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Drummond: A arquitetura em ruínas

Fabio Cesar Alves

Luso-Brazilian Review, Volume 54, Number 1, 2017, pp. 102-118 (Article)

Published by University of Wisconsin Press

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https://muse.jhu.edu/article/659518

Access provided by Fordham University Library (29 Jun 2018 19:42 GMT)
Drummond
A arquitetura em ruínas

Fabio Cesar Alves

Este artigo discute a representação dos espaços e da arquitetura urbana na


obra de Carlos Drummond de Andrade dos anos 1940, tendo como eixo a
análise do poema “Edifício São Borja,” de A Rosa do Povo. Tenta-se apre-
ender como se dá o enfrentamento, pela subjetividade lírica, dos impasses
histórico-sociais que caracterizam o período de escritura do livro, bem como
o modo pelo qual a poesia de Drummond procura atuar politicamente sobre
a realidade. O ensaio atenta também para o fecundo diálogo que se estabelece
entre a produção drummondiana e a poesia contemporânea de Francisco
Alvim.

This article discusses the representation of space and urban architecture in


Carlos Drummond de Andrade’s work from the 1940s. Specifically, “Edifício
São Borja” from A rosa do povo will be the object of study. I will attempt to
understand how the lyrical subjectivity confronts the social-­historical impasses
that characterize the period in which the work was written, as well as how
Drummond’s poetry aims to politically engage with reality. The article also
explores the rich dialogue between Drummond’s works and Francisco Alvim’s
contemporary poetry.

E m “Inquietudes na poesia de Drummond,” ensaio sob muitos aspectos


fundamental para a compreensão efetiva da obra do poeta mineiro, Candido
afirma que, a partir da metade dos anos 1930, a poesia drummondiana teria
se tornado, mais do que um registro, um dinâmico processo capaz de fla-
grar “o movimento coeso do ser no mundo,” expressão de uma subjetividade

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ISSN 0024-7413, © 2017 by the Board of Regents
of the University of Wisconsin System
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sempre às voltas com as inquietações individuais, sociais e expressivas que


a assaltavam (76). Alguns dos polos sobre os quais se constrói esse com-
plexo e inquieto lirismo parecem ter sua origem no fato de ser a poesia de
Drummond, como formulou Merquior, criada sobre a ambivalência de um
“homem que cavalga dois mundos sociais e dois universos de cultura: o Bra-
sil tradicional da fazenda e o Brasil moderno, urbanizado” (138). Por conse-
guinte, as tensões de sua poética fariam ressoar, por meio da subjetividade
lírica, as transformações históricas cruciais (e toda sorte de acomodações a
elas inerentes) pelas quais passava o país ao longo da primeira metade do sé-
culo XX. Das heranças patriarcais de uma Itabira que vivenciou tardiamente
a decadência da mineração ao agenciamento dos intelectuais recrutados para
as tarefas do Estado varguista, as contradições vivenciadas pelo sujeito que
acompanha, por vezes a contragosto, a marcha dos tempos pode ser reco-
nhecida no decantado verso de “Confidência do itabirano” de Sentimento do
mundo, síntese de boa parte do rearranjo da vida social brasileira no período:
“tive ouro, gado, fazendas, hoje sou funcionário público” (Andrade 10).
Nesse sentido, e justamente porque resultado do contraditório processo
de transição do Brasil arcaico para o moderno, parecem relevantes as repre-
sentações do espaço na poesia drummondiana, em especial as que se con-
centram na passagem de Sentimento do mundo (1940) e José (1942) ao canto
participante de A rosa do povo (1945): este, saudado desde a publicação como
o mais importante livro de nossa poesia social. Espaço, a bem dizer, conside-
rado não apenas como o lugar físico que abriga o sujeito, mas também como
o ponto de vista a partir do qual o eu-­lírico lança seu olhar sobre a reali-
dade, em um compromisso crescente com ela e visando à sua transformação
(Gledson 142). Esse empenho solidário de Drummond tem o seu marco ini-
cial, como se sabe, em Sentimento do mundo, que representou uma impor-
tante guinada do poeta rumo ao enfrentamento das questões de seu tempo
e dos impasses que acometiam o pequeno-­burguês instalado na metrópole.
Poemas como “O operário no mar,” “Privilégio do mar” e “Noturno à janela
do apartamento” evidenciavam no livro de 1940 a moldura (mais concreta-
mente, a janela) pela qual o sujeito lírico enquadrava a realidade urbana do Rio
de Janeiro, denunciando ora sardônica, ora dolorosamente o lugar por onde a
subjetividade, abrigada no conforto e nas prerrogativas burguesas proporcio-
nadas pelos modernos edifícios, mas também no mal-estar decorrente dessa
situação, captava o espaço exterior e se punha à prova antes de sair para as ruas
sob a diversidade do canto empenhado de 1945.
Em José, importante obra situada entre Sentimento do mundo e A rosa do
povo, o poeta se lançaria, de modo confidente e autodestrutivo, ao acerto de
contas com sua própria condição. Tal atitude se manifestaria por meio da ten-
tativa de abolir os espaços restritivos nos quais a subjetividade se encerrava,
de modo a contornar a alienação aparentemente insuperável, compreendida
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como a certeza de estar apartado do mundo, ao mesmo tempo que inserido


nele. Não à toa, o poema de abertura do livro é “A bruxa,” do qual transcre-
vemos a primeira estrofe:
Nesta cidade do Rio,
De dois milhões de habitantes,
Estou sozinho no quarto,
Estou sozinho na América. (Andrade 9)

