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TÍTULO

Criminalização e juventude: Novos discursos, velhas práticas?

TEMA
A proposta de pesquisa que se segue objetiva investigar o processo de criminalização
dos adolescentes1 no município de Belo Horizonte que estão em cumprimento de medida
socioeducativa de internação2.
No Brasil há um forte discurso naturalizado dos jovens como potencialmente
perigosos, especialmente, se esses são pretos, pobres e de periferia. Recorrentemente ganha
grande visibilidade e ressonância, inclusive no cenário político, o apelo social por maior
punição, localizando na juventude o bode expiatório de toda uma dinâmica complexa de
violência urbana. Percepção essa reforçada pela construção midiática sobre o crime e
violência, na qual se cristaliza e dissemina uma visão negativa sobre determinados indivíduos
e grupos sociais.
Todavia, não se busca correlacionar tal fenômeno da violência com processos sociais e
culturais efetivos no Brasil. Sendo assim, torna-se importantecompreender os mecanismos de
naturalização de hierarquias e inferiorizações sociais que reforçam modos de produção do
outro, naturalizando violências, discriminações, preconceitos e, também, criminalizações.
Pretende-se, assim, a partir dessa investigação, compreender e articular os elementos
estruturais, simbólicos e culturais que incidem no processo de criminalização dos
adolescentes, uma vez que o abandono ou o olvidamento de tais elementos geram análises
esvaziadas que (re)produzem discursos e práticas políticas de caráter excludente e
estigmatizadora.

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: Psicologia Social

LINHA DE PESQUISA: Política, Participação Social e Processos de Identificação

1
No Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei Federal nº 8.069/1990), considera-se adolescência a faixa
etária dos 12 anos de idade até os 18 anos incompletos.
2
De acordo com o ECA (1990) e com a Constituição da República Federativa do Brasil (1988), pessoas com
menos de 18 anos são penalmente inimputáveis, estando sujeitas à legislação especial, no caso, o ECA. Os
adolescentes que cometeram atos infracionais recebem medidas socioeducativas, sendo que essas podem ser em
regime aberto ou com privação de liberdade, dependendo da gravidade e/ou reincidência do ato infracional. A
medida de internação é a medida socioeducativa mais gravosa no qual o adolescente pode ser privado de
liberdade por, no máximo, três anos. Essa medida é regulada por três princípios fundamentais, a saber: o
princípio da brevidade, da excepcionalidade e do respeito à condição peculiar da pessoa em desenvolvimento.

1
OBJETIVOS
Geral
Investigar e compreender quais elementos se articulam no processo de criminalização dos
adolescentes no município de Belo Horizonte que estão em cumprimento de medida
socioeducativa de internação.

Específicos
 Identificar e analisar o perfil socioeconômico e sociodemográfico dos adolescentes
que receberam medida socioeducativa de internaçãoem Belo Horizonte;
 Investigar quem são os adolescentes que se encontram em uma das Casas de
internação masculina;
 Investigar e analisar as trajetórias de vida e infracional dos adolescentes da Casa de
internação selecionada;
 Identificar e analisar os discursos que são produzidos em torno dos adolescentes que
estão em cumprimento da medida socioeducativa de internação da Casa de internação
selecionada.

JUSTIFICATIVA
O meu interesse pelo campo da juventude3 teve início na graduação e prosseguiu ao
longo da minha atuação profissional.
Iniciei os estudos sobre juventude enquanto bolsista de extensão e, posteriormente, de
iniciação científica no Núcleo de Psicologia Política da Universidade Federal de Minas Gerais
(NPP/UFMG). Nesse período, os estudos voltaram-se, principalmente, para investigação
sobre as formas de ação social e política de coletivos juvenis. A aproximação da experiência
da juventude possibilitou a desnaturalização de concepções, muitas das vezes, homogêneas e
reducionistas sobre as formas de pensar e agir dos jovens frente à sociedade brasileira
marcadamente desigual e excludente.
As minhas experiências profissionais, também foram com jovens e adolescentes.
Primeiramente, no programa Fica Vivo!4, no qual fui instigada a refletir sobre a relação dos
jovens em seus territórios. No entanto, dessa vez, questões como segurança pública e
3
Não há consenso sobre a definição do termo Juventude. Todavia, as pesquisas contemporâneas sobre Juventude (Abramo
[1997], Dayrell [2003]), ressaltam que esse é um conceito construído socialmente no qual varia de acordo com o contexto
cultural, econômico, territorial, políticos, dentre outros. Excedendo, dessa forma, uma definição etária. Neste anteprojeto
também utilizar-se-á o termo Adolescente para referir aos jovens penalmente inimputáveis (12 aos 18 anos de idade
incompletos), de acordo com a definição do ECA.

