J. P.

GALVÃO DE SOUSA

OPOSITIVISMO JURIDIC~
EO

DIREITO NATURAL

SÃO PAULO
1940
 ADVERTENOI.A

Positivismo juridico, em. sentido obvio, é a nen

ga,ção do direito ncttu1·al, e a affi-rmação de que o
wiíco dfreito q1te 1'ealmente existe é o di~eito pMi-
tivo.
Nihil obstai
E,nt1·eta.:nto, alguns a,utores positivistà8 confes-
26 Martü 1940
1:1a1n admittír o dfreito natwral; outrn11, se bem que
P. LINDOI.J>llô ESTBVRS
e!Cplieitamente o rejeite'Yn, aclmitteni-no implicitamen-
te. E um. positivisnio j11,ridico absoluto, que neg1w
por completo o direito na,twral,, só é defensavel, f]em,
,[lfogismo, pelos q11,1,e reduzem o direito ás detet•mina-
lmprim.atur ções arbitrarias da fo'i·ça, socialmente prepo1idet•à:nte.
MONS. ER.N ESTO DE PAULA
Para tnelhor chegar a esta, conaiusão, mosfrare-
Vig. Geral
mos que:
1 -ha, na otigem do positivismo juridito mo-
de1-no, uma incompt·ehensão do ve1·óAdeiro sentido do
dire.ito nat·u ral (capitulo I);
2 - ha., ent philosophia do dfreito, doutrinas po-
sitiv·istas que, pelos Beus proprios prir,,cipios, per-
mittem chegar ao direito natiiral (<Japitulo.s II e lll),

C O I AUGUST O B RL NT
O POSITIVISMO JURIDICO
E O DIREITO NATURAL

CLOVIS AUGUSTO BRIANT

 CAPITULO PRIMEIRO

DO DIREITO NATURAL CLASSICO AO

POSITIVISMO JURIDICO

· Para bem comprehender o positivismo ju-

1- ridico, importa lembrar a evolução ideologiea
~ do direito n.a.tural.
-
O'.:
(D
Ântes do positivismo, passa1·a o conceito
classico de direito natural por deturpações que
~
cn
muito o desprestigiaram, favorecendo o sue-
::> cesso dos systemas que procuravam dester-
e,
::> rai-o para o mundo das cbirneras.
<
cn Ha certas doutrinas de direito natu1 ~l1

~ excessivamente abstractas e constituídas pelo

..J abuso do methodo deduJ1tivo: as que se fo:r-
0 ma.ram depois de Grotius, Puffendorf, Rous-
seau e Kant. Mas ha ta.m bem um i;ystema de
direito natural ba.seado na evidencia dos pri-
meiros principios do conhecimento e resultan~
te de uma analyse objectiva da natureza ra-
ci.onal do homem. Esse systema encontra-se
naquella. concepção que, proveniente dos phi-

