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RAFAEL LUÍS DOS REIS

A CONSTRUÇÃO DE UMA REDE DE ENTENDIMENTO DO SUJEITO


EM SOFRIMENTO PSÍQUICO: CLÍNICA AMPLIADA?

Trabalho de Conclusão de Curso


Para obtenção do título de Bacharel em Psicologia
Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos

Orientadora: Marta Conte

São Leopoldo

2006
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DEDICATÓRIA

Aos meus pais pela força nesta trajetória iniciada em 1999.


Agradeço-lhes por enfrentar comigo os momentos de angústia e me
ensinar a fazer deles um passo para a vitória. À Karyne pelos
ensinamentos de vida tão importantes nesse ano.
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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha orientadora Marta, pela força e apoio nos


momentos tão difíceis de composição, e pela aposta nessa ótima parceria.
Aos meus colegas do Espaço Atitude pelas trocas e inquietações que
levaram a aquisição de nosso próprio espaço. Em especial à Mônica
Albuquerque e Rafael Wolski pela trajetória de trabalho e amizade ao
longo do percurso.
Agradeço aos amigos do Vida Centro Humanístico: Rosângela, Marisa,
Janete, Célia e Andréia pelos momentos de alegria e situações mais
difíceis, que juntos enfrentamos e passamos.
Aos supervisores do Instituto Contemporâneo pelo aprendizado.
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“O desejo é o sistema de signos a-significantes com os quais se produz


em fluxos de inconsciente no campo social. Não há eclosão de desejo,
seja qual for o lugar em que aconteça, pequena família ou escolinha de
bairro, que não coloque em xeque as estruturas estabelecidas. O desejo é
revolucionário, porque sempre quer mais conexões, mais agenciamentos”.

Gilles Deleuze e Claire Parnet (in Rolnik 2006)


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RESUMO

O presente trabalho objetiva entender em que uma proposta de clínica ampliada


pode auxiliar o profissional da saúde na construção de uma rede de entendimento do sujeito em
sofrimento psíquico e as ferramentas de atenção a esse sujeito. Sendo assim, apresenta-se com
algumas possibilidades da clínica, onde diferentes modos de intervenção podem ser utilizados
como dispositivos, conforme a singularidade ou situação, concebido dentro de um rizoma em
redes sociais. Conceitos como transdisciplinaridade, produção de subjetividade e complexidade
estarão intimamente relacionados a esse novo projeto de clínica psicológica Entre as
modalidades de atendimento clínico focalizadas neste trabalho, encontram-se o
Acompanhamento Terapêutico (AT), Ambientoterapia e a própria Análise Institucional.

Palavras-chave: Clínica Psicológica, Clínica Ampliada, Rede, Transdisciplinaridade e


Complexidade.
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................................7

1.CLÍNICA ...............................................................................................................................14
1.1 DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO (AT).......................................................16
1.2 DA AMBIENTOTERAPIA.................................................................................................20
1.3 RECORTES..........................................................................................................................22
1.3.1 Situação 1...........................................................................................................................23
1.3.2 Situação 2...........................................................................................................................26
1.3.3 Situação 3...........................................................................................................................28

2. O QUE É CLÍNICA AMPLIADA? ALGUMAS IDÉIAS SOBRE COMPLEXIDADE,


TRANSDISCIPLINARIDADE E REDE.................................................................................31

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................... 36

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO.......................................................................................39
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INTRODUÇÃO

“ Escuta”, palavra chave de todo o psicanalista, tão eloqüente e, ao mesmo


tempo, tão equívoca. Costuma-se dizer que a capacidade de escuta é um dos
parâmetros mais importantes para se distinguir um bom, analista. Eu concordo.
Entretanto, o que é que se escuta?A resposta mais comum é: “o discurso do
analisando, já que a psicanálise tem a ver exclusivamente com o universo da
linguagem. Aí que eu discordo. (Naffah Neto apud Minozzo, 2002)

O presente trabalho objetiva entender em que uma proposta de clínica ampliada pode
auxiliar o profissional da saúde na construção de uma rede de entendimento do sujeito em
sofrimento psíquico. Também, pensar sobre a clínica psicológica e suas ferramentas de atenção
a esse sujeito. Sendo assim, trabalharei com algumas possibilidades da clínica, onde diferentes
modos de intervenção possam ser utilizados como dispositivos, conforme a singularidade ou
situação. Entre as modalidades de atendimento que focalizarei, encontram-se o
Acompanhamento Terapêutico (AT), Ambientoterapia e a própria Análise Institucional (através
da análise de implicação como psicólogo).
Pensei no tema a partir de algumas vivências práticas da clínica desde diferentes lugares:
de estagiário até mesmo profissional da saúde inserido em diferentes âmbitos, como a rua
enquanto espaço de intervenção, institutos de psicanálise privados e espaços comunitários da
grande Porto Alegre. Fundamentalmente implicados nos processos de subjetivação e seus
atravessamentos, percebi que as intervenções iam além do papel exercido. Observava que a
experiência desenvolvida em locais como o Vida Centro Humanístico e o Instituto
Contemporâneo de Psicanálise e Transdisciplinaridade ia além daquilo que a minha função
perante a organização pedia. Era complexo, nos incitando a pensar no problema das fronteiras
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entre os objetos e os saberes. Transdisciplinaridade? Refletindo sobre isso, concordo com


Baremblitt (1997) que conceitua:

Esse universo de situações como “Poliverso1 Psy”, ou seja, um conjunto de


limites externos e difusos, heterogêneo e heterólogos de valores, teorias, métodos,
técnicas e tecnologias, assim como instituições e organizações, estabelecimentos,
equipamentos, agentes, usuários, e práticas que têm a subjetividade como objeto
assumido e explícito de conhecimento e intervenção. (p. 11)

Podemos perceber o quão importante é o trabalho do profissional de psicologia


implicado no entendimento e estudo da subjetividade dos sujeitos portadores de sofrimento
psíquico. Quanto mais estamos imersos em algum espaço, seja ele do público ou do privado,
mais nos questionamos quanto à importância de utilizar algumas ferramentas da própria
psicologia na construção de uma rede de entendimento desse sujeito que está freqüentando
locais de produção de saúde por diferentes situações pessoais. Concordo com Paulon (2004),
em seu artigo “Clínica Ampliada: quem demanda Ampliações”, que entende o psicólogo muito
mais como um genealogista, que utiliza seu olhar clínico para fazer jus a uma psicologia
comprometida em compreender não somente as demandas trazidas pelos sujeitos psicológicos e
sim, transgredir a tarefa analítica pensando em uma psicologia fundamentada na tragédia, num
sentido do resgate de todo o emaranhado subjetivo que atravessa esse sujeito. Sendo assim,
construindo uma teia dessa rede que o atravessa.
Entendo, com reflexões acerca das diferentes maselas que nos afetam enquanto seres
humanos, que somos atravessados por diversos processos de subjetivação. Toxicomanias,
transtornos de ansiedade e depressivos, delinqüências diversas são algumas dessas situações.
Situações nas quais o vazio produzido pela sociedade capitalística de consumo cresce, à medida
que o sofrimento decorrente aumenta em proporções muito grandes. Porém, não quero centrar
esse trabalho na questão da psicopatologia, por exemplo, e sim, partir de um pressuposto de que
os sujeitos - em determinados momentos de suas vidas - sofrem. A clínica contemporânea, de
um modo geral tem se preocupado com esse momento de sofrimento, pois cada vez mais são

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Poliverso, num sentido mais amplo da própria palavra universo, que abre o entendimento dessa
complexidade de situações, oportunizando múltiplos sentidos à psicologia.
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discutidos diferentes modelos de psicologia e inúmeras possibilidades de tratamento. Umas