4
Programa de prevenção social a criminalidade do Estado de Minas Gerais.

2
letalidade juvenil passaram a evidenciar outras complexidades que marcam a experiência
juvenil, sobretudo, a periférica.
Há três anos trabalho na execução da medida socioeducativa em meio aberto no
município de Belo Horizonte. Assim, meu encontro com os adolescentes passou a se dar a
partir do Sistema de Justiça Juvenil, especificamente, no Sistema Socioeducativo. Os relatos
dos adolescentes e suas famílias, a atuação dos órgãos de justiça, de instituições de segurança
pública e de garantia de direitos, dentre outros, propiciam uma série de problematizações
sobre a questão da juventude e sua interface com o fenômeno da criminalização e vitimização
juvenil.
Tais experiências convocaram-me a elaborar questionamentos sobre o processo de
criminalizaçãodeadolescentes no município de Belo Horizonte, tais como: Quem é o
adolescente definido como infrator? Em que condições o adolescente se torna objeto de tal
definição? Quais efeitos decorrem dessa definição sobre o adolescente? Qual é a trajetórias de
vida desse adolescente? Qual é a sua origem territorial? Quais são os atos infracionais
cometidos por ele?
Em um estudo recente sobre o encarceramento no mundo, a International Centre for
PrisonStudies5, organização não governamental internacional dedicada ao estudo desta
questão, localiza o Brasil em 4º lugar no ranking mundial de população prisional. E de acordo
com os dados do Sistema Integrado de Informação Penitenciária (Infopen) 6, os jovens
representam 54,8% da população carcerária.
No Mapa do Encarceramento no Brasil (2015) se destaca o hiperencarceramento em
curso no estado de Minas Gerais que apresentou um crescimento, no período de 2005 a 2012,
de 624% de sua população carcerária, passando a ocupar o segundo lugar no ranking do
encarceramento no Brasil. Além disso, Minas Gerais apresenta a 3ª maior aceleração da taxa
de encarceramento de negros e a 4ª maior de jovens. Demonstrando, assim, um processo de
criminalização da população juvenil, sobretudo, negra.
Dessa maneira, torna-se imprescindível compreender qual o significado da prisão em
uma sociedade marcadamente racista no qual a construção da criminologia pautou-se na
associação dos fenotípicos negros ao comportamento criminoso, a partir de teorias científicas
sustentadas por teóricos, tais como Nina Rodrigues e Oliveira Viana. Por toda essa influência

5
Disponível em: http://www.prisonstudies.org

6
Disponível em: http://www.infopen.gov.br/

3
científica e histórica é relevante pensar as relações raciais ao analisar as dinâmicas criminais
(Andrade e Andrade, 2014).
É importante problematizar o aumento do encarceramento e indagar de que forma esse
fenômeno aponta para uma individualização de conflitos, em que a criminalização indica a
escolha do Estado por uma política punitiva. Assim, o Sistema de Justiça Juvenil torna-se
emblemático para entender o sistema punitivo geral, pois

“A justiça para menores, desde a sua fundação, no final do século XIX, foi sempre a
parte mais sensível de todo o sistema punitivo, a mais problemática e a mais
qualificante, o lugar onde a mistificação doutrinária e ideológica do sistema e, ao
mesmo tempo, seu caráter seletivo e destrutivo alcançaram o seu ponto mais alto”.
(Batista, 2013, p. 25)

