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Apresenta
Vinheta
No último vídeo terminei falando sobre a segunda versão de Hari, e os outros dois
cientistas que também estão em órbita sobre o planeta Solaris. E é por ai que vamos
retomar.
O teste do pato
Quando Kelvin apresenta Hari a seu colega Sartorius, ele aponta que todas as
criações do Solaris são feitas de neutrinos.
Snaut - que é menos cínico do que Sartorius, mas ainda parece muito mais
sóbrio que Kelvin - acrescenta que os sistemas de neutrinos são instáveis. Essa
ideia de estabilidade tem significado simbólico inegável nesse contexto.
Estabilidade de caráter é o que permite a ligação humana e a personalidade.
Como é a Hari?
Kelvin surge com uma resposta clara para essa pergunta, mas seus outros dois
colegas são diferentes.
Ele não parece muito confiante e científico quando se refere a Hari como "um
esplêndido exemplar" e poucos minutos depois diz que está com ciúmes de Kelvin.
Já Kelvin pode até parecer ridículo à primeira vista quando responde ao comentário de
“espécime” dizendo: “Esta é minha esposa.”
A idéia pode ser demonstrada pelo famoso teste do raciocínio indutivo: "Se parece um
pato, nada como um pato, e é como um pato, então provavelmente é um pato."
O teste do pato pode ser aplicado à forma como as mentes humanas respondem aos
sinais da humanidade.
Esse raciocínio é importante no caso de Hari, porque ela parece inequivocamente
humana, tornando o conceito de "amostra" de Sartorius contraintuitivo e suas
observações sobre os neutrinos - emocionalmente irrelevantes. Kelvin não pode
deixar de experimentar reações emocionais normais a Hari como parte de sua
natureza humana. Essas reações provavelmente seriam diferentes se Hari não
aparecesse do jeito que ela faz, e isso inclui sua semelhança com a esposa
original de Kelvin. Podemos inferir isso por dois motivos.
De certo modo, o anão pode constituir uma maneira de mitigar um pouco a falha
de Sartorius no teste do pato com Hari.
Sartorius não tem tanta sorte quanto Kelvin, o que é uma ideia sugerida por Snaut,
que diz à Kelvin para se considerar com sorte, já que nem todos podem estar com
convidados como a dele, e acabar na verdade, com convidados bem estranhos.
Recusa do Reducionismo
René Descartes argumenta que os seres humanos possuem uma alma, ou mente em
termos modernos, bastante separada e qualitativamente diferente do corpo:
Nesses termos, por exemplo, a biologia pode ser reduzida à química, na medida em
que as reações químicas estão por trás da vida e de suas várias manifestações.
E a química pode ser reduzida à física, pois os elementos físicos são os constituintes
das moléculas que interagem nas reações químicas.
Este raciocínio implicaria que os estados mentais podem ser reduzidos a estados
cerebrais, isto é, aos processos físicos e neurológicos e estruturas do cérebro.
Mas, Putnam se volta especificamente para a questão da dor, a fim de desafiar a ideia
de que estados mentais podem ser reduzidos a estados cerebrais.
Ele rejeita a posição reducionista de que a dor e o sofrimento são inseparáveis dos
estados cerebrais que os instanciam.
Se nos voltarmos para o Solaris, veremos que são os "detalhes físicos", como a
estrutura baseada em neutrinos de Hari - e não o comportamento do argumento
anti-reducionista de Putnam - que Sartorius presta atenção em sua avaliação de
Hari. Esse reducionismo é a postura teórica que torna possível a Sartorius
anular sua resposta emocional natural a Hari. Tanto no Solaris quanto no
raciocínio de Putnam, o subtexto é sobre compaixão em face do sofrimento.
E uma evidência ainda mais forte é fornecida por um incidente anterior, quando Hari,
tentando seguir Kelvin para fora do seu quarto para o corredor da estação espacial,
rompe uma porta de metal e se machuca.
Esta é uma cena de cortar o coração, onde vemos Hari caindo aos pés de Kelvin
- coberta de sangue e em estado de terror absoluto. Mas alguns minutos depois,
para espanto de Kevin, todo o sangue seca e os ferimentos desaparecem.
Assim, parece fazer sentido quando Sartorius propõe realizar uma vivissecção
em Hari. Mas a resposta de Kelvin a todo esse pensamento reducionista é
funcionalista em termos filosóficos. Ele se vira para Hari e pergunta: "Você
sentiu dor quando se machucou contra a porta?" A resposta afirmativa dela e, o
mais importante, os indicadores comportamentais de sofrimento de Hari refletem
a posição de Putnam e devem trazer compaixão.
Putnam enfatiza a função ou o papel dos estados mentais, como o sofrimento, e não o
substrato físico ou a instanciação dessa experiência.
Na mente de Kelvin, a função do sofrimento é a mesma para Hari como para qualquer
ser humano - embora Hari seja um alienígena com uma estrutura física
inteiramente estranha. Embora Putnam se refira a possíveis instanciações
extraterrestres de sofrimento, ele procura trazer o funcionalismo para mais perto
de casa e torná-lo mais relevante considerando uma espécie terrena:
Hari é o polvo de Putnam, mas vamos nos lembrar do teste do pato: um polvo não
parece ou age como um ser humano.