colocam o sujeito numa concepção de tratamento somente dos seus sintomas. Outras que
colocam única e exclusivamente a sua fala como canal de interlocução. Roudinesco (2000) em
seu livro “Por que a Psicanálise” traz como uma das questões o alívio imediato do sofrimento
através do uso de medicações. Psicofármacos que são usados como uma ferramenta imediatista
de alívio de angústias, situações ou mesmo sintomas, que são muito mais complexos, que falam
de indivíduos cada vez menos escutados na sua singularidade e sentindo-se menos participantes
desse social. Concomitante a essa idéia, Birman (2003) entende o fato de a psicopatologia ser,
atualmente, entendida como área de saber vinculada à medicina clínica, uma vez que situa no
medicamento um instrumento supostamente “eficaz” sobre um conjunto articulado de sintomas,
que passa a ser a referência na nomeação e construção das síndromes psiquiátricas. Sendo
assim, a origem do sofrimento (história pessoal do sujeito) toma um caráter secundário.
Pensamos, a partir do que colocam os autores, na construção de uma clínica menos
simplista aos olhos da ciência, para uma clínica mais complexa, mais social ou ainda mais
atravessada por novas formas de subjetivação, onde respostas não são imediatamente
encontradas e que transcendem a questão da disciplina dentro de sua verdade única.
Transversalizando o saber, podemos possibilitar uma compreensão mais ampla dessas
singularidades.
Uma das questões, no meu entendimento, a ser estudada é como pensar a clínica da
subjetividade contemporânea, construindo ferramentas ou dispositivos que dêem conta desse
sofrimento psíquico? Ou melhor, se é possível a construção de um modelo híbrido de clínica,
onde saberes não se sobrepõem uns aos outros e dêem conta de entender esse sujeito que
adoece? Então, através de duas questões de entendimento dessa clínica, podemos pensar numa
ruptura desse modelo único de alivio de angústia e pensar no que diz Naffah Neto (1998):
Um dos grandes desafios de todo o psicanalista – e de certa forma, daqueles
que têm uma prática clínica independentemente do setting – é querer ultrapassar o uso
representativo da linguagem e abrir-se à dança multicolorida dos afetos, usando a
escuta e a fala como canais de pulsação. Pensa ainda, que é uma tarefa árdua e penosa,
visto que nossos hábitos ainda trilham um caminho de uma linguagem representativa,
onde a escuta é somente da fala e não dos atravessamentos de cada momento clínico.
(p. 24)
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Utilizando o trecho acima como metáfora, não estamos aqui para desqualificar antigas e
embasadas formas de práticas clínicas. Porém, partindo da reflexão do autor, ter a sensibilidade
e se permitir – trabalhando na função de profissional “psi” - entender que numa relação
terapêutica existem outros canais que são tão importantes quanto à linguagem, ou ainda, outras
instituições que são tão importantes para aquele sujeito quanto a sua fala. A construção de uma
clínica ampliada seria, portanto, muito mais uma abertura do profissional às ampliações da
psicologia. Paulon (2004) coloca que devemos trabalhar numa ampliação da clínica que não se
limite a criação de um novo nome, clichê (o termo que utiliza), e sim, que extrapolem meras
respostas às demandas para o trabalho na Clínica que o contemporâneo impõe.
Trazendo à questão a presença de um terapeuta (at, ambientoterapia, analista
institucional) nos espaços desses cotidianos, percebemos o quanto esse simples movimento afeta
diretamente a relação com o social e a singularidade daqueles que tratamos, desde que nos
permitamos escutar, sentir e pensar sobre esses movimentos circulares2. O que significa, então,
ser um terapeuta de uma psicologia ampliada? Ou melhor, dizendo um psicólogo híbrido3 e que
tenha no seu trabalho a importante função de entender seu paciente/cliente/acompanhado
produzindo, a partir de seu papel ativo nesse sistema, saúde?
Questionamos, muitas vezes, a prática clínica que exercemos, uma vez que em algumas
situações não somos apenas profissionais exercendo uma psicologia dita clínica, nos
favorecendo da linguagem representativa e atendendo em um setting pré-estabelecido. Pensar
também em um modelo de clínica que não trabalhe com as demandas do sujeito somente nos
locais de produção de saúde, em períodos de tempo pré-estabelecidos, e sim propor uma escuta
clínica em diferentes settings; ou, ainda, uma outra escuta clínica que dê conta continuando a
trabalhar com esse sujeito na rua, em casa, no trabalho e na cidade.
Figueiredo (2003) entende que a “clínica ampliada” tem uma ligação não somente com o
atendimento em si, mas com valores culturais, interpretando esses fenômenos existentes na
cultura, os acontecimentos políticos por uma vertente forte psicológica. A partir disso, podemos

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Entendo, por movimentos circulares, a construção de micro-políticas na clínica. Movimentos que não seguem
uma via pronta, e sim, transformam-se ao longo do tratamento.
3
Por híbrido tomo as idéias de Passos e Benevides (2003) que o entendem como possibilidade de rearranjo, onde a
construção de novos territórios poderão ter fundamento a partir de novas situações. Sendo assim, o Psicólogo
Híbrido seria um facilitador da descoberta de “novas” entradas, ao invés de buscar somente novas saídas.
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verificar a influência de diferentes situações culturais, pois a possibilidade de atuação pode se


dar no âmbito em que esse sujeito se insere, não necessitando separá-lo de seu meio para
fazermos a intervenção. Chamar essa clínica de itinerante, talvez. Mas como citado
anteriormente, estamos pensando na construção de ferramentas de entendimento desse sujeito
do Contemporâneo, e não na busca por um nome específico de clínica que especialize o
profissional que nela pensar, conforme Paulon (2004).
A partir de algumas situações podemos discutir o que entendemos a partir do setting,
pela busca de outras possibilidades de intervenção. Damo-nos conta de que o pensar também
envolve outros profissionais tanto da psicologia quanto de outras áreas, despidos de sua
ontologia do saber. É muito mais que um processo multidisciplinar, onde cada um exerce sua
práxis e esquece a discussão sobre os temas emergentes. Muito mais também do que a união
desses saberes em busca da construção de um novo, como na interdisciplinaridade. E sim, uma
clínica ampliada que denota uma perspectiva transdisciplinar, onde todos estão envolvidos
independentemente da teoria, preocupados com a produção de saúde dos implicados. Cunha
(2005) entende:

Não se trata somente dos limites da Biomedicina, por exemplo, mas do limite
de todos os saberes. E não se trata apenas de reconhecer os limites desse ou daquele
saber, mas de desenvolver uma capacidade crítica em relação a todas as classificações
sem, no entanto, desprezá-las. Reconhecer os limites, os valores (subjetivos) e os
poderes associados aos saberes é um recurso muito valioso para uma intervenção mais
qualificada e menos alienada. (p. 92)

Experimentando ser psicólogo dentro de um local público e comunitário (Centro


Comunitário) pude sentir que a intervenção pode acontecer de diversas maneiras. Senti a
questão do Acompanhamento Terapêutico como forma de inclusão e, não suficiente, tive que
me posicionar constantemente como analista perante a organização para entender que a criança
em questão estava sendo afetada por um jogo de instituições que permeava o local, que eram
desde o político/partidário até situações sociais envolvendo a vida desse sujeito. O papel do
psicólogo, diante dessa questão, é de ter uma posição crítica desses atravessamentos
institucionais encontrados, para que se busque alternativas fundamentadas na idéia de um
trabalho integrado, na construção de uma rede de entendimento, buscando ainda mais a
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ampliação do conceito dessa clínica tão diferenciada e pertinente nas intervenções em


comunidade, por exemplo.
Tendo como um dos trabalhos o estágio profissional de psicologia em uma organização
que trabalha com psicanálise (sendo esse local também de formação), percebi que no âmbito
privado pode-se trabalhar numa perspectiva transdisciplinar. Nesse local, trabalhei com clínica
individual de crianças, adolescentes e adultos, Acompanhamento Terapêutico e
Ambientoterapia. A partir dessas possibilidades de intervenção tão variadas e ao mesmo tempo
muito próximas, comecei a entender melhor como poderíamos construir essa teia (ou rede) de
atenção ao sujeito em sofrimento. Isso porque ali os sujeitos estão em algum atendimento e
temos a possibilidade de agregar uma série de outros dentro das demandas existentes de cada
situação. Ou ainda, termos como possibilidade a construção de uma clínica própria, onde todos
os saberes estejam em interlocução nessas intervenções. Minozzo (2002) pensa na questão do
psicólogo como arqueólogo, não no sentido de rememorar, construir ou fazer lembrar o passado
presente ou futuro e sim, buscando a partir de sua história, alternativas diferentes de
arqueologia. No caso, alternativas diferenciadas de tratamento, construindo redes e trabalhando
transdisciplinarmente.
Sei o quanto é difícil e árdua a discussão sobre diferentes ferramentas de entendimento
do sujeito em sofrimento, bem como utilizar essas diferentes práticas na construção dessa rede
entendimento. Todavia, proponho-me a pensar como, a partir de práticas clínicas ao longo da
formação, podemos oportunizar saúde, construindo um papel ativo da psicologia no social. O
que me faz pensar, num primeiro momento, é tentar se despir de disciplinas, e abrir-se muito
mais aos afetos que são produzidos nos encontros. Encontros que podem não ser somente com
os diferentes profissionais implicados no atendimento desse sujeito, e sim, pessoas da família,
coletivos, lugares, ferramentas de trabalho, entre outros meios que servem como “canais de
pulsação”, conforme nos apresentou Naffah Neto (1998).
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1 CLÍNICA

Nas diferentes disciplinas, tanto na Psicologia como em áreas como a Medicina, Serviço
social, Enfermagem, entre outros, estamos discutindo o sofrimento cotidiano e como os aparatos
de atendimento dessas áreas têm dado conta dessas situações. Podemos chegar na questão de
que demanda clínica estamos sendo solicitados enquanto profissionais de saúde e o que estamos
fazendo para discutir as nossas abordagens.
Quando comecei a estudar psicologia junto à academia e sentir na prática um importante
dispositivo para discussão, percebi o quanto eram intensas as diferenças que eram
problematizadas entre os saberes da própria psicologia. Como estudante iniciante, pensador e
cuidador de saúde, não me dava conta da importância dessa discussão. Entretanto, a discussão
se intensificaria num futuro não tão distante. Atualmente, não pensando em questões sobre os
diferentes paradigmas do pensamento psicológico, e sim como produzir saúde dentro de
situações tão singulares e com sujeitos que de alguma forma perderam sua vontade de pertencer
ao mundo seja por sofrimento ou exclusão, é que penso na possibilidade de discutir diferentes
formas de trabalho clínico.
Estudando, discutindo, mergulhando na experiência e sentindo-a como uma importante
ferramenta de construção desse universo de situações de sofrimento, percebi que a discussão e
conseqüentemente definição por qual paradigma do conhecimento psicológico seria mais
interessante seguir não me bastaria. A prática da Psicologia exigia cada vez mais dos meus
conhecimentos de vida. Pensei, então, que o que estava emergindo era algo novo, produzido
pelas demandas do contemporâneo e intensificado pela disciplina que é referência pensamento
dessas situações e o sofrimento conseqüente. Concordo com Naffah Neto (1998), falando sobre
o terceiro ouvido e a musicalidade na clínica que comenta que uma das dificuldades da sessão
de análise é ser sutil e paciente e se deixar afetar pela multiplicidade metamorfoseaste do
discurso do analisando, suspender a interpretação precipitada, esperar que o corpo próprio ecoe
e responda, e que os afetos emergentes dêem forma e sentido à fala interpretante.
Sendo assim, um primeiro momento de estudo e uma possível compreensão simples da
psicologia dita ampliada, ou melhor, da clínica ampliada começou a permear minhas discussões
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de trabalho e estudo. No papel de estudante, fazendo um estágio extracurricular de psicologia,


