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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

ANA PAULA BECKER

IDÉIAS POSITIVISTAS NA FORMAÇÃO DO BRASIL MODERNO:


fluxo de idéias entre França e Brasil

São José
2008
ANA PAULA BECKER

IDÉIAS POSITIVISTAS NA FORMAÇÃO DO BRASIL MODERNO


Fluxo de idéias entre França e Brasil

Este artigo foi julgado adequado para a obtenção do título de Bacharel e aprovado pelo Curso
de Relações Internacionais da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação de São
José.

Área de Concentração: Teoria Política

Florianópolis, 01 de dezembro de 2008.

Prof. MSc. Paulo Rogério Melo de Oliveira


UNIVALI – CE de São José
Orientador

Prof. MSc. Raphael Spode


UNIVALI – CE de São José

Prof. MSc. Márcio Roberto Voigt


UNIVALI – CE de São José

2
IDÉIAS POSITIVISTAS NA FORMAÇÃO DO BRASIL MODERNO
Fluxo de idéias entre França e Brasil

Ana Paula Becker*

Resumo

Este artigo analisa a presença do positivismo no Brasil na segunda metade do século XIX,
período da formação do Brasil Moderno. Outras matrizes de pensamento também foram
importadas da Europa como modelos de teoria e ação sócio-política no Brasil, mas o
positivismo tem maior relevância como instrumento de ação para as transformações político-
sociais do período. Através da elite intelectual do país, o seu ideário foi adaptado ao contexto
brasileiro, foi aceito pelas classes emergentes economicamente e politicamente e fez parte da
base teórica dos movimentos abolicionista, republicano, e das reformas institucionais do
Governo Provisório. O caso do positivismo no Brasil demonstra como a desigual produção
intelectual entre países gera um fluxo importante para as relações internacionais que deve,
neste sentido, ser estudado com maior profundidade.

Palavras-chave: Positivismo; Brasil Moderno; Fluxo internacional de idéias.

Abstract

This article analyzes the presence of the positivism in Brazil in the second half of the 19th
Century when was built the Brazilian Modern State. Other matrices of thought were also
brought to Brazil as models of social and political theory and action, but positivism had major
relevance as a tool of action on the political and social transformations of that time. The
intellectual elite of the country has adapted the principals of positivism to Brazilian context; it
was accepted by the economic and politically emergent groups and made part of the
theoretical basis of the abolitionist and republican movements, and the institutional reforms of
the Provisory Government. The example of positivism in Brazil shows as the unequal
intellectual production between countries creates an important flow to the international
relations that, therefore, deserves to be studied deeply.

Key-words: Positivism; Brazilian Modern State; International flow of ideas.

* Graduada em Estudos Internacionais pela Università Degli Studi di Firenze (2007),


formanda em Relações Internacionais pela Universidade do Vale do Itajaí (2008). E-mail:
anapaulabecker81@gmail.com

3
Introdução

Os séculos XVIII e XIX marcam a história mundial com as mudanças de ordem


econômica, política e social decorrentes das revoluções Industrial e Francesa. O continente
europeu, em primeiro plano França e Inglaterra, é palco da redefinição de espaços
institucionais e matrizes de pensamento. Neste contexto consolidam-se as instituições que
caracterizaram as Nações Modernas: repúblicas democráticas e monarquias parlamentares. E
na tentativa de interpretar e dar respostas a esta nova realidade, surgem as doutrinas
filosóficas alinhadas ao racionalismo Iluminista: liberalismo, darwinismo, marxismo,
positivismo, dentre outras.
No Brasil, a “novidade européia” chega com quase um século de atraso. Na segunda
metade do século XIX, junto à pressão internacional contra a escravidão, as novas matrizes de
pensamento promovem a crítica do sistema imperial. Da economia primária e escravista à
monarquia centralizadora, contestavam-se os aspectos que caracterizavam a estaticidade da
ordem nacional e a falta de perspectivas de crescimento e desenvolvimento para o país. O
momento foi de grande receptividade intelectual e as doutrinas importadas à realidade
brasileira exerceram aqui papel ativo nas transformações que caracterizaram a modernização
do Brasil. Destaca-se o positivismo pela sua capacidade de compreender o momento histórico
e as necessidades latentes da sociedade brasileira – o salto evolutivo do estado metafísico ao
estado positivo, de acordo com as leis do desenvolvimento histórico de Auguste Comte.
Presente da Lei Áurea à Proclamação da República, o cientificismo revolucionário-
conservador comteano fez do positivismo o “ascendente moral”1 da nova República
Brasileira. Doutrina que se revelou, naquele tempo, o instrumento ideal para “transformar
conservando”.
O presente artigo visa analisar a relevância do positivismo como matriz de pensamento
estrangeira nos processos políticos e sociais que estão na base da formação política e
institucional da República Brasileira. Para o período histórico de 1850 a 1900, procurou-se
identificar em que momentos o positivismo fora assimilado com mais intensidade, por quais
agentes sociais, e quais os meios que tornaram possível a adaptação da doutrina francesa ao
Brasil. Com este propósito, o artigo se vale das reflexões de diferentes correntes teóricas de
inspiração liberal e marxista, contudo, sem assumir a priori posicionamento doutrinário-
ideológico.

