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“Se formalmente Brito tem razão, posto que o espaço moderno não é uma conquista do modernismo pic- A HISTÓRIA

A HISTÓRIA DA ARTE E A CONSERVAÇÃO DO NOSSO PATRIMÔNIO


tórico, não se pode deixar de notar que faltam em seu ensaio as razões dessa atitude, que não podem ser igno-
radas sob pena de criarmos uma visão incompleta do desenvolvimento de uma nova visualidade entre nós.”19
Marcos Tognon, Prof. Dr.
O traço distintivo de nosso modernismo está na busca da identidade tognon@unicamp.br
nacional. Annateresa Fabris ainda aponta que Ronaldo Brito trouxe a percepção
a esta questão inerente à nossa “vanguarda”: Breve Introdução
“Os limites da modernidade artística brasileira residem sobretudo na questão da brasilidade, que ‘praticamente
impunha aos nossos artistas aquilo que a modernidade européia de Manet repudiava – o primado do tema, a Não seria nenhum exagero aclamar a “Revista do Serviço do Patrimônio Histó-
sujeição da pintura ao assunto. Para reencontrar, abraçar ou mesmo projetar o Brasil, era necessário, in- rico e Artístico Nacional” como o nosso primeiro e oficial periódico de His-
dispensável, dar-lhe um rosto, uma feição.’”20
tória da Arte no Brasil, mesmo considerando que os últimos números, em suas
Pintores e escultores modernistas inseriam em seus trabalhos a ideolo- pautas editoriais, tenham abandonado completamente aquela vocação funda-
gia da brasilidade, fazendo com que os elementos plásticos tivessem como fun- mental lançada em 1937, sob um rigoroso “programa” anunciado por Rodrigo
ção primordial não a sua própria afirmação, mas a representação dos enuncia- Melo Franco de Andrade 1.
dos literários. Esta questão crucial não pode ser deslocada da análise crítica que Ao abrirmos esses últimos volumes publicados pelo Iphan, veremos
se propõe a rever os artistas do nosso modernismo. que justamente a sociologia e a antropologia cultural ocuparam espaços impor-
tantes com artigos e ensaios que enfatizam a pluralidade de valores que en-
III. Proposta de Pesquisa volvem os “bens culturais”, mas só podemos lamentar a ausência da História da
Arte e suas discussões pertinentes para a compreensão, difusão e conservação
Minha pesquisa propõe a análise dos passos na construção do espaço pictórico de uma parte daqueles bens, o patrimônio histórico-artístico por excelência 2.
particular do artista, que alcança seu estado maduro nas últimas “paisagens ima- Para cumprir o “Programa” original de 1937, Rodrigo Melo Franco de
ginantes” da fase mineira. É consenso entre a crítica e a história da arte bra- Andrade não contava com um quadro de colaboradores formados especifi-
sileira mais recente que é esta a produção de Guignard mais relevante para a camente na área de História da Arte, portadores de uma coesa concepção meto-
atualidade. dológica para os estudos gerais ou específicos, e, muito menos contava com o
Entretanto, creio que, se esse espaço não se acomoda aos paradigmas apoio direto de instituições acadêmicas ou tradicionais que cultuavam princi-
formais da espacialidade moderna, é porque Guignard tinha outras intenções palmente a História pátria, como o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro e
em sua elaboração. Assim, analisando extensivamente o tema “paisagem” em seus correlatos estaduais. Não esqueçamos que foi dentro do ambiente imperial
sua pintura poderemos detectar a origem e o desenvolvimento desse espaço e do IHGB que se formou a primeira base de estudos no Brasil sobre aquilo que
sua especificidade. Talvez não seja possível concluir definitivamente se o pro- futuramente seria chamado de “Topografia artística” na classificação de Julius
cesso utilizado por Guignard em suas paisagens corresponda a um resultado
plástico moderno, mas fica clara desde já que sua inserção na cultura brasileira
teve como impacto uma grande transformação nas estruturas tradicionais artís-
ticas21. 1 Cf. R. M. F. de Andrade, “Programa”, in Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, n. 1, 1937, p. 3: “A publicação desta revista não é uma iniciativa de propaganda do Serviço do
Marcos Rodrigues Aulicino. IA/UNICAMP Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, cujas atividades, por serem ainda muito modestas e limitadas, não
justificariam tão cedo a impressão dispendiosa de um volume exclusivamente para registrá-las. O objetivo vi-
sado aqui consiste antes de tudo em divulgar o conhecimento dos valores de arte e história que o Brasil pos-
sui e contribuir empenhadamente para o seu estudo. [...] ninguém contestará, no entanto, que há necessidade
19 FABRIS, Annateresa. Modernidade e Vanguarda: o caso brasileiro, in: FABRIS, Annateresa (org.). Modernidade e de uma ação sistemática e continuada com o objetivo de dilatar e tornar mais seguro e apurado o conheci-
Modernismo no Brasil, Campinas, Mercado de Letras, 1994, p. 14. mento dos valores de arte e de história de nosso país. A tendência entre nós, quando se trata desses assuntos,
20 BRITO, Ronaldo. A semana de 22: o trauma do moderno, in V. A., Sete ensaios sobre o modernismo, Rio de Janeiro, é descambar para um gênero de literatura impróprio para o estudo objetivo das questões que há a esclarecer.
FUNARTE, 1983, pp. 13-17, apud FABRIS, Annateresa. Op. supra cit., p. 15. Essa balda pouco apreciável nos tem feito perder um tempo precioso, que cumpre recuperar”.
21 Sobre este assunto, ver VIEIRA, Ivone Luzia. A Escola Guignard na cultura modernista de Minas – 1944-1962, 2 A mudança editorial na composição da Revista ocorreu com Glauco Campello em 1994, quando curadores

