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Pressupostos Filosóficos Reichianos:

Marx, Espinoza e Bergson articulados ao pensamento contemporâneo*


Marcus Vinicius Câmara**
Introdução

Há algum tempo esquecido nas prateleiras da História, Wilhelm Reich, aos


poucos, vem sendo revisitado. Com uma trajetória inicial marcadamente inovadora no
campo da psicanálise, logo depois no território marxista, Reich envereda sua pesquisa a
tatear os enigmas do corpo, sua relação com a mente e, finalmente, desemboca no
macrocosmo, nas sutis relações entre o homem, a vida, a energia livre de massa e o
cosmo. Tal diversidade de áreas teóricas confere muitas influências ao pensamento
reichiano. No entanto, nota-se que sua base filosófica está constituída, principalmente,
por três autores: Karl Marx, Baruch de Espinoza e Henri Bergson.

Neste artigo se percorrerá, a título de exploração, alguns temas dos três autores
citados anteriormente, que possuem uma relação profunda com a obra de Reich. Estes
teóricos compõem as raízes do pensamento reichiano. Este pequeno trabalho tem a
intenção de ser somente um disparador de ligações e religações entre a produção de
Reich e sua base filosófica formada por Marx, Espinoza e Bergson, sob a perspectiva
pós-crítica radicada em Nietzsche e outros autores contemporâneos como Foucault,
Deleuze, Guattari entre outros. Sendo assim, não pretende aprofundar-se nas complexas
relações possíveis entre autores tão profícuos. Traçado este limite, é hora do texto tomar
seu rumo na direção das bases filosóficas reichianas.

1. Marx: a justiça
Segundo Leandro Konder1, Marx mesmo muito jovem já possuía duas linhas
básicas de pensamento: não há felicidade individual sem felicidade coletiva e há
condições sócio-históricas determinantes, portanto para além do indivíduo, que

*
Trabalho apresentado no Fórum Social Mundial – Porto Alegre, RS/2002.
**
Psicoterapeuta Reichiano, Doutor em Psicologia (UFRJ), Coordenador de Pós-Graduação (CEUCEL) e
Professor da Pós-Graduação (INCA).
1
Marx: Vida e Obra, 1976-1976***.
*** Nas obras citadas, a primeira data refere-se ao escrito ou à publicação original, a segunda à edição
referida.
2

movimentam a humanidade. Em decorrência destas diretrizes, indicava que somente a


articulação da população oprimida faria frente às estruturas econômicas perversas e
produziria formas socialmente justas. Marx enaltecia, de forma inigualável, a
solidariedade. Apontava, o quanto a liberdade está ancorada na liberdade econômica e,
de forma semelhante, o quanto o poder da classe dominante e das religiões
institucionalizadas produzem um homem sujeitado ao autoritarismo e obediente aos
ditames tradicionais da sociedade.

De acordo com Konder2, após estudar filosofia alemã e de contactar os operários


franceses socialistas, Marx passou a pesquisar a economia inglesa. Marx3 notou que no
capitalismo, os trabalhadores desumanizavam-se e os empresários acumulam bens
materiais às custas da exploração econômica dos operários. Desse modo, surgiu a teoria
da alienação em Marx, ou seja, o homem explorado é separado do fruto de seu trabalho
e, como, conseqüência, se coisifica. Assim o trabalhador não só é cindido do produto de
seu trabalho, mas ao tornar-se coisa, perde sua identidade ou, dito de outra forma, é
separado de si mesmo. Além disso, na proporção em que sua força de trabalho é
explorada, o homem torna-se mercadoria: alienação de seu trabalho, alienação de si
mesmo, transformação em coisa (reificação humana) e mercadoria (mercantilismo
humano).

O operário fica ao sabor de forças muito mais fortes do que ele: àquelas dos
donos dos meios de produção. As fábricas e o comércio nas mãos da burguesia fazem o
proletariado se distanciar do seu desejo. O mercado que, imanentemente, é injusto,
regula as forças desiguais favorecendo a minoria em detrimento da maioria da
população. Como resultante desta rede de relações econômicas, a ação do trabalhador
não mais lhe pertence, mas ao patrão.