pensei na clínica ampliada como um ‘além’ do setting analítico, para algo fora dali e que isto
bastava para delinear uma nova idéia de clínica. Na época tinha pouco conhecimento do
Acompanhamento Terapêutico, da Análise Institucional e muito menos do trabalho em
ambientoterapias, para embasar meu entendimento. Quando aprofundei um pouco mais sobre as
duas primeiras, concomitante a minha implicação nos estágios de clínica, pude perceber que o
setting era importante e não precisava ser tão massacrado. Ele é importante sim, e não podemos
nos deixar pensar que sua única ampliação se dará ao adotar a rua como substitutivo do espaço,
o que seria tão unilateral como criticá-lo na sua origem. Trabalhei algum tempo nessa
perspectiva, até que em dado momento, buscando o estágio profissional em psicologia me dei
conta de que essa clínica tradicional tão criticada era extremamente necessária e, muito mais
que isso, precisava aprender essa clínica para quem sabe poder comentá-la num futuro.
Dentro desse objetivo busquei estágio num local onde pudesse mergulhar nessa
psicologia clínica tradicional e que me desse à base de estudo e experiência para poder pensar
em clínica ampliada. Foi aí que comecei a entender o sentido da “coisa”...
Que sentido era esse? Que coisa era essa chamada clínica contemporânea e essas novas
formas de subjetivação? Que sofrimento era esse que demandava de nós, simples psicólogos,
um entendimento ampliado dessas situações que aconteciam sem aviso e que mostravam que
precisávamos entender mais ainda esse cotidiano, precisávamos estudar a clínica desde Freud,
que nos aguçava a refletir sobre outros pensadores tão contraditórios e ao mesmo tempo tão
fascinantes que diziam respeito de uma clínica comum a todos e que de certa forma poderíamos
chamar de ampliada? Ainda, retomando as idéias de Naffah Neto (1998), que nos apresenta uma
importante função terapêutica da psicologia que é a sustentação afetiva do processo, pelo
acolhimento da transferência e da contratransferência e da sua elaboração afetiva/interpretativa,
e que somente através do encontro podemos produzir algo. Uma das principais questões a
serem discutidas são as ferramentas que vão ao encontro do outro. Ferramentas que nos tornam
profissionais híbridos, no sentido de poder estar exercendo inúmeras funções ao mesmo tempo,
mapeando, entendendo, tecendo e produzindo saúde daqueles que sofrem de alguma
psicopatologia ou que estão com alguma manifestação de sofrimento psíquico.
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1.1 DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO (AT)

Um edifício se comunica por meio de muitas linguagens, não somente com


o observador, mas principalmente com a própria cidade, na sua complexidade. Existe
uma comunicação dialógica entre um determinado edifício e a sensibilidade do
cidadão que elabora percursos absolutamente subjetivos e imprevisíveis. Por
Exemplo: Pode-se preferir determinadas ruas, e determinadas horas do dia, razão pela
qual se escolhe itinerários urbanos, não somente em termos e vantagens quanto à
rapidez dos movimentos, mas pelo fluxo emotivo que se libera, quando se atravessa
essas ruas e não outras. (Rolnik,1997)

Entendo como fundamental e importante a atuação do Acompanhante Terapêutico (at).4


Independentemente dos locais possíveis de trabalho, sejam eles a rua, a cidade, a clínica, o
centro comunitário, entre outros, vivemos um momento das práticas psi, o qual o profissional
tem que estar preparado para enfrentar o desconhecido, o novo, ou melhor, situações em que
algumas intervenções que normalmente pareçam comuns, tenham um significado bem
importante. Até então, trabalhar com um sujeito em sofrimento (neurótico, psicótico, entre
outros) parecia uma tarefa única e exclusiva de consultórios ou de instituições psiquiátricas.
Entretanto, o significado que pode ter para esse usuário/paciente que está nesse contexto o “ir
além de” pode ser de extrema importância para a sua vida. Conforme Cabral e Belloc (2004) o
AT é uma modalidade de clínica que se utiliza de espaços diferenciados como dispositivo
terapêutico. Sendo assim, a rua, o público, a cultura, entre outras possibilidades de subjetivação
circulam na teia de relações do acompanhado, fazendo-o protagonista de sua história. O
acompanhante, por sua vez, torna-se testemunha na construção dessa história, circulando por
essas teias do social, oportunizando novos encontros.
A prática do Acompanhamento Terapêutico (AT) originou-se de todo o movimento
antipsiquiátrico inglês, a psicoterapia democrática italiana e da psicologia institucional francesa.
Com o objetivo de buscar algumas alternativas de não hospitalização diante do sofrimento, uma
vez que percebia-se um modelo psiquiátrico cruel e selvagem, pensou-se em trabalhar com

4
No presente texto utilizarei duas siglas, que apesar de serem iguais, denotam um caráter diferente. AT, em letras
maiúsculas, para designar Acompanhamento Terapêutico, no que diz respeito à técnica do Acompanhamento; at
será usado para designar o profissional que trabalha com a técnica do Acompanhamento Terapêutico.
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pacientes entendendo todo o universo em que estão inseridos: a rua, estabelecimentos


psiquiátricos, família, cidade, entre outros.
O Acompanhamento Terapêutico, de fato, surgiu em meados da década de 70 na
Argentina. Durante muitos anos no país, diversos psicanalistas estiveram ligados aos hospitais
psiquiátricos. Sendo assim, criaram novas formas de intervenção para os agentes de saúde
mental, também chamados de auxiliares psiquiátricos e em outros lugares, atendentes
terapêuticos. Segundo Barretto (1998), as funções desses agentes de saúde foram o embrião
daquilo que mais tarde foi denominado amigo qualificado e, posteriormente, acompanhante
terapêutico. À medida que o trabalho crescia, foram sendo deixados de lado os hospitais
psiquiátricos, buscando alternativas de promoção de saúde como a rua, a casa do paciente e
outros meios que pudessem inserir o sujeito socialmente.
No Brasil, ainda conforme Barretto (1998) essa movimentação passou por Porto Alegre,
na Clínica Pinel, e principalmente chegou às comunidades terapêuticas como a Clínica Vila
Pinheiros, no Rio de Janeiro. Com o declínio e fechamento das comunidades terapêuticas no fim
da década de 70, os auxiliares psiquiátricos continuaram a ser solicitados em seu trabalho por
terapeutas e familiares que buscavam uma alternativa à internação. Trabalho esse que foi
solidificando-se sendo hoje chamados de Acompanhantes Terapêuticos.
Quanto ao setting, concordo com Rolnik (1997) situando a prática do AT quanto à
abordagem independentemente do setting utilizado:

A prática do AT pode e deve ser tão analítica quanto a clínica de consultório e,


mais, que a função analítica pode e deve ser exercida nos mais vaiados contextos –
nos consultórios, mas também nas instituições públicas e privadas ou mesmo na ruas;
com neuróticos, mas também com psicóticos, ou com sofrimentos psíquicos não
classificáveis nas nosografias disponíveis; com ricos, mas também com médios,
pobres ou miseráveis. O que vária são as cartografias teóricas e técnicas a serem
traçadas em função de cada contexto problemático no qual se está envolvido. A ética
com a prática analítica implica um compromisso com os movimentos que a vida faz
na tentativa de encontrar vias de afirmação criadora, o que é incompatível com uma
adesão não problematizada q qualquer teoria, técnica ou instituição. (p. 94)

Pensar em sair dos consultórios, ainda conforme Rolnik (1997) não garante em nada uma
sensibilidade ao fora como nascente de linhas de tempo e, menos ainda, uma capacidade de
acolher a dor da desestabilização que o surgimento de tais linhas provoca. Sendo assim,
17

podemos pensar que o que caracteriza o acompanhamento não é somente a utilização de outro
espaço como setting e sim, possibilitar estabelecer sentidos outros em relação ao acompanhado
que está sofrendo.
Barretto (1998) pensa num estreito limite entre o trabalho e lazer. Penso eu, nesse
mesmo limite ampliado, entre o social e a saúde na vida do sujeito. Num trabalho como
acompanhante terapêutico, as fronteiras parecem quase inexistentes, o que pode causar para
aqueles acompanhantes menos preparados uma sensação de angústia quando se deparam com o
prazer de estar fora, num espaço diferenciado, e a angústia por não se sentir ajudando o sujeito
que sofre. Análise de implicação? Sim, pois enquanto profissionais da psicologia ou pessoas
ditas comuns podemos pensar nos nossos diversos sentimentos contratransferênciais ou
transferênciais diante da tarefa analítica, mesmo sendo numa outra possibilidade de clínica.
O Acompanhamento Terapêutico está indicado, segundo Berger et.al.(1991) para sujeito
que de certa forma perderam a possibilidade de encadear seu mundo ao mundo, que sofreram
um desconhecimento da realidade social. Aquele sujeito que foi retirado e muito mais do que se
retiraram do circuito social, ou porque se imobilizavam em mínimas circunscrições fechadas,
porque voavam em velocidades excessivas na tentativa de apartamento em uma realidade vivida
como insuportável ou, ainda tentaram experimentar um funcionamento tão insólito que foram
sistematicamente isolados ou excluídos. Sujeitos que não puderam mais, em determinados
momentos, exprimir suas vontades, desejos, ou que não têm mais poder sobre si mesmos. Sendo
assim, uma importante função do at seria o resgate dessa autonomia perdida diante do
adoecimento psíquico em um determinado laço social.
Através do at, o sair (de casa, do hospital, no espaço comunitário, escola) será construído
micropoliticamente, em locais onde o sujeito possa resgatar minimamente sua história de vida,
autonomia ou que se possa, diante do novo, vir a produzir saúde diante de determinada situação.
Podemos pensar em situações que resgatem somente a rua e o que ela tem a oferecer.
Entretanto, também podemos pensar em trabalhar com esses sujeitos numa tentativa de criar
condições para o exercício de uma autonomia perdida no próprio espaço onde o sujeito possa
estar ou vir a ser inserido. Devemos ter o cuidado, para tal, de que esse sujeito não se adapte ao
espaço e sim que produza novos sentidos para além desse próprio espaço. Ampliar a clínica?
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Sim, visando produzir efeitos de sujeito e, portanto, condições de saúde psíquica e social,
trabalhando na construção de redes de entendimento.
A cidade, conforme Cabral e Belloc (2004), é tão protagonista quanto o acompanhado. O
at é um sujeito que facilitará o processo de construção de espaços de produção subjetiva,
fazendo das cenas do cotidiano elementos fundamentais na produção de saúde. Portanto,
construindo a ponte que enlaça o sujeito com o social.

