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Neste artigo se percorrerá, a título de exploração, alguns temas dos três autores
citados anteriormente, que possuem uma relação profunda com a obra de Reich. Estes
teóricos compõem as raízes do pensamento reichiano. Este pequeno trabalho tem a
intenção de ser somente um disparador de ligações e religações entre a produção de
Reich e sua base filosófica formada por Marx, Espinoza e Bergson, sob a perspectiva
pós-crítica radicada em Nietzsche e outros autores contemporâneos como Foucault,
Deleuze, Guattari entre outros. Sendo assim, não pretende aprofundar-se nas complexas
relações possíveis entre autores tão profícuos. Traçado este limite, é hora do texto tomar
seu rumo na direção das bases filosóficas reichianas.
1. Marx: a justiça
Segundo Leandro Konder1, Marx mesmo muito jovem já possuía duas linhas
básicas de pensamento: não há felicidade individual sem felicidade coletiva e há
condições sócio-históricas determinantes, portanto para além do indivíduo, que
*
Trabalho apresentado no Fórum Social Mundial – Porto Alegre, RS/2002.
**
Psicoterapeuta Reichiano, Doutor em Psicologia (UFRJ), Coordenador de Pós-Graduação (CEUCEL) e
Professor da Pós-Graduação (INCA).
1
Marx: Vida e Obra, 1976-1976***.
*** Nas obras citadas, a primeira data refere-se ao escrito ou à publicação original, a segunda à edição
referida.
2
O operário fica ao sabor de forças muito mais fortes do que ele: àquelas dos
donos dos meios de produção. As fábricas e o comércio nas mãos da burguesia fazem o
proletariado se distanciar do seu desejo. O mercado que, imanentemente, é injusto,
regula as forças desiguais favorecendo a minoria em detrimento da maioria da
população. Como resultante desta rede de relações econômicas, a ação do trabalhador
não mais lhe pertence, mas ao patrão.
2
Op. cit., 1976-1976.
3
Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844, 1961-1983.
3
4
Materialismo Dialético e Psicanálise, 1929-1983.
5
Moral sexual “civilizada” e a doença nervosa moderna, 1908-1980.
6
Ver Konder, L. O que é dialética, 1981-1982.
7
Marx, K. A Ideologia Alemã, 1991-1991.
8
A Função do Orgasmo, 1942-1984.
4
Marx acreditava que esta sociedade era tão injusta que, em que pese a ideologia e
as ferramentas de subjugação da classe trabalhadora, o trabalhador acabaria por
conscientizar-se e lutar por uma sociedade mais justa. Neste momento se aprofundaria a
luta de classes sociais e se faria a revolução socialista, que instituiria um Estado forte
9
Ver Chauí, M. O que é ideologia, 1980-1984.
10
O Capital, 1968-1980.
5
socialista, visando governar para o povo. A função deste Estado socialista seria a
autodissolução objetivando uma sociedade sem classes sociais e autogovernada – o
comunismo.
2. Espinoza: o uno
De acordo com Gilles Deleuze11, há algumas teses que constituem veios teóricos
em Espinoza: a primeira é a de que há uma única substância a vincular as partes; a
segunda concerne ao paralelismo entre corpo e espírito. Com a primeira, Espinoza
favorece a noção da “grande consciência” e se avizinha da teoria reichiana; a grande
consciência do autor é análoga a “consciência cósmica” em Reich12. Com a segunda
tese, Espinoza nota que tudo o que afeta o espírito, de forma semelhante, repercute no
corpo e vice-versa. Aqui não há exatamente uma identidade com Reich13, uma vez que
para este último corpo e mente são uma única e mesma unidade, contudo, Espinoza, ao
fazer uma ruptura com a perspectiva cartesiana, fundamenta aquele que será o
pensamento reichiano.
11
Espinoza e os Signos, s/d.
12
Ether, God and Devil and Comsic Superimposition, 1951-1979.
13
Op.cit., 1942-1984.
6
3. Bergson: o movimento
São temáticas bergsonianas que irão fundamentar a teoria reichiana: a carapaça,
o eu profundo, a transformação constante, o fluxo permanente, o paralelismo
psicofísico, a força vital. Segundo Paulo Albertini18, o conceito de couraça em Reich19
14
Tratado teológico-político, 1670-1988.
15
Espinoza, B. Ética, 1675-1992.
16
Psicologia de Massas do Fascismo, 1934-1988.
17
Neidhoefer, L., com relação a este ponto, retoma Reich e aprofunda este tópico em Trabalho Corporal
Intuitivo, 1990-1994.
18
Reich: história das idéias e formulações para a educação, 1993-1994.
19
Análisis del Carácter, 1933-1997.
7
Bergson22 hipotetiza que há uma correlação entre corpo e espírito, mas não
assinala, como Espinoza, uma equivalência absoluta. Sua leitura para o problema mente-
corpo, assim como a do segundo, vista anteriormente, fundamentam a teoria reichiana,
embora para esta última, mente e corpo não se implicam, já que não são estruturas
diferentes, mas sim uma única e mesma unidade (corpomente) com manifestações
diferentes (soma e psique).
20
Cartas, conferências e outros escritos, 1979-1984.
21
La pensée et le mouvent, 1922-1950.
