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São Leopoldo
2006
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DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
RESUMO
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................................7
1.CLÍNICA ...............................................................................................................................14
1.1 DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO (AT).......................................................16
1.2 DA AMBIENTOTERAPIA.................................................................................................20
1.3 RECORTES..........................................................................................................................22
1.3.1 Situação 1...........................................................................................................................23
1.3.2 Situação 2...........................................................................................................................26
1.3.3 Situação 3...........................................................................................................................28
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................... 36
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO.......................................................................................39
7
INTRODUÇÃO
O presente trabalho objetiva entender em que uma proposta de clínica ampliada pode
auxiliar o profissional da saúde na construção de uma rede de entendimento do sujeito em
sofrimento psíquico. Também, pensar sobre a clínica psicológica e suas ferramentas de atenção
a esse sujeito. Sendo assim, trabalharei com algumas possibilidades da clínica, onde diferentes
modos de intervenção possam ser utilizados como dispositivos, conforme a singularidade ou
situação. Entre as modalidades de atendimento que focalizarei, encontram-se o
Acompanhamento Terapêutico (AT), Ambientoterapia e a própria Análise Institucional (através
da análise de implicação como psicólogo).
Pensei no tema a partir de algumas vivências práticas da clínica desde diferentes lugares:
de estagiário até mesmo profissional da saúde inserido em diferentes âmbitos, como a rua
enquanto espaço de intervenção, institutos de psicanálise privados e espaços comunitários da
grande Porto Alegre. Fundamentalmente implicados nos processos de subjetivação e seus
atravessamentos, percebi que as intervenções iam além do papel exercido. Observava que a
experiência desenvolvida em locais como o Vida Centro Humanístico e o Instituto
Contemporâneo de Psicanálise e Transdisciplinaridade ia além daquilo que a minha função
perante a organização pedia. Era complexo, nos incitando a pensar no problema das fronteiras
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1
Poliverso, num sentido mais amplo da própria palavra universo, que abre o entendimento dessa
complexidade de situações, oportunizando múltiplos sentidos à psicologia.
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Utilizando o trecho acima como metáfora, não estamos aqui para desqualificar antigas e
embasadas formas de práticas clínicas. Porém, partindo da reflexão do autor, ter a sensibilidade
e se permitir – trabalhando na função de profissional “psi” - entender que numa relação
terapêutica existem outros canais que são tão importantes quanto à linguagem, ou ainda, outras
instituições que são tão importantes para aquele sujeito quanto a sua fala. A construção de uma
clínica ampliada seria, portanto, muito mais uma abertura do profissional às ampliações da
psicologia. Paulon (2004) coloca que devemos trabalhar numa ampliação da clínica que não se
limite a criação de um novo nome, clichê (o termo que utiliza), e sim, que extrapolem meras
respostas às demandas para o trabalho na Clínica que o contemporâneo impõe.
Trazendo à questão a presença de um terapeuta (at, ambientoterapia, analista
institucional) nos espaços desses cotidianos, percebemos o quanto esse simples movimento afeta
diretamente a relação com o social e a singularidade daqueles que tratamos, desde que nos
permitamos escutar, sentir e pensar sobre esses movimentos circulares2. O que significa, então,
ser um terapeuta de uma psicologia ampliada? Ou melhor, dizendo um psicólogo híbrido3 e que
tenha no seu trabalho a importante função de entender seu paciente/cliente/acompanhado
produzindo, a partir de seu papel ativo nesse sistema, saúde?
Questionamos, muitas vezes, a prática clínica que exercemos, uma vez que em algumas
situações não somos apenas profissionais exercendo uma psicologia dita clínica, nos
favorecendo da linguagem representativa e atendendo em um setting pré-estabelecido. Pensar
também em um modelo de clínica que não trabalhe com as demandas do sujeito somente nos
locais de produção de saúde, em períodos de tempo pré-estabelecidos, e sim propor uma escuta
clínica em diferentes settings; ou, ainda, uma outra escuta clínica que dê conta continuando a
trabalhar com esse sujeito na rua, em casa, no trabalho e na cidade.
Figueiredo (2003) entende que a “clínica ampliada” tem uma ligação não somente com o
atendimento em si, mas com valores culturais, interpretando esses fenômenos existentes na
cultura, os acontecimentos políticos por uma vertente forte psicológica. A partir disso, podemos
2
Entendo, por movimentos circulares, a construção de micro-políticas na clínica. Movimentos que não seguem
uma via pronta, e sim, transformam-se ao longo do tratamento.