1
LINS, Ivan. História do Positivismo no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967, p. 315.

4
Interessa ainda, destacar como o estudo da recepção e absorção de idéias estrangeiras
pela elite intelectual brasileira está ligado ao fenômeno de intercâmbio de idéias que constitui
parte significativa das relações internacionais. As trocas entre comunidades epistemológicas
de diferentes nações são relevantes não só a nível cultural como também político. Como
ilustra o caso do positivismo no Brasil, a importação de idéias estrangeiras não implica na sua
absorção pura e simples por uma elite intelectual. As idéias passam por um processo de
adaptação que compreende os vários setores de uma sociedade e, infiltrando-se no seu ethos,
são capazes de influenciar também a elaboração de políticas públicas. Neste sentido, fica
registrada a necessidade de dedicar maior atenção ao âmbito imaterial das relações
internacionais o qual abrange um fluxo de trocas tão intenso e desigual como os materiais,
mas que parece ainda relegado ao segundo plano.

A Europa do século XIX e o surgimento do positivismo

A compreensão da emergência do positivismo como doutrina política e social, por não


ser um evento singular e autônomo, requer que se volte a atenção ao contexto histórico da
Europa em fins de século XVIII e início de século XIX.2 A formação do ideário positivista e
sua transformação de utopia crítico-revolucionária à ideologia conservadora acompanham as
dinâmicas de poder da nova ordem burguesa industrial3 e as decorrentes transformações
políticas, econômicas e sociais.
Ilustrativos são os 60 anos da “grande revolução”, 1789-18484, que segundo
Hobsbawm corresponde à época da maior e mais profunda transformação da humanidade
desde a antiguidade. O período comporta transformações nas estruturas de ordem econômica,
social e política que culminam com a afirmação de novos ideais – liberdade, igualdade e
fraternidade. Triunfa a indústria capitalista, a liberdade burguesa e o Estado que, como o

2
FONSECA, Angela Couto Machado. Em que medida também nós ainda somos devotos: uma leitura sobre
metafísica, niilismo e direito a partir de Nietzsch.. In: FONSECA, Ricardo Marcelo (org.). Crítica da
modernidade: diálogos com o direito. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005, p. 58.
3
LÖVY, Michael. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen: marxismo e positivismo na
sociologia do conhecimento. São Paulo: Busca Vida, 1987, p. 18.
4
HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções: 1789-1848. 16. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002. A expressão
utilizada pelo autor caracteriza o período histórico que compreende as evoluções pré e pós napoleônicas, de 1789
a 1848. A abrangência geográfica e a sucessão temporal dessas revoluções dão caráter contínuo aos eventos
históricos em questão, o que, junto ao alto teor de transformação dessas revoluções para a história mundial,
permite que se caracterize o inteiro período como uma única “grande revolução”.