22
L’énergie spirituelle, 1919-1946.
8
23
A Evolução Criadora, 1907-1979.
24
Microfísica do Poder, 1979-1990.
25
A Instituição Imaginária da Sociedade, 1975-1991.
9
uma democracia do trabalho, não como um estado a ser alcançado lá na frente, mas uma
condição a ser perseguida no dia-a-dia (autogestão social). Enquanto Marx buscava um
fim previamente determinado (comunismo), Castoriadis e Reich inventam o socius a
cada dia.
26
Genealogia da Moral, 1887-1991.
10
Há alguns pontos contínuos entre Reich e Espinoza, pois, ambos caminham lado
a lado quanto aos conceitos de “grande consciência” e “consciência cósmica”. De forma
semelhante, através das noções de unidade corpomente e paralelismo corpo/mente –
respectivamente, fazem uma ruptura com a perspectiva cartesiana. Terceiro, a
Substância em Espinoza e o Orgone em Reich constituem um uno, pleno de
diversidades e corpos singulares. São “conexões” reichianas e “bons encontros”
espinozistas.
27
Assim falou Zaratustra, 1884-1977.
28
Nietzsche, F. Vontade de Potência, 1887-s/d.
11
teórico que não pode ser recusado pelos reichianos. É um desafio para os terapeutas que
têm em Reich uma grande referência, abordarem o cerne, o núcleo da personalidade não
só como algo estrutural, mas também um trançado de forças e correntes energéticas,
como propõe Neidhoefer.
5. Considerações Finais
O autor deste trabalho, reichianamente, crê que se se toma a trajetória da
desconstrução de forma tão radical, não é por outra razão senão a de compor com novas
construções. Vida é pulsar entre o contínuo e o descontínuo, entre a ilusão do perene e a
possibilidade do novo, mas isto não é somente dialético, pois, ao tomar-se o sentido da
vida, vivendo com intensidade, sempre haverá o surgimento do inesperado, do
inusitado.
Neste sentido, são formalizadas algumas proposições, para uma releitura reichiana:
29
Mil Platôs, vol. 1, 1980-1995.
12
Não se ater a uma leitura vertical do poder (classe dominante x classe dominada)
no campo social, e sim questionar o exercício dos mecanismos de poder em
qualquer instância;
A democracia do trabalho (autogestão social e auto-regulação individual),
proposta por Reich, é conquista cotidiana e é resultante da articulação ativa e
crítica homem-sociedade;
Por uma religião não-institucionalizada, por um Deus não-antropomorfo. Pelo
sentido etimológico da palavra religião: religare – religar-se ao Cosmo;
Por uma metodologia de investigação menos calcada na Dialética (movimento
aprisionador de um pólo ao outro) e mais na produção da Diferença
(possibilidade do novo);
Privilegiar a vontade de potência à busca do equilíbrio;
Reconhecer o acaso, o fragmento e a força do indeterminado na construção do
real;
Não às classificações rotuladoras, às estereotipias, às cristalizações e sim ao
desejo revolucionário;
As intensidades valem tanto quanto as análises;
Que as intervenções sociais sejam, não só terapêuticas, educadoras, filosóficas,
literárias, políticas, mas, sobretudo, produtoras de devires e singularidades. Nada
ao individualismo, tudo à originalidade, ao estilo de cada um e de cada
coletividade.
melhor lastro, não só para a produção teórica, quanto para a prática de pesquisadores e
terapeutas reichianos, bem como, para toda pessoa humana.
“O corpo material é uma ‘fatia’, é um corte na
fluidez permanente. Não é algo pronto, não é fato
dado. Não é coisa já feita. Neste sentido toda
abordagem corporal deveria levar em consideração
a energia e o movimento que determinam um certo
corpo.”30
30
Câmara, M. V. Para além do Claustro Bipessoal: Proposições Teóricas para uma Psicoterapia Grupal de
Base Reichiana, 1999, p. 23.
31
A relação corpo-campo social foi mais profundamente explorada na tese de doutorado supracitada do
autor deste artigo.
14
Referências bibliográficas
ALBERTINI, Paulo. Reich: história das idéias e formulações para a educação. São
Paulo: Ágora, 1994.
BERGSON, Henri. A Evolução Criadora. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
_______________. Cartas, conferências e outros escritos. São Paulo: Abril Cultural,
1984.
_______________. L’énergie spirituelle. Paris: Presses Universitaires de France, 1946.
_______________. La pensée et le mouvent. Paris: Presses Universitaires de France,
1950.
NEIDHOEFER, Loil. Trabalho corporal intuitivo: uma abordagem reichiana. São Paulo:
Summus, 1994.
NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1977.
___________________. Genealogia da Moral. São Paulo: Moraes, 1991.
___________________. Vontade de Potência. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d.
REICH, Wilhelm. A Função do Orgasmo. São Paulo: Brasiliense, 1984.
______________. Análisis del Carácter. Barcelona: Paidós, 1997.
______________. Ether, God and Devil and Cosmic Superimposition. New York:
Farrar, Straus and Giroux, 1979.
______________. Materialismo Dialético e Psicanálise. Lisboa: Presença, 1983.
______________. Psicologia de Massas do Fascismo. São Paulo: Martins Fontes, 1988.