1.2 DA AMBIENTOTERAPIA

Podemos entender a intervenção em Ambientoterapia como uma forma de atendimento


clínico, onde as relações com o meio se reproduzem no setting ambientoterápico. Os pacientes
organizam-se em grupo, em períodos de atividades distintos, que envolvem trabalhos na área de
psicopedagogia, fonoaudiologia, grupos operativos, assembléias, arteterapia, entre outros. Os
sujeitos que freqüentam o atendimento possuem algum sofrimento psíquico que justifique um
trabalho de quantidade e qualidade específico para as suas questões singulares, ou indicação
para esse atendimento em função de dificuldades no ambiente que estão inseridos.
Entendo que no setting ambientoterápico reproduz-se as relações vinculares patológicas
com a família. Aproximando o sujeito do meio externo, possibilitamos com isso a
ressignificação dos afetos, produzindo múltiplos sentidos ou sentidos diferentes daqueles que o
sujeito obteve nas suas relações objetais primárias. Ou seja, podemos favorecer o surgimento de
novos acontecimentos na vida do sujeito, que ressignificarão o antes vivido. Esse espaço pode
estar inserido tanto em hospitais gerais, por exemplo, como em clínicas especializadas e
exclusivas para essa forma de intervenção. Algumas escolas, hospitais, clínicas psicoterápicas
trabalham com essa possibilidade de atendimento.
Enquanto terapeutas, nas intervenções em Ambientoterapia, experimentamos diversos
papéis. Desde funções primárias, que podem ter sido deficitárias na vida do sujeito, como
importantes funções que adquirimos através dessa teia de relações sociais que são estabelecidas
no trabalho em grupo. Como profissional de psicologia no local, a relação com a equipe é
19

dialética, existindo troca de informações e teorias e trabalhando sempre numa proposta


transdisciplinar.
É importante termos a dimensão de poder dar um apoio tanto físico quanto psíquico ao
sujeito em atendimento (não somente na ambientoterapia, como no espaço clínico, por
exemplo). Winnicott (apud Barretto, 1998) entende que a função denominada holding
(sustentação) é tudo que no ambiente, fornecerá a uma pessoa a experiência de uma
continuidade, de uma constância tanto física quanto psíquica. Sendo assim, a mãe que segura
um filho, por exemplo, dispensa a ele outros cuidados que estarão, através da função ambiental
do holding, possibilitando que o sujeito adquira alguma integração.
Barretto (1998) ainda nos fala de uma outra importante função no trabalho, a
continência. Seria a capacidade do terapeuta (at, entre outros) de transformar, através da
imaginação, as experiências de um sujeito de modo que não se tornem disruptivas, ou seja, que
não façam o horror de uma experiência se transformar no próprio horror, ou de um impulso
fazer com que o paciente seja o próprio impulso.
Mesmo sendo um atendimento diferenciado em grupo, com um roteiro de atividades pré-
estruturado e específico, podemos trabalhar questões referentes à demanda clínica individual da
criança que está dentro do setting ambientoterápico. Reproduzem-se cenas do cotidiano dessa
criança e sua possível inter-relação com aquilo que produz sofrimento e aquilo que ela tem
como experiência. O caráter transdisciplinar toma forma quando estamos nos atendimentos e
somos tomados por uma sensação de ser mais um profissional de saúde preocupado na
ressignificação dos afetos. Percebemos assim, que outros profissionais de outras áreas também
exercem o papel, fazendo das discussões o ponto fundamental na construção dessa nova
tecnologia de pensar saúde.
Os momentos são organizados através das reuniões de equipe e discussão das possíveis
possibilidades de atividades a serem trabalhadas. Apesar de um tempo de atividades em grupo
pré-definido, não é o tempo físico que restringirá os movimentos dos participantes. Sendo
assim, constantemente acontecem situações que são intensas. É um espaço de escuta e produção
de subjetividades, onde as situações podem emergir sem previsão e sem os saberes que protejam
cada profissional implicado no trabalho.
20

1.3 RECORTES

1.3.1 Situação 1

Um dos locais em que trabalhei foi um Centro Comunitário localizado na Zona Norte de
Porto Alegre, local bastante violento e que atende a população em situação de vulnerabilidade
social da região. Tem diversos serviços a dispor de seus usuários, mantidos por parcerias e pelo
governo estadual. Serviço de Atendimento Sócio-Educativo (SASE) e o Programa de Atenção à
Terceira Idade (PATI) são alguns exemplos de atividades oportunizados pelo espaço.
O nome fictício do usuário é José, 11 anos, uma criança fisicamente saudável, que
freqüentava o espaço por ser um dos filhos mais novos de uma família de difícil acesso5. O
menino freqüentava o SASE do local, ou seja, Serviço de Atendimento Sócio Educativo, em
horário inverso ao da escola. Veio encaminhado pelo conselho tutelar, onde constava no seu
encaminhamento questões referentes à maus tratos e negligência por parte de sua família,
fazendo com que permanecesse maior parte de seu tempo na rua sem referências e cuidados
básicos. Freqüentando o serviço, José era um menino que durante as atividades propostas em
sala de aula pelas “educadoras referência” 6, fazia alguns tumultos como também agredia e não
permanecia em atividades, parecendo desobedecer em todas as horas e não respeitando os
limites. Também, agredia e mantinha um sistema, o qual por ser maior perante os outros e um
dos mais “malandros” do SASE, era respeitado (produzindo medo nas demais crianças)
funcionando como uma espécie de líder. No espaço, freqüentava atendimento psicológico,
estava sempre presente. Diante da possibilidade de desligamento das atividades do programa

5
Entendo família de difícil acesso aquele sistema em que os responsáveis implicam-se minimamente com os
cuidados de seus filhos. No caso, a família de José era difícil por questões sociais e culturais, em que simplesmente
um chamado para conversar sobre o sofrimento da criança era ignorado e dado como total responsabilidade dos
profissionais implicados no cuidado da organização.
6
Nos serviços de saúde e educação como SASE (Serviço de Atendimento Sócio-Educativo), entendemos por
referência aquele educador que trabalha com uma turma de crianças específica. Por exemplo, na faixa etária dos 7-8
anos.
21

SASE, foi proposto pela equipe de psicologia um trabalho com o objetivo de acompanhá-lo
durante as atividades.
Foram momentos difíceis da organização. Mudança de gestores, dificuldades de
comunicação entre os setores do centro e diversidades metodológicas entre os membros da
equipe faziam com que a palavra, importante meio de articulação teórico-prática, fosse
esquecida. Discussões entre os profissionais que trabalhavam nos serviços quase não existiam,
tornando-se lugares onde a troca entre os saberes fosse inexistente. Entretanto, a proposta do
trabalho em Acompanhamento Terapêutico foi um importante dispositivo, provocando rupturas
entre a cristalização das questões institucionais.
Os conflitos existiam em todos os momentos. Eram na ordem dos profissionais que
trabalhavam no Vida, entre os colegas que participavam da nova gestão e educadores que
trabalhavam aproximadamente quarenta horas semanais com as crianças do SASE. As relações
de poder sobrepunham-se umas às outras, anulando o trabalho em rede.
Começa a trajetória do acompanhante e de seu acompanhado pelo espaço. Espaço que,
apesar de ser uma organização com normas e regras, era um dos locais de maior permanência da
criança durante o seu dia. A idéia de trabalhar com essa abordagem terapêutica veio da
necessidade de poder perceber mais a sua realidade e de poder entender o porquê do menino
estar com dificuldades de inserção no espaço. Também, entender se existia a questão do jogo de
forças políticas em todo o processo excludente. Questionamentos sobre as suas atitude eram
feitos: “Será que é tão ruim? Ou será que falta um pouco de atenção?”. A luta por
reconhecimento no espaço era assídua, onde os educadores disputavam entre si as possibilidades
de punição daqueles que não seguissem as normas e regras da organização.
No trabalho como at não pensava em adaptá-lo, pois contraria totalmente a perspectiva
de inclusão. Propusemos, então, para a equipe de profissionais do Vida Centro Humanístico
acompanhá-lo três vezes por semana num período de tempo de uma hora e quinze minutos,
produzindo a ruptura desse processo. Dessa forma, podíamos ter a percepção de como estava a
sua relação com o local, facilitando a inclusão em atividades às quais muitos dos educadores já
pensavam em expulsá-lo, por dificuldades em trabalhar com o educando. Esse incluir fazia parte
22

