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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES

FENÔMENO DA GLOSSOLALIA E SEUS SIGNIFICADOS


NO MOVIMENTO CARISMÁTICO CATÓLICO

MARIA DE LOURDES SOUSA VIEIRA GOMES

João Pessoa-PB
2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES

FENÔMENO DA GLOSSOLALIA E SEUS SIGNIFICADOS


NO MOVIMENTO CARISMÁTICO CATÓLICO

MARIA DE LOURDES SOUSA VIEIRA GOMES

Dissertação de Mestrado apresentada no Programa


de Pós-Graduação em Ciências das Religiões, da
Universidade Federal da Paraíba, como requisito
para obtenção do título de Mestre em Ciências das
Religiões.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maristela Oliveira de Andrade

João Pessoa-PB
2009
G633f Gomes, Maria de Lourdes Sousa Vieira.

Fenômeno da glossolalia e seus significados no


movimento carismático católico / Maria de Lourdes
Sousa Vieira Gomes.- João Pessoa, 2009.
120f.
Orientadora: Maristela Oliveira de Andrade
Dissertação (Mestrado) – UFPB/CE
1. Religião. 2. Renovação Carismática Católica. 3.

UFPB/BC CDU: 1(043)


TERMO DE APROVAÇÃO

MARIA DE LOURDES SOUSA VIEIRA GOMES

FENÔMENO DA GLOSSOLALIA E SEUS SIGNIFICADOS NO


MOVIMENTO CARISMÁTICO CATÓLICO

Dissertação aprovada no dia ____ de ______________ de 2009, como requisito para a


obtenção do título de Mestre em Ciências das Religiões, pelo Programa de Pós-Graduação em
Ciências das Religiões, da Universidade Federal da Paraíba pela banca examinadora.

________________________________________
Profª. Drª Maristela Oliveira de Andrade
Orientadora

________________________________________
Profª Drª Maria Otília Telles Storni
Supervisora Interna

________________________________________
Prof. Dr. Adriano de Leon
Supervisor externo
AGRADECIMENTOS

Ao Divino Pai Eterno, Trindade Santa, por permitir que conseguisse chegar ao término desta
caminhada, apesar das adversidades, e pela certeza de que este trabalho foi mais um passo da
nova trajetória a ser percorrida, que mudou a minha vida, tornando-a mais humana e mais
espiritualizada.

À minha família, esposo, filhos e colaboradores do dia-a-dia, que foram compreensivos, nas
ausências e nas presenças, apenas físicas e, ao mesmo tempo, distantes, pelo envolvimento
com o curso e com a elaboração do presente trabalho.

Aos professores do curso, que transmitiram os seus ensinamentos, possibilitando que este
trabalho tomasse corpo. Em especial, à Professora Maristela, que, de forma segura e muitas
vezes até maternal, me apoiou; a Maria Otília e Patrícia Formiga, Professoras que me
apoiaram no primeiro momento em que me decidi pelo tema, conseguindo trabalhos
científicos sobre o assunto, e à Mestra Marileuza, colega de turma que vem me
acompanhando nos passos deste trabalho, gestado na Especialização, em Ciências das
Religiões; ao Mestre amigo Wallace pelo apoio, na formatação, ao Prof. Nivaldo Rodrigues,
pela revisão de linguagem, à Luciene pela formatação, Drª Ana Maria Ferreira, Drª Ana Maria
Córdula, pelo apoio que me foi dado e a Enélio, amigo que de repente chega, e com sua
simplicidade foi um instrumento na mão de Deus e conseguiu me levantar.

Aos entrevistados e ao Coordenador do Movimento da Renovação Carismática Católica da


Igreja e Comunidade das Mercês, na pessoa do Professor Gerôncio Vilar o meu obrigada.

Aos colegas de turma, com os quais muito aprendi, meu muito obrigada.
A experiência do sagrado torna possível a fundação do
Mundo’: lá onde o sagrado se manifesta no espaço, o real
se revela, o Mundo vê à existência.
Mircea Eliade (2001, p. 59)

Fala-se com os homens, com os santos, consigo, com


Deus... E ninguém entende o que se está cantando e a
quem...
Mas terra e sol, luas e estrelas giram de tal maneira bem
que a alma desanima de queixas
Cecília Meireles, “Amém” (em Vaga Música)
RESUMO

GOMES, Maria de Lourdes Sousa Vieira. Fenômeno da glossolalia e seus significados no


Movimento da Renovação Carismática Católica. 120f. Dissertação de Mestrado em
Ciências das Religiões – UFPB. João Pessoa, 2009.

Esta Dissertação teve como objeto de estudo identificar o significado da glossolalia no


Movimento Carismático Católico e a sua correlação entre o aumento de fiéis nesse
Movimento com a emergência desse fenômeno além de investigar a freqüência do
mencionado fenômeno na Igreja e Comunidade das Mercês, nesta Capital, onde foi realizada a
pesquisa de campo entre seus membros. Foi realizado um percurso teórico da glossolalia
como fenômeno linguístico, religioso ou histórico com ênfase no campo bíblico, penetrando
no debate em torno da sua dimensão como sintoma psicopatológico no olhar da psicologia e
psiquiatria ou expressão mística, fundamentado nos seguintes teóricos, entre eles Mircea
Eliade, Rudolf Otto, Émile Durkheim, Freud, Jung, Brenda Carranza, Benigno Juanes,
Mauricio Ricci, entre outros e culminou com a pesquisa de campo sobre a Glossolalia – Dom
de Línguas. Fizemos uma rápida análise da Renovação Carismática Católica no Brasil, suas
características e doutrina, bem como apresenta uma visão dos carismáticos, abordando o
Espírito Santo e o batismo no próprio Espírito Santo. Tecemos algumas considerações sobre a
Renovação Carismática Católica e a Igreja, lançando um olhar para o êxtase, o transe e a
possessão entre esses fiéis. Na pesquisa de campo foi utilizada como metodologia, o método
etnográfico, através de observação participante e descrição etnográfica, com entrevistas e
análise dessas entrevistas entre os referidos membros. A pesquisa permitiu ver o dom de
línguas como uma oração onde os fiéis, muitas vezes, demonstravam estados de êxtase e onde
a vivência do fenômeno, pela fala dos fiéis é tratada como uma experiência emocional.
Segundo a resposta dos fiéis entrevistados, não é o dom de línguas que é responsável pelo
aumento de fiéis na Igreja.

Palavras-Chave: Renovação Carismática Católica. Dons espirituais. Dom de línguas.


Glossolalia. Paz. Espírito Santo.
ABSTRACT

GOMES, Maria de Lourdes Sousa Vieira. Phenomenon of glossolalia and their meanings
in the Catholic Charismatic Renewal Movement. 120f. Dissertation of Master in Science of
Religion - UFPB. João Pessoa, 2009.

This dissertation has as object of study to identify the meaning of glossolalia in the Catholic
Charismatic Movement and its correlation between the increase of believers in that movement
with the emergence of this phenomeno besides investigate the frequency of that phenomenon
in the Church and Community of Mercy in this Capital, where he was carried out field
research among its members. This was a theoretical route of glossolalia phenomenon as
language, religious or historical emphasis on biblical field, enters the debate about its size and
psychopathological symptoms in eyes of psychology and psychiatry mystical expression or, in
the following theoretical reasons: Mircea Eliade, Rudolf Otto, Emile Durkheim, Freud, Jung,
Brenda Carranza, Benigno Juanes, Mauricio Ricci, among others, and culminated with a field
research on Glossolalia - Gift of Languages. We did a quick analysis of the Catholic
Charismatic Renewal in Brazil, its characteristics and doctrine, and presents a vision of the
charismatic, addressing the Holy Spirit and baptism in the Holy Spirit. We presents some
considerations on the Catholic Charismatic Renewal and the Church, casting a glance at the
rapture, the trance and possession of those believers. In field research methodology was used
as the ethnographic method, through participant observation and ethnographic description,
with interviews and analysis of interviews between these members. The research shows the
gift of tongues like a prayer, where the believers often showing states of bliss and where the
experience of the phenomenon by speaking of the faithful, it is an emotional experience.
According to the response of respondents who believe it is not the gift of language that is
responsible for the increase of believers in the church.

Keywords: Catholic Charismatic Renewal. Spiritual gifts. Gift of languages. Glossolalia.


Peace Spirit.
LISTA DE QUADROS

QUADRO 01: Calendário semanal das atividades do Movimento Carismático Católico na


Igreja das Mercês............................................................................................73

QUADRO 02: Calendário semanal das atividades do Movimento Carismático Católico na


Comunidade das Mercês.................................................................................74

QUADRO 03: Sensações Físicas dos entrevistados referente ao fenômeno da glossolalia.....82

QUADRO 04: Sensações psicológicas / emocionais dos entrevistados referente ao fenômeno


da glossolalia...................................................................................................84

QUADRO 05: Sensações místicas dos entrevistados referente ao fenômeno da glossolalia...86


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................................... 12

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA................................................................................. 15
2.1 A DIMENSÃO PSICOLÓGICA E EMOCIONAL DA RELIGIÃO......................... 15
2.2 A GLOSSOLALIA SOB DIVERSOS OLHARES.................................................... 21
2.2.1 A glossolalia como fenômeno lingüístico.......................................................... 23
2.2.2 A glossolalia como fenômeno psicológico e psicopatológico........................... 24
2.2.3 A dimensão religiosa e o elemento místico da glossolalia................................. 32
2.2.3.1 Glossolalia como prece.......................................................................... 36
2.2.4 A glossolalia como fenômeno histórico no discurso Bíblico............................. 38
3 MOVIMENTOS RELIGIOSOS................................................................................. 45
3.1 O PROTESTANTISMO: PENTECOSTALISMO E
NEOPENTECOSTALISMO....................................................................................... 45
3.2 O PENTECOSTALISMO E O NEOPENTECOSTALISMO NO
BRASIL....................................................................................................................... 47
3.3 CARISMAS E OS DONS ESPIRITUAIS........................................................... 49
3.3.1 A palavra “carisma” – sua trajetória e conceitos..................................... 49
3.3.2 Conceito sobre os dons espirituais........................................................... 49
3.3.3 Os dons espirituais na Bíblia e no contexto da Obra Paulina................... 51
3.4 O MOVIMENTO DE RENOVAÇÃO CARISMÁTICO CATÓLICO (MRCC):
HISTÓRICO E SUAS CARACTERÍSTICAS................................................... 52
3.4.1 Os carismáticos e o Espírito Santo........................................................... 56
3.4.2 O batismo no Espírito Santo..................................................................... 58
3.4.3 O êxtase, o transe e a possessão entre os carismáticos católicos.............. 58
3.5 O MOVIMENTO DA RENOVAÇÃO CARISMÁTICA EM JOÃO PESSOA –
HISTÓRICO................................................................................................................ 65

4 METODOLOGIA, DADOS EMPÍRICOS E ANÁLISE........................................... 67


4.1 MÉTODO ETNOGRÁFICO...................................................................................... 67
4.1.1 Observação participante.................................................................................... 68
4.1.2 O rationale do método etnográfico................................................................... 68
4.1.3 A descrição etnográfica..................................................................................... 70
4.1.4. A Pesquisa empírica: descrição etnográfica..................................................... 71
4.1.4.1 A observação do ritual onde emerge a glossolalia................................ 74

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................... 90

6 REFERÊNCIAS.............................................................................................................. 94
APÊNDICES.................................................................................................................. .107
Apêndice A – Roteiro de Entrevista................................................................................ 108
Apêndice B – Autorização dos Entrevistados................................................................. .109
Apêndice C – Depoimentos.............................................................................................. 110
12

1. INTRODUÇÃO

O fenômeno da glossolalia tem aumentado em rituais católicos, nos encontros do


Movimento da Renovação Carismática Católica, tornando-se um instigante tema de estudo,
pois ocupa lugar central na Teologia Pentecostal e Neopentecostal, bem como no Movimento
Carismático Católico, sendo admitido como uma manifestação explícita do batismo no
Espírito Santo (RICCI 2006), batismo este que é feito “no fogo”.
Esta Dissertação objetiva investigar o fenômeno da glossolalia através dos significados
no movimento carismático católico, cuja pesquisa empírica foi realizada na Comunidade de
Nossa Senhora das Mercês ligada à Igreja e Comunidade do mesmo nome, na cidade de João
Pessoa/Paraíba.
O dom de línguas foi objeto de uma primeira reflexão, por ocasião da elaboração da
monografia, no Curso de Especialização em Ciências das Religiões, também na Universidade
Federal da Paraíba. Por esta razão resolvemos aprofundar e analisar o significado desse
fenômeno no Movimento de Renovação Carismática Católica.
A experiência da oração em línguas, ou, o ato de falar em línguas, é ligado ao
entendimento de que se está movido pelo Espírito Santo, tem sido experimentado e traduzido
de formas distintas, no decorrer das diferentes épocas e culturas. Desde o início do século XX
ressurge no Protestantismo na vertente pentecostal e mais tarde no Catolicismo, o Movimento
Carismático. A esse respeito, Juanes (1997, p. 15) esclarece:

“Está sendo novamente outorgada aos cristãos de todo o mundo, em medida


crescente, a experiência da oração em línguas, que foi amplamente espalhada
pela Igreja primitiva (Mc 16,17; At 2,4; 10,46; 19,6; 1Cor14) e por meio de
toda a história da igreja, permaneceu viva em algumas pessoas em particular.
É um dos fenômenos mais admiráveis na história recente da Igreja o fato de
que este tipo de oração tenha novamente irrompido em amplas latitudes e
suscite, da mesma forma que na primeira festa de Pentecostes, surpresa,
perplexidade e, inclusive, censura” (At. 2,12).

Para muitos não é possível precisar em que momento do desenvolvimento da


linguagem humana surge e evolui a glossolalia, mas, no decorrer do estudo do campo
histórico, foram encontradas algumas trilhas que puderam ajudar e que serão apresentadas no
item correspondente. Poder-se-ia pensar no ‘grito primal’ no nomear adâmico1, nos gemidos
de dor, prazer, gozo, medo, terror, alegria, festa, enfim, na ligação mágica entre palavra e
coisa nomeada” (OLIVEIRA JÚNIOR, 2000, p. 21).

1
[do latim Adam, ‘Adão’ + ico] Adj, 1. Relativo a, ou próprio de Adão, o primeiro homem, segundo a tradição bíblica.
13

Também pode ser entendido que as glossolalias são enunciados desprovidos de


sentido, mas estruturados fonologicamente de forma que o locutor acredita ser uma língua
real, porém não possuem nenhuma semelhança sistemática com uma língua natural qualquer,
viva ou morta (FREIRE, 2007, p. 10), mas “esse dom foi mencionado por Cristo em forma de
uma promessa que possibilitava aos apóstolos pregar o evangelho na linguagem daqueles que
iam ouvir as boas novas da salvação” (GROMACKI, 1980, p. 95).
O dom de orar em línguas foi um fenômeno que aconteceu pela primeira vez, no dia
de Pentecostes2 festa da Igreja Católica em memória da descida do Espírito Santo, segundo
consta em Atos dos Apóstolos, o que envolveu o lugar onde os apóstolos estavam reunidos e
encheu-os com seus dons. Dentre esses dons estava o poder de falar em línguas, que também
é uma forma de oração. Assim diz a narrativa:

“E, cumprindo-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo


lugar. De repente veio um som, como de um vento veemente e impetuoso, e
encheu toda a casa em que estavam assentados. E foram vistas, por eles,
línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um
deles. E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras
línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem” (At. 2, 1-6).

Esse fato provocou muito espanto e admiração na cidade de Jerusalém, onde viviam
povos originários de diferentes lugares, que falavam distintas línguas, conforme relatam as
Escrituras. Com o passar do tempo, a festa de Pentecostes foi recebendo outros significados.
Durante o período inter-bíblico e posteriormente a ele, a festa de pentecostes também passou a
comemorar o aniversário da transmissão da lei dada por Deus a Moisés no Sinai. Mas não é só
isso. Assim como a celebração das primícias, Pentecostes também apontava para bênçãos
maiores que Deus concederia no futuro, como por exemplo, a inauguração da Igreja
Neotestamentária em Atos 2.2.
Nesta dissertação pretendemos estudar como problema o fenômeno da glossolalia, a
sua constituição como oferta religiosa de experiência com o sagrado, que seria
hipoteticamente o grande fator de atração de católicos que optaram por se manter fiéis a sua
religião, sem necessitar buscar experiências similares de êxtase, transe ou possessão
oferecidas por outras religiões concorrentes, como o pentecostalismo ou as religiões de
possessão propriamente ditas.

2
Significa “cinqüenta”, é o nome grego para a Festa das Semanas do Antigo Testamento, visto que esta festa ocorria no
qüinquagésimo dia (sete semanas) depois da Páscoa. Junto com as festas da Páscoa e dos Tabernáculos, Pentecostes era
uma das três festas de peregrinação anual dos judeus: Uma festa de colheita, ela marcava o começo do tempo quando o
povo trazia suas ofertas das primícias. Levítico (23.15-21) fornece o relato mais detalhado do ritual observado durante a
festa. A observância é também conhecida como Festa da Sega (Ex. 23.16) e Dia das Primícias (Nm. 28.26). Dicionário do
Movimento Pentecostal, verbete da p. 631.
14

Entre os objetivos, pretendo no geral, identificar o significado da glossolalia no


Movimento Carismático Católico e a sua correlação entre o aumento de fiéis, nesse
Movimento, com a emergência do fenômeno da glossolalia nas Igrejas Católicas, onde
ocorrem as reuniões desse movimento. Como objetivos específicos, procurei investigar a
freqüência do fenômeno da glossolalia em uma das igrejas envolvidas pelo MRCC em João
Pessoa-PB; detectar os efeitos individuais da glossolalia nos fiéis que desenvolvem e tem esse
dom e analisar se ocorre durante o fenômeno da glossolalia algum evento visual, auditivo ou
místico, dito pelos fiéis.
Esta dissertação apresenta-se estruturada na introdução e em três capítulos da seguinte
forma:
1) No primeiro capítulo foi desenvolvida a Fundamentação Teórica, apresentando as
principais categorias de análise e o diálogo com os autores, subdividida em a dimensão
psicológica ou emocional da religião e a glossolalia sob diversos olhares e este em quatro
sub-capítulos: a glossolalia sob diversos olhares: a glossolalia como fenômeno lingüístico; a
glossolalia como fenômeno psicológico e psicopatológico; a dimensão religiosa e o elemento
místico da glossolalia, ainda como uma sub-divisão a glossolalia como prece e a glossolalia
como fenômeno histórico no discurso bíblico.
2) No segundo capítulo, desenvolvido em cinco subcapítulos onde foram estudados os
Movimentos Religiosos. O protestantismo: pentecostalismo e neopentecostalismo;
Pentecostalismo e o Neopentecostalismo no Brasil; Carismas e os dons espirituais, este em
três sub-itens: A palavra “carisma” – sua trajetória e conceitos; Conceitos sobre os dons
espirituais e os Dons Espirituais na Bíblia, no contexto da Obra Paulina; O Movimento de
Renovação Carismática Católica (MRCC): Histórico e suas características, este subcapítulo
em três sub-itens: Os carismáticos e o Espírito Santo, o Batismo no Espírito Santo, o êxtase, o
transe e a possessão entre os carismáticos católicos; e o último subcapítulo: O Movimento da
Renovação Carismática Católica em João Pessoa, o seu histórico;
3) No terceiro capítulo foi desenvolvida a Metodologia, através do Método
Etnográfico e apresentada com a observação participante, o rationale do método etnográfico,
a descrição etnográfica, a pesquisa empírica: descrição etnográfica e o ritual onde emerge a
glossolalia. Por fim as Considerações Finais, referências Bibliográficas, Apêndice: roteiro de
entrevista, autorização dos entrevistados e depoimentos.

.
15

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 A DIMENSÃO PSICOLÓGICA OU EMOCIONAL DA RELIGIÃO

É mister iniciar a fundamentação teórica desta dissertação pelo estudo e visão de


alguns teóricos da psicologia em relação ao fenômeno religioso, visto que a glossolalia
constitui uma experiência que perpassa pelo psicológico ou emocional dos fiéis, encontrando-
se esta afirmação fundamentada nos estudiosos a seguir citados e transcritos os seus
entendimentos.
Ribeiro (2004) e Lopez (2001) apud Santos (2006, p. 12), ao explicarem a ligação
entre religião e psicologia, lembram que o homem deve ser visto na condição de um ente que
carrega dentro de si o instinto da divindade; portanto, éportador de uma predisposição
conatural para a experiência religiosa.
Para Layang apud Santos (2006, p. 35) a “religião se apresenta como um mecanismo
que reforça valores”. Uma outra contribuição da vivência da religião em seu entender, é que
consiste na mudança de comportamentos traduzidos em atitudes novas por parte dos
indivíduos.
Sobre o entendimento teórico na área da psicologia da religião, é conhecido que a
psicanálise sistematizou como base um método de conhecimento acerca do comportamento
psíquico que revolucionou o conceito de pessoa ao longo dos tempos. Apresentou o sistema
de inconsciente e um novo meio de fazer ciência, de se aprofundar no desconhecido,
investigar algo que poderia ser pensado como banal e natural e verificar que na vida dos seres
humanos existem fatores predominantes e marcantes em cada indivíduo, influenciando-a e
conduzindo-a, muitas vezes, por experiências marcantes no decorrer de sua vida. Dentro deste
entendimento pode perfeitamente ser convalidado com as respostas dadas pelos entrevistados,
nesta pesquisa. Cada uma delas traz, através das suas experiências vividas, aquelas que são
marcantes em suas vidas.
Nos escritos de Freud a partir de 1907/1966, através dos seus estudos em “atos
obsessivos e práticas religiosas” lembrando que o mesmo não traz a religião como objeto de
estudo, são apenas comentários nesses escritos onde para esse estudioso a experiência
religiosa se apresenta como uma dimensão relacionada ao desenvolvimento da fantasia
infantil e uma ligação com certas estruturas neuróticas, como na neurose obsessiva
compulsiva, sendo que a neurose é individual, ao contrário da religião que é uma prática
16

coletiva universal. Neste sentido é pertinente lembrar Schuler apud Santos, (2006, p. 14) que
diz que as “demandas da clínica levaram Freud a refletir sobre a religião”.
A religião para Jung (1971) personifica as dimensões mais profundas da psique
humana e na sua ausência poderá ser desenvolvida a neurose. Freud em O Mal Estar da
Civilização (1927/1966), explica que o instinto, através de suas formas e dos princípios que o
estruturam despertou-lhe preocupações. Isto é percebível quando, ao final desta obra, o autor
chegou a falar de instinto (pulsão) de vida ou Eros e do instinto de morte ou Thanatos. É neste
contexto, que ele explica: o instinto (pulsão) de vida se expressa, por exemplo, no amor,
criatividade e na construtividade. Enquanto que o instinto (pulsão) de morte se expressa por
meio do ódio e da destruição. Este último instinto é forte e tem poder, porque o homem é
agressivo (homo homini lupus)3. Ele não condena a civilização, mas condena às repressões
em dar origem à angústia, podendo chegar até a morte propriamente dita.
É, no entanto, neste contexto de desamparo e de sofrimento que ele insere a sua
discussão sobre a religião e assim, as pessoas ao se depararem com o sofrimento que a vida
oferece, no seu discurso, são obrigadas a criar uma pretensa esperança de uma vida melhor.
Assim ele escreve: “A vida, tal como a encontramos, é árdua demais para nós; proporciona-
nos muito sofrimento, decepções e tarefas impossíveis (p. 83).” Neste contexto de desamparo,
Freud enfatiza a solução para esse sofrimento, encontrando sua solução na religião.
A religião é responsável em conferir esperança para as pessoas, onde há tristeza.
Portanto, nessa linha de raciocínio, a maneira para a pessoa se livrar do sofrimento e alcançar
a felicidade está na vivência da religião. Freud, ainda no seu escrito antes citado, no Mal Estar
da Civilização, a experiência na religião com o sagrado encontra relação com a figura do pai.
Em 1931 Freud publica O Futuro de uma Ilusão, onde ele procura explicar que a
religião está associada às experiências infantis. A criança poderá criar em sua consciência
uma imagem muito perfeita e angelical da figura dos pais, principalmente do pai, que nunca
erra e que protege os filhos, e à medida que vão crescendo percebem que esses pais são fracos
e passam a projetar uma figura equivalente ao pai, que por sua vez é um celeste e que através
da língua dos anjos, como é conhecido o dom de línguas, os entrevistados podem através da
presença do Espírito Santo, em cada um, chegar a Deus, que é Pai. É um pai que pune e
também perdoa.
Freud (1931, p. 41) vê a religião como uma ilusão. “Avaliar o valor de verdade das
doutrinas religiosas não se acha no escopo da presente investigação. Basta-nos que as

3
“O homem é lobo do próprio homem”.
17

tenhamos reconhecidas como sendo, em sua natureza psicológica, ilusão”. Ilusão esta que
nem sempre é verdadeira, mas é melhor acreditar que seja verdadeira, ora favorável ora
desfavorável, como dizem Zilboorg (1969) e Slavutzky (2003) apud Santos (2006, p.16),
“cultivar um sentimento de ilusão, não é um erro, porque imaginar é preciso”.
Fromm (1956) apud Santos (2006) ensina que as pessoas precisam se esforçar para
superar a compreensão infantil de Deus, muitas vezes transmitida pelas religiões. Esse
estudioso identifica dois aspectos da religião: o patriarcal e o matriarcal. No aspecto patriarcal
há uma prevalência do desejo de amar a Deus como um pai, um pai que poderá ser rigoroso e
punir, mas também poderá recompensar, em relação os atos realizados pelo indivíduo, que ele
irá escolher como favorito. No aspecto matriarcal prevalece um amor a Deus como se fosse
um amor de mãe. É um amor incondicional, não há punição, porque o filho sente-se
importante, acolhido e compreendido.
Santos (2006) continua dizendo que Fromm (1987) fala em dois princípios na maneira
de crer do indivíduo. É o sentido do ter, e o modo de ser. A fé no sentido do ter significa uma
espécie de posse diante de uma realidade, em que não é possível ter provas racionais. Em
outras palavras, a fé no modo de ter leva o indivíduo à relação com Deus como se este fosse
um ídolo.
É a fé no modo de ter funciona como uma “muleta” para os que querem andar e viver
na pura certeza, porém, esse modelo de fé não leva o indivíduo a procurar as respostas acerca
das contradições da vida por si mesmo. Pode-se viver, por exemplo, no comodismo, como
assinala Fromm (1987).
Quanto ao papel da religião na vida de alguém, Fromm (1987) apud Santos acredita:

“[...] que impulsos ‘religiosos’ contribuem com a energia necessária para


motivar homens e mulheres na realização de drástica mudança social e que,
portanto, uma nova sociedade só pode ser ensejada se profunda
transformação no coração humano-se um novo objeto de devoção tomar o
lugar do atualmente existente”. (p.135)

Carl Gustav Jung (1875-1961) se tornou conhecido por meio de seus escritos na área
da psiquiatria e da psicanálise. Para ele, o inconsciente pessoal (1971/2005) é formado
fundamentalmente de vivências complexas, enquanto o inconsciente coletivo (1971/1986) é
formado por meio de arquétipos (SANTOS, 2006).
O inconsciente coletivo, em seu dizer, é hereditário. Esta explicação esta que será feita
com mais precisão na parte do estudo de Deus como arquétipo do inconsciente coletivo. No
entanto, é dito como hereditário (1971/1986) porque aparenta ser idêntico em todas as
18

culturas e civilizações, constituindo, assim, um substrato psíquico comum, presente em todos


os seres humanos. O arquétipo, fala Jung (1961/2003), compõe-se de esquemas de
comportamentos instintivos responsáveis pelas reações psíquicas, presentes, sobretudo, nas
mitologias e nas tradições religiosas, conforme a leitura de SANTOS (2006).
Para Jung, a religião é um fator determinante na vida dos indivíduos, porque “(...)
além de ser um fenômeno sociológico ou histórico, é também um assunto importante para
grande número de indivíduos” (p.1). Quanto à definição ele diz: “Religião é - como diz o
vocábulo latino religare - uma acurada e conscienciosa observação daquilo que Rudolf Otto
acertadamente chamou ‘numinoso’, isto é, uma existência ou um efeito dinâmico não
causados por um ato arbitrário, mas sua vítima do seu criado” (sic) (SANTOS, 2006, p. 30).
Jung (1971/1988), ao definir o termo religião, não está preocupado com os credos e
rituais das religiões, mas as experiências religiosas originais que decorrem por meio do
indivíduo em relação à prática religiosa. A religião para ele não precisa ter seu apoio na
tradição e nem na fé, mas sua verdadeira origem encontra-se nos arquétipos; por isso, ele
entende que religare expressa a essência da religião.
Segundo Palmer (2001) apud Santos (2006), se a experiência religiosa é uma
experiência numinosa, isto requer dizer, então, que esta experiência é ativada por um
arquétipo, o qual é um númeno. Númeno no sentido de possuir um valor mais elevado, por se
tratar de uma revelação.
Santos (2006) diz que Ulanov (2002) explica que uma vez que o homem não consegue
responder: quem é Deus? Objetivamente, é possível falar de Deus somente por meio da
experiência pessoal ou através das experiências de outras pessoas. Por isso, o inconsciente não
é em si Deus; mas pode ser visto como o meio pelo qual Deus fala. Dada esta complexidade,
Ulanov ensina que Jung tematiza, portanto, que religio e religare significam unir a
experiência individual ao domínio comum da tradição religiosa. Para ele, a religião ensina que
é preciso, na condição de indivíduos, fazer experiência com o numinoso, porque essa relação
estabelece um processo de transcendência.
Seminério (1998), outro estudioso de Jung, segundo Santos (2006), afirma que ele não
se propõe a avaliar o lado racional da crença. Dito de outra forma, ele não está preocupado em
explicar por que o homem crê em Deus, mas tenta demonstrar como é Deus na psique
humana. Para Dyer (2003), Jung não está preocupado em responder se Deus existe ou não. A
temática levantada por ele está na imagem que as pessoas têm acerca de Deus (SANTOS,
2006, p. 30).
19

