Em “Os limites na autoridade da sociedade sobre o individuo”, a “ordem” é “não prejudicar os
interesses um dos outros”. Os seres humanos devem "uns ao outros ajuda para distinguir o melhor do pior, e encorajamento para escolher o primeiro e evitar o último". À individualidade deve caber a parte da vida que tem como principal interessado o indivíduo; à sociedade, a parte na qual ela é a principal interessada. É necessário o aumento de um desinteressado empenho em promover o bem dos outros. "Qualquer erro que possa cometer por não seguir os conselhos e advertências é, de longe, superado pelo mal de permitir que outros a obriguem ao que considerem ser para seu bem.". Existem considerações a respeito do comportamento digno enquanto indivíduo. Tenho plena liberdade de exercer minha liberdade em relação aos outros desde que isso não venha a causar um efeito negativo na pessoa sujeita a minha ação. Além disso, é de suma importância, reconhecer que existem certas motivações que deveriam afetar positivamente a relação com as pessoas. Quando o indivíduo usa de sua liberdade para tomar ações que venham a causar malefícios diretos e indiretos a sociedade, é dever desta que seja exercido sobre o indivíduo repreensão moral culposa pelo abuso de sua liberdade e falta de responsabilidade para o uso de sua liberdade. A liberdade individual porta a responsabilidade de seu uso. De modo que suas implicações, sejam elas de cunho pessoal ou social, devem ser exercidas no âmbito do desenvolvimento e do melhoramento da sociedade. Caso venham estas a implicar consequências negativas, merecem repreensões por parte da moralidade e da lei. Uma linha de pensamento não pode exercer restrições sobre a liberdade individual, pois não existe prerrogativa justificável para tal ato. Quando não há violação dos seus direitos constituídos os indivíduos – aqueles que cometeram ato danoso para outros – podem ser punidos por meio da opinião, pois a sociedade tem jurisdição sobre aqueles, ficando “aberta à discussão a questão de saber se a interferência promove ou não o bem-estar geral”. Segundo o autor deve prevalecer a perfeita liberdade, legal e social, quando a conduta do indivíduo não afeta os interesses de qualquer outro senão ele próprio, “ou não precisa afetar os interesses de outras pessoas, a não ser que elas assim o queiram”. Para Mill, ninguém tem o direito sobre as decisões do outro, devendo respeitar os interesses alheios, exceto no que diz respeito à conduta para com os outros. “No que diz respeito aos seus próprios sentimentos e circunstâncias, o homem e a mulher mais comuns têm meios de conhecimento que ultrapassam incomensuravelmente os que qualquer outra pessoa pode ter”. O que Mill quer dizer é que o conhecimento acerca dos interesses próprios dos indivíduos se encontra disperso entre os indivíduos, de tal forma que não se pode conhecê-lo em detalhes e saber aquilo que será melhor para eles individualmente. A interposição da sociedade para contradizer a opinião e objetivos de alguém em questões que dizem apenas respeito a esse indivíduo acaba se baseando em suposições gerais, que podem estar absolutamente equivocadas, “e mesmo que estejam certas, é tão provável que sejam bem-aplicadas como mal-aplicadas em casos individuais, por pessoas não mais bem familiarizadas com as circunstâncias de tais casos do que as que olham para ele de fora”. As regras, sendo cumpridas, apontam para certezas entre as pessoas na sociedade, porém a espontaneidade do indivíduo deve prevalecer. “Todos os erros que é provável que cometa indo contra conselhos e avisos são em muito contrabalanceados pelo mal de permitir [a outras pessoas] que a forcem a fazer o que consideram ser bom para elas”. Em termos gerais, para Mill, o “juízo desfavorável” da sociedade sobre as inconveniências de alguém, em função de suas livres escolhas, é o único a que um indivíduo deve estar sujeito por aquela conduta que diz respeito ao seu próprio bem, mas que não afeta os interesses dos outros nas suas relações com ela não constitui maldade. Os deveres para com o próprio indivíduo não são socialmente obrigatórios, a não ser que as circunstâncias os tornem concomitantemente deveres para com os outros. Eram os atos danosos “completamente imorais” e os “vícios morais” – “que constituem um caráter moral mau e detestável” – que requererão tratamento distinto. Se uma pessoa infringir as regras necessárias para a proteção de outros, individual ou coletivamente, as consequências negativas desse ato recairão sobre outros, sendo, portanto, a sociedade provocada a retaliar, tendo “de lhe infligir dor com o objetivo expresso de a castigar, e tem de se certificar de que o castigo é suficientemente severo”. Se alguém, pela má conduta, infringe uma obrigação distinta e atribuível para com o outro, a questão deixa de dizer respeito ao indivíduo da ação e se torna passível de punição. Quer dizer, havendo dano ou risco de dano claro se retira a questão do campo da liberdade e o coloca no da moralidade ou da lei. Não se trata aqui (pode dizer-se) de cercear a individualidade, ou impedir o teste de novas e originais experiências de vida. As únicas coisas que se procura prevenir são as que foram testadas e condenadas desde o princípio do mundo até hoje; coisas que a experiência mostrou não serem úteis ou adequadas para a individualidade de qualquer pessoa. Uma condição inerente aos assuntos humanos é a de que nenhuma intenção, por mais sincera que seja, de proteger os interesses de outros pode tornar seguro ou salutar amarrar-lhes as mãos. Ainda mais obviamente verdadeiro é o fato de que apenas por suas próprias mãos podem as pessoas promover melhorias positivas e duráveis em suas condições de vida.