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Por híbrido tomo as idéias de Passos e Benevides (2003) que o entendem como possibilidade de rearranjo, onde a
construção de novos territórios poderão ter fundamento a partir de novas situações. Sendo assim, o Psicólogo
Híbrido seria um facilitador da descoberta de “novas” entradas, ao invés de buscar somente novas saídas.
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Não se trata somente dos limites da Biomedicina, por exemplo, mas do limite
de todos os saberes. E não se trata apenas de reconhecer os limites desse ou daquele
saber, mas de desenvolver uma capacidade crítica em relação a todas as classificações
sem, no entanto, desprezá-las. Reconhecer os limites, os valores (subjetivos) e os
poderes associados aos saberes é um recurso muito valioso para uma intervenção mais
qualificada e menos alienada. (p. 92)
1 CLÍNICA
Nas diferentes disciplinas, tanto na Psicologia como em áreas como a Medicina, Serviço
social, Enfermagem, entre outros, estamos discutindo o sofrimento cotidiano e como os aparatos
de atendimento dessas áreas têm dado conta dessas situações. Podemos chegar na questão de
que demanda clínica estamos sendo solicitados enquanto profissionais de saúde e o que estamos
fazendo para discutir as nossas abordagens.
Quando comecei a estudar psicologia junto à academia e sentir na prática um importante
dispositivo para discussão, percebi o quanto eram intensas as diferenças que eram
problematizadas entre os saberes da própria psicologia. Como estudante iniciante, pensador e
cuidador de saúde, não me dava conta da importância dessa discussão. Entretanto, a discussão
se intensificaria num futuro não tão distante. Atualmente, não pensando em questões sobre os
diferentes paradigmas do pensamento psicológico, e sim como produzir saúde dentro de
situações tão singulares e com sujeitos que de alguma forma perderam sua vontade de pertencer
ao mundo seja por sofrimento ou exclusão, é que penso na possibilidade de discutir diferentes
formas de trabalho clínico.
Estudando, discutindo, mergulhando na experiência e sentindo-a como uma importante
ferramenta de construção desse universo de situações de sofrimento, percebi que a discussão e
conseqüentemente definição por qual paradigma do conhecimento psicológico seria mais
interessante seguir não me bastaria. A prática da Psicologia exigia cada vez mais dos meus
conhecimentos de vida. Pensei, então, que o que estava emergindo era algo novo, produzido
pelas demandas do contemporâneo e intensificado pela disciplina que é referência pensamento
dessas situações e o sofrimento conseqüente. Concordo com Naffah Neto (1998), falando sobre
o terceiro ouvido e a musicalidade na clínica que comenta que uma das dificuldades da sessão
de análise é ser sutil e paciente e se deixar afetar pela multiplicidade metamorfoseaste do
discurso do analisando, suspender a interpretação precipitada, esperar que o corpo próprio ecoe
e responda, e que os afetos emergentes dêem forma e sentido à fala interpretante.
Sendo assim, um primeiro momento de estudo e uma possível compreensão simples da
psicologia dita ampliada, ou melhor, da clínica ampliada começou a permear minhas discussões
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No presente texto utilizarei duas siglas, que apesar de serem iguais, denotam um caráter diferente. AT, em letras
maiúsculas, para designar Acompanhamento Terapêutico, no que diz respeito à técnica do Acompanhamento; at
será usado para designar o profissional que trabalha com a técnica do Acompanhamento Terapêutico.
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Pensar em sair dos consultórios, ainda conforme Rolnik (1997) não garante em nada uma
sensibilidade ao fora como nascente de linhas de tempo e, menos ainda, uma capacidade de
acolher a dor da desestabilização que o surgimento de tais linhas provoca. Sendo assim,
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podemos pensar que o que caracteriza o acompanhamento não é somente a utilização de outro
espaço como setting e sim, possibilitar estabelecer sentidos outros em relação ao acompanhado
que está sofrendo.