Quanto à religião, Jung (1971/1988) encontra nessa experiência um valor substancial


para a vida do ser humano. Esse valor não está relacionado com o conteúdo apresentado pela
religião, mas sim, na maneira como o indivíduo a vivencia. Vê-se o quanto se aproximam da
teoria apresentada os discursos dos entrevistados, no valor da religião para eles, para a sua
vivência como seres humanos e como se tornam felizes com ela.
É sabido que Jung (1971/2004) considera a religião, algo de grande importância para o
crescimento das pessoas, como uma oportunidade concedida ao indivíduo, no sentido de
nortear o crescimento levando o mesmo ao processo de sua individuação. Ele diz: que: “O
lado sombrio também pertence à minha totalidade, e ao tomar consciência da minha sombra,
consigo lembrar-me de novo de que sou um ser humano como os demais” (p.57).
Para Santos (2006), Jung ensina que o homem cria de forma espontânea as imagens de
cunho religioso. Religião, para ele é relação. Relação que por sua vez pode ser voluntária ou
involuntária, porque se trata de um processo psíquico. E a esta força ou processo psíquico
Jung chama de Deus. É preciso dizer que Deus, para Jung (1971/1988), corresponde a uma
concepção da imagem que o indivíduo cria acerca de Deus. É bom recordar mais uma vez que
Jung (1961/2003) enfatiza que a religião proporciona o crescimento humano.
Durkheim (1917/2003) apud Santos (2006) ensina que a religião sempre fez parte da
existência humana e, que esta sempre dirigiu a conduta dos humanos. É, contudo, no cenário
social que ele insere a religião. Ele entende que a religião sempre teve um papel decisivo na
vida dos indivíduos para: “(...) manter o curso normal da vida” (p.10).
A religião, na perspectiva de Durkheim (1917/2003), encontra sua essência por meio
da categoria do Sagrado. Em outras palavras, o Sagrado é quem confere forças ao homem;
forças que nenhum outro ser será capaz de emanar para a vida de alguém. Por isso é que a
religião passou a ser também um objeto de estudo para ele, uma vez que a religião está
inserida no social. Para ele, então, a religião é uma expressão de ideal coletivo, por isso, é um
fenômeno puramente social. Quando os homens vivem separados, não possuem o sentido do
Sagrado, mas só quando estão reunidos em grupos sociais. A religião para ele nasce do social,
isto é, emerge do social. Ele, contudo, postula que o comportamento religioso somente passa a
existir quando o indivíduo convive em grupo. A religião nesta perspectiva seria uma
manifestação coletiva, o coletivo é que confere o sentido da prática e da vivência religiosa.
Nestas respostas, segundo a Autora desta dissertação, está o momento do sagrado, que
segundo Otto (1917/1985) apud Santos (2006), o Sagrado não pode ser definido, nem
ensinado, mas descrito por analogia ou metáfora. Desta forma, o objeto ao qual o numinoso se
dirige é o Mysterium Tremendum. Em seu dizer esta experiência ultrapassa o puramente
20

particular; por isso, ele admite a existência de um universal religioso presente em todas as
religiões. O numinoso precisa ser experienciado somente por um nível pré-reflexivel, isto é,
pela intuição, sendo, portanto, capaz de ser tratado por meio dos predicados e não por meio de
definições, porque existe aí um elemento não racional. Ele não apresenta um método
conceitual no estudo da religião, mas descritivo. Para ele o numinoso pode se expressar por
meio da música, da arquitetura e da poesia existentes nos hinos religiosos. É por isso que o
numinoso em sua compreensão é tido como a essência não-racional presente em todas as
religiões.
E continua Santos (2006), para Otto (1917/1985) o cristianismo possui conceitos
claros, ponderados e completos para falar do Divino, por exemplo, onipotência, vontade
finalista, espírito, razão e outros. Seguindo, portanto, este seu pensamento pode-se afirmar no
seu postulado que a pessoa com experiência religiosa consegue perceber o Sagrado como
Mysterium Tremendum. Sendo, portanto, que o Divino se manifesta como Mysterium
Tremendum, o mesmo não pode ser abarcado em sua totalidade, mas, os vestígios do
Mysterium Tremendum podem ser encontrados por meio dos monumentos e edifícios
religiosos. O Mysterium nesta ótica, em seu dizer, indica além do oculto, isto é, o não-
manifesto. O Mysterium corresponde ao admirável, por isso, o homem religioso é um
indivíduo que carrega em seu ser um maravilhamento estupefato diante do mistério, o qual ele
experiência como totalmente Outro.
Otto (1917/1985) apud Santos (2006), enfatiza, portanto, o aspecto vivencial da
religião, o qual passa pelos sentimentos, que leva à experiência do Sagrado. Para ele, o
homem é visto como um ser que possui uma predisposição conatural para a vivência religiosa.
Pode-se dizer que Otto (1917/1985) se interessa pelo estudo dos sentimentos que surgem no
homem mediante a experiência religiosa do numinoso.
Em Santos (2006) a concepção de homem religioso de Mircea Eliade (2001), converge
com o pensamento de Otto que, deseja viver e habitar um “(...) cosmos puro e santo” (p.61).
Esse autor complementa dizendo que o homem religioso percebe que à medida que sua
história vai se construindo, o Sagrado precisa ser apreendido. O cosmos se percebe como
mundo, na medida em que se revela como Sagrado. O mundo se vê como mundo, ou o
homem percebe o mundo de fato, como manifestação do Sagrado. O homem religioso
consegue captar as manifestações do Sagrado no universo.
É certo, portanto, observar que em seu pensamento ele assegura que ao falar do
Sagrado é preciso também falar do profano. O profano, em seu dizer, não possui um
significado particular na vida das pessoas. Por outro lado, o Sagrado é o responsável em
21

conferir um caráter de significado particular. Por isso, é que o Sagrado apresenta vários
aspectos, de acordo com as condições em que o homem se encontra em seu existir.
Para Santos (2006), no entender de Eliade (1957/2001), o homem religioso, no que
tange ao papel da religião em sua vida, tem como finalidade “(...) assegurar-lhe a
integridade”. (p.173), por isso, ele acentua que a vivência religiosa é, todavia, uma vivência
conatural presente na história e nas variadas culturas ao longo dos séculos.
Vale lembrar a importância de Eliade (1957/2001) para o estudo da religião. Portanto,
a religião em sua compreensão precisa ser explicada como função de algo, não importa o que
seja este algo, um aspecto da psique, da cultura, da sociedade ou outro qualquer. É certo,
portanto, que Eliade (1957/2001; 1963/2004) estuda o homo religiosus, à mercê dos
acontecimentos histórico-culturais.

2.2 A GLOSSOLALIA SOB DIVERSOS OLHARES

Apesar de ser a linguagem inerente à existência humana esta tem sido negligenciada
pelos historiadores, mas finalmente graças à nova história social, tem aumentado o interesse
pela fenomenologia da vida. Em décadas passadas, os críticos estruturalistas ensinaram-nos a
“desconstruir” textos, desenvolvendo novas técnicas para desnudar seus significados
complexos, segundo afirmaram Burke e Porter (1997, p. 15).
A teoria literária tem proporcionado contribuições de grande valia, mas, o maior
estímulo ao estudo sócio-histórico da linguagem no passado recente, afirmam Burke e Porter
(1997, p. 15), foi a análise do poder do discurso, por sua presença ou ausência, para definir,
coagir ou permitir, para vitimizar e transformar em bode expiatório, para exercer hegemonia e
organizar o consenso e para fazer, desfazer e refazer mundos vividos.
Como observa Burke e Porter (1997, p. 7), sem dúvida,

“Há histórias da linguagem que não fazem mais do que relatar as


transformações desta, renunciando, pois, a buscar seu sentido ou repercussão
na sociedade, bem como há análises da linguagem que observam seus
aspectos sociais, mas se restringem a um determinado período, perdendo,
assim, de vista o caráter histórico do modo como os homens nomeiam seu
mundo”.

Algumas comunidades religiosas, como os Pentecostais e os membros do Movimento


Carismático Católico, falam em “línguas,” e Paulo descreve o mesmo fenômeno em sua Carta
aos Coríntios (Cap. 12: v. 413):
22

“Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo; diversidade de


ministérios, mas o Senhor é o mesmo; diversos modos de ação, mas é o
mesmo Deus que realiza tudo em todos. Cada um recebe o dom de
manifestar o Espírito para a utilidade de todos. A um, o Espírito dá a
mensagem da sabedoria, [...] a outro o dom de falar em línguas, a outro ainda
o dom de interpretar”.

Existem em outras religiões orações que são mera repetição de sons que não querem
dizer nada, como no budismo, mas na maioria das sociedades todos falam, embora os
membros de algumas ordens religiosas optem por não fazê-lo durante muito tempo Há outros
que são silenciados por deficiências que podem ou não ser naturais: a censura arquetípica é a
excisão da língua. Escrever e ler são mais exclusivos. Conseguir que seus escritos sejam lidos
é motivo de especial autocongratulação, conforme o entendimento de BURKE e PORTER
(1997, p. 23).
A palavra “glossolalia” tem origem na língua grega, e é formada por dois elementos:
glossa (língua) e lalia (ato de falar línguas). O Dicionário Aurélio (1999. p, 992) aponta os
seguintes significados:

“[De glosso (o) + lal (o) + ia]. E. Ling. Psiq. Fenômeno que pode ocorrer
em situação de exaltação religiosa, caracterizado pelo comportamento de
certos indivíduos que começam, espontaneamente, a falar em línguas
desconhecidas, tidas como frutos de dom divino, mas que, ger. são línguas
inexistentes. [Tais línguas, ger. não apresentam significado sistemático para
palavras ou frases, têm poucas unidades estruturais previsíveis, muitas
repetições na cadeia sonora, e os falantes não conseguem repetir os
enunciados como os haviam pronunciado antes”.

Oliveira Júnior (2000, p.34) afirma que também podem ser encontradas no mundo
artístico formas diversas de práticas glossolálicas, com mais ênfase na música e na poesia. E
acrescenta:
“Revisitando os poetas de vanguarda do começo do século, tem-se alguns
registros de casos semelhantes. Na língua espanhola, o acontecimento
glossolálico na poesia é recorrente. O dadaísta Vicente Huidobro é
provavelmente a experiência mais radical. Ele se propôs a substituir a
realidade real pela realidade da imagem verbal.Em seus primeiros poemas,
Criacionistas, isso é exemplarmente figurado. Já num momento posterior,
Altazor, vai tirando das palavras sua carga de significados e nesta espécie de
canto elas, as palavras, buscam ser apenas “chocalhos, sementes”[...].

“Já o cubano Mariano Brull fez famosas suas “jitanjáforas”. Versos curtos,
poemas breves, frases e palavras de puro ritmo. Alusões a realidades
sensíveis? Quase nenhuma, muito raramente uma ou outra. Elas são para
Alfonso Reyes a materialização do lado irracional, mágico, extremo da
poesia. Sob este prisma, Reyes pensa o falar em línguas como mero jogo
verbal, o jogo está no limiar, no campo fronteiriço do sagrado [...]”.
23

A glossolalia, objeto desta Dissertação, expressa-se através de relações simbólicas


complexas, inseridas nos discursos do Movimento de Renovação Carismática Católica
(MRCC), como um tipo de oração denominada por este movimento do dom de línguas. No
entendimento de Robert Gromacki (1980, p. 95.), esse dom foi mencionado por Cristo em
forma de uma promessa que possibilitava aos apóstolos pregar o evangelho na linguagem
daqueles que iam ouvir as boas novas da salvação. A esse respeito, esclarece o citado autor:

“É interessante saber que há em grego duas palavras para novo – neos e


kainos. Neos é novo no sentido de tempo, recente e kainos é novo na forma
ou qualidade. Cristo usou kainos porque se referia ao novo não usado. Se o
“falar línguas” tivesse envolvido línguas desconhecidas, nunca antes faladas,
então Cristo teria usado neos (novo em referência a tempo). Mas, visto que
ele empregou kainos, tem que se referir a línguas estrangeiras, que eram
novas àqueles que as falassem, porém que já existiam antes”.

O próprio nome glossolalia, como etimologicamente conhecido, remete a língua e a falar


em línguas, portanto conduz a um campo interdisciplinar, entre o trabalho do historiador, do
sociólogo e do etnólogo e também do cientista político, do lingüista, para não falar de outros.

2.2.1 A glossolalia como fenômeno linguístico

O dom de falar línguas foi estudado a partir de vários ângulos por pesquisadores de
diferentes campos científicos: etnografia, sociologia, lingüística, psicologia e teologia.
Contudo, esses campos do conhecimento ainda podem contribuir muito para a compreensão
de um dom que, mesmo parecendo em nossos dias como algo exótico, tem uma existência tão
longa quanto a da Igreja. A seguir, são apresentadas as mais importantes afirmações sobre a
matéria em estudo:
Afirma Congar apud Juanes (1997, p. 45):

“salvo casos muito raros, se é que ocorreram, nos quais algumas frases de
algum dialeto realmente existente foram reconhecidas e, portanto, ignoradas
pelo indivíduo, não nos encontramos verdadeiramente diante de uma língua,
nem no nível de um fenômeno nem no de combinações lexicais”.

Vê-se então como tem sido difícil reconhecer o falar ou orar em línguas. A. Bittlinger
apud Juanes (1997, p. 46) afirma que, nos informes em que pareciam ter-se reconhecido
idiomas estrangeiros, no ato de orar em línguas, tratava-se, muito provavelmente, de
assonâncias com determinados idiomas estrangeiros, acrescentando: “Trata-se de uma forma
24

simplificada de uma pseudolinguagem extemporânea: um fenômeno que imita o som, as


combinações e, ainda, as estruturas de uma verdadeira língua, mas não vai além disso.”
Outra definição da glossolalia envolvendo os diversos elementos que integram o
fenômeno: “É uma expressão humana que carece de sentido, enquanto fenômeno estruturado,
considerado pelo que fala como língua real, mas que não apresenta uma semelhança sistemática
com qualquer língua natural viva ou morta” (SAMARIN apud JUANES, 1997, p. 46).
De acordo com Muhlen (1979, p. 183), “trata-se de uma linguagem anômala (não
catalogável como língua). É única (em cada caso) por consistir numa ordem de sílabas
geralmente simples que não se unem sistematicamente a partir desses temas semânticos”,
conforme as regras determinadas, como ocorre nas línguas autênticas. Por isso, a semelhança
que apresenta com elas é apenas aparente. Não há de comum mais que um conjunto material
de fonemas, sílabas e pseudopalavras e o próprio sistema fonético que as emite. Não se pode
ir além disso, por mais que se tente, visto que a glossolalia “não é um sistema de fonemas
articulados em palavras organizadas gramaticalmente de modo a permitir uma comunicação
entre os homens”.
No entendimento de Juanes (1997. p. 48 Op. cit),“a composição dos sons não depende
da vontade do glossólalo; está à mercê do subconsciente a partir da primeira experiência na
qual supomos a intervenção do Espírito. O glossólalo pode falar quando quiser, mesmo não
experimentando a necessidade física e imperiosa de fazê-lo; mas essa emissão, livre de
qualquer impulso, deve ser assumida pelo Espírito para que ocorra o carisma de falar em
línguas”.

2.2.2 Glossolalias como fenômeno psicológico e psicopatológico

Acresce que, o fenômeno da glossolalia pode ser analisado sob outro enfoque. Laffal
apud Telles (2006) in O dom de falar em línguas: algumas idéias sobre a glossolalia, remete
seus estudos a Freud, o qual considerava a linguagem como um mecanismo de descarga
energética, que tem a função de trazer para a consciência o inconsciente. Em seus estudos
com Breuer sobre a histeria, Freud entendia seus sintomas como a presença de um “corpo
estranho” ou de “reminiscências” fora da associação consciente que necessitavam ser a ele
integradas através da fala, o que proporcionava uma catarse.
A fala seria então um mecanismo de descarga de afetos retidos e também um substituto
da ação direta. Freud retomou tais idéias no “Projeto,” onde apontava como primeiro paradigma
25

da linguagem os gritos de dor e fome da criança. Ao mesmo tempo, entendia que os gritos eram
descargas motoras que também traziam alívio ou ajuda, na pessoa da mãe.
A vocalização é entendida como um mecanismo para a descarga de energia associada
a várias tensões corporais, tornando-se um meio de comunicação social sobre tais estados.
Dessa forma, a linguagem continua a funcionar como uma descarga, ao lado de sua função
principal, que é ser um instrumento de comunicação e união social. A primeira função será
ativada em detrimento da segunda toda vez que fortes necessidades físicas ou psíquicas se
impuserem. A linguagem funcionará então como mera descarga desses impulsos,
mentalizando-se na função de comunicação social.
Pela verbalização, a glossolalia aproxima da consciência aquilo que o indivíduo não
pode expressar por palavras. Como a compreensão fica impossibilitada, sentimentos como
vergonha, culpa, desespero ou ansiedade, que poderiam acompanhar o significado dessa fala,
são evitados, permanecendo a pessoa com a sensação de ter expressado o inefável. A fantasia
de estar tomado pelo Espírito Santo ajuda a pessoa a negar os conflitos psíquicos e as
necessidades comuns a todos os homens, não satisfeitas.
Conforme o entendimento de Telles (2006), idem, a glossolalia parte do pressuposto
de que “a aquisição da linguagem é um processo cuja transcendência e importância
dificilmente se poderia exagerar”. Segundo esclarece, essa aquisição não é o mero
aprendizado de um código de comunicação para usos imediatos e pragmáticos, possibilidade
que os seres humanos compartilham com alguns animais. Trata-se do ingresso no mundo
simbólico, que caracteriza a dimensão humana ao dar sentido à cultura, e marca o limite do
homem com a natureza. O citado autor lembra dois fatos característicos do nascimento do ser
humano que põem em relevo a magnitude desse processo:

a) O primeiro é o corte do cordão umbilical que liga a criança ao corpo da mãe,


caracterizando seu nascimento físico. Mas esse fato não significa seu nascimento
psicológico ou psíquico, pois, durante longo tempo a criança não terá uma
identidade própria que a caracterize como um sujeito humano, senhor do seu
próprio desejo. Em seus primeiros anos de vida, a criança encontra-se ligada à mãe,
sente-se confundida psiquicamente com ela, acredita fazer com a mãe um todo
indivisível. Só após um longo processo, vai sentir-se separada psicologicamente da
mãe, assumindo sua incipiente subjetividade.
b) O segundo fato é que, ao nascer, a criança é mergulhada no universo lingüístico dos
pais, num processo definitivo e irreversível. Ingressando no ambiente da língua
26

materna, a criança dele não mais poderá sair. A mãe fala e, através da linguagem,
introduz a criança no mundo simbólico.
Portanto, durante seus primeiros anos de existência a criança se sente visceralmente
ligada à mãe e não se reconhece como um ser independente e diferente dela. A tarefa mais
importante com a qual ela se depara é realizar essa separação, perder a fantasia dessa união
fusional. Para tanto, as palavras desempenham um papel fundamental, na medida em que
representam e simbolizam toda a realidade do mundo externo, assim como a realidade interna
de sentimentos e relações intersubjetivas.
A linguagem vai representar também a relação primordial e constitutiva da criança,
aquela que lhe é a mais importante: a relação materna. As palavras vão representar a mãe, vão
simbolizá-la e assim permitir sua introjeção, sendo este um processo necessário para que a
criança admita perdê-la.
Freud (1996 V. XVIII, p. 25) ilustrava esse processo de representação e simbolização
da separação da mãe através da observação do jogo executado por uma criança. A criança
brinca com um carretel que está amarrado com um cordão. Ela joga fora do berço o carretel e,
simultaneamente, emite um som que os familiares entendem como sendo proveniente da
palavra alemã fort, que significa saiu, foi-se. E com grande satisfação, recolhe o carretel pelo
fio gritando da (estou aqui). Ou seja, a criança representa a separação da mãe e seu retorno
através do carretel, e pronunciando as palavras fort e da.
Além do mais, o jogo funciona como uma tentativa de controlar a criança ativamente
algo que sofre passivamente: a dolorosa separação da mãe. Essa analogia significa que, com o
desenvolvimento, a criança precisará menos da brincadeira e mais da palavra, da linguagem.
Analisando esse processo, Pontalis (1991, p. 143), afirma que:

“No detalhe, no ínfimo, no passo a passo dos restos, a fala, quando nada a
comanda a não ser seu próprio impulso, reconduz ao objeto perdido, para
dele se desligar (...) separar-se, desunir-se do objeto e de si, desligar-se do
semelhante ao idêntico, medir incessantemente a distância entre a coisa
possuída e a palavra que a designa, e que, ao designá-la, diz de imediato que
ela não está ali”.

É o que o citado autor denomina melancolia da linguagem, que é tomada como


substituto do objeto amado perdido: a mãe. As palavras tornam presente uma ausência, ou
ausente uma presença. São como presenças-ausências da mãe fusional, para sempre perdida.
Aquela com quem não era necessário falar, pois dela a criança fazia parte. Por esse motivo, as
palavras se vinculam ao desejo insatisfeito de estar naquela situação fusional anterior, naquele
27

momento mítico onde a criança e a mãe eram uma coisa só, agora para sempre desfeita e
perdida (KAUFMANN, 1996, p. 143).

“A linguagem não só é melancólica, mas também é intrinsecamente


estranha, estrangeira, pois ela é a marca da distância e da separação entre a
criança e a mãe. Vem de fora, do outro que é a mãe enquanto sujeito
diferente e separado da criança e, ao mesmo tempo, é a língua da mãe, é o
que há de mais próximo, íntimo e familiar, aquilo que se confunde com a
própria criança. (...) Aí está uma outra raiz da sensação do unheimlichkeit, do
estranho familiar descrito por Freud. Sendo assim, as palavras, o discurso,
constituirão sempre uma língua estrangeira, imposta à criança, imposição
dura e, no entanto, indispensável ao estabelecimento das bases de seu
psiquismo, a seu advento como sujeito humano. A estranheza da linguagem,
da qual nem sempre nos damos conta, se evidencia, por exemplo, na
brincadeira infantil que consiste na repetição de uma palavra à exaustão, o
que faz com que ela perca todo e qualquer revestimento simbólico, restando
apenas o vazio: o real de puros sons sem sentido” (TELLES, op. cit.).

O ato de orar em línguas abrange a totalidade da pessoa, incluindo os sentimentos,


elemento profundo e essencial como resposta afetiva às diversas situações, conhecimentos e
diferentes estímulos. Nesse mundo complexo e, ao mesmo tempo, unitário, a psicologia não
pode deixar de estar presente, não importa qual seja a atuação do Espírito. No entanto, o ato
de orar em línguas não está vinculado, necessariamente, à elevação dos sentimentos. A esse
respeito, Mcdonnell apud Juanes (1997, p. 50) afirma, com propriedade:

“Ao avaliar o fenômeno de falar em línguas a partir do ponto de vista


psicológico, devem ter-se em conta os fatores culturais. O que numa cultura
é ‘desviado’ pode ser normal em outra diferente. No entanto, ainda
considerando o princípio anterior como válido, as experiências no contexto
religioso de falar em línguas se fazem tanto mais suspeitas de ser
psicologicamente neuróticas ou psicóticas, quanto mais profundas forem em
conteúdo emocional; (conseqüentemente), quanto mais suspeitas são
psicologicamente menos credibilidade oferecem de terem um conteúdo
religioso”.

Quanto às glossolalias patológicas, sigo um artigo em que Claude Dorgueille apud


Freire (2007. pp. 23-25) faz um resumo da importante obra de Jean Bobon, Introduction à
l’étude des Néologismes et des Glossolalies en psychopathologie, publicado em 1952. A
proposta de Dorgueille nesse artigo é abordar as glossolalias pelo que chama de “ponto de
vista descritivo: o neologismo4 e o discurso neológico5”.

4
Palavra ou expressão nova numa língua. Significado novo que uma palavra ou expressão de uma língua pode assumir –
verbete – Novo Dicionário Aurélio – o Dicionário da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1999, p.
1402).
5
Emprego de palavras novas, ou de novas acepções – (Op. Cit. 1999 p. 1402).
28

O interesse pelas glossolalias em pacientes psiquiátricos teve início no final do século


XIX quando a medicina e a psiquiatria começaram a considerá-la como questão médica e,
particularmente, como uma questão de patologia da linguagem. O Dicionário de Psiquiatria
acrescenta os seguintes significados sobre o termo glossolalia (CAMPBELL, 1986, pp. 275-
276):
“Neologismos que simulam fala aparente; apesar de serem expressos como
conglomerados ininteligíveis de sons, ou de serem escritos como séries de
letras ininteligíveis, esses neologismos imitam a fala normal ao manterem as
distinções de palavras, sentenças até parágrafos. A glossolalia é observada
com maior freqüência em estados de êxtase e sonambulismo e,
freqüentemente, na esquizofrenia. Se completamente desprovida de
conteúdo, a glossolalia é chamada de psitacística, embora alguns autores
usem glossolalia.e psitacismo como sinônimas”.