Paralelamente à consciência do eu-lírico de pertencer a uma realidade


mais ampla, a subjetividade angustiada, instalada em um apartamento e alie-
nada do coletivo, procura comunicar algo, encontrando “apenas a noite e
uma espantosa solidão” que não a desloca, como se poderia esperar, para
a convivência entre os homens. Essa tensão dramática entre o indivíduo e
o grupo, presente nos versos de “A bruxa,” foi notada como uma constante
por Carpeaux, para quem, na poesia de Drummond, as novas moradias de
apartamento funcionariam como “caixões de cimento armado,” símbolos que
entrariam em choque com o indivíduo isolado e inconformista, o qual, por
sua vez, tentava permanecer irredutível e lúcido diante da “estandardização
da vida” representada pelas “máquinas de morar” (12). É como se o poeta
dos anos 1940 tivesse de contornar, a partir de então, mais um obstáculo in-
terposto na sua relação com o mundo, agora paradoxalmente formado pelo
agrupamento humano contido nos edifícios da grande cidade, lógica arqui-
tetônica que, ao invés de possibilitar o acesso direto à alteridade ou à vida
comunitária, aniquilava-as em nome do moderno e do funcional.
Talvez por essa razão seja igualmente emblemático, ainda em José, o po-
ema “Edifício Esplendor.” O prédio riscado por Oscar Niemeyer nas areias
de Copacabana sedimenta, aos olhos do eu-lírico, a alienação dos morado-
res, para os quais não faltam as “complicadas instalações de gás/ úteis para
o suicídio,” o “banheiro onde o corpo se dissolve” e o “terraço que convida à
morte” (Andrade 20). A fuga imaginária da subjetividade lírica para a casa
paterna, suscitada por um retrato na parede do moderno apartamento, re-
vela-se inócua: a infância brota do “medonho edifício” como “um copo de
veneno,” unindo inexoravelmente os dois mundos. A emersão do passado
reitera, portanto, o aprisionamento do sujeito no presente, não mais no casa-
rão de “trinta portas” e de “trinta crioulas sorrindo,” mas em meio a uma das
“células estanques” onde “as famílias se fecham” (17). Entre a ordem senhorial
nucleada pelo poder do fazendeiro e a homogeneização da vida imposta pela
grande cidade, resta ao poeta o consolo de saber o edifício, também ele, su-
jeito à destruição do tempo, a ser roído implacavelmente pelos ratos.
A ironia drummondiana presente em “Edifício Esplendor,” que relati-
viza acidamente as conquistas da arquitetura moderna, não por acaso vem à
tona em um momento histórico em que o edifício de apartamentos havia se
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tornado, desde fins dos anos 1930, a forma dominante de habitação coletiva
da cidade do Rio de Janeiro. Tendo a sua imagem divulgada como uma oposi-
ção aos antigos cortiços da cidade e como garantias de assepsia e de conforto
para os seus moradores, os prédios surgidos inicialmente na Cinelândia e em
Copacabana se tornariam emblemas do poder político e econômico de seus
habitantes e ficariam associados a certas práticas próprias das classes médias
e altas (Vaz 85). Portanto, não há como deixar de reconhecer, no poema refe-
rido, o potencial subversivo da imagem do velho casarão colonial brotando
do edifício ultramoderno projetado por Niemeyer, como a acusar a perma-
nência do poder patriarcal (motivo de atração e repulsa do eu-lírico) em meio
à nova estratificação geográfica e social vislumbrada na capital da República.1
Se em Sentimento do mundo e José os espaços restritivos e a clausura da
subjetividade são constantes, o mesmo não se pode dizer de boa parte dos 55
poemas de A rosa do povo, livro considerado, na feliz expressão de Merquior,
o “meio-dia do lirismo drummondiano” (113). O retrato da cidade contem-
porânea, entendida como uma área privilegiada para a exploração do contato
íntimo do poeta com as coisas, pressupõe aqui a sua descida às ruas e a cami-
nhada pelo universo urbano, sem que isso signifique, no entanto, uma iden-
tificação plena, ou não problemática, entre o sujeito e o mundo. Na espantosa
diversidade da obra de 1945, predominam, como notou Camilo, poemas que
remetem a amplos espaços ou mesmo a gigantescas dimensões, como ruas,
praças, mares e continentes, de modo a configurar a própria ideia de marcha
ou caminhada do poeta em meio à totalidade social, local e planetária, que
ele procura desvendar (57–58).
A ênfase de Drummond em espaços abertos n’A rosa do povo não elimina
de todo, porém, algumas composições que, configurando um claro avanço
em relação à poética de José, ainda continuam a eleger o ambiente interno
como forma de posicionamento político. É o caso do enigmático poema que
transcrevemos a seguir:
“Edifício São Borja”