Barretto (1998) pensa num estreito limite entre o trabalho e lazer. Penso eu, nesse
mesmo limite ampliado, entre o social e a saúde na vida do sujeito. Num trabalho como
acompanhante terapêutico, as fronteiras parecem quase inexistentes, o que pode causar para
aqueles acompanhantes menos preparados uma sensação de angústia quando se deparam com o
prazer de estar fora, num espaço diferenciado, e a angústia por não se sentir ajudando o sujeito
que sofre. Análise de implicação? Sim, pois enquanto profissionais da psicologia ou pessoas
ditas comuns podemos pensar nos nossos diversos sentimentos contratransferênciais ou
transferênciais diante da tarefa analítica, mesmo sendo numa outra possibilidade de clínica.
O Acompanhamento Terapêutico está indicado, segundo Berger et.al.(1991) para sujeito
que de certa forma perderam a possibilidade de encadear seu mundo ao mundo, que sofreram
um desconhecimento da realidade social. Aquele sujeito que foi retirado e muito mais do que se
retiraram do circuito social, ou porque se imobilizavam em mínimas circunscrições fechadas,
porque voavam em velocidades excessivas na tentativa de apartamento em uma realidade vivida
como insuportável ou, ainda tentaram experimentar um funcionamento tão insólito que foram
sistematicamente isolados ou excluídos. Sujeitos que não puderam mais, em determinados
momentos, exprimir suas vontades, desejos, ou que não têm mais poder sobre si mesmos. Sendo
assim, uma importante função do at seria o resgate dessa autonomia perdida diante do
adoecimento psíquico em um determinado laço social.
Através do at, o sair (de casa, do hospital, no espaço comunitário, escola) será construído
micropoliticamente, em locais onde o sujeito possa resgatar minimamente sua história de vida,
autonomia ou que se possa, diante do novo, vir a produzir saúde diante de determinada situação.
Podemos pensar em situações que resgatem somente a rua e o que ela tem a oferecer.
Entretanto, também podemos pensar em trabalhar com esses sujeitos numa tentativa de criar
condições para o exercício de uma autonomia perdida no próprio espaço onde o sujeito possa
estar ou vir a ser inserido. Devemos ter o cuidado, para tal, de que esse sujeito não se adapte ao
espaço e sim que produza novos sentidos para além desse próprio espaço. Ampliar a clínica?
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Sim, visando produzir efeitos de sujeito e, portanto, condições de saúde psíquica e social,
trabalhando na construção de redes de entendimento.
A cidade, conforme Cabral e Belloc (2004), é tão protagonista quanto o acompanhado. O
at é um sujeito que facilitará o processo de construção de espaços de produção subjetiva,
fazendo das cenas do cotidiano elementos fundamentais na produção de saúde. Portanto,
construindo a ponte que enlaça o sujeito com o social.
1.2 DA AMBIENTOTERAPIA
1.3 RECORTES
1.3.1 Situação 1
Um dos locais em que trabalhei foi um Centro Comunitário localizado na Zona Norte de
Porto Alegre, local bastante violento e que atende a população em situação de vulnerabilidade
social da região. Tem diversos serviços a dispor de seus usuários, mantidos por parcerias e pelo
governo estadual. Serviço de Atendimento Sócio-Educativo (SASE) e o Programa de Atenção à
Terceira Idade (PATI) são alguns exemplos de atividades oportunizados pelo espaço.
O nome fictício do usuário é José, 11 anos, uma criança fisicamente saudável, que
freqüentava o espaço por ser um dos filhos mais novos de uma família de difícil acesso5. O
menino freqüentava o SASE do local, ou seja, Serviço de Atendimento Sócio Educativo, em
horário inverso ao da escola. Veio encaminhado pelo conselho tutelar, onde constava no seu
encaminhamento questões referentes à maus tratos e negligência por parte de sua família,
fazendo com que permanecesse maior parte de seu tempo na rua sem referências e cuidados
básicos. Freqüentando o serviço, José era um menino que durante as atividades propostas em
sala de aula pelas “educadoras referência” 6, fazia alguns tumultos como também agredia e não
permanecia em atividades, parecendo desobedecer em todas as horas e não respeitando os
limites. Também, agredia e mantinha um sistema, o qual por ser maior perante os outros e um
dos mais “malandros” do SASE, era respeitado (produzindo medo nas demais crianças)
funcionando como uma espécie de líder. No espaço, freqüentava atendimento psicológico,
estava sempre presente. Diante da possibilidade de desligamento das atividades do programa
5
Entendo família de difícil acesso aquele sistema em que os responsáveis implicam-se minimamente com os
cuidados de seus filhos. No caso, a família de José era difícil por questões sociais e culturais, em que simplesmente
um chamado para conversar sobre o sofrimento da criança era ignorado e dado como total responsabilidade dos
profissionais implicados no cuidado da organização.