8 O POSITIVISMO JURIDICO
lo~ophos gregos e dos jurisconsultos 1·omanos,
se inco'.l.'porou ao patrimonio doutrina.rio da
philosophia chamada por Bergson a. metaphy-
sica natural da intelligencia humana.
Geralmente, as criticas feitEl.s ao direit_o
1,1atural attingem apeuas o "jusnaturalism.o"
abstracto e deductivo. Entretanto1 ab1·oque-
lando-se nos argumentos utilizados por taei3
criticas, precipitam-se m1útos a uma negação
sullllnaria de todo direito natu..ral.
Não pretendemos dizer que o positivismo
jm·idico se explica simplesmente como reacção
contra as doutrinas modernas de direito na-
tural. Seria desconhecer-lhe as ~ausas mais
profundas. Seria o:mittir a filiação da ten-
dencia positivista, no direito, á mesma tendeu-
eia anteriormente manifestad.a na philosophia.
O seculo XIX foi o seculo positivista por
excellencia. Offuscados certo~ espiritos pelo
surto admiravel das scieneias expe:rimentaes1
pareeeu-1hes ter sido chegado o tempo de uma
completa revi$ão dos velhos princip ·os admit-
tidos pela .waioria das escolas philosophicas.
Era preciso rejeitar todo o aprior·isnio da es-
colastic.a, e de alguns philosophos modernos,
como Lem~ ou Kant. Só ao methodo posi-
E O DIREITO NATURAL 9
tivo, isto é, construido sobre o alicerce inco~-
cusso das realidades empíricas, seriam conferi-
dos, da.hi por deante, f óros de cidadania i:;cien-
tifica. O :processo inductivo, que tão bons re-
sulta.dos trouxera nas sciencias physicas e na-
turaes, devia ser o unico a conduzir tambem
as pesquizas sobre o homem e a sociedade.
Nada disso podemos esquecer na genese
do positivismo phllosophico e do positivismo
ju·ridico.
l\:fas é f óra de duvida, que aquelle equivoco
a proposifo do direito natuTal 1 sobre ter con-
tribuido poderosamente para a forn1ação do
positivismo ju1·idico, teve ainà.a por effeito
propiciar-lhe uma grande acceitação (1).
A uma época dominada pelo p1·ogresso da
technica e pela fascinação das sciencias expe-
(1) Embora se ache em franco declinio, nos domínios
da philosophia do direito, ficou o positivisn~o _ju1·idico por
demais generalizado entre os juristas de prof1s.sao. Em cer-
t-Os meios, delle ainda podemos dizei·, com F(µ,NÇOIS GÊ,Nl!:
que é "a attitude hapitual e . c~rrent: tlos interpretes do
direito na hora aetual ", ~ "pos1çao ma1.s gera1mente adopta-
da pelos jurisco~sultos" (Fn. GÉ-NY - Science et t-echnlque
en dt·oit p-1-ivé pós•itif, II, Recueil Sirey, Paris, 1927, p. S_l_ e
Mithode d'intérp1•étati01t et 80'1l'i"ces en droit privé tpo.1nt~f,
2.• edii;ão, II,. Librairie générale de Droít et de Jur:is:p:ruden-
ce-, Paris, 1932, p. 334.)
 10 O POSITIVISMO JURIDICO
rimentaes, não podiam satisfazer as abstrac-
ções dos Tratados que a.:ppareciam eorno uma
herança da "escola do dfreito da natureza €
das gentes" e que faziam esquecer o conceito
objectivo do direito natural.
E' interessante todavia veri.Q.car que, Iíla11
grado as innumeras criticas provocadas peb
direito natural moderno, os positivistas mui-
tas vezes se appro.ximam, sem o pe~ceber1 dos
principios fundamentaes do direito natu:ral
classico, nem sempre conhecido sufficiente-
mente pelos seus adversai-ias.
I - Concepção classica de direito natural
A expressão DIREITO, correspondente
ao latim jiis, é usada hoje para designar o que
os antigos chamavam de ju,st·u,m ( o justo obje-
ctivo), le,1; (a, noxma de direito), iicüum e po-
testa.s ( direito subjectivo) e jurispru,dentirf
( stiencüt, do direito). Trata-se de um termo
analogo, isto é, que tem sBntidos diversos mas
relacionados entre. si.
E ' a lei que estabelece o que é justo e de-
termina os dir~itqs ~ubje-ctivos. lias as leis
não podem -ser elaboradas arbitrariamente pe-
E O DIREITO NATURAL 11
lo legislador. Ha uma justiça anterior e su-
perior á lei escripta 1 ha direitos que p1·ecedem
a feitura das normas estatuidas pelo poder so-
cial competente. Esta jlliltiça e estes direit03,
que não dependem das prescri1::,ç.ões da ordem
jur;idica positiva, fundamentam-se na lei na-
tural.
Distinguia .Aristoteles o justo por natlll'e-
za, do justo por lei. E os mestre.s da jurispru-
dencia em Roma affurn.avam que, alem do di-
reito -proprio de cada Estado, existe um di-
reito decorrente da natureza humana e, por-
tanto, universal (2).
N Q secuJo Vil, Santp lsi~oro de Sevilha
entendia por direito natural, as leis de pro-
creação e conservação da especie, communl;l ao
homem e aos animaes, e as noções primeiras
que são proprias dos seres racionaes, nelles
produzindo effeitos conformes ao aeqwu1n et
bonwm. !tlais tarde, o Decretitm de Gra<Jiano
inspirava-se nas lições de Santo Isidoro, e os
escolasticos ensinavam ser a lei natural a par-
tfripação da lei eterna no homem (3).
(2) ARJSTOTELES, Ethica Nico-m.; V. 7 (1-0). U'LPIANO:
D . 1.1.1,3 e 4. GAIO: D.1.1.9. PAULO: D.1.1.11. Institut.
(Jwtin.), 1.2 .1 e 11.
(8) S. IBID., lib. V Ifltymol., a•p ud Cotpu.s Jwris CéMW•
-nic:i, Decretum Gr<1:t., 1.• Pars, Dist. r e IV. SANTO THOMAZ
12 O POSITIVISMO JURIDICO
Emfim, das fontes greco-romanas, apro-
veita as na Idade Média, pelos canonistas e
tb.(·ologos, resultou toda uma tradição doutri-
naria sobre a lei natural. Não ob ·tante ag
multiplices varia tes dessa tradição, é unani-
me a aeceitação de um principio superior de
conducta, 1·egra ral de toda acção umana,
inh rente á propria natureza e criterio sup1·e-
mc, da justiça e da equidade. Baseado na di -
tincção en ·e o bem e o al, o justo e o injus-
to, sse principio é universalmente admittido,
DE AQUINO, S. Th., I.a, II.ae, q. 91 art. 2. Confirmando a
doutrina das '''li:tymologfas~', escreve o maior commentado1· rle
ARISTOTELES: Est aut6?71- considera1.dum quod, justum 11,(l,-
turale est ad quad kaminem natura inolinat. Attenditur aii;-
tem in komine duple:i; natura.. Una. quidem, secundum quod
~st anima.l, quae inbi et ali-is attimalibus ut comm oiis. Alia
a.utem natuni est kominis, pro it scilicet secundum Tationem
diticeniit tu.rpo et konestiim. Jwrietae a.utem illucl tantum
dicu.nt jtlB naturale quod wn.saquitur inolinationem na.tura6
com.munia homini et aliis anima1ib1,1,S, sicut con:iimctio ,nariR
et fem-ina,e, educatio natoru1n, et alia. htij1tsmod·~. nlud c;u--
tem. §UB quod conseqttitu.r p-rop,riam inclina-tumem natu,·ae
hu11 a:1t.ee, :tcilicet ut homo esi ro.t.iO'TUJ.le a11imaZ vocant j?J.-
rista.o ius gentiiim, quia, eo om11es gente.a utwntur, s1:cut qu.oc;l
pact(I; si11t ser11anda, st q1wd tegati a,pud hoste sint tuti,
et a.lia huj1ui-t11.odi. U t-ru.mq'll.e <w.lem h.orum oom,n·ehendit wr
sub iusto nat1.trali, p1·out hio a, Pki!osopho accirpitur (ln
Ethic., li.h. V, lec. 12). Quanto á distincção entre o ji,s
71atural6 e o jua g1r1itium, foge ao escopo do no so trabalh<i.
Noto-ae, no trecho citado, o principio pMta. sunt servamla,
mafa tarde retoma,do por GROTIUS.
E O DIREITO NATURAL 13
porque evidente, e assim pódo formular-s :
dev n1,os praticar o bem e evitar o mal. E.' o
direito natural, d que dizia Paulo-: qu,od sem-
per aequimi ac bon-u,m est j-us dicitiw, ut est
ju.s natural e (4).
. Ninguem com maior elegancia do que Ci-
ceT discorreu sobre a 1 i fundamental da or •
z<( dem. juridfoa, essa Vl'Jra, le-x, recta ratio, natu,-
rae congrite'l'ls, d1'f fusa iin otnnes, constans,
Ir sempiter-na ( 5).
o A lei natural é conforme á natureza, na-
t-
tr.)
turae ·congruen . Por isso m mo, é a recta
rat<io. Pois a natureza humana é racional e
(4) D.1.1.11.
(5) É este um dos mais bellos trechos de CtcEJRO, en-
tre os muitos que nos deixou sobre a lei natural: Est qui-
o dem~ vera. la11;, recta ra.tio, naturae congruens, diftusa, in
om-nes, cotistains, sempiterna,; qiuie vocet ad officium Jub1ni..do,
uetando a fraude det61"reat; qua.e ta-men. neque probos fnts-
tra. jubct aut 11etat, nec improbo ittbenrlo aut vetando mn•
vet. Huic ltoi nec obrogari' /rts est, neque derogarí e:i;
hcw aliquid licet, neqt(-6 toro- c,,broga,ri polest; nec vero aut
p61" ff'1Ultum., a.ut per populu m. solvi hac lege posmt1wus •
que est quaerendus e:i:plamator au,t interpres Serr;tue Aelii,11,
neç erit alia ld~ Rcmae, alia Athenis; a..lia n-u.11-e, aUa. -po.s-
th.ac: eed et omnes gettles f!t Dfflni umpQ1·e una le!e, et sem-
pitenta et im.mu.tab ·ii11 continebit; unusque erit com,mums
quasi m.agist,w et impemtor om1iium Dr.us, üls legís huju,
inventor, disl!spta;tor, lator; cmi qui non pu,rebit, ipso se
fugiet ac naturo.m kom. "nis a.spe-,•1tatus, hoc ipso lll;6t m.a:i;;ima.s
poe1w.i,, ctiani si cetera supplicia;, quae putantur, effuge-
1"it (De Rep-11blica, II, 22) •
16 O POSITIVISMO JURIDICO
2 - o direito natural, no sentido estric-
to, reduz-se aos primeiros principios da rno-
1•a]idade.
Expliquemos melhor essas duas conclu-
sões, que nos farão comprehender o verdadei-
ro sentido do direito natural na sua concepção
tradicional.
1. O direito natural é essencfolm1,ente
rnwral
Toda lei se or dena para um bem7 em vista
de cuja consecução determina o que é preciso.
faze;r, o que é prohibido ou o que é simple3-
rnente pérmittido.
A lei natural tem em vista o bem htuna-
rro, isto é, o bem da natureza humana como tal.
Trata-se de um conceito que não é p1J,ramente
abstracto. mas que suppõe um conhecimento
experimental da natureza humana., das cir-
CUll'.l.stancias reaes em que vive o homem, do•
que ha de permanente e va-riavel nelle.
Tomamos aqui natureza no sentido de es-
sencia, e é preciso distinguir o que é naturalr
neste sentido, do espontaneo e do primitivo.
Natural é o que corresponde á essencia de un1
ser. Ora, a essencia do homem, ou sua for-
E O DIREITO NATURAL 17
ma especifica, nos é dada pela razão. Natu-
1·al é, pois, no homem, o que se conforma ~
1·ecta razão. E não é diffieil perceber no ho-
mem certas inclina~ões natnraes que se podem
discernir dos appetites inferiores quando ei:1-
tes se oppõem á razão. O bem humano é o
que. p1·opriarriente corresponde a taes inclin t-
ções. Pela lei natural, todo homem tem, por
...,- exomplo, direito á vida, direito a constituir
~ -familia, direito ao producto do seu trabalho.
n: Entretanto, esses direitos devem ser exér-
al
cidos na ordem social em que vive o homem e
o
a qual tambem conesponde a uma inclinação,
~
:, de sua natureza. Ora, a sociedade n ão se pod·~
e,
:, manter sem que sejam limitadas as activida-
< des dos indivíduos e os seus direitos. Donde o
~ direito positivo, que determina concretamente
O os preceitos aa lsi natu..Tal, em -vista das exi-
...J
O geneias do bem commu,m. Tem_a pessoa hu-
mana direitos superiores á ordem social. Mas
deve o homem, como parte do todo social,,
subordinar-se á collectividade.
Neste sentido, não se oppõe ao direito na-
tural classico a idéa do direito positivo como
conjuncto de condições restrictivas da liberda-
de para tornar: _possivel a coexisteneia hu-
mana.
18 O POSITIVISMO JURIDICO
Dizemos que o fueito natural é um direi-
to essenciahnente moral porque tem por fim o
bem do homem emquanto homem. .Ao passo
que o direito positivo tem por objecto o bem
humano social. E' verdade que o direito na-
tural se applica ao homem na sociedade, -
e não num hypothetico estado de natureza
em que cada um vivesse isolado, - mas elle
não é um simples corollario da sociabili-
dade humana, como o direito positivo. E
o direito positivo, embora tambem seja moral,
pelo seu fundamento, - pois se funda na lei
natural, - caracteriza-se por uma technica
pecl).liar adaptada ás exigencias do bem com-
mum.
2. O direito natural é reductvvel aos pri-
meiros pr•incipios da moral
Deve-se fazer o bem e evitar o mal : eis o
primeiro principio da lei da natureza, que
contem virtualmente todos os outros. Já dis-
semos que a lei natural ordena os nossos acto-3
pa:ra o bem humano e que o bem humano cor-
resl_londe ás inclinações nat,uraes do homem.
Seguindo a ordem dessas inclinações, vamos
encontrando os diversos preceítos da lei na-
tural, os quaes particularizam a idéa geral d~
<:1ne o bem humano deve ser feito.
E O DIREITO NATURAL 19
Desses preceitos podemos tirar conclu-
sões aind,,i, mais particulares. Assim, por exem-
plo, uma das inclinações naturaes do homem
é para a conservação da propria vida. Dabi
resulta a propriedade como um direito confor-
me á lei natural, pois a vida humana não se
pode manter sem que exerça o homem sobre as
cousas da nat ureza, um dominio que lhe per-
mitta apropriar-se dellas para satisfazer ás
suas necessida_des pessoaes.
Todas estas conclusões da lei natural re-
solvem-se naq_uelle principio generalissimo -
o be·rn deve ser feito e o nial evitado.
Esse principio é de uma necessidade unl-
versal e de evidencia immedíata. Procurar o
seu proprio bem quer dizer, para o homem, vi-
vei· de accôrdo com a raz-ão 1 isto é, conservar
racionalmente a propr ia vida, a vida da espe--
cie e a ordem social.
01·a, essa racionalização da vida é preci-
samente o object o da moral. Eis porque os
Tratados de Díreito N aturaJ, que se filiam á
tradição cujas idéas procuramos aqui reswnir,
cuidam de muitos assumptos de philoaophiE..
moral (8).
(8) Cf. TAPARELLI D'AZEGLIO, LIBERATORE, V . CATHREIN,
J. LECLERCQ, A. VALENSIN, MEYER, CEPEDA, etc..
20 O POSITIVISMO JURIDICO
O primeiro principio da lei natural abran-
ge todo o campo da mo1·al, porque regula toda
a conducta humana. Sempre deve o homem
pautar seus actos pelas regras da recta razão.
E Q obje<::to do direito natural coincide
com o da moral, na pai·te em que esta trata
dos deveres de justiça e na moral social.
.As considerações que os diversos Trata~
dos de Direito Natural fazem sobre a proprie-
dade, o casamento, os contractos, a vida asso-
ciativa ou o Estado, formam o direito natural
no sent.:i,do lato. Mas no seu sentido estricto,
consiste o direito natural nos primeiros prin-
cipios de moralidade, concernentes á raciona-
lização da vida, e que se reduzem, por sua vez,
ao principio generalissimo que nos leva a pra-
ticar o bem e evitar o mal.
II - Doutrinas modernas de direito natural
À tradição :formada pelos philosophos gre~
g0s, os jurisconsultos romanos, os theologos e
canonistas da Idade :Média, soffreu posterior-
mente um grande desvio, poT influencia do vo-
luntarismo, do racionalismo e do individualis-
mo. O voluntarismo, ganhando terreno no pe-
E O DIREITO NATURAL 21
.:riodo da decadencia da escolastica, negava a
existencia do bem e do mal em si mesmos at-
-tribuindo a lei natural a um decreto arbitra- '
rio de Deus e não mais á razão divina. E' o
precursor remoto do _positivismo jurídico mo-
derno. O racionafü:;mo seccionava a lei natu-
-ra:i da lei eterna, fazenda-a decorrer simples-
mente da natureza humana. O indiviclualis-
rno, em.fim, baseava a ordem juridicai não no
fundamen~o obj ectivo que é a lei natural, mas
nos direitos naturaes subjectivos. ·
A essas novas di.recções do pensamento
se prendem os diversos systemas de direito na-
tural do seculo XVIII em deante (9).
Entre taes systemas ha innumeros pon-
-tos de contacto, mas não é _possivel reduzil-os
a certos pr·incipios communs, a exemplo do
que fizemos com o direito natural classico. A
nova philosophia do direito não escapa â ca-
·racteristica geral do pensamen,to moderno -
a falta de continuidade. Grotius, por exem-
plo, se pelo abuso das abstracções e do metho-
do deductivo, faz jús ao titulo de fundador do
dir,eito natural moderno, :por outro lado repete
(9) Não se trata de direcçõe11 op-postaa. · KAN'I' e
ROUSSEAU, p. ex., são eminentemente racionalistas e indivi-
-dualistas.
22 O P0SIT~VISM0 JURIDICO
ensinamentos tradicionaes e, ao contrario dos
individualistas, accentua o caracter social do
direito (10).
Ha, porem, em grande numero dos auto-
res que se filiam á "escola do direito da natu-
reza e das gentes", ou ao N at'i.l,r recht dos alle-
mães, certos traços que, embora não sejam
constantes em todos elles, nem permittam che-
gar a uma synthese completa e harmoniosa,,
caracterizam de certa maneira os novos syste.:._
mas, especialmente em _opposiç.ão ao direito
natural classico.
Não mais se nota aquella distincção que
fôra feita entre os primeiros principios da lei
natural e os preceitos secundarias delles de-
correntes. Transfor:ma-se o direito natural
em um systema immutavel deduzido more gen-
metrico d~ l.l)Il conceito abstrado da natureza
(10) Para um estudo completo dos modm:nos sysle-
mas de direito natural, B<!ria. p1·eciso anªlysar detídaménte
a ob1·a. de GROTlUS, HOBBl!lS, SPINOZA, PU.FFENDORF, LOCI<E,
LEmmz, 'THOMASIUS, WoLF, ROUSSEAU e KA~T, hem como-
& de autores de menor projecção. Tal objectivo excede de
muito a finaJidade da presente dis.s ertação, que :não se des-
trna a sei• urna historia da philosophfo, do díreito. Quera-
mmi ape11as mostrar, na medida do necessaI'io para com-
prehender a reacção positivista, e-orno os systemas moder-
nafl d~ dí.reito- nãtural se oppõem á concepção, tradicionaL.
E O DIREITO NATURAL 23
humana e -valido para todos os povos e todos
os tempos, e que be_m. merece a famosa critica
de .Augusto Comte á "politica metaphysfoa",
accusada de ":fazer predominar a imaginação
sobre a observação" e ~stal:>elecer ''o typo eter-
no da mais perfeita ordem social, sem ter em
vista nenhum estado determinado de ci:vili.z,a-
ção" (11).
Surge, assim, o direito naturaJ como um
conjuncto de normas que deve servil· de mo-
delo ás legislações :positivas. Dahl a defini-
ção de Oudot: "o direito natural ,é a collecção
das 1·egras que é desejavel vêr tran~:formada
immediatamente em lei _positiva" (12). E' a
confusão do direito 1ia.turo,l com o direito ideal.
Além disso, como já dissemos, exageram-
se os direitos subjectivos natura.es, a:ffuman-
do-se o principio da autonomia da vontade que
(11) A. COMTE, Plan des tra-va.ux sC'ientifiques néces-
saires, póu1· réM•ganis,w ia, société, p. 84, em appendice ao
tomo IV do Systhne de politique positive, Cal'ilian-Goeury
et Vor. Dalmont, Paris, 1854.
(12) OUDOT, Pre·m iers eSBais de philosophw du drqit,
p. 67, apud BBUDANT, Le ciroit indwiduel et l'État, A. Rous-
.;;eau, Pal"is, 1891, p. 37.
.24 O POSITIVISMO JURIDICO E O DIREITO NATURAL 25
exerceu influencia preponde1·ante em todo o
dn·eito modernc:> (13). III - A negação do direito naturral
Esses caracteristicos, que se encontram
e_m muitos auto1·es racionalistas e individualis- Nas suas criticas do direito natural os
tas, podem ser assim indicados num quadro positivistas não tiveram o cuidado de di:tin-
~omparativo em que se accentua a sua oppo• guir precisamente entre as doutrinas moder-
sição ao direito natural classico: nas. e a concepção classica. E' o direito ideal
e al:Jgitraeto isto é, a corrup~ão Ao authentic~
direito natura_,!, que constitue de~sas cTiticas
DIREITO NATURAL o alvo predilecto.
Systema,s 1·aownalwtas e in- Conhecessem bem os positivistas a con-
Conceito classioo: dividualísta,s ; cepção tradicional dQ fundamento da 01•dem
1. Primeiros princip.ios 1. Systema completo,
juridica e não lhes aconteceria negar com pa-
rda mo•;ralldade, cujas appli- universalmente valido e im- lavras lrma idéa que se encontra1 por vezes
cações suppõem um conhe- mutavel, deduzido de uma
implicita no seu pensamento. Contradizem-s~
,cimento obj etivo e e.xperl- noção abstracta d~ natu-
menta1 da nature;iia huma- reza humana. a si mesmos os adversarios do díreito natural
na, Caracter permanente e .
pois apresentam conceitos equivalentes ao ob-
'
--variavel do, direito natural,
co:nf01:me se trate dos prin-
jecto de suas negações, como faremos vê1· no
-eipi o.s primeit-os ou de suas capitulo seguinte.
a1Jplieações.
2. Fundamento do di- 2. Ideal do direito po- Uma das questões frequ~ntemente susci-
r eito po,sitivo. sitivo. tadas pelos positivistas é a que diz respeito á
8. Primado da lei na- 3. Predominio dos di-
tural, f undamento objecti- reitos nat1Haes subjecti-
universalidade e immutabilidade da lei da na-
vo do dfreito. vos. tureza.
Deante das variações da moral e do direi-
(18) A liberdade é, para RQUSSEAU e KANT, o direi- to, no es-paço e no tempo, apregoam os positi~
to fundamental, em funcção do qual se constitue toda a or-
dem j UTidiea. HOBBES e SPINOZA, por .sua vez, haviam iden- vistas o mais completo relativismo,. dando 0
tifjcado o direito natural com o poder physico. valor de uma critica decisiva á boutade de Pas-
26 O POSITIVISMO JURIDICO
cal: Plaisar,,te jus(ice qu'ime rwiere borne!
Vérité 0JU,. deçà des Pyrén_ées_, ei·r-eu.r au delà ...
Ou ha um direito invariavel, "ou não ha
direito nafa1ral. Assim raciocinam os positi-
vistas. E da innega-vel diversidade dos syste-
mas jm·idicos, attestada por uma série immen•
sa de factos colhidos nas paginas da historia
e nas informações da ethnologia, çoncluem
triumphantes que a velha idéa do direito natu-
ral não resiste a uma severa critica scientifica.
Mas a argumenta.ção é falha. Não basta
confrontar com as ob$ervações dos i~ctos so-
ciaes sómente os _syst~mas de direito natural
g_ue teem a pretenção de e_stabelecer um typo
perfeito e immutavel de toda a ordem juridica
positiva. Segundo a genuina concepção de di-
reito natural, os predicados de 1.mivernalidade
e immutabilid~de valem para os primeiros-
principios,, mas á medida em que se vae des-
cendo ao particular e contingente, nas a_ppli-
cações da lei da natureza, mais variavel e re-
lativa se torna esta.
A proposição disjunctiva - ou ha um di--
reíto invariavel, ou não ha direito natural -
é-, pois, incompleta se se trata de todos os :pre-
ceitos da lei natuyal; só é legitima com 1·elação,
aos primeiros principias.
E O DIREITO NATURAL 27
Sobre este assurnpto, _cumpre ainda dis~
tipguir a lei nat_µral em si mesma, e no conhe-
cúnento que della temos.
Quanto aos prinJeiros principias, a lei na-
tural é universal e permanente em si mesma,
e é de todos igualmente conhecida sem _possi-
bilidade de erro. Taes principias são conna-
turaes á razão humana. Impõem-se pelfl. pro-
pria evidencia. A ninguem é preciso, nem se-
ria possivel, demonstrar que deve fazer o bem
e evitar o mal. E ahi está uma verdade mais
certa que qualquer outra verdade de ordem
pratica, pi-esupposto necessario de toda e qual-
quer acção. E' assim tambem que todo homem
§abe que deve respeitar os direitos alheios e
dar a cada nm o que é set!,
Quanto aos preceitos secundarios, a Jei
natural nem sempre é invariavel, mas só na
maioria dos casos, e ai.nela quando o é, pode
n~ s~r igualmente conhecida.
Oomprehende-se que a lei natural varie
nas suas applicaçõ~s, dada a extrema contingen-
cia de i;ua materia. Nisso está uma differen-
ça de capital importaneia entre a lei moral e
a foi physica, a.s sciencias pratícas e as scien-
ci as puramente especulativas. Se nestas ulti-
28 O POSI'l'IVISMO JURIDICO
mas, tanto os primeiros principios como as
conclusões são invariaveis, o mesmo não se dá
nas sciencias que teem por obj ecto a ordena-
ção do agir humano. E' sempre verdade que
a somma dos angulos de um triangulo é igual
a dois angulos rectos, e que os corpos se at-
traem na razão directa das massas e na razão
inversa do quadrado das distancias. Mas nem
sempre se deve pôr em pratica um preceito
-particular da lei natural, pois ha circumstan-
cias que o alteram ou tornam dispensavel. Se-
ja o conhecido exemplo da obrigação de resti-
tuir uma cousa dada em deposito. Trata~se
de um preceito secundaria da lei natural, ap-
plicaçâo do principio geral de justiça - dar a
cada um o que lhe pertence. Supponhamos
que eu tenha recebido uma arma em deposito.
Se o depositante ou propr ietario pedir a de-
volução dessa arma para commetter um cri-
me, é claro que eu não devo entregal-a.
Finalmente, o conhecimento dessas appli-
caçj5es d1:1, lei natural não é o mesmo em todos
~s homens e pode ser prejudicado por causas
accidentaes como a :força das paixões, os maus
' -
costumes ou o diverso desenvolvimento da ra-
zão e da civilização. E ' o que explica o facto
E O DIREITO NATURAL 29
de alguns povos terem chegado a considerar
lícitos o furto 011- a anthropophagia.
Aliás, os recentes dados de uma ethnolo-
gia rigorosamente objectiva revelam, nos povos
primitivos, um conhecimento da lei natural
mais perfeito do que nelles suppunham os evo-
lucionistas do seculo passado.
....z Na ve1·dade, são os povos degradados pe-
-<ocn:: los maus habitos e as paixões, os que corrom-
pem o direito n~tural, sem p~Tderem, comtu-
do, as noções ma.is elementares dessa lei que
o
"para todas as nações e em g_u.alquer época, é
~
:, una, eterna, im.mutavel".
C)
::, Esses desvios do direito natural, em suas
<.
(/)
applicações pelo direito positivo, mostram que
5 ha leis justas e injustas, mas não provam que
o nc'io ha direi_t9 n~tural.
.J
u Que é uma lei injusta 1 E' uma lei (lOll-
traria á razão e que, por isso mesmo, não é
verdadeira lei. Dá-se, algumas vezes, a forma
-extrinseca d9 direito IJOsitivo ao que, por não
ser justo, não é um direito. Eis porque Vico
ãpodava as leis mjustas de monstra legivni.
E Olgiatti, em livro recente, pondera que, não
obstante falar em direito seja o mesmo que
falar em justiç.a, ha um dirfbito positivo justo