Sabará, CESA, 1988; KLABIN, Vanda Mangia. Guignard e a modernidade em Minas e WORCMAN, Susane. O especiais foram convidados para a elaboração dos números temáticos; v. G. CAMPELLO, A serviço do
ensinar de Guignard in ZÍLIO, Carlos (org.). A modernidade em Guignard, Rio de Janeiro, PUC-RJ, s.d. patrimônio. [Rio de Janeiro: s.n.], 1999.

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Schlosser Magnino para as fontes textuais da História da Arte, em 1924 3. E devem ser somadas ao seu maior empreendimento afirmativo no contexto
também, que a própria História da Arte, como disciplina desde a Academia brasileiro, a publicação de uma Revista do Patrimônio7.
Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro, até as modernas universidades, per-
correu um longo caminho para se afirmar como área de conhecimento plena e A vantagem de uma publicação periódica que visava programatica-
autônoma 4. mente apresentar os “os valores de arte e história” 8 era, especialmente, regis-
trar, centralizar e conseqüentemente difundir coerentemente os principais fun-
A consciência dos desafios para a disposição de um novo Serviço do damentos das inúmeras pesquisas documentais, fotográficas, históricas e artís-
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional era muito evidente para o seu fun- ticas, que se iniciavam com a inauguração da estrutura administrativa nacional
dador e primeiro diretor: Rodrigo Melo Franco de Andrade identificou imedia- do nosso Patrimônio. A colaboração orquestrada pelas pautas editoriais dos
tamente certos valores culturais que permeavam a classe política, grupos de primeiros volumes se configurava, nesse sentido, uma ocasião inédita na qual
profissionais liberais, e de um certo modo, o senso comum da população, valo- muitos autores consagrados da nossa modernidade se reuniam com exclusi-
res que poderiam causar resistências quanto a essa inédita gerência do Poder vidade: Gilberto Freyre, Mário de Andrade, Lúcio Costa, Afonso de E. Taunay,
Público sobre a sagrada propriedade privada e do progresso edilício das cidades. Salomão de Vasconcelos, Manuel Bandeira, para apenas citar alguns notáveis
Manifestar-se aos céticos quanto ao valor do nosso Patrimônio 5, ou aos enge- entre os anos 1937-1940.
nheiros temerários do retrocesso urbanístico 6, foram iniciativas de Rodrigo que
Autores que compartilhavam suas experiências no estudo da cultura
brasileira, em um grande consenso rumo à valorização do patrimônio histórico
3 Cf. J. SCHLOSSER MAGNINO, La letteratura artística. Florença: La Nuova Italia Editrice, 1996, Livro e artístico nacional. Ao ler o primeiro número de 1937 da Revista éramos con-
VIII.
4 Cf. Walter ZANINI, A História da Arte no Brasil. In Heliana Angotti SALGUEIRO. Paisagem e Arte. vidados a compartilhar convicções muito amadurecidas para as futuras aborda-
São Paulo: CBHA; CNPq; Fapesp, 2000, pp. 21-29. gens: compreender a “persistência” da arte portuguesa em solo brasileiro apon-
5 Cf. R. M. F. de ANDRADE, Defesa do Nosso Patrimônio Artístico e Histórico. (Artigo publicado