6
Nos serviços de saúde e educação como SASE (Serviço de Atendimento Sócio-Educativo), entendemos por
referência aquele educador que trabalha com uma turma de crianças específica. Por exemplo, na faixa etária dos 7-8
anos.
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SASE, foi proposto pela equipe de psicologia um trabalho com o objetivo de acompanhá-lo
durante as atividades.
Foram momentos difíceis da organização. Mudança de gestores, dificuldades de
comunicação entre os setores do centro e diversidades metodológicas entre os membros da
equipe faziam com que a palavra, importante meio de articulação teórico-prática, fosse
esquecida. Discussões entre os profissionais que trabalhavam nos serviços quase não existiam,
tornando-se lugares onde a troca entre os saberes fosse inexistente. Entretanto, a proposta do
trabalho em Acompanhamento Terapêutico foi um importante dispositivo, provocando rupturas
entre a cristalização das questões institucionais.
Os conflitos existiam em todos os momentos. Eram na ordem dos profissionais que
trabalhavam no Vida, entre os colegas que participavam da nova gestão e educadores que
trabalhavam aproximadamente quarenta horas semanais com as crianças do SASE. As relações
de poder sobrepunham-se umas às outras, anulando o trabalho em rede.
Começa a trajetória do acompanhante e de seu acompanhado pelo espaço. Espaço que,
apesar de ser uma organização com normas e regras, era um dos locais de maior permanência da
criança durante o seu dia. A idéia de trabalhar com essa abordagem terapêutica veio da
necessidade de poder perceber mais a sua realidade e de poder entender o porquê do menino
estar com dificuldades de inserção no espaço. Também, entender se existia a questão do jogo de
forças políticas em todo o processo excludente. Questionamentos sobre as suas atitude eram
feitos: “Será que é tão ruim? Ou será que falta um pouco de atenção?”. A luta por
reconhecimento no espaço era assídua, onde os educadores disputavam entre si as possibilidades
de punição daqueles que não seguissem as normas e regras da organização.
No trabalho como at não pensava em adaptá-lo, pois contraria totalmente a perspectiva
de inclusão. Propusemos, então, para a equipe de profissionais do Vida Centro Humanístico
acompanhá-lo três vezes por semana num período de tempo de uma hora e quinze minutos,
produzindo a ruptura desse processo. Dessa forma, podíamos ter a percepção de como estava a
sua relação com o local, facilitando a inclusão em atividades às quais muitos dos educadores já
pensavam em expulsá-lo, por dificuldades em trabalhar com o educando. Esse incluir fazia parte
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de uma estratégia de tornar o espaço mais atrativo e que demandasse sua participação ativam,
tendo um papel ativo no processo.
José não tinha nenhum diagnóstico médico, psiquiátrico ou psicológico definido
previamente. Existiam algumas hipóteses, mas naquele momento percebíamos que sua conduta
em diferentes atividades parecia ser sempre a mesma: agressões físicas aos colegas e
educadores, dificuldades em respeitar os limites, entre outros. Como estava em atendimento
psicológico, pensamos que poderíamos fazer um trabalho diferenciado com ele, de modo a
trabalhar algumas questões dessa atenção e limites que pareciam faltar.
Como acompanhante iniciei observando-o em algumas atividades e ficando com seus
cuidados quando era “suspenso” de outras. Pude perceber que além de questões que diziam
respeito ao sofrimento enfrentado pela criança em função de sua desestrutura familiar, também
faltava para ele algumas figuras de referência, que só afastavam-se diante de alguma situação
que os desagradava. Precisava de certa forma, ter ao mesmo tempo holding e continência para a
emersão em seus afetos. Pensando sobre isso, é importante termos a dimensão de poder dar um
apoio tanto físico quanto psíquico ao sujeito. Winnicott (apud Barretto 1998) entende que essa
função denominada holding (sustentação) é tudo que no ambiente, fornecerá a uma pessoa a
experiência de uma continuidade, de uma constância tanto física quanto psíquica. A mãe que
segura um filho, por exemplo, dispensa a ele outros cuidados que estarão, através da função
ambiental do holding, possibilitando que se adquira alguma integração. Sendo assim, podemos
entender a questão do holding, através da presença do at nos momentos em que José, depois de
passar por algumas situações que o deixaram com receio em relação às atividades, sabendo que
foi acolhido pelo acompanhante, sente-se amparado novamente para freqüentar as atividades
propostas e que em certo momento provocaram certa angústia.