30 o p os I T l VI s-Mo J u RI D I eo
e um injusto, assim como o conceito de arte se
reduz a,_o bello mas, empiricamente, ha obras
de arte bonitas e feias (14).
Por outras palavras, o direito natutal é a
eÀ'])ressão mesma da justiça, ao passo que o di-
reito positivo pode, de facto, ser injusto, por
violai' o direito natural.
Ao direito positivo injusto e ás leis injus-
tas, damos o nome de direito e de lei por ana-
logia. Carecem do senso da analogia todos
(14) F. OLGIATTI - La, ridwzioM del concetto fílo sofi.co
di diritto al concetto di Diilstizia, Giuffre, MHano, p. 119.
Á pagina 105 do mesmo ensaio, escreve o a utor; "No di-
l'.eit o natural , o que é justo resulta da natureza. da l'eali-
dade; e nisso não eJ1.tra a vontade humana. Cabe-nos apB--
nas reco~hecer, com a iutel1igenci~, a existencia dumll- re-
lação de justiça, e- respeital-a l)raticamente co,m a vontade;
m;i.s a volumtas nada tem @e faze-r com a natura rei 1 quan-
do esta existe. É verdade que a v olunta.a é :frequentemente
g€1ra dora dessa relação; mas uma. vez posta tal r elação, é a
na,tibra, rei, e não a, vofantas, q11e a; faz ser o gue ella é. Ao
cont rario, no dfreito positivo, o que é justo é determinado
tambem e algumas vezes sómente pela vontade. .. Por ta1
motivo, no direito natural a qiw é coincj.de con1 o qy,e c?-swe
ser e não ha possibilidade de uma opp_osição entre a ordem
ontolc,gica e a ordem deontologic11; no direito positivo -
pela intervenção sempre necessaria da voluntaB - podemos
ter o que é bem diverso do que dove se1·, isto é, p odemos ter
um direito positivo oppooto á justiça '. Quanto á cit ada -ex-
pressão de V.ICO, e!. De uno wniversi juris principia et f irie
wno, e, LXXXIII, apud G. DEL VECCHIO, Sobre os p·r incipús
geraes d-0 direit-0, traducção autorizada, Rio de Janeiro, 1987,
p. 21.
E O D I REITO NATURA L 31
aquelles que, privados da plasticidade de es-
pirito necessaria pãra bem distinguir as cou-
sas, querem encontrar no direito natural ele-
mentos caracter isticos do direito positivo.
E' o caso dos que negam o direito natural
porque nã-0 ha direito se~ coacção.
Qual é o seu raciocinio 1 Consideram elles
que a coacção é elemento essencial do direito
positivo, e COlllO o çlireito natural seja despro-
vido de coacção, negam o direito nat ural. Ora,
isto equivale a dizer que o direito natural não
ex:iste ... porque não é um direito positivo!
Mesmo qt1e se admitia - o que é bastante
discutivel - ser a coac_ção impre-scindivel ao
direito positivo, dahi não se pode inferir a ne-
gação do direito natural. Resta saber ainda
se ao legislador positivo é licito sanccionar
quaesquer .:preceitos) ~ºu se elle precisa confor:.
mar-se ás exigencias da justiça expressa pelo
direito natural. Resta saber se, alem do di-
reito coactivo, existe ou não outro direito.
A exis~en cia de elementos proyrios do di-
reito positivo não im])ede que se reeonhega o
direito natural. Nem se deve evidentemente
procurar no direito natural o que é peculiar á
ordem juridiea positiva.
32 O P O S I T I VI S M O J U R I D I C O

Não é no mesmo sentido que se diz dfrei-

to do direito natural e do clireito positivo. J'lts-
pluribus modis dicitur) já ensinava o bom sen-
so dos romanos ( 15). Q direito não é um ter- CAPITULO SEGUNDO
mo u;piyoco, - como querem os positivistas, _
nem equivoco, mas analogo. O cliTeito natu-
ral é justo em si mesmo. O direito positivo é O POSITIVISMO JURIDICO E O
justo pelas determinações do _poder social com- FUNDAMENTO DO DIREITO
petente. E, na medida em g_ue se afasta do
.,_ Não é tão simples quanto póde parecer á
direito natural, torna-se o direito positivo um
primeira vista conceituar o positivismo ju-
direito injusto.
ridico.
Postos estes esclarecimentos, indispensa-
Desde µchelau e .A:ristippo, na antigui-
v-eis para julgar o positivismo jurídico, entre-
dade, até Gurvitch e .Alexeieff, em nossos dias,
mos no ex:ame das prindpaes doutrinas posi-
tem elle revestido as mais diversas formas.
tivistas com relação ao fundamento do direito.
Encontramol-o no utilitarismo iu.glez, no
• 'V tema philosophlco de A. Comte} na escola
penal italiana de Ferri e Lombroso, nas ap-
nlicaçõ s ao direito da sociolQgia de Durk-
( l,5) D .1.1.11. Segue-se, no mesmo · trecho do Di- he:ím e Levy-Bruhl. Além dos que seguem o
gesto, a distincção feít.i por PAULO entre jus na,tUR"ale e fos pm o sociologismo durkheimiano, innumeros
ci'V'ile, isto é, direi.to natuxal e direíto positivo. Já d:is emos
que a palavra dizeitg tem val'ias ;significações. A maior.ia
ão os partidarios de um positivismo sociolo-
cios autores hodiernos limita-se a assignaJar estas duas: gico, confinando, conforme o caso, pelos limi-
direito objecti-vo (lei) e direito subjectivo (.ppder moral de
t s das sciencias naturaes, da psychologia ou
agir confo:rme a lei, exigindo o que nos é estrictamente devi-
do}. Quando se fala em direito natural e positivo, é prr.- dn. J1istoria: aqlú se enquadram o evolucionis-
ciso attender ao sentido que se tem em vista. Assim como 111 d,~ S pencei1 a orientação psychologica pre-
ha uma lei natural e uma lei positiva, ha tambem direitos
subjectivos uaturaes e direitQs subjectivos po1>itivos. dominante nos estudos de philosophla juridica
34 O POSITIVISMO JURIDICO
dos positivistas italianos e a escola historica
do direito.
No positivismo costuma-se incluir o nome
de Rudolph Von Ihering, a cujo systema,
consb.•uido em torno da noção de finalidade do
direito, podemos denominar positivismo teleo-
logico.
Como Ihering, contribuíram para a di:f-
fusão da mentalidade positivista na Allemanha
certos tratadistas de direito publico que :fa-
ziam do Estado a fonte unica do direito, p. ex.
Laband e J ellineck.
Positivistas são Georges Gurvitch e Geor-
ge~ Ripert, mas cada qual a seu modo.
Gu.rvitch propõe, para substituir o direi-
to natural, o "direito positivo intuitivo 11, que
coexi5te com o direit,o positivo formal, funda-
mentados ambos na autoridade dos ,ifactos
normativos". Seu systema é uma curio,sa com-
binação de doutrinas metaphysica.:s e sociologi-
cas, que elle proprio classifica de "ideal-1·ea-
lismo".
Ripert, contestando igualmente a existen-
cia do direito natural, julga, entretanto, que
deve a ordem jurídica t~r um.a base moral,
inspirando-se os legisladores e os juizes, ao
E O DIREITO NATURAL 35
elaborar e applicar o direito, nas concepções
m.oraes do Christianismo, em que se estructu-
ra a nossa civilização: é um moralismo positi-
-vo ou positivismo juridico-moral (16).
.A.ccentuado é o positivismo das c01·rentes
.que procuram crear uma sciencia jurídica in-
dependente da philosophia geral: a A.llgemei-
ne Rechtslehre de M.erkel e Bergbohm, a A.na-
lytical Schooi of Jurisprudence de .A.ustin ou
o droit pur de Edmond Picard.
Proxima dessas orientações está a tenden-
cia dos que reduzem o direito á lei escrip.ta.,
fazendo desta a fonte Uilica do direito e tam-
bem o seu :fundamento: jus quia jUSS1Ai'Yft est.
Trata-se de uma forma ingenua do positivismo
ju.ridico, a se reflectir no formalismo dos que
(16) Dizemos positivismo juridico-moraJ, porque, eli~
• minada a lei natural, restam a:venas o direito posfüvo e a
moral positiva (leis positivas humanas e divinas). Rejei•
tando o conceito racional de dii'eito natural e substituindo-o
pela moral christã (lei divina positiva), RIPERT incorre nUln
fideisrno absolutamente inacceitavel, esquecendo-se de que a
moral christã suppõe o direito natural como a graça sup•
_põe e não destróe a natureza. No seu conhecido livro La
regle mort:tle dans les obligations oimles, adopta RIPERT um
criterio estrfotamente sociologico, preconizando a moral dO'-
minante no meio social.
36 O POSITIVISMO JURJDICO
acceitam a idéa da 11 plenitude logicamente ne-
cessaria do direito positivo" (17).
O conformismo que vae nessa attitude de
acceitação _passiva e benevola do direito vigen-
te, facilmente pode levar ao scepticismo juri-
dico, que considera o direito expressão pass.a-
geira duma certa ordem de cousas represen-
tando ou a vontade dos mais fortes, ou .os pre-
conceitos e convenções de uma classe so~ial.
Tal é o positivismo elos ma1·xistas, que dão ao
direito, como a tudo o mais, na sociedade, um
fundamento economico, cabinda, assim, no mais
radical materialismo.
(17) Temos falado, em fonteB e fundarn.entos do dlreit-0.
O fundwme-nto do dircito JJÕde considerar-se sua fonte racio-
nal (raUo juris). Mas no sentiôo estricto, f<mte de direito
é o orglio 1·evelador da, norma jul'idica, com autoiidade para
i)npôl-a num determinado melo social. Segundo a "escola.
de ex~e", que tanta fortuna teve na França, só a lei es-
cript!!._ é fonte de direito. Isto não ex!!lúe necessariamente o
direito natural como íundani.ento do qireito pO'Sitivo, isto é,
da'& lei;, escriptas. No emtanto, parece fó1'a de duvida que a
"esco1a de exegese" muito contribuiu para desenvolver I en•
tre os juristas, o habito de applicar e respeitar os textos
legislativo.s como 1:1e alri estivesse todo o direito. E' o posi-
tivismo legalist~1 supp-ondo na lei u_m ~ perfeição excessiva
e acreditando nella. encontrar solução- para todos os casos da
vida juTidica, o que implica o desconhecimento da pluralidade
real das fontes de direito e uma restricção exagerada do
pode;r do juiz.
E O DIREITO NATURAL 37
N ate-se, finalmente, que até mesmo entre
certos mestres do direito natural nJ.oderno se
póde encontrar uma forma de positivismo ju-
rídico. E' o caso de Hobbes e Rousseau.
Singular, a doutrina de Hobbes: o direi-
to positivo é creação do l)Odei· absoluto do Es-
tado e surge em opposição ao jus naturale, que
co1Tesponde ao instincto libertario dos homens.
Pe1o jits naturq,le teri~m os homens direito so-
bre tudo e sobre todos ; seria:tn, desse modo, le-
vados ao bellzpn omni'urn contra omnes. Donde
a organização social e juridica, visando garan-
tir a ordem e a paz. Hobbes é um dos mais
extremados e logicos pqsitivista$. Como fru-
cto de suas deducções, p_eixou-nos uma theo.ria
cmu,pleta do Estado totalitario (18).
Quanto ao paradoxal escriptor genehrino,
colloca o fundamento do direito positivo no
contracto social, que dá ao Estado um poder
absoluto sobre todos os individuos, sendo o di-
(18) É a these sustentada por J. VIALATOUX em seu.
livro L .C!- Cité de Hol)bes. Com VIALATOUX, vemos em HoB--
BES um system11,tizador do Estado t.o talitario,. sem pr~ten!,Ier-
mos attribuir-lhe nenhuma paternidade sobre as dout1-inas
politicas ora em, curso na Allemanha e na. Ita1ia e que são
ge1·almente d.e inspiração idealista.
40 O POSITIVISMO JURIDICO
ticos desta forma de positivismo j1uidico e
dignos de menção pela grande influencia que
exerceram.
I - Spencer e Pedro Lessa
A pplicando os )?rincipios geraes do evolu-
cionismo transformista, que considera o homem
o producto mais aperfeiçoado da escala zoolo-
gica, ensina Spencer que a moral humana é
um de-senvolvimento da moral praticada pelos
animaes inferiores. Assim, a justiça entre os
homens tem a mesma natureza que a justiça
infra-humana, formando, uma e outra, partes
de um todo continuo.
Ora bem, do que decorre a justiça na "mo-
ral animal"~
Para respondermos a essa questão, limi-
tando-nos estrictamente ao pensamento de
Spencer1 devemos antes lembrar o conceito de
philoso·phla moral no systema do grande men-
tor do evolucionismo, conceito esse que accusa
~ in:fluencia utilitarista, tão pronunciada na
philosophia ingleza.
Segundo Speneer, a ethica deve cuidar da
conducta em geral, considerada objectivamen-
E O DIREITO NATURAL 41
te, emquanto produz bons ou maus resultados.
A coI1ducta é o complexo dos actos ajustados
a um fim, ou melhor, o ajustamento dos actos
aof:t fins. 4 mais perfeita eonducta é a que
assegura uma viela mais longa, ampla e com-
pleta. ~fodem-se os bons e maus resultados,
pela utilidade que os actos acarretam para a
conservação da especie e do individuo.
Ha, na ethica animal, dois principios car-
deaes e oppostos : 1.0 ) - na 1'infancia" dos
animaes, sao-lhes conferidas vantagens na Ta-
zão mversa de snas aptidões inclividuaes; 2. 0 )
- na "idade adulta", ao contrario, as vanta-
gens se distribuem na razão directa do me:rito,
sendo este determinado pela adaptação do ]ll-
dividuo ás condições de existencia. A persis-
tencia desses dois princípios essenciaes e op~
postos assegm·a a conservação da especie, seu-
do o primeiro a lei que rege a família, com-
posta de a.dultos e pequenos, e o segundo a lei
que rege a especie em.quanto se compõe de
adultos. Este seguildo _príncipio implica aso-
breviveno1:a dos niais a.ptos e é dahi que Spen-
cer faz derivar a noção de j~stiça.
A lei de sobrevivencia dos mais aptos é
sjmplesmente a expressão de um facto. Pa-
deeetn alguns as consequencias de sua adapta-
42 O POSITIVISMO JURIDICO
ção defeituosa, emquanto outros, mais_ feliz~~,
fruem. os benefioios de uma adaptaçao mais
perfeita. A natureza de cada um impõe-~e
sua linha ele conducta, a cujas consequeucias
incoerciveis cumpre submetter-se.
Lei geral de toda a biologia, a sobreviven-
cia dos mais capazes tambem se manifesta nas
:relações Teciprocas entre as partes. de um o~-
ganismo e na adaptação da espec1e a~ ~~10
em que se encontra. Della. resulta a JUSL1ça
que se encontra nos animaes brutos, a qu~l
consiste em cada individuo receber os benefi-
cias e a1·car com os efíeitos nocivos da sua na-
tureza e da conducta correspondente.
Tal é a lei da justiça infra-humana. E e
. t· ça humana é um desenvolvimento
a Jus . ulte-
. ~a_to, pela pei·da dos individuos superiores que seriam sa-
rior dessa justiça propria aos seres vivos mais
simples que o homem, tal se:á tambem ~· sua
lei. Com effeito, a conservaçao da espec1e ~u-
ma.na é igualmente assegurada pela lei em vrr-
tude da qual os individuos adultos melhor
adaptados ás condições de sua vida são os que
mais prosperam.
N O que é util á conservação da especie,
reside, pois, o criterio do bem para Spencer.
E s.e11 systema de moral depende deste_ postu-
lado, aliás expresso nas primeiras pagmas da
E O DIREITO NATURAL 4.3
"Justiça"~ a conserva~ão da especie é o sum-
mo lJem (20).
(20) SPENCER fala em "p-ostulado hypothetico". Dessa
byPothese - "a presel'vação e a :pros]Jeridade da especie
.são desejaveis" - tira. uma conclusão geral e deõ.-ta, por
sua vez, tira tres corollarios de extensão mais limitada : "A
conclusão absolutamente. geral é que, na. hieraxchia das obl"i-
gações, a prese1·vação da especie deve prevalecer sobre a do
:individuo.. • Em caso de conflicto, a preservação do ind.1-
v:iduo deve, pois, em medida que vai·ia. com as c.iroumstan-
cias, subordinar-se á da especie" (H. SPENGlilR, Justice, § 4).
No primeiro dos coroilarios que se seguem de:::sa conc.h1são
ge1•al, volta SPENCER a enunciar a lei da sobrevivencia dos
mais aptos: "Os adultos devem confoo:mar-se á lei segun.
do a qual as vantagens obtidas estão em razão directa. dos
meritos possuidos, sendo estes apreciados p-elo grau do po.-
der d~ auto-sustentação. Do contra1·io, a especie soffreria
de düas maneiras, a saber: soffreria, num :futuro imn;:ie,.
crificados aos inferiores. com pl'ejuizo da som.ma total de
bem estar; soffreria, num futuro mais remoto, pela propa-
gação de seres inferiores entravando a dos superiores e
levando a uma deterioração ge1·al da._especie1 que acabaria
por acarretar a sua extincção " (SPENCER, Justice,•§ 4). "Se
.i;, preservação de uma especie particular constitue u:m desi-
deratwtn, - te1'lli:ina SPENCER, - resultará para ella uma
obrigação a que chamaremos, segundo as cí:i:cunistancia'>,
uma obt-igação quasi ethica ou ethica de se conionna1· a es-
sas lels" (SPENCER, Ioc. cit.). Os demais trechos que cita-
mos de SPENCER acham-se na mesma obra, §§ 27 (for.mula
da justiça), 3-6 e 38 (corollarios dessa fo1·mula). N~ edi•
ção das obras completas de SPENCER, cf. §§ 272, 281 e 283
respectivamente (in H. SPENCER, The principles of 'Ethics,
II, Pa,rt IV: JU8tice). Quanto á definição de condueta: The
p1'inciples of Ethics, I, .Part I, Thc data of Ethics, § 2.
 O POSITIVISMO JURIDICO
44
Deixando de lado as disquisições de Spen-
cer sobre o sentimento e a idéa de justiça, que
são antes capítulos de psycbologia que de mo-
ral, vamos logo á sua famosa formula de jus-
tiça a pplicada ao homem.
Eis o snunciado da Íormula em questão:
"To(lo homem é livre de agÍl' eomo queira, des-
de que não infrinja a igual liberdade de qual-
quer outro homem".
Precede-a Spencer de urna explicação, on-
de declara que tal formula deve ser positiva
"em.quanto affirma a liberdade de cacla ho-
mem, que deve gosar e soffrer (l,B resultados,
bons ou maus, de suas acções" e negativa "em-
quanto, affirmando essa liberdade para todo
h.omem, implica que elle .só :possa agir livre-
mente sob a restricção imposta pela presença
dos outros homens que teem direito á mesma
liberdade". O elemento positivo exprime a
condição prévia da vida ern geral. O elemen-
to n€gativo modifica essa condição J)Tévia em
vista das particularidades da vida em socie-
dade.
Corollarios da formula de justiça são os
diversQS direitos subjectivos ou liberdades in-
dividuaes, como os direitos á integridade phy-
sica, á lib r.dade_de locom,oção, á propl'iedade,
E O PIREITO NATURAL 45
de doar e legar, de contractar livremente, etc.
Admittindo-se gue o homem deve gosar uma
certa somrna de liberdade, affirma-se que elle
tem o direito de gosal-a. Provado que, num
caso ou noutro, todo homem é livre de agir até
1Jill certo limite, mas não além, está implicita-
mente estabelecido s~r justo possuir a liber-
dade assim definida. Donde o concluir Spen-
cer: "é racional a1)plicar ás diversas libe1·da-
des particulares, demons.tradas por deducção o
nome d~ direitos~ que lhe$ dá a linguagem ;r-
dinaria''.
E antes ele iniciar o estudo particulariza-
do de cada um cl.aquelles corollarios da :formu-
la de justiça1 decla1~a ainda o mestre do positi-
vismo evolucionista : "Longe de derivarem d.a.
lei escripta, são os direitos propriamente ditos
que a esta conferem a sua autoridade".
Isso quer dizer que ha direitos subjecti-
vos naturaes) decorrentes da formula da jus-
tiça, formula esta que corresponde ao direito
natural objectivo ou lei natural. ·
Determinar concretamente os direito~_sub-
jectivos e organizar, para a plena realização
da formula de justiça, as condições da vida
gregaria - tal é o objecto do direito positivo.