Por isso, é necessário problematizar como um sistema preponderantemente punitivo,


demonstrado através do encarceramento em expansão e da policialização das relações sociais,
tem impactado a experiência juvenil. Portanto, a internação por ser a medida socioeducativa
mais gravosa, privativa de liberdade, análoga, deste modo, ao instituto da pena de prisão,
torna-se relevante para essa compreensão.
Diante desse breve contexto apresentado emergem outros questionamentos: A política
de encarceramento em curso no estado de Minas Gerais tem refletido no Sistema de Justiça
Juvenil? De que forma? Quais são os impactos para os adolescentes? Aumentou-se o número
de adolescente na internação nos últimos anos? Quem são os adolescentes que se encontram
na internação?
A juventude constitui-se enquanto um problema social, na passagem de 1980 para
1990, como um tema de pesquisa e de preocupações por parte dos acadêmicos brasileiros
(Abramo, 1997). Evidencia-se, assim, um aumento significativo de estudos e pesquisas
acadêmicas sobre a Justiça Juvenil, sobretudo, na última década (Mendez, 2006; Sposato,
2011; Saraiva, 2006; Santos e Rodrigues, 2010).
Contudo, ainda há aspectos a serem investigados e aprofundados nesse campo do
conhecimento, principalmente, que não reproduza uma visão binária no qual a questão da
criminalidade juvenil ora é localizado no sujeito como parte inelutável de sua personalidade
e caráter, de sua subjetividade e de seu ser (Misse, 2014, p. 209), ora indicando
condicionantes macrossociais, entretanto, de modo à reatualizar e reforçar associações
naturalizadas, tais como pobreza e criminalidade.
De acordo com O Mapa do Encarceramento (2015) há uma grande a escassez de
dados relativos ao Sistema de Justiça Juvenil, principalmente, em relação aos adolescentes em

4
cumprimento de medidas socioeducativas restritivas de liberdade e observa que quando há
informações, essas se restringem a dados superficiais e gerais 7. Dificultando, deste modo, um
maior aprofundamento analítico e conhecimento sobre essa população.
Além disso, a escassez de dados e análises sobre a realidade socioeducativa impactam
na sua qualidade e eficácia. Diante disso, identificar o perfil dos adolescentes e compreender
os elementos que se articulam em seu processo de criminalização torna-se importante para
fortalecer o sistema socioeducativo, subsidiando reflexões que poderão ser utilizados na área
de prevenção e como forma de intervir em mais um modo de violência contra a juventude.
A presente proposta de pesquisa será realizada em uma das Casas de internação
masculina do município de Belo Horizonte. O recorte de gênero deve-se ao fato da população
masculina apresentar a maior taxa de apreensão, a saber, 88,07% de acordo com os dados de
2015 apresentados pela Vara Infracional da Infância e Juventude de Belo Horizonte.
Apresentando, deste modo, o maior contingente populacional que se encontra em privação de
liberdade, indicando um aspecto importante a ser aprofundado no desenvolver da análise.
Ressalta-se que a escuta dos adolescentes será fundamental para compreender suas
trajetórias de vida e o cometimento do ato infracional, principalmente, como o processo de
criminalização impactam suas vidas, bem como os sentidos construídos por eles neste
processo. Escutar os adolescentes, também é relevante para subsidiar a construção das
políticas públicas, especialmente, das medidas socioeducativas, visto que essas são
historicamente elaboradas sem suas participações desde a criação, implementação e, também
avaliação.
E a psicologia? Qual a sua importância nesse contexto? Foucault (2004) ressalta que o
Juiz não julga mais sozinho e que há uma quantidade de pequenos juízes que atuam em torno
do julgamento, principalque ele nomeia de instânciais anexas. A psicologia é uma dessas
instâncias, no qual é historicamente convocada a se posicionar diante do Sistema de Justiça.
Essa atuação pode tanta reforçar preconceitos e prescrever normalidades, quanto romper com
uma concepção reducionista que busca compreender o fenômeno da criminalização e da
violência em uma perspectiva essencialista.
Na execução do sistema socioeducativo há uma presença marcante de profissionais da
psicologia. Desse modo, torna-se fundamental, cada vez mais, problematizar e qualificar a
atuação dos psicológicos nas políticas públicas, neste caso, especificamente, em sua interface

7
Como exemplo disso, de acordo com o Mapa do Encarceramento (2015), somente a partir de 2013 que o Sistema Nacional
Socioeducativa (SINASE) passou a coletar informações como raça/cor.