Há uma terceira forma de alienação que é acrescida às outras duas (separação do


homem do produto de seu trabalho e de si mesmo): a cisão do homem de sua espécie. O
sentimento de pertencimento à espécie humana é destruído pelo processo de

2
Op. cit., 1976-1976.
3
Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844, 1961-1983.
3

objetificação do ser humano. O sistema capitalista leva à competição bárbara, ao


egocentrismo, à falta de generosidade entre os homens. O homem explorado vive menos
(menos come, bebe, ama, adquire livros, vai ao teatro, cinema, pratica exercícios) para
que outro viva mais (classe dominante). Desta relação assombrosa, emerge o Deus-
Dinheiro: dinheiro que maqueia a realidade, que faz do injusto justo, do mentiroso
aparentar ser sincero, do desonesto honesto.

Para Marx, a contradição entre capital e trabalho no capitalismo, só pode ser


superada pela revolução socialista que objetiva uma sociedade comunista, uma
sociedade que vise o bem comum. A teoria marxista da alienação é um dos principais
elementos constituintes do pensamento social reichiano. Segundo Reich4, em sua
primeira fase – psicanalista e, logo após, marxista –, a base sociológica da psicanálise
dizia respeito ao fato de que esta última, no seu início, se constituir como um
enfrentamento às condições sociais do homem. De acordo com Reich, Sigmund Freud5,
inicialmente cria que as neuroses seriam resultantes da repressão social/sexual. Sendo
assim, a psicanálise ocuparia um lugar revolucionário, já que ela proporcionaria uma
tomada de consciência desta repressão. Dessa forma, psicanálise e marxismo estariam
entrelaçados. Além disso, Reich, marxista, preocupava-se com o que seria tangível na
teoria psicanalítica e, desse modo, concluía que é o conceito de libido: o quantum de
libido é o elemento mais concreto da teoria freudiana, ao contrário da qualidade e do
simbolismo, que são os seus componentes abstratos.

Retomando-se Marx, supõe-se que o estado de alienação seria considerado


permanente se não houvesse a perspectiva dialética6 da vida: tudo está sempre em
transformação, em constante modificação. Para o autor7, homem e circunstâncias
obedecem a uma inter-relação contínua, de forma semelhante teoria e prática, dia e
noite, morte e vida. Para Reich8, igualmente, não há pólos absolutos, só há contrários

4
Materialismo Dialético e Psicanálise, 1929-1983.
5
Moral sexual “civilizada” e a doença nervosa moderna, 1908-1980.
6
Ver Konder, L. O que é dialética, 1981-1982.
7
Marx, K. A Ideologia Alemã, 1991-1991.
8
A Função do Orgasmo, 1942-1984.
4

complementares (antíteses) que fazem a gestão da vida: consciente e inconsciente;


psique e soma.

A dialética é a ferramenta de análise da ideologia9 que quer manter a alienação.


A ordem estabelecida vigora através, entre outros elementos, da ideologia. A ideologia
é, como diz Marx, um véu encobridor da realidade. Assim a ideologia da classe
dominante é impressa na classe dominada. Frases ideológicas como: “o trabalho duro
faz enriquecer”, “quem espera sempre alcança” etc., servem como uma máscara que
oculta a crua realidade social onde as oportunidades são tão desiguais.

De acordo com Marx10, há alguns conceitos básicos para se compreender a


sociedade capitalista: valor de uso, valor de troca, mais-valia, mercadoria e luta de
classes. O primeiro concerne à utilidade que os objetos têm para os indivíduos. O
segundo diz respeito ao fato de se constituir na troca, compra ou venda dos produtos.
Com o excedente econômico surge a troca e depois o dinheiro. No começo do século
XV, há hegemonia do comércio, a burguesia ascende socialmente, ultrapassa a nobreza
e abre caminho para os burgueses industriais a partir do século XVIII. A mais-valia
passa a ser a mola propulsora da indústria e, por conseguinte, do capitalismo. A mais-
valia é composta pelo lucro não dividido com o trabalhador e o dinheiro que o industrial
deve reservar para manter a indústria. Esta distorção acaba alimentando uma sociedade
cada vez mais com menos oportunidades semelhantes, onde uma minoria oprime a
maioria dos cidadãos. A produção capitalista gera mercadoria. Mercadoria é agente e, ao
mesmo tempo, produto exigido pelo mercado. Neste sistema sócio-político tudo se
transforma em mercadoria, na medida em que isto leva ao acúmulo de dinheiro, ou seja,
capital.