Cólica premonitória
caminho do suicídio
fome de gaia ciência
São Borja

Esqueléticos desajustados
brigando com a vida nus
surgindo à noite em fragmentos
São Borja

Ritmo de poeta mais forte


nesta mão se inoculando
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projeto de fuga ao Chile


à tua casa de infância
ao adro da igreja tombada
São Borja

Cerveja em copo de pedra


sonhos os mais obscuros
na palma da mão
na reuma
São Borja

Santo da mais pura estima


nunca jamais invocado
sem estrelas se desfazendo
ou navios se cruzando
e se saudando: boa viagem
no caos
   na peste
      no espasmo
São Borja

São Borja São Borja São


quatro mãos quatro facadas
num peito só todo aberto
e nele cabe a cidade
o vento na roupa
uma outra longa amazônia
São Borja

Edifício poço luz


nome assobio no vácuo
esperança de emergência
São Borja
São Borja

Imolação das venezas


as terras distribuídas
a cabeça loura
em ativa deleitação
viajando sozinha
São Borja

Palavras de muita força


embalsamadas
explodindo na alva
futuras verdades ainda sangrentas
cofre a saquear, jardim
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de chaves fluidas
São Borja
Trompa de caça trombeta
de final juízo improvável
sinusite
raiva
São Borja
Canoa sem fado e peixes
canções jandaias madréporas
anêmonas
sorrimos
São Borja
outra vez sorrimos
O tempo se despencando
por trás das guerras púnicas
na face dos gregos
num dedo de estátua
posse de anel
segredo
São Borja
A vida povoada
a morte sem aproveitadores
a eternidade afinal expelida
estamos todos presentes
felizes calados
completos
Santo São Borja. (Andrade 61–63)

Embora o poema não apresente uma franca linha narrativa e se caracte-


rize fundamentalmente pela fragmentação, é possível reconstituir, em linhas
mais gerais e para fins de análise, algo do percurso dessa subjetividade. A di-
mensão místico-corpórea do verso de abertura (“cólica premonitória”) faz o
eu-lírico pensar em suicídio, mas também instaura um recuo reflexivo que lhe
permite ponderar sobre o prédio e seus significados. À visão das sombras no
entorno do edifício sucedem a possibilidade de fuga para outro país e mesmo
para o ambiente da província, as considerações sobre as atribuições do santo
que nomeia aquele espaço, bem como o vislumbre do cenário de guerra.
Esse quadro desolador é contraposto à “esperança de emergência,” anseio de
transformação radical que, não resultando de uma reversão mágica, impele o
eu-lírico em direção à coletividade, esta sim capaz de minar, insidiosamente,
o poder do edifício. Ao final, temos a projeção de um mundo pleno e har-
mônico, no qual o prédio, sobrepujado pela coletividade, neutralizar-se-ia e
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deixaria de representar uma ameaça. Isto é, a partir da desejada destruição