5
com o sistema de justiça. Além da importância da psicologia na produção de conhecimento
que versam sobre as temáticas da violência e do Sistema de Justiça Juvenil.
Assim, propõe-se este anteprojeto de pesquisa na ÁREA DE PSICOLOGIA
SOCIAL, por esse campo de conhecimentos debruçar-se sobre as questões da desigualdade
sociais e coletividades humanas de forma a contribuir para “os enfrentamentos necessários,
urgentes e primordiais para a busca de uma sociedade justa e igualitária” (Mayorga et al,
2009, p. 10). Na LINHA DE PESQUISA: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL e
PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO será possível realizar análises de dinâmicas de
preconceitos e desigualdades, naturalização de hierarquias e relações de poder, buscando
compreender as suas configurações e consequências, a partir de uma concepção psicossocial e
histórica, fundamentais para investigar os aspectos presentes no processo de criminalização
dos adolescentes.
Discutir os direitos dos adolescentes é antes de tudo uma pauta de Direitos Humanos,
no qual a Psicologia tem um papel relevante e fundamental a desempenhar. Ressalta-se, deste
modo, que“sem direitos de cidadania efetivo a democracia é uma ditadura mal disfarçada”
(Santos, 2011, p. 84).

REFERÊNCIAS TEÓRICAS
A criminalidade juvenil emergiu como problema social e jurídico na passagem do
século XIX para o século XX, período marcado por intensas transformações sociais, políticas
e econômicas, tais como a abolição da escravatura, o processo de industrialização e
modernização tardia. Nesse contexto, constituiu-se o Sistema de Justiça Juvenil com o intuito
de dar tratamento as necessidades de ordem do espaço urbano e a formação do mercado de
mão de obra assalariada (Paula, 2014).
As crianças e os adolescentes pobres que transitavam pelas ruas e escapavam da
inserção precoce no mundo do trabalho eram recolhidas por instituições públicas que visavam
a sua recuperação. Nessa concepção de justiça reparadora institui-se o primeiro Código de
Menores8 (1927), também conhecido como Código Mello Matos, que era pautado na prática
de internação de crianças e adolescente considerados desviantes em instituições de correção,
tendo a sua sistematização e centralização operada pelo poder público por meio dos serviços
da assistência social (Paula, 2014), tal como SAM – Serviço de Assistência ao Menor.

8
Decreto nº 17943, 12/10/1927.

6
Em 1979 é promulgado o segundo Código de Menores 9 e novamente o Sistema de
Justiça Juvenil reafirma a sua concepção reparadora, pautando-se na Doutrina de Situação
Irregularque associa de forma arbitrária atribuições de caráter jurídico com o de caráter
assistencial, mantendo as instituições de internação a responsabilidade de tratar a conduta dos
adolescentes tidos como delinquentes (Sposato, 2011). A transição entre os Códigos de 27 e
79 ocorreu efetivamente com a criação da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
(FUNABEM), que incorporou o antigo SAM, competindo a FUNABEM formular e implantar
a Política Nacional do Bem-Estar do Menor.
Destaca-se nos Códigos de Menores a atuação do Juiz de Menor que utilizava de
categorias vagas e ambíguas para justificar a internação de crianças e adolescentes de difícil
apreensão na perspectiva do direito, a saber, menores em situação de risco, em perigo moral
ou material ou em circunstancias especialmente difíceis. Neste contexto, era esperada do Juiz
uma atuação condizente a de um bom pai de família e da incorporação da figura do patronato
do Estado. Logo, dispunha de amplo poder discricionário, tendo faculdades ilimitadas de
disposição de intervenções sobre a família e os menores (Saraiva, 2006).
Batista (2013) realizou uma pesquisa sobre o Sistema de Justiça Criminal na cidade do
Rio de Janeiro, no período de 1968 a 1988, no qual expõe a criminalização da população
pobre juvenil. Nessa pesquisa, a autora indicou a forma de incidência de mecanismos
ideológicos e morais que selecionavam os casos que entravam no sistema socioeducativo, tais
como adolescentes abandonados, pobres, negros, sem trabalhos, dentre outros.
De acordo com Mendez e Costa (1994), a ruptura com o Código de Menores situou-se
em um contexto de forte mobilização popular e política, liderada pela Pastoral do Menor e do
Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua. A Convenção das Nações Unidas de
Direito da Criança (1989)10 consagra a Doutrina da Proteção Integral em que a criança e o
adolescente são reconhecidos como sujeitos de direitos e que se encontram em peculiar
condição de desenvolvimento. Pautada nessa Convenção, dentre outros tratados e normativas
internacionais11, promulga-se no Brasil o ECA. Além do mais, a Constituição Federal de 1988

9
Lei nº 6697/79 e Lei 4513/64.

10
É um tratado que visa à proteção de crianças e adolescentes de todo o mundo, aprovada na Resolução 44/25 da Assembléia
Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989.