Marx acreditava que esta sociedade era tão injusta que, em que pese a ideologia e
as ferramentas de subjugação da classe trabalhadora, o trabalhador acabaria por
conscientizar-se e lutar por uma sociedade mais justa. Neste momento se aprofundaria a
luta de classes sociais e se faria a revolução socialista, que instituiria um Estado forte

9
Ver Chauí, M. O que é ideologia, 1980-1984.
10
O Capital, 1968-1980.
5

socialista, visando governar para o povo. A função deste Estado socialista seria a
autodissolução objetivando uma sociedade sem classes sociais e autogovernada – o
comunismo.

2. Espinoza: o uno
De acordo com Gilles Deleuze11, há algumas teses que constituem veios teóricos
em Espinoza: a primeira é a de que há uma única substância a vincular as partes; a
segunda concerne ao paralelismo entre corpo e espírito. Com a primeira, Espinoza
favorece a noção da “grande consciência” e se avizinha da teoria reichiana; a grande
consciência do autor é análoga a “consciência cósmica” em Reich12. Com a segunda
tese, Espinoza nota que tudo o que afeta o espírito, de forma semelhante, repercute no
corpo e vice-versa. Aqui não há exatamente uma identidade com Reich13, uma vez que
para este último corpo e mente são uma única e mesma unidade, contudo, Espinoza, ao
fazer uma ruptura com a perspectiva cartesiana, fundamenta aquele que será o
pensamento reichiano.

A terceira tese se reporta à valorização do “bom” e do “mau” ao invés do “bem”


e do “mal”. O bom encontro ocorre quando um corpo compõe com outro e a potência do
corpo que recebeu o outro aumenta; o mau encontro acontece quando um corpo
decompõe a relação com outro e se enfraquece. Assim, o bom encontro convém,
aumenta a potência e a alegria, o mau encontro não convém, debilita o corpo e produz
tristeza.

A quarta tese é a da liberdade, representada pelo encontro com Deus, com a


essência de tudo o que há. O homem torna-se livre quando age com alegria, sendo o que
é. Portanto, não é a vontade, a consciência mais imediata que o governa, mas sobretudo
a força e a potência.

11
Espinoza e os Signos, s/d.
12
Ether, God and Devil and Comsic Superimposition, 1951-1979.
13
Op.cit., 1942-1984.
6

Segundo Espinoza14, o homem, freqüentemente, na sua ânsia de compor, o faz


com o Estado. Procura na relação com o Estado a potência em si, mas ao fazê-lo se
despotencializa. O Estado, objeto de esperança e segurança, produz a impotência no
homem, pois uma humanidade submissa a leis, quando não interroga, não é livre. Além
disso, o autor15, no plano teológico, desmistifica o Deus-antropomorfo e propõe o Deus-
substância. Para ele, há uma única substância (Deus) criando vários atributos
(pensamentos) e modos (criaturas). É um uno constituído de diversidades, de corpos
diferentes.

Uma grande contribuição espinozista à atualização de conceitos reichianos, é a


sua compreensão de essência. Para Espinoza, a noção de essência é não-estrutural, mais
próxima a intensidades e graus de potência. Nesta direção, quando Reich16 divide a
personalidade em três camadas (superficial-social; intermediária-inconsciente;
profunda-núcleo, cerne) talvez seja importante compreender-se o cerne (a essência)
menos como estrutural e mais como um amálgama de forças, correntes energéticas17,
potência e intensidades.

Estar ancorado no cerne é um processo-meta objetivado por Reich: ir com o


fluxo orgônico. O Orgone de Reich é o Deus-substância de Espinoza, força primordial
cósmica a conectar tudo e todos. A entrega plena em Reich é resultante de interconexões
entre os homens e a sensação de pertencimento cósmico. O bom encontro em Espinoza
não tem outra qualidade, ao contrário, somente enraíza o arcabouço teórico reichiano.

3. Bergson: o movimento
São temáticas bergsonianas que irão fundamentar a teoria reichiana: a carapaça,
o eu profundo, a transformação constante, o fluxo permanente, o paralelismo
psicofísico, a força vital. Segundo Paulo Albertini18, o conceito de couraça em Reich19

14
Tratado teológico-político, 1670-1988.
15
Espinoza, B. Ética, 1675-1992.
16
Psicologia de Massas do Fascismo, 1934-1988.
17
Neidhoefer, L., com relação a este ponto, retoma Reich e aprofunda este tópico em Trabalho Corporal
Intuitivo, 1990-1994.
18
Reich: história das idéias e formulações para a educação, 1993-1994.
19
Análisis del Carácter, 1933-1997.
7

se aproxima bastante da noção de carapaça em Bergson. Ambos os conceitos se referem,


em um primeiro momento, à necessidade dos organismos de se protegerem; entretanto,
ao final, imobilizam e aprisionam os seres. Bergson20 preocupa-se menos com o eu
superficial e mais com o eu profundo. Somente chega-se a este nível com a intuição.
Esta, e não a inteligência, é o passaporte para o eu profundo. Somente com a ferramenta
intuição se consegue captar a realidade que se modifica permanentemente.