46 o POSITIVISMO JURIDICO
Em:fim, o direito ! esu1ta de um princip.iJ>
que é eJÇpressã~ da natm_!lza socia! do ~011;1-e:11
e que, por sua vez, se prende a um p1~mc1pw
mais geral, que domina a conducta umversal,
o da eonservaçã,o da especie.
Funda-se, portanto, o direito numa lei
natural e ha um 1Jrincipio superior ás leis po-
sitivas pelo qual podemos avaliar o justo e o
injusto.
De Spencer a:ffiJmou IcílJo Vanni q'ue,
com a sua doutrina sobre a justiça, p.ão fez s~-:
não reproduzir de forma biologica a idéa do
direito natural (21).
E' o que e:ffectivamente nos revela a lei-
tura attenta de sua obra.
E a mesma affírmação do direito natu-
ral com caracter biologico, ou melhori bio-so-
ciologico, encontramos em quem foi, no B.r~-
sil o maior repr esentante do positivismo juri-
' - - - - -
dico evolucionista, Pedro Lessa.
Nos seus Estudos de Philoso1!_h1'.a do Di-
reito, ao criticar o methodo da escola histor ica,
escreve o festejado _professor q"tJ,e tifo l arga in-
(Zl) ImLIO VANNI, Le.zioni di Filosofia, d,el Diritio, 2."
ed., ZANICHELLI, Bologna, 1906, pgs. 277, 321 e 887.
,,
E O DIREITO NATURAL 47
fluencia exerceu sobre gerações outróra pas•
sadas _pelª-. Fac_uldade de Direito de São Pau-
lo:. . . "na escol~ historica não ha Iogar para
os _princ:mios fundamentaes, universaes e _per-
manentes, do direit(). Nem tão _pouco se com-
prehende o direito ideal.
"Entretanto, se todas as nações e todos os
f- povos têm sido impellidos pela natureza das
~ coisas á formação de um conjuncto de normas
O:: jurídicas, se a necessidade do direito se impõe
m
0 a todas as agremiações humanas, a conclvsã.o
t- a que devia chega:r a escola historica é a offe~
(/)
::J recida por Spencer, quando demonstra que o
g .direito é um principio organico da socie_daçl.e.
<i:: (Justice, capítulos 2, 3, 4, 5 e 6).
C/J
5 "A leg:i:§laç.ão de cada povo. nada mais é
o
...J do que uma série de pi-eceitos, apoiados em
certas verdades fundamentaesr em certos prín-
cipios de ordem social. Desconhecer esse re-
síduo dê todas as legislações escriptas e con-
snetudinarias, equivale a suppôr que a fauna
e a flora de todos os paizes, dadas as sensiveis
differenças de clima e de solo, nã.o estejam su-
jeitas á.s mesmas leis biologicas f undamentaes.
Que sã.o a~ divergencias das institnições juri-
dicaB, ao lado das alt-e:rações que uma mesma
 O POSITIVISMO JURIDICO
4,8
especie -vegetal ostenta em consequ~cia d-0 iI!-
flllo de elementos cosrnicos diversos 1 As au-
ranciaceas que no Jardim das Tulherias se
e:xhibem ás nossas vistas sob a forma de en-
fezados arbustos, que só vivem graças aos me-
ticulosos e inexcediveis cuidados de que as cer-
cam desde os tempos de Francisco I, e as que
se estiolam no J arfüm das Hesperides, em Can-
nes, produzindo :fruo.tos mofinos e ac1·es, são
aa mesmas plantas que, arvores frondosas e
luxuriantes, tanto nos encantam a vista, o pa-
ladar e o ol:facto na zona intertropical.
"O pbiloso:pho que inductivamente sóbe de
gene1·alização em gene1·alização, é obrigaclo a
reconhecer que toda a legislaçã.o, em qualquel'
pafa e em qualquer pe1-iodo hisiorico, repou-
sa em p1·incipios fundamentaes, necessarios,
sempre os mesmos.
"Neguem, se quizerem, a esses princípios
o qualificativo - juridicos; digam que ha uma
lei nati1,ral, e não um direito 1wtiwal, como que-
rem alguns ; a:ffirmem, como 1'.)retendem ou-
tros, que são princípios sociologicos, que de-
vem ser estudados na sociologia jur·idica, ou
na historia natural do dite1ito, "lo cierto es qiie
la cosa qurftda sfondo lG- 11iisnia" ( Dorado Mon.-
E O DIREITO NATURAL 49
tero_, El J!._OsUiv.~mo en la Oiencia J uridica y
Social Ita,liana,, p. 175)" (22).
Mais adeante, escreve Pedro Lessa: HQual-
quer que seja a necessidade ou a força, que. ar-
rasta ou prende o homem á vida social ( e acel'-
ca deste ponto são tantas as theorias dos socio-
logos!) o que é indubitavel, e a observação de-
todos os tempos o attesta, é que não ~ste.; netn
se com32rehende, o homem fóra da sociedade.
Eis ahi uma ve~dade. geJ-·al do dm:ninio da so-
c,ioJQ_gia; uma lei a que está subordinado o ho-
mem :por sua natureza, Iei obtida pela :induQ~
_ção" (2-Z).
Como Aristoteles, ensinando ter o homem
uma natnreza social, e Grotius, fazendo do a,p-
petitiis so cietatis o principio d.o qual decorre
o direito, tainbem Pedro Lessa reconhece que
a socjabilidade é ''uma lei a que está subordi,.
nado o homem ll_Or sua natureza" e ahi encon~
(22) PEDno LEssA, Estudos de Philosophici, do Ditrdto,
2.~ edição, Livraria Francisco Alves, 1916, pa.gs. 34, 35, 36,
Aliás, declara admittir a existencia do direi-
PPO:R.O LES.SA
to natural (cf. op. cit., pa,gs.
13 e 14, em prefacio .á t: edi-
ção, e pags. 46, 47 e 404), escap·ando, assim, á contradicção
em que muitos positivistas eahu-am por se obstinarem em
não reconhecer expressamente uma idéa que se encontra im-
plicita no seu pensamento.
(23) P. LEssA, op. cit., p. 40.
 O POSITIVISMO .TURIDICO
fíO
t..ra os principios fundamentaes da vida jm--i-
dica: "uma verdade superior a qualquer vellei-
dade de negação, e que por isso se transfol'mou
em estafado logar comum, é esta lei, resultac1o
da observação directa e indirecta, em todos os
pontos do espaço e do tempo : a sociedade é o
meio em que -fatalmente o homem vive e se
desenvolve. Eis uma verdade scientüica, ob-
tida pela i nduc~ão.
"Verd;i,de no mesmo genero, lei no sentido
scientifico do termo, ainda é esta : dada a vida
social, a limitação das actividades individuaes,
condição sem a qual não se comprehende aso-
ciedade1 é imposta pelo mstineto de conserva-
<;ão, pela intelligência e pelo sentimento.
"O HOMEM SóMENTE VIVE EM SO-
CIEDADE, NO AMBIENTE SOCIAL. E'
CONDIÇÃO ESSENCIAL D.A EXISTEN-
CIA D.A SOCIEDADE A LIMITAÇÃO DAS
ACTIVID.ADES INTIIVIDUAES.
"Ahl estão duas leis fundamentaes, ge-
raes, que formam a base da sciencia do direi-
to.. O direito é a limitação da actividade dos
homens na sociedade'' (24).
(24) P, LESSA, op. cit., p. 121.
E O DIREITO NATURAL 51
Parecem-nos os trechos, que abi ficam,
comprovar sufficientemente o que dissemos:
como Spencer, admitte Pedro Lessa um direi-
to natural de -fundamento bio-sociologico.
II - Icilio Vanni e Micelli
... Dissemos que ~q positivismo jurtcJ:ico ita-
<t liano predomina uma orientação peychologica.
fü E' o que já se percebe em Roberto Ardigó, ti-
o do por systematizador do positivismo naquel-
f- le paiz (25).
(J)
Na obra de Ardigó, que exerceu grande
influencia mesmo fóra da scieucia juridica, en-
contra-se para indicar a mei$ma idéa de S_pen.-
eer e Pedro Lessa~ uma expressão que foi por
este ultnno rep1·oduzida: "o direito é a força
especifica do organismo social, assim como a
a-ffinidade é a força especifica das substancias
physicas e a vida dos organismos individuaes
(26).
(25) Cf. H. GRUBE.fl., Le positivisrne depuis Comte i1r,;,-
qu'à. nos jours, tra.d. PH. MAZOYER, Lethielleux, Pa1·is,
1893, p. 42S; W. O. SFORZA, Unea,menti storici dalla filo30-
f-i.a del ditritto, Vallerini, Pi'.sa, JJ. 220; R. BA.T'l'INO, Les
doct?-ines j1tridiques oontem.porckines en lta./-i.e, Pédone, p 3 •
ris, 1939, pgs. 25 e 26.
(26) P. LESSA, OI,)<. cit., p. 34.
,1
52 O POSITIVISMO JURIDICO
]i{as é em autores que trataram mais es-
pecialmente da philosophla do direito, como
Icilio Va.nni e 1Vlicelli, q_ue melhor podemos
apreciar O positivismo jurídico italiano e a na-
tureza psycho-sociologica por elle attribuida á
lei frmdarnental da ordem jurídica.
O systema de Vanni é pelo proprio auto1:_
cienominado "positivismo critico". Sua obra
não _p1:_ima pela ori~n:alidade, revelando a ca-
da. passo a influencia de autores inglezes, co-
mo Spencer e Sumner Maine, ou allemães, co-
mo HerbaTt e Wundt. Offerece, porém, am-
plas perspectivas philosophicas, graças á im-
poxtancia attribuida á theoria do conhecimen-
to eomo presupposto da philosophia jurídica
~ á distincção feita entre a deontologí!:.__e a
phen omenologia do diréito. Neste ponto, so-
brepõe-se Icilio V anni á tendencia muito co_!!1-
mum no seu tempo, de assimilar o direito_e as
mrli·as sciencias sociaes ás scíencias naturaes.
.A..ffirma o caracter especifico das leis moraes
em face das leis da natureza, distingue o pon-
to de vista theo1·ico do ponto de vista -pratico,
mostrando que não basta cqnheçer a formação
do cfu·eito em_çgian"tQ r_ealidade historica e phe-
nomeno da vida social, mas cumpre tambem
E O DIREITO NATURAL 5.3
pe?quizar-lhe o :fund~ento intrinseco. Assim
procura chegar á 7?alutazione etica elo direito.
Por ahi já se vê que grande divergencia
separa Icilio Vanni d.e Spencer, apesar das
af:finidades e:x;istentei;; e:r;i.tre ambos. Para Ici-
lio V anni, a lei biologica da sobrevivencia dos
mais aptos não tem todo o valor que lhe dá
Spencer: Tambem V mmi deduz o funda1nen-
to do direito das "condições de existe.ncia hu-
mana no estado de ç1ssociaçãon ; entretanto,
esse fundamento tem1 a seu vêr, não uma na-
tureza biologica, mas _Qsychologica -e social.
E' o dirnito •lnm phenomeno psycho-col-
lectivo que tem raizes na consciencia social e
sob:retndo nas mani.Íestações desta que i·epre-
sentam o querer collectivo; é, pois, nas pro-
fundas visceras da psychologia social que se
de-ve procurar a explicação do direito" (27).
Elementos especiffoos e differenciaes ca-
racterizam a sociedade hum.ana, distinguindo-a
nitidamente das sociedag_es animaes. A evo-
l~ção social é determinada por um "motor
psychico" e ap1·esenta wna forma especial, a
":forma historica".
(27 • I. VANNI, op. cit., p. 3-4. Para as refel'encias pre-
cedentes e seguintes: pgs. 19, 26, 214, 236, 237, 265, 266,
311, 312 e 398.
54 O POSITIVISMO JURIDICO
Donde a seguinte definição de philoso-1
phia do direito: "A philosoJ~hia do direito é
a. sciencia que, ao mesmo tempo que integra a
scienc.ia juridica na unidade dos seus princi-
pias ma.is geraes, liga o direito á ordem univer-
sal, em relação á qual explica a sua formação
historica na sociedade humana e investiga, do
ponto de vista etbico, as suas exigeneias racio-
naes'\
Ora, affirmar que o direito depende da or-
dem universal; que elle se funda nas condições
de existencia do homem no e~tado associativo
e que, por sua vez, esse estado é natural ao ho-
mem; emfim, que ha uma natureza humana
especifica em frmcção da qnill devemos pro-
curar a valutazione etica, do fueito, - tudo
isso não é reconhecer a existencia de um fun-
damento objectivo e natural da Cl:tdem jurí-
dica~
Não admira, pois, que _Idlio V anni1 op-
pondo-se ao relativismo juridico, declare que
os elementos communs da evolução juridica se
explicam, antes de tudo, pela commum natu-
reza humana e a uniformidade das condições
sociaes.
E' verdade que, :e..~ssandQ do_ponto~e vis-
ta phenomenologico para o d~ontologico, diz
E O DIREITO NATURAL 55
o autor em questão que a distincção entre as
iàéa~ de justiça e legalidade não. existe nos
~rupos hirma.nos _primitivos. E' o desenvolvi-
mento do espiTito critico, na eonsciencia social
dos povos adeantados, que permitte distingllll''
o justo em si do simplesmente prescripto pela
autoridade. Dá-se com os povos o mesmo que
com os indivíduos : a creança identifica a no-
ção de bem e a de justo com as OTdens dos su-
periores, até que, com o desenvolvimento da
consciencia moral e independente, procura as
razões intrínsecas do bem e do justo (sic).
Tal opinião só se comprehende nos que
aeeeitam a hypothese de ser a mentalidade do
homem prilnitivo essencialmente diversa da
mentalidade do homem civilizado. Trata-se 1
no caso, de ]lllla exl!liG.ação da origem do sen-
timento de justiça, que não obsta ;_ que Va1mi
reconheça a_existeneia do justo em s,i) de um
f11n_da,.:r:pento iu:tl·inse~o do dir~ito, do cara0te1·
de necessidade moral das normas j1ll'idieas.
Vimos que Icilio V arIDi..Jienuncion na fo-r-
_mulª'-de ·:µstiça de Herbert Spencer um dis-
:(a:ce da idé-ª de direito natuTcl. Pois o p1·o-
pr10 V a:nni admitte esta idéa, posto que force-
jando por a:fastal-a de suas cogitações.
56 O POSITIVISMO JURIDICO
"O direito não ex:iste na natureza - escre-
ve V anni - é radicalmente errado o conceito
de utn direito proveniente da natureza. . . na
natureza nã.o podem existu· normas, porque
estas são um facto sociali o resultado de um
process.o q ,·~1e su-nera
· J:' a natureza, o processo
da historia" (28) •
Entretanto, é o mesmo autor quem decl~-
1·a perem:ptol'iamente: "O que ha d: ve~d~cl.ei-
ro na doutrina d.o direito natural e a idea d-e
um :fundamento intriruleco do direito na natu-
reza mesma das cousas·" (29) ·
Que mais será necessario para coníessar
a eristencia do direito natUl'al ~
Ili professor da Universidade
Mi ce, ele Pi-
- ft
sa, consider a igualmen!_e o direito UJ~ • ac. o
sodal e_:pzy~holo~o, ;prod~cto da conscie~a
collectiva ªtrav~z de um trabalho lento e con-
tinuo de ac~ões e ..reac_ções psyc~cas de que se
conhecem os i·esultados, mas CUJO pTocesso se
ignora 110..r com_pleto (30).
(28) I. V ANNI op. cit., pgs. 279 e 280.
(29) I. VANNI, op, cit., P· 281. . , _.
_ (gO) V. MICELLl, Prin~'JYii ~! Di'l"'l.t!\:.i
Filosofw, del
ed Societá Edítrice Lib:rana, Milano, 1928, p. 638
R;fe.re•se MIOELLI ás duas grandes cori-ent~s ~ue ~ontnbu~~
;am J2!lra f ormar a l"dé~..., da oriaem
,, psycho-sociologiea do d1-
E O DIREITO NATURAL 67
.A consciencia collectiva é o conj1mcto de
productos espirituaes elaborados pelas eons-
ciencias de cada individuo e que se diffunde.m
e objectivam na forma de crenças populares.