de uma estratégia de tornar o espaço mais atrativo e que demandasse sua participação ativam,
tendo um papel ativo no processo.
José não tinha nenhum diagnóstico médico, psiquiátrico ou psicológico definido
previamente. Existiam algumas hipóteses, mas naquele momento percebíamos que sua conduta
em diferentes atividades parecia ser sempre a mesma: agressões físicas aos colegas e
educadores, dificuldades em respeitar os limites, entre outros. Como estava em atendimento
psicológico, pensamos que poderíamos fazer um trabalho diferenciado com ele, de modo a
trabalhar algumas questões dessa atenção e limites que pareciam faltar.
Como acompanhante iniciei observando-o em algumas atividades e ficando com seus
cuidados quando era “suspenso” de outras. Pude perceber que além de questões que diziam
respeito ao sofrimento enfrentado pela criança em função de sua desestrutura familiar, também
faltava para ele algumas figuras de referência, que só afastavam-se diante de alguma situação
que os desagradava. Precisava de certa forma, ter ao mesmo tempo holding e continência para a
emersão em seus afetos. Pensando sobre isso, é importante termos a dimensão de poder dar um
apoio tanto físico quanto psíquico ao sujeito. Winnicott (apud Barretto 1998) entende que essa
função denominada holding (sustentação) é tudo que no ambiente, fornecerá a uma pessoa a
experiência de uma continuidade, de uma constância tanto física quanto psíquica. A mãe que
segura um filho, por exemplo, dispensa a ele outros cuidados que estarão, através da função
ambiental do holding, possibilitando que se adquira alguma integração. Sendo assim, podemos
entender a questão do holding, através da presença do at nos momentos em que José, depois de
passar por algumas situações que o deixaram com receio em relação às atividades, sabendo que
foi acolhido pelo acompanhante, sente-se amparado novamente para freqüentar as atividades
propostas e que em certo momento provocaram certa angústia.
Trabalhei durante alguns meses com a criança. Passei por algumas situações em que
tinha que oportunizar uma escuta trabalhar limites, brincar e de certa forma educar. Fui em
outras pai, mãe e educador. Tentei valorizar aquilo que nele parecia muito saudável, sua
liderança, inteligência e capacidade de argumentação, com o intuito de poder compreender que
poderia utilizar suas habilidades para ajudar aqueles que tanto se incomodavam com a sua
23

presença, estabelecendo algumas redes de significado. Concordo com Naffah Neto (1998)
quando nos coloca sua posição quanto à terapêutica analítica:

A terapêutica psicanalítica consiste fundamentalmente num processo de


favorecer ao sujeito a criação/ampliação de um Envergadura Interior, capaz de
acolher, digerir e transmutar os afetos/interpretações para os quais ele, normalmente,
não dispõe de enzimas analíticas... Nessa ótica, é possível dizer que a função maior do
analista é a sustentação afetiva do processo, pelo acolhimento da transferência e da
contratransferência e da sua elaboração afetiva/interpretativa. (p. 61)

Durante seu atendimento como at no centro comunitário, passei por situações em que
fui questionado inúmeras vezes quanto à eficácia do atendimento tanto psicológico quanto como
acompanhante terapêutico. Porém, aos poucos fomos pensando em espaços que oportunizassem
a inserção dele enquanto sujeito desejante e com potência para desenvolver aquilo que podia ser
seu diferencial em diversas situações. O término do atendimento ocorreu pelo fato da sua
família ter mudado de endereço, fazendo com que deixasse o espaço e buscasse outros
atendimentos em lugares mais próximos de sua casa. Como at não pude sair do espaço, pois a
proposta era de que pudesse trabalhar com ele dentro do local. Perante a organização, como era
estagiário da fundação que dirigia o centro comunitário, não poderia seguir atendendo em outros
lugares da região metropolitana, onde José havia se mudado.
Todavia, entendo que a potência buscada tanto em equipe quanto para o profissional
implicado no atendimento de José foi fundamental para sua permanência no local. Desde o
aparecimento dos “sintomas”, até o início do atendimento foram meses de constituição de
vínculo, acolhimento, holding e a continência para a família e seu filho. Tivemos que discutir,
inúmeras vezes, que atravessamentos culturais e parentais faziam com que o menino estivesse
tão incomodado. Demo-nos conta de que, muitas vezes, repetíamos sua vida na rua dentro do
centro comunitário, uma vez que fazíamos todo o processo de exclusão social dentro de um
local que trabalha com a inclusão. Entendemos, não sem dificuldades, que precisávamos chegar
aos nós dessa teia, construindo uma rede dentro do local e amarrando esses fios desde o dentro e
o fora, isto é, ampliando o trabalho desta instituição em rede com outros setores (intersetoriais).

1.3.2 Situação 2
24

A partir da experiência de estágio em uma clínica privada, analisa-se agora um


atendimento grupal, no qual estavam presentes duas crianças, de nomes fictícios: Maicon e
Gustavo. Breno, sempre chega em horários após o início das atividades. Maicon e Gustavo,
sempre brincam de “Power Rangers”, onde trazem bonecos e ou utilizam brinquedos da caixa.
Na configuração da brincadeira, os bonecos dos personagens do filme são o bem, que enfrentam
os terapeutas do mal.
No momento em que Breno chegou, Gustavo estava construindo a casa de seus
personagens, utilizando uma casinha terapêutica que existe na sala. Breno é uma criança que
sempre que está na ambiento, utiliza a mesma casa como recurso para sua brincadeira. Quando
este último chegou, Maicon estava de outro lado da sala construindo sua própria casa para
abrigar seus personagens. Breno, vendo que Gustavo brincava com a casa, foi tentar participar
daquele momento de seu próprio jeito, único, o que produziu uma disputa pela casa, pois
naquele instante os dois precisavam dela para a sua estruturação, de modo que pudessem abrigar
todo o seu conteúdo subjetivo.
Iniciaram um duelo, o qual na perspectiva do brincar terapêutico não teriam vencedores
na batalha entre o bem e mal, e sim, um pedido de que algum ego mais estruturado pudesse
acolher o sofrimento enfrentado naquele período de desintegração, de desmantelamento de suas
casas. Naquele instante, pensamos rapidamente que Maicon, por estar naquele momento
tentando se organizar diante da situação de sofrimento vivenciada pelos seus dois amigos, de
certa forma e de seu jeito pudesse organizar-se sozinho. Ele consegue fazer isso geralmente.
Éramos somente dois, para três crianças que estavam naquele mesmo espaço, sendo que duas
estavam muito desorganizadas e passando por um sofrimento muito grande diante da situação
de desmanche de seu abrigo e o que ele representava no brincar. Pensamos que podíamos nos
dividir assumindo a função de egos auxiliares para dar continência e fazer o “Holding” daquela
situação desesperadora e de angústia intensa que enfrentavam os dois meninos, pois não
conseguiam brincar juntos.
Foi assim, que os terapeutas, utilizando o recurso da co-terapia, agiram e de certa forma
agem acolhendo Gustavo em seu sofrimento intenso. A partir dali dei “colo” e oportunizei um
25

momento onde pudesse vir à tona algumas questões que estavam ali no grupo e até então
estavam escondidas: dificuldades de sair daquilo que somente ele propunha, não aceitação de
alguns limites, extrema dificuldades de deixar o outro entrar em sua brincadeira, fantasias em
torno do tema da antecipação frente ao desconhecido, percepção de que podia destruir o outro,
entre outras situações. Breno foi acolhido no seu sofrimento pela outra terapeuta que ali estava,
que também serviu como seu ego naquele momento de desestruturação psíquica.
Entendo, através dessa vinheta, que os vários pontos trabalhados dão a dimensão da
importância do trabalho terapêutico dentro de uma Ambientoterapia. No espaço, os vínculos
aparecem de fato e podemos intervir neles. Uma das mais importantes tarefas do terapeuta no
setting ambientoterápico é o acolhimento do sofrimento, assumindo alguns papéis que de certa
forma faltaram na vida do sujeito. No momento de desintegração psíquica, podemos trabalhar
com questões bem pertinentes ao momento enfrentado e que falavam de alguns afetos e desejos.
Desejos esses que podiam ser desde destruição até um sentimento em relação à entrada de outro.
Também, uma questão referente à comunicação de não poder compartilhar o brinquedo.
Segundo Naffah Neto (1998):

O ódio, um dos afetos considerados dos mais primitivos, forma-se como um


mecanismo de defesa contra a dor. Mediante uma dor que nos imobiliza, que nos põe
impotentes, o ódio constitui, por assim dizer, a forma imaginária de escapar da
posição passiva, para uma posição ativa. Pelo ódio, pomo-nos de novo em pé,
inventamos culpados para os nossos infortúnios e nos pomos a odiá-los; imaginamos,
assim, que a vingança nos dará lenitivo para a dor. E nos alienamos das formas do
ressentimento permanecendo prisioneiros do objeto odiado, bem como do afeto
interpretante, perpetuado e reiterado. (p. 48)

Acolher a dor, ainda conforme Naffah Neto (1998) seria poder abrir espaço para ela e
tornar-se capaz de tolerá-la, sem precisar projetá-la, encobri-la, transformando-a em outro afeto.
Elaboração e transformação seria o passo seguinte. Essa capacidade de ressignificação,
conforme Nietszche in Naffah Neto, seria o que chamou de envergadura interior, ou seja, a
capacidade de acolhimento às intensidades do mundo. Também, como terapeuta em
ambientoterapia, pude perceber que o holding, ou seja, o acolhimento de seu sofrimento, pode
fazer com que expressasse seu desejo e sua raiva de modo que pudesse reorganizar aquilo que
estava sentindo de modo que desse novos sentidos àquilo. Apesar de uma desorganização
26

psíquica na situação, entendendo que o que estava sentido poderia ter um diferente significado
se sentisse mais integrado a partir da experiência do holding. E essa é uma das principais
diferenças da ambientoterapia para os atendimentos individuais, pois existe a possibilidade de
estabelecer relações e ressignificá-las.

1.3.3 Situação 3

Pensei como terceiro exemplo clínico, uma outra segunda-feira que estavam todas as
crianças no setting Ambientoterápico. Gabriel é uma criança de 7 anos, indicada para
atendimento em ambientoterapia por enfrentar situações de falta de limites, desrespeitando
escola, amigos, seus próprios responsáveis, em que a mãe estabelece um jogo em que ele
pertence somente a ela, não deixando que o “terceiro” entre na relação. O menino vinha sendo
atendido há meses quando a família interrompeu o tratamento, retornando em seguida e
posteriormente atrasando-se para trazê-lo às atividades.
A família desorganizava-se quanto aos benefícios do tratamento e o tirava, alegando
dificuldades diversas.
Era o primeiro dia de sua volta ao atendimento após um mês de ausência. As demais
crianças, Breno, Maicon e Gustavo brincavam e Gabriel estava sentindo-se de certa forma
tímido, em vincular-se com os demais apesar de conhecê-los. Quando tentavam fazê-lo
participar de seu brinquedo, sentia-se resistente, riscando os desenhos dos demais e entrando em
luta para defender-se desse novo em muitos momentos assustador, aterrorizante. Quando
conversava com o terapeuta, falava que no dia anterior tinha ficado até tarde acordado, vendo o
filme da “boneca assassina”. Questionei-o, com o objetivo de saber no que consistia o filme,
pois uma outra riqueza do trabalho de ambientoterapia é poder experimentar afundo a vivência
infantil e conhecer muito do universo das crianças. Perguntei algumas coisas para ele. Dizia que
no filme a boneca cometia assassinatos, pegava facas e cortava pescoços e que tinha uma parte
em que amarrava suas vítimas, provavelmente me falando algo de seus sentimentos e fantasias
em relação a sua agressividade. Foi quando vendo um barbante em cima do armário, resolveu
que iria amarrar o terapeuta... Estava quase no término da atividade que sucedia o lanche, e
27

haveria a troca de terapeutas nesse horário, mas mesmo assim cedi meu corpo para que ele
pudesse expressar o seu desejo de “matar o terapeuta” naquele momento, percebendo que eu
deveria sobreviver ao seu ataque, de modo que entenderia que não é tão destrutivo assim (o
assunto já tinha sido trabalhado em reunião com a equipe). Permiti que me amarrasse, e fui
percebendo um gozo naquela situação de prender, no mesmo instante em que pode se aproximar
das demais crianças que estavam presentes na sala. Quando se percebeu estavam três, das quatro
existentes em sala, amarrando o terapeuta e dizendo que eu era o prisioneiro. Além da inversão
de papéis que pode ser realizada ao primeiro exemplo, pois configuravam somente o bem,
naquele instante puderam perceber e entender que o mal, através do lúdico, não necessariamente
é tão mal assim, experimentando aquilo que na fantasia deles era o desejo de ser o próprio
terapeuta naquela hora, amarrando seu paciente em alguma atividade específica. Também
podemos trabalhar com a questão do grupo, uma vez que cedi meu corpo dando o holding
quando o acolhi e ressignifiquei sua timidez de entrosamento com os outros amigos de
ambiento. Ao mesmo tempo a continência para trabalhar com a sua imaginação e, de repente,
fazer com que o horror daquilo presenciado no filme na noite anterior pudesse não ter o formato
do horror em si e sim algo que pode ser trabalhado. Pude, também, dar certo limite em relação
ao término de atividade, pois na hora em que estava saindo pude dizer para as crianças que
estava indo embora e precisava ser desamarrado. O que não gerou nenhuma resistência diante
do fato de ter que encerrar aquele momento ali, pois eu conseguira sobreviver aos ataques.
Entendo que nos dois exemplos acima trabalhamos com duas funções muito importantes
do trabalho ambientoterápico: o holding e a continência. Apesar de parecidas, são diferentes
quanto aos significados que tomam diante da experiência do sujeito. Num primeiro momento
dou o “colo” com o objetivo de que eles possam estruturar-se para explorar esse meio. No
segundo, pode experimentar a vivência de uma experiência assustadora, por exemplo, tomando
ela com um significado diferente diante do que ocorreu. Sendo assim, oportunizando que a
dança multicolorida de afetos, conforme disse Naffah Neto (1998), possa ser experimentada
tanto por sujeito potente quanto por terapeuta, cada um em sintonia.
28

2. O QUE É CLÍNICA AMPLIADA? ALGUMAS IDÉIAS SOBRE COMPLEXIDADE,


TRANSDISCIPLINARIDADE E REDE

Pode-se avançar pensando a dita Clínica Ampliada a partir de um trecho de Melman


(2003) que fala na questão das demandas nomeadas de Novas Economias Psíquicas. Algumas
regularidades a partir desse entendimento são apresentadas. Uma delas é que cada vez mais as
demandas de saúde mental têm se apresentado com uma urgência de soluções e que as
medicações produzam um abster-se da palavra, como a única possibilidade encontrada para
acalmar a angústia, desejo e sofrimento, por exemplo. Essas situações são cada vez mais
comuns e apagam a necessidade de resgate da história singular de cada sujeito dentro de seu
universo único e tão potente. Na urgência desse alívio do sofrimento, teríamos mais saúde se
tivéssemos tempo para construir, refletir, buscar um testemunho e, principalmente, elaborar uma
posição subjetiva frente a diferentes desafios do contemporâneo.
A escuta, fala, linguagem, por mais que seja através dos afetos, é uma tarefa árdua,
difícil, talvez desgastante. Pensar a psicologia, ou melhor, discutir a clínica ampliada levará a
um aprofundamento dessas palavras tão únicas e importantes para a saúde. Como podemos
pensar em não escutar esse cotidiano repleto de situações e interlocuções com a vida de cada um
de nós? Como pensar em não escutar esse sujeito na sua história singular, atravessada por
peculiaridades e pensar que não é importante reviver algumas situações para poder ressignificá-
las?
O que estamos pensando, contudo, é onde queremos chegar discutindo a questão da
Clínica Ampliada. Como falei anteriormente, faz bons anos que estamos discutindo se seria um
conceito, um dispositivo, uma estratégia, uma tecnologia, um modo de fazer clínica, uma
complexidade de relações, entre outros. Chego naquilo que também entende Cunha (2005), de
que clínica ampliada é uma teia de forças que, de certa forma, nos constitui enquanto sujeitos,
como protagonistas. Sendo assim, conforme o autor, pensar a clínica não é mapear estruturas
em cada sujeito (aquilo que chama de fios), e sim, poder tecer costuras, onde não existiriam
questões entre os paradigmas do conhecimento, estando todos implicados na produção de saúde.
Entramos então na questão do transdisciplinar, a produção daquilo que está por vir, do
29

surgimento de um saber desprendido de disciplinas implicado único e exclusivamente com o


alívio de angústias e produção de saúde, tendo o sujeito um papel protagonista de sua história e
de seus movimentos à posteriori. Penso como Passos e Benevides (2000) que entendem que o
transdisciplinar deve se afastar de uma nova técnica ou mesmo um modismo, pensando o campo
da clínica naquilo que existe de potência criadora, recriando e criando possibilidades em todos
os momentos. Trata-se de uma discussão difícil, pois tanto na Psicologia quanto outras áreas do
saber correm o risco da institucionalização dos saberes (uma vez que pensamos em novas
possibilidades de trabalho).
Agora podemos iniciar o pensamento complexo que envolve a questão da Clínica
Ampliada. Então seria pela composição de algumas práticas, tendo uma consciência crítica do
processo e da terapêutica clínica, junto a um processo de discussão da transdisciplinaridade,
acrescido das noções de rede de entendimento. Interessante e difícil. Como agregar tudo em um
só pensamento mantendo as diferenças? E mais, como pensar isso permeado pela prática?
Ainda conforme Passos e Benevides (2000) penso ser interessante pensar mais sobre
algumas questões em especial. Uma delas seria a idéia de que o transdisciplinar estaria
intimamente ligado ao reequacionamento de da relação sujeito-objeto e o redirecionamento da
relação da teoria e prática. Sendo assim, produzindo rupturas na relação de identidade/unidade
das disciplinas do saber científico. As noções de campo começam a tomar um novo rumo, uma
vez que se balançam os limites entre as ontologias de saber. Também, as noções de sujeito e
objeto não são mais realidades previamente dadas, e sim uma construção imaginária decorrente
do laço social.
Diferentemente do que ocorre na questão da multidisciplinaridade, onde as disciplinas
com o conhecimento prévio tentarão dar conta do objeto proporcionando múltiplos olhares
facetados e fechados no seu problema, ou ainda na interdisciplinaridade, que preservaria as
disciplinas e tentariam uma intersecção entre elas, penso o “trans” aquilo que seria a construção
da união dessas disciplinas, entendendo na prática, que o Psicólogo também pode assumir
outros papéis na construção de um novo, como outros profissionais também podem se afetar
com diferentes saberes, visando um processo de desconstrução e em seguida a produção de algo
único e tão completo.
30