Então, de fato, dispensar o sofrimento de um polvo deve ser muito mais fácil do que
dispensar a de Hari, o que torna a posição do Sartorius ainda mais insustentável.
O grande filósofo francês considerava que os animais não tinham alma e, portanto, a
capacidade de realmente sentir dor ou sofrimento.
Ele os via como autômatos e até realizava vivissecções - do tipo que Sartorius sugere
que Kelvin realiza em Hari. Isto é conhecido como a doutrina da máquina de
Descartes:
Em contraste com Descartes, que uma vez operou o coração de um coelho vivo,
optando por ignorar os "movimentos externos" que acompanham a dor em seres não
humanos, Putnam constrói o cerne de sua teoria em torno desses "movimentos
externos".
Quando Hari oferece sua mão para Sartorius no primeiro encontro, ele olha
diretamente para ela, dirigindo-se apenas a Kelvin e ignorando a mão.
Ela está se oferecendo para experimentar uma emoção com Sartorius de uma
maneira que, presumivelmente, derreteria os corações dos mais
vivisseccionistas cartesianos ou reducionistas modernos.
Embora possa parecer, a princípio, que Hari não perceba essas humilhações, o
estresse de todas essas experiências se acumula em sua mente e explode no
episódio da biblioteca.
Ainda mais do que no episódio da porta quebrada, Hari passa no teste de pato
na biblioteca, convidando o espectador a confiar em seus olhos e não em
teorias, como a máquina de Descartes.
De fato, se há alguém como uma máquina nesse episódio, é Sartorius que não
demonstra compaixão por Hari, embora, desta vez, não haja dúvidas sobre sua
dor. O confronto com Sartorius é concluído pela tentativa de Hari de beber água
de um copo.
Ela não pode fazer algo tão normalmente humano quanto beber, então como
pode Hari ser humana? Mas o fracasso da bebida é acompanhado pela
respiração acelerada e tremor indicativa da tremenda dor emocional de Hari.
Neste ponto Kelvin chega até ela e se ajoelha diante da mulher que sofre,
implicando assim que o comportamento claramente indicativo de dor
funcionalmente cancela a disfunção estrutural de Hari.
Cada “falha” de Hari (incluindo seu sangue indestrutível e curas milagrosas) são
tentações para reduzi-la à sua composição material e aceitar a negação de Sartorius
de sua personalidade.
Mas sua declaração de amor por Kelvin - assim como sua angústia no cenário da
biblioteca – apaga qualquer falha como algo sem importância.
Sua capacidade de ligação humana - seja qual for sua instanciação material ou
estrutural - é funcionalmente tão válida quanto qualquer emoção humana
normal.
E isso não é apenas qualquer emoção, mas amor - a emoção social final.
Solaris não oferece respostas fáceis para a questão de como é ser humano - pelo
menos não em termos científicos empíricos.
E é o corpo dela que Hari se sacrifica por Kelvin quando ela voluntariamente se
submete à aniquilação nas mãos de Snaut e Sartorius.
Mesmo com toda está questão sobre Hari ter personalidade ou não, ser uma humana
ou não, o que é um fato, é que não podemos negar que Hari é um indivíduo.
Nenhum passo adiante se teria dado caso a afirmação de Hegel de que a verdade do
Eu reside no “indivíduo vivo e atuante” evocasse uma reconciliação teórica do
dualismo na figura de um corpo animado ou de uma alma encarnada.
Tomando-se o indivíduo por objeto, seja como for, nem a representação de uma alma
encerrada no corpo e nem a de um corpo dotado de alma exprimem o próprio
indivíduo como sujeito universal.
A filosofia moderna, até então, consagrara seus maiores esforços à investigação do
funcionamento da consciência, das leis racionais do entendimento, da estrutura interna
do Eu.
Mas Hegel nos adverte que por sobre essas bases não se consegue explicar
satisfatoriamente o homem: “pois cada homem, na medida em que vive, busca se
realizar e se realiza.”
Finaliza
Então é isso, essa foi a parte 2, e eu espero que, de alguma forma, vocês tenha aproveitado
esse vídeo.
Essa foi só uma análise, um ponto de vista, mas gostaria de enfatizar que esse filme abre
muitas maneiras de refletir sobre, seja sobre o filme em si, o por que dele existir, o por que de
ser importante, ou sobre os vários aspectos humanos e filosóficos que ele aborda.
Se você tem uma perspectiva diferente, alguma refutação, gostaria muito que você me
contasse. Então, qualquer coisa, comenta aí embaixo!
Esses assuntos são sempre complexos, então eu posso ter falado algo de forma equivocada,
mas enfim, é por isso que o seu feed back é muito importante nesse aspecto por que me ajuda
ainda mais nos meus estudos e consequentemente, nos meus vídeos.
REFERÊNCIAS:
- O homem que confundiu sua mulher com um chapéu: E outras histórias clínicas.
- Deltcheva, R. & Vlasov, E. (1997). Back to the house II: On the Chronotopic and Ideological
Reinterpretation of Lem’s Solaris in Tarkovsky’s film. Russian Review.
- Descartes, Rene. (1991). The Philosophical Writings of Descartes. Vol. III. (A. Kenny et al.
Trans.). Cambridge: Cambridge University Press.