originalmente em O Jornal, Rio de Janeiro, 30 de Outubro de 1936) In Rodrigo e o SPHAN. Rio de Janeiro:
tava Gilberto Freyre 9; encontrar os “detalhes de beleza ou soluções arquitetô-
Ministério da Cultura; Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional; Fundação Nacional Pró-Me-
mória, 1987, p. 48: “Aqueles que, com tais fundamentos, impugnarem a iniciativa do governo federal, não
podem ter nenhuma sensibilidade artística, nem sentimento algum da história nacional. Porque, em verdade, 7 Essa convicção de engajamento na difusão dos “valores” do Patrimônio de Rodrigo Melo Franco de

apesar dos valores artísticos e históricos existentes no Brasil serem menos consideráveis, de um ponto de Andrade o acompanharia até o final de sua longa gestão no órgão, cf. discurso proferido ao receber o título
vista universal, que os que possuem a Grécia, a Itália ou a Espanha, essa circunstância não é de molde a de Doutor Honoris Causa pela UFRJ em 20 de março de 1969, in Rodrigo e o SPHAN, op. cit., p. 182: “A
desaconselhar a sua preservação, qualquer que seja o conceito formado sobre a importância do nosso patri- causa principal, porém, dos males que atacam o acervo artístico e histórico do Brasil é o desinteresse de sua
mônio comparado ao de tantas nações estrangeiras”. população. Desinteresse não apenas das massas pouco esclarecidas do povo brasileiro e sim, igualmente, de
6 Cf. R. M. F. de ANDRADE. O Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. (Palestra proferida na escola suas classes mais favorecidas e que se presumem cultas. Tal comportamento procede na incompreensão do
Nacional de Engenharia em 27 de setembro de 1939 e publicada na Revista Municipal de Engenharia, vol. valor do legado que nossos maiores nos deixaram em matéria de obra de arte ou de significação histórica.
VI, n. 5, setembro de 1939) In Rodrigo e o SPHAN, op. cit., p. 54: “Entretanto, é imprescindível esclarecer Realmente, quando ocorre um atentado à integridade de qualquer monumento insigne, entre nós, há uma
que esse sentimento profundo de apego aos monumentos, próprio do homem civilizado, não se confunde frieza total da coletividade prejudicada, tal como se o fato em nada lhe atingisse. [...] Vê-se pois, que o
nem com certos carrancismos retrógrados e quase maníacos, nem com o sentimentalismo e a pieguice de necessário, para a preservação do patrimônio histórico e artístico nacional, consiste, antes de tudo, em
românticos. Sem nenhum transe romanesco pode verificar-se com toda a lucidez e toda a objetividade, que a elucidar, sobre o valor de tal patrimônio, a população brasileira. Tornar nossos patrícios conscientes de que
conservação dos monumentos não vai fatalmente de encontro com às necessidades do desenvolvimento os bens culturais do país são de seu condomínio inalienável, equivalerá a fazê-los se compenetrarem de que
urbano. Nem é, de forma alguma, incompatível com o desejo saudável e legítimo que têm todos os homens lhes cumpre assegurar a defesa desses bens, como defenderiam, contra o assalto estrangeiro, qualquer parcela
esclarecidos de viver a vida moderna e criar a cidade moderna. No passado, infelizmente, muitas vezes os do território nacional”.
monumentos e os aspectos característicos das nossas cidades foram sacrificados sem que daí resultasse 8 R.M.F. de Andrade, Programa, op. cit., p. 3.

nenhum benefício urbano. Foram sacrificados apenas por não ter havido, por parte dos técnicos diretamente 9 Cf. G. FREYRE, Sugestões para o estudo da Arte Brasileira em relação com a de Portugal e das colônias.

responsáveis pelas iniciativas, nenhum interesse real em preservá-los. [...] Hoje em dia, porém, a reação contra Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 1, 1937, pp. 41-42: “Creio que em
aqueles desmandos se manifesta e se opera rapidamente. A inteligência dos técnicos se vem esclarecendo e nenhum gênero de estudos se impõe com maior insistência a cooperação de brasileiros com portugueses e
cultivando em relação aos problemas em apreço, ao mesmo tempo que a sua sensibilidade se afina em face luso-descendentes de outras terras que neste: o estudo de problemas de arte culta e popular comuns aos
aos monumentos do passado. Os novos princípios de urbanismo que foram sustentados nos congressos nossos países. O inventário, a análise e a interpretação das obras de arte realizadas pelos portugueses na
internacionais de arquitetura moderna e urbanismo e se consubstanciaram nas “Conclusões de Atenas, 1933”, Europa, principalmente depois das conquistas e navegações e, por influência deles, nos países onde
põem em xeque a velha técnica que prevaleceu durante o século XIX, e que exigia sistematicamente os predominou o tipo lusitano de colonização. [...] A arte de origem portuguesa na América como na África, na
alinhamentos rígidos e as avenidas implacavelmente retas, com a derrubada estrondosa de tudo quanto lhes Ásia e nas ilhas, está cheia dos riscos de tão esplêndida aventura de dissolução. Portugal seguiu sua em sua
surgisse pela frente, por mais precioso e venerável que fosse”. política colonizadora aquelas palavras misteriosas das Escrituras: ganhou vida, perdendo-a. Dissolveu-se. Por

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nicas de interesse técnico” na “abatida” província paulista, recomendava Mário De um certo modo, os 18 primeiros números da “Revista do Serviço
de Andrade 10; apreender a “lição de mais de trezentos anos” da casa brasileira, do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional”, sob a direção de Rodrigo Melo
alertava Lúcio Costa 11. Franco de Andrade, procuraram responder à convocação de Freyre, Mário de
Andrade e Costa.
Assim, temos os primeiros esclarecimentos a serem dados por uma
moderna História da Arte engajada na defesa do Patrimônio: quais as diversas Entre as temáticas colhidas nesse universo da Revista, podemos desta-
relações com a cultura portuguesa na perspectiva de uma arte brasileira; o que car algumas que certamente colaborarão com os próprios caminhos, escolhidos
valorizar na ampla e hierarquizada cadeia de manifestações artísticas, entre mo- ou intuídos, que a jovem disciplina História da Arte no Brasil percorreu no
tivações “eruditas” e “populares”; que categorias devemos construir para uma século passado: o valor da documentação histórica 12; a evolução autóctone da
verdadeira taxonomia de arquiteturas, pinturas, retábulos, estilos e artistas? forma artística e a constituição de estilos brasileiros 13; as técnicas artísticas e
seus artífices14; a casa brasileira na história da arquitetura15; e, por fim, a revisão
isso tantos dos seus valores de arte mais característicos persistiram. Persistiram e persistem. E persistem em
combinações e diferenciações inesperadas, mas que guardam o sabor do original: das raízes hispânicas. [...] 12 Um arquivo precioso de documentos, reproduzidos ou transcritos, para a História da Arte no Brasil, é

Esse poder de persistência na arte portuguesa é admirável e merece ser estudado com amor e vagar, no Brasil obrigatoriamente a primeira constatação que todo estudioso deve concluir ao longo das mais de 5.300 páginas
como nos outros países de colonização lusitana. Do mesmo modo é preciso que se estude nos objetos de arte dirigidas por Rodrigo Melo Franco de Andrade. O próprio diretor do Serviço do Patrimônio oferece um dos
brasileira, a influência da Índia, da África, da China, do Japão, através de Portugal, onde tantos traços exóticos primeiros exemplos de busca de rigor na atribuição de autoria de Aleijadinho às obras existentes em Minas
foram assimilados, antes de se comunicarem com ao Brasil. Outros nos vieram diretamente daquelas e de Gerais, pelo artigo publicado no segundo volume da Revista em 1938: escapar do “domínio arrisca das
outras terras e aqui é que foram assimilados ao todo luso-brasileiro”. conjecturas”, seguir e ultrapassar os passos dos “doutos” estudiosos a cerca da cultura artística mineira, é a
10 Cf. M. de ANDRADE. A Capela de Santo Antônio. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e opção objetiva para publicar mais de duas dezenas de recibos ainda referidos nos arquivos de irmandades e
Artístico Nacional, n. 1, 1937, p. 119: “Vagar assim, pelos mil caminhos de São Paulo, em busca de confrarias, documentos organizados para o leitor segundo as localidades e ocasiões de encomenda dos
grandezas, é trabalho de fome e de muita, muita amargura. Procura-se demais e encontra-se quase nada. Vai trabalhos de Antônio Francisco Lisboa; cf. R.M.F. de ANDRADE. Contribuição para o estudo da obra de
subindo no ser ma ambição de achar, uma esperança de descobrimentos admiráveis, quem sabe se em tal Aleijadinho. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 2, 1938, pp. 255-256:
capela denunciada vai-se topar com alguma S. Francisco? Já não digo tão inédita como a de São João d´El “Em quase todas as cidades mineiras onde existissem monumentos de arquitetura e de escultura mais ou
Rei, mas pelo menos tão linda como a de João Pessoa... E encontramos ruínas, tosquidões. Vem a amargura. menos valiosos, estes eram lhe [Aleijadinho] atribuídos, indistintamente. Mesmo depois que um historiador
Uma desilusão zangada que, de novo, a gente precisa tomar cuidado para que não crie, como a fome criara, com a autoridade de Digo de Vasconcelos, por ocasião do bicentenário de Outro Preto, dedicou um estudo
nova e oposta miragem. [...] No período que deixou no Brasil as nossas mais belas grandezas coloniais so pormenorizado às obras de arte da antiga capital mineira, grande parte do qual versando sobre Antônio
séculos XVIII e XIX até fins do primeiro Império, São Paulo estava abatido, ou ainda desensarado dos Francisco Lisboa, perduraram os equívocos no mesmo sentido. É que o ilustre autor da ‘História Antiga de
reveses que sofrera. Não pode criar monumentos de arte. Se é certo que uma pesquisa muito paciente pode Minas Gerais’ se desinteressava também de comprovar a autoria do Aleijadinho sobre os trabalhos que lhe
encontrar detalhes de beleza ou soluções arquitetônicas de interesse técnico, num teto ou numa torre sineira, emprestou nas igrejas de Vila Rica. Em conseqüência dessas omissões, quando os ensaístas e críticos de arte
num alpendre ou numa janela gradeada, pe naus incontestável ainda, a meu ver, que São Paulo não pode nacionais começaram a se ocupar mais detidamente com o famoso artista mineiro, fazendo avultar a
apresentar documentação alguma que, como arte, se aproxime sequer da arquitetura ou da estatuária mineira, bibliografia a seu respeito, tiveram de manter-se no domínio arriscado das conjecturas. À falta de provas de
da pintura, dos entalhes e dos interiores completos do Rio, de Pernambuco ou da Bahia”. quais tivessem sido realmente as produções do Aleijadinho, os escritores aventaram fórmulas para a apuração
de sua autoria, que nem sempre ultrapassavam os limites de meras suposições pessoais”.
11 Cf. L. COSTA. Documentação Necessária. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico 13 As interpretações das “formas artísticas” como unidades culturais passíveis de evolução, sedimentação e

Nacional, n. 1, 1937, pp. 31-32: “A nossa antiga arquitetura ainda não foi convenientemente estudada. Se já por fim, manifestação de uma nova fase original e autóctone, orientou talvez as concepções mais duradouras
existe alguma coisa sobre as principais igrejas e conventos – pouca coisa, alias, e girando o mais das vezes em da História da Arte Colonial no Brasil, advindas especialmente de autores engajados na estrutura
torno da obra de Antônio Francisco Lisboa, cuja personalidade tem atraído, a justo título, as primeiras administrativa e técnica do SPHAN, como Lúcio Costa ao definir o “estilo dos padres da Companhia” (A
atenções – com relação á arquitetura civil e particularmente à casa, nada, ou quase nada, se fez. Compreende- arquitetura dos jesuítas no Brasil, Revista do SPHAN, n. 5, 1941, pp. 9-103) ou o “mobiliário luso-
se, pois que surjam de vez em quando, a respeito dela, apreciações menos rigorosas. [...] A nossa casa se brasileiro” (Notas sobre a evolução do mobiliário luso-brasileiro, Revista do SPHAN, n. 3, 1939, pp.
apresenta assim, quase sempre, desativada e pobre, comparada à opulência dos ‘palazzi’ e ‘ville’ italianos, dos 149-162); temos também José de Almeida Santos e um estilo “colonial brasileiro” puro, “divorciado de outros
castelos de França e das ‘mansions’ inglesas da mesma época, ou à aparência rica e vaidosa de muitos solares modelos conhecidos” (O estilo brasileiro D. Maria ou colonial brasileiro, Revista do SPHAN, n. 6, 1942,
hispano-americanos, ou, ainda, ao aspecto apalaceado e faceiro de certas residências nobres portuguesas. pp. 319-335); Luiz Saia destaca a longevidade histórica e a perenidade de uma tipologia espacial, o “alpendre”
Contudo, afirmar-se que ela nenhum valor tem, como obra de arquitetura, é desembaraço de expressão que nos primitivos templos brasileiros (O alpendre nas capelas brasileiras, Revista do SPHAN, n. 3, 1939, pp.
não corresponde, de forma alguma, à realidade. Haveria, portanto, interesse em conhecê-la melhor, não 235-249); certamente temos nesses registros uma interessante confluência de aspectos epistemológicos,
propriamente para evitar a repetição de semelhantes leviandades ou equívocos – que seria lhes atribuir relacionados à cultura positivista francesa, presente em livros de ampla repercussão como Hippolyte Taine
demasiada importância -, mas para dar aos que de tempos em tempos se vêm empenhando de mais perto (Philosophie de l´Art. Paris, 1865) e Auguste Choisy (Histoire de l´architecture. Paris, 1899), relação já
tudo que nos diz respeito, encarado com simpatia coisa que sempre se desprezam ou mesmo procuram destacada por Antônio Luis Dias de Andrade, Um estudo completo que pode jamais ter existido. (Tese
encobrir, a oportunidade de servir-se dela como material de novas pesquisas, e também para que nós outros, de Doutorado). São Paulo: Fau-Usp, 1993.
arquitetos modernos, possamos aproveitar a lição de sua experiência de mais de trezentos anos, de outro 14 Os estudos específicos publicados sobre essas temáticas são muito desequilibrados em sua consistência e

modo que esse de lhe estarmos a reproduzir o aspecto já morto”. abrangência, e em grande parte são registros importantes advindos de documentação de arquivos nacionais,

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da obra de Antônio Francisco Lisboa16 . Também vale destacar a participação Marcos Tognon. Coordenador da Pós Graduação em História no IFCH-Unicamp. Professor de História da
Arte no Departamento de História do IFCH-Unicamp.
dos estudiosos estrangeiros na “Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional”, e particularmente Hannah Levy, demonstrando aportes
metodológicos consolidados e realizando importantes conjecturas entre Europa
e Brasil, entre fontes primárias de arquivos e teorias para manifestações de uma
arte internacional como aquela definida sob a nomenclatura do “barroco” 17, e
tão fundamental para grande parte do nosso patrimônio histórico e artístico.

como a rápida transcrição de Manuel Bandeira sobre o “dourador” dos altares laterais da capela Nossa
Senhora do Carmo de Ouro Preto (Manuel da Costa Ataíde dourador, Revista do SPHAN, n. 2, 1938, pp.
149-150), em contraste com o longo trabalho de Judith Martins, o “Dicionário e Artistas e Artífices Mineiros”
que recebeu um “índice” de Ivo Porto de Menezes (Índice, por monumentos, do Dicionário de Artistas e
Artífices Mineiros dos Séculos XVIII e XIX em Minas Gerais, Revista do SPHAN, n. 18, 1978, pp. 237-
251), ou de Salomão de Vasconcelos sobre a organização corporativa do trabalho artístico (Ofícios
mecânicos em Vila Rica durante o século XVIII, Revista do SPHAN, n. 4, 1940, pp. 331-360); sobre as
técnicas artísticas certamente merecem um destaque especial o estudo fortemente documentado por Paulo
Thedin Barreto sobre as Casas de Câmara e Cadeia (Casas de Câmara e Cadeia, Revista do SPHAN, n. 11,
1947, pp. 9-195), assim como o estudo do engenheiro E. Orosco do Instituto Nacional de Tecnologia do Rio
de Janeiro, sobre a degradação da pedra sabão nos monumentos mineiros (As avarias nas esculturas do
período colonial de Minas Gerais, Revista do SPHAN, n. 5, 1941, pp. 179-206), cujas conclusões
consideramos equivocadas devido às condições especiais que devem distinguir, em laboratório, corpos de
prova de materiais novos e aqueles provenientes de obras de arte submetidas aos agentes atmosféricos e por
um longo período de tempo.
15 O texto inaugural sobre esse tema que abrange inúmeros artigos nos 18 volumes da Revista é de Lúcio

Costa (Documentação necessária, op. cit, pp. 31-39), cuja teleologia imanente nas técnicas e formas
construtivas da casa colonial de taipa dos primeiros anos de ocupação portuguesa àquela modernista do
século XX influenciou, drasticamente, os próprios procedimentos de restauro no Brasil até hoje; ainda nesses
volumes da Revista encontraremos a publicação dos relatos de Louis Vauthier do século XIX (Casas de
Residência no Brasil, Revista do SPHAN, n. 7, 1943, pp. 128-208), estudos pontuais de Salomão de
Vasconcelos (Um velho solar de Mariana, Revista do SPHAN, n. 3, 1939, pp. 227-234) de Joaquim
Cardoso (Um tipo de casa rural do Distrito Federal e Estado do Rio, Revista do SPHAN, n. 7, 1943, pp.
209-253) e Paulo Thedim Barreto (Uma casa de fazenda em Jurujuba, Revista do SPHAN, n. 1, 1937, pp.
69-76; outros artigos apresentam ainda panoramas históricos amplos, como aquele José Wasth Rodrigues (A
casa de moradia do Brasil antigo, Revista do SPHAN, n. 9, 1945, pp. 159-197) e de Robert Smith
(Arquitetura civil no período colonial, Revista do SPHAN, n. 17, 1969, pp. 27-123) ou centrados em
províncias, como no planalto paulista, argumento de Luiz Saia (Notas sobre a arquitetura rural paulista do
segundo século, Revista do SPHAN, n. 8, 1944, pp. 211-275).
16 Além do já citado artigo de Rodrigo Melo Franco de Andrade (Contribuição para o estudo da obra de

Aleijadinho, op. cit., pp. 255-312), a revisão da obra de Aleijadinho recebe um estudo bibliográfico de Judite
Martins (Apontamentos para a bibliografia de Antônio Francisco Lisboa, Revista do SPHAN, n. 3,
1939, pp. 179-205) e um destaque de Afonso Arinos de Melo Franco (O primeiro depoimento estrangeiro
sobre o Aleijadinho, Revista do SPHAN, n. 3, 1939, pp. 173-178); temos a investigação sobre a sua “causa
mortis” é realizada por René Laclette (O Aleijadinho e suas doenças, Revista do SPHAN, n. 17, 1969, pp.
127-176); e os textos que avaliam as obras em seu grande potencial plástico, como os textos de Lúcio Costa
(Risco original de Antônio Francisco Lisboa, Revista do SPHAN, n. 17, 1969, pp. 239-246; Antônio
Francisco Lisboa: o Aleijadinho, Revista do SPHAN, n. 18, 1978, pp. 75-82) e de Lígia Martins Costa conceitual e jurídica do Patrimônio brasileiro (Valor artístico e valor histórico:importante problema da
(Inovação de Antônio Francisco Lisboa na estruturação arquitetônica dos retábulos, Revista do História da Arte, Revista do SPHAN, n. 4, 1940, pp. 181-192); a apresentação das teorias de Wölfflin,
SPHAN, n. 18, 1978, pp. 223-235). Dvorák e Balet sobre o “problema do barroco” (A propósito de três teorias sobre o barroco, Revista do
17 Hannah Levy permanece no Brasil por alguns anos, em exílio devido ao anti-sionismo promovido pelo SPHAN, n. 5, 1941, pp. 259-284); a transmissão de modelos formais, através de gravuras, para a pintura e a
nazismo na Europa, até a sua transferência para os Estados Unidos; neste período brasileiro é contratada pelo azulejaria monumentais brasileiras (Modelos europeus na pintura colonial, Revista do SPHAN, n. 8, 1944,
SPHAN para colaborar com estudos e monografias, e alguns desses resultados são realmente inovadores, pp. 7-66); um balanço sobre os retratos coloniais, estudo até hoje não superado (Retratos coloniais, Revista
como a discussão sobre as categorias teóricas de Alois Riegl, oportuna para avaliar a base da própria definição do SPHAN, n. 9, 1945, pp. 251-290).

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