5
inglês, promove a maximização dos lucros das emergentes atividades industriais.5 O
positivismo é então produto de um contexto histórico conturbado, pós-revolucionário, da
filosofia tardo-iluminista que reflete a evolução paralela da tecnologia, do conhecimento
científico e da crença no progresso individualista, secular e racionalista.
A Europa de princípios do século XIX é herdeira de uma revolução política
incompleta onde convivem elementos rurais e a crescente industrialização com seu novo
modelo de relações sociais e econômicas. No período de 1815 a 1848, segundo Hobsbawm,
manifestam-se três ondas revolucionárias: 1820, 1830 e 1848. As revoluções atingem,
prevalente e respectivamente, as Américas, a Europa Ocidental e a Europa Central e Oriental
num continuum de agitações sociais e políticas. O Congresso de Viena, 1814-1815, é o marco
político do início deste período. Os países europeus vitoriosos sobre Napoleão reúnem-se para
estabelecer os princípios militares, políticos e geográficos que redefiniriam o mapa da ordem
européia baseando-se em padrões de poder precedentes à Revolução Francesa. As “novas”
monarquias, precavidas, selam uma aliança militar – a Santa Aliança – que tem como objetivo
a manutenção da geografia européia e a proteção contra novas revoluções. A Santa Aliança e
o poderio militar-religioso vigem até a metade do século XIX resistindo, através da força, às
revoluções de 1830 e 1848.
Todavia, a crise agrícola sucessiva ao Congresso de Viena, juntamente com o
subconsumo industrial, culminam em uma crise econômica generalizada. Descontentes, classe
operária sub-remunerada e burguesia comerciante e industrial excluídas do poder político
manifestam-se com tendências revolucionárias. A Europa de 1830 acumula, então, as
frustrações decorrentes da restauração de instituições políticas que resultam cada vez mais
inadequadas às dinâmicas sociais que, contrariamente, não foram restauradas.
O descontentamento de massa adquire representatividade política e nasce o
movimento operário regido pelas teorias de socialistas utópicos como Condorcet e Saint-
Simon e pelas experiências cooperativistas de Robert Owen na Inglaterra. Na prática, o
movimento ganha força e eclode, em 1848, com a primeira crise de superprodução do mundo
industrial. Em toda a Europa o movimento socialista acompanha as revoluções de 1848 na
chamada Primavera dos Povos6 e contesta as exacerbações do capitalismo em favor de
governos constitucionais democráticos. Barricadas e repressão militar são o cenário europeu
em meados do século XIX que tem como resultado a conquista do poder pela burguesia

5
As informações sobre o contexto histórico da Europa no período da “Grande Revolução” contidas neste e nos
três parágrafos seguintes foram extraídas de: HOBSBAWM, op. cit., p. 16-28 e 163-173.
6
Ibidem, p. 163.

6
representada nas repúblicas ou monarquias constitucionais. Não obstante, afirmava-se
definitivamente a oposição da classe operária à classe burguesa que viria a caracterizar,
marcadamente, a história dos séculos XIX e XX.
Relevante para o positivismo é a forma como a passagem de poder ocorre de uma
classe social para a outra sem que seu exercício seja alargado. O poder político, restrito a uma
minoria que detém o poder econômico, é bem protegido – pela qualificação, educacional ou
de propriedade, ao voto – do sufrágio universal e, diga-se então, da democracia7. O sistema
político europeu caracterizava-se, de forma geral, por instituições liberais não-democráticas.
Desta forma, representada por industriais, banqueiros e funcionários civis, a burguesia que
nasce antimonárquica compactua, depois de sua afirmação, com a aristocracia enquanto esta
aceita promover suas políticas econômicas. Nesta mudança de relações sociais poder-se-ia
identificar a evolução do positivismo de ideologia revolucionário-antimonárquica a
conservador-antidemocrática.8
Três são os modelos revolucionários no início do século XIX9: o liberal moderado,
representativo da alta burguesia e aristocracia liberal dominantes na Espanha e França; o
democrata-radical anglo saxão, representativo da classe média inferior, intelectuais e novos
industriais; e o socialista, representativo da emergente classe operária industrial, presente de
forma fragmentada em regiões da França e Grã Bretanha. Na mesma perspectiva, podem-se
individuar três etapas na transformação do positivismo. No início da década de 1820, sob as
influências de Condorcet e Saint Simon, a filosofia de Comte identifica-se com parâmetros
democrata-radicais:

A miséria pública é enorme em Paris; o pão é muito caro, e receia-se que venha
mesmo a faltar. Não se pode dar um passo na rua sem ter o coração partido pelo
aflitivo quadro da mendicidade; a cada instante encontra-se operários sem pão e sem
trabalho, e com tudo isso, quanto luxo! quanto luxo!10

Esta primeira fase promove a defesa da classe média inferior, dos trabalhadores e dos
intelectuais.
Ao longo da década seguinte o ideário positivista passa a identificar-se com os liberais
moderados, a classe média alta e a aristocracia liberal11 detentores do poder:

7
Ibidem, p. 161.
8
LÖVY, op. cit., p. 18-22.
9
HOBSBAWM, op. cit., p. 163-164.
10
COMTE, Auguste. Correspondências a Valat. In: MORAES FILHO, Evaristo de (org.). Auguste Comte:
sociologia. São Paulo: Ática, 1983, p. 8.
11
HOBSBAWM, op. cit., p. 163.

7
A opinião deve querer, os publicistas devem propor os meios de execução, e os
governantes executar. [...] quando a Política tornar-se uma ciência positiva, o público
deverá conceder aos publicistas, [...] a mesma confiança que atualmente concede [...]
aos médicos, quanto à Medicina, etc., com esta diferença, entretanto: ao público
exclusivamente há de competir o objetivo e a direção do trabalho.12

Os trechos ilustrativos das transformações da doutrina positivista correspondem à


tendência à dissidência entre moderados e radicais verificada em toda a Europa. Oliveira
sustenta este paralelo entre doutrina e história afirmando como o significado do ideário
positivista, em seus três momentos de “inversão de sinal”13, dependa do contexto histórico e,
para tanto, inclua elementos progressistas e conservadores em fases alternadas.14 A afirmação
é contrária às argumentações de Lövy, para quem o positivismo sofre somente uma “inversão
de sinal” que corresponde à “transmutação da visão de mundo positivista em ideologia, [..] em
sistema conceitual e axiológico que tende à defesa da ordem estabelecida”.15
Continuando o paralelo, a frente única de oposição à Restauração16 começa a
fragmentar-se logo após as crises da década de 1830 dando margem à mobilização da classe
popular até então menos organizada. Dela, o positivismo irá progressivamente se distanciar
associando-se, como ideologia, à classe de revolucionários intelectuais:

Todos os revolucionários consideravam-se, com certa justiça, pequenas elites de


emancipados e progressistas atuando entre [...] uma vasta e inerte massa do povo
ignorante e iludido que sem dúvida receberia com alegria a libertação quando ela
chegasse, mas da qual não se podia esperar que tomasse parte em sua preparação.17

Mas esta “massa do povo ignorante e inerte” passa, a partir da revolução de 1830, a
diferenciar-se e a derrota dos regimes tradicionais vem a significar o surgimento da questão
da revolução social e sua evolução até a Primavera dos Povos.
Retornando a Lövy18, o positivismo, assim como outras doutrinas racionalistas,
origina-se a partir da necessidade de dar fundamento teórico e ideológico às transformações
que então se processavam, conformando assim seu aspecto epistemológico. No sistema
feudal, a estrutura social era marcada pela fraqueza das relações entre forças político-

12
MORAES FILHO, op. cit., p. 10. (Grifo da transcrição)
13
OLIVEIRA, Marcos Barbosa. Revista Crítica Marxista – Brasil. Sobre o significado político do positivismo
lógico. Disponível em < http://www.unicamp.br/cemarx/criticamarxista/C_Marcos.pdf > p. 76. Acesso em: 14
outubro. 2008.
14
Ibidem, p. 83.
15
LÖVY, op. cit., p. 22.
16
HOBSBAWM, op. cit., p. 163. O autor caracteriza o movimento de oposição à Restauração como
heterogêneo, composto por um conjunto variado e confuso de modelos revolucionários que tem como ponto de
coesão, desde 1815, o ódio comum pela monarquia absoluta, a Igreja e a aristocracia.
17
Ibidem, p. 166.
18
LÖVY, op. cit., p. 189.