11
Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959); Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça,
da Infância e da Juventude - Regras de Bejing (1985); Regras das Nações Unidas para Proteção dos Menores Privados de
Liberdade (1990); Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil, conhecida como Diretrizes de
Riad (1990).

7
antecipa ao ECA e incorpora ao ordenamento jurídico nacional os princípios fundantes da
Doutrina da Proteção Integral nos artigos 22712 e 22813(Saraiva, 2006).
Com o ECA retira-se do âmbito jurídico aspectos referentes a questões sociais e de
violação de direitos, distinguindo competências das políticas sociais daquelas condizentes a
infrações legais, tendo o Poder Judiciário a prerrogativa exclusiva de atribuição de medida
socioeducativa ao adolescente autor de ato infracional (Saraiva, 2010). No processo de
responsabilização do adolescente em conflito com a lei privilegia-se um modelo
pedagógico/educativo em contraposiçãoao estritamente punitivo. Estabelece-se um rol de
medida socioeducativa aplicáveis ao adolescente em conflito com a lei, desde a advertência e
admoestação até regimes de restrição e privação de liberdade, sendo que essas são
determinadas em caráter excepcional e são presididas pelo princípio da brevidade.
Todavia, o ECA sofre críticas desde a sua entrada em vigor, tanto por correntes
constituída por representantes do poder público e da sociedade civil que apresentam discursos
de caráter estritamente punitivo para tratar a questão da criminalidade juvenil, quanto por
propostas que buscam formas de aprimoramento do ECA sem descaracterizar a sua face
socioeducativa, constituindo um debate, na maioria das vezes, polarizado.
Avaliando esse contexto, Mendez (2006) considera que o ECA enfrenta uma dupla
crise, a saber, de implementação e de interpretação. Para esse autor, a crise de implementação
refere-se às carências em saúde, educação e a redução de gastos na área social e a crise de
interpretação se configura como uma releitura subjetiva discricional que possibilita o retorno
de práticas tutelares.
Avalia-se que o ECA representou uma melhora significativa no plano normativo, mas
que ainda não se traduziu para a realidade dos adolescente, principalmente, quando observa
que ainda impera uma limpeza étnica e de genocídio no sistema informal (Baratta, 2013, apud
Batista, p. 30, 2013). E, além disso, o dispositivo da periculosidade se reatualiza
constantemente, reforçando a associação entre pobreza, raça e criminalidade.
Segundo Foucault, (...) a noção de periculosidade significa que o indivíduo deve ser
considerado pela sociedade ao nível de suas virtualidades e não ao nível de seus atos(2003,
p. 85),fazendo, assim, com que o controle não se exerça somente sobre o que se é, mas,
sobretudo, sobre o que poderá vir a ser (Coimbra e Nascimento, 2004).

12
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.

13
São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.

8
Assim, novamente o adolescente torna-se alvo privilegiado do controle, marcando,
cada vez mais cedo, uma gestão diferenciada de possibilidades de viver. Contudo, a punição, a
repressão e a vigilância que recaem sobre os adolescentes estão distribuídas socialmente de
modo desigual. Segundo Zaccone (2014), entre a criminalidade latente e a perseguida há uma
seletividade das instâncias penais que incidem no dispositivo de criminalização, ou seja,

“Todas as sociedades contemporâneas que institucionalizam o poder (estado)


selecionam um reduzido número de pessoas que submetem à sua coação com o fim de
impor-lhe uma pena. Essa seleção penalizante se chama criminalização e não se leva a
cabo por acaso, mas como resultado da gestão de um conjunto de agências que
formam o chamado sistema penal.” (Zaffaroni, 2003, p. 42, apud Zaccone, 2014, p.
15)