da realidade presente, simbolizada pelo São Borja, erguer-se-ia, por meio do
trabalho de todos, a cidade futura, rompendo com a história naturalizada e
com o poder absoluto. Assinale-se, de saída, a presença de uma dimensão
utópica no encontro dessa subjetividade com o coletivo, que se efetiva por
meio do fazer poético e é muito cara aos demais poemas do livro.
Em termos estruturais, o poema se divide em treze estrofes de versos pre-
dominantemente heptassílabos, encerradas quase todas pelo dissílabo que
funciona como refrão (“São Borja”). Note-se, portanto, que a destruição do
edifício já aparece materializada pelo percurso descendente dos versos, à
medida que as estrofes se desenvolvem. A epizêuxis com o nome do prédio
arremata o conteúdo de cada segmento e abre espaço, por sua vez, para a es-
tância seguinte, como a sugerir um contínuo esforço em liquidar a edificação
(e, como consequência, implodir o mundo), o que implica um insistente e
novo recomeço.2
O ritmo dos versos pode ser definido, em linhas gerais, pela sucessão de
jambos e anapestos. A constância dessas células rítmicas cria uma sonori-
dade encantatória reiterada pelo fecho de cada estrofe, no qual se dirige o
apelo ao nome do edifício que, por sua vez, é também o designativo do santo
católico. Ao ritmo constante se somam as construções paratáticas dos versos
erigidos sobre uma sintaxe mínima, da qual se ausentam também os verbos
de ação, descartados em função das formas nominais. Portanto a estrutura
do poema, em razão da fluência dos versos liberados de uma sintaxe rígida e
pautados pela regularidade sonora, remete a uma variante profana da oração.
Quanto à atitude lírica, ou relação sujeito/objeto, temos um “eu” que se
dirige a um “tu” numinoso: São Francisco de Borja, o santo jesuíta protetor
dos portugueses contra os terremotos.3 Trata-se, pois, de uma apostrofação
(Kayser 177), uma vez que as esferas anímica e objetiva atuam determinan-
do-se: o mal-estar do sujeito se confunde, em parte, com a realidade que ele
tenta descrever, e encontra no nome do santo/edifício o seu leitmotiv (como
se pode notar na gradação “no caos/na peste/no espasmo/São Borja”).
Assim, a atitude lírica, bem como a estruturação métrica e rítmica dos
versos, sinaliza para as ideias de harmonia, convergência e unidade que a
forma da prece ao santo parece sintetizar. No entanto, é preciso considerar
que, além da referência à divindade propriamente dita, o Edifício São Borja,
situado na Avenida Rio Branco (portanto “no centro da capital do país”),
se tornou conhecido por abrigar uma garçonnière de alto luxo frequentada
pelos grandes nomes da política (o Palácio Monroe, sede do Senado Federal,
fazia-lhe frente, o que valeu ao São Borja a alcunha de “Senadinho”).4 Além
disso, era também um dos endereços onde funcionava parte do Departa-
mento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão censor do Estado Novo de
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Getúlio Vargas: o mesmo local onde, mais tarde, seria montado o Comitê
para as eleições cujo resultado reconduziria o ex-ditador ao Catete (Regal 59).
O poema se constrói, então, aproveitando a polissemia dessas referências
(recurso, aliás, muito caro a Drummond): o nome do santo a quem se dirige
o eu-lírico, invocado em razão das catástrofes naturais, é também o nome
do edifício que está intimamente ligado ao aparato repressor, seja porque ali
atuavam os órgãos de censura, seja porque o espaço servia à diversão da elite
política que entendia o sexo como o desdobramento natural das instâncias de
poder. Acresça-se ainda o fato de que a cidade de São Borja, antiga Colônia
de Sete Povos das Missões, era nada menos do que a terra natal de Getúlio
Vargas, e temos a medida da ironia e da subversão da oração de Drummond,
cujo alvo é um poderoso símbolo do “mundo caduco” que a subjetividade
anseia por dinamitar.
Evocar o santo para deitar ao chão o edifício: essa a tarefa a que se propõe
o eu-lírico. Se o ritmo e a sintaxe da composição apontam para a louvação
ao nume, convergindo para o registro simbólico (entendido como organi-
cidade e falsa aparência de totalidade), o caráter fragmentário das imagens
sobrepostas por enumeração, que misturam referências temporais diversas
(da infância em Minas às Guerras Púnicas) instaura a mediação reflexiva da
subjetividade e parece implodir, por meio de referências alegóricas e descon-
tínuas, o centro do poder. Dito de outro modo, por trás das imagens frag-
mentadas e sem nexo aparente arrancadas do contexto da vida, às quais o
eu-lírico atribui sentido, há uma subjetividade atuante, que procura minar
por dentro e pela construção da própria poesia as estruturas opressivas.
Já na primeira estrofe, a referência à “fome de gaia ciência,” a conhecida
técnica de versejar dos trovadores provençais, aqui uma espécie de antídoto
ao mal-estar do eu-lírico, assinala uma constante subterrânea do poema: a
luta da subjetividade contra o mundo, combate que se processa por meio
do trabalho poético. Essa luta se anuncia explicitamente na terceira estrofe,
com o “ritmo de poeta mais forte/nesta mão se inoculando.” O veneno po-
tencial da poesia como arma política reaparece, mais à frente, na imagem
metafórica dos navios se cruzando/e se saudando: “boa viagem/no caos/na
peste/no espasmo.” Como assinala Curtius, os poetas romanos associavam
a composição poética a uma viagem marítima (175–76). No caso do poema
drummondiano, a recorrência aos topoi clássicos radica o fazer artístico no
solo da experiência traumática da Segunda Guerra e do Estado ditatorial de
Vargas, o que explica a tênue, mas necessária e subversiva comunicação en-
tre os navios (metáforas dos poetas).5 Nas embarcações que se transpassam
em cenário turbulento atam-se, portanto, os dois grandes eixos de A rosa do
povo: a fidelidade à poesia e a necessidade de torná-la instrumento de luta,
submetendo-a aos riscos da comunicação (Simon 19–49).
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O fato de o eu-lírico nutrir confiança em relação ao fazer poético não


