormonal. O primeiro e
o segundo zinc fingers são codificados pelo
exon 2 e 3, respectivamente. O domínio de
ligação ao DNA determina a especificidade
O gene do RA localiza-se no cromosso- da interacção do RA com o DNA. Três ami-
ma X, entre os fragmentos Xq11-12 e possui noácidos na base do primeiro zinc finger são
cerca de 90 kilobases (kb), contendo 8 exons conservados entre os receptores de andróge-
separados por introns cujos tamanhos varia nos, glicocorticóides, mineralocorticóides e
de 0,7 a mais de 26 kb (Figura 1)1,8. O DNA progesterona e ligam-se às sequências de
complementar (DNAc) do RA apresenta nucleotídeos amplificadoras da transcrição,
aproximadamente 2760pb. O exon 1 codifi- os elementos de resposta hormonal, locali-
ca o domínio activador da transcrição ou zadas em regiões próximas ou na sequência
aminoterminal, constituído por 555 ami- de genes-alvo. O segundo zinc finger possui
noácidos e possui extensão correspondente aminoácidos que estabilizam a ligação do
a mais de 50% da proteína do RA. Uma DNA ao receptor, participam na dimeriza-
característica deste domínio é apresentar ção do RA, e juntamente com a região
repetições de glutaminas (11-31 resíduos) e hinge, no transporte do citoplasma para o