A unidade pessoa em movimento, o todo em fluxo constante, diz respeito à


perspectiva bergsoniana de apreensão da realidade. Aqui, observa-se uma óptica
funcionalista que muito irá contribuir para a obra reichiana. Não é que Bergson
desqualifique o empirismo, o racionalismo, a inteligência ou a análise, mas afirma que
é, principalmente, com a intuição que se percebe uma realidade que não é imóvel.

Para Bergson, não existem estados constantes, mas profusão de moventes. O


estático é ilusão, aparência imediata. Tudo está sempre em movimento, fluxo contínuo.
O fluxo permanente em Bergson pode ser correlacionado ao fluxo energético em Reich.
Se com a inteligência classificamos, apreendemos o suposto imóvel, é,
fundamentalmente, com a intuição que compreendemos o movente, o fluxo eterno.Com
Reich e Bergson, emergem as sensações e a intuição como elementos captadores do real
dinâmico. No entanto, não é que Bergson21 negue a importância da inteligência, que
produz conceitos para a ciência; somente acrescenta a necessidade de articular-se
ciência e filosofia e aí a intuição tem papel preponderante.

Bergson22 hipotetiza que há uma correlação entre corpo e espírito, mas não
assinala, como Espinoza, uma equivalência absoluta. Sua leitura para o problema mente-
corpo, assim como a do segundo, vista anteriormente, fundamentam a teoria reichiana,
embora para esta última, mente e corpo não se implicam, já que não são estruturas
diferentes, mas sim uma única e mesma unidade (corpomente) com manifestações
diferentes (soma e psique).

20
Cartas, conferências e outros escritos, 1979-1984.
21
La pensée et le mouvent, 1922-1950.
22
L’énergie spirituelle, 1919-1946.
8

De acordo com Bergson23, há uma força evolutiva que constrói e articula


elementos, É uma evolução criadora que associa diferentes processos vitais. No eixo de
todos os processos está a vida. Vida como impulso contínuo, que cria e recria. E assim
se evolui do mais simples para o mais complexo. Dessa maneira, nada está dado, tudo
está sendo construído. O autor afirma que há um impulso original de vida, um élan vital,
que organiza e faz a vida evoluir. Aqui, a comparação com o orgone de Reich, como o
princípio fundamental da vida, é inevitável.

4. Salpicos Pós-Críticos: o transverso


Esta seção contempla Nietzsche e autores pós-críticos, pautados nas chamadas
Filosofias da Diferença, como Foucault, Deleuze, Guattari e outros. São
problematizados alguns temas em Reich e noções de sua base filosófica.

Atualmente, a teoria marxista apesar de ser considerada um instrumento


fundamental para se compreender o capitalismo, esbarra em limites bastante nítidos, por
exemplo: a redução do humano à primazia do campo econômico como ferramenta para
se compreender a realidade. Há, na verdade, vários aspectos a serem considerados para
além do econômico quando se tenta explicar a realidade social. De modo semelhante, a
questão do poder que em Marx era abordada somente pela relação classe dominante-
classe dominada. Hoje, graças a autores como Foucault24, observa-se que existem
mecanismos de poder que são exercidos independentemente das classes sociais.
Foucault traduz o poder como não-localizável, circulante. Portanto, há opressão em
qualquer classe social.

Marx conduzia, ao primeiro plano, o determinismo econômico, isto é, a base


material produzindo o imaginário. Já Castoriadis25, por exemplo, critica Marx e aponta
que as idéias são também desencadeadoras de atos sociais. De acordo com Castoriadis a
história é tão produtora das relações sociais quanto o sujeito é capaz de construir
rupturas no socius. Neste sentido, nada mais contemporâneo do que Reich, que propõe

23
A Evolução Criadora, 1907-1979.
24
Microfísica do Poder, 1979-1990.
25
A Instituição Imaginária da Sociedade, 1975-1991.
9

uma democracia do trabalho, não como um estado a ser alcançado lá na frente, mas uma
condição a ser perseguida no dia-a-dia (autogestão social). Enquanto Marx buscava um
fim previamente determinado (comunismo), Castoriadis e Reich inventam o socius a
cada dia.