A primeira publicação referente a esse fenômeno, no campo da patologia, foi de


Martini em 1856, apud Freire (2007, op. cit). Trata-se de um relato detalhado do caso de uma
mulher acometida de uma psicose puerperal que começa de repente a falar com surpreendente
desenvoltura um idioma inexistente; as palavras neoformadas de maneira voluntária tinham
uma sonoridade eslava. Curada, a paciente não se lembrava de nada dessa língua estranha
nem das representações que poderiam tê-la provocado. Ela comentou simplesmente que uma
violenta emoção a teria tomado durante o parto, pouco antes do delírio, pela parada brusca da
secreção láctea.
Em 1910, Maeder publicou o estudo que fizera da linguagem de um paciente
paranóico delirante, utilizando a técnica da associação livre. Maeder observa que um
vocabulário fixo se constituía e se enriquecia aos poucos. O doente exteriorizava seu sistema
delirante por esse língua particular e por sua decifração. Maeder descobriu o conteúdo
megalômano do delírio. O doente qualificava essa língua de ‘língua das Excelências’ ou
Salisschur. O alemão, sua língua materna, era para ele apenas um dialeto para o uso das
pessoas comuns. Já o Salisschur era o órgão dos bons e continha os ‘melhores termos’. Mas o
fato é que essa língua possuía inúmeras palavras do alemão modificadas em sua forma e
significação e também novas formas compostas (FREIRE, 2007).
Em 1921, Tuczek publicou o relato sobre a observação de uma mulher acometida por
uma ‘demência precoce paranóica do tipo querulenta6’ Essa neolíngua continha palavras
alemãs deformadas, palavras neoformadas de origem germânica, expressões dialetais alemãs,
termos franceses geralmente incorretos. A sintaxe permanecia alemã. A elocução era normal

6
(Querulenta. A doente utiliza alternadamente sua língua materna, o alemão, ou sua neolíngua da qual ela forneceu [...]
(FREIRE, 2007, p. 24).
29

do ponto de vista rítmico e tonal, com exceção de um forte acento tônico nas últimas sílabas
da palavra. O sentido das palavras era bastante fixo. Essa língua teria sido comunicada à
paciente por uma via alucinatória, pelo menos de início. O autor atribuiu seu uso à
necessidade de exprimir certos acontecimentos delirantes vividos mais ou menos cercados de
mistérios unida a um prazer ‘estético’ de se expressar ou uma tendência ao puro jogo de
palavras (FREIRE, Op. cit).
A tese de doutorado em medicina de Cénac, em 1925 apud Freire (2007), tentava
estabelecer no interior das glossolalias ditas psiquiátricas uma distinção entre o que ele
chamou glossomanias, definidas por seu caráter automático e lúdico, e as glossolalias
verdadeiras que seriam a dos esquizofrênicos. No primeiro grupo estava uma doente que dizia
ter o ‘dom das línguas’ e falava todas as línguas da terra, mais uma, que apenas ela conhecia,
o Tasmahouët. Cénac não apresentou exemplos de glossolalias verdadeiras, mas afirmava que
nos dois casos os doentes se mostraram incapazes de dar uma tradução estável de sua
neolíngua. Não foi possível também destacar nenhuma sintaxe, nem supor nenhum sentido
nela: eram apenas jogos fonemáticos.
Em 1027, Teulié apud Freire (2007) dedicou sua tese ao estudo das ‘linguagens
neológicas’ na sua relação com o delírio. Ele introduziu uma nova classificação e distinguiu
três tipos: as línguas neológicas por sua sintaxe – as línguas pseudo-incoerentes –, as línguas
neológicas por seu vocabulário – as glossomanias a que se referia Cénac – e as línguas
neológicas por sua sintaxe e seu vocabulário – as glossolalias verdadeiras de Cénac.
O primeiro tipo se caracterizava por perturbações na rapidez e na emissão das
palavras, na pronúncia, na sintaxe, na supressão de palavras e proposições, no excesso de
algumas categorias verbais, nos paralogismos (raciocínio falso que se estabelece
involuntariamente), nas estereotipias, na seriação de palavras assonantes e aliterativas. Estas
perturbações tinham um caráter automático e o sujeito não tinha consciência disso.
No segundo tipo, as glossomanias, Teulié apresentou o caso de uma doente que
pretendia falar todas as línguas. Este grupo era caracterizado por uma língua feita de séries
silábicas recitadas sem parar. Bastava um comando para que a série fosse desencadeada ou
interrompida. Ela era desprovida de toda significação, seu emprego era voluntário e os
doentes tinham consciência de sua estranheza.
Para ilustrar o terceiro tipo, as glossolalias verdadeiras, Teulié trouxe o exemplo de
um demente precoce paranóico, cuja neolíngua, explica o autor, surgiu sob a influência de um
delírio de grandeza, sendo de formação voluntária, mas com emprego inconsciente.
30

Teulié considerou que, em todos os casos, a ‘causa fundamental’ das neolínguas era o
delírio e que tanto os termos neológicos quanto a língua neológica constituíam um único e
mesmo fenômeno em graus diferentes. Nesse artigo, Dorgueille chama a atenção também para
o ‘jargão’ das afasias7 sensoriais chamadas Wernicke. Acometido por esse distúrbio, o doente
não é mais capaz de apreender o sentido da linguagem humana ao mesmo tempo que perde o
controle de sua própria enunciação e começa a ‘jargonar’. Esta jargonofasia às vezes se
mostra muito próxima de um ‘discurso’ glossolálico. Embora aparentemente similares, não
podem ser comparáveis, pois se sabe que a jargonofasia é conseqüência direta de uma lesão
cerebral.
Da mesma forma, adverte Dorgueille, não é comparável o lapso e o chiste8 à
glossolalia, pois aqueles invocam os processos primários de condensação e deslocamento.
Para Laffal apud Telles, op.cit, isso é evidente nas psicoses e, especialmente, na glossolalia,
que é “o exemplo mais claro da função de descarga da linguagem”. Esse fenômeno aparece no
discurso esquizofrênico, sendo, porém, mais comum em indivíduos aparentemente normais.
Segundo Laffal, um falante em êxtase religioso se encontra tomado pelo Espírito, balbuciando
“palavras atribuídas pelo Senhor,” de uma língua estranha que ele mesmo não entende. Com
base nas leituras realizadas, pode-se presumir que esses balbucios, incompreensíveis para
todos, servem como descarrega de energia psíquica ligada a desejos e conflitos.
Para o autor em análise, no caso dos fiéis, “pode-se imaginar que eles, ao falarem em
línguas, estão em um nível psicótico; outros estão em um nível neurótico (histérico),
regredidos e identificados com a mãe, com os adultos, com os portadores da língua, com os
falantes. Revivem, assim, aqueles momentos fundamentais e constitutivos do psiquismo, em
que ouviam a língua estrangeira, carregada de sentidos e desejos dos adultos.” Por fim, faz o
seguinte comentário:

“A característica da fala, da linguagem, teorizada pelos psicanalistas e


poetas, é que têm dela conhecimento intuitivo. A linguagem não tem apenas
seu aspecto operacional de comunicação e troca de informações, mas está
para sempre ligada à perda dos objetos amados, representa esses objetos, está
ligada à introjeção do discurso alienante do outro, a estes significante-
enigmáticos, essa língua materna, essa língua primitiva, eivada de desejos e

7
Afasias – denominação com que TROUSEAU (1895) substituiu o termo afemia, proposto por BROCA (1861), para
designar, inicialmente a perda de linguagem articulada na ausência de lesões dos nervos ou de órgãos de execução, que
concorrem para essa articulação. PIERON, H. Dicionário de Psicologia. Tradução de Dora de Barros Cullignan. São Paulo:
Globo, 1995.
8
Uma piada ou anedota é uma breve história, de final engraçado e às vezes surpreendente, cujo objetivo é provocar risos ou
gargalhadas em quem a ouve ou lê. É um termo muito utilizado, na psicanálise. Disponível em
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Chiste> Acesso em 01.03.2009.
31

organizadora das fantasias, é essa língua que interessa ao psicanalista e ao


poeta”. (TELLES, idem)

Partindo dessa premissa, Mannoni (1992, p. 66; 71) explica a estranheza provocada
pela poesia de Mallarmé:

“Com suas poesias (Mallarmé) reconduziu-nos à idade em que era preciso


adivinhar o sentido do que ouvimos. Foi Baudelaire quem disse que o gênio
é a infância reencontrada à vontade. Em matéria de linguagem, com
Mallarmé, isso é feito mas por meio de um artifício. Ele nos faz viver um
aspecto da linguagem que, para nós, biograficamente é um aspecto arcaico.
Ele tem provavelmente a chance de não o saber. Realiza-o sem teorizá-lo.
Não é o único, sem dúvida; há outros poetas que o fazem, por certo, mas não
de uma forma tão sistemática (...) Mallarmé renova para nós uma
experiência infantil. Brincamos de nos perder em nossa língua materna, pelo
prazer do jogo de nela nos reencontrarmos”.

Com base nesse raciocínio, Telles (ibidem) afirma que poetas e fiéis falam línguas,
com uma diferença: no poeta há o fino e complexo manejo da linguagem com fins literários,
enquanto nos fiéis, o que aparece são sintomas regressivos, formas de identificação arcaica
em estado bruto, não reelaboradas esteticamente, que é o que distingue, a arte do mero
sintoma.
Mannoni, (1992, p. 15), cita uma passagem da vida de De Quincey: este sentia
inexplicável prazer de assistir a uma missa rezada em espanhol. Ouvir aqueles sons totalmente
estranhos lhe era muito prazeroso: “Penso que essas visitas o faziam voltar aos primeiros
meses de sua existência, quando sua língua materna ainda lhe era estranha”.
Para Bastide (1996, p. 154), os sentimentos e condutas dos místicos também podem
ser vistos como patológicos e diz:

“O psiquiatra compara os sintomas, as idéias, os sentimentos e as condutas


dos místicos com aqueles dos doentes que ele estuda nos asilos, e desta
comparação constatada, ele tenta classificar os estados místicos entre as
psicoses reconhecidas; ele faz os santos, os soufis ou os faquir entrarem nos
quadros da patologia mental”.

É no campo religioso que pode ser reconhecido algo como sendo “sagrado,”
Identificar e reconhecer algo como sendo ‘sagrado’ é em primeiro lugar, uma avaliação
peculiar que, nessa forma, somente ocorre no campo religioso. Apesar que também tanja
outras áreas, como no campo da ética, não é daí que provém a categoria do sagrado. Ela
apresenta ‘momento’ bem específico, que foge ao acesso racional, sendo algo árreton
[“impronunciável”], um ineffabile [“indizível”] na medida em que foge totalmente à
apreensão conceitual (OTTO, 2007, p. 37).
32

2.2.3 A dimensão religiosa e o elemento místico da glossolalia

Entre as principais marcas da vida social contemporânea está a sua diversidade


cultural e religiosa. Entre essas se destacam processos de reavivamento e diversificação da
prática e das crenças, e nesse espaço de religiosidade pode-se estudar a glossolalia como um
fenômeno religioso também é necessário adentrar a dimensão religiosa e ao elemento
místico. Tendo-se em vista a pluralidade das religiões, de várias alternativas e possibilidades,
as pessoas partem do pressuposto de que podem abraçar qualquer religião, como por exemplo
no Movimento da Renovação Carismática Católica (MRCC), onde se dá ênfase na vida nova,
no vinho novo que recebem e permitem o Espírito Santo agir, atuar. Encontra-se aí a
comunidade dando sustentação e apoio.
Segundo o entendimento de Bastide (2006, p. 13):

“Tanto nas formas mais baixas como nas mais elevadas da via mística se
encontram no cerne das religiões – quer das religiões emergentes, que se
criam em meio a crises de êxtase, estranhos enlevos e exaltações coletivas,
quer das religiões já constituídas – e se apresentam então como protesto da
consciência religiosa contra o formalismo antiquado, a rotina eclesiástica e
as dogmáticas mortas”.

Com esse entendimento supra mencionado, pode-se concluir que a relação do


misticismo com a religião é tênue, ocorrendo uma transformação do indivíduo e havendo uma
espécie de esvaziamento do ser, para uma comunhão com o objeto de adoração, daí podendo
haver uma identificação com o objeto contemplado.
Sobre os fenômenos religiosos, Bastide apud Ricci (2006, p.46) aponta três elementos
constitutivos do sagrado: 1) – elemento representativo, que é o conjunto das crenças, dos
mitos e dos dogmas; 2) – o elemento motor, composto por ritos presididos pelos especialistas
do sagrado; 3) - o elemento afetivo, que pode assumir várias formas, desde o êxtase bem
caracterizado até a adoração ou o horror sagrado. As manifestações místicas, segundo o autor,
classificam-se em: 1) graças sensoriais: audição de vozes e visões; graças motrizes: escrita
automática e glossolalia; 3) milagres da imitação fervente: levitação e estigmas. O dom de
línguas, na concepção desse sociólogo francês, “é uma forma de exprimir o que é
inexprimível na linguagem quotidiana ou profana.”
E para entender a linguagem, que na presente dissertação é a religiosa, é necessário
partir da experiência do sagrado que a própria linguagem quer comunicar. E para tanto é
importante saber quais as características do sagrado/divino. Para Eliade (2001, p. 164):
33

“Qualquer que seja o contexto histórico no qual esteja imerso, o homem


religioso assume um modo de existência específica no mundo, e, apesar do
grande número de formas histórico-religiosas, este modo específico é sempre
reconhecível...acredita sempre que exista uma realidade absoluta, o sagrado,
que transcende este mundo, santificando-o e tornando-o real. Crê, além
disso, que a vida tem uma origem sagrada e que a existência humana atualiza
todas as suas potencialidades na medida em que é religiosa, ou seja, participa
da realidade”.

Os atos religiosos estarão orientados a essa Realidade máxima, que se lhe manifesta
através das hierofanias9, semelhante a algo totalmente diferente do profano e um misterioso,
como um “Outro” que se epifaniza, constituindo, assim, a essência da experiência religiosa,
com infinitas formas de expressá-lo: símbolos, mitos, ritos, figuras divinas, animais, plantas,
seres humanos e tantos outros. Na hierofania, podem-se diferenciar três elementos: uma
criatura (por exemplo, uma árvore), a Realidade invisível e aquela mesma criatura que, por ser
mediadora, reveste-se de sacralidade (CROATTO, 2001, pp. 58-59). A partir desse estudo
pode-se concluir que o Dom de Línguas é uma hierofania, porque o sagrado é mostrado aos
fiéis a partir daqueles balbucios.
A experiência religiosa que tem por objetivo o transcendente, o divino, é algo que não
pertence ao plano das idéias e diante da grandeza do experienciado, a pessoa se sente como
nublada, infinitamente pequena e entregue, sendo este o entendimento de Amatuzzi apud
Antunes (2005, p. 8), estando nesse plano a glossolalia, como foi encontrado na pesquisa
junto aos entrevistados.
Em seu artigo de título “Experiência religiosa: busca de uma definição Amatuzzi apud
Antunes (2005, p. 9) procurou diferenciar “experiência religiosa” e “conhecimento
religioso.” Ao usar o termo “experiência”, normalmente deseja-se designar “não qualquer
conhecimento, mas aquele obtido na prática, na lida concreta com objetivos particulares, e
não nos livros ou no mero exercício dedutivo da raciocinante”. E a partir daí, o termo
“experiência” pode ser usado para designar o conhecimento que existe na relação com o
objeto, que faz parte desta relação e que lhe constitui a consciência imediata. Enquanto tal
inclui dois aspectos: consciência do contato com o religioso, e consciência de significados aí
contidos. Pode-se dizer que a experiência é um conhecimento imediato, e ao mesmo tempo
transporta um conhecimento tácito. Isto é diferente de uma dedução intelectual, embora possa
originar uma reflexão ou uma elaboração posterior.
Vários autores propuseram diferentes definições para o conceito de religião, mas
nenhum foi tido como completo para que fosse encerrada a busca pela melhor definição

9
Hierofania" é a manifestação do sagrado, ou seja, algo sagrado que é mostrado ao homem. (ELIADE, M., 2001, p. 17)
34

(VALLE, 1998 apud ANTUNES, 2005, p. 5). Tal variedade de conceitos revela a amplitude
do tema e, consequentemente, a dificuldade de se chegar a um acordo sobre este assunto. Para
tentar organizar melhor esses conceitos, Clark (VALLE, 1998 apud ANTUNES, 2005, p. 5)
reuniu em 1958, cerca de quarenta e oito definições sobre o que seria religião, entre elas:

“Valle (1998) faz uma diferenciação sobre “religiosidade,” enquanto uma


experiência subjetiva, e “religião” como uma matriz instituída Para o autor,
as funções psicológicas e socioculturais das duas não são idênticas, mas se
complementam. Este diz ainda que, são inúmeros os autores que se
preocupam com o problema de definir o religioso, ou seja, aquilo em que se
baseia a “religião,” como forma comunitária institucionalizada, e a
“religiosidade,” como forma individualizada”.

“Para Amatuzzi (1999) a palavra religião tem dois sentidos: o primeiro está
relacionado a Deus, sendo que para ser considerada uma pessoa religiosa é
necessário que esta tenha fé em Deus. O segundo sentido é mais global, ou
seja, ser religioso é estar ligado de maneira completa a tudo, numa
totalidade; é estar re-ligado a uma fonte, ou ter feito assim uma releitura do
mundo, compreendendo e vivendo o seu significado mais radical, mesmo
que o significado “Deus” não se faça explicitamente presente”.

“Para Willwoll citado por BENKÖ (1981, p.16), o ato religioso em sua plena
maturidade: “é um envolver-se da alma espiritual, com a totalidade de suas
disposições com Deus, como supremo valor transcendente e operante na sua
vida, ante o qual a alma se situa em atitudes, que mutuamente se exigem e se
completam de distância, de respeito e de amor que deseja a união”.

A religião, como se verifica, vem ao longo do tempo proporcionando discussões


acerca do seu papel na vida do ser humano, vez que é ela própria uma construção humana
elaborada historicamente. A religião é o empreendimento humano no qual se estabelece um
cosmos sagrado (OTTO e ELIADE apud BERGER, 1985, p.38). Ou, por outra, a religião é a
cosmificação feita de maneira sagrada. Por sagrado entende-se aqui uma qualidade de poder
misterioso e temeroso, distinto do homem e todavia relacionado com ele, que se acredita
residir em certos objetos da experiência (OTTO apud BERGER, 1985, p. 38).
A vivência religiosa está no originário do humano, indo ao encontro das suas questões
existenciais. Então há como dizer que a vivência religiosa faz parte da experiência originária.
Entende TILLICH apud GOTO (2004. p, 61), que:

“A vivência do homem no mundo ocorre sempre de forma fragmentada, isto


é, de forma finita e indeterminada, porém tende sempre à totalidade do ser,
tanto nos projetos como nas realizações. A superação da experiência da
finitude existencial só acontece com a experiência religiosa, que faz o
homem abrir-se para a infinitude de seu ser, para algo que está além do
humano ou supra-humano. Assim, a vivência religiosa mantém-se
intimamente ligada à instância religiosa, isto é na possibilidade do
surgimento do sagrado”.
35

As vivências existenciais do homem são aquelas que aparecem no fundamento do ser e


que dão direção a todo o projeto do ser humano, tomando configuração no plano da finitude e
a angústia surge exatamente na consciência dessa situação. E o salto existencial nessa
finitude, para escapar da nadificação do ser, a vivência religiosa passa a se oferecer como uma
abertura para a infinitude, na compreensão de algo além do que é temporal e condicional. “A
experiência do sagrado constitui um elemento na estrutura da consciência. Todo ser humano
possui consciência. Desta constatação se deduz que a experiência do sagrado está presente em
seu ser, apesar de não revelá-la sempre” (ELIADE, 2002, p. 22).
Para Durkheim a religião é como um conjunto de práticas e representações revestidas
de caráter sagrado, Bourdieu trata a religião como linguagem: sistema simbólico de
comunicação e de pensamento. Para a religião tudo o que existe ou venha a existir tem sentido
porque se integra numa ordem cósmica, mas ao dar ênfase à produção de sentido, aqui
assume-se a contribuição de M. Weber, então Bourdieu descarta a crítica iluminista da
religião e aponta a sua especificidade: unir cada evento particular à ordem cósmica
(OLIVEIRA, 2003, p. 178).
Todas as definições do fenômeno religioso fornecidas até hoje apresentam uma
característica comum: o sagrado, a vida religiosa oposta ao profano e à vida secular. É
necessário antes de tentar definir um fenômeno religioso saber de que lado será necessário
procurar os fatos religiosos e dentre estes, os que podem ser observados em “estado puro”, ou
seja, que são “simples” e estão mais próximos da sua origem, o que não tem sido possível
(ELIADE. 2002, p. 7).
Tanto é que a as religiões nascem a partir das perguntas que o ser humano se faz para
situar-se dentro do contexto histórico. As religiões tentam explicar o presente, numa busca do
passado, chegando às origens e à direção futura do ser humano. É a tentativa de responder às
questões: De onde vim? O que estou fazendo aqui? E, para onde vou? Mas a base principal e
essencial das religiões é situar-se no presente e dar sentido à existência humana, segundo o
entendimento de Boeing (s/d. p. 1).
A análise de ritos e símbolos constitui um dos campos férteis de amplos domínios,
tanto nos estudos sobre religião, antropologia, cultura popular, como em vários outros.
Durkheim (2003, p. 363) considera que os ritos têm o objetivo de separar os seres sagrados
dos seres profanos, dando ênfase aos estudos dos cultos ou ritos positivos e negativos. Van
Gennep apud Da Matta (1978, p. 11) ampliou o estudo dos ritos tanto para a análise de
cerimônias quanto “como ponto de partida para uma reflexão sobre o universo das relações
sociais formalizadas, entre os homens, os grupos, os espaços e as posições sociais fixas.”
36

Edmund Leach (1972) ampliou ainda mais o estudo dos ritos, que ele considera como
uma forma de comunicação, “como uma linguagem que serve para exprimir o status do
indivíduo e para expressar a estrutura social”. Afirma também que se pode considerar o rito
como o aspecto comunicativo de todo comportamento. Para Croatto (2001, p. 330): “o rito
aparece como uma norma que guia o desenvolvimento de uma ação sacra. O rito é uma
prática periódica, de caráter social, submetida a regras precisas”.
Por se tratar de uma norma para o desenvolvimento de uma ação sacra, pode ser dito
que os ritos buscam o contato com o sagrado, e sendo assim, o rito consegue uma participação
com o transcendente imitando simbolicamente um gesto primordial. É assim que entendeu a
autora nos ensinamentos de CROATTO (2001, p. 331).

2.2.3.1 Glossolalia como prece

Em um ensaio de 1909, que é na verdade um fragmento da tese de seu doutorado,


Mauss diz que “de todos os fenômenos religiosos, são poucos os que, mesmo considerados
apenas externamente, dão de maneira tão imediata, quanto a prece a impressão de vida, de
riqueza e de complexidade” (2005, p. 229). E segue dizendo que a prece assumiu diversos
papéis: em um lugar ela é uma exigência brutal, em seguida, uma ordem, em outro momento,
um contrato, um ato de fé, uma confissão, uma súplica, uma louvação, um Hosana.
O orar em línguas - glossolalia, sempre antecipado por louvores, cânticos, leituras de
textos bíblicos, invocação do Espírito Santo, é um ato de fé, uma súplica; para os que crêem
poderá ser compreendida como uma prece, que é um rito oral. Assim, quando alguém faz uma
oração, estará remetendo às idéias e doutrinas de uma certa tradição religiosa
institucionalizada, em seus dogmas, prescrições e tabus, pois a prece, para a autora, é um
conjunto de representações religiosas, que o indivíduo as dinamiza (MAUSS apud RICCI,
2006, p. 37). É muito comum antes da oração em línguas, cânticos como este aqui transcrito,
assinada a letra pela Canção Nova (Rede de Televisão):

Eu Navegarei
(Canção Nova)

Eu navegarei no oceano do Espírito, e ali adorarei ao Deus do meu amor.


(2x)
Espírito, espírito, que desce como fogo, vem como em pentecostes vem
senhor, e enche-me de novo.
Eu adorarei ao Deus da minha vida, que me compreendeu sem nenhuma
explicação. (2x)
Espírito, espírito, que desce como fogo, vem como em pentecostes vem
senhor, e enche-me de novo.
37

Na prece/oração fica delineado que a mesma existe desde os povos primitivos, os


ameríndios, africanos e oceânicos, a partir de textos publicados e poderá ser perguntado: a
quem se reza? Ao Ser Supremo, às divindades secundárias ou às ancestrais? Quando se reza?
Durante os grandes cerimoniais, no modo de vida da população, como os que vivem da caça,
da pesca ou na guerra, em vários momentos do dia, se ao nascer do sol ou no seu poente, nas
encruzilhadas, ou em cada momento marcante na vida do indivíduo, como do nascimento à
morte (BASTIDE, 2006, p. 146).
Lembrando, ainda o seu Ensaio de 1909, para Mauss (2005, p. 230-236) a prece é o
ponto de convergência de um grande número de fenômenos religiosos, participa ao memo
tempo da natureza do rito e da crença, mais do que qualquer outro sistema. É, portanto, um
rito com uma atitude assumida, frente às coisas sagradas. É dirigida a uma divindade de quem
se espera resultado, mas ao mesmo tempo, toda oração é sempre, em certo grau, um Credo,
mesmo onde ela seja privada de sentido, exprime um mínimo de idéias e de sentimentos
religiosos, porque na prece o fiel age e pensa.
Para esse autor, a oração é uma palavra. Considerando-se que a linguagem é um
movimento que tem uma meta e um efeito, é sempre um instrumento de ação; e como falar é,
ao mesmo tempo, agir e pensar, a prece depende ao mesmo tempo da crença e do culto. Daí
que um ato religioso separado da prática cujo sentido não é conhecido de fonte certa, para a
ciência é uma série mecânica de movimentos tradicionais, onde o papel só poderá ser
determinado hipoteticamente.
Na prece, o rito e a crença unidos tornam-na plena de sentido como um mito, tão rica
de idéias e de imagens como uma narrativa religiosa. “Assim, um ritual de orações é um todo
onde são dados os elementos míticos e rituais necessários para compreendê-lo. Pode-se dizer
que uma única prece compreende, amiúde claramente expressas, um certo número de suas
próprias razões” (MAUSS, 2005, p. 230).
A oração é um fenômeno central no sentido de que é um dos melhores signos e pelo
qual se manifesta o estado de adiantamento de uma religião, onde de início nada apresenta
exceto rudimentos indecisos, fórmulas breves e esparsas, cânticos mágico-religiosos, depois
há uma evolução e termina por invadir todo o sistema de ritos (MAUSS, 2005, p. 232).
Lembrando que com o protestantismo liberal, converteu-se quase na totalidade da vida
religiosa e acrescentou “foi a planta maravilhosa que, depois de se ter desenvolvido à sombra
das outras, acabou por sufocá-las sob suas vastas ramagens.”
Se houver um acompanhamento histórico da oração, incluindo as grandes correntes
que agiram sobre o conjunto dos fenômenos religiosos, verifica-se que a religião passou por
38

uma dupla evolução: de início ela era rica em ritos mecânicos, materiais e precisos, em
crenças formuladas principalmente por imagens sensíveis e depois foi gradualmente
mudando, dando lugar a que os ritos se tornassem atitudes da alma, mais do que atitudes do
corpo; enriqueceu-se de elementos mentais e de idéias, ao mesmo tempo em que se
espiritualizava; a religião tem a tendência de individualizar-se, dando mais e mais espaço à
consciência. Em seguida, os ritos passam a ser sobretudo coletivos, realizados pelo grupo
reunido.
Para Bastide (2006, p. 147), o estudo da prece é algo complexo e de díficil
delimitação, apresentando inúmeras dificuldades, entre elas se o problema está ligado, em
primeiro lugar, a todo um conjunto de problemas para os quais os antropólogos, apresentam
respostas diferentes, entre os indivíduos e o grupo. A oração individual pode ou deve existir
em paralelo à oração cultural coletiva.
Ao se fazer uma oração, sempre estar-se-á remetendo às idéias e doutrinas de certa
tradição religiosa institucionalizada, em seus dogmas, princípios e tabus, porque a prece, no
entendimento de Mauss, em seu ensaio antes comentado, é um conjunto das representações
religiosas apropriadas pelo indivíduo que as dinamiza, ou seja, quando o indivíduo está
orando não é mais um simples indivíduo, mas uma força social e com esse entendimento, fica
acentuado o caráter também social da prece, que poderá ser individual ou institucionalizada.
Em seguida a glossolalia será analisada à luz da tradição religiosa cristã, a partir do
seu texto sagrado – a Bíblia, especialmente na obra paulina.

2.2.4 A glossolalia como fenômeno histórico no discurso bíblico

Robert Sungenis apud Freire (2007, pp. 11-120) faz um percurso histórico da
glossolalia, desde os tempos mais remotos aos atuais:

“O primeiro registro de casos de glossolalia remonta a 1100 a.C. com o


“Relato de Wenamon,” um oficial que não se sabe se real ou fictício – de
Ramsés XI (1100 – 1070), da 20ª Dinastia. Nesse relato, um jovem adorador
de Amon, após ter oferecido sacrifícios ao seu deus, foi por ele possuído e
começou a emitir sons em uma estranha língua extática.
Setecentos anos depois, Platão fez menção à glossolalia. Em Fédon, ele
demonstrou que conhecia o fenômeno ao fazer referência a várias famílias
que praticavam a fala extática sob possessão e aqueles que se engajavam em
tal prática poderiam obter curas físicas. Platão e seus contemporâneos
afirmavam também que essas ocorrências eram causadas por inspiração
divina. Para sustentar esse ponto de vista, ele sugere no “Timeu” que Deus
toma da mente do homem quando este dorme ou se encontra possuído.
39

Durante esses estados, Deus inspira nele a fala e visões que ele não pode
entender nem interpretar”.