Trabalhei durante alguns meses com a criança. Passei por algumas situações em que
tinha que oportunizar uma escuta trabalhar limites, brincar e de certa forma educar. Fui em
outras pai, mãe e educador. Tentei valorizar aquilo que nele parecia muito saudável, sua
liderança, inteligência e capacidade de argumentação, com o intuito de poder compreender que
poderia utilizar suas habilidades para ajudar aqueles que tanto se incomodavam com a sua
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presença, estabelecendo algumas redes de significado. Concordo com Naffah Neto (1998)
quando nos coloca sua posição quanto à terapêutica analítica:
Durante seu atendimento como at no centro comunitário, passei por situações em que
fui questionado inúmeras vezes quanto à eficácia do atendimento tanto psicológico quanto como
acompanhante terapêutico. Porém, aos poucos fomos pensando em espaços que oportunizassem
a inserção dele enquanto sujeito desejante e com potência para desenvolver aquilo que podia ser
seu diferencial em diversas situações. O término do atendimento ocorreu pelo fato da sua
família ter mudado de endereço, fazendo com que deixasse o espaço e buscasse outros
atendimentos em lugares mais próximos de sua casa. Como at não pude sair do espaço, pois a
proposta era de que pudesse trabalhar com ele dentro do local. Perante a organização, como era
estagiário da fundação que dirigia o centro comunitário, não poderia seguir atendendo em outros
lugares da região metropolitana, onde José havia se mudado.
Todavia, entendo que a potência buscada tanto em equipe quanto para o profissional
implicado no atendimento de José foi fundamental para sua permanência no local. Desde o
aparecimento dos “sintomas”, até o início do atendimento foram meses de constituição de
vínculo, acolhimento, holding e a continência para a família e seu filho. Tivemos que discutir,
inúmeras vezes, que atravessamentos culturais e parentais faziam com que o menino estivesse
tão incomodado. Demo-nos conta de que, muitas vezes, repetíamos sua vida na rua dentro do
centro comunitário, uma vez que fazíamos todo o processo de exclusão social dentro de um
local que trabalha com a inclusão. Entendemos, não sem dificuldades, que precisávamos chegar
aos nós dessa teia, construindo uma rede dentro do local e amarrando esses fios desde o dentro e
o fora, isto é, ampliando o trabalho desta instituição em rede com outros setores (intersetoriais).
1.3.2 Situação 2
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momento onde pudesse vir à tona algumas questões que estavam ali no grupo e até então
estavam escondidas: dificuldades de sair daquilo que somente ele propunha, não aceitação de
alguns limites, extrema dificuldades de deixar o outro entrar em sua brincadeira, fantasias em
torno do tema da antecipação frente ao desconhecido, percepção de que podia destruir o outro,
entre outras situações. Breno foi acolhido no seu sofrimento pela outra terapeuta que ali estava,
que também serviu como seu ego naquele momento de desestruturação psíquica.
Entendo, através dessa vinheta, que os vários pontos trabalhados dão a dimensão da
importância do trabalho terapêutico dentro de uma Ambientoterapia. No espaço, os vínculos
aparecem de fato e podemos intervir neles. Uma das mais importantes tarefas do terapeuta no
setting ambientoterápico é o acolhimento do sofrimento, assumindo alguns papéis que de certa
forma faltaram na vida do sujeito. No momento de desintegração psíquica, podemos trabalhar
com questões bem pertinentes ao momento enfrentado e que falavam de alguns afetos e desejos.
Desejos esses que podiam ser desde destruição até um sentimento em relação à entrada de outro.
Também, uma questão referente à comunicação de não poder compartilhar o brinquedo.
Segundo Naffah Neto (1998):
Acolher a dor, ainda conforme Naffah Neto (1998) seria poder abrir espaço para ela e
tornar-se capaz de tolerá-la, sem precisar projetá-la, encobri-la, transformando-a em outro afeto.