.Até abi temos apenas a genese do direito.
Do mesmo modo que Ic:ili.f\ V anni, 2bs~rv~_Mi-
celli que o direito não é um phenomeno igual
t- aos phenomenos da natm·eza externa, que não
ze:
-
(t
Cl
basta averiguar o facto mas é preciso -v-alori-
zal-o. Donde te1·minar o seu livro por uma in-
o dagação do fundamento intri11seco do clireito.
t-
V) Recusa admittir que esse fundamento es-
6
::>
teja nas condições externas da vida social, se-
< parando-se, assimt de Spencer ~ V armi, para
accentuar ainda mais o caracter psychologico
"'> do éfu·eito. Apesar de distinguir o aspecto
o
.J phenomenologico do aspecto deontologico do
(.)
estudo do dfreito - ser e dever ser - acaba
reduzind_Q a deontologia juridica á phenome-
nologia jur:g:lica. A consciencia é a origem e
o fundamento do direito.
1·eito: a eseola historica de SAVIGNY e a Viilk<Wps.y clu)logw.
• Rejeita, :pol'ém, o conceito de 'espiritõ popular" - Volksge-
isf - da @§e.ola hiatorica, po,r i;er nma. entidade abstracta,
. ,• criticando tambem HERBART e WUNDT pol" não terem uma
idéa cla1:a da. -;-o~ a- collectlva. -Em vão procuramoo.
almejada clateza na, exposição de MICELLI.
 O POSITIVISMO JURIDlCO
58
''O Dirritu - escreve Micelli - é uma_
parte apenai;! da _justiça a parte @.8 116-de
acw.ar empiricamente __:gas rel~ç§~ humJJJl.--ªª,
lev~ndo em-conta.. as im~er:fei_ç,__ões do homem,
que póde conciliar-se com certas condições im-
prescindíveis _de utilidade e conveniencia, que
póde tornar-se obrigatoria por meio da coae-
ção exte1·ior ; que é a ~rte? digamos assim,
externa e objectiva g_o inci io de justiça.
Para explica:r o direita-e ..encontrar o critex·io
ultin10 de sua valorização, devemos, portanto..,_
achar na propria eonsciencia-um f-im.damento - os tempos, a consciencia humana }J1·oclamou a
especifico ual[lder e este funji~nto, nós o
--
encontramos precisamente na uella forma_§S-:_
- existencia de uma ordem natural a que se de-
pecial de consciencia, ;aquelle complexo de at-
titudes que denominamos consciencia juridica.
Esta é a forma característica da consciencia
reguladora, que se a:f:firma e se determina a res-
peito das condições de existencia indispensa-
veis para uma sociedade. Como forma, é
commum a toclos os homens e assume o caracter
de necessidade e universalidade, ainda- que ora
appareça de maneira indistincta e confu13a, sob
forma de tendencia e instincto, ora de maneira
clara e bem explicada" (31).
(81) MlOELLl, op. cit., pags, 770-771.
E O DIREITO NATURAL 59
Dessa consciencia provem a ordem dos fins
juridicos e a concep_ção de uma ordem ideal de
relações juridicas superior ao direito existen-
te. As normas juridicas - não -l
são nem mesmo
entre os primitivos, resultado exclusivo da tra-
-dição, do costume ou do pocler mas de "~1uà1.-
) _
quer cs,usa de mais fundamental, duma con-
~
vi__çção vaga de que todas essas cousas estejam
ç__onform.es a uma certa ordem vislumbrada-pe-
la consciencia'' (32).
Tal convicção existe, realmente, e é mais
precisa do que pareceu a Micelli. Em todos
vem conformar as leis positivas para serem
justas. E, apesai· de positivista, teve o proprio
1Ylicelli uma percepção, esta sim, uma vaga per-
cepção, de que ha uma lei natural esculpida na.
consciencia de cada homem.
ID - Léon Duguit
Se bem analysarmos a obra do jurista
francez Léon Duguit, veremos que a mesma
idéa de um direito natural de fundamento psy-
(82) MICELLJ, loe. cit.
60 O POSI'rIVISMO JURIDICO
cho-sociologico resulta necessariamente de suas
pagmas.
Leia-se, :por exemplo, o tre~ho abaixo, em
muito semelhante ás considerações de lvlicelli
ha pouco citadas:
"A noção do Juato ~~o injusto 'infinita-
e ªº
mente variavel. . . Mas o sentimento do · tn
injustõl; um elemento _ermanente da na-
tureza humana. Encontra-se elle em todas as
épocas e em todos os graus de civilização, na
ahna de todos os homens, os mais sabios e os
mais ignorantes. Est~~el!to de justiç~
- - --
é variavel nas suas modalidades e nas suas ap-
-- -
plicações 1 mas é geral~ constante no se':!:_ fun-
do1.. que é ao mesmo tem120 11ro:porç_ão e igual-
dade. Elle é d.e tal modo inherente á naq1reza
social e individual do homem, que é, por assim
dizer, 1pJ1a forma d~ ossa intelligencia so-
cial. . . O homem njo p~de~:gr_e~tar as co_1Í:
sas senão sol) o angulo d~__j_u ti~a__sommutativa
e distributiva. Esta representação, em alguns
ob·s cura, incompleta, balbuciante, noutros cla-
ra, a se exprimir forte e nitidamente, exist~
em todo homem e em todos~ _!e~po~" (33).
(33) LÉON DUGUIT, Traité de Dlf"oit Constitutionnel, I!
§ 8, 2.a ed., Ancienne Libraitie Fonte:moing (E. de Bocca1·d,
1,1uccesseur), Paris, 1921, pgs. 50 e 54.
E O DIREITO NATURAL 61
. Assim escreve esse autor tão discutido, que
vem subverter os conceitos fundamentaes da
sciencia. jurídica do seu tempo, com um desdem
absoluto pelos "immortaes princípios" de 1789
reputados intangiveis no juízo dos theorieos cl~
1-- sober~nia do povo. Negou Léon Dugaj'! ~ so-
z<( berania P.O ular, a personalidade collectiva do
D::'.
(Il
Estado e dos agrupame;tos, aUi mesmo a no-
ção de direito subjectivo. Na introducção ao
o seu volume sobre o Estado e o direito objecti-
~
(/)
.:, vo, chegou a confessar que vinha :fazer illlla
t-' ~hl·a negativa, tendo em vista dize1' "não _ç_qn~
:)
e o Es!ado,_ o que é o direitoi mas a!)-tes o que
<(
(/} elles nao sao".
>
o Por alguns consiclerado um revolucionario
o da sciencia jurídica, ~-gjo systema realista pa-
rece ter levado ao extremo as D(igações do po-
sitivismo, Léon Duguit apresenta, entretanto,
a pTo_posito do fundamento do direito, refle-
xões oom araveis ás magnificas passagens de
Cicero sobre a lei natural.
Voltemos á eloquencia dos textos.
''Em nosso }Jensamento, se o J20der politi-
co é sim lesmente o ode1=":_ dos mais fortes, um
sim~les factot ha, comtudo uma regra qJie se
im:põe aos mais :fortes como a todos. Essa re-
gra é a regra de direito. . . permanente no seu
 O POSITIVISMO JURIDICO
62
pr incipio, essencialmente mutavel nas suas ap-
plicações. Fundada na coincidencia dos fins
sociaes e individuaes, essa regra acha sua _pri-
meira expressão na conscie.Dcia dos homens,
sua expressão rnais com.12leta no costume, na
lei p9sitiva e se realiza pela coacção materi~_
do Es~dq, que é assim3 Jor a J?OSta a.o serviço
do d.ireitQ, ~ão de um retendic!.o__direito s~bj_~-
ctivo, mas de uniª regra social das consci~ncias
e das vontades individuaes" (34) .
Por outras palavras, Duguit não :faz mais
do que reproduzir o conhecig.Q p.ensaroen o d~-
CicerQ: res- et ab natiwa prof fc ta.sJt ili coJi-
su,e.tudme 'P'tobatas legum n1:_e_t1&$Lt rel-i[!_iO §Q'lí:
xit (35). O direito ~ a da ~tmeza ~é ~·me:.
cionado pelo costume e J)filêi 1ª.i~ O costume e
a lei são as fontes reveladora_§ do direito, "sua
expressão mais completa", no dizer de L. Du-
guit. JYias Q f-u.ndamento do direito não é a nor-
ma consuetudinaria ou escripta e sim essa re-
gra que "ach~ su~ prhneira e~ s ã ~na com,-
(8 4) L. DtrGUIT, Étu4e.s de_ Droit, Publir:, I: L'Êtatt l11
droit objectif et la loi positive, A. FONTEMOIN'G·, Paris, 1901,
lntr. § II, pgs. 10-ll. No mesmo volume, á pagina. 532:
LB dêtenteur de la. forl!e peut toitjours par Ztt foree foiposef
St:11 volonté, mais le <E·o'Lt 1'1l8tetou3õu,rs intac fl 8npê1:ieµr.
-:. . - - sitive, cap. II, § II, p . 100. O gTypho é no,s so.
(35) M. T , CIOERO De I~i~ne, II, 53, 160.
E O DIREITO NAT URAL 63
ciencia dos homens". Tal regr&, para o proprio
Duguit, é uma l(li natural: "0 principio que
nós p1·opomo,.s é sem duvida positivo; scient.ifi-
camente não se pode :formular um outro; mas
elle permanece estavel emquanto houver ho-
mens, porque é tirad<!_ do ho'meni mesnio de sua
dupla natureza inqfvig,µal e sociaF (36) .
Com essa idéa, p1·etende Duguit dar ao
díreíto um :fundé!_ment absoluto~ sem reconhe-
_cer ex ressarnente nenhuma JJ13..necie de direito
natu:ral mas apena.s-11l.allifestan do ~ concei:
to g_ue vem da observação p ~ dos factos
sociaes. Chega a c1·iticar vivamente o positi--
vismo juridico de J ellineck e Laband1 por ca-
hirem estes em contradicção e ac1mittirem ím-
plicitamente o direito natural. Laban d e J el-
lineck querem reduzir o direito ao que é esta-
tuido pela lei positiva. Mas, segundo esses au-
tores, não é de um modo arbitrario que o Esta-
do prodlll o direito. E lles ensh1am que, do
ponto de vista historico, o direito nasceu espon-
taneamente, antes da intervenção do Estado
e que a decisão do poder politico é a verdadei-
ra lei quando modifica a "esphera de activi-
(36) L . DUGUIT, L'Etat, le droit obfectif et la loi po-
64 O POSITIVISMO JURIDICO
dacle juridica dos i:ndividuos" (sic). Ora, pon-
<lera Léon Dugnit, esta esphel'a de aetividade
juridica não póde ser creação de leis positivas
anterio1·es, porque, por hypothese, taes lei.s não
existem. "Logo, ella só pode resultar do di-.
11eito natm·al, isto é, pertencer ao
individuo
em. sua qualidade de homem. E a lei positiva
será, então, a decisão duma autoridade politi-
ca, que modifica num interesse eommum a es-
phera de actividade juridica natural do indi-
viduo, os direitos individuaes natuTaes. E'
precisamente a definição de lei que dão os re-
rn·esentantes das doutrinas de direito natural.
.Tellineck e Laband, apesar de suas invectivas
contra as theorias de direito natural, chegam
finalmente aos mesmos resultados que es-
tasn <37).
Não é de se admirar mais esta contradic-
gão do positivismo juridico, por Léon Duguit
apontada naquelles autores allemães. :Mas ª1!1-
contradic 'ª--º a!jalo_gJt cahiu o 32ro rio Du uit
a r~jeitJ~r O direito natural el 01' outro lado,
,aff_irmar que o homem é naturabnente so.ci -
vel, que elle precisa da socieda:.!l.e par-ª yiv~
(37) L. Dum:rrr, L'i!:tat, le droit objectif et la loi 1)D-
sitive, p. ,5 18. Sobre IHERING, JELLINECK e L.ABAND: op.
cit., pgs. 105 a 131 e 512 a 520,
E O DIRE~TO NATURAL ' 65
e.i por isso, recisa agir de accôrdo com esse
pr·ncipio "tirado delle mesmo, de sua dupla
natureza individ~al -;-sÕcial". -
Se J ellineck e Laband admittem os direi-
tos subjectivos naturaes, sem da1· por isso, Du-
guit admítte da mesma :forma o direito natu-
ral objectivo, a lei natural ... Nã.o lhe ec.onh:e-
~ a .essencia .moral, mas lhe. {l1t ibµe lJI]Ja.
essencia social. Outro não é o sentido da sua
noção de "direito objectivo", isto é, da regra..
de direito que se impõe no :Pocler do Estado,
dessa regra que existe "sem o soberano e aci-
ma do soberano'', e tem um caracter eminen-
terne11 te social ( 38) .
(38) L. DUGUIT, l'État, le dro-it objectif et la foi po-
sitive, pgs. 11 e 13. ("Toute la législation positive de i:ios
codes a é~ établie sur l~1dement du droit indiriduel~ et
!e dwit est social, excJui;ivement social"). Ha, pois, em Du-
GUIT a idéa dt'!~ f!ireito natural fundado e:m n~tu1:~za so-
cial g_o hQmem. Dizemos que eiJsa, concepção do direito na-
tural ,tem fundame1~~psycho-sociologico llQ:t;_q~J)~<IUIT de-
pois de averiguado o facto da sociabilidade, proctrra to:r-
nal-o intelligivel e então pa1te da cons_çiepcia d 11.lJWJ..'iO ey_
para dahi e egar - á consciencia d; soliêla-1·iedade social e
da l·egra do direito. (L'1Uat, le di~it obj--:Ctif et la, loi po-
sitive, capitulo I). Embora, ao contrario de MICELLI, :f:a,.,
zendo prevalecer o factor social sobre o individual, não é a
co11cepcão de ~GUil' estrictamente iiociologica, com p. ex.
a de DURKI:UlIM,
66 O POSITIVISMO JURIDICO
Só na sociedade não no individuo, é çiue
•se acha o fundamento do düeito. Este direito
não é um poder, é uma regra objectiva. Não
é tão pouco- uma regra. moral e sim uma regra
de facto : imJJÕe-se aos homens, .:prescindindo
de qualquer principio, - bem, interesse ou fe-
licidade, - simplesmente em virtude e pela
:força dos factos or . ue _Q hom~m vive eIJJ _s_o-
ciedade e não pode viver de .Q!:ltro modo. Sen-
te-a todo homem, formula-a o sabia, e o legis-
ladoT positivo asseguI"a o seu respeito.
Ao contra ··o das leis do munc1o _physico
ou bioÍugic;-que são le·i-;ã,e causa; é a regra de
direito uma lei de i?n s~. O õe~uguit
á biologia social dos orO'anicistas e á _Qhysi(}~
sociaLda-Comt..e~ Taes systemas, diz elle, ti-
veram a vantagem de mostrar que a sociedade
não é um facto voluntario e artificiali ma.s es-
pontaneo e natural; entretanto, encerram um
grande erro, o de identificar os factos .sociaes
com os phenomenos physicos ou biologicos. O
factor essencial dos factos sociaes é o homem,
ser conscfonte de seus acto;--osãctos huma-
nos são determinados por fins escolhidos cons-
dentemente. ~ a re ra de direito é a re r.a
da legitimidade dos fins: todo fim que a ella
se eonforma , legitimo, todo acto praticado em
- - -
E O DIREITO NATURAL 67
vfata de úm fim ~tjp:to t_fil!l valor social, isto
é, jurid:Íco. As leis physicas ou biologfoas de-
terminam relações de causa a ef:feito, ao passo
que ~, re ra socii~l estabelece a legitimidade da
con<!_ucta humana. Elia não é _Rorem uma re-
~ra m.~al, pois não determina 9 vª1,pr intrin-
- seco--dos actos .in.dividuaes.
............ _,....,
:t:: O f ~ e dá origem á regra de direito
fü é a soiidariedade. Os homens são solidarios
0 entre si: ~em neçe~tcl.ad~,s comrmms que só
p2dem se:r__sati§feit~.~-1~~ uma .?,~ão e~ 9om-
mum teem a ti dões differentes e necessidades
diversas . ue só urna 12.ermuta de servi~os l)ÓCJ~
<e satisfazer. Dahl uma dupla solidariedade; so-
lidariedade por s~Than~a e solidariedade por
divisão do 'trabalho_, constituindo ambas o fun-