No último século antes de Cristo, Virgílio descreveu na “Eneida” as atividades das


pitonisas sibilinas na ilha de Delfos. De acordo com Virgílio, as línguas extáticas das sibilinas
eram resultado da união com Apolo. Os peregrinos se dirigiam ao templo de Delfos e as
questões para as quais pediam orientação eram colocadas numa tabuinha de argila e entregues
a uma das pitonisas. Entendida a mensagem, a pitonisa recolhia-se no interior do templo e,
sentada num trípode, começava a aspirar os “vapores divinos”10 que emanavam das
rachaduras abertas no chão da caverna. Sob o efeito do “fumo sagrado” dava-se o transe, e ela
começava a dizer coisas sem nexo, palavras cifradas que aparentemente não tinham nenhum
sentido, mas que eram anotadas pelos sacerdotes, pois uma vez decifradas revelariam uma
profecia. Essa linguagem crítica, confusa e enigmática ficou conhecida como “sibilina”,
talvez por ter sido associada a uma das pitonisas mais famosas chamada Sibila (nome adotado
por várias outras sacerdotisas que a seguiram na função de serem as intermediárias entre Febo
Apolo e os humanos (FREIRE, 2007, p.11).
Encontram-se também referências à glossolalia em vários mistérios religiosos greco-
romanos, como no culto a Osíris de origem egípcia; também no culto a Mitra dos Persas e nos
pouco conhecidos Mistérios Eleusianos: Dionísio, Orfeu – cultos criados na Trácia,
Macedônia e Grécia. No Antigo Testamento encontra-se em Isaías 28:11 uma profecia a esse
respeito: “Com efeito, é com lábios gaguejantes e em uma língua estranha que ele falará a este
povo” (BÍBLIA DE JERUSALÉM, p. 1295).
Para explicar a glossolalia na era cristã – fenômeno que aparece em vários lugares no
Novo Testamento – Jean-Pierre Denis apud Freire (2007, p. 12) retoma o mito de Babel, da
civilização judaico–cristã, momento primeiro em que o cristianismo abriu espaço para a “fala”
como lugar privilegiado da oralidade em relação à Escritura. Ao contrário do que é essencial
ao judaísmo em que tudo é escrito – na própria língua de Deus, o hebráico - o cristianismo
primitivo abriu um espaço à fala não submetida à escrita da Lei sagrada: “[...] a busca por
uma língua ‘outra’, por um outro espírito da língua, e isto num momento em que era recusada
justamente o que é preciso chamar aqui a ‘língua’ do pai, isto é a Lei judia, a Torá”.
Para o cristianismo, não se tratava mais de uma Lei escrita que deveria ser transmitida,
aprendida e interpretada. Tratava-se de uma Palavra revelada, pelo milagre da graça divina,

10
O geólogo americano Jelle Zellinga de Boer afirmou que a zona do monte Parnaso assenta-se sob uma fratura geológica
subterrânea da qual fluem gases hidrocarburetos e hidrossulfúricos (tais como metano e etano) que seriam os responsáveis
pelas revelações em transe das pitonisas.
40

que atingia e iluminava o coração de cada um, segundo Denis apud Freire (2007, p. 13): “[...]
um verbo que penetra a carne e a transfigura”.
Como explicação para a prática da glossolalia no culto cristão, Denis apud Freire
(2007, p. 13) propõe a rejeição à lei escrita dos judeus e acrescenta que, nesse mesmo ato que
rejeita, o cristianismo retoma um ritual característico do culto pagão, que é o da fala extática.
Centrado o assunto no dia de Pentecostes, diz em Atos, 2, 5-14:

“Naquele tempo, havia em Jerusalém muitos judeus e varões religiosos, de


todas as nações que estão debaixo do céu. E, correndo aquela voz, ajuntou-se
uma multidão que estava confusa, porque cada um os ouvia falar na sua
própria língua. Todos pasmavam e se maravilhavam, dizendo uns aos
outros: - Pois que! Não são galileus, todos esses homens que estão falando?
Como, pois os ouvimos, cada um, na nossa própria língua em que somos
nascidos? Entre nós, há partos, medos, elamitas e os que habitam a
Mesopotâmia, Judéia e Capadócia, Ponto e Ásia, Frígia, Panfilia, Egipto e
partes da Líbia. Junto a Cirene, e forasteiros romanos, tanto judeus, como
prosélitos, cretenses e árabes, todos os temos ouvido, nas nossas próprias
línguas, falar das grandezas de Deus. E todos se maravilhavam e estavam
suspensos, dizendo uns para os outros. Que quer dizer?”

No Novo Testamento, a glossolalia aparece dentre os carismas ou dons espirituais (a


clarividência, a caridade, a profecia e os milagres, entre outros), assim definida: “é o dom de
louvar a Deus, proferindo, sob a ação do Espírito Santo e em estado mais ou menos extático,
sons inintelegíveis. É o que Paulo chama “falar em línguas” (1Cor 14,5.6.18.23.39) ou, “falar
em língua” (1 Cor 14,2.4.9.13.14.19.26.27). Mas esse é um dom inferior pois não é intelegível
aos que ouvem e necessitam de intérprete, como lembra Paulo:

“Pois aquele que fala em línguas, não fala aos homens, mas a Deus.
Ninguém o entende, pois ele em espírito, enuncia coisas misteriosas. Mas
aquele que profetisa fala aos homens, edifica, exorta, consola. Aquele que
fala em línguas edifica a si mesmo, ao passo que aquele que profetiza edifica
a assembléia. É por isto que aquele que fala em línguas, deve orar para poder
interpretá-las. Se oro em línguas, meu espírito está em oração, mas a minha
inteligência nenhum colhe” (BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2004, p. 2001, 207
- 2008 – 1Cor 12: 26, 14: 2.3.4.5.13.14)

Em um episódio narrado por Marcos, Jesus aparece aos discípulos e disse:

“Ide por todo o mundo e proclamai o Evangelho a toda a criatura. Quem crer
e for batizado, será salvo; o que não crer, será condenado. Estes são os sinais
que acompanharão os que tiverem crido: em meu nome expulsarão
demônios, falarão em novas línguas”. (BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2004, p.
1785; Marcos: 15.16.17).

Mas é nos Atos dos Apóstolos que a manifestação da glossolalia; ou dom de línguas –
expressão utilizada no meio cristão – é esclarecida com mais precisão, na Festa de
41

Pentecostes, já citada nesta dissertação, onde os apóstolos falavam em línguas, e a multidão


que ouvia os entendia cada um em sua língua nativa, bem lembrado por Jean-Pierre Denis
apud Freire (2007, p.14) Para essa autora citada, ainda que seja uma retomada de Babel, ou
seja, uma Babel invertida, em que não ocorre a confusão das línguas, ao contrário, todos se
entendem.
Várias outras referências podem ser encontradas no Novo Testamento como, por
exemplo, a conversão do primeiro estrangeiro ao cristianismo, o centurião Cornélio: “E os
fiéis que eram da circuncisão, que vieram com Pedro, ficaram estupefatos ao ver que também
sobre os gentios se derramara o dom do Espírito Santo, pois, ouviam-nos falar em línguas e
engrandecer a Deus.” (BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2004. Atos dos Apóstolos, 10: 45,46).
Serão as referências à Primeira Epístola aos Coríntios relevantes neste trabalho, pois lá se
encontram os fundamentos mais sistematizados que norteiam a prática da glossolalia no
âmbito do cristianismo. Resumidamente serão apresentadas as indicações do apóstolo Paulo,
pois serão mais detalhadas ao longo desta dissertação.
Nessa Epístola, Paulo orientou os cristãos sobre o comportamento diante de situações
cotidianas, por exemplo, se devem ou não comer as carnes oferecidas em sacrifício aos ídolos;
sobre o traje das mulheres na igreja, entre outros. Entre as orientações aí dadas pelo apóstolo,
consta a que trata dos ‘carismas e seu emprego’.
O apóstolo Paulo ensina que os fiéis devem orar com o espírito (glossolalia), mas
também com o entendimento (sentido). Pois, os homens simples ou infiéis, ouvindo aqueles
que falam em línguas, podem julgá-los loucos. Por isso deve-se evitar fazê-lo, mas se não
puder evitar, o apóstolo sugere duas condições: ou que alguém interprete a oração ou que os
fiéis o façam consigo mesmo e com Deus. O dom da caridade é considerado um dom
superior, pelo apóstolo Paulo: “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se
não tiver caridade, sou como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine” (BÍBLIA DE
JERUSALÉM, 2004, 1 Cor. 13: 1).
Houve um declínio da prática da glossolalia no período medieval. Grande parte das
autoridades da Igreja declarou a impossibilidade do milagre,11 dessa prática sob a alegação de
que apenas existiu na época dos apóstolos e essas autoridades procuravam estabelecer uma
diferença entre o período apostólico e pós-apostólico. (FREIRE, 2007, p.15)
No século V, o bispo Crisóstomo de Constantinopla (344–407), formalizou a
proibição da glossolalia na Igreja, explicada como tentativa de coibir movimentos espirituais

11
Refere-se a qualquer indicação da participação divina na vida humana – verbete – HOUAISS. A. Dicionário Houaiss da
língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
42

que pregavam um rígido ascetismo como o montanismo. Era a doutrina defendida por
Montano (157-212), líder frígio que rompeu com a Igreja institucionalizada e, dizendo-se
porta-voz do Espírito Santo, exigia um severo ascetismo, declarava estar próximo o fim do
mundo e defendia o estabelecimento da nova Jerusalém na Frígia, o que comprova que a
glossolalia não desapareceu totalmente (FREIRE, 2007).
Com a queda do Império Romano do ocidente, no Século V, surgiram duas linhas na
Igreja Católica: a do Ocidente, seguindo uma vertente mais prática e autoritária; e a do
Oriente, mais mística. Com o desenvolvimento da Igreja católica do Ocidente (Século VI–X),
falar em línguas passou a ser uma prática ligada ao demônio.
Apesar disso, as práticas glossolálicas persistiram e chegaram ao Século XII ligadas à
vida de vários santos católicos, como comprova o relato da abadessa beneditina Hildegard
Von Bigen (1098–1179), visionária, mística, poeta e cantora, que testemunhou ter cantado
com palavras desconhecidas. Embora pudesse ser reconhecida uma combinação do dialeto
alemão local e do latim, ela descreveu sua música como ‘concerto do espírito’, pois sentia
fortemente que o Espírito Santo a guiava. Seus contemporâneos a consideravam possuída pelo
demônio. (FREIRE, 2007, p. 15).
Cem anos mais tarde, São Domingos (1170–1221), espanhol, relata ter falado alemão
após muita oração. Também Santo Antônio de Pádua (1195 – 1231) relatou que sua língua se
transformou em ‘pena do Espírito Santo’.
A lista é importante, mas faço referência apenas a alguns dos santos que relataram sua
experiência glossolálica: São Vicente Ferrer (1350 – 1419), São Francisco Xavier (1506 –
1552), São Louis Bertrand (1526 – 1581). Nos séculos XV e XVI, sob o nome de Illuminati,
grupos entre os quais se incluíam místicos como São João D’Ávila (1500 – 1569), Santa
Teresa D’Ávila (1515 – 1582), São João da Cruz (1542 – 1591) e Inácio Loyola (1491 –
1556), escreveram sobre vários fenômenos milagrosos que ocorreram em suas vidas,
incluindo o de falar em línguas. (FREIRE, 2007. p 16).
Ainda na Idade Média, uma biografia de Martinho Lutero (1483 – 1546), líder da
Reforma Protestante, afirma que ele falava em línguas, embora essa versão seja considerada
falsa pelos reformistas. Os Anabatistas, ala radical da Reforma, não se contentavam apenas
com a escritura de Lutero e João Calvino (1509 – 1564) e reivindicavam que uma voz interna
do Espírito Santo precedia as palavras externas das Escrituras. Entre eles há vários relatos de
prática da glossolalia. Também o Pietismo, movimento surgido na Igreja Luterana alemã no
final do século XVII, seguia princípios austeros coincidentes com os do Anabatismo
(reiterados batismos). (FREIRE, 2007. p 16).
43

Em 1685, Luís XIV anulou o Édito de Nantes que permitia a liberdade de culto aos
protestantes. O grupo dos huguenotes foi perseguido e considerado herege pelo papa
Clemente XI. Esse grupo estava ligado a uma seita cristã, surgida no fim do século XII, início
do século XIII, no sul da França e que defendia o Novo Testamento como único padrão de
autoridade, desafiando o poder papal. Relata-se que crianças dessa seita tinham manifestações
extáticas, incluindo a glossolalia. Tais episódios continuaram até 1711. Esse grupo foi
perseguido e eliminado pela inquisição. (FREIRE, 2007. p 16).
Os jansenistas, liderados por Cornélio Jansênio (1585–1638), reagiram contra a Igreja
Católica, e advogaram a prática glossolálica. O cientista, filósofo e místico Blaise Pascal, um
dos mais famosos adeptos do jansenismo, praticava a glossolalia. Há uma curiosidade em sua
biografia que permite supor um interesse precoce pelo dom das línguas. Na segunda metade
do século XVII, surgiu na Inglaterra uma comunidade chamada Quaker (quake significa
‘tremor’), de origem protestante, enfatizando experiências do Espírito Santo. A glossolalia
fazia parte do seu ritual. Um outro grupo chamado Shakers (shake significa ‘abalo, agitação,
sacudida’) liderado por Ann Lee (1736–1784) separou-se do movimento Quaker, mantendo,
no entanto, os mesmos princípios. (FREIRE, 2007. p 16).
Ao longo dos séculos XVIII e XIX, outros movimentos Protestantes ainda podem ser
citados como tendo dentre os seus rituais a prática da glossolalia: o movimento missionário
moraviano, a renovação Metodista liderada por Charles Wesley (1707–1788), seu seguidor
John Fletcher (1729–1785), o americano Charles Finney (1792–1875), os Mórmons que, no
início do movimento, praticavam a glossolalia, mas foram desencorajados pelos líderes, pois
estavam sendo ridicularizados e desrespeitados, entre outros motivos, por esta prática. O
também americano Charles Parhan, chamado pai do moderno movimento Pentecostal,
ensinava aos seus alunos que o sinal do batismo do Espírito Santo era falar em línguas.
Com o Movimento da Renovação Carismática, que surgiu logo após o Concílio
Vaticano, em 1964, deu-se o ressurgimento da glossolalia, e aqui no Brasil, essa prática foi
intensificada, tanto por católicos como pelas igrejas pentecostais. Tal fenômeno é explicado
pelos momentos históricos em que essa prática surge e ressurge, coincidindo com momentos
de desvalorização das instituições (eclesiásticas ou sociais) de fala, deterioração de usos e
costumes, degradação das convenções da linguagem, entre outros.
A vida moderna se apresenta com uma série de exigências e compromissos que fazem
do quotidiano algo estressante e a religiosidade surge como um antídoto para tais situações de
distanciamento, pois minimamente se uma determinada família cultivar hábitos religiosos, ao
menos nas situações de oração, culto, cerimônias religiosas, entre outros, seus membros
44

estarão juntos e poderão partilhar desses laços sanguíneos com bastante intensidade
(ANGERAMI, 2008).
45

3. MOVIMENTOS RELIGIOSOS

3.1 O PROTESTANTISMO: PENTECOSTALISMO E O NEOPENTECOSTALISMO

Ao longo da história, as religiões vão surgindo e provocando mudanças, caracterizados


por posturas radicais em relação aos dogmas e à fé, como um conjunto de visões e práticas
que situa as pessoas e grupos em seus referidos contextos. Para se fazer uma análise do
pentecostalismo e sua origem, se faz mister a obervação de fatos ligados à religião e, de modo
específico, ao protestantismo.
O específico das religiões tem sido dar um fundamento último, certo e estável para as
coisas que passam, fornecendo um sentido que permanece quando as coisas vão perdendo o
sentido imediato na vida pessoal e coletiva, daí que muitas pessoas associam as religiões à
experiência do limite que fazem na sua existência, assemelhando-se aos grandes momentos de
grandes crises da história
Pela religião as coisas encaixam-se numa totalidade que une começo, meio e fim,
superando a fragmentação e precariedade da existência. Os mitos fundantes das religiões e as
teologias procuram narrar e explicar a totalidade, e os ritos proporcionam a ligação dos
sujeitos e grupos com o sentido fundamental capaz de agregar a diversidade na unidade,
eternizar o efêmero e antecipar o futuro de plena felicidade (PASSOS, 2005, p. 13).
Protestantismo e pentecostalismo são movimentos que apresentam uma relação de
proximidade. Campos Júnior (1995) faz uma interessante trajetória do protestantismo, que se
entende importante transcrevê-la de forma indireta, nesta dissertação, para uma melhor
compreensão do movimento religioso. E asssim, como resultado da reforma protestante,
nasceram a Igreja Luterana, obedecendo aos princípios e idéias de Lutero, e a Igreja
Reformada, com João Calvino. As idéias protestantes espalharam-se pela Alemanha, Holanda,
países escandinavos e Grã-Bretanha. Por fim, no período da migração européia, vieram para a
América do Norte.
Migrando para a América do Norte, face aos problemas religiosos na Europa, partiram
muitos imigrantes ingleses, levando consigo em sua bagagem, não só o espírito aventureiro,
mas também a experiência religiosa e também foi a partir deste movimento que se elaboraram
as bases para o pentecostalismo.
Com base nessas considerações, conclui-se que os três tipos tradicionais de
protestantismo são: os luteranos, os reformados e os anabatistas-menonitas. Desses três
46

troncos foram surgindo outros grupos, havendo uma fragmentação ainda hoje. Como
resultado, há uma grande variedade nas manifestações do cristianismo protestante evangélico.
Entre os aspectos cristãos comuns, destacam-se: a divindade de Jesus Cristo, como
filho do Deus trino; o terceiro elemento da Santa Trindade (o Espírito Santo) e a Biblia, como
Livro Sagrado, com algumas divergências quanto ao número de livros que a compõem. A
palavra pentecostal vem de Pentecostes, evento marcado pela efusão do Espírito Santo,
cinquenta dias após a ascensão de Cristo. No Livro de Atos, capítulo 2, consta a narrativa
desse evento, quando os apóstolos se encontravam reunidos em Jerusalém.

“Pode-se considerar que a semente do pentecostalismo já estava plantada no


protestantismo norte-americano através dos movimentos avivalistas dos
séculos XVIII e XIX. Os pregadores itinerantes acreditavam na perenidade
da promessa do ‘derramamento do Espírito Santo” (CAMPOS JÚNIOR,
1995, p. 21)

Descende o pentecostalismo do movimento doutrinário comandado por John Wesley,


fundador do metodismo, que tinha como fundamento a justificação, para dedicar-se à
santificação. Essa idéia foi adotada pelos evangelistas e teólogos participantes do movimento
de santificação nascido nos EUA, por volta da metade do século XIX. Posteriormente, o
movimento pentecostal rompeu com os metodistas carismáticos, distinguindo a conversão da
santificação e passando a considerar essa santificação de “batismo do Espírito Santo”. São
considerados como os maiores representantes desse movimento Asa Maham e Charles
Finney. Nos EUA, entre 1880 e 1923, surgiram aproximadamente duzentas denominações
(grupos de oração) para o movimento pentecostal.
Em um deles, Richard G. Sperling, pastor Batista licenciado, promoveu reuniões na
Carolina do Norte, onde ocorreu um grande evento com a presença da glossolalia. O
movimento pentecostal “teve início na Escola Bíblica de Topeka, Estados Unidos, onde
Charles Pahram defendia a idéia de que o dom de falar em línguas era um dos sinais que
acompanhavam o batismo no Espírito Santo” (ALVES e OLIVEIRA, 2004, p. 31). Portanto,
esse dom de falar em línguas deixa em evidência o batismo com o Espírito Santo e marca o
início do pentecostalismo.
Para os estudiosos, foi o trabalho de W. J.Seymor, garçom negro, nascido como
escravo, discípulo de Charles Pahram, que provocou o surgimento do movimento pentecostal.
Segundo ele, o dom de falar em línguas correspondia à terceira bênção, sendo a primeira a
regeneração, a segunda a santificação. A “experiência apareceu, pela primeira vez, em 06 de
abril de 1906, numa das reuniões promovidas por Seymour, onde um menino de oito anos
47

falou em línguas e outras pessoas o acompanharam. Alves e Oliveira (2004, p. 31) explicam
melhor esse movimento:

“O pentecostalismo, que nasceu nos EUA, foi dividido em várias outras


doutrinas. Atualmente, tem seguidores em vários países, inclusive no Brasil.
Direcionou-se, inicialmente, às classas populares, mas hoje alcança a classe
média. As várias correntes do pentecostalismo apresentam divergências entre
si, em termos de doutrina, organização e percepção dos dons. Entretanto, têm
como fundamento comum a valorização de práticas como ‘revelações,
profecias e visões’, além da crença na cura divina. Como dogmas, adotam o
batismo pelo Espírito Santo”.

As características principais do pentecostalismo são: a aceitação de Jesus como


Salvador; o batismo na água e de fogo, onde se admite ser o do próprio Espírito Santo; a busca
permanente do poder espiritual e a santidade de vida; a interpretação fundamentalista da Bíblia
e a salvação condicionada à rejeição das coisas mundanas (ALVES e OLIVEIRA, 2004, p. 84).

3.2 O PENTECOSTALISMO E O NEOPENTECOSTALISMO NO BRASIL

O pentecostalismo no Brasil teve um período inicial, denominado proto-


pentencostalismo. No contexto religioso brasileiro, no século XIX, principalmente entre as
antigas denominações protestantes, pessoas e movimentos apresentaram características
espirituais autônomas e manifestações de dons, como o falar em línguas e a profecia.
(DICIONÁRIO MOVIMENTO PENTESCOSTAL, 2007, p. 582).
No século XX, o pentecostalismo apresentou um grande desenvolvimento deixando de
ser um grupo minoritário e estranhos. Passando e passaram a ocupar lugar na mídia e
demonstrando uma capacidade de adaptação de uma espécie de cristianismo popular, chegado
ao Brasil como expansão da experiência norte-americana, visto como um subcampo do
protestantismo do reavivamento, historicamente associado à cultura norte-americana.
(PASSOS, 2005, p. 84-85).
Na classificação das igrejas pentecostais, Alves e Oliveira (2004, p. 84) tomam por
base o trabalho de Paul Freston (1993), que faz uma análise do movimento pentecostal no
Brasil, identificando o que nomeou de três ondas. A primeira onda, que marca o início do
pentecostalismo, ocorreu entre os anos de 1910 a 1950, período em que foi denominado
pentecostalismo clássico. Essa primeira onda foi formada pela Congregação Cristã do Brasil e
pela Assembléia de Deus, cujas caractecterísticas remetem às mesmas origens do
48

pentencostalismo. No Brasil a primeira Igreja Evangélica Pentecostal foi fundada no bairro do


Brás, na cidade de São Paulo, em 1909.
A segunda onda foi caracterizada pelo pentecostalismo de transição, com o surgimento
das Igrejas de Cura Divina entre 1950 a 1960. Diferem da Igreja Pentecostal da primeira onda,
apenas, pela ênfase dada à idéia de cura realizada pelo poder do nome de Jesus. São elas:
Igreja Quadrangular, Igreja Pentecostal Brasil para Cristo e Igreja Pentecostal Deus é Amor.
Na terceira onda, passa a ser denominado pentecostalismo autônomo ou neopentecostalismo.
Esse novo movimento rompe com várias idéias do pentecostalismo das duas primeiras ondas,
fato que o torna diferente nos aspectos teológico e socio-comportamental.
O prefixo neo mostra tanto a sua formação recente, bem como o caráter de inovação
trazido por essa nova corrente. Apesar de recente no Brasil, o termo ‘neopentecostal’ surgiu
nos EUA. “Lá, na década de 70, designou as dissidências pentecostais das igrejas protestantes,
movimento que posteriormente foi nomeado de carismático” (MARIANO, 2005, p. 33).
As Igrejas Neopentecostais principais são: Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra
(1976); Igreja Universal do Reino de Deus (1977); Igreja Internacional da Graça de Deus
(l980); Igreja Renascer em Cristo (1986); Igreja Verbo da Vida (1983) e Igreja Pentecostal
Nova Vida (1960), cujo templo foi inaugurado em 1971 (ALVES e OLIVEIRA, 2004, p. 84,
op. cit.). Para os neopentecostais, a Igreja Nova Vida é a mãe de todas as outras igrejas.
Porém, outros grupos neopentecostais se inspiraram nessa doutrina, da qual se origina
também o movimento carismático católico.
As Igrejas neopentecostais são caracterizadas pelo ritual do exorcismo, culto de
libertação, destaque e importância dada ao diabo e aos demônios, identificando-os às
entidades e aos deuses das religiões afro-brasileiras e espíritas, formando verdadeiras batalhas
espirituais, quebra de maldições de famílias, rompimento com a idéias da busca da salvação
pelo ascetismo de rejeição do mundo.
E assim, “com isso contrariam frontalmente a velha proposição pentecostal (forjada
quando os crentes não contavam em seu meio com segmentos da classe média e muito menos
com empresários, políticos, artistas, atletas de renome) de que a existência terrena do
verdadeiro cristão seria dominada pela pobreza material e pelo sofrimento da carne”
(MARIANO, 2005, p. 44).
49

3.3 CARISMAS E OS DONS ESPIRITUAIS

3.3.1 A palavra “carisma” - sua trajetória e seus conceitos

Segundo a pesquisa, a origem da palavra “carisma” remonta ao apóstolo Paulo:

“O apóstolo se viu surpreendido. Encontrou-se com certas manifestações do


Espírito que não existiam no vocabulário grego, nem sequer no mais
modesto Koiné (a língua comum, do povo), com um termo que designava
tais manifestações. Paulo, entretanto, com criatividade própria dos gênios,
põe em circulação uma palavra que teve uma boa acolhida. Talvez boa
demais, entre seus cristãos de Corinto” (JUANES, 2001, p. 14-15).

A palavra “carisma” é utilizada pelo próprio Paulo com cautela, usando-a nas duas
epístolas aos Coríntios e uma vez na Carta aos Romanos. Segundo Juanes Benigno (2001, pp.
14-15) mesmo a literatura cristã primitiva não a levou a sério. Na época da teologia chamada
escolástica (Idade Média), foi substituída pela expressão gratia gradisdata (graças gratuitas).
Essa tendência ao desuso se acentuou quando, nos tratados de eclesiologia, observa-se
fortemente a intenção de defender a dimensão institucional e hierárquica da Igreja, com a
reforma protestante.
O termo “carisma” voltou a reaparecer principalmente com o Papa Pio XII, em sua
encíclica Mystici Corporis, de 1943. Seu uso foi consolidado com o Concílio Vaticano II, que
inseriu o termo em vários documentos, principalmente no Lumen Gentium. Segundo Juanes
(2001, p. 15) parece ter sido a Renovação Carismática que se encarregou de transformá-lo em
um dos mais empregados no vocabulário religioso da atualidade.

“Surgiu precisamente com o propósito de ver florescer novamente na Igreja


esses dons dos quais nos falam os Atos dos Apóstolos e as epístolas de
Paulo. Podemos citar, como acréscimo que, antes do Concílio, o Papa João
XXIII pedira a Deus que derramasse sobre a Igreja um ‘novo Pentecostes’, e
Paulo VI não duvidou em fazer da palavra ‘carisma’ um uso realmente
amplo, porém pondo-se em alerta diante dos abusos”.

Então, conforme a pesquisa realizada, a palavra ‘carisma’, nascida num contexto


eclesiológico e usada para designar as diversas funções existentes no corpo místico de Cristo
não poderia fazer menos que recuperar toda a carga de suas origens.

3.3.2 Conceitos sobre os dons espirituais

Segundo Amaral (2002. p. 9-11), os dons do Espírito Santo são dádivas concedidas
aos fiéis, para a sua santificação pessoal e para o serviço aos irmãos. Os dons de santificação
50

estão enumerados em Isaías 11, 1-2 e são os seguintes: temor de Deus, fortaleza, piedade,
conselho, ciência, entendimento e sabedoria. Esses dons são necessários para a santificação.
Os dons espirituais de serviço aos fiéis são chamados também carismas. São infinitos, e os
auxílios que podem prestar são os mais variados (AMARAL, 2003, p. 9). Na Primeira Carta
aos Coríntios, Paulo fala muitas vezes sobre os dons espirituais.

“Não paro de agradecer a Deus por vós, pela graça de Deus que vos foi dada
em Cristo Jesus. Por ele fostes enriquecidos em tudo,em toda palavra e em
toda ciência, na medida em que o testemunho de Cristo se firmou em vós, de
modo que não vos falta nenhum dom da graça durante a espera da revelação
de nosso senhor Jesus Cristo (1Cor., 1, 4-7).
São vários os dons espirituais, mas o Espírito é o mesmo. As obras também
são várias, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. A cada um é
dado manifestar no Espírito uma palavra de sabedoria; a outro, uma palavra
de ciência segundo o mesmo Espírito; a outro, a fé no mesmo Espírito; a
outro, o dom de curar nesse único Espírito; a outro o poder de operar
milagres; a outro, a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro,
a diversidade das línguas; a outro, o dom de interpretação. Mas é o único e
mesmo Espírito que realiza isso tudo, distribuindo a cada um como quer (1
Cor., 12, 4-11).
Por isso Deus estabeleceu na Igreja, em primeiro lugar, uns como apóstolos;
em segundo lugar outros como profetas; em terceiro lugar, como doutores.
Depois vêm os dons de realizar milagres, de curar, de assistir, de governar e
de falar em línguas” (1Cor., 12-28).