Entender o tema da complexidade, seguindo um caminho de rupturas à priori, podemos


entender que o que movimenta a constituição das disciplinas do saber científico é a sua
predisposição de uma relação sujeito-objeto. Quando trabalhamos, partimos de um pressuposto
de que aquela pessoa que sofre tem algo a dizer sobre o que a faz sofrer. Paralelo a isso, somos
os especialistas no seu sofrimento e temos algum entendimento sobre aquilo que a faz sofrer.
Seria fácil, então, pensar em sua terapêutica ou o tipo de trabalho que poderemos desenvolver
com ela, uma vez que temos um conhecimento prévio, detemos um saber e somos especialistas
na questão da etiologia de seu sofrimento.
Todavia, quero poder pensar na transição entre esses encontros, naquilo que se produz a
partir deles (ressignificação de afetos, de instituições cristalizadas, entre outros) e que será
importante numa construção que envolve muito mais a relação entre os sujeitos, do que uma
díade de conceitos previamente articulados entre o sujeito/objeto. Passos e Benevides (2000)
nos apresentam de forma clara e importante a noção de conceitos operadores, ou seja, aquilo
que está envolvido com a realidade. Porém, ampliando essa perspectiva para a idéia de
conceitos-ferramenta, poderemos entendê-lo como pensamentos que estão impregnados de
consciência crítica, borbulhando em idéias. Funcionam muito mais como dispositivos
desestabilizadores produtores de crise, rupturas. Sendo assim, surge uma outra noção importante
que é a de intercessor. Pensando na situação um, de José, a proposta de AT - diante de todos os
movimentos institucionais por que passava a organização - serviu como intercessor de uma
proposta de ruptura diante do que estava instituído. A questão da exclusão, os movimentos
cristalizados, as relações de poder eram agenciamentos que naquele momento produziam
sofrimento tanto para a equipe quanto os usuários dos serviços de saúde. Era importante, então,
que se produzisse essa ruptura.
Passos e Benevides (2000) entendem que o intercessor seria algo desestabilizador, que
provoca perturbação. Não se baseia na troca de conteúdos e sim, num movimento de diferir do
outro para provocar a própria diferença. Também, de que deve ser entendido dentro de
operações, através do contágio, do cruzamento, da desestabilização. Dentro daquilo que
estamos pensando, a clínica, seria um movimento de ruptura, onde podemos romper o instituído
e buscar algo que ainda está por vir (devir). Tomando, assim, um caráter de forças que nos
31

constituem enquanto sujeitos do encontro. O analista7 estaria implicado na criação de novos


intercessores, sendo ele mesmo um intercessor. A partir de sua implicação poderia sim ser um
intercessor nessa rede de conceitos-operadores. Entretanto, diante desse movimento de
intercessão e produção do novo, entendo como importante uma outra noção de construção do
devir, que sem dúvidas estará intimamente relacionada, que é a noção de rede. Podemos, então,
relacionar com a questão de que os intercessores produzem diferença, ruptura. No caso de José,
ele era o próprio intercessor de uma situação organizacional que não o reconhecia enquanto
sujeito potente. A sua diferença, antes da proposta de AT, eram seus mecanismos de
desestabilização às normas e regras do espaço, ou seja, uma tentativa de reconhecimento. O at
foi um movimento híbrido de encontro, os quais at e acompanhado trocaram experiências rumo
ao novo. Como terapeuta, pude perceber que meu papel era possibilitar a abertura de brechas,
possibilitando novas escolhas, onde ele próprio decidiria aquilo que é saudável ou não. A rede
seria o encontro do sujeito com suas escolhas, ou ainda, facilitado pelo terapeuta (at) que
ajudaria o menino a tecer os nós dessas relações que poderia estabelecer através do processo de
intercessão.
Problematizando a noção de rede, é interessante introduzir a noção de Rizoma, conforme
Deleuze e Guatarri (in Kirst 2003), que abarca a noção do heterogêneo, do múltiplo, uma
estética na qual os dados não ocupam lugares fixos, mas são mobilizados a cada leitura,
efetuando uma quebra de relações causais fixas. De acordo com os autores:

[...] um rizoma não cessaria de conectar cadeias semióticas, ocorrências que


remetem às artes, às ciências, às lutas sociais. Uma cadeia semiótica é como um
tubérculo que acumula traços muito diversos, lingüísticos, mas também perceptivos,
mímicos, gestuais, cogitativos [...] (p. 16)

Sendo assim, o movimento terapêutico citado nas situações “dois” e “três” de possibilitar
a erupção das vontades e dos desejos infantis e, conseqüentemente, a ressignificação desses
afetos, dando um novo sentido às situações que acontecem, funcionariam como o tubérculo
citado acima, onde diversos são os movimentos. Entretanto, as vias de entendimento das

7
Conforme Passos e Benevides (2000) o emprego do termo analista é justamente o de uma posição crítica de se
colocar em análise os diferentes meios que se apresentam na situação de uma intervenção. Muito mais do que
buscar a origem do termo analista, é pensar na clínica de um viés crítico.
32

situações tomam caminhos que circulam desde a “luta” (onde as duas crianças disputavam a
casa) entre corpos até o “ceder” (quando permiti que Gustavo me amarrasse) para facilitar o
processo de entendimento dos limites heterogêneos entre os demais sujeitos dentro de um
mesmo espaço.
Kirst (2003) falando ainda sobre o conceito de rizoma para a Psicologia Social, o
entende empregado na leitura da imagem dessa idéia psicológica, reportando às múltiplas
formas de encontrar espaço de expressão no exercício da visualização. Pensando em José, seria
aquilo que apresentava como suas características no centro comunitário, como sua falta de
limites, seu papel de líder perante os demais, que denotavam um caráter de conflito junto aos
outros e que eram a sua marca de reconhecimento. Relacionar com recortes No seu
entendimento, as expressões encontradas em cada depoimento que uma imagem pode propiciar
(aí eu estendo a reflexão acerca da imagem, para a questão da plasticidade na clínica), podem
ser pensados muito mais como segmentos, articulações, espaços de auto-suposição, reflexão ou
ainda territórios cartografados pelo olhar. Clínica Ampliada, de acordo com a citação anterior,
vai em um sentido de pensar em cada articulação dessa cadeia rizomática, em alguns momentos
utilizados por imagens, em outros por situações singulares, todas articuladas entre si,
atravessadas por questões interligadas, como se estivessem numa rede.
Kastrup (2003) entende que o único elemento constitutivo dessa rede de intercessores
seria o nó. O principal elemento constitutivo. Não interessa, ainda conforme a autora, quais
seriam as suas dimensões, pois a sua forma não é o determinante, seus limites externos muito
menos. As suas conexões, os seus pontos de convergência, suas bifurcações entendida com base
na lógica das conexões e não como superfície. Penso, a partir da reflexão, no próprio sentido da
questão da transdisciplinaridade, que se despe de superfícies (disciplinas) e entende uma clínica
muito mais baseada nas relações que são produzidas a partir de encontros. Poderíamos pensar,
ainda na situação “um” nos nós da rede que constituíam José. Nós como sua estruturação
familiar, suas condições sócio-econômicas e que diante dessa lógica tenderia a estar em total
desamparo em termos de saúde. No entanto, seu esforço de freqüentar às atividades de esporte,
lazer e educação no centro comunitário denotavam toda a sua vontade de potência, baseado no
33

estabelecimentos de bifurcações que produziriam diferença nos novos encontros com