elimina, porém, a consciência dos limites que esse trabalho pressupõe. Talvez
por isso, na mesma estrofe que alude à escrita do poema, haja menção ao
“projeto de fuga ao Chile.” Como a referência temporal não se dá por meio
dos verbos, é o jogo das imagens que cria as noções de passado, presente e fu-
turo. Nesse caso, a alusão ao Chile como um lugar para onde o eu-lírico pode-
ria se evadir parece levar em conta ao menos dois fatos históricos recentes em
relação ao tempo da enunciação: o de que um enorme contingente de espa-
nhóis migrou para o país sul-americano em razão da Guerra Civil Espanhola,
com o auxílio direto do embaixador Pablo Neruda (Neruda 166); e o de que, a
partir de 1938, justamente como resposta ao avanço nazifascista, o Chile viveu
a experiência da chegada ao poder da Frente Popular, coalizão que reunia co-
munistas, socialistas, democratas e radicais em nome do combate ao inimigo
comum, além da mobilização de operários e camponeses desde 1935 (Broué
821). O contraste com o Brasil da mesma época era evidente: enquanto parte
da esquerda chilena chegava ao poder, a despeito das contradições internas e
da composição com as forças moderadas e burguesas, o PCB seria mantido
na ilegalidade por dez anos até a libertação de Luís Carlos Prestes em 1945.
Há, portanto, um sentido eminentemente político no projeto alimentado pelo
eu-lírico, que dá a ver a sua rebeldia e a força capaz de contestar a ordem.
A outra possibilidade aventada pelo sujeito (aqui desdobrado dramati-
camente em tu) seria a fuga para a “tua casa de infância,” e a referência ao
“adro da igreja tombada” não deixa dúvidas de que se trata mesmo das Minas
Gerais do início do século. Aparentemente, a saída é conformista e oposta
à anterior. Contudo um resgate da imagem que o Drummond cronista de
Confissões de Minas construiu do seu ambiente de origem pode elucidar a
suposta antinomia. Em “Vila de utopia,” a casa “grande, de dois andares,” re-
visitada pelo narrador vinte anos depois, continuava “espetacularmente azul”
na rua deserta; donde ele conclui que as casas de Itabira impregnavam-se
de “uma substância eterna, indiferente à usura dos materiais e das almas”;
e assim a cidade “se preservava da destruição” (Andrade 121). Essa ideia de
resiliência e de inconformismo reaparece na crônica de Drummond sobre a
Igreja do Carmo, de Sabará, no mesmo livro:
Não creio que haja coisa mais complicada e perturbadora do que um largo
de igreja dos bons, dos legítimos. Como esse do Carmo, em Sabará, em que
na exiguidade de alguns metros de terra cabem todas as melancolias, todas as
deliquescências, tudo o que não chegou a realizar-se e também uma grande
calma e resignação cristãs. (Andrade 133)

Como se pode notar, junto à placidez religiosa, o largo, à semelhança do


casarão, provocadoramente abriga também o não-subsumido, o recalcado, o
ideal, utopia que apesar de tudo, e contra tudo, resiste. Esse ethos é recuperado
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pelo poema, no qual as imagens colhidas da esfera privada surgem não como
possibilidades de refúgio apaziguador, mas reiteram a dimensão política da
realidade na qual o eu-lírico se insere, devolvendo-o ao contexto da guerra e
da ditadura ao impor resistência e rebeldia sem que isso signifique, eviden-
temente, o confronto aberto. Como formulou Candido, ao cantar a família
como grupo e tradição, Drummond faz convergir suas inquietudes pessoais
e sociais (110).
Na sétima estrofe o eu-lírico parece chegar ao interior do edifício, e o
notável enjambement (“São Borja São Borja São/ quatro mãos quatro faca-
das/ num peito só todo aberto”) reitera a dimensão corpórea do mal-estar
já insinuado no início do poema. Ao contrário, porém, do Drummond de
“Mundo grande,” de coração “muito menor” do que o mundo, agora no seu
peito “cabe a cidade,” o que aponta para certa unidade entre o poeta e o real
que vinha se adensando desde os livros anteriores e que n’A rosa do povo pa-
rece ter encontrado o seu ponto máximo, sem implicar, todavia, uma identi-
ficação absoluta entre sujeito e objeto (Gledson 110). A oscilação, no poema,
entre a proximidade com o real e recuo crítico para formar o olhar se verifica
na correspondência que o eu-lírico estabelece entre o edifício e a “outra longa
amazônia”: a relação imaginária entre os dois lugares (o edifício e a floresta)
permite pensar o prédio como uma face mais explícita do mesmo autorita-
rismo que se revelava, à época, por meio do recrutamento compulsório dos
“soldados da borracha” para trabalho semiescravo no Norte do país (região
conhecida como o “front da borracha”), a fim de se atenderem as demandas
externas da indústria bélica em favor dos Aliados.6
Nessa estância, além de constituir um assunto da ordem do dia, a “outra
longa amazônia” alude também à extensão da própria floresta e, portanto,
remete à amplitude do poder; mas aponta igualmente para um sentido du-
rativo, reforçando a história naturalizada, aparentemente eterna, fruto do
arbítrio contra o qual luta o sujeito. Tanto que, na nona estrofe, as palavras,
matéria-prima do poeta, têm “muita força,” são capazes de revelarem “ver-
dades sangrentas,” mas estão “embalsamadas” e prontas para explodirem em
momento oportuno. Seguindo a mesma lógica, o “cofre” um dia será saque-
ado; o “jardim de chaves fluidas” tornar-se‑á, em outro momento, acessível.
Na impossibilidade de um ansiado cataclisma que rompa com esse estado
de coisas, convulsão entendida como um “final juízo improvável” (o que re-
monta, novamente, à oração profana encarnada pelo poema e tinge de ironia
a recorrência estéril ao santo), a força destrutiva do eu-lírico novamente se
concentra no fazer poético, em uma estrofe que parece marcar o ponto de
virada dessa realidade aparentemente inamovível:

Canoa sem fado e peixes


canções jandaias madréporas
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anêmonas
sorrimos
São Borja
outra vez sorrimos
Essa estrofe fundamental retoma a ideia do barco e do percurso marítimo
como metáforas do trabalho poético, mas os navios que se cruzavam no caos,
no início do poema, dão lugar à solitária canoa que, justamente por ser única,
não tem rumo. À imagem singular se opõe uma enumeração que resgata
a dimensão coletiva do ofício poético, por meio da alusão às “canções,” e
também às aves que voam em bando (“jandaias”), aos corais (“madréporas”)
e às anêmonas: seres, enfim, que se caracterizam por relações intergrupais
ou mesmo pelo auxílio a animais de outra espécie. Como consequência, e
quebrando a voz solitária do texto, emerge do poema um “nós,” que, atuando
no registro sacro-profano, funciona como uma espécie de coro da oração,
reforçado nesse segmento pela sonoridade recorrente das sibilantes.
No quarto e sexto versos dessa mesma estrofe, o sorriso reiterado da voz
coletiva cerca literalmente o edifício (“sorrimos/São Borja/outra vez sorri-
mos”), marcando a transformação do quadro até então imutável, sinalizando
uma resistência que, como as casas de Itabira, por não sucumbir à “usura dos
materiais e das almas,” é capaz de minar por dentro as bases da nefasta edifi-
cação. Como a corroborar esse sentido, o da força insuspeitada que encontra
saídas pelo trabalho árduo e insistente em um mundo bloqueado, parece não
ser casual o fato de que uma das definições dicionarizadas para um bloco
compacto de “madréporas,” sinonímia inclusive registrada por Pignatari no
célebre ensaio sobre o inseto-flor, seja justamente a palavra “áporo.”7
Se ao eu-lírico de “Edifício Esplendor” restava o consolo de imaginar o
prédio roído pelos ratos, aqui a dominação representada pelo São Borja pa-
rece ser combatida, indiretamente, pelos mesmos que podem simular doçura
ou subserviência por meio do riso, nos quais se inclui o próprio sujeito. Tal
posicionamento parece, por meio da fatura do poema, fazer frente às polêmi-
cas teses sobre a cooptação da intelectualidade dos anos 1930 pelo regime de
Vargas,8 situando, como era de se esperar, o caráter subversivo da atuação dos
escritores-funcionários no próprio resultado de seus trabalhos, dimensão
que seguramente não escapou à percepção aguçada do nosso maior poeta.
Em termos estruturais, trata-se da única estrofe que não termina com o
refrão, isto é, ela não se encerra com a referência ao prédio, mas ao “nós,”
sinalizando a sobreposição da coletividade ao signo do arbítrio. No plano rít-
mico, o último verso inverte o compasso dominante do poema: se o esquema
básico se caracterizava pela sequência jambo-anapesto, o fecho invertido
anapesto-jambo (ou-tra-vez sor-ri-mos) reforça, no plano sonoro, a ideia de
guinada expressa pelo sentido dos versos, os quais aludem à transformação
da realidade por meio do trabalho coletivo dos poetas. Essa viravolta dá a
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medida da confiança do Drummond de A rosa do povo no alcance de sua


obra, capaz de refletir sobre o mundo contemporâneo com todos os riscos
que tal atitude supõe.
Como a justaposição das imagens é um traço recorrente do poema, a
estrofe seguinte recua ao tempo das Guerras Púnicas, as clássicas batalhas
contra os cartagineses que garantiram a Roma a hegemonia do comércio
no Mediterrâneo. Ao contrário, porém, do “assobio no vácuo” (estrofe 7), da
“longa amazônia” (6), ou mesmo da “imolação das venezas” (estrofe 8, e pro-
vável alusão à invasão napoleônica da República de Veneza), não se trata mais
de uma realidade eterna metaforizada em imagens que corroboram o poder
soberano, reveladas por um sujeito poético que saltita por um tempo homo-
gêneo; agora, por trás das batalhas, o tempo despenca-se: na acepção menos
conhecida do verbo reflexivo, “surge repentinamente” (Houaiss 1010). Note-se
a importância do trabalho poético: a resistência coletiva representada pelas
“canções,” “jandaias” e “madréporas” torna possível o sentimento de histori-
cidade capaz de despertar o sujeito para a ação transformadora. O eu-lírico
então retorna ao presente e faz menção ao tempo que surge, também repenti-
namente, “na face dos gregos”: em 1944 a ocupação nazista da Grécia chegava
ao fim, permitindo ao país libertar-se dos domínios regressivos da mística na-
cional-socialista. Nessa mesma estrofe, o tempo se despenca ainda “num dedo
de estátua,” mostrando que até mesmo o que parecia inabalável e eternizado
pela escultura (a pedra, tão cara a Drummond), volta a sofrer a ação dos dias.
Com a “eternidade afinal expelida,” a apostrofação parece dar lugar, na
última estrofe do poema, à linguagem da canção, para Kayser a atitude mais
“autenticamente lírica” (377): o ciclo natural de vida e morte se refaz, orga-
nicamente; e o canto de júbilo (“estamos todos felizes, calados, completos”)
ressoa como utopia. O cruzamento dos navios no caos cede espaço a uma
disposição íntima centrada na plenitude, totalidade que dispensa a comu-
nicação e o movimento. O famigerado edifício, agora neutralizado e iro-
nicamente beatificado (“Santo São Borja”), bem como o que ele simboliza,
veem-se engolfados por uma interioridade indistinta do coletivo, que tudo
abarca e que se quer reconciliada com o mundo.
A aspiração à totalidade e à vida liberta da opressão, porém, dão a me-
dida do quanto o sujeito lírico se reconhece distante delas. Por isso, ao longo
de todo o poema, a instância reflexiva da subjetividade, escapando à do-
minação, atua no sentido de construir com distanciamento épico imagens
fragmentadas, alegóricas, que estilhaçam o símbolo do poder, ironicamente
reiterado pela dicção de súplica. Essa tensão estrutural entre a natureza har-
mônica e una da prece e o caráter disruptivo das imagens ruinosas parece
ser a resposta de Drummond ao contexto da Guerra e a um Estado de perfil
católico que se aliava à Igreja na perseguição aos “comunistas incendiários e
sem Deus” (Carneiro, par. 7).
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O edifício da Avenida Rio Branco, portanto, é destroçado pelo ímpeto de


um “eu” que, valendo-se da pseudo-oração, destrói, por meio do trabalho
poético, o “caixão de cimento armado” ao se transfigurar em um combativo
“nós.” De posse desse canto lancinante, a coletividade é capaz de reagir e sub-
verter a ordem do real. Desse modo, o impulso político do sujeito recorta a
substância épica do presente e atua, por meio da elaboração poética, no sen-
tido de preparar o advento da cidade do amanhã, cuja construção principia
com o aniquilamento do “mundo caduco” e do próprio “eu” imerso em indi-
vidualidade e solidão. Tal como na “Carta a Stalingrado,” a destruição do Edi-
fício São Borja projeta utopicamente uma nova ordem, capaz de transformar
o país dos ditadores e das igrejas no país dos poetas e de todos os homens.
Para finalizar, cumpre notar que a apropriação do legado drummondiano
pela poesia contemporânea, quando realizada de forma consequente, produz
resultados bastante instigantes. Ao longo dos setenta anos que transcorreram
desde a publicação de A rosa do povo, o “Edifício São Borja” parece não ter
recebido muita atenção por parte dos estudiosos. Mas, se a fortuna crítica do
poema é relativamente escassa, houve uma importante recepção poética: a
de Francisco Alvim, que em seu mais recente livro, O metro nenhum, criou
um poema dividido em partes (intitulado “Quatro contrafações”) no qual
transcreveu, de forma literal, algumas estrofes do “Edifício São Borja,” cons-
truindo um jogo de espelhamento entre o seu poema e o de Drummond.
A influência do poeta itabirano sobre o autor de Elefante e O metro ne-
nhum tem sido reconhecida pelo próprio Alvim; ao contrário, porém, da
exposição mitológica da personalidade, tão cara a Drummond, sua poesia
se nutre da expressividade de um material pré-moldado pelo cotidiano, de
modo a atualizar, agora sem as promessas de futuro e destituída da dimen-
são utópica, a pesquisa modernista da peculiaridade brasileira, como notou
Schwarz (141) no ensaio dedicado ao autor. Essa combinação sui generis da
herança oswaldiana com o legado de Drummond, ou, nos termos do crítico,
“o encontro do problema com o pitoresco” (142), dá o que pensar.
Duas das estrofes do referido poema de Chico Alvim podem servir como
parâmetro dessa apropriação criativa e lúcida:
“Quatro contrafações”

2. Balanço
Nunca lhe fiz nada
É o que pensa Trompa de caça trombeta
Você é muito sonsa de final juízo improvável
pior do que eu sinusite
Não sei da missa raiva
a metade São Borja
Fabio Cesar Alves 115

3. Alhures
As vacas que aqui gorjeiam Ritmo de poeta mais forte
nesta mão se inoculando (Alvim 72–73)
Flagrada na informalidade do cotidiano, a discussão inflamada da pri-
meira estrofe, que pode ser uma briga conjugal (mas que poderia se estender,
por exemplo, à relação patrão-empregada), infiltra o autoritarismo encar-
nado pelo São Borja na esfera privada, exposta quase instantaneamente pela
composição crua. A estrofe seguinte, em registro também informal, mas se
valendo da referência à literatura erudita, vira do avesso os versos icônicos da
nossa nacionalidade: a formulação “as vacas que aqui gorjeiam” parece com-
por o desabafo venenoso sobre a mulher, vitupério generalizado pela sen-
tença lapidar. Trata-se, enfim, da manifestação do arbítrio de quem detém a
palavra final, expressa na sentença misógina e pseudorrefinada, aqui elevada
perversamente à categoria de emblema pátrio. Acresce que o espaço onde as
vacas “gorjeiam” remete ainda às estâncias de criação de gado, incluindo-se,
obviamente, as célebres fazendas da terra natal de Getúlio Vargas (região que
o próprio ditador, o “Estancieiro de São Borja,” associou à sua imagem), e
temos então um curto circuito gerado pelo trânsito entre as vidas privada e
pública, produtivo nó cujo desfazimento depende da postura ativa do leitor.
Não estaríamos diante de um patriarcalismo manifesto na vida conjugal, ou
no âmbito doméstico, que encontraria correspondente nos domínios do Es-
tado e se erigiria como símbolo nacional?
Compreende-se, então, a “contrafação,” ou a traição de sentido, anun-
ciada pelo título: é preciso assimilar com certa naturalidade o que em Drum-
mond era denunciado, como se Alvim reconstruísse, agora no plano da vida
miúda e como imagem irônica de todo o país, tudo aquilo que Drummond
procurou aniquilar no “Edifício São Borja.” Tal postura busca dar conta dos
novos tempos, os quais implicam, tanto na esfera privada quanto na pública,
a normalização da barbárie, sem que se desenhe no horizonte, ao contrário
de 1945, alguma possibilidade de redenção.
A referência direta de “Quatro contrafações” ao poema de Drummond
multiplica, então, as já muitas ambivalências da composição. No poema al-
viniano, a posse da palavra e o veneno da poesia (presentes na menção ao
“ritmo de poeta mais forte / nesta mão se inoculando”) serão coextensivos
à fala do opressor? Ou a alusão ao “Edifício São Borja” funcionaria como a
réplica de quem vê de fora e atua como comentador? Ao explicitar e trans-
por poeticamente os termos paralegais de autoritarismo e informalidade, que
tanto podem funcionar como objeto de crítica ou de regozijo, dependendo
do ângulo de leitura, o poema de Chico Alvim se propõe a pensar o país na
contemporaneidade. Ao que parece, estamos diante da atualização de uma
das preocupações centrais de Drummond, desde quando Mário de Andrade
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convidou por carta o jovem poeta itabirano, ainda em 1924, a “devotar-se ao


Brasil junto com ele” (46).

Fabio Cesar Alves


Av. Prof. Luciano Gualberto, 403
Cidade Universitária
São Paulo, SP 05508-900
Brazil
fabiocesaralves@usp.br

Notas

1.  Agradeço ao Professor Anderson Gonçalves (FFLCH/USP), pelas sugestões ao


ensaio, e à Professora Ana Claudia Scaglione Veiga de Castro (FAU/USP), pelas indi-
cações bibliográficas específicas.
2.  Como emblema dessa disposição do eu-lírico de A rosa do povo a um traba-
lho permanentemente refeito, veja-se, a título de exemplo, o poema “O elefante,” do
mesmo livro.
3.  O culto a São Francisco de Borja praticamente inexistiu em Portugal até o ter-
remoto de Lisboa (1755), quando o rei D. José decretou, no ano seguinte ao abalo, que
o santo fosse tomado como Patrono e Protetor dos Reinos e seus Domínios contra
os terremotos. Segundo Coelho, no Brasil a Câmara da Vila de Sabará, para atender
às ordens régias, precisou “fazer às pressas uma imagem do santo. O mesmo ocorreu
também com todas as outras imagens de São Francisco de Borja das outras matrizes
mineiras, adquiridas pelas câmaras locais nesse mesmo período e nas mesmas cir-
cunstâncias, isto é, para satisfazer uma ordem real” (70). O culto a esse santo, “por
ter sido uma devoção imposta, sem lastro na piedade popular, foi logo definhando,
fato corroborado ainda mais pela expulsão dos jesuítas dos domínios portugueses,
decretada por D. José, no ano de 1773” (71). Como se vê, também a história do culto
brasileiro ao santo remete ao autoritarismo, dimensão que fundamenta o poema em
análise.
4. Em Agosto, romance de Rubem Fonseca, o investigador Rosalvo afirma: “Esses
senadores sassaricantes quando se cansam de fazer discursos costumam atravessar a
rua para ir dar uma bimbadinha relaxante. Dizem que as garotas do Senadinho são
uma maravilha” (32).
5.  As metáforas aquáticas e as imagens de navios aparecem em inúmeros poemas
do livro, como “Consolo na praia,” “América,” “Fragilidade,” “Consideração do po-
ema,” “Mas viveremos,” “Notícias,” “Visão 1944,” “Mário de Andrade desce aos infer-
nos,” “Canto ao homem do povo Charlie Chaplin,” “Economia dos mares terrestres,”
“Rola mundo,” “Versos à boca da noite,” “Com o russo em Berlim.”
6.  Segundo Secreto, a campanha da borracha, com amplo incentivo norte-ameri-
cano, recrutou 50 mil trabalhadores nordestinos para os seringais da Amazônia entre
1943 e 1944, dos quais, estima-se, metade morreu ou desapareceu. Os contratos com
Fabio Cesar Alves 117

os trabalhadores não foram cumpridos pelos seringalistas; as famílias desfalcadas


ficaram sem a assistência prometida. Por essa razão, a campanha da borracha se tor-
nou, no período da guerra, um “escândalo de dimensões nacionais” (37–38).
7.  O crítico transcreve, na detida análise do poema homônimo, várias acepções
para “áporo,” dentre elas a do Grande dicionário da língua portuguesa (Morais): “de-
signativo das madréporas em que se encontram reunidos um aparelho sedimentar
muito desenvolvido e uma muralha muito compacta” (132).
8.  A mais difundida talvez seja a de Sérgio Miceli.

Obras citadas

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