Elaboração e transformação seria o passo seguinte. Essa capacidade de ressignificação,
conforme Nietszche in Naffah Neto, seria o que chamou de envergadura interior, ou seja, a
capacidade de acolhimento às intensidades do mundo. Também, como terapeuta em
ambientoterapia, pude perceber que o holding, ou seja, o acolhimento de seu sofrimento, pode
fazer com que expressasse seu desejo e sua raiva de modo que pudesse reorganizar aquilo que
estava sentindo de modo que desse novos sentidos àquilo. Apesar de uma desorganização
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psíquica na situação, entendendo que o que estava sentido poderia ter um diferente significado
se sentisse mais integrado a partir da experiência do holding. E essa é uma das principais
diferenças da ambientoterapia para os atendimentos individuais, pois existe a possibilidade de
estabelecer relações e ressignificá-las.
1.3.3 Situação 3
Pensei como terceiro exemplo clínico, uma outra segunda-feira que estavam todas as
crianças no setting Ambientoterápico. Gabriel é uma criança de 7 anos, indicada para
atendimento em ambientoterapia por enfrentar situações de falta de limites, desrespeitando
escola, amigos, seus próprios responsáveis, em que a mãe estabelece um jogo em que ele
pertence somente a ela, não deixando que o “terceiro” entre na relação. O menino vinha sendo
atendido há meses quando a família interrompeu o tratamento, retornando em seguida e
posteriormente atrasando-se para trazê-lo às atividades.
A família desorganizava-se quanto aos benefícios do tratamento e o tirava, alegando
dificuldades diversas.
Era o primeiro dia de sua volta ao atendimento após um mês de ausência. As demais
crianças, Breno, Maicon e Gustavo brincavam e Gabriel estava sentindo-se de certa forma
tímido, em vincular-se com os demais apesar de conhecê-los. Quando tentavam fazê-lo
participar de seu brinquedo, sentia-se resistente, riscando os desenhos dos demais e entrando em
luta para defender-se desse novo em muitos momentos assustador, aterrorizante. Quando
conversava com o terapeuta, falava que no dia anterior tinha ficado até tarde acordado, vendo o
filme da “boneca assassina”. Questionei-o, com o objetivo de saber no que consistia o filme,
pois uma outra riqueza do trabalho de ambientoterapia é poder experimentar afundo a vivência
infantil e conhecer muito do universo das crianças. Perguntei algumas coisas para ele. Dizia que
no filme a boneca cometia assassinatos, pegava facas e cortava pescoços e que tinha uma parte
em que amarrava suas vítimas, provavelmente me falando algo de seus sentimentos e fantasias
em relação a sua agressividade. Foi quando vendo um barbante em cima do armário, resolveu
que iria amarrar o terapeuta... Estava quase no término da atividade que sucedia o lanche, e
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haveria a troca de terapeutas nesse horário, mas mesmo assim cedi meu corpo para que ele
pudesse expressar o seu desejo de “matar o terapeuta” naquele momento, percebendo que eu
deveria sobreviver ao seu ataque, de modo que entenderia que não é tão destrutivo assim (o
assunto já tinha sido trabalhado em reunião com a equipe). Permiti que me amarrasse, e fui
percebendo um gozo naquela situação de prender, no mesmo instante em que pode se aproximar
das demais crianças que estavam presentes na sala. Quando se percebeu estavam três, das quatro
existentes em sala, amarrando o terapeuta e dizendo que eu era o prisioneiro. Além da inversão
de papéis que pode ser realizada ao primeiro exemplo, pois configuravam somente o bem,
naquele instante puderam perceber e entender que o mal, através do lúdico, não necessariamente
é tão mal assim, experimentando aquilo que na fantasia deles era o desejo de ser o próprio
terapeuta naquela hora, amarrando seu paciente em alguma atividade específica. Também
podemos trabalhar com a questão do grupo, uma vez que cedi meu corpo dando o holding
quando o acolhi e ressignifiquei sua timidez de entrosamento com os outros amigos de
ambiento. Ao mesmo tempo a continência para trabalhar com a sua imaginação e, de repente,
fazer com que o horror daquilo presenciado no filme na noite anterior pudesse não ter o formato
do horror em si e sim algo que pode ser trabalhado. Pude, também, dar certo limite em relação
ao término de atividade, pois na hora em que estava saindo pude dizer para as crianças que
estava indo embora e precisava ser desamarrado. O que não gerou nenhuma resistência diante
do fato de ter que encerrar aquele momento ali, pois eu conseguira sobreviver aos ataques.