Dessa forma, a definição de quem pode ser rotulado como delinquente ocorre de modo
desigual e isso não se dá sem implicações. Em vista disto, ressalta-se a importância de
compreender o processo de criminalização a partir da articulação de elementos tais como:
repressão, punição e violência racial (Davis, 2009). Sendo essa expressa no Brasil,
principalmente, pelo encarceramento e genocídio dos jovens negros.
Na cartografia da juventude de periferia realizada por Oliveira (2001), foi apresentada
a invisibilidade social dada a esses jovens, que só emergem do invisível quando são
considerados ameaças à ordem pública ou mesmo quando já atingiram os registros policiais.
Sendo assim, esse jovem é estigmatizado e exilado socialmente, apontando, deste modo que
estamos diante de um sistema sequestrador de recursos e de vidas (Oliveira, 2001, p. 236).
É importante afirmar que por mais que o discurso da participação popular esteja posto,
pelo ECA e o SINASE e, muito difundido desde a pós-constituinte no Brasil, os adolescentes
continuam posicionados numa situação de total invisibilidade política, uma vez que seus
interesses são articulados somente por outros. Portanto, a participação dos adolescentes neste
processo de construção de uma Justiça Juvenil apresenta-se como crucial para a construção de
concepção e prática de justiça de fato democrática.

METODOLOGIA
Neste processo de investigação, parte-se do princípio de que o conhecimento não tem
a finalidade única de decifrar o real e construir uma verdade definitiva de como os fatos
ocorrem, mas, sim, buscar entendê-lo como algo construído e situado socialmente (Oliveira e
Piccini, 2009). Portanto, tal como afirma Haraway (1995), os saberes parciais, localizados e

9
pautados na possibilidade de redes de conexões é que sustentam a produção de conhecimentos
de modo objetivo e responsável.
Desse modo, tendo em vista alcançar os objetivos propostos neste anteprojeto, utilizar-se-
á os seguintes instrumentos metodológicos:
 Levantamento de dados sociodemográfico e socioeconômicodos adolescentes que
passaram pela medida socioeducativa de internação em Belo Horizonte nos últimos
cinco anos, fornecidos pela Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais;
 Levantamento e análise dos dados dos adolescentes que se encontram em uma das
Casa de internação masculina no período de janeiro a julho de 2018;
 Entrevista semiestruturada com adolescentes da Casa de internação selecionada;
 Entrevista semiestruturada com técnicos que executam a medida socioeducativa de
internação da Casa de internação selecionada;
 Análise documental das sentenças judiciais e relatórios técnicos de acompanhamentos
dos adolescentes da Casa de internação selecionada.
Através dos dados fornecidos pela Secretária de Defesa Social de Minas Gerais, buscar-
se-á traçar o perfil sociodemográfico e socioeconômico dos adolescentes que passaram pelo
Sistema Socioeducativo de internação nos últimos cinco anos. Com o levantamento dos dados
dos adolescentes da Casa de internação selecionada, objetiva-se um maior detalhamento e
aprofundamento analítico, explorando dados, tais como: cor/raça; grau de escolaridade;
reincidência; origem territorial; idade; ato praticado; gênero; composição familiar.
De acordo com Mendes (2003), a entrevista permite captar não o indivíduo, mas, sim, a
sua localização social, favorecendo “o estudo das realidades sociais, cognitivas e simbólicas
que ultrapassam, atravessam ou cortam as ancoragens locais” (Mendes, 2003, p. 9). Esse
autor também ressalta que através da entrevista é possível verificar os sentidos que as pessoas
atribuem as suas vidas. Possibilitando, nesta pesquisa, compreender as construções de
sentidos dos agentes criminalizadossobre o processo de criminalização.
Por meio das análises documentais, isto é, das sentenças judiciais e dos relatórios técnicos,
procurar-se-á entender como os discursos em torno dos adolescentes foram construídas, de
modo a identificar quais elementos se articulam no processo de criminalização dos
adolescentes. A entrevista com os técnicos complementará tal análise.
Ressalta-se, que os instrumentos metodológicos, não servem como protocolos rígidos e
pré-formatados, mas mantem-se sempre em aberto às alternativas interpretativas, num
processo contínuo de conexões (Mendes, 2003), nesse sentido, qualquer forma de análise

10
deve ser considerada como um diálogo, uma interpretação e significação possível do
fenômeno estudado e nunca como uma objetividade por si só (Santos, 2002; Haraway, 1995).

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