educadores, usuários do serviço, terapeutas, entre outros.
Todavia, para um melhor entendimento do conceito de Rizoma (rede) pensado por
Deleuze e Guatarri (1980), acho interessante dar segmento em algumas idéias de Kastrup (2003)
falando sobre os autores. Segundo pensa esse autor, o rizoma seria a produção, invenção. Para
isso, é interessante pensar sobre alguns princípios8 básicos que o norteiam. O primeiro, o da
“conexão” , como o nome próprio já nos diz, seriam as conexões entre os pontos de
convergência9. A partir deles surgiriam as ramificações, como se fossem um sistema de
ligações, onde não existe ordem hierárquica ou filiação (agenciamentos).
O segundo princípio seria o da “heterogeneidade” que seriam as diferenças singulares de
cada criança dentro de um espaço de Ambientoterapia, agenciando o que existe de potência na
diferença entre os sujeitos, onde podemos pensar como método rizomático a análise da
linguagem, efetuando um descentramento sobre outras regiões e outros registros. A linguagem
seria uma das conexões que o compõe e estaria interligado em outras cadeias: a biológica,
política, econômica, heterogêneas, irredutíveis a ela. Como terceiro princípio, a
“multiplicidade”, nos coloca que o rizoma não é único, nem tem a sua totalidade unificada.
Seria composto por totalidades ou formas puras, singularidades pré-objetivas e subjetivas, onde
a sua velocidade estabelece relações, conexões, agenciamentos, formações recíprocas, formando
as linhas da rede. Pensando nesse princípio, teríamos aquilo que seria singular a cada terapeuta
em uma intervenção seja ela em Ambientoterapia, Acompanhamento Terapêutico ou Análise
Institucional. Aquilo que seria produzido do encontro é único, potente, significativo dentro do
emaranhado que compõe essa rede de afetos.
Como quarto princípio do Rizoma, podemos encontrar a “ruptura a-significante”
caracterizado pelos movimentos de criação de formas e organizações, e de fuga e
desmanchamento dessas mesmas formas. Conforme a situação “um”, uma possibilidade de
criação de um movimento de produção de saúde como proposta de inclusão, atravessada por
todo movimento de desestabilização provocado pelas instituições dentro do centro comunitário,
8
Gilles Deleuze e Felix Guattari em Mille plateaux (1980) colocam diferentes características aproximativas das
idéias do Rizoma, pensando em alguns princípios que seriam o seu funcionamento. (Kastrup, 2003)
9
Os pontos que eram semelhantes e que movimentavam as crianças dentro do trabalho ambientoterápico, por
exemplo. Questões como falta de limites, dificuldades de adesão ao diferentes tratamentos.
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onde era tênue o limite entre o incluir e excluir. Kastrup (2004) entende como quinto elemento
constitutivo do rizoma a metodologia da “cartografia”. Segundo a autora, o mapa faz parte do
rizoma e é aberto, conectável em todas as dimensões, desmontável, reversível e suscetível a
receber modificações constantemente. Podemos entender por cartografia, toda a descrição das
cenas relatadas nas situações “um, dois e três” que foram traçadas através da experiência de
constituições de redes de significado nos momentos citados. Todavia, a sua forma pode aterar-se
desde que se tenha claro que o rizoma não pode ser algo fechado. Qualquer movimento
constitutivo com outras forças o compondo, podem alterar os traços dessa cartografia. Como
exemplo, a presença de outros terapeutas, ou até mesmo de pais dessas crianças nos encontros.
Segundo Kastrup (2004) como sexto elemento constitutivo do Rizoma encontramos o
“princípio do decalcamento”. Poderíamos pensar num antiprincípio, ou seja, naquilo que
poderia ligar os mapas, as teias do rizoma, os seus pontos de estruturação. Nessa lógica, os
pontos estabilizadores são temporários, pois estão em constante criação, movimento. No
entanto, esse antiprincípio parte de uma idéia de começar a cartografar e aplicar essa estrutura
sobre ele, podendo assim comparar as suas diferenças e assim poder ressignificá-las. Como se
fosse um adesivo sobre o outro, onde alguns pontos que ficassem divergentes fossem
constitutivos para a criação de novas formas. Pensando novamente nas três situações clínicas
relatadas anteriormente, poderíamos utilizar esse princípio como um constitutivo entre cada
relato, podendo assim, entender que apesar de diferentes papéis ou situações enquanto
psicólogos enfrentadas, que a sua rede (rizoma) constitutivo de cada situação toma um diferente
significado, produzindo diferença.
Ainda no campo da clínica ampliada a Análise Institucional serve como importante
dispositivo que produz uma proposta de intervenção com a finalidade de gerar nas organizações
uma tendência auto-analítica (coletiva permanente e autogestiva) entre os integrantes das
mesmas (BAREMBLITT, 1996). Nesta concepção os conceitos de transferência e
contratransferência adquirem contornos mais amplos, imaginando-se a possibilidade de que ela
ocorra de forma cruzada, incluindo o todo das organizações e a própria ideologia da organização
(CUNHA, 2005, p.111). Sendo assim, pensando na postura crítica do profissional de psicologia,
entendo como importante entender o sentido que estamos trabalhando em nossos atendimentos.
35

Entender o lugar que ocupamos sendo profissionais psi e sua importância perante àqueles que
atendemos, me faz lembrar de um trecho discutido nesse mesmo texto, na situação três, em que
Gustavo “amarra o terapeuta”, podendo extravasar toda a sua agressividade. Situações que
envolvem transferência e contratransferência, pois ninguém disse que o terapeuta era obrigado a
aceitar que ele amarrasse. Porém, tendo claro que o espaço da organização que trabalha com
questões de falta de limites e agressividades era aquele, aliado à implicação no trabalho
ambientoterápico, foi imprescindível no processo de construção de novos agenciamentos
(significados) para todos os movimentos que estavam acontecendo, ou seja, nas ramificações da
rede institucional.
36

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No transcorrer deste Trabalho de Conclusão de Curso trabalhei alguns conceitos


considerados operadores de uma proposta daquilo que pensamos ser uma Clínica Ampliada. Foi
necessário desbravar/desdobrar um campo conceitual sobre o qual a produção de agenciamentos
de conceitos, práticas, saberes se desse em movimento. No entanto, o debate sobre Clínica
Ampliada e seus dispositivos de entendimento é complexo e não pode ser trabalhado somente
em uma monografia, pois – pesquisando e sentindo na prática - tenho cada vez mais a convicção
de que é um modo de fazer psicologia.
O trabalho que foi apresentado e que finda aqui é um apanhado de algumas vivências
práticas e clínicas enquanto profissional da saúde implicado nos processos de entendimento de
pessoas que sofrem e das possibilidades de construção de vida. Durante alguns anos me
questionei sobre as práticas e como citado anteriormente, em alguns momentos até pensei que
pudesse estar ai a ligação com a questão da clínica ampliada, tornando cada vez mais o debate
complexo. Entretanto, percebia que era possível pensar no sujeito conforme modelos
tradicionais de psicologia mudando de setting. Sendo assim, uma mudança na prática não era o
diferencial disso que estávamos questionando ser ou não ser. Concordo com Paulon (2003)
entendendo que:

Trata-se aí, muito mais de questionar-se sobre as novas formas com que o
sofrimento psíquico se apresenta, os sintomas sociais contemporâneos se impõe e os
modos pelos quais os fazeres psi estão estruturados para atendê-los. Isto requer que a
análise aqui proposta recaia sobre os diferentes eixos que sustentam a clínica,
incluindo desde o seu âmbito de atuação, as técnicas e instrumentos por meio dos
quais ela se realiza, até as concepções de sujeito e da própria clínica daí decorrentes.
(p. 264)

Refletindo, depois de toda a discussão promovida ao longo do texto, que essa questão –
como nos disse Paulon acima - é o momento de questionamento da psicologia e como ela está
podendo dar conta desse sofrimento cotidiano. As práticas estão aí e vai de cada um de nós,
profissionais ou pensadores de saúde, nos apropriar ou não, aproveitando-as naquilo que têm de
significativas. Discutir transdisciplinaridade, complexidade e produção se subjetividade é um
movimento difícil e que ainda caminha a passos lentos, uma vez que já é bem complicado
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trabalhar interdisciplinarmente. Não adianta em nada fragmentarmos essa problemática toda,


tendo diferentes concepções de sujeito permeadas por aquilo que o contemporâneo demanda de
cada um deles (e de nós?). As práticas como o Acompanhamento Terapêutico (AT) estão aí.
Espaços de ressignificação e construção de redes de entendimento atravessam os atendimentos
em Ambientoterapia. O que torna o debate mais intenso é, contudo, se estamos nos
posicionando levando em conta o emaranhado de situações que são reais na vida de cada sujeito
e se estamos dispostos, como profissionais, na assunção de diferentes papéis ao longo de nosso
percurso. A intensidade da discussão assume um ponto interessante.
A clínica, de um modo amplo, sempre preocupou-se com a questão do sujeito e seu
sofrimento. Ao longo dos anos, no entanto, buscou-se pensar possibilidades de clínica que
pudessem dar conta do sofrimento presente em cada momento de vida. Concordo com
Figueiredo (2001), nos falando da questão da envergadura interior de Naffah Neto, situa a
questão de que reconhecer os nossos impulsos (psicopatologia) sustentados no plano da
experiência pela lógica da suplementaridade (articulação entre natureza e cultura do ser humano
tornando a vida mais tolerável, intensa e criativa) uma importante ferramenta de poder
atravessar o contemporâneo. A transdisciplinaridade, articulada pela noção de objeto complexo,
propõe uma axiomática compartilhada por profissionais híbridos, sem fronteiras. O híbrido,
trans, se ocupa de uma função de intercessor podendo auxiliar o sujeito na concepção daquela
envergadura como possibilidades de clínica cada vez mais valorizadas na pós-modernidade.
Sendo assim, a rede é constitutiva na vida de cada um de nós. Na construção de um
trabalho clínico, seja de qualquer espécie, também será importante desde o momento que
articulamos diferentes profissionais nas possibilidades de entendimento desse sujeito que sofre.
E para àqueles que, em algum momento de suas vidas - por razões adversas - esse processo de
constituição de redes tanto psíquicas quanto sociais prejudicou-se por motivos singulares?
Melhor, onde será a nossa atuação enquanto sujeitos despidos de saber implicados basicamente
na produção de saúde (conceito intimamente entrelaçado nesses nós da rede) que poderemos
auxiliar no processo de criação desses mecanismos de sobrevivência dos sujeitos desse mundo
globalizado? Relações de poder, situações que envolvem exclusão das camadas menos
favorecidas ou mesmo daqueles que não se “adaptam” sempre existiram. Todavia, o que é
38

importante propor como dispositivo é pensar onde cada um está implicado em cada processo,
uma vez que sabemos que durante anos os próprios colegas da psicologia provocaram processos
de marginalização.
Entendemos, portanto, que ser Psicólogo é ter uma posição crítica de todo um processo
que envolve inúmeros agenciamentos. Acho interessante poder citar um trecho de Naffah Neto
(1998) nos falando da Psicanálise Trágica:

Uma psicanálise trágica deverá ser capaz de propiciar um olhar que transite
do visível ao invisível, de sensorial ao espiritual, acolhendo e aceitando os
acontecimentos da vida e os afetos que eles geram e põem em ação; isso para poder
elaborá-los e transformá-los, transformando assim, o sentido da vida. (p. 14)

Analisar sempre as relações que estabelecemos e se estabelecem socialmente, relações


de poder, vias de entendimento do sofrimento contemporâneo, entre outras possibilidades, são
alguns dos movimentos que poderíamos ter. Não quero dizer aqui que os profissionais não estão
implicados com os processos de cada um de seus “pacientes, usuários, clientes” ou mesmo
como escutei hoje de uma professora que trabalha em saúde pública “o próximo”. Entretanto,
gostaria de poder plantar mais um ponto para possíveis discussões naquilo que atravessa
constantemente as nossas práticas psi, que é o entendimento pertinente e de qualidade ao sujeito
que nos procura.
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