A ditadura do proletariado, que deveria ser o suporte do sistema socialista


beneficiador da população, foi se afastando desta última. O seu caráter transitório,
imaginado por Marx, cedeu lugar à burocratização, resultando por fim na queda dos
regimes socialistas governados pelos partidos comunistas em quase todas as partes do
mundo. O sentido de expor aqui estas limitações é o de respaldar teoricamente a
passagem que Reich fez do marxismo ortodoxo à sua proposta de democracia do
trabalho: uma sociedade de trabalhadores que se autogovernam.

Marx utilizava a dialética (movimento de antíteses) como ferramenta de análise


da ideologia (véu encobridor da realidade). O autor fazia uma leitura da estrutura social
capitalista, onde a classe dominante disfarça, através da ideologia, as desigualdades
sociais, ou seja, a burguesia cega a classe dominada. No entanto, exatamente, por um
movimento dialético, a classe dominada, através do contato cotidiano com a dura
realidade, atinge um grau de consciência social que a faz romper com o seu estado de
alienação, produzindo uma revolução social e, conseqüentemente, uma sociedade mais
justa.

Contudo, a perspectiva dialética peca por aprisionar o movimento entre um pólo


e outro. Fundamentando-se em Nietzsche, a possibilidade de invenção e a vontade de
potência são capazes de instaurar o novo, o inesperado, produzindo formas sociais
diferentes daquelas previstas por quem lê o real de modo dialético. Ao determinismo
histórico de Marx e ao Estado final marxista a ser alcançado – comunismo, Nietzsche26
responde com o indeterminismo, o conceito de acaso e com a noção de infinito,
respectivamente.

26
Genealogia da Moral, 1887-1991.
10

Este veio anarquista em Nietzsche também pode ser encontrado em Reich, na


sua fase de orgonomista e orgonoterapeuta. Além disso, tanto um quanto o outro, são
autores passionais: quando escrevem são amantes, raivosos, líricos e crus, enfim,
oscilam, pulsam, têm vida.

Marx apontava o quanto a religião produz um homem sujeitado e obediente.


Reich ratifica este ponto de vista. Entretanto, recentemente se observa que se de um lado
há o recrudescimento da religião institucionalizada alienadora do homem, de outro cada
vez mais a noção de religião ganha um cunho menos voltado à manutenção de dogmas e
cresce o sentido da religião enquanto religare – religação ao Cosmo. Aqui Reich,
novamente pode ser lembrado nos seus estudos sobre Orgonomia e a concepção de que
tudo é constituído e conectado através do Orgone.

Há alguns pontos contínuos entre Reich e Espinoza, pois, ambos caminham lado
a lado quanto aos conceitos de “grande consciência” e “consciência cósmica”. De forma
semelhante, através das noções de unidade corpomente e paralelismo corpo/mente –
respectivamente, fazem uma ruptura com a perspectiva cartesiana. Terceiro, a
Substância em Espinoza e o Orgone em Reich constituem um uno, pleno de
diversidades e corpos singulares. São “conexões” reichianas e “bons encontros”
espinozistas.

Entretanto, sob outra perspectiva, pode-se criticar a noção de unidade.


Nietzsche27, por exemplo, não busca o uno, mas o fragmento; não visa o equilíbrio, mas
o plus de potência que há na vontade; rompe com a estereotipia ao apontar que se há um
retorno só pode ser o da Diferença28. As implicações desta crítica na área da Psicologia
Clínica, da Educação, da Biologia e junto a concepções holísticas, são imensas. Fica
aqui a assinalação para quem desejar aventurar-se neste trabalho hercúleo.

Sob a óptica do autor deste trabalho, em Espinoza a noção de Essência não-


estrutural, baseada, portanto, nas intensidades e graus de potência, é um elemento

27
Assim falou Zaratustra, 1884-1977.
28
Nietzsche, F. Vontade de Potência, 1887-s/d.
11

teórico que não pode ser recusado pelos reichianos. É um desafio para os terapeutas que
têm em Reich uma grande referência, abordarem o cerne, o núcleo da personalidade não
só como algo estrutural, mas também um trançado de forças e correntes energéticas,
como propõe Neidhoefer.