Entendo que nos dois exemplos acima trabalhamos com duas funções muito importantes
do trabalho ambientoterápico: o holding e a continência. Apesar de parecidas, são diferentes
quanto aos significados que tomam diante da experiência do sujeito. Num primeiro momento
dou o “colo” com o objetivo de que eles possam estruturar-se para explorar esse meio. No
segundo, pode experimentar a vivência de uma experiência assustadora, por exemplo, tomando
ela com um significado diferente diante do que ocorreu. Sendo assim, oportunizando que a
dança multicolorida de afetos, conforme disse Naffah Neto (1998), possa ser experimentada
tanto por sujeito potente quanto por terapeuta, cada um em sintonia.
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Sendo assim, o movimento terapêutico citado nas situações “dois” e “três” de possibilitar
a erupção das vontades e dos desejos infantis e, conseqüentemente, a ressignificação desses
afetos, dando um novo sentido às situações que acontecem, funcionariam como o tubérculo
citado acima, onde diversos são os movimentos. Entretanto, as vias de entendimento das
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Conforme Passos e Benevides (2000) o emprego do termo analista é justamente o de uma posição crítica de se
colocar em análise os diferentes meios que se apresentam na situação de uma intervenção. Muito mais do que
buscar a origem do termo analista, é pensar na clínica de um viés crítico.
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situações tomam caminhos que circulam desde a “luta” (onde as duas crianças disputavam a
casa) entre corpos até o “ceder” (quando permiti que Gustavo me amarrasse) para facilitar o
processo de entendimento dos limites heterogêneos entre os demais sujeitos dentro de um
mesmo espaço.
Kirst (2003) falando ainda sobre o conceito de rizoma para a Psicologia Social, o
entende empregado na leitura da imagem dessa idéia psicológica, reportando às múltiplas
formas de encontrar espaço de expressão no exercício da visualização. Pensando em José, seria
aquilo que apresentava como suas características no centro comunitário, como sua falta de
limites, seu papel de líder perante os demais, que denotavam um caráter de conflito junto aos
outros e que eram a sua marca de reconhecimento. Relacionar com recortes No seu
entendimento, as expressões encontradas em cada depoimento que uma imagem pode propiciar
(aí eu estendo a reflexão acerca da imagem, para a questão da plasticidade na clínica), podem
ser pensados muito mais como segmentos, articulações, espaços de auto-suposição, reflexão ou
ainda territórios cartografados pelo olhar. Clínica Ampliada, de acordo com a citação anterior,
vai em um sentido de pensar em cada articulação dessa cadeia rizomática, em alguns momentos
utilizados por imagens, em outros por situações singulares, todas articuladas entre si,
atravessadas por questões interligadas, como se estivessem numa rede.
Kastrup (2003) entende que o único elemento constitutivo dessa rede de intercessores
seria o nó. O principal elemento constitutivo. Não interessa, ainda conforme a autora, quais
seriam as suas dimensões, pois a sua forma não é o determinante, seus limites externos muito
menos. As suas conexões, os seus pontos de convergência, suas bifurcações entendida com base
na lógica das conexões e não como superfície. Penso, a partir da reflexão, no próprio sentido da
questão da transdisciplinaridade, que se despe de superfícies (disciplinas) e entende uma clínica
muito mais baseada nas relações que são produzidas a partir de encontros. Poderíamos pensar,
ainda na situação “um” nos nós da rede que constituíam José. Nós como sua estruturação
familiar, suas condições sócio-econômicas e que diante dessa lógica tenderia a estar em total
desamparo em termos de saúde. No entanto, seu esforço de freqüentar às atividades de esporte,
lazer e educação no centro comunitário denotavam toda a sua vontade de potência, baseado no
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onde era tênue o limite entre o incluir e excluir. Kastrup (2004) entende como quinto elemento
constitutivo do rizoma a metodologia da “cartografia”. Segundo a autora, o mapa faz parte do
rizoma e é aberto, conectável em todas as dimensões, desmontável, reversível e suscetível a
receber modificações constantemente. Podemos entender por cartografia, toda a descrição das
cenas relatadas nas situações “um, dois e três” que foram traçadas através da experiência de
constituições de redes de significado nos momentos citados. Todavia, a sua forma pode aterar-se
desde que se tenha claro que o rizoma não pode ser algo fechado. Qualquer movimento
constitutivo com outras forças o compondo, podem alterar os traços dessa cartografia. Como
exemplo, a presença de outros terapeutas, ou até mesmo de pais dessas crianças nos encontros.