damento do direito. E neste pontos~ ·u~ D11-
- a licão de DUTkheim.
guít . ~ ~~-~-
A idéa de solidariedade, em Duguit, é a
ex ressã.9 dQ facto da sociabilidade humana.
Se o hom,e_ q_u~er_viver, como eUe só póde
-viver em sociedade, dev..tLconiormar 1=1e_us actos
ás exi encia~ -ª-~~
sojj_dari~{lp,d~ _social.
Esses actos1 praticados pelo homem, ~ão
actos co11scient1;ª1 como já vimos. Duguit nã0
che a a affh"]]JJt~ q_ue se ·am livres. Afasta
este problema dizendo que niuguem sabe se o
68 O POS I TIVISMO JURIDICO
homem é ou não dotado de liberdade. Na sua
opinião1 não se sabe tão pouco, nem se poderá
jamais saber, se as forças da nature.za e da vida
s.ão forças conscientes. O certo é que as acções
humanas são conscientes dos fins que teem em
vista.
O :facto irrecl~ct_iv el ue deve .estf!l:' na pase
de todos os estuçlos sociaes é o pens~ nto in-
dividual co:i;;isci~nte de ~i me§mO (39).
Tendo c-0nsciencia de si proprio, dos fins
de seus actos e, :portanto, de suas aspirações,
o homem tem tambem consciencia de seu sof -
frimento ( 40) .
O set\timento da vida individual, tor~p-
d0-se preciso na consciencia, produz a vontade
-1
(~9) É g_princi io carl~no: je pense, donc ie silfa.
Tal 11rincipio "c1eat la constatation d'un.e 1·éa1iti i!l~Stl!test a-
ble, la seule 1·éali~ incontestable. La ~ e en soi au se s
de la :philMopl1ie allemande, est l a pensée individuelle. Nou,s
se1·ons tentés de dir; - ; ~nt: la chose en soiest Ia so-uf-
france individuem:. Mais au fond l'idée e!it exactement ta
~ême", - . DUGUIT, L'État, le àroit objactif et !a loi po-
siti'Ve, cap. I, § I, p. 26).
( 40) O soffriment01 in1vressiona viva.mente LÉON Du-
GUI'l': "la douleur n:e./lt-lillJ$ une vain mot, con1-_me le vo;gl;üt.
la philo-;ophie st~nt;z; ellê est bien une .!§4~, la plt.11:,.
meÕntesblbiedes réalités" (op. cit., p. 31). "En fait l'hom-
mea t0UJOUl'S voufo et voud1·a toujours moiru souffrir, et
là e-at JlOUr nôus 1'unLqye facteu1· ct~ s :geiisées et d_es ses.
a.et es", (Idem, p. 50),
E O DIREITO NATURAL 69
d!_vive!L sen~~nj&_universal e constante, que
_reveste _principalmente JL.Í.Qrma de a.apil:açio
de diminajJ: os ro..:Q,rios soffrilllentos. O ho-
mem soffre e sabe que soffre, quer soffre::r: me-
nos e percebe que a vida em sociedade diminue
os seus soffrimentos.
A_s~dade é, por sua vez, um facto cons-
tante e un· rn:rsal.. Nenhuma observação per-
mitte affirmar que, em certa epoea da historia
ou da prehistoria, vivesse o homem isolado d,~
seus semelhantes. Q a ru amento humano é
um fac.to....n_atural ue se tradu.z_ 1a-;ons<riencia
do.ê_ individuos ])01· este _pensamento:- os-mem-
bros de um u o teem a mesma necessidade
de vi ver e _a mesma necessidade de dirrri:nuir
os_ s_o_1:f!iment~s, sendo que só a vida em eom-
mum póde obter esse duplo resultado.
Deante desse desejo de viver e da aspi~
ração de diminuir os soffrimentos, compene-
tram-se os homens da grande solidariedade que
os une. Assim, segun do Duguit, percebemos
no homem uma dupla natureza, ao mesmo tem-
po individual e social. Realmente, quanta
mais se desenvolve a propria individualidade,
mais unido aos outros se sente o homem, isto é,
mais sociavel, mais dependente dos seus seme-
lhantes, mais solidario com elles. Compre-
70 O POSITIVISMO JURIDICO
hendendo que a vida no grupo lhe asseguTa o
menor mal, o homem acceita essa solidariedad0
e se submette á regra de direito della resul-
tante.
Posterior:m.e.nte1 lluguit ex;p_licou melhor a
coexistencia do entim~nto de solidariedade
- --
com outro seni_igl.ento ue su~ha- ~~rjge.m
elo E:lstado de consciencia c1'eador dª- rf~~~
--
direito - o sentimento de justi a. Os dois ele-
- -- ---
mentas e~n_gj.aes da forma ão e da transfo ,--
ma ão_Q:a r~g1·a do direito são: 1. 0 ) - a con§..-
ciencia, que a massa de individuos de um grupo
tem, de ser UJTia detern:rinad-ª-. re a moral_ ~
economica essencial ar~ a man:gtenção da ~-
liclariedade social; 2. 0 ) - a congicienc~ de q_u_~
é~ to ~anccional-!! (41).
Depois de haver demonstrado que a cons-
ciencia da solidariedade socia.1 implica a coru-
ciencia de uma regra de conclucta, conclue Dn-
guit que a B,o~ão de reITa_d~ conducta é es.9.en.-
cial:rqe11t.e conngx:a e dependente ela solidt,!XL~·-
dad~, apresentando-nos, em resumo, a seguinte
formula: "Nada - - fazer -
- ue diminua a solida-
riedade SQcial ]:?OT semelhança, nem a solid~
riedade social por divisão do trabalho_; fazer
(41) L. DUOUIT, Traité à.e D,·oit Constitutionnel, I, §
8, p . 47.
E O DIREITO NATURAL 71
tudo o que estiver ao seu alcance pal'a aug-
mentar a solidariedade social nas suas du3$
formas" (4-2).
;!l]ssa regra, que tem o seu :fundamento na
sociedade, destina-_se a ser awlicada aos :in,-
dividuos, isto é, ás consciencias individuaes.
}l~eita Duguit a idéa de "consciencia collec-
tiva'' e até mesmo d~ .P.ersonalidade collectiva
do Estado. Por isso, quando diz que a regra
de clireito objecttvo se applica ao Estado, li-
mitando o seu poder, entende com isso que
ella se applica aos individuos que governam e
que são os mais fortes na sociedade.
A formula acima enunciada é um princi-
pio generalissimo de obrigação, cujas applica-
ções são infinitamente variaveis. Sem.J2_re ·
verdade que o homem deve subordinar a sua
cond11ç_ta ás exi encias da solidariedade ~ocial,
ma~utr~ é a questão de saber quaes são essas
exigencias. Então, a regra de direito pode mo-
dificar~se. Por outras palavras, o co~tej._g._o_~
regrt:_ obj~ctiva está sem.12_re em transformação;
ª
Yª-ria~o CQm ~l]Q.Ca e o l~gar (43). -
( 42) L. DUGUIT, L'Étut, le d,roit ob jectif et la loi zio-
sitive, cap. II, § I, p. 91,
(43) É exactamente ;:1, pai-te mutavel da regra de dj-
reito que o legislado1· deve perceber, traduzindo-a nas for-
mulas J)recisas da lei positiva: "la loi est essentiellement,
li
 O POSITIVISMO JURIDICO
'72
Com toda a clareza, admitte 1 _pois, Duguit
um principio formal absoluto que é o funda-
mento do direito, immutavel em si mesmo, va-
-i•favel nas suas applicações.
E tambem Du uit inadvertidamente en- . - __
- -- --- -
-globa na conçl.emnação do díreito natural in-
- a ena.s_ uma regJ:-ª-.de _ç_Qu,dp.~i_a._ social e se o
- ---
dividualista.,, todo o direito natural.
- homem_ t~eitos sub· ectivos elles derivam
Assim é que elle confunde dir~ito natural
e drr~ito ide~!: ".A.dmittincl a exj_ste,ncia d0
tm1a re_gr_a de co:nducta_q:u rt11ous!!:_ sobre un1.
-- ---
fundamento ermanente nós re ellimos as
-
doutrinas de direito_ nat~~J. q"!:!,e con~ideram
- (D
esta re ra, CQIDO absoh;it :n:mput.avel, algumas
vezes ignorada e obscurecida, mas sempre viva,
formando o ideal social a que devem aspirar
todas as sociedades humanas, que serão tanto
mais civilizadas quanto mais se approximareru.
desse ideal. Ao mesmo tempo, '3_!--~~apar
á critica por nós mesmos feita á sociologia con-
tem :)Oranea, de ser incapa~ c!_e___§~~Ig.lnar.
~ rincruio fixo llilt.a a c.onducta do
hom~m." ( 44).
la constatation par les gouverna:nts d'une ràgle de droH,
objectif". (L'Éta,t, !13 droit obfectif et la loi positive, ca:p.
VII, p. 1502).
(44) L. DUGUIT, [/État, lo droit objec.tif et la loi posi-
tive, p. 100. No seu Tratado de Direito Constitucional, mais
E O DIREITO NATURAL 73
São ainda de Duguit estas coJIBiderações =
''Não temos em vista as doutrinas de direito
natl!_ral hoje desacreditadas e que, :fundadas
nos direitos subjectivos reconhecidos aos indi-
víduos, são conwletamente differentes das
idéas aqui desenvolvid,ªs. Vemos no direito
...z dfs_sa :regra de conducta. .As doutrinas de di-
reito natural, ao contrario,-faze;-;-r;gra jtt-
< ridica derivar de pretendi.dos direitos sub_jec-
o::
o
tivos .q_ne perlencem ao ho~em em sua quali-
dad~ de homem." ( 45).
~
cn
:)
e, uma vez DUQUIT identifica o direito natural com o direito
::> ideal, declarando, aliás, consentir na, expressão "direito na-
<(
tu~al" para designar a, sua proIJria doutrina, desde que não
cn seJa tal expres:são entendi.da como 1.1m "dfreito ideal". De-
> pois de haver justificado a obrigato1·iedade da norma jmi-
o ~c~, _es~eve: "Nã~P:t>2.!!h..9- ~- ue se _ch~me a norma.
..J J~rIJh<!ll, assim .comprehendida. de direito natural,- que se
o 1:hg~- c~mo GÉ~Y" hiAXW e CEAR~que é, is~-;;- voltar
ao direi~ natura1. Mas é JJrecis.9 entender.se sobr.e as pa-
lavras e, des_ignar cou~s differentesPor p a ~ difie1·en-
te1.. Ate boJe, chamava-se de direito natural o dii-eito eon-
~bido c~mo Í~l,ldado ~ prinei11io_s_~periar, sempr;--;den-
tico a s1 mesmo na sua ess~qd!!J, ID.!li1W.-O JlU~ôss:e varía-
v:el nas suas manifestaçõe!>; direito ideal absoluto do qual
os homens deviam p1·ocurar ap-proximar-se cada vez mais.
(Traité de droit cmuititutionnel, 2... ed., Pa1.-is, 1921, p. 12).
.
(45) L. DUGUIT, L'État, le drvit objectif et la loi 'P(l-
.sitive, p. 105.
'14 O POSITIVISMO JURIDlCO
Oom ef:feito, as doutrinas individualist~
fazem a regra jl!!'idica derivar dos clir~itos sub~
jectivos, em virtude do :Qrinci_:pio da autono-
:ruiã. dav ontade. Consideram a lei uma ex-
pressão da ~ tade popular e a sociedade, o
resultado de um contracto. )\[as na copt._~çãn
tradicional, "s~ _Q__ hoplem tem direitos sulrje.c-
tivos" é reci_samente porq_ue e11~~ "der1vam .
dessa regra de c_gnducta" ue é a lei: lei BQ!Si-
tiv-a_, famda ento do__s dfreitos subjectivos po-
sitivos; .lei natural, .fundamento doa direitos
~11bje9tivos naturaes.
E' pena que Léon Duguit não chegasse a
conhecer perfeitamente o objectivismo da con-
cepção classica de direito natural, de que elle,
por vezes, com algumas de suas proprias idéas,
tanto se appro.ximou.
* * *
Eis ahi, em linhas muito geraes, o pen-
samento de grandes mestTes do positivismo
jurídico sobre o fundamento do direito. Ape-
sar de paladinos da reacção modernamente
operada contra o direito natural, elles adm.it-
tem esta idéa, ainda que por vezes sem ú per-
ceber.
E O DIREITO NATURAL 75
r Foi o positivism~ em philosophia, uma
~ ntativa mallograda de subst ituir a met~hy-
sica or UI_;l'.la s~these d~s sc~ncias particula-
res. Límitando__Q_ ambito do conhecimento â
experiencia sensivel, ªeu assim. origem a uma
nova metap__!i7-.si~a,~e bem-1!ã.P _das .mais. conse-
quentes. A affirmação de que só é legitimo
o conhecimento sensível, implica uma episte -
mologia aprioristica e que se oppõe ao senso
cormnum: é UJI1a affirmação que não provem
da experiencia, que não se demonstra e nem
se impõe por evidente.
Em direito, frusfrou tambem o positl-
vismo, ao pretender desfazer-se da idéa de di-
reito natural.
De~ os, a _prqposito, distinguir um du-
plo ponto de vista : o da scienci~ e o da philo-
~phia do direito. A p_!rilosophia do direito
teJl! l!.Or obj_~cto a essencia do direito - giiid
sit j1.ts. A_sciencia do direito tem P.Or objecto
o conheci!uento empirico do direi to.
Muitas vezes, como dissemos, o ositivismo
prescinde da philosophia do direito, cingindo-
se a construcções empiricas em que se reunem
os elementos communs de diversos systemas
ju1•idicos ou dos varias ramos do direito posi-
76 O POSITIVISMO JURIDICO
tivo. É o que se. dá, _com Q. "dir e1·t o puro " d ~
Picgi,rd ~ llTudencia analytie-a" de Au,s-
tin e a "theoria eral do d.i rei·to" ou a "· ency-
clopedia jurídica" de 1\'Ierkel Nenhuma des-
tas tendencias che a a constituir em absoluto,
uma philosophia d.9. dir~ito..: §ª-9.. lY!J:theses
scientificas q~e não _ep..cedem a pura phenome-
nologia e }Qnge ~~tão de poder realizar ~uelle
id.e_al apontado por Cicero: N on ergo a prae-
toris edicto, ut pler-ique nwnc, nec a XII Ta-
bulis, ut superiores, sed penitus ex intvnia ph,i -
losophia ham·iendam juris discipl-inam ( 46),
Taes syntheses ou generalizações, sem ca-
racter philosophico, ~fil!ID bastante a es-
pher·a do conhecimento empiriQo d..Q._d,:jreitQ~ re-
montand - e ;is instituiçpes ·uridicas dos po-
vos selvagens ou primitivos, com arando o -ªi-
reito actual ao....nre.t.eri faz.eu. o r alta!__ os
preceitos c.9l_!!l!luns aoa. .differentes ramos _j!Q
sy:s! ema juridico_.de um :povo.
Na sciencia do direito, sem entrar em in-
dagações sobre a essencia do pheno~eno ~u-
ridico, semelhantes processos condwziram in-
contestavelmente a resultados apreciavei-3.
j\{as é uma illusão pensar que taes resultados
( 46) M. T. CICERO, De Legibus, I, V.
E O DIREITO NATURAL 77
dispensem a philosophia do dir eito. Eis por-
que, entre os ptoprios positivistas, alguns pro-
curaram completar, por uma explicação ra-
.donal do direito, a vasta som.ma de conheci-
mentos accumulada pelo jurista encyclop.edico.
Em que consiste essencialmente a ordem
juridica "? Será um simples producto da for ça
dominante no meio social 1 Ou a razão do di-
1- reito e da justiça reside num principio supe-
z rior ás determinações positivas e decorrente
<(
o: da natureza das cousas~
(]J
Eis a questão que Spencer, Pedro Lessa,
o Icilio Vanni, Micelli e Léon Duguit tratam de
1-
(/)
::, solucionar. Vanni e Micelli criticam os que
o
::, se CQ~tentam e~~ theoria -geral do direito 7
<(
-
referind.o::.s.e especialmente -ª Austin e ~Ier-
cn kel (47). E todos ag_uelles autores, cujas dou-
o> trinas examinamos, mç__aj;ram u~ o direito tem
por fundamento un princiJQio res_ultante _d.a
pro · ria natureza hqmana_.
Resignam-se uns com attríbuir ás im_yosi-
ções da força. social - oder absoluto do so-
berano ou vontade- do povo - o valor de prin-
cipio fundamental de toda a ordem juridica.
(47) I. VANNT, op. cit., pgs. 25 e 26. V. MICELLI, op.
cit., pgs. 21, 22 e 23.
78 O P O S I TI V IS MO J U R I D l C O

Mas os positivistas que comprehendem a ne-

cessidade da philosophia juridica para justifi-
car o direito positivo e dar uma explicação sa-
tisfactoria do sentimento de justiça, ao qual CAPITULO TERCEIRO
repugna a identificação do dfreito com a força,
- esses nos conduzem ineluctavelmente á no-
ção do direito natural. A NECESSIDADE DO DIREITO NATURAL
Tem toda a razão ~ emiI!_~nte Del Yeecl!_lQ, A persistencia do direito natural, nas pro-
ao dizer: "A idéa d~ direito natural é na ver- prias doutrinas dos seus adversarios, testifica
dade daquellas que acompanh3E1 a humani- a necessidade de~se conceito, em que se estruc-
dade n Q.__ ~u desenyQ_lvimento; e se, como, de tura toda a ~rdem juridica.
certo, tem occorrido, principalmente em nos-
Seriam logicos os que não admittem o di-
sos tempos, algumas escolas fazem profissão
reito natural, se retirassem a expressão dir~ito
de excluil-a ou ignoral-a, ella se afffrma, po-
da linguagem scientifica, como propoz Au-
derosamente, na vida. Por isso é vã e incon-
gusto Comte ( 49).
gl'ua a tentativa de repudial-a" (48).
Oomo o positivismo philoso_pbico não con- Negar o direito natural é ne ar o I!rinei-
seguiu sobre ôr~e á metaphysiea,_J;ão oueg ~ io aQsoluto da justi a. Ora, o direito ou ~
ao :positivismo jurídico foi -possível banir da objecto da justiça, ou é simples __producto das
1 flnctuações do ar bitrio legisl~tivo. No ri.-
philosQpbia do direito a idéa de 9-ireito na-
1 tural.
_meiro caso, mantem a sciencia ·uridic~ a dig-
nidade que já lhe haviam atj;ribuido os roma-
nos, definindo-a o conhecimento das cousas
just~ ~ in ·usta§ - j<usti at ue injusti ;cien-

(48) G. DEL VEOCHW, Sobre os prinçipios qer~s do

dirrr,i,ito, tradueção autorizada, prologo de CLOl'IS BEVlL.AQUA, ( 49) A. COMTE, Sygtà?ne d.e 1Jolitiq1U positive, I, S.•
Typ. "Jornal dó Cotnme1·cio", Rio de Janeiro, 1987, p. 22. éd., Paris, 1890, p. 361.
80 O POSITIVISMO JURIDICO
tia (50). Mas no se@D.do caso, torna-se o.ig-
reito uma, simples arte a serviço da habilidade
ou da força, emquanto, ara os home E.s._-
ta,do as leis e os tratados se reduzem a méros
. -1. -- - - - --
c1n:j[onJ_ de papier. Elimin_aio .2 CQl:l..@lto de
direito natural, não ha nenhuma razão suffi-•
ciente para 'que o legi~lador deva promover o
b_g.m qomm.UJ[I 1 os subditos devam obedecer á
autoridadel os ~njractos devam ser qbservac-
dos. É por recuarem ante a inexorabilidade
cté taes consequencias, que os proprios positi
vistas affirmam, muitas -vezes, a existencia de
um princi_pio universal e l_)ermanente, superior
á vontade humana e que constitue o funda-
mento da ordem jurídica.
Este meêmo argumento, em que se paten-
teia a necessidade do direito natural pelas con-
sequencias absurdas oriundas de sua negação,
foi assim empregado or Oicero. no De Legi-
bus: "~~ a -vou.tade dos O"i'..OS, s decretos dos.
chefes, as senten ,as dos juízes, constituisse_m
o direito, então ara crear o direit.o a.o latro-
cinio, ao adulterio, á falsificação dos tes~-
mentos, seria bastante g_11e taes modos de agir:
tivessem o beneplacito da sociedade. Se tanto-
(50) ULPJA..'11;O, D.1.1.10,2.
E O DIREITO NATURAL 81
:fosse o ~entenças e ..da.a .m:d!'~ dos
in,§Q!!_sntos1 que estes chegassem ao ponto de
alterar, com suas deliberações, a natureza das
cousas, or u m.otivo :oão_:tioderi@! os ~s:
mos decidir u~ o_ q.na-é malL e pernicioso. .§e
consi_çl§r.E-a&e QOJll. e, salutal'.', Ou por que mo--
tivo a lei, podendo fransformar uma injuria.
< em diJ:eito, não oderia convertei· o mal no,
cr:
tD bem 1 É que, para distin uir as leis boas ou
o m~s, _outE_~_:g,_orma. não temos que não a da
r-
t/) natur·e~~" ( 51).
J
'J É admiravel ~ os rornanq_s, cujos en-
si:namentos assaz contribuíram :para se formar ·
o lastro da doutrina classica do direito natu-
ral, tão_ nitidamente SOl!º~r~ ~prehendei-
a_ dependencia_ q,.u~ @e o conceit~ de justiça 1 1
a2._concei~ de bem (52).
Na hypothese de não haver entre 9 bem e-
o mal nenhuma distincção intrinseca, não ha
egualmente nenhuma razão de ser para se ad-
(51) M. T. CICERO, De Legibus, I, XVI.
(52) Veja-se, por exemplo, este trecho de UL:PIANO:
justitiam namque colimus at b01ii et aequi notitiam profite-
mur, aequ:i,m ab iniquo separantes, licitwin ab illicito dis-
cernentes. . . (D .1.1 . 1. ,1). Seja lembrada ainda a con be--
ci da definição de CELSO: jus est ars bani et aequi {D.1.1.1,
.l)r,).
82 O POSITIVISMO JURIDICO
wittir um ·ustiça objectiva. E é a lei natu-
ral norma da b ondãde ou da malicia das
' - -- ---
acç_õe~, q ;p_ermitte distinguir as leis bQas d~~
más, isto é, a15 leis ·ustas. dªs in ·usta.s. Tal é
o sentido da passagem acima de Cicero.
Q :primeiro J>rincipi_o da lei natural~-
siste na obri a ão de :fazer_o hem e e.vitar o
mal. É ;;e principio ,Q fundamento da obri-
gação moral e tambem o fundamento racional
do direito. Em U..aPtQ Q,ral ft_PC,.C.upa com.
\ todo heD:b ~ direitq ter,n Rºr _Qbj~cto ª-PJl.W
do bem que constitue o justo (53).
- - .Ã. justiça determina ue se dê a cada um o
que lhe 6 estrictamente devido, e a isto_chama-
!!J.OS_justo. Ora,~ muJ..tw cous_as que são de-
vidas a al,_guem ex jp_,sa na_tura rei, inde e!!den-
t;mente das determinações de qualg,uer lei po-
- -
sitiva.
-- ---
Se não ha.. uma ·usti<l,._a natural que o leg:kl-
lador dev-; respeitar, segue-se ~le a justiça é
(58) ! g heJI.!__E,&'.!!0í!W, isto é, appetecivel por si mes-
mo e conforme á natureza racional do homem, que fundá
menta a lei natural, e não o bem util og__ deleitavel. A dis-
tincção entre acções ~ estas e deshonestas SUJ?.!!-Õ~ que se
acceite uma distincção intrínseca entre o bem e_o mal. !:J"o
di'reito roniãn~ ~ c ~ e bem hon~ é ~ orlge~
toica ( Cf. FELIX SENN, D0 la justice et du droit - explica,-
tion ele la définition traditionin.elle de la. fU$tice, Recueil Si-
rey, Paris, 1927).
E O DIREITO NATURAL 83
J!:Q!.._!imples nome, um flatus voeis) e na r eali-
dade o que existe são as orâ.ens do poder: ju,s-
t.u m quia jttSS'l.llm est.
Dahl a disjuncção que aprtl§eJltlllllQ~_a_çima
~ para a qual é impossivel encontrar um ter-
o
ceiro membro; ou direito é _®_je.cto_ da jUê_-
tiça1 e neste caso ha um direitQ natural· o-q.
p.ão h~ direitoª natural, e neste caso o direito é
producto_ do arbitrio legi..§lativo1- o__g_ual p_or
sua vez é expressão da :força )2!ejominant~ na
sociedade.
Fóra d.9 direito natural ~ da j11stiça,_ não
existe_E.enhum criterio objectivo que possa im-
pôr-se ao legislador e cohibir o seu arbítrio.
Ha qy.em ;greten~_ encontr~_ esse crl.te-
rio na~ tilida~ s..oGial,._prescindindo de qual-
quer idéa~ e direito natural. Á primeira vista,
póde parecer que a lei natural não seja a unic.a
norma capaz de impedir o arbítrio nas deter-
minações da autoridade. Reconhecendo-se que
l!S leis devem ser feitas tendo em mira ª- uti-
lidade social, já não se fixa nm limit~, uma
orientação objectiva para o. d.ir.eito positivo t
É ineontestavel que a tilidade -social não
p~de ser eliminada da~ co itaQÕ~s _j.~j_urista.
A lei ( ___um pr ~eito racionaj. ; deve, _p_9is, .co:u-

84 O POSITIVISMO JURIDICO
.:formar-se á recta razão ftO_ fil.r_g,it,Q naturª1.:_
--
Mas é um. receito racional ara ... -----~~
o bem com-
mitm,; e por isto, ev~ conformar-se tambem a.o_
interesse social. Justiça e utilidade soc~l sã~
os dois criterios supremos a ordem juridic:1.
positiva (54:). - quem faz as 1-eis pr.e:valeça _sobre o interesse
Mas quando se diz que o direito positivo
deve ser conforme á utilidade social, ou me-
lhor', que se destina o direito positivo a pro-
mover o bem commum-, isto já é determinação
de um principio mais geral, anteriormente
admittido, e suppõe:
1 - a obri~ação de fazer o bem;
2 - a no ão oQiectiva_ile bem comm'-!:111 e
o conhecimento dos fins da ~tivida.de__hu-
ma!;!ª (55).
Em não se admgtindo s &~ duas suppo-
sições, das g_uaes decorre o direito nafaual,
(54) ~.,,llr9m_1a razão assim o e:Xige. ~justi~a não· se
.,...- --·
. ---- -
-0ppõe á utilidade social: Jus titia est habit'J,W animi com,mu..
'Tli u-taitate aonservata; sitam c-uique tribuens dignitCltem (M.
T. C1cmo, De lnventione, r1;-5a, 160).
(55) Que s~dexe fazer bem e evitar. o al, é um
principio_ evidente. Quaes sejam os fins da actividade hu-
mana, podemos saber atravez da observação dos factos, is-
to é, pelo conhecimento experimental das inclinações natu-
raes do homem. Ba;,eia.-se, pois, Q dkeito natural na evi-
dencia, e na observação dÕ-;-factoi. -
E O DIREITO NATURAL 85
deixa de existir o criterio objectivo com que
se proc"!,!r~ limitai: a vontade do legislador. E
a ro r_Ílé,l,__!Üilidade social aS§-ª:_a~e~nder ex-
glus_!._vamente das determina,_ções positivas,
nada im edindo que o ·uter_esse _proprio de
comruum.
* * *
Pelos conceitos de bem e de fim, que são
correlativos, o_ direito se rende á m.etaphy-
s1ca.
O bem é o objecto natural da vontade, as-
sim ÇQfil_Q_Q_S,_eL__é,_Q_jli)jecto natural da ~teill,-
encia. Do conhec4;nepto do ser resulta in:une•
diatamente o princi io de~olltradjcção e os ou-
tros priJ'.!Cipios evidentes que delle__dependeµi,
taes como os de razão sufficiente, finalidade
e_cau;u~ presuppostos !!:ecess~i~ de tod-;-
sciencia e sem os quaes a realidade nos é inin-
telligível. E da t~ndencia natural d.a vontade
pa~a-º- bem resulta. o primeiro principio da
ordem moral ·- bonum est faeiendum eJ. prose-
qi1,endum, et 1nalitm, vil,aJJ,.dY!J'!l - presupposto
necessario de qualque1· acção e de todas as
sciencias praticas.
86 O POSITIVISMO JURIDICO E O DIREITO NATURAL 87

Esse principio nada mais é do ue ~as- o fim não attrahiria o agente, pois este só en-
pe io.. do µrinci~io de finalidade, no ponto de caminha a sua .actividade para algo que lhe
vista da razão pratica, ordenadora ~ e ões convenha. E, pois que todo agente rQcura
hum~a§ (56). realizar um _iim que é pal·a_f;!i l!.1A bem, o ho-
Segundo o principio de finalidade, todo mell! a ente_!'acional,, dev~agjr arª- um fll!!_
:J,gen.~ p.e;ra enLVista de nm fim, pQ.i d._o_cQ;n - racional, conforme á sua natureza, e esj;e fim
-
trari nãsi-1:i.a._"'lfll' · razão sufficiente p~ra se
seguir deJ ua auç.ão um_d&j;epninad ffe.ito3~
- ._
z
é o bem honesto . não simplesmeaj;e _o bgm util
Q._u_.1eleitavel. -- -
vez de outro, a não s~r p.elo acaso (57). ~ Bem !ionesto é o bem.._appeteciye!_ PJ2.r 1;1i
Ora, di~r .9...ue todo agente opera em vista o:::
Q] mesmo, inde enqentemente de qualquer utili-
1de um fim e ue todo agente :Rrocura o. s.1i11
proprio bém são _e~r~.iie.s. e-q,_uiyalentes. O
or- dade ou __prazer subsequente. Bem util é o que
cn se deseja ~ o um meio ara alcançar outro
fim implica a idéa de be:tt'.l. Se assim não fosse, .'..)
bem. Bem deleitavel é o 9.ue proporciona um
ô
::,
(56) Cr. ~.lQQ.11 l,Aç.&,J'lGE, Le r6al-i8me d!,L.~-
pe de finalité Desclée De Brouwer, Paris, pgs, 139-141,
<
(/)
·-- - -
prazer sensivel. É o bem _hon.esto, isto é, o
bem conforme á recta razão ue es ecifica n,
Raz.ãg es ~ulflilit: e. razão .PJa.tica não são duas íacR,lda-
des di:Versas, mas diversos modos de .ser da m~sma faculd!!=
5
o ___ -
ordem moral e ·uridica. Quanto ao -bem delei-
ta vel, deve conformar-se ao bem ho!!_esto, s-pb
de. A rázâo ode siDJI!ksm.enta..conhecer a cousa,:i, ~ o -
d pena do homem degradar-se
- - - -ao- nivel---
dos ani-
:r1heee~o~ bfacti,vo J..!3tic.2.,. para· dirigir a acção. Em
ambos os casos, a facul~ad~ c:l_e conhe~imento é a mesma. .,,._ -- - ---.•
Mas, ~~nto a ad., eapec.ulati.Y.a ae · it nliecer m.ae~ _hrutos, que vivem~ ó :Qelos sentidos.
o que i, a razão pratica diz o que deve ML. i. é, como o ho-- Em.quanto 9 di;reito_.natural classico se
m~ d~V-;J ~r -ar; ; ®lizflr 4ªtft:l)'linado.s finsL Note-se
que os principios assim estàbeleeidos pela razão pratica di- :fundamenta no bem honesto, o ositivismo P._ro-
rigem remotamente a acção, ~endo ser com.n1et:idos pela cur~ geralmente encontrar o fund:yn5mto oll-
RrJ.L4elWW., Ahi está fundamento _ga distincç!o• entre scien•
das es.pecuJat'vas oJI_ fue~.w, (psycholog'ia, biologia, phy- jectivo do direito no bem util. Ora, 9 bem util
sica, chimica, etc.) _!!_ o:pel"<!tivas_9u.Jl~,!',t!CAS (moral, direito, só ode §_er comprehendido como_um me·io ao
wonomia politica, etc.) .
contr~rio elo bem h ~ sto, ci.u~se rocuruor
(57) Of. A!USTOTELES, Phys., II e SANTO TBOMAZ lJE
si mesmo, e do bem deleitavel, que é o termo
AQUINO, S. Th., I.a, II.ae, q. 44, art. 4 e Contra Gent., III, 2 e 3.
- - - - --- ----
88 O POSITIVISMO JURIDICO
dos movunentos do a etite seI!§ivgl. Só o
bem hQne$tQ eJl bem delei.t,~el qgnstifaiem ro-
priamente um fim. E por isso, não .Il d_e o
bem util es_pe~ificar as nossas__ac_ções, porque
--
a moralidade destas depende do fim ue teem
em vista.
-- ------ --
Eis a razão ela ual os positivistas ue
fundamentam suas doutrinas nQ.. b.e util são
incapazes de construir uma philosopbia do_ji-
rcito completa.
* * *
Vivos e acalorados teem sido os debates
em torno do direito natural. Não cremos que
os preconceitos accumulados contra esta idéa
possam amortecer o echo das pregações feitas
pelos juristas que, em grande numero e entre
os mais notaveis, reatam os laços quasi intei-
ramente rompidos de uma tradição multi-•
secular.
Infelizmente, porem, a alguns dos novos
adeptos do direito natural falta um melhor co-
nhecimento da authentica pbilosophla que per-
mittiu áquella tradição produzir os seus mais
sazonados fructos. E para comprehender o di-
reito natural, tal como se formou atravez do
E O DIREITO NATURAL 89
longo ev{)lver de doutrinas que remonta a Aris~
toteles e ao direito romano, é preciso conhecer
as suas bases metaphysicas.
Alludindo a certos p.rincipios f--undamen-
taes da metaphysica do ser, particularmente
dignos de attenção pelas suas repercussões na
philosophla do direito, quizemos indicar algu-
mas verdades que os actuaes propugnadores
do direito natural nem sempre teem posto em
evidencia como seria de desejar. Taes, por
exemplo, o principio de finalidade e a reduc-
ção da idéa de justo á idéa de bem.
Verdades de senso commuru como ~tas,
são as que mais patenteiam a necessidade do
4i.r~iio natural e a insufficiencia do positi-
vis;mo _j11ridiço.
Lembremos que o sertso com.m.._.._.__._._.ão é
toda a philosophia, ma~ deye servir de ontn
de partida a qUAlquer s;rstema p.hil9sophi_co
que não gueíra ser- um devaneio ou uma con-
fissão da incapacidade da razão humana ara
attingir a verdade.
Nas--distinc ões feitas .elo -
senso
- ~ . - - -curo-
1.!!1!!!!, entre o be.m e o mal, o justo e o injusto.
está a ori &_m_g.o conceito_ de direito __patural.
Desde ue se_J!dmitte q,,ue o direito sa .redu'.l
90 O POSITIV I SMO JURIDICO

á justiç3!: e -ª _justi . ~ eduz ao bem, deve-s~

necessariamente admittir que ha um direito
-
natural.
--- - - - !-
z
~

O positivismo juridico absolu o é incom- O:'.'.

m
pativel com aquellas distincções. Como disse•• o
mos, de inicio, e pensamos haver demonstrado, ~

no transcurso destas paginas, o positivismo ju- ~

(9
ridico absoluto, isto é1 o que nega o direito na- ::)

tural, só é defensavel, sem illogismo, pelos qu-e <

Cf)
reduzem o direito ás determinações arbitrarias. :>
da força preponderante na sociedade. o
_j

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 INDICE

Paginas
Adverlencia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
Capitulo primeiro - Do direito natural classico
ao positivismo jurídico . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Capitulo segundo - O positivismo juridico e o
fundamento do direito . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
Capitulo terceiro - Ã necessidade do direito
natural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
Bibliognphia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

CLOVIS AUGUSTO BRlANT

~ste Iiv-ro foi composto e impresso,
nas oficinas da "Empreza Gráfica
da "Revista dos. Tribunais", á rua.
Conde de Sarzedas, 88, São .P'aulo..