8
militares, pela ausência de justificações políticas ou econômicas. A manutenção da ordem
estabelecida, por sua vez, era ligada a fatores ideológicos de ordem sobrenatural como fora a
religião na legitimação do poder divino das monarquias absolutas da Idade Média. O
positivismo, como ideologia herdeira do racionalismo Iluminista, nasce e entra em choque
com a ideologia metafísica da ordem estabelecida, do que sobressai seu elemento progressista
e contestador da ordem. Como sistema axiológico baseado em dogmas e leis naturais
explicativos das estruturas vigentes de poder, representa a ameaça à metafísica medieval ao
projetar uma ordem alternativa que é conformada à “desideologização” do conhecimento
científico como necessidade da indústria.19
Em sua essência ou, segundo Lövy, em sua concepção ideal-típica, identificam-se três
premissas que regem o sistema lógico do positivismo20: 1. as sociedades são regidas por leis
naturais, independentes da ação humana, em evolução harmônica e natural; 2. por sua vez, a
sociedade pode ser assimilada pela natureza pois, em sua análise, submete-se aos mesmos
métodos empregados pelas ciências naturais; 3. por fim, a ciência da sociedade – Física Social
– limita-se à observação dos fenômenos sociais, neutralizando-se de qualquer preconceito e
julgamento de valor. Ainda, segundo os pressupostos epistemológicos que Giddens confere ao
positivismo: 1. a realidade é dotada de exterioridade; 2. o conhecimento é a representação da
realidade; 3. o dualismo entre fatos e valores; 4. a unidade das ciências dada pela unicidade do
método positivo que tem a observação objetiva dos fatos como instrumento cognitivo para a
dedução das leis imutáveis da natureza; e 5. a aversão à metafísica que busca o “porquê” das
coisas enquanto o positivismo busca o “como”.21
De maneira clara e objetiva, Nady Moreira Domingues da Silva22 discorre sobre o
fundamento da filosofia positiva, a lei sociológica23 dos três estados, que contém em si os
elementos epistemológicos acima descritos. A lei apresentada por Comte em sua obra “Curso
de Filosofia Positiva”, 1830, afirma que a Humanidade, as ciências e espírito humano como
um todo, desenvolvem-se através dos estados teológico, metafísico e positivo que
correspondem, em prática, à passagem do ideal-tipo militar ao ideal-tipo industrial24 de
Estado.

19
Ibidem, p. 190.
20
Ibidem, p. 17.
21
GIDDENS, Anthony. In: SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de
Janeiro: Graal, 1989, p. 52.
22
DA SILVA, Nady Moreira Domingues. Positivismo no Brasil. Disponível em
<http://www.geocities.com/spaprado/positivismobrasilsc.html> Acesso em: 11 abril. 2007.
23
MORAES FILHO, op. cit., p. 26.
24
Ibidem, p. 13.

9
Cabe aqui o detalhamento destes aspectos centrais do positivismo. O estado teológico
caracteriza-se pelo papel central que a imaginação desempenha na medida em que o homem
explica a natureza a partir de aspectos sobrenaturais e o mundo a partir de deuses e espíritos,
sobre os quais não existem questionamentos. A mentalidade mística e, em grande parte
teológica, fundamentada na crença de poderes imutáveis, garante a coesão social e
fundamenta a vida moral da sociedade, no que a argumentação de Da Silva25 coincide com
Lövy.26 Seu correspondente político é a monarquia absolutista aliada ao militarismo, regime
teológico-militar27, no qual o povo é dominado. Compreende ainda as fases fetichista,
politeísta e monoteísta; cuja seqüência caracteriza a linha evolutiva que levará à passagem do
estado teológico ao estado metafísico.
Concebido como mero estado de transição28, no metafísico a natureza passa a ser
explicada por forças físicas, químicas e forças vitais que, reunidas, resultam na força da
Natureza, superior à soma das forças anteriores e equivalente ao deus único do estado
teológico monoteísta.29 Nesta substituição do concreto pelo abstrato30, a argumentação
orienta-se à busca da causa primeira e do fim último das coisas – retomando as razões da
aversão positivista pelo “metafísico”. Paralelamente, no plano político o Estado passa a ser
fundamentado em um contrato de soberania com o povo.
Aos dois primeiros estados provisórