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Daniela M. Wilhelms4
Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição - Porto Alegre/RS.
Resumo
Este artigo tem como objetivo problematizar os dados do Serviço de Saúde Comunitária de um Grupo Hospitalar referentes à internação de
mulheres por curetagem pós-aborto, no período de 2004 e 2005. Este estudo faz parte de um projeto integrado entre o grupo de pesquisa
Estudos Culturais e Modos de Subjetivação/PUCRS e o Serviço de Saúde Comunitária do referido Grupo Hospitalar, que busca, a partir da
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher – PNAISM –, investigar questões relativas ao Planejamento Familiar. Conforme os
referidos dados, a internação de mulheres por curetagem pós-aborto equivale a 43% e 46% das internações maternas. Tendo em vista esses
elevados índices, se faz necessário pensar esse tema de difícil visibilidade, questionando-se sua relação com a identidade de gênero – aborto
como algo do corpo feminino – e como são reforçadas ou não essas questões nas ações referentes ao planejamento familiar proposto no
PNAISM.
Abstract
This article aims at problematizing data provided by the Community Health Service of a Hospital Group concerning the permanence of
women in hospital due to post-abortion curettage, during 2004 and 2005. This study is part of an integrated project about Women´s Health
Policy that attempts to investigate issues related to Family Planning, from the National Policy of Integral Attention to Women’s Health
(PNAISM). According to the data, the hospitalization of women due to post-abortion curettage equals 43% to 46% of maternal
hospitalization. These high rates make us think about this issue, which is not always visible. It is necessary to question its relationship with
gender identity – abortion as something that is related to women’s body – and how these issues have been - or not - reinforced by actions
related to family planning, as proposed by the PNAISM.
Este estudo faz parte de um projeto integrado entre do projeto é investigar a Política Nacional de
o grupo de pesquisa Estudos Culturais e Modos de Atenção Integral à Saúde da Mulher no que diz
Subjetivação da PUCRS e o Serviço de Saúde respeito às ações referentes ao planejamento
Comunitária de um Grupo Hospitalar. O objetivo familiar. Neste artigo, problematizamos os dados do
1 Professora/Pesquisadora do PPGP, Faculdade de Psicologia, PUCRS. Coordenadora do Grupo de Pesquisa “Estudos Culturais e Modos de
Subjetivação”. Av. Nilópolis 375 – apto 401. Telefone: (51) 84066079, E-mail: nmguares@pucrs.br.
2 Psicóloga, Mestre em Psicologia Social e da Personalidade. PUCRS, Doutoranda em Psicologia, PUCRS, bolsista CNPq.
3 Psicóloga, mestranda em Psicologia Social e da Personalidade do Grupo de Pesquisa “Estudos Culturais e Modos de Subjetivação” do
PPGP da PUCRS, bolsista CNPq.
4 Médica de Família e Comunidade, Coordenadora da Atenção à Saúde da Mulher do Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar
Conceição - Porto Alegre/RS.
valorizando a participação dos demais membros da Saúde, 2004). Ainda de acordo com a Rede
família nessa decisão. Assim, por mais que a Feminista de Saúde (2005), esses dados chamam a
política proponha estratégias referentes ao estímulo atenção dentro da área da saúde por o aborto ser
da participação dos homens e adolescentes no uma das causas de morte e internação que poderiam
Planejamento Familiar, tais propostas acabam por ser prevenidas e evitadas.
constituir o ser mulher de uma determinada forma, Não temos pretensão de contar uma história do
tornando-a responsável pelo seu corpo e por tudo o aborto, mas sim eventos, situações que nos ajudem
que diz respeito a ele, nesse caso, a concepção ou a construir a forma como este circula na
não de um filho. contemporaneidade. Tomamos o termo
Dentro dessa política, na categoria “problematizar” de Castel (1998), ou seja,
“Precariedade da Assistência em Anticoncepção” colocando em evidência a existência de um feixe
(Ministério da Saúde, 2004, p. 32), está referido que unificado de questões (nas quais as características
o Planejamento Familiar faz parte da atenção básica comuns devem ser definidas, emergindo em um
e que é de responsabilidade mínima dos determinado momento, que deve ser datado). Tais
municípios; porém, conforme consta na própria questões se reformularam várias vezes através de
política, essas estratégias não estão sendo crises, integrando dados novos, permanecendo
implementadas adequadamente, pois o vivas ainda hoje.
fornecimento de anticoncepcionais não é suficiente, Para Rohden (2003) a partir de 1873, começam
e o enfoque educativo, o aconselhamento e o a circular na sociedade brasileira estudos em que a
acompanhamento às usuárias não são sistemáticos. denominação “aborto criminoso”7 é publicamente
Isso nos faz pensar que as ações que, num primeiro citada. No entanto, a prática já ocorria
momento, nos levariam ao Planejamento Familiar anteriormente, porém, sem uma terminologia que a
não estão ocorrendo, podendo esse Planejamento definisse como tal, sendo referida como
Familiar tomar outros contornos, como apontam os “embriotomia”, “feticídio terapêutico” ou “aborto
índices de curetagem pós-aborto, que analisaremos obstétrico”. O aumento da utilização de tal prática
mais adiante. levou à preocupação do Estado, que, a partir de
A análise das estratégias da PNAISM quanto ao 1890, no Brasil, introduziu a punição em caso de
Planejamento Familiar indica que as internações de prática de aborto – sendo considerado crime pelo
mulheres por curetagem pós-aborto não são Código Penal –, com ressalvas aos casos de estupro
contempladas nas ações dessa Política. A questão ou quando não houvesse outro meio de salvar a
aqui não é incluir o tema aborto no Planejamento vida da gestante, casos em que se permite o
Familiar, visto que tal prática é considerada crime, procedimento. Na década de 1910, o aborto
mas sim incluir discussões e reflexões sobre a criminoso aparece como um tema de destaque nas
temática do aborto no sentido de possibilitar teses, periódicos e outras publicações da época.
repensar o que se propõe como Planejamento No final do século XIX, diversas informações
Familiar e o que se cria a partir do que fica fora acerca das técnicas abortivas foram propagadas
dessa discussão. como uma possibilidade de controle da natalidade
mesmo após a consumação da gravidez. Ainda,
Aborto: um assunto de mulheres? conforme Rohden (2003), técnicas abortivas
tiveram um aumento na divulgação de anúncios,
Segundo a Organização Mundial da Saúde & principalmente pela imprensa, como uma
International Women’s Health Coalition (2004), “propaganda contraceptiva”, com a suposta
globalmente, existe a média de um abortamento finalidade de “prevenir a gravidez”, sustentada por
inseguro6 para cada sete nascidos vivos e, em “técnicas científicas”. Embora a menção ao aborto
algumas regiões, o número é muito maior. Na não fosse feita claramente, tais procedimentos eram
América Latina e Caribe, há mais do que um desenvolvidos por meio de técnicas abortivas e, de
abortamento inseguro para cada três nascidos vivos. alguma maneira, a finalidade desses anúncios se
No Brasil, o abortamento inseguro representa a tornava conhecida.
quarta causa de mortalidade materna e a segunda Por volta dos anos de 1960, aumentou a
causa de internação obstétrica, tendo um custo de preocupação da sociedade jurídica na elaboração de
140 milhões de reais por ano ao Sistema Único de Leis contra as práticas abortivas. Tal preocupação
Saúde. Identifica-se que duas a cada cinco emergiu, principalmente, com as discussões de
internações por abortamento no SUS representam emancipação das mulheres, propostas pelos
condições de risco à saúde da mulher (Ministério da movimentos feministas – por volta de 1960 na
Europa e Estados Unidos –, quando a participação
das mulheres começa a ser evidenciada na
6
Um abortamento inseguro é “um procedimento para terminar sociedade, possibilitando, também, que o tema do
uma gravidez indesejada realizada por pessoas sem as devidas
habilidades ou em um ambiente sem os mínimos padrões
7
médicos, ou ambos” (Organização Mundial da Saúde, 2004, p. Considera-se “aborto criminoso” qualquer procedimento não
15). permitido pelo Código Penal.
situação social, à escolaridade, à raça/etnia, ou seja, abortamento inseguro como forma de violência
a marcadores identitários que nos ajudassem a contra a mulher. Área Técnica de Saúde da
descrever quem são essas mulheres. Enfim, Mulher. São Paulo: Campinas.
informações que nos auxiliassem a investigar de _____. (2006). Acompanhamento pré-natal garante
que forma estamos construindo a caracterização gravidez mais segura. www.saúde.gov.br
dessas mulheres, porém podemos entender que essa Acessado em 08/05/2006.
ausência também é uma forma de ocupar lugares, Moura, E. R. F. & Silva, R. M. da. (2005).
apagar diferenças, tornando todas mulheres iguais. Competência profissional e assistência em
Os discursos que forjam, atualmente, as anticoncepção. Revista de Saúde Pública, 39
práticas em saúde direcionadas à mulher remontam (5), 795-801.
às verdades que sustentam o cuidado com o corpo Organização Mundial da Saúde & International
feminino. A emergência dos discursos/verdades Women’s Health Coalition (2004).
sobre a saúde das mulheres no Brasil configura-se Abortamento Seguro: orientação técnica e de
no plano das políticas públicas em saúde, como a políticas para os sistemas de saúde. Campinas:
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da CEMICAMP.
Mulher – PNAISM. Esperamos que este estudo Rede Feminista de Saúde (2005). Dossiê Aborto:
contribua para a reflexão sobre as práticas em saúde mortes preveníveis e evitáveis. Belo Horizonte:
direcionadas às mulheres, permitindo problematizar Rede Feminista de Saúde.
questões já naturalizadas, assim como as práticas Rohden, F. (2003). A arte de enganar a natureza:
que se constroem sobre e a partir delas. contracepção, aborto e infanticídio no início do
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