Segundo Kastrup (2004) como sexto elemento constitutivo do Rizoma encontramos o
“princípio do decalcamento”. Poderíamos pensar num antiprincípio, ou seja, naquilo que
poderia ligar os mapas, as teias do rizoma, os seus pontos de estruturação. Nessa lógica, os
pontos estabilizadores são temporários, pois estão em constante criação, movimento. No
entanto, esse antiprincípio parte de uma idéia de começar a cartografar e aplicar essa estrutura
sobre ele, podendo assim comparar as suas diferenças e assim poder ressignificá-las. Como se
fosse um adesivo sobre o outro, onde alguns pontos que ficassem divergentes fossem
constitutivos para a criação de novas formas. Pensando novamente nas três situações clínicas
relatadas anteriormente, poderíamos utilizar esse princípio como um constitutivo entre cada
relato, podendo assim, entender que apesar de diferentes papéis ou situações enquanto
psicólogos enfrentadas, que a sua rede (rizoma) constitutivo de cada situação toma um diferente
significado, produzindo diferença.
Ainda no campo da clínica ampliada a Análise Institucional serve como importante
dispositivo que produz uma proposta de intervenção com a finalidade de gerar nas organizações
uma tendência auto-analítica (coletiva permanente e autogestiva) entre os integrantes das
mesmas (BAREMBLITT, 1996). Nesta concepção os conceitos de transferência e
contratransferência adquirem contornos mais amplos, imaginando-se a possibilidade de que ela
ocorra de forma cruzada, incluindo o todo das organizações e a própria ideologia da organização
(CUNHA, 2005, p.111). Sendo assim, pensando na postura crítica do profissional de psicologia,
entendo como importante entender o sentido que estamos trabalhando em nossos atendimentos.
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Entender o lugar que ocupamos sendo profissionais psi e sua importância perante àqueles que
atendemos, me faz lembrar de um trecho discutido nesse mesmo texto, na situação três, em que
Gustavo “amarra o terapeuta”, podendo extravasar toda a sua agressividade. Situações que
envolvem transferência e contratransferência, pois ninguém disse que o terapeuta era obrigado a
aceitar que ele amarrasse. Porém, tendo claro que o espaço da organização que trabalha com
questões de falta de limites e agressividades era aquele, aliado à implicação no trabalho
ambientoterápico, foi imprescindível no processo de construção de novos agenciamentos
(significados) para todos os movimentos que estavam acontecendo, ou seja, nas ramificações da
rede institucional.
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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Trata-se aí, muito mais de questionar-se sobre as novas formas com que o
sofrimento psíquico se apresenta, os sintomas sociais contemporâneos se impõe e os
modos pelos quais os fazeres psi estão estruturados para atendê-los. Isto requer que a
análise aqui proposta recaia sobre os diferentes eixos que sustentam a clínica,
incluindo desde o seu âmbito de atuação, as técnicas e instrumentos por meio dos
quais ela se realiza, até as concepções de sujeito e da própria clínica daí decorrentes.
(p. 264)
Refletindo, depois de toda a discussão promovida ao longo do texto, que essa questão –
como nos disse Paulon acima - é o momento de questionamento da psicologia e como ela está
podendo dar conta desse sofrimento cotidiano. As práticas estão aí e vai de cada um de nós,
profissionais ou pensadores de saúde, nos apropriar ou não, aproveitando-as naquilo que têm de
significativas. Discutir transdisciplinaridade, complexidade e produção se subjetividade é um
movimento difícil e que ainda caminha a passos lentos, uma vez que já é bem complicado
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importante propor como dispositivo é pensar onde cada um está implicado em cada processo,
uma vez que sabemos que durante anos os próprios colegas da psicologia provocaram processos
de marginalização.
Entendemos, portanto, que ser Psicólogo é ter uma posição crítica de todo um processo
que envolve inúmeros agenciamentos. Acho interessante poder citar um trecho de Naffah Neto
(1998) nos falando da Psicanálise Trágica:
Uma psicanálise trágica deverá ser capaz de propiciar um olhar que transite
do visível ao invisível, de sensorial ao espiritual, acolhendo e aceitando os
acontecimentos da vida e os afetos que eles geram e põem em ação; isso para poder
elaborá-los e transformá-los, transformando assim, o sentido da vida. (p. 14)
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
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Presente. Porto Alegre: UFRGS, 2003.
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problema e de um paradoxo. In: ENGELMAN, Selda; FONSECA, Tânia Mara Galli. Corpo,
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