Sobre os dons espirituais, Paulo escreveu também aos Romanos, aos Efésios e a
Timóteo. No mesmo sentido, São Pedro exorta os fiéis: “Cada qual use o dom recebido a
serviço dos outros, como bons administradores da multiforme graça de Deus”. (1 Pd., 4-10).
O Concílio Vaticano II, em diversos documentos, a seguir citados, faz referência aos dons de
serviço na vida da Igreja, segundo Juanes (2001, p. 15):

“O Espírito habita na Igreja e nos corações dos fiéis, como num templo;
dentro deles ora e dá testemunho da adoção de filhos. A Igreja, que Ele
conduz à verdade total e unifica na comunhão e no ministério, enriquece-a e
guia com diversos dons hierárquicos e carismáticos e adorna com os seus
frutos (LUMEN GENTIUM, 4).
- É um mesmo Espírito que distribui os seus vários dons segundo a sua
riqueza e as necessidades dos ministros para utilidade da Igreja. Entre estes
dons, sobressai a graça dos apóstolos, a cuja autoridade o próprio Espírito
submeteu mesmo os carismáticos (LUMEN GENTIUM, 7)
- À medida que se avança na idade, revela-se mais cada um e assim pode
descobrir melhor os talentos com que Deus enriqueceu os carismas que lhe
foram dados pelo Espírito Santo para bem dos seus irmãos”
(APOSTOLICAM ACTUOSITATEM, 30)
51

3.3.3 Os dons espirituais na Bíblia e no contexto da Obra Paulina

O corpus paulino é constituído por quatorze epístolas, contando-se com a epístola aos
Hebreus, a qual adquiriu certo status, porque no Ocidente, a pertença de Hebreus ao cânone
das Escrituras cristãs levou certo tempo para impor-se. Por exemplo, ela não consta na lista do
Cânone Muratoriano,12 documento romano datado comumente do fim do século II. No
Oriente, se sua canonicidade jamais foi posta em dúvida, alguns autores, como Orígenes,
põem em dúvida a autoria paulina dessa Epístola (QUESNEL, 2004, p. 91).
A grande maioria dos dons espirituais mencionados na Bíblia encontra-se em três
capítulos principais de Paulo: Rm., 12, I Co., 12 e Ef., 4. Há ainda outros textos importantes
que fazem referência aos dons espirituais: I Cor., 13-14, I Pe 4, I Cor., 7 e Ef., 3. No capítulo
12, de sua Carta aos Romanos, Paulo menciona os seguintes dons espirituais: profecia
(pregação, declaração inspirada); serviço (ministério); ensino (comunicação de princípios
bíblicos); exortação (estímulo à fé, encorajamento); contribuição (doação, generosidade);
liderança (autoridade, governo, administração); misericórdia (simpatia, consolo, bondade).
No capítulo 12 da Primeira Carta aos Coríntios, acrescenta os seguintes: sabedoria
(conselho sábio, palavra sábia); conhecimento (falar com propriedade); fé (crer na intervenção
divina); cura (sarar mágoas e doenças físicas); milagres (realização de grandes feitos);
discernimento de espíritos (percepção espiritual); línguas (falar em línguas nunca aprendidas);
interpretação de línguas (tradução compreensiva); apóstolo; socorro; administração (governo,
presidência, liderança). Finalmente, no capítulo 4 da carta aos efésios, aponta mais dois:
evangelista (missionário, pregador da salvação em Cristo); pastor (conduzir o povo de Deus).
Essas três listas básicas fornecem vinte dons espirituais distintos, mas nenhuma delas é
completa. Há dons mencionados em Efésios que também são mencionados em Romanos.
Alguns dos dons mencionados em Romanos são mencionados na Primeira Carta aos
Coríntios, os quais, por sua vez, são repetidos em Efésios. Como se observa, esses catálogos
não pretendem ser listas completas dos dons que Deus confere. Poder-se-ia, então, concluir
que, não sendo completa nenhuma dessas três listas, provavelmente todas elas juntas também
não o são.
Há, pelo menos, outros dez dons mencionados no Novo Testamento: celibato
(continência, abstinência sexual); pobreza voluntária (desprendimento material); martírio
(submissão ao sofrimento); hospitalidade (alegria em receber pessoas); missões (amor

12
Tradução francesa em Lagrange. M.-J Histoire ancienne Du Canon Du Nouveau Testament. Paris, 1993. pp. 71-73.
52

dedicado a outras culturas); intercessão (oração, súplicas e louvor); libertação (batalha


espiritual); criatividade artística; habilidade manual e música.
No fenômeno da glossolalia encontra-se presente uma linguagem simbólica, visto que
não parece conter um sentido objetivo e visível, porque oculta um significado invisível e
ininteligível, mais profundo e que não pode ser expresso diretamente. Necessita então de
alguém que interprete, como diz o apóstolo Paulo na Primeira Epístola aos Coríntios 14: 27,
28.

3.4 O MOVIMENTO DE RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA (MRCC):


HISTÓRICO E SUAS CARACTERÍSTICAS

O movimento carismático inspira-se na vinda do Espírito Santo narrada no Cap. 21


dos Atos dos Apóstolos. Conforme o texto, os discípulos de Jesus, após a sua ascensão,
estavam temerosos e recolhidos no Cenáculo. Em uma manhã, num ambiente reluzente,
desceu sobre eles o Espírito Santo em forma de pomba e chamas, transformando aqueles
homens rudes do povo em pessoas corajosas que saíram a evangelizar.
A renovação carismática, inicialmente conhecida como movimento católico
pentecostal, ou católicos pentecostais, surgiu na segunda década de 1960. Nesse ano, Steve
Clark, da Universidade de Duquesne em Pittsburgh, Pensilvânia, Estados Unidos, durante o
Congressso Nacional de "Cursilhos de Cristandade", fez referência ao livro "A Cruz e o
Punhal", da autoria do pastor David Wilkerson com os drogados de Nova York.
Em 1966, católicos da Universidade de Duquesne reuniram-se para orar e refletir
sobre a fé. Eram católicos dedicados a atividades apostólicas, apesar de estarem insatisfeitos
com a sua experiência religiosa. Em razão disso, e lembrando a experiência bíblica do
Pentecostes e das primeiras comunidades cristãs cheias do Espírito Santo, decidiram começar
a orar para que o Espírito Santo se manifestasse neles. Querendo vivenciar a experiência com
o Espírito Santo, foram ao encontro de William Lewis, sacerdote da Igreja Episcopal
Anglicana. Este os levou até Betty de Shomaker, que fazia em sua casa uma reunião de oração
pentecostal.
Em 13 de janeiro de 1967, Ralph Keiner, sua esposa Pat, Patrick Bourgeois e Willian
Storey foram à casa de Flo Dodge, paroquiana anglicana de William Lewis, para assistirem à
reunião. Em 20 de janeiro, participaram de mais uma reunião e suplicaram que se orasse para
que eles recebessem o "batismo no Espírito Santo". Ralph, então, recebeu o dom de línguas
53

(fenômeno chamado no meio acadêmico de glossolalia ou xenoglossalia). Na semana


seguinte, Ralph impôs as mãos para que os quatro recebessem o batismo no Espírito Santo.
Também em janeiro de 1967, Bert Ghezzi comunicou a universitários da Notre Dame
South Bend, Indiana, o que teria ocorrido em Pittsburgh. Em fevereiro, antes do retiro de
Duquesne, Ralph Keifer foi a Notre Dame e contou suas experiências. Em 4 de março, um
grupo de estudantes se reuniu na casa de Kevin e Doroth Ranaghan, tendo um professor de
Pittsburgh partilhado a experiência de Duquesne. Em 5 de março de 1967 o grupo pediu a
imposição de mãos para receber o Espírito Santo.
Após a Semana Santa, relizou-se um retiro em Notre Dame com o objetivo de saber o
que Deus estaria querendo com aquelas manifestações. Participaram do retiro professores,
alunos e sacerdotes, quarenta pessoas de Notre Dame e quarenta da Universidade de
Michigan, entre as quais Steve Clark e Ralph Martin.
A Renovação Carismática Católica (RCC) é um movimento católico voltado para a
experiência pessoal com Deus, particularmente através do Espírito Santo e dos seus dons,
entre eles o dom de línguas – a glossolalia. Nessa perspectiva, busca dar uma nova dimensão
às formas de evangelização e renovar práticas tradicionais dos ritos e da mística da Igreja
Católica. A finalidade confessa do Movimento da Renovação Carismática Católica é restaurar
a verdadeira face da Igreja Católica, que segundo ela, está perdida. “A Renovação
Carismática Católica, como indica a própria palavra, busca reviver a experiência de
Pentecostes. Pretende restituir à Igreja sua verdadeira face, que é a carismática” (FALVO,
2003, p. 105).
A Renovação Carismática Católica instalou-se no Brasil em 1969, sob o comando do
padre Haroldo Hann. Nos anos seguintes, juntamente com padre Sales, realizou retiros por
todo o Brasil, conhecidos como "Experiência do Espírito Santo" e depois "Experiência de
Oração". O trabalho cresceu ainda mais com a adesão dos padres Jonas Abib (criador da TV
Canção Nova) e Eduardo Doughtery (da Associação do Senhor Jesus – TV Século XXI).
Esse movimento ganhou força em meados dos anos 90 e já congrega grande parte dos
católicos praticantes no país. Continua atraindo muitos fiéis, estando popularizada
principalmente entre os jovens. Atualmente, os nomes mais famosos da Renovação
Carismática Católica brasileira são os padres Marcelo Rossi e Jonas Abib, bastante difundidos
na mídia, principalmente pelos canais de TV Canção Nova e Século XXI.
54

Padre Jonas é fundador da Canção Nova, uma comunidade com sede em Cachoeira
Paulista13, São Paulo, caracterizada por manter costumes católicos tradicionais. Essa
comunidade tem um pequeno império de comunicações no Brasil para divulgar as idéias da
Renovação Carismática Católica, incluindo uma rede de comunicação de rádio e TV com
retransmissão para várias regiões do Brasil. Alguns criticam a forma de arrecadação de
dinheiro feita pela TV Canção Nova. Como não possui patrocínios comerciais, seus
patrocinadores são os telespectadores. Daí as permanentes campanhas de doações em dinheiro
para cobrir os custos de produção e transmissão dos seus programas.
Padre Marcelo Rossi, na cidade de São Paulo, tornou-se um fenômeno de mídia e
cultura de massas, a partir do final dos anos 90. Ele canta, dança e faz coreografias em missas
lotadas e programas de televisão. Essas atividades são mantidas ainda atualmente, inclusive
com Programas também da Emissora Rede Vida de Televisão, por exemplo na oração do
terço “Bizantino”, onde ele se propõe levar aos fiéis a mensagem de Cristo. Seu estilo já foi
criticado por alguns setores da Igreja Católica Romana no Brasil, mas isso só fez contribuir
para aumentar seu prestígio. Padre Marcelo já gravou quatro discos desde 1998. Aparece em
programas de TV com certa regularidade, e comanda um programa de rádio com mais de
100.000 ouvintes em todo o país. Suas missas celebradas a céu aberto, na época da Páscoa,
atraem milhares de fiéis.
O fenômeno da Renovação Carismática Católica não pode ser visto como algo novo
ou inédito na história do cristianismo. Já nas primeiras comunidades cristãs, os estados
alterados da mente causavam êxtase e suscitavam divergências. Paulo, por exemplo, viu-se
coagido a intervir na comunidade de Corinto (1 Cor, 12-15) para estabelecer a hierarquia dos
valores e lembrar os critérios de avaliação dessas manifestações, que lembram o que acontece,
hoje, na Renovação Carismática Católica. Eram comuns os estados de êxtase, sob formas
variadas, especialmente no primeiro milênio do cristianismo.
Em vários períodos da Idade Média, há registros desses movimentos, suscitando adesões
entusiasmadas ou rejeições apaixonadas. Foi assim, por exemplo, nos tempos de Gioachino di
Fiori ou na época da difusão da "devotio moderna". Tratava-se de um movimento espiritual que
chegou a levantar as suspeitas do Tribunal da Inquisição até contra o fundador dos jesuítas,
conforme a pesquisa bibliográfica realizada (VALLE, 2004. Op. cit., p. 3).
Entretanto, a onda carismática que marca os dias atuais não pode ser vista como uma
mera repetição de movimentos anteriores. Tem características próprias e seu acolhimento no

13
A Comunidade Canção Nova, fundada em 1978.
55

seio das igrejas cristãs apresenta diferenças com relação ao que se verificou no passado. O
Pentecostalismo atual, além disso, é um movimento bastante estudado. Existem, hoje,
recursos bem mais refinados para avaliá-lo, sob os mais variados pontos de vista. Mas é falso
supor que a Renovação Carismática Católica seja um fenômeno já totalmente analisado e
assimilado no âmbito do "campo religioso católico." A concepção, a dinâmica, a doutrina e as
perspectivas futuras da Renovação Carismática Católica não estão ainda claras, conforme
reconhecem os estudiosos do assunto (ANJOS, 1998, p. 61-79).
Por isso, novos estudos devem ser realizados, na tentativa de se chegar a uma visão
mais elaborada do significado da Renovação Carismática Católica, no conjunto das
extraordinárias transformações pelas quais passa o catolicismo no mundo inteiro
(CARRANZA, 2000, p. 24). Porém, já é amplamente aceito que a onda pentecostal que
invadiu a Igreja Católica no pós-concílio não é um modismo passageiro. Cresce o número de
teólogos e analistas que vêem o pentecostalismo como uma manifestação que afeta toda a
Igreja. A doutrina, hoje, adotada pela Renovação Carismática Católica faz parte do cenário do
catolicismo desde tempos mais antigos, mas vem se renovando e se fortalecendo
continuamente. É preciso, portanto, retomar a análise desse fenômeno para que se possa
dimensionar este crescimento.
Algumas situações conflitivas vêm ocorrendo no âmbito da própria Igreja Católica,
afetando a convivência interna nas dioceses e paróquias. As principais causas geradoras desse
conflito são divergências teológicas e pastorais e, sobretudo, o entusiasmo com que os
carismáticos se lançam na defesa e propagação de seus princípios e propostas. Fora da Igreja
Católica, as dificuldades maiores derivam de relacionamentos com o neopentecostalismo
protestante.
A Renovação Carismática Católica adota princípios como uma fé introspectiva, uma
experiência pessoal com Deus e uma representação que ressalta a figura de Satanás como raiz
das tentações e de todos os males. Seus seguidores opõem-se à Teologia da Libertação,
vertente da Igreja Católica que buscou aplicar à religião conceitos vindos do marxismo,
enfatizando a participação política, por exemplo, para se combater a desigualdade social.
Carranza (2000, p.5) descreve alguns desses elementos comportamentais típicos dos
carismáticos e detectáveis ao primeiro olhar: Rezar de braços elevados para o alto; [...] a
emotividade, a afetividade e a espontaneidade atuando como meios de comunicação; a
referência constante das sensações como indicativas de experiências místicas e a certeza da
presença de Deus. Além de tudo isso nota-se também a necessidade de citar o que seus
membros denominam de “milagres” que servem como prova da existência divina e,
56

finalmente, o batismo no Espírito Santo, manifestação que confere especificidade ao


movimento dentro da Igreja Católica.
Segundo a supracitada autora, seus integrantes entoam músicas de louvor em
momentos carregados de emoção e pregações em voz alta nos grupos de oração e em suas
celebrações eucarísticas (as Missas). Muitas pessoas comparecem às chamadas "Missas de
Cura e Libertação," como as do padre Marcelo Rossi, em um verdadeiro “bailado” com o
Senhor, com utilizações de técnicas corporais de culto e louvor, onde também ocorrem
manifestações como transe. O movimento tem uma grande devoção a Maria, mãe de Jesus.
Muitos costumam usar camisetas com motivos religiosos e crucifixos. Além disso, seus
adeptos dão muito valor à castidade e a outras práticas conservadoras, e, entre as orações, de
repente, começam a orar em línguas, o que é denominado glossolalia.
Essas manifestações são difundidas pela TV e por várias fitas de vídeo que circulam e
são avidamente disputadas pelos fiéis. As canções religiosas são tocadas nas emissoras de
rádios, reproduzidas em muitos CDs, como por exemplo, um que é cantado pelo padre
Marcelo Rossi: “Músicas para louvor ao Senhor”, gravado pela Polygram sob o nº 532 294–2,
publicado em 1998, sendo também cantadas em residências e igrejas católicas. Nas reuniões
da Renovação Carismática Católica, nas igrejas e em outros locais, essas canções fazem muito
sucesso e muito barulho. Durante sua execução, os fiéis cantam e dançam animadamente,
enquanto oram e louvam o Senhor. Nessas ocasiões, muitas posturas corporais são
empregadas pelos fiéis, freqüentemente, imitando os gestos que o padre Marcelo Rossi ensina
em suas movimentadas pregações, o que enfatiza a natureza de massificação deste fenômeno.
Essas sessões lembram os programas de auditório de animadores na mídia.

3.4.1 Os carismáticos e o Espírito Santo

Para os cristãos, é o Espírito Santo que conduz as pessoas à fé em Jesus Cristo e que
lhes dá a capacidade para viverem um vida cristã. “Com uma atitude sapiencial e auto-
implicativa, põem-se a escutar e analisar, para tirar lições para si mesmas, de como serem
fiéis aos sinais do Espírito que sopra onde quer, que os guia no caminho da verdade. (ANJOS,
1998, p. 9); é como o vinho novo e que todos os fenômenos ocorridos nos Encontros são
frutos do Espírito Santo, invocado a todo momento, como por exemplo a letra da música a
seguir transcrita (CD Padre Marcelo Rossi):
57

ESPÍRITO

Vem espírito,
Vem espírito,
Sozinho eu não posso mais (2x)
Sozinho eu não posso mais viver.

Eu quero amar,
Eu quero ser,
Aquilo que Deus quer
Sozinho eu não posso mais (2x)
Sozinho eu não posso mais viver.

Vem espírito,
Vem espírito.
Sozinho eu não posso mais (2x)
Sozinho eu não posso mais viver.

A Renovação Carismática dá uma ênfase especial às obras do Espírito Santo. Os


“frutos do Espírito” (isto é, os resultados da sua influência) são "amor, gozo (ou alegria), paz,
longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança" (GÁLATAS, 5:22). O
Espírito Santo concede dons aos cristãos, tais como os dons de profecia, falar em línguas e
conhecimento. Embora alguns cristãos entendam que isto tenha acontecido apenas nos
primeiros tempos do cristianismo, a Renovação Carismática Católica acredita que hoje estes
dons estão novamente sendo concedidos.
Desse modo, nos grupos de oração da Renovação Carismática Católica é muito
comum o uso do dom de línguas. Também não é raro serem alegadas visões e profecias de
origem sobrenatural que transmitiriam mensagens de Jesus, do Espírito Santo ou de Maria. Às
vezes, chega a ser proclamada a realização de curas espirituais ou físicas e outros milagres.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) publicou um texto, denominado
Documento 53, com recomendações disciplinando certas práticas místicas no contexto da
Renovação Carismática Católica. Recomenda, por exemplo, que se evite a prática do "repouso
no Espírito" na qual as pessoas parecem desmaiar durante os momentos de oração, mas na
verdade permanecem conscientes do que ocorre em sua volta. Recomenda também que sejam
evitadas preocupações exageradas com o demônio. Eis algumas recomendações do
documento 53, em seu item 65:

“Em Assembléias, grupos de oração, retiros e outras reuniões, evite-se a


prática do assim chamado "repouso no Espírito". Essa prática exige maior
aprofundamento, estudo e discernimento. [...] Procure-se, ainda, formar
adequadamente as lideranças e os membros da RCC para superar uma
preocupação exagerada com o demônio, que cria ou reforça uma
mentalidade fetichista, infelizmente presente em muitos ambientes”.
58

É uma demonstração clara da preocupação das Dioceses no Brasil com o movimento e


com os excessos cometidos em vários grupos do MRCC.

3.4.2 O batismo no Espírito Santo

Segundo a Renovação Carismática Católica, o batismo no Espírito Santo é uma


experiência que normalmente decorre de um momento de oração e pela qual a pessoa adquire
um novo e apurado valor espiritual. A partir desse momento, o Espírito Santo passa a orientar
a vida da pessoa, confirmando verdades interiores e até modificando posturas diante dos
homens e do mundo. Como primeiro resultado desse “batismo,” verifica-se o desejo de viver
pela oração, integrado na vida da Igreja. Fala-se também na ocorrência de eventos intuitivos -
idéias, fatos, nomes, condutas, pensamentos -, tomados como revelações divinas ou dons
espirituais (VALLE, Op. cit., p. 7).
Segundo a teologia católica, toda pessoa recebe o Espírito Santo por ocasião do
sacramento do batismo. A Igreja Católica não define a necessidade de um segundo batismo,
conforme a profissão de fé do Credo Niceno: "Professo um só batismo para remissão dos
pecados". Sendo assim, o “batismo no Espírito Santo,” como é entendido pela Renovação
Carismática Católica, não é um sacramento nem um requisito para a salvação. Na verdade,
seria uma renovação do contato com Deus adquirido originalmente pelo batismo. Seria,
portanto, um auxílio para uma vivência da fé mais próxima da anunciada no evangelho e o
catalisador para uma vida de oração mais intensa. O batismo no Espírito Santo não é uma
invenção da Renovação Carismática Católica, pois marcou os primórdios do nascimento da
Igreja Católica.

3.4.3 O êxtase, o transe e a possessão entre os carismáticos católicos

Na Renovação Carismática Católica o êxtase, o transe e a possessão que envolvem os


estados alterados de consciência – com maior ou menor intensidade – estão relacionados ou
com a ação do Espírito Santo sobre os fiéis ou, ao contrário, com a possessão demoníaca. Esta
pode manifestar-se, de forma mais ou menos evidente, em pessoas que ''não têm Deus em
suas vidas''. No primeiro caso, trata-se de fiéis que, iniciando-se na Renovação Carismática,
recebem os ''dons do Espírito'', ou são por Ele “tocados”. Passam, em razão disso, a se
59

manifestar em seus corpos fenômenos como a glossolalia e o chamado ''repouso no Espírito'',


além de outros.
Estados alterados de consciência têm sido observados em todas as sociedades
humanas. Suas manifestações se denominam de diferentes maneiras, incluindo os termos
''êxtase'', ''transe'' e ''possessão''. O dicionário da língua portuguesa Novo Aurélio (1999, p.
865) define êxtase (do grego ékstasis, pelo latim ecstase, exstase, extase) como:

“1. Arrebatamento íntimo; enlevo, arroubo, encanto, admiração de coisas


sobrenaturais; 2. Admiração de coisas sobrenaturais; pasmo, assombro. 3.
Psiq. 'Fenômeno observado na histeria e nos delírios místicos, e que consiste
em sentimento profundo e indizível que aparenta corresponder a enorme
alegria, mas que é mesclado de certa angústia: fica o paciente quase de todo
imobilizado, parecendo haver perdido qualquer contato com o mundo
exterior”.

De acordo com a mesma fonte, o termo “transe” (do francês transe) é definido como
momento aflitivo, ato ou feito arriscado; ocasião perigosa; lance, crise de angústia,
falecimento, passamento, morte, combate, luta e, também, estado de médium ao manifestar-se
nele o espírito. São apontadas também as seguintes conotações: ''a todo o transe [...]: a todo o
custo; à viva força''; ''transe hipnótico [...]: estado de profunda sonolência, provocado por
hipnose; transe histérico [...]: estado que acompanha certas crises de histeria''. Já o termo
“possessão” é assim definido pelo Dicionário Aurélio (1999, p.1616):

“(do latim possessione), 1.possessão colonial, sujeita a uma metrópole. 2.


Estado ou condição em que o corpo, e/ou a mente de um indivíduo são
supostamente possuídos ou dominados por uma entidade (um ser, força, ou
divindade) que lhes é externa, ou que não se manifesta habitualmente nas
atividades da vida diária. A possessão, considerada como experiência de
natureza psicológica e social, pode ser verificada individual ou
coletivamente, e ter caráter inesperado, ou estar submetida a algum tipo de
controle ritual; em diversas sociedades e culturas, figura como episódio ou
experiência central da vida religiosa”.

Evidentemente, essas definições não esgotam o significado dos termos em questão.


Mas expressam claramente três tipos de significação que estão comumente associados a eles:
a) um sentido ligado a estados que, embora emocionais, podem ser experimentados por todos
(arrebatamento, enlevo, aflição entre outros); b) estados alterados de consciência provocados
por doença psíquica; c) estados místicos ou não-místicos, mas que resultam de uma
influência, considerada exterior, sobre o corpo e a mente do indivíduo (hipnose, intrusão de
espírito, dentre outros) (MAUÉS, 2003).
60

Esses fenômenos estão presentes nas tradições religiosas desde os tempos mais
remotos. Para o historiador Peter Brown, eles encontram-se na origem do culto dos santos,
manifestando e revelando aos pagãos, nos santuários do Baixo Império Romano, a praesentia
e a potentia desses mesmos santos. Possessão é, pois, o fenômeno que expressa a crença das
pessoas em determinados sintomas manifestados por alguém. Acredita-se que essa pessoa
tenha o corpo invadido ou tomado por alguma entidade espiritual ou de outra natureza que
permita essa forma de intrusão (VALLE, 2004, p. 6).
O comportamento dessa pessoa ''possuída'' pode ser descrito (numa versão um tanto
'behaviorista') como uma forma de ''transe'', na qual se pode distinguir um tipo ''hipercinético''
(de caráter mais espetacular e agitado), diferente do que se pode chamar de transe
''hipocinético'', que está freqüentemente associado ao chamado misticismo.
Segundo Gerrie Ter Haar apud Maués (2003, p. 12), ''a questão do bem e do mal é
acrescentada por teólogos e outros, que desejam defender uma ideologia particular. É,
portanto, irrelevante para uma discussão que leve em conta os processos psicossomáticos e
bioquímicos que constituem o background desses fenômenos”. Não obstante, para a cultura
ocidental, em cuja tradição está situada a Igreja Católica, a possessão por espírito tornou-se
um assunto delicado.
As crenças ocidentais geralmente consideram a possessão por espírito como
involuntária, uma experiência maléfica, que deveria ser evitada. Na linguagem comum, essa
atitude negativa se reflete na maneira como as pessoas se referem a alguém que está
''possuído''. “Esse indivíduo expressa um estado de histeria, agindo como louco e perdendo,
em geral, o controle de si mesmo [...]. As referências ao demônio ou a outros espíritos
indicam que tal pessoa é um perigo para a sociedade” (MAUÉS, 2003, p. 13).
O significado negativo emprestado à possessão por espírito é evidente na Bíblia. Toda
vez esse fenômeno mencionado, no Novo Testamento, invariavelmente faz referência a maus
espíritos, particularmente ao diabo. A maneira adequada de lidar com tais espíritos é expulsá-los.
Quando surge um bom espírito (o Espírito Santo), a Bíblia usa um vocabulário bem diferente,
para enfatizar a natureza positiva da crença em tal possessão. Por exemplo, no episódio do
Pentecostes, as pessoas ficaram “cheias” do Espírito Santo e ''falam em línguas''; já, no caso de
um espírito ''mau'' ou ''impuro,”' usa-se o termo ''possessão'', e as manifestações do espírito são
vistas como sinais de seu comportamento inadequado [...] (MAUÉS, 2003, p. 13).
No Ocidente, os cristãos usualmente se referem à presença do Espírito Santo numa
pessoa em termos de um ''êxtase'' religioso, ao invés de uma ''possessão'', a qual é tratada com
uma conotação negativa. Essa associação negativa com a presença de espíritos não é
61

exclusiva da cristandade e pode ser observada em outras religiões de natureza dualista. Elas
fazem uma distinção absoluta entre o bem e o mal e, como resultado, entre possessão por um
espírito que é absolutamente bom e por outro que é absolutamente mau. Aos olhos dos
crentes, a possessão por um é uma experiência completamente diferente da possessão por
outro, não havendo nada em comum entre esses espíritos (MAUÉS, 2003, p. 14).
Neste ponto, recorrendo a uma literatura de origem francesa, Maués (2003, p. 14)
chama a atenção para as distinções estabelecidas por Marion Aubrée, que se inspirou nas
formulações de seu compatriota Gilbert Rouger. Considerando o transe como um fenômeno
composto, ao mesmo tempo, de elementos psicofisiológicos e culturais, Aubrée propõe uma
distinção entre o transe e o êxtase. Para ela, o êxtase é uma reação muito empregada no meio
cristão, diferenciando-se do transe tanto pelos modos de indução quanto pelos estados
psicofisiológicos, podendo-se acrescentar o simbolismo expresso por aqueles que o
vivenciam.
De fato, o êxtase, independentemente de que esteja relacionado à mística cristã,
xamânica ou espírita, é sempre descrito como uma saída do indivíduo de algo como se fosse
uma dinâmica de viagem, enquanto o transe corresponde sempre à descida na pessoa de uma
divindade ou de um espírito.
Com esses argumentos, Aubrée procura definir mais claramente o transe, de modo a
distingui-lo do êxtase. Para ela, ''a indução ao transe passa pelo ruído e pela agitação. Requer
a presença de outros, enquanto o êxtase surge na imobilidade e no silêncio da solidão''. No
que diz respeito a esse estado, invocando Rouget, refere-se ''uma superestimulação sensorial,
uma dissociação da consciência que não permite memorizar a experiência e, enfim, uma
ausência de alucinações'' (MAUÉS, 2003, p. 15). Ao contrário, no que concerne ao êxtase,
retomando uma idéia de Lapassade, Aubrée afirma que nele se pode observar ''uma
consciência clara do que se passa e, em conseqüência, a possibilidade de se recordar (cf. os
místicos cristãos), assim como de freqüentes alucinações''.
Rouget apresenta as formas de transe que encontrou, por exemplo, entre os adeptos do
xangô e do pentecostalismo: o ''transe de possessão'' (que, segundo ela, é uma característica
do primeiro) e o ''transe de inspiração'' (que caracteriza o pentecostalismo, especialmente no
que diz respeito à glossolalia). ''No primeiro caso, o possuído muda de personalidade no
sentido de que ele se transforma na divindade; no segundo [pentecostalismo], o indivíduo
conserva sua personalidade, mas é cercado (investi) pela divindade que, ao dominá-lo, faz
dele seu porta-voz'' (MAUÉS, 2003, p. 15).
62

Essas observações de Marion Aubrée são bastante úteis para se compreender o êxtase,
o transe e a possessão, de modo especial, na Renovação Carismática Católica. Neste ponto do
trabalho, pretende-se entrar diretamente na discussão sobre estados alterados de consciência –
êxtase, transe e possessão -, a partir dos dados da pesquisa bibliográfica realizada, retornando,
especialmente, às idéias de Marion Aubrée.
A glossolalia, cujo significado mais comum é ''falar'' ou ''orar em línguas”, é um
fenômeno muito mais amplo, que transcende o campo religioso. É utilizado em contextos
variados, inclusive na música profana e, portanto, não se restringe ao cristianismo. Ela
acontece mais facilmente em alguns momentos das reuniões da Renovação Carismática
Católica, quando os iniciados começam a orar em conjunto, cada um entoando suas próprias
orações, com palavras diferentes, uns dos outros. Ouve-se, sobretudo, a fala do líder, que
muitas vezes está usando um microfone. Todas as pessoas oram, em voz alta, ao mesmo
tempo, de forma idiossincrática, de modo que se tem a impressão de uma balbúrdia de vozes.
Isso ocorre sobretudo, se há maior exaltação emocional entre os integrantes do grupo ou
multidão, como em ginásios e estádios (MAUÉS, 2003, p. 20).
É nesse momento que ocorre, também, o ato de orar em línguas, como seqüência
natural de uma série de orações para as quais, muitas vezes, faltam palavras compreensíveis.
E assim, as pessoas que têm esse dom passam a orar como já o faziam há tantos anos os
profetas do Antigo Testamento. O fenômeno continuou se repetindo nas primeiras
comunidades cristãs descritas no Novo Testamento, a partir do episódio de Pentecostes. Essas
pessoas recebem a efusão do Espírito de Deus e – na concepção dos carismáticos – já não são
mais elas que oram, mas sim o Espírito Santo através de suas bocas.
Há também uma identificação da glossolalia, isto é, um conjunto de sons pronunciados
de modo rítmico, sem significação aparente. Essa linguagem de oração, com as variações com
que pode se apresentar o dom de línguas, é usada em várias situações: quando não se
encontram palavras para louvar a Deus; quando não se sabe como interceder pelos outros;
como arma poderosa contra o pecado, para cantar sua alegria no Espírito Santo (OLIVEIRA,
1978, p. 54).
A discussão sobre se ocorre, no caso, um fenômeno de estados alterados de
consciência pode ser longa, especialmente em se tratando de questão que se coloque para
adeptos da própria Renovação Carismática ou do pentecostalismo. Nesse aspecto, há uma
discussão sobre a ocorrência do transe, com ou sem consciência de parte da pessoa afetada.
Até mesmo naquilo que é interpretado, emicamente, como ''possessão demoníaca'', a
percepção consciente do que acontece, durante as crises mais violentas, é atestada por vários
63

relatos, como o da famosa superiora possessa do Convento de Loudon, Madre Joana dos
Anjos, que escreveu suas memórias no ano de 1640:

“Freqüentemente a minha mente enchia-se de blasfêmias e às vezes eu as


pronunciava sem ser capaz de pensar em evitá-las. Sentia uma aversão
contínua por Deus e nada me provocava tanto ódio do que o espetáculo de
sua bondade e da sua disposição para perdoar os pecadores arrependidos (...).
É verdade que eu não agia livremente nesses sentimentos (...), porque o
demônio me confundia de tal modo que eu mal distinguia seus desejos dos
meus; além disso, através dele eu sentia uma forte aversão contra os meus
votos religiosos, tanto que às vezes quando ele estava na minha cabeça eu
rasgava todos os meus véus e os véus das minhas irmãs que conseguia
segurar, pisava neles, mastigava-os, amaldiçoando a hora em que fiz os
votos.
Quando me ergui para a Comunhão o diabo tomou posse da minha mão, e
quando eu recebera a Sagrada Hóstia e já a umedecera um pouco, o diabo
jogou-a no rosto do padre. Sei muito bem que não agi assim livremente, mas
tenho certeza que estava completamente confusa por permitir que o diabo
fizesse isso” (OLIVEIRA, 1978, p. 54).

Há várias situações que poderiam ser, no mínimo, classificadas como estados de


êxtase, nas quais as pessoas mantêm o conhecimento do que acontece em sua volta e podem,
de certo modo, ''suspender'' seu êxtase, para realizar tarefas práticas. É o caso, por exemplo,
de um dirigente espiritual, orando em línguas. Ele é capaz de interromper essa atividade, para
receber um recado importante, diante do público ou de um grupo de oração e, em seguida,
tranqüilamente, retomar a mesma oração em línguas.
Num outro contexto, existem relatos, por exemplo, nas religiões afro-brasileiras, de
pais ou mães-de-santo que, incorporados por seus guias, interrompem a atividade mística para
atender a alguém que bate à porta. Outros acompanham procissões do catolicismo popular,
recebendo bênçãos de padres e bispos, mantendo a incorporação por suas entidades e, de
resto, comportando-se, durante esses rituais, quase como se nenhum santo ou orixá estivesse
''em sua cabeça''.
Quanto ao chamado ''repouso no Espírito'', o supracitado autor aponta “uma situação
que tipicamente acontece a partir da imposição de mãos”. A situação-padrão é a seguinte: um
iniciado experiente (homem ou mulher) impõe as mãos sobre a pessoa, tocando-a na cabeça,
principalmente, mas também às vezes no ombro, no peito ou nas costas, e começa a orar, em
vernáculo, e algumas vezes, entremeadamente, em línguas. Quando a pessoa começa a perder
o equilíbrio e passa a balançar, um outro iniciado, do sexo masculino e geralmente mais forte
fisicamente, também impõe as mãos sobre a mesma pessoa e, esperando que ela caia,
gentilmente a ampara até que se acomode no chão do auditório.
64

As cadeiras são rearrumadas para que possa caber no chão muita gente deitada. Tanto
os neófitos como os iniciados já haviam repousado no Espírito, geralmente por vários
minutos. Quando se levantavam, procuravam sentar-se logo nas cadeiras do auditório, mas,
por alguns minutos, permaneciam como que concentrados, aparentemente meditando ou se
recobrando da experiência. Esta pode ser, para os neófitos, a experiência do ''batismo no
Espírito'', que também ocorrerá de outras maneiras, e que, muitas vezes, é precedida ou passa
a ser seguida pela glossolalia (OLIVEIRA, 1978, p. 55).
Em várias outras situações é possível observar fenômenos extáticos na Renovação
Carismática Católica. O estudo realizado parece indicar que não é possível fazer completamente
as distinções propostas por Marion Aubrée. Embora o êxtase seja referido, com freqüência, na
literatura como relacionado ao cristianismo, ele não se limita a essa manifestação religiosa, nem
pode se caracterizar apenas como algo que implica ''sair de si'', ou uma “viagem”. Dois outros
aspectos das formulações de Marion Aubrée merecem também uma análise: o primeiro
distingue o êxtase do transe pelo caráter consciente daquele; o segundo diz respeito à presença
de alucinações no transe, as quais estariam ausentes no êxtase. “A questão da consciência ou da
inconsciência quanto à presença ou não de ‘alucinações’ encontram-se em situações variadas na
pajelança e na RCC” (MAUÉS, 2003, p. 23).
Na Renovação Carismática Católica, o mesmo se dá no caso considerado como
possessão demoníaca. Nos dois casos, quando se trata de pajé experiente ou de fiel católico
que recebeu os dons do Espírito Santo, a tendência é a ocorrência de formas de transe ou de
êxtase controlados, nos quais, geralmente, a pessoa a eles sujeita é capaz de relatar alguns
aspectos de sua experiência.
Já no que diz respeito à presença ou ausência de alucinações, no sentido de ilusões,
devaneios e fantasias, Oliveira (1978) pôde constatar que tanto na Renovação Carismática
Católica como em outras tradições religiosas elas estão presentes no êxtase ou no transe. Na
Renovação Carismática Católica, por exemplo, por ocasião das chamadas ''visões proféticas'',
o pesquisador teve a oportunidade de escutar relatos fantásticos a respeito da presença ou
aparição de anjos e da Virgem Maria, ou também da presença do Espírito Santo, no recinto da
igreja ou no local da reunião. Esses relatos apresentam abundância de detalhes e forte colorido
na descrição feita por fiéis em êxtase ou sob efeito do transe de que estavam tomados.

“Na RCC, como no pentecostalismo, evidentemente que o fiel, ao receber a


'unção do Espírito', tanto no momento da glossolalia, do repouso, da profecia
etc., não se transforma (num sentido êmico) na divindade, mas apenas recebe
seus eflúvios ou fala por ela. Isto é muito evidente no caso da profecia, na qual
o profeta carismático usa, como os profetas bíblicos, a primeira pessoa do
65

singular ao enunciar suas palavras de caráter ilocucionário ou performático”


(AUSTIN apud MAUÉS, 2003, p. 26).

Ou seja, verifica-se que é como se fosse o próprio fiel ao enunciar as palavras


proféticas. Mas o êxtase, o transe e a possessão constituem aspectos centrais no MRCC, tanto
quanto no Pentecostalismo porque essa forma de prática religiosa, no fundamental, os seres
humanos são uma espécie de “possuídos”, vez que se os males a que os indivíduos estão
sujeitos, eles entendem que ação do diabo, do inimigo, isto significa que estes e os espíritos
maléficos exercem poderosa influência sobre os seres humanos.
Essa influência pode se manifestar de diversas formas, e em alguns momentos, através
de estados alterados de consciência, como no transe hipercinético, ou seja, a possessão
violenta e mais ou menos espetacular. O próprio repouso no Espírito precisa ser melhor
analisado pelos próprios fiéis já que, como já mencionamos antes, essa preocupação
demasiada com o diabo e o repouso no Espírito são itens que o Concílio Vaticano II, através
do Documento nº 53, chama a atenção das Dioceses, para evitar excessos na tentativa de
evitar o fanatismo que pode ocorrer nessas cenas rituais.

3.5 O MOVIMENTO CARISMÁTICO CATÓLICO EM JOÃO PESSOA - HISTÓRICO

Para a reconstituição histórica do Movimento Carismático Católico em João Pessoa, a


autora baseou-se no depoimento do Coordenador desse Movimento na Igreja e Comunidade
das Mercês. O Movimento Carismático Católico, na Paraíba, teve início em João Pessoa, no
Colégio Nossa Senhora das Neves, sob a Coordenação da Irmã Margarida, ainda viva e o Sr.
Luiz Coutinho14, em 1978.
Começou como um grupo de orações, com louvores, cânticos, leitura e interpretação
de textos bíblicos, pedidos de cura interior e de libertação, que são os movimentos ocorridos,
ainda hoje nas Igrejas e Comunidades que adotam o movimento carismático. Em 1979, entrou
para o grupo a Irmã Auxiliadora da Congregação das Lourdinas; entre 1979 e 1980 a Sra.
Creuza Miranda começou a participar desses rituais; em 1980 o Sr. Gerôncio Vilar Pequeno
se tornou membro deste grupo.
Em 1988, com o grupo já bem maior, deslocou-se do Colégio Nossa Senhora das
Neves para a Igreja Mãe dos Homens, que depois foi para a Igreja Nossa Senhora do Carmo.
Por fim, o grupo estudado nesta dissertação, sob a Coordenação do Sr. Gerôncio Vilar
Pequeno, passou para a Igreja Nossa Senhora das Mercês (1990). Da Igreja das Mercês vários

14
Já falecido
66

grupos se formaram e seguiram para outros Bairros e Cidades, como o grupo do Lar da
Providência, sob a Coordenação de Dª. Ieda Cardoso.
Por volta de 1984, instalou-se um grupo em Guarabira, e entre 1980 e 1990,
instalaram-se vários grupos em Princesa Isabel, Cajazeiras, Pombal, Sousa, São João do Rio
do Peixe. Os grupos de Orações e todos os demais trabalhos são desenvolvidos nas Igrejas de
cada localidade e quase sempre, como no caso do grupo estudado, o da Igreja das Mercês, tem
uma Comunidade cujo objetivo é de sustentação aos trabalhos pastorais de cada Igreja.
67

4. METODOLOGIA, DADOS EMPÍRICOS E ANÁLISE

4.1 O MÉTODO ETNOGRÁFICO

Um dos principais métodos utilizados nesta pesquisa foi o etnográfico, onde a palavra
Etnografia (do grego έθνος, ethno - nação, povo e γράφειν, graphein - escrever) é por
excelência o método utilizado pela antropologia na coleta de dados. (Disponível em
<http//pt.wikipedia.org/wiki/Etnografia. Acesso em 17.01.08). Baseia-se no contato inter-
subjetivo entre o pesquisador e seu objeto, seja ele uma tribo indígena ou qualquer outro
grupo social sob qual o recorte analítico seja feito.
Uma das formas de propor e definir a etnografia foi de Bronislaw Malinowski, em seu
clássico estudo Os Argonautas do Pacífico Ocidental (publicado em 1922), que marcou a
história da antropologia moderna, que envolveu a detalhada e atenta observação participante,
que também é da sua autoria. Antes dele também foi criada outra etnografia clássica, como a
de Franz Boas; temos também a dos Naven de Gregory Bateson e Nós, os Tikopia de
Raymond Fyrth.
Principalmente a partir da antropologia interpretativa ou pós-moderna, autores como
James Clifford (1986), Clifford Geertz (1989) e George Marcus (1989) passaram a discutir o
papel político, literário e ideológico da antropologia e de sua escrita, em esforços
verdadeiramente metalingüísticos e intertextuais. O objetivo principal da Etnografia é
identificar a passagem do indivíduo inserto nos microcoletivos mutáveis, que albergam nos
seus comportamentos sociológicos, os conceitos maiores de etnia, região, povo e, por fim,
nação (FINO, 2003).
Na sua obra, Padrões de Cultura, Ruth Benedict escrevia:

“A história da vida individual de cada pessoa é acima de tudo uma


acomodação aos padrões de forma e de medida tradicionalmente
transmitidos na sua comunidade de geração para geração. Desde que o
indivíduo vem ao mundo, os costumes do ambiente em que nasceu moldam a
sua experiência dos factos e a sua conduta. Quando começa a falar ele é o
frutozinho da sua cultura, e quando crescido e capaz de tomar parte nas
actividades desta, os hábitos dela são os seus hábitos, as crenças dela as suas
crenças, as incapacidades dela as suas incapacidades” (BENEDICT, s/d,
p.15).
68

4.1.1 Observação participante

Bogdan e Taylor (1975) definiram a observação participante como uma investigação


que se caracteriza por um período de interações sociais intensas entre o investigador e os
sujeitos, no meio destes, durante o qual os dados são recolhidos de forma sistemática. Para
Georges Lapassade (1991, 1992, 2001), a expressão “observação participante” tende a
designar o trabalho de campo no seu conjunto, desde a chegada do investigador ao campo da
investigação, quando inicia as negociações que lhe darão acesso a ele, até ao momento em que
o abandona, depois de uma estada longa. Enquanto presentes, os observadores imergirão
pessoalmente na vida dos locais, partilhando as suas experiências.
Durante a estada no campo, os dados recolhidos são provenientes de fontes diversas,
nomeadamente da observação participante propriamente dita, que é o que o observador
apreende vivendo com as pessoas e partilhando as suas atividades. Mas, há também as
entrevistas etnográficas, que são as conversações ocasionais no terreno e deve-se ressaltar que
estas não são estruturadas. Mediante o estudo, quer de documentos “oficiais”, quer, sobretudo,
de documentos pessoais, os sujeitos revelam os seus pontos de vista sobre a sua vida ou sobre
eles próprios, e que podem assumir a forma de diários, cartas, autobiografias e outras formas
de registros de dados.
Utilizamos a observação participante ativa, que é adotada pelos investigadores que
se esforçam por adquirir um determinado estatuto no seio do grupo ou da instituição em
estudo. Esse estatuto é o que lhes permitirá participar em todas as atividades como membro
desta comunidade.

4.1.2 O rationale do método etnográfico

Segundo Michael Genzuk (1993), etnografia é um método de olhar de muito perto,


que se baseia em experiência pessoal e em participação, que envolve três formas de recolher
dados: entrevistas, observação e documentos, os quais, por sua vez, produzem três tipos de
dados: citações, descrições e excertos de documentos, que resultam num único produto: a
descrição narrativa. Esta inclui gráficos, diagramas e artefatos, que ajudam a contar “a
história”.
Para Genzuk (1993), os três princípios metodológicos que constituem o rationale do
método etnográfico são os seguintes:
a) Naturalismo. O objetivo da pesquisa social é a compreensão do comportamento
humano, o que só pode ser conseguido através de um contacto direto e não através de
69

inferências a partir do modo como as pessoas se comportam em ambientes experimentais e


artificiais, ou a partir do modo como elas declaram comportar-se, em entrevistas. Esta é a
razão pela qual os investigadores etnográficos levam a cabo as suas investigações em cenários
“naturais”, que existem independentemente do processo de investigação, em vez de as
efetuarem em ambientes especialmente preparados para o efeito. Como é evidente, no
primeiro caso – em cenários naturais – o investigador tenta minimizar o efeito da sua presença
no comportamento das pessoas em estudo, com o propósito, além da fidelidade, de aumentar
as hipóteses de que, se vier a ser revelado, seja generalizável para situações semelhantes que
não foram ainda estudadas. Além disso, a idéia de naturalismo implica que os acontecimentos
e os processos sociais devem ser explicados em função da sua relação com o contexto onde
ocorrem.
b) Compreensão. Quem quiser ser capaz de explicar as ações humanas, de uma forma
convincente, deve ser capaz de compreender as perspectivas culturais em que elas se baseiam,
sendo este argumento ainda mais importante quando pretendemos estudar situações mais
familiares. De fato, quando uma situação é familiar, o risco de não compreensão é muito
maior. Como recorda Driss Alaoui apud Fino (2003), a importância da etnografia reside, entre
outras coisas, na sua capacidade de tornar estranho o que nos é familiar e de levar o
observador, pelo ato de olhar, a demorar sobre o observável para o descrever e problematizar.
Portanto, talvez não possamos assumir que já conhecemos as perspectivas dos outros, mesmo
na nossa própria sociedade, porque alguns grupos ou alguns indivíduos desenvolvem visões
do mundo peculiares, sendo isto particularmente verdade em sociedades grandes e complexas.
Pequenos grupos étnicos, ocupacionais e informais (incluindo famílias ou turmas escolares)
desenvolvem maneiras distintas de se posicionarem perante o mundo, que tem de ser
previamente compreendidas, por quem pretende explicar o seu comportamento. Assim, de um
ponto de vista etnográfico, é necessário compreender a cultura do grupo em estudo antes de se
poder avançar explicações válidas para o comportamento dos seus membros. Daí a razão para
a centralidade da observação participante e das entrevistas não estruturadas no método
etnográfico.
c) Descoberta. Outra característica do pensamento etnográfico é a concepção da
investigação como um processo indutivo ou baseado na descoberta, em vez de ser limitado
pela testagem de hipóteses explícitas. Quem aborda um fenômeno já munido de um conjunto
de hipóteses, pode falhar na descoberta da verdadeira natureza desse fenômeno. No entanto,
as hipóteses podem ser importantes em certos tipos de fenômenos sociais, porque, através
delas, o foco da investigação concentra-se e torna-se mais preciso, mesmo que vá mudando
70

substancialmente à medida em que avança. Ao mesmo tempo e do mesmo modo, idéias


envolvendo descrições e explicações do que é observado evoluem no decurso da investigação.
O método etnográfico considera essas idéias como sendo resultados importantes e não pré-
requisitos para a investigação.
Segundo Hammersley (1990), o termo “etnografia” se refere, em termos
metodológicos, à investigação social que comporte a generalidade das seguintes funções:
a) o comportamento das pessoas é estudado no seu contexto habitual e não em condições
artificiais criadas pelo investigador;
b) os dados são recolhidos através de fontes diversas, sendo a observação e a conversação
informal as mais importantes;
c) a recolha de dados não é estruturada, no sentido em que não decorre da execução de um
plano detalhado e anterior ao seu início, nem são pré-estabelecidas as categorias que serão
posteriormente usadas para interpretar o comportamento das pessoas, o que não significa
que a investigação não seja sistemática, mas apenas que os dados são recolhidos em bruto,
segundo um critério tão inclusivo quanto possível;
d) o foco do estudo é um grupo não muito grande de pessoas, mas, na investigação de uma
história de vida, o foco pode ser uma única pessoa;
e) a análise dos dados envolve interpretação de significado e de função de ações humanas e
assume uma forma descritiva e interpretativa, tendo a (pouca) quantificação e análise
estatística incluída, um papel meramente acessório.
Pela sua própria estrutura o método etnográfico foi o que melhor se prestou, segundo o
ponto de vista da autora da presente dissertação, para trabalhar com as Comunidades do
Movimento de Renovação Carismática Católica, com as quais se propôs pesquisar para o
estudo do tema do presente projeto, ou seja, a Comunidade da Igreja Nossa Senhora das
Mercês, sob a Coordenação do Sr. Gerôncio Vilar Pequeno, ex-padre casado, de um espírito
de liderança a toda prova, conhecedor profundo dos textos bíblicos, o que se pode comprovar
em cada encontro do grupo, bem como do dom de línguas, entre os dons espirituais que a
Igreja reconhece.

4.1.3 Descrição etnográfica

A descrição etnográfica não consiste em apenas ver, mas em fazer ver, ou seja, em
escrever o que vemos, no entendimento de Laplantine (2004, p.10). Transformando o olhar da
71

linguagem, há uma exigência de que, se pretendermos entendê-lo, há uma interrogação sobre


as relações entre o visível e o dizível, ou mais precisamente, entre o visível e o dizível.
E continua Laplantine (2004, p. 10),

“(...) a descrição etnográfica enquanto escrita do visível põe em jogo não só


a atenção do pesquisador (atenção orientada, e também, atenção flutuante),
mas um cuidado muito particular de vigilância em relação à linguagem, já
que se trata de fazer ver com palavras, as quais não podem ser
intercambiáveis, particularmente quando estabelecemos enquanto meta
relatar da maneira mais minuciosa a especificidade das situações, sempre
inéditas, às quais estamos confrontados”.

A presença do etnólogo para muitos poderá ser um obstáculo epistemológico; pelo


contrário, é uma fonte segura de conhecimento, o seu incluir-se não apenas socialmente, mas
subjetivamente. Faz parte do objetivo científico que se procura construir, através não somente
da análise dos outros aos seus olhos, mas, até da suas próprias reações às reações dos outros, e
isso é de grande importância, desde que se saiba aproveitar os dados que se lhe colocam.
Foi uma pesquisa de caráter qualitativo onde o foco do estudo foi a experiência
religiosa da glossolalia e os relatos de fiéis que vivem cotidianamente esta experiência, onde a
qualidade e o contexto cultural das informações são mais importantes que a quantidade. Os
autores que inspiraram esse modelo de pesquisa qualitativa foram Bogdan e Biklen (1994,
p.183-193), os quais enfatizam que a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua
no
fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento, o que é ratificado pelo
método etnográfico.

4.1.4 A Pesquisa empírica: descrição etnográfica

A pesquisa ocorreu na Igreja das Mercês, no Centro de João Pessoa à Rua Padre Meira
e na Comunidade situada na Rua Francisca Moura nº 360, localizada aproximadamente a uns
800m, também no Centro da Capital mas fora da Igreja, já na vizinhança do Bairro de
Jaguaribe.
Foram utilizadas as técnicas de observação na Igreja e na Comunidade das Mercês,
quando havia reuniões do Movimento da Renovação Carismática (MRCC), bem como, foram
feitas entrevistas semi-estruturadas para coletar os dados sobre os significados das ocorrências
de glossolalia nessas ocasiões. A pesquisadora portou um caderno de notas para anotar os
dados observados e para o registro dos depoimentos foi utilizado o gravador. As entrevistas
foram gravadas com a permissão dos entrevistados, conforme formulário em anexo.
72

A época da pesquisa coincidiu com o Carnaval de 2008, quando a pesquisadora


participou ativamente de um Retiro, entre 02 a 05 de fevereiro de 2008, que ocorreu, na
quadra coberta do Colégio Dom Adauto, localizado no Bairro de Jaguaribe, munida de um
caderno para anotações e um gravador. Nesse Retiro no período do sábado à terça-feira dos
dias de Carnaval, com chegada pelas 08 horas da manhã e término às 17:30h, todos os dias
com muita oração, cânticos de louvores, leituras de textos bíblicos, comentários dos textos e
sempre ao final de cada dia a celebração da Missa.
No último dia, na terça-feira à tarde, foram apresentados alguns testemunhos. A
pesquisadora apresentou a Vida de Paulo, em data show, que coincidiu com o pedido de
evangelização do tema da Campanha da Fraternidade, do ano de 2008, tema de um trabalho
apresentado na disciplina: Estudos de textos sagrados, com destaque a 2ª Carta aos Coríntios.
A Igreja das Mercês é uma das mais tradicionais, construída na forma de cruz, bastante
freqüentada. Lá não existia à época da pesquisa de janeiro a março de 2008, um pároco fixo.
Às tardes, durante a semana, cada dia tinha uma atividade diferente, sempre das 14 às 16
horas, culminando com a Celebração Eucarística (Missa), com início às 16 horas e terminando
aproximadamente às 17 horas, no ritual normal, com as leituras e cânticos comuns à Liturgia,
bem como nos Encontros da Comunidade.
Nas segundas-feiras ocorriam os encontros para estudos, chamados Seminários de
Vida, sob a orientação do Coordenador, além da ocorrência das confissões; nas terças-feiras
acontecia o denominado “louvorzão,” com cânticos, orações, sempre com invocações ao
Espírito Santo para se fazer presente em cada fiel. Era também feito o acolhimento das
pessoas em atendimento pessoal, com o Coordenador em uma sala da Igreja, separada para
esse tipo de atendimento. Nas quartas-feiras eram realizados os atendimentos pessoais pelas
pessoas do grupo da Renovação Carismática aos que procuravam, sempre em voz baixa, em
que o membro que atendia, dava orientações, onde trechos da Bíblia eram lidos e comentados.
Nas quintas-feiras, era realizado outro “louvorzão,” com várias orações, cânticos,
semelhante ao das terças-feiras, com muitas invocações ao Espírito Santo; às quintas-feiras, o
dia todo era dedicado à adoração do Santíssimo Sacramento, a partir das 9 horas e terminando
com a Celebração da Missa às 17 hs.; nas sextas-feiras à tarde, semelhante às terças e quintas-
feiras, e no último sábado de cada mês há a celebração da Missa de Cura, iniciando com
orações, cânticos, adoração ao Santíssimo Sacramento, desde as 10 horas, e culminando com
a Missa, que tem início às 12 horas.
73

QUADRO 1: Calendário semanal das atividades do Movimento Carismático Católico na


Igreja das Mercês.

Dias da semana Atividades Horário


Das 14 horas às 16 horas/
Segunda-Feira Seminário de Vida/Confissões/ Missa
17horas

“Louvorzão” e atendimento individual Das 14 horas às 16 horas/


Terça-Feira
pelo Coordenador/Missa 17horas

Atendimento individual pelos membros Das 14 às 16 horas/


Quarta - Feira
da Renovação Carismática/Missa 17 horas

Adoração do Santíssimo- Louvorzão/


Quinta – Feira Das 9 às 16 horas/ 17 horas
Missa
Das 14 às 16 horas/
Sexta – Feira Louvorzão/Missa
17 horas
Sábado (último do mês) Louvorzão/Missa de Cura Das 9 horas/ 12 horas

A comunidade funciona à Rua Francisca Moura, no Centro de João Pessoa, em casa


alugada. Trata-se de uma casa comum, tendo no térreo 04 (quatro) salas, área de circulação,
um salão, WC e banheiro social, cozinha, e, no andar superior uma sala. Verificamos que
foram feitas algumas adaptações, como por exemplo, o terraço foi fechado e lá funciona a
recepção; duas salas grandes foram unificadas para lá ocorrerem os Encontros durante a
semana.
O funcionamento ocorre nos períodos em que não há atividades na Igreja à noite, nas
terças, quartas e quintas-feiras, aos sábados e domingos pela manhã, a partir das 8 horas com
reuniões dos membros da Renovação Carismática que trabalham tanto na Igreja como na
Comunidade. Em uma sala, que antes era possivelmente um quarto, no andar superior fica o
Santíssimo Sacramento; outra sala, que também era um outro quarto foi ocupado com a
secretaria, com banheiros e cozinha, pois fazem Encontros às vezes aos domingos e passam o
dia todo com almoço, inclusive preparado lá mesmo, pelo pessoal do grupo de trabalhos da
Igreja.
Aos sábados e domingos o Encontro era feito na parte da manhã, iniciando geralmente
com a oração do Terço, a partir das 8:00 horas e tendo início propriamente dito com a
chegada do Coordenador às 9:00 horas. Na condição de observadora do fenômeno da
glossolalia, foi possível observar um traço hierárquico forte, da presença do Coordenador, ex-
padre, pois, em toda e qualquer decisão, às vezes até a mais simples, aguardava-se a sua
chegada.
74

QUADRO 2: Calendário semanal das atividades do Movimento Carismático Católico na


Comunidade das Mercês.

Dias da semana Atividades Horário


Terça-Feira “Louvorzão” Das 19 horas às 21 horas.
Quarta - Feira “Louvorzão” Das 19 horas às 21 horas.
Quinta – Feira “Louvorzão” Das 19 horas às 21 horas.
Sábado “Louvorzão”/Missa Das 8 às12 horas
Domingo “Louvorzão”/Missa Das 8 horas/ 12 horas

Na Igreja e na Comunidade existe uma média de 100 pessoas estáveis em torno dessa
prática, além das pessoas que entram, fazem suas orações e vão embora. Pelo fato de sua
própria localização, no centro da cidade e por onde há um fluxo maior de passagem de
pessoas, na Igreja há um número maior de fiéis constantes e visitantes. Na Comunidade o
número é mais reduzido, por ser esta mais distante e mais isolada da Igreja e para lá vão mais
os membros do grupo. Este foi o percebido na observação realizada.

4.1.4.1 A observação do ritual onde emerge a glossolalia

É no “louvorzão”, que dura uma média de três horas, tanto na Igreja como na
Comunidade das Mercês, onde emerge a glossolalia – dom de línguas. Tem início com a
oração do terço, se for aos sábados, após o terço, reza-se o Ofício de Nossa Senhora, e o
Coordenador sempre presente, após estas orações, faz a leitura de algum texto bíblico, o
interpreta, pede que alguns dos fiéis presentes dêem também a sua interpretação, inclusive foi
solicitado à pesquisadora, em várias oportunidades que também desse a sua interpretação a
algum texto lido.
São entoados vários cânticos de louvor e após algum tempo, nesse ambiente de
orações, louvores e cânticos, o Coordenador pede que todos falem em línguas, sem a
preocupação se estão ou não realmente falando em línguas e em seguida escuta-se a
assembléia orando em língua estranha, que a pesquisadora não entendeu. Notamos então que
ali a glossolalia tem sua ocorrência planejada e programada dentre as atividades mensais da
comunidade das Mercês, ainda que seja uma ocorrência de cunho emocional que deveria ser
espontânea e imprevisível.
Ao terminar esse momento de oração em línguas, o Coordenador pergunta se alguém
quer falar sobre a experiência do orar em línguas e algumas pessoas diziam que haviam
“pressentido que alguém estava passando por momentos difíceis, mas que o Senhor havia dito
que isto passaria”; outros diziam que tinha visto “a Via Sacra passando”; outros, “campos
75

floridos”; “o Santíssimo exposto”; “que viam Nossa Senhora” e se apresentavam com muita
alegria, riam, outros emocionados, choravam.
Outro momento da pesquisa aconteceu no Retiro, onde a pesquisadora fez, nos
intervalos, as entrevistas, para a coleta de dados para aparelhar a pesquisa, com os membros
tanto da Igreja como da Comunidade das Mercês. Essas entrevistas tiveram como tema
principal o fenômeno da glossolalia – e a experiência de cada um, com esse fenômeno.
A amostra para a coleta de dados foi de 12 (doze) pessoas, presentes na Igreja, bem
como na Comunidade da Igreja das Mercês. Dessas 12 pessoas entrevistadas, participaram
tanto pessoas do sexo masculino, bem como, do sexo feminino, em uma faixa de idade dos 25
aos 67 anos, com grau de escolaridade do 1º grau incompleto ao superior completo. São
solteiros/as, casados/as e viúvos/as, o que não altera a correlação entre o universo e a amostra.
Estabelecemos, como critério de inclusão dos participantes nesta amostra, os sujeitos que
oram ou falam em línguas há mais de cinco anos, tendo sido excluídos aqueles nos quais
aflorou o dom de línguas durante o período da pesquisa.
À 1ª pergunta: O Sr.(a) tem o dom de orar ou falar em línguas, todos os entrevistados
responderam sim. À 2ª pergunta: Se tem, há quanto tempo? Foram várias as respostas, mas
sempre há mais de cinco anos. Às demais perguntas, as respostas foram as mais diversas,
como essas a seguir, que foram transcritas:
A pessoa entrevistada nº 01, respondeu que:

Sou de religião católica – pais católicos, porém não praticantes – sou a 3ª de


8 irmãos.
Participei da Umbanda, Candomblé e Quimbanda. Fiz todo o ritual que as
religiões afro determinam e recebi um documento para abrir um terreiro.
Disse espontaneamente: “o que a levou a procurar a Umbanda é que
procurava Deus em todo lugar (canto) e não encontrava resposta. Depois de
ter feito toda a obrigação, matava os animais, ficava por 21 dias recolhida,
em obrigação”. E acrescentou: “um detalhe, todos os animais que eu
comprava para uma obrigação, amanheciam mortos e isto foi me tocando e
causando um temor muito forte”.
Passei na Umbanda 3 anos e sai em 31 de maio de 1988, quando procurei o
Frade Valter, em Natal, pois à época morava lá. Estava terminando a Novena
e disse: Frei, estou ficando louca e o Frei falou para ela, que ela voltasse no
dia seguinte, pela manhã, com todos os trabalhos, estátuas, oferendas, guias,
roupas. Foi uma verdadeira mudança e entreguei tudo na Igreja.
A partir daí, fiquei sofrendo, sentia-me como uma plantinha, coisinha
pequena, um nada. Continuei procurando a Igreja. No Amazonas, porque o
meu marido era marinheiro e viviam se mudando de um local para outro,
encontrei o Bispo de lá, D.Gino (hoje falecido), que mandou ficar de 4 às 6
da manhã com ele em oração, eu em casa e ele numa rádio da cidade e disse-
lhe que quando chamasse Maria e São José ela saberia que nessa hora a
oração era para mim.(chorou muito).
76

Já em Parentins uma amiga me sugeriu que procurasse padre Dilson que ele
me ajudaria. Fui me confessar, contei a minha história, porque sentia falta de
paz, sentia que Deus não me amava (muito emocionada). Então o padre
Dilson, me ungiu com óleo nas mãos, mudou de cor e ficou muito suado e
entregou 5 cópias de orações, para que eu rezasse e se começasse a chorar
deixasse para o outro dia.
O Padre disse-me que eu fizesse o Retiro de 1997 que iria receber bênçãos,
muitas bênçãos e disse-me que o inimigo faz tudo, para tirar um filho de
Deus do caminho certo.
No momento do Louvor, no Retiro, recebi uma força sobrenatural, não tenho
como explicar. Era uma energia com força total, estava consciente, mas não
sabia sair da situação.
Quando entro em oração, sinto o rosto crescido, mãos e corpo formigando,
uma energia muito grande em todo corpo. O Universo cresce e sinto-me
pequenininha, um nada.
Quando vivencio a experiência do dom de línguas, sinto uma alegria
inexplicável, por mim passaria para todo mundo. Sinto o amor de Deus.
Quando estou na experiência já vi a presença de um anjo imenso, vejo
padres chorando, principalmente quando estou na adoração do Santíssimo.
Dizem que não estão dando conta e pedem orações. Vejo freiras, sendo
humilhadas e o Senhor mandando orar por elas.
O Senhor manda que reze pelas almas que morreram afogadas, de acidentes
(no ouvido), (ficou emocionada - chorou).
Peço em voz alta ajuda ao Senhor pelas almas dos que morreram afogados,
acidentados, pelos presos injustiçados.
Diz que “estou trabalhando em casa e começo a rezar, por tantos pedidos, no
ouvido”.
Afirma que recebeu o dom de línguas, quando estava nas Santas Missões, na
cidade onde morava (em cidade do Amazonas) e só podia ir se tivesse sido
batizada no Espírito Santo.
Diz que “estava cantando, quando pediram para rezar uma Ave-Maria e a
sua língua, ficou crescida, grande, dobrando, como se estivesse
desgovernada. Pediu, Senhor, me ajude. No consciente, mais uma vez veio o
medo, foi terrível, mas aí foi diminuindo, até que parou”.
Comentou: “O dom de línguas não precisa está sob a ação do Espírito Santo.
Se você recebe uma vez, não precisa está renovando. Deus é quem decide. É
a ação dele. Na oração de línguas, vem o discernimento do que o irmão está
precisando, naquele momento. Ex: Havia uma senhora amiga no hospital,
chamada Maria muito doente e só esperando a hora de morrer e ela mandou
me chamar, ao chegar lá, pensou consigo mesmo, vou rezar a oração do
perdão e ao terminar, logo depois Maria fechou os olhos e morreu em paz.
Disse não acreditar que o dom de línguas faça aumentar o número de fiéis na
Igreja.

A pessoa entrevistada nº 02, respondeu que:

Há bastante tempo estou no Movimento de Renovação Carismática Católica,


depois do batismo no Espírito Santo é que veio a Oração em Línguas, porque
Deus vê o que nós não temos coragem de mostrar. Ele sabe que eu e você
temos a necessidade de nos sentirmos amparados, apoiados em nossas
fraquezas. O desejo de nos sentirmos amados e protegidos tem um grande
peso em nossas vidas. (Ficou emocionada, baixou a cabeça e encheu os
olhos de lágrimas.) E continuou: “Deus tem um grande amor por nós e não
para de nos ajudar e fortalecer. O Espírito Santo vem em nosso auxílio
nesses momentos de fraqueza e intercede por nós”.
77

Há pessoas que duvidam do dom de línguas, mas existe mesmo e não sabem
elas o que estão perdendo, o seu poder de intercessão. É um mergulho no
amor de Deus. É algo novo e que traz renovação para quem ora em línguas.
Em oração, já viu campos verdes, com pombinhos de um lado para outro, na
maior alegria. “Estava vivendo uma provação e uma irmã orando por mim
chegou a ver uma Via Sacra, Jesus estava passando coroado”.
Disse não acreditar que o dom de línguas faça aumentar o número de fiéis na
Igreja.

A pessoa entrevistada nº 03 respondeu que:

Quando comecei a orar em línguas, nem percebi e quando menos esperei


estava orando em Línguas. Fiquei muito chocada e disse “estou toda
arrepiada”. “O orar em línguas é uma experiência maravilhosa, porque há
um aprofundamento no seu relacionamento com Deus e descobriu o Espírito
Santo agindo em si”. Disse: “Somos chamados pelo Senhor a ser disponíveis
e assim ficou convencida de ser uma missionária”.
Quando está em oração, parece que me transporto para o outro lado. A
entrevistadora perguntou, que lado? Foi respondido: “O outro lado, parece
que para junto de Jesus”. Continuou dizendo que “sente-se muito feliz, é tão
bom... (parou e ficou em silêncio) e disse não tem palavras”.
O marido, fumava, bebia, gostava de sair à noite e pedia muito a Deus, a sua
conversão, quando entrou na Renovação Carismática ele deixou tudo e hoje
não deixa de ler o Evangelho.
Acredita no dom de Línguas e também que nem todas as pessoas tem esse
dom, mas não que atraia fiéis para a Igreja, porque existem outros dons,
como o de serviço, de profecia, de sabedoria, de escuta.

A pessoa entrevistada nº 04, respondeu que:

Estou há 20 anos na Igreja das Mercês. Fiz o Seminário de Vida, um curso


de 10 sábados e descobri que orava em línguas.
Disse que “o dom de línguas não é o maior, mas é um dom de Deus, por essa
razão deveríamos desejá-lo, recebê-lo com zelo e usá-lo bastante. É uma
oração que fazemos a Deus. Ele é um louvor, uma glorificação ao Pai, ao
Filho e ao Espírito Santo”. Disse: “Trata-se de uma oração feita em língua
desconhecida, na qual são pronunciadas sílabas, cujo significado eu
desconheço, mas permite que a minha boca fale de sentimentos que o
Espírito Santo despertou em meu coração. Quem tem esse dom, consegue
pronunciar as palavras que o Espírito Santo lhes sugere”.
E continuou: “Quando estou orando em línguas, sinto-me fora de mim. No
decorrer do fenômeno sinto um cheiro de rosas e fico muito tranquila. Em
casa, raramente, oro em línguas.
Nos Encontros, já trabalhei no acolhimento com crianças.
Acredito que o orar em línguas, não traz mais fiéis para a Igreja e entendo
que é porque nem todo mundo, recebe o “chamado” e quando o recebe, tem
medo. É porque não está preparado”.

A pessoa entrevistada nº 5, respondeu que:

O dom de línguas é o carisma ideal para as pessoas que precisam de força,


porque o Espírito Santo se faz presente, quando você está necessitando, Ele
vem em seu auxílio. Somos fracos, mas Deus é forte e vem socorrer os
fracos, aqueles que o chamam. É no sofrimento que Deus fica mais perto de
78

nós. Nessa hora, o Espírito Santo levanta a pessoa que o chamou, enche o
seu coração de força, de ousadia e a pessoa é empurrada para a luta de tal
maneira que vem uma força além do normal.
Continuou: “O dom de línguas é oração que vem de Deus. É dom dele, há
pessoas que não acreditam, mas existe, nós não inventamos, mas o Senhor a
coloca em nosso coração. É um verdadeiro descanso no colo do Pai amado.
Quando rezamos e nos disponibilizamos a fazer a nossa parte, tudo pode
acontecer. O homem não pode fazer nada sem Deus, e Deus não quer fazer
nada sem o homem.”
Após o orar, em línguas, sinto-me em paz. Já virou um hábito. É um
verdadeiro mistério, precisamos ter experiência.
Ontem, no momento da vigília, presenciei um fenômeno, vi o “Senhor”
descendo, fiquei parada. Nem uma palavra consegui pronunciar.
Entendo que tenho que ter cuidado para não perder esse dom e tenho que
manter os sacramentos, em dia. A pesquisadora perguntou: quais? Ela
respondeu: “ Confissão, Eucaristia...”.
Não acredito que o dom de línguas atraia fiéis, porque existem outros dons,
como: da sabedoria, da profecia, de cura.

A pessoa entrevistada nº 06, respondeu que:

Logo que entrei na Renovação não orava em línguas. Certo dia estava
orando por um casal que estava para se separar e de repente comecei a orar
em línguas e nem sabia como era orar em línguas e escutou “deixa Jesus te
lapidar.” Disse: “Eu tinha muito medo, que ia de encontro com a alegria e
familiaridade das pessoas que, parecia uma grande família, bem unida, lá na
Igreja e Comunidade das Mercês.” (Ficou em silêncio, baixou a cabeça e
chorou).
Disse: “O dom de línguas é uma capacidade que Deus nos dá. Ao receber o
Espírito Santo, mas você não é dono dele, recebe dele o poder de agir em
favor dos outros por conta de Deus.”
Acrescentou: “A experiência do orar em línguas, aprofunda o meu
relacionamento com Deus e me fez descobrir a força do Espírito Santo. A
vida no Espírito é de renúncias, para não tomar as coisas de Deus, como
nossa, nem mesmo o dom que Ele nos deu, ou até mesmo a nossa própria
vida. Somos chamados a ser humildes, despojados, sempre prontos para ir
aonde ele quer fazer a sua vontade A oração em línguas é um fato concreto,
uma realidade na Igreja e facilita para que nós nos ponhamos diante de
Deus.”
Durante as orações em línguas já tive várias visões, como por exemplo: “o
próprio Cristo vivo, falando comigo. Após a experiência parece que estou
flutuando”.
Disse: “O dom de línguas é um dos menores dons, mas edifica a igreja,
porque quando você está orando, o inimigo não sabe o que você está orando,
porque você está falando na língua dos anjos. Não há definição. É um
encontro de dois corações: o meu e o de Deus. Não depende de mim.”
Disse, “não acredito que o dom de Línguas faça aumentar o número de fiéis
na Igreja”.

A pessoa entrevistada nº 07 disse que:

Sou católica desde o nascimento, de família de tradição católica, onde os tios


participavam das Comunidades das Igrejas, em cidades do Interior do Estado
da Paraíba. Caminhava duas léguas para assistir a Missa do domingo. Era do
Apostolado do Coração de Jesus.
79

Já casada, deslizei e me deixei enveredar pela Umbanda Kardecista, lá na


Vovozinha.
Na Umbanda diziam que era o Espírito, mas era uma droga e assim vivi 12
anos. Sabia que estava errada e deu trabalho para sair.
O Movimento da Renovação Carismática, nem todo padre aceita e foi a
minha filha mais nova quem me trouxe para este Movimento, na Igreja das
Mercês, para salvar o casamento dela.
Já estava frequentando a Igreja das Mercês, com o apoio do Sr. Gerôncio.
Recebi ajuda espiritual durante os períodos difíceis que estava vivendo, ao
chegar à Igreja.
Fiz o Seminário de vida no Espírito. Comecei a louvar na quinta-feira. À
noite, me confessei e comecei a freqüentar nas quintas-feiras.
Quando via as pessoas orando em línguas achava que estava imitando e em
2001 fui à Canção Nova, em São Paulo e pedi a graça. Comecei a participar
de um grupo. Dei início um estudo bíblico e com cinco segundas-feiras
comecei a orar em línguas.
Disse: “Orar em línguas é um remédio para a tentação de parar de rezar e
para tantas outras questões. É a fé, que pode mudar nossa vida em qualquer
momento, visto que o Senhor é poderoso para transformar qualquer derrota
na mais esperada vitória. A fé anula a força do inimigo. Quando esse inimigo
(o diabo) encontra uma pessoa que crê, ele dá um passo para trás. Orar em
línguas é avançar na fé, pode parecer loucura para os homens cultos deste
mundo, mas é sabedoria para Deus.
Não acredito que o dom de línguas traga mais fiéis para a Igreja, porque
existem outros dons, como da profecia, da cura, do discernimento.

A pessoa entrevistada nº 08, respondeu que:

Antes de ser Católica, passei 9 anos dentro do Espiritismo – da Umbanda;


Já estou na Renovação Carismática, há uns 12/13 anos, quando conheci a
família das Mercês e me resgataram para Deus.
A minha vida estava em destruição. Não tinha paz (chorou). Vivi 19 anos,
odiando o meu pai, irmã, sobrinhos. Rogava praga, puxei faca para matar
um.
Após o 1º seminário comecei a falar em línguas. Já fiz uns 6 seminários. De
início achava estranho, tinha medo, ficava com vergonha.
Disse: “Na realidade os maiores obstáculos que tive foi a falta de
esclarecimentos e medo de continuar pecando. Estava com medo de me
arriscar na oração, de rezar com aquelas pessoas, ainda me sentindo com um
pé na Umbanda. Sofri muito, para conseguir escapar do espiritismo. Mas,
depois descobri que as coisas de Deus, são simples, como as minhas, nós é
que complicamos. Percebi que o orar em línguas é uma oração que vem de
Deus. É um dom de Deus.”
No momento da experiência, quando vou orar em línguas, primeiro entro na
oração do perdão. Deus revela para eu tomar o Espírito Santo e me
transformar, daí a pouco não me lembro de mais nada. Jesus manda buscar.
Após a experiência, fico muito feliz, por mim e pelos outros. Sinto-me muito
bem.
Acredito que o dom de línguas aumenta o número de fiéis na Igreja.

A pessoa entrevistada nº 09, respondeu que:

Estou na Renovação Carismática, há 15 anos. Ora em línguas há mais ou


menos 8 anos. De início era muito tímida, acanhada, o que diferia da alegria
80

e da familiaridade daquelas pessoas, que ali estavam na Igreja, ou na


Comunidade porque parecia uma grande família. Disse: “Tudo era muito
vivo e espontâneo. Algumas orações eram feitas em voz alta e outras
baixinho. Fico sempre muito emocionada (fez silêncio, com lágrimas nos
olhos).”
Acrescentou: “Sente primeiro a libertação, o Dom do Espírito Santo. Jesus
fala muito forte, Ele vê o que você não tem coragem de mostrar a ninguém.”
No momento da oração vejo uma luz acesa, sinto um calor muito forte, fico
feliz e realizado.
Não acredito que o dom de línguas aumente o número de fiéis na Igreja,
porque não somente existe este dom, existem outros: A pesquisadora
perguntou - quais? O dom da escuta, o da interpretação, da profecia, da
sabedoria.

A pessoa entrevistada nº 10, respondeu que:

Estou na Renovação Carismática, desde 1990. Logo que comecei a participar


do Movimento da Renovação Carismática, após fazer Seminários de vida.
Disse: “Orar em línguas é deixar arder o fogo do Espírito Santo e me lembro
que São Vicente de Paulo queria espalhar o fogo desse amor sobre o mundo:
acender o fogo do amor divino em todos os seres é continuar o fogo do amor
divino em todos os seres. É continuar a missão do Filho de Deus. Ele veio
trazer fogo à terra.”
Acrescenta: “Se a palavra de Deus é anunciada na força e sabedoria do
Espírito, ela se torna como o fogo. Por essa razão, quem ama a Deus de
coração quer ter os dons em abundância não por causa de si mesmo, mas
para servir melhor a seu Senhor e muitos testemunhar o seu amor. O meu
desejo é a salvação e o crescimento do povo de Deus, bem como a edificação
da igreja”.
Sinto primeiro a libertação, o Dom do Espírito Santo. Jesus fala muito forte.
No momento da oração vejo uma luz acesa, sinto um calor muito forte, fico
feliz e realizada.
Não acredito que o dom de línguas seja responsável pelo aumento de fiéis na
Igreja.

A pessoa entrevistada nº 11, respondeu que:

Há 24 anos que trabalho a serviço e que entrei na Renovação Carismática


Católica, com a cura da minha esposa de um CA e que morreu em 2002, com
um aneurisma.
Fiz o 1º Seminário de vida. Disse que “ao orar em línguas vem a palavra de
ciência, mostrando para ele operar em Deus, pelo Espírito Santo. Louvai o
Senhor, porque ele é bom. Há momentos em que não conseguimos dizer com
palavra o que sentimos. Quando a alegria é muito intensa ou a dor é muito
grande, não encontramos um modo adequado de expressar o que se passa em
nosso interior, mas Deus sempre percebe quando choramos e quando o
coração está em sofrimento, então Ele vem em nosso socorro, porque Deus
não quer ver a nossa ruína, os nossos gemidos. Há no coração das pessoas
um desejo para que a lamparina do Espírito Santo não se apague. Um desejo
de rezar, rompendo com toda a frieza espiritual, de por para fora um grito, e
cita uns versos de Augusto dos Anjos:” (Eu e outras poesias):
“A lamparina quando falta o azeite
Morre, da mesma forma que o homem morre.
Súbito arrebentamento a horrenda calma,
81

Grito, esse grito é para que meu grito


Seja a revelação deste infinito
Que eu trago encarcerado em minha alma!”
E continuou: “A oração em línguas é esse grito, é a linguagem do que não
pode ser dito. O que a oração em línguas diz não se escreve em nosso
raciocínio, mas é no espírito, no coração que produz o seu efeito. Somente é
compreensível a oração em línguas como uma linguagem espiritual e
portanto somente pode ser entendida com o espírito. Quem ora em línguas,
não sabe o que está dizendo, a não ser que também tenha o dom da
interpretação, o que é raro.”
Disse ainda: “O Espírito Santo coloca em nós um desejo interminável de
louvar, de adorar, de interceder. Provocado por Deus, esse murmúrio que
brota do coração intercede por nós. Quando o desejo é sincero e se une à
oração, às vezes mal abrimos a boca e Deus nos atende. Assim, podemos
vivenciar uma experiência profunda, mística. Por isso, se no seu coração
você deseja sinceramente viver essa experiência do orar em línguas, peça-a a
Deus, Ele irá lhe atender. Os dons de Deus são tão perfeitos e cheios de
bondade que São Paulo pedia para que não fossem ignorados.”
Após a experiência de orar em línguas, às vezes fico tonto, mas fico alegre,
pelo Ministério da Cura.
Não acredito que somente o dom de línguas traga fiéis para a Igreja, porque
é uma comunhão.

A pessoa entrevistada nº 12, respondeu que:

Entrei na RCC, há 12 anos. Oro em línguas, desde o início. A oração vai


ungindo um desejo como um poço que transborda. Sinto Deus perto de mim,
colocando palavras em minha boca. Disse: “A Igreja é carismática porque
tudo o que ela faz e é, provém do Espírito Santo. Deus pôs a nossa
disposição uma fonte infinita de força de poder, que deve ser levado ao
mundo inteiro através de cada cristão e que por abrir mão dessa graça
poderemos nos tornar infelizes, abatidos, sem forças, em vez de procurar
socorro na fonte inesgotável e poderosa de Deus, que é capaz de destruir o
domínio do inimigo (satanás) e de transformar a sua vida e de tantas outras
pessoas.”
Continuou: “O dom de línguas é o menor de todos os dons, sendo a caridade
o maior de todos. Mas ensinava São Paulo: (ICor 14,1) – ‘Empenhai-vos em
procurar a caridade. Aspirai igualmente aos dons espirituais...” Logo, todos
os dons são necessários para a evangelização e para a edificação da Igreja de
Jesus Cristo e São Paulo manda buscá-los com o mesmo empenho e com o
mesmo desejo que se busca a caridade.”
E ainda disse: “Aquele que ora em línguas fala diretamente com Deus” e
lembra a obra de São Paulo, quando na sua Carta em ICor 14,2, o mesmo
diz ”Aquele que fala em línguas não fala aos homens, senão a Deus:
ninguém o entende, pois fala coisas misteriosas sob a ação do Espírito.”
Lembra também que há uma diferença entre o “falar em línguas” do “orar
em línguas”: Sob a forma de mensagens pronunciadas em assembléia ou sob
a forma de oração prolongada, no âmbito privado,” mas em ambos os casos
são sons e palavras que não pertencem a língua alguma já existente, mas
criada no momento. Não se trata de dominar a língua de uma outra nação ou
mesmo de pregar o evangelho a povos de línguas desconhecidas. Na oração
em línguas, o próprio Espírito Santo ora em sons, com gemidos, numa
linguagem que só Deus conhece e de forma misteriosa, o Espírito Santo, que
habita em nós intercede junto ao Pai, e o Pai, que vê o que está guardado
82

secretamente em nosso coração, nos atenderá, conforme diz Mateus, 6,6.


Chega a voz no coração é a palavra revelada.”
Na experiência do orar em línguas já vi uma pessoa em uma grande
cachoeira e ela estava ungida; já vi resgate de pessoas; outro dia vi ao lado
de um rio, um campo cheio de lírio.
Após a experiência do orar em línguas, vem a paz e o refrigério, o equilíbrio.
O dom de línguas traz conquistas, renova o cristão.
O dom de línguas isolado não traz fiéis para a Igreja, eles vem por outras
razões. Perguntou a pesquisadora, quais? Por necessidade pessoal, por
exemplo.

Com a transcrição das entrevistas foi possível falar sobre os questionamentos feitos e
as respostas dadas. Enfatizamos os dados sobre as sensações físicas que foram vivenciadas no
momento da ocorrência do fenômeno do orar em línguas – glossolalia, como relatadas pelos
entrevistados, conforme quadro abaixo.

QUADRO 3 - Sensações Físicas dos entrevistados referente ao fenômeno da glossolalia

Sensações Físicas Pessoas entrevistadas


-“O rosto crescido, mãos e corpo formigando, uma energia muito
grande em todo corpo”. nº 01
- “língua crescida, grande, dobrando, como se estivesse desgovernada”
- “Estou toda arrepiada” nº 03

- “No momento da oração vê uma luz acesa, sente um calor muito forte
nº 09
[...]”

- “No momento da oração vê uma luz acesa, sente um calor muito forte
nº 10
[...]”
- “Após a experiência de orar em línguas, às vezes fica tonto, mas fico
nº 11
alegre [...]”

Foram relatados pelos entrevistados vários efeitos físicos, durante a ocorrência do


fenômeno da glossolalia, como “língua crescida”, “corpo esquentado”, “calor”, “tontura” o que
é comum após sensações de caráter emocional, como bem fala Lowen (1982, p. 47) ao dizer
“que cada ser é o seu corpo e que nenhuma pessoa existe fora do corpo vivo, através do qual se
expressa e se relaciona com o mundo a sua volta... a mente, o espírito e a alma são aspectos de
qualquer corpo vivo”, o que é confirmado por Weil, Tompakow (1986) na sua obra “O corpo
fala”.
Lowen (1982, p. 47), lembra que o corpo expressa o que cada pessoa é e ele também
indica a intensidade de sua presença no mundo. Do mesmo modo, as pessoas podem sentir
quando se está retraído, sentem quando alguém está cansado, ou triste. Por exemplo: o
cansaço se expressa através de sinais visuais e auditivos diferentes, ombros caídos, aparente
abatimento na face, falta de brilho nos olhos, movimentos vagarosos e pesados, voz mais
83

grave ou sem ressonância. Mesmo o esforço para encobrir o sentimento trai a si próprio,
revelando o caráter de uma tentativa forçada.
Maués (2000, p. 123-124) cita, entre as várias técnicas e simbolismos da Renovação
Carismática, as seguintes:
“O toque corporal, que pode ocorrer de diferentes maneiras, como, por
exemplo, o aperto de mão e, muitas vezes, o abraço fraterno como forma de
saudação; a imposição de mãos que, também, apresenta muitas variações,
incluindo o próprio toque corporal; gestos corporais variados, como colocar
as palmas das mãos para cima e para fora (do corpo), tremer as mãos e/ou
agitá-las – com os braços estendidos para o alto, para baixo ou para a frente
– de um lado para outro; palmas e aplausos, que também ocorrem em várias
situações, durante os cantos, na ocasião da missa, em vários momentos de
louvor etc.; a dança, com a execução de várias coreografias; a oração, que
pode ser feita de diferentes maneiras, inclusive através do exercício da
glossolalia”;

Conforme o estudo realizado o Movimento de Renovação Carismática Católica


apresenta situações bem diversas dos cultos religiosos comuns, principalmente aqueles
ligados aos mais antigos. No entanto, não somente fisicamente os fiéis apresentaram eventos
observados, mas também de muita emoção que está intimamente ligada ao psicológico de
cada um como a seguir no quadro abaixo, destacado.
Entre as várias entrevistas, o que a pesquisadora escutou é que as pessoas que
começaram a falar em línguas, apresentaram-se com um sentimento indescritível, conforme
diziam, naquele momento. Quando falavam expressavam emoções as mais diversas, como
choro, a cor do rosto se alterava, ficavam passivas ou muito agitadas expressando muita
alegria, ou muita comoção; diziam que sentiam uma energia com força total. Um traço
marcante dos entrevistados, é que boa parte deles havia procurado a paz e diziam tê-la de fato
encontrado naquele ambiente. Algumas pessoas vieram de outras religiões, principalmente da
afro-brasileira e o maior número de participantes é do sexo feminino.
Segundo os entrevistados na experiência da glossolalia – no dom de línguas - eles
encontraram, através da presença e influência do Espírito Santo, a paz e alegria de que tanto
necessitavam, porque para eles Deus, representado pelo seu Espírito, é capaz de operar
maravilhas.
84

QUADRO 4: Sensações psicológicas / emocionais dos entrevistados referente ao fenômeno


da glossolalia.

Pessoas
Sensações Emocionais/Psicológicas
entrevistadas
- “estou ficando louca”; (medo)
- “alegria inexplicável”;
- “Deus vê o que não temos coragem de mostrar”.
- “O desejo de se sentir amada”;
nº 01
-“Deus tem um grande amor por nós e não para de nos ajudar e fortalecer. O
Espírito Santo vem em nosso auxílio nesses momentos de fraqueza e intercede por
nós”.
- “paz”.
- “a necessidade de nos sentirmos amparados, apoiados em nossas fraquezas”. nº 02
- “... que sentiu-se muito feliz, é tão bom... (parou e ficou em silêncio) e disse
nº 03
“não tem palavras”;
- “...permite que a minha boca fale de sentimentos...”
nº 04
- “...Quando estou orando em línguas, sinto-me fora de mim...”
- “É um verdadeiro descanso no colo do Pai amado”. nº 05
- “Eu tinha muito medo, que ia de encontro com a alegria e familiaridade das
pessoas que, parecia uma grande família, bem unida, lá na Igreja e Comunidade
n° 06
das Mercês”. (Ficou em silêncio, baixou a cabeça e chorou).
- “humildes”
- “A fé anula a força do inimigo. Quando esse inimigo (o diabo) encontra uma
pessoa que crê, ele dá um passo para trás”;
nº 07
- “Orar em línguas é avançar na fé, pode parecer loucura para os homens cultos
deste mundo, mas é sabedoria para Deus”.
- “De início achava estranho, tinha medo, ficava com vergonha”; “Após a
nº 08
experiência, fico muito feliz, por mim e pelos outros. Sinto-me muito bem”.
- “Tudo era muito vivo e espontâneo. Sinto, primeiro, a libertação o Dom do
Espírito Santo. Jesus fala muito forte, Ele vê o que você não tem coragem de
nº 09
mostrar a ninguém”;
- “feliz...”
- “O seu desejo é a salvação e o crescimento do povo de Deus, bem como a
edificação da igreja”. nº 10
- “No momento da oração...fico feliz e realizada”.
- “Há momentos em que não conseguimos dizer com palavra o que sentimos.
Quando a alegria é muito intensa ou a dor é muito grande, não encontramos um
modo adequado de expressar o que se passa em nosso interior, mas Deus sempre
percebe quando choramos e quando o coração está em sofrimento, então Ele vem nº 11
em nosso socorro, porque Deus não quer ver a nossa ruína, os nossos gemidos. Há
no coração das pessoas um desejo para que a lamparina do Espírito Santo não se
apague. Um desejo de rezar, rompendo com toda a frieza espiritual de por para
fora um grito”;
- “A oração vai ungindo um desejo como um poço que transborda”;
- “Deus pôs a nossa disposição uma fonte infinita de força de poder, que deve ser
levado ao mundo inteiro através de cada cristão e que por abrir mão dessa graça
poderemos nos tornar infelizes, abatidos, sem forças, em vez de procurar socorro
na fonte inesgotável e poderosa de Deus, que é capaz de destruir o domínio do nº 12
inimigo (satanás) e de transformar a sua vida e de tantas outras pessoas”;
- “Aquele que ora em línguas fala diretamente com Deus”;
- “Após a experiência do orar em línguas, vem a paz e o refrigério, o equilíbrio.
O dom de línguas traz conquistas, renova o cristão”.
85

Murício Ricci (2006) citou na sua Dissertação de mestrado, dois depoimentos que
falam sobre o fenômeno da glossolalia – o dom de línguas, que coincidem com o
entendimento das pessoas entrevistadas para o trabalho de campo desenvolvido pela
pesquisadora, autora da presente dissertação sobre o poder que recebem emanado do Espírito
de Deus, o Espírito Santo:

“[ o dom de línguas] é um contato que você tem com Deus, quando você fala
baixo, pelo qual Ele nos passa graças, poder. Deus te reveste de poder
através disso. Quando você fala alto, em línguas, tem sempre uma revelação,
alguém que interprete para o português. O dom de línguas para mim é uma
edificação de Deus, Ele te reveste de poder”. (22 anos, metalúrgico)

“[o dom de línguas] é uma comunicação que a gente tem com Deus. É a
única maneira de nos comunicarmos com Deus sem que o inimigo [o diabo]
escute. Para receber tem que buscar. Você sente que outras pessoas têm o
dom de línguas, você até consegue se comunicar com ela se ela tem o dom
de línguas. (22 anos, confeiteira)”

Falar sobre essas emoções sentidas por esses fiéis é falar do anseio pelo sagrado, que
nada mais é do que a própria necessidade humana, em que se busca a compreensão do sentido
de vida, e por assim dizer, da própria finitude. Angerami (2008, p. 29) expressa que:

“Buscar o sagrado é procurar pela essência da alma humana no sentido de


sua abrangência de magnitude. Almejamos Deus e na verdade estamos
delineando uma superação em nossa própria condição humana; buscamos
Deus e nos deparamos com a imensidão de nossa alma, que se atira em vôos
rasgados na imensidão dessa busca”.
“Encaramos a presunção da ciência que tenta confinar a alma humana apenas
à nossa condição corpórea. E concluímos que a grande ilusão da vida
humana não se faz pela religiosidade, e sim pelo afã de tudo explicar por
meio de preceitos científicos”.

Nas reflexões propiciadas, tem-se ainda que determinadas circunstâncias presentes na


busca pela religiosidade, podem muitas vezes, trazer em seus contextos, questões de
insatisfação muito latente com a própria vida e as adversidades presentes nessas situações. Na
procura e busca por Deus, através dos caminhos da religiosidade, não se pode esquecer de que
os desatinos existenciais necessitam da ação dos fiéis e determinação para serem superados.
Como diz Angerami (2008, p. 22) “a força da oração e da religiosidade certamente nos
fortalece o espírito para o enfrentamento desses desatinos, apenas não podemos perder o foco
de que é nossa determinação que transformará os fatos e as circunstâncias que eventualmente
estejam a turvar a nossa visão sobre a própria vida”.
Além das sensações físicas, emocionais/psicológicas, os entrevistados também falaram
sobre as experiências místicas, como os relatos que se seguem resumidamente:
86

QUADRO 5: Sensações místicas dos entrevistados referente ao fenômeno da glossolalia.

Pessoas
Sensações Místicas
entrevistadas
- “Quando estou na experiência já vi a presença de um anjo imenso, vejo
padres chorando, principalmente quando estou na adoração do Santíssimo.
Dizem que não estão dando conta e pedem orações. Vejo freiras, sendo
humilhadas e o Senhor mandando orar por elas.
O Senhor manda que reze pelas almas que morreram afogadas, de acidentes
(no ouvido), (ficou emocionada - chorou)”.
nº 01
-“fiquei sofrendo, sinto-me com uma plantinha, coisinha pequena, um nada”;
- “força sobrenatural”;
- “Havia uma senhora amiga no hospital, chamada Maria, muito doente e só
esperando a hora de morrer e ela mandou me chamar. Ao chegar lá, pensou vou
rezar a oração do perdão e ao terminar, logo depois Maria fechou os olhos e
morreu em paz.”
- “É um mergulho no amor de Deus”.
- “já vi campos verdes, com pombinhos de um lado para outro, na maior
nº 02
alegria. Estava vivendo uma provação e uma irmã estava orando por mim ela
chegou a ver uma Via Sacra, Jesus estava passando coroado”;
- “Quando estou em oração, parece que me transporto para o outro lado;”
- “há um aprofundamento no seu relacionamento com Deus e descobriu o nº 03
Espírito Santo agindo em si”.
- “O dom de línguas é o carisma ideal para as pessoas que precisam de força,
porque o Espírito Santo se faz presente, quando você está necessitando, Ele
vem em seu auxílio. Somos fracos, mas Deus é forte e vem socorrer os fracos,
aqueles que o chamam. É no sofrimento que Deus fica mais perto de nós.
Nessa hora, o Espírito Santo levanta a pessoa que o chamou, enche o seu nº 05
coração de força, de ousadia e a pessoa é empurrada para a luta de tal maneira
que vem uma força além do normal”;
- “Ontem, no momento da vigília, presenciei um fenômeno, vi o “Senhor”
descendo, fiquei parada. Nem uma palavra consegui pronunciar”.
- “Durante as orações em línguas já tive várias visões, como por exemplo: “o
próprio Cristo vivo, falando comigo.”
Após a experiência parece que estou flutuando.
nº 06
Disse: “O dom de línguas é um dos menores dons, mas edifica a Igreja, porque
quando você está orando, o inimigo não sabe o que você está orando, porque
você está falando na língua dos anjos. Não há definição. É um encontro de dois
corações: o meu e o de Deus. Não depende de mim”.
- “Deus revela para eu tomar o Espírito Santo e me transformar, daí a pouco
nº 08
não me lembra de mais nada. Jesus manda buscar”.
-“Acrescentou: “Sente primeiro a libertação, o Dom do Espírito Santo. Jesus
nº 09
fala muito forte, Ele vê o que você não tem coragem de mostrar a ninguém.”
-“Sente primeiro a libertação, o Dom do Espírito Santo. Jesus fala muito forte”. nº 10
- “ao orar em línguas vem a palavra de ciência, mostrando para ele operar em
Deus, pelo Espírito Santo”;
- “O que a oração em línguas diz não se escreve em nosso raciocínio, mas é no
espírito, no coração que produz o seu efeito. Somente é compreensível a
oração em línguas como uma linguagem espiritual e portanto somente pode ser
nº 11
entendida com o espírito. Quem ora em línguas, não sabe o que está dizendo, a
não ser que também tenha o dom da interpretação, o que é raro”;
- “O Espírito Santo coloca em nós um desejo interminável de louvar, de adorar,
de interceder. Provocado por Deus, esse murmúrio que brota do coração
intercede por nós. Quando o desejo é sincero e se une à oração, às vezes mal
87

abrimos a boca e Deus nos atende. Assim, podemos vivenciar uma experiência
profunda, mística. Por isso, se no seu coração você deseja sinceramente viver
essa experiência do orar em línguas, peça-a a Deus, Ele irá lhe atender. Os
dons de Deus são tão perfeitos e cheios de bondade que São Paulo pedia para
que não fossem ignorados”.
- “Sente Deus perto de si, colocando palavras em sua boca”;
- “Na experiência do orar em línguas já viu uma pessoa em uma grande
nº 12
cachoeira e ela estava ungida; já viu resgate de pessoas; outro dia viu ao lado
de um rio, um campo cheio de lírio”.

No depoimento da pessoa entrevistada de nº 06, coincide exatamente com a resposta


da pessoa entrevistada por Ricci (2006): “O dom de línguas é um dos menores dons, mas
edifica a igreja, porque quando você está orando, o inimigo não sabe o que você está orando,
porque você está falando na língua dos anjos”.
Idéia também lembrada por Ricci (2006), ao falar sobre esses depoimentos sobre o dom
de línguas é que para os fiéis ocorre a efusão do Espírito Santo e dos dons que dele emanam,
entre eles a glossolalia, como uma promessa de Deus e confirmada por Joel, Cap. 2:28: “e há de
ser que, depois derramarei o meu Espírito sobre toda a carne, e vossos filhos e vossas filhas
profetizarão, os vossos velhos terão sonhos, os vossos jovens terão visões”.
Ricci (2006, p. 76) lembra a figura mítica de Jesus como promessa de um Consolador,
o Espírito Santo que estaria com os discípulos confortando-os e capacitando-os para o serviço
evangélico: “e eis que sobre vós envio a promessa de meu Pai; ficai, porém, na cidade de
Jerusalém, até que do alto sejais revestidos de poder” (LUCAS, Cap. 24:49). Falando sobre
essas experiências místicas, pode-se dizer que esses fenômenos estão presentes na tradição cristã
desde os primeiros tempos do cristianismo, quiçá, desde a tradição judaica. Peter Brown apud Maués
(2003, p. 11), sobre o fenômeno das experiências místicas afirma:

“Eles encontram-se na origem do culto dos santos, manifestando e revelando


aos pagãos, nos santuários a eles consagrados, no Baixo Império Romano, a
praesentia e a potentia desses mesmos santos: A visita a um santuário
cristão da Antiguidade tardia podia ser uma experiência de tumulto e terror”.

E continua Maués (2003, p.11) dizendo que o mapa da Europa católica, tal como se
apresentava a um recém-chegado, no final do século VI, era traçado pelos lugares onde se
produzia tais fenômenos e diz: que a propósito do primeiro choque experimentado pela
peregrina romana Paula, diante dos túmulos dos profetas, na Terra Santa, Jerônimo escreveu:

“Ela foi aterrorizada por um grande número de fatos espantosos. Com efeito,
viu demônios rugirem sob o jugo de diversos tormentos e, diante dos túmulos
dos santos, homens uivarem como lobos, latirem como cães, rugirem como
leões, silvarem como serpentes, mugirem como touros, uns, com a cabeça
88

revirada, apoiando para trás o alto do crânio sobre o solo, e mulheres


penduradas pelos pés sem que o vestido caísse sobre seus rostos”.

Angerami (2008, p. 29-30) diz que certa vez, Madre Tereza de Calcutá declarou que
via Cristo e que este tocava em seu corpo diariamente. Os doutos do Vaticano procuraram por
ela para averiguar, com base em seu crivo de cientificidade, o fenômeno por ela narrado e
assim validar sua condição de milagre e fenômeno divino. Ele afirma que: “Ela simplesmente
confirmou dizendo que via Cristo em cada doente que cuidava e que este tocava em seu corpo
e auxiliava-a nessa tarefa e arrematou dizendo que via Cristo na figura dos doentes, mendigos
e necessitados”. Isto quer dizer que, se por um lado procuramos buscar fenômenos grandiosos
que possam sedimentar e dar sustentação à religiosidade de cada um, por outro lado, deixa-se
de lado a observação dos detalhes que simplesmente fazem a grandiosidade da alma humana.
Passando a analisar as outras perguntas da entrevista, como falante e orante em
línguas, como foi observado esse dom antes, durante e após a ocorrência desse fenômeno e se
existe alguma representação artística, chegou-se a ver ou ouvir algo e houve uma
unanimidade nas respostas, pois, alguns entrevistados apresentavam um pouco de timidez, de
medo, mas, essas sensações logo passavam e ficavam maravilhados, felizes, como verdadeiros
apaixonados, ficavam em paz, pelo seu encontro com Deus e da SUA ação neles, através do
Espírito Santo, chegando a terem momentos de visões, e audições.
As respostas no tocante ao significado, na vida de cada um, quando descobriram e
passaram a usufruir do dom de línguas, vêm confirmar os estudos ao longo do tempo de que a
religião desempenha um papel importante na vida das pessoas. Segundo Neto, apud Santos
(2006, p. 11), a religião ajuda no controle social, desencorajando desvios, delinqüência e
comportamentos autodestrutivos, incentivando a harmonia familiar e a comunicação entre
pais e filhos. Outro aspecto é que a religião nas relações traz efeito benéfico quando esta
consegue despertar no indivíduo o desejo de perdoar a si mesmo e aos outros.
Com relação à última pergunta - se o dom de línguas – a glossolalia - traz mais fiéis
para a Igreja -, apenas 16,7 % dos entrevistados acreditam que esse dom é capaz de trazer
mais fiéis para a Igreja, e houve quase um consenso de que a razão da procura de fiéis pela
Igreja é devido a outras causas, como a procura, pelo religioso, em busca de outros dons,
como o do discernimento, da cura, da profecia, sendo o dom de línguas o menor deles, o que
lembra a palavra de Paulo quanto ao falar em línguas em 1Cor, 14:5 “Desejo que todos faleis
em línguas, mas prefiro que profetizeis. Aquele que profetiza é maior que aquele que fala em
línguas, a menos que este as interprete, para que a assembléia seja edificada”.
89

Considerando que a glossolalia está mesclada nesse processo de busca da cura e da


paz, como se pode ver nas falas dos fiéis, interpretamos que, ao contrário do que os
entrevistados afirmaram essa prática é o que atrai os devotos para freqüentarem os templos
ligados a este movimento.
90

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa revelou e confirmou o quanto a religião é um objeto de investigação


dos mais complexos, posto que, como fenômeno humano, é, a um só tempo, experiencial,
psicológico, sociológico, antropológico, histórico, político, teológico e filosófico. Implica nos
enfoques e dimensões as mais variadas e de distintas espécies da vida coletiva e individual.
Não se pode negar que a glossolalia e seu entorno simbólico é um fenômeno humano de
decisiva centralidade e de complexidade incontornável.
A religião, do ponto de vista social ou psicológico, poderia correr o risco de se tornar
um fenômeno sem vida, morto, peça de museu, desvitalizado naquilo que lhe é mais essencial:
as experiências íntimas, pessoais, altamente emocionais da fé religiosa, como lembra
DALGALARRONDO (2008, p. 17).
Como é possível tornar compreensível o comportamento do Homo religiosus e seu
universo mental? ELIADE apud DALGALARRONDO (2008, p. 17), diz que é uma das
empresas das mais difíceis, é “o único meio de compreender um universo mental alheio é
situar-se dentro dele, no seu próprio centro para alcançar, a partir daí, todos os valores que
esse universo comanda”. Logo o que se deduz desse raciocínio é que para o homem religioso,
o mundo existe porque foi criado pelos deuses, o que se verifica ao longo da história humana,
porque o Mundo “não é mudo nem opaco, não é uma coisa inerte, sem objetivo e sem
significado. O Cosmos vive e fala.” (ELIADE apud DALGALARRONDO (2008, p. 17).
Algumas pessoas quando tomaram conhecimento do nosso tema de estudo, tentaram
nos dissuadir de tal propósito, porque estavamos tratando com algo da Igreja, o Espírito
Santo, que por si, era impossível de ser “mexido”, apesar das nossas justificativas. Mas,
percebemos que elas não se convenciam e muitas coisas aconteceram na vida desta
pesquisadora e autora desta dissertação durante todo o período da Especialização até o
Mestrado. Tivemos sofrimentos físicos demorados, com muita dor e abalos psicológicos são
vivenciados até hoje, e as pessoas lembram: “Eu não disse!” “Você foi mexer com o que não
deve”. Será que realmente foi a indagação às questões sobre por onde perpassa o Espírito de
Deus que nos causou tantos abalos, ou, por não acreditar em tudo que vimos ou ouvimos? O
Espírito Santo será mesmo intocável? Estas questões ficam para serem respondidas mais
tarde, em uma outra busca. No entanto, consideramos válido fazer uma análise acadêmica
deste fenômeno.
Na presente dissertação e na pesquisa empírica que foi feita, procuramos a resposta à
questão básica: quais são os significados da ocorrência do fenômeno da glossolalia no
91

contexto da expansão do Movimento da Renovação Carismática Católica, de início em João


Pessoa/PB, e mais tarde apenas em uma das Igrejas Católicas de João Pessoa, a Igreja das
Mercês e a sua Comunidade, que dão apoio às atividades pastorais. O que foi respondido teve
a fundamentação teórica apresentada, tanto no percurso conceitual da glossolalia, como na
vivência com o Movimento da Renovação Carismática em geral e em particular.
Sobre a glossolalia – o dom de línguas - somos levadas a concluir que é um dom que
se manifesta através da oração ou do falar em uma linguagem não vernacular, como uma ação
de Deus que move alguém a falar ou orar em voz alta ou baixa. Esse dom não está sob o
controle e vontade do fiel, o que implica que o intelecto não é usado. No entanto, o que
observamos é que o dom de línguas depende de um outro, o de interpretar línguas ou
discernimento, visto que as pessoas precisam ter a garantia de que Deus se manifestou e essa
garantia á dada através do dom de interpretação.
O dom de interpretar línguas pressupõe um indivíduo que recebe a moção divina
(também dada em línguas) e a intervenção de um terceiro que interpreta em moção;
frequentemente só se interpretam profecias (Seminário de Dons, p. 36-37). Ao se procurar um
determinado caminho religioso, busca-se também, até mesmo inconscientemente, níveis de
superação da própria condição de vida. O conflito moral apresentado pelos preceitos
doutrinários de determinadas religiões implica muitas vezes na necessidade de ascese
espiritual para que se possa seguí-los e viver a contento. Torna-se quase uma necessidade
humana para esses fiéis, impelindo-os a buscar explicações conceituais no universo religioso
quando, na verdade, estão à procura dos significados para a própria vida
A religiosidade transpassa nossos questionamentos e prescinde de qualquer tentativa
de explicação que se queira fazer, por mais lúcida que esta possa ser. “A psicologia ao se
aproximar das manifestações religiosas, está, na realidade, buscando também um aprumo para
se fazer de fato uma ciência que compreenda as pessoas em sua verdadeira humanidade”
(ANGERAMI, 2008, p. 29)
Não há como pretender contemplar a realidade da alma humana sem considerarmos a
religiosidade, por mais antiga que essa busca possa ser. Das entrevistas pode se concluir que o
fenômeno do dom de línguas não é o dom por excelência para arrebanhar fiéis àquela Igreja e
Comunidade e sim faz parte de todo um processo de busca de cura, paz e soluções para as
suas vidas.
Em relação à freqüência do fenômeno da glossolalia nas Igrejas envolvidas pelo
Movimento da Renovação Carismática Católica (MRCC), a Igreja das Mercês e a
Comunidade não fogem à regra, em face da indução feita pelo Coordenador para que todos os
92

presentes aos Encontros falem e orem em línguas, o que é uma constante evidência do caráter
planejado dessa ocorrência, ainda que, vale ressaltar, seja aceito e incorporado plena e
espontaneamente pelos freqüentadores destes rituais.
Os efeitos individuais e coletivos da glossolalia nos fiéis que desenvolvem e
presenciam o Dom de Línguas são vários: choro, emoções as mais diversas, alegria. A
impressão que passa é que algo muito bom acontece naqueles ambientes carregados de uma
paz reconfortante com que terminam os Encontros, como se algumas pessoas ficassem
fechadas dentro de si e outros se expandissem. O presente estudo mostrou que a experiência
religiosa dos membros participantes da pesquisa não se pretende conclusiva, nem esgota as
possibilidades de análise do fenômeno, mas representa um continuum.
O dom de línguas, quer queiram, quer não, faz parte de uma realidade em que se
estabelece no Movimento da Renovação Carismática Católica, também. O seu estatuto de
existência pode ser localizado, lado a lado dos que testemunham e validam sua ocorrência,
situando as posições enunciativas no interior de uma comunidade. A fala se instaura a partir
do outro, ao mesmo tempo em que o outro é instaurado por ela. Se não houver repercussão
coletiva não há constituição do sujeito psicanalítico lacaniano. Desse ponto, um relato é
construído, inventado em torno dessa produção vocal reconhecendo-a como um fenômeno de
ordem mística, religiosa, mágica, psicológica ou até patológica.
Estudar um tema como a glossolalia tem sua importância para que se possa retomar
os conceitos aos quais ela não se ajusta. Pode-se perguntar: É língua? Não na acepção do
idioma. Também, não constitui uma subjetividade, como a língua materna. Poderá ser apenas
um balbuciar? Mas, pode haver fala, sem língua? Pode haver fonema, mas, sem ele estar
vinculado a uma língua poderá ser apenas o contorno da imagem, um contorno sonoro. Do
negativo da foto, uma imagem poderá ser revelada, mas desse negativo sonoro, o que se
revela? Vai ser revelado o mesmo material recalcado do funcionamento da língua como um
avesso.
No sentido da experiência religiosa dos participantes, este estudo mostrou a sua
relação com o desenvolvimento pessoal. Uma relação ocorrida no sentido de mudanças
subjetivas, particulares e singulares, que trouxeram como consequência, mudanças no
comportamento dos mesmos, os quais relataram sentir uma melhora na qualidade de vida.
Dessa forma, pode-se entender que a experiência religiosa proporcionou para esses sujeitos
um crescimento pessoal.
A partir das respostas dos fiéis verificou-se, também que não é o fenômeno da
glossolalia – dom de línguas uma estratégia para atrair um maior número de fiéis à Igreja
93

Católica e sim outros dons, como o de discernimento, da profecia, da cura e uma compreensão
da experiência religiosa de forma mais complexa não cabendo exagerar o papel da glossolalia
no conjunto das práticas e crenças carismáticas.
Acreditamos que pesquisas sistemáticas, com envolvimento dessas questões,
podem trazer grandes contribuições e que devem ser aprofundadas, porque a dimensão
espiritual faz parte da natureza humana, da mesma forma que a física e a psíquica, e, como tal
necessita igualmente ser investigada.
94

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107

APÊNDICES
108

APÊNDICE A
Roteiro de Entrevista
109

APÊNDICE B
Autorização dos Entrevistados
110

APÊNDICE C
Depoimentos
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