Algumas temáticas aproximam Reich de Bergson: o conceito de couraça do


primeiro e o de carapaça do último, tão apropriadamente comentados por Albertini. Para
Bergson, tudo está em fluxo permanente, a óptica funcionalista reichiana, pautada no
movimento, não apreende o real de modo diferente. Ainda, de acordo com Bergson, há
um impulso original de vida, um élan vital, que organiza e faz a vida evoluir. Aqui o
círculo se fecha: a Força Criadora e Evolutiva de Bergson é o Orgone de Reich.

Entretanto, o Gestaltismo ensina que quando se fecha uma Gestalt, outra é


aberta. Não é por outra razão que autores contemporâneos, como Deleuze e Guattari29
desafiam: o movimento não é arborescente – feito árvore –, mas rizomático – feito
rizoma, como a erva que se espalha. O rizoma não tem inicio, nem fim, só tem meio: é
amorfo, é devir. Assim, os clínicos, os filósofos, os políticos, os educadores, ao tatearem
a ilusão da forma e da linearidade, não percebem que tudo, no fundo, lhes escapa.
Definitivamente, para Deleuze e Guattari, só há Vida na desterritorialização, nas linhas
de fuga, na produção da Diferença.

5. Considerações Finais
O autor deste trabalho, reichianamente, crê que se se toma a trajetória da
desconstrução de forma tão radical, não é por outra razão senão a de compor com novas
construções. Vida é pulsar entre o contínuo e o descontínuo, entre a ilusão do perene e a
possibilidade do novo, mas isto não é somente dialético, pois, ao tomar-se o sentido da
vida, vivendo com intensidade, sempre haverá o surgimento do inesperado, do
inusitado.

Neste sentido, são formalizadas algumas proposições, para uma releitura reichiana:

29
Mil Platôs, vol. 1, 1980-1995.
12

 Não se ater a uma leitura vertical do poder (classe dominante x classe dominada)
no campo social, e sim questionar o exercício dos mecanismos de poder em
qualquer instância;
 A democracia do trabalho (autogestão social e auto-regulação individual),
proposta por Reich, é conquista cotidiana e é resultante da articulação ativa e
crítica homem-sociedade;
 Por uma religião não-institucionalizada, por um Deus não-antropomorfo. Pelo
sentido etimológico da palavra religião: religare – religar-se ao Cosmo;
 Por uma metodologia de investigação menos calcada na Dialética (movimento
aprisionador de um pólo ao outro) e mais na produção da Diferença
(possibilidade do novo);
 Privilegiar a vontade de potência à busca do equilíbrio;
 Reconhecer o acaso, o fragmento e a força do indeterminado na construção do
real;
 Não às classificações rotuladoras, às estereotipias, às cristalizações e sim ao
desejo revolucionário;
 As intensidades valem tanto quanto as análises;
 Que as intervenções sociais sejam, não só terapêuticas, educadoras, filosóficas,
literárias, políticas, mas, sobretudo, produtoras de devires e singularidades. Nada
ao individualismo, tudo à originalidade, ao estilo de cada um e de cada
coletividade.

Este trabalho objetivou uma introdução aos fundamentos filosóficos da obra


reichiana articulada a uma perspectiva pós-crítica, portanto o autor é consciente de que
algumas das temáticas nele enfocadas poderiam ser desdobradas em muitas outras. De
modo semelhante, o autor, aguarda comentários e digressões que podem ser feitos a
partir deste texto.

Este ensaio é somente uma pequena contribuição para que os estudiosos,


psicoterapeutas corporais e para os interessados em geral na obra de Reich, se situem
melhor com relação às bases filosófico-históricas reichianas no entrecruzamento com
autores pós-críticos. Pois, o autor acredita que o enraizamento filosófico fornece um
13

melhor lastro, não só para a produção teórica, quanto para a prática de pesquisadores e
terapeutas reichianos, bem como, para toda pessoa humana.
“O corpo material é uma ‘fatia’, é um corte na
fluidez permanente. Não é algo pronto, não é fato
dado. Não é coisa já feita. Neste sentido toda
abordagem corporal deveria levar em consideração
a energia e o movimento que determinam um certo
corpo.”30

Ademais, todo corpo é social, mas esta já é uma outra história31...

30
Câmara, M. V. Para além do Claustro Bipessoal: Proposições Teóricas para uma Psicoterapia Grupal de
Base Reichiana, 1999, p. 23.
31
A relação corpo-campo social foi mais profundamente explorada na tese de doutorado supracitada do
autor deste artigo.
14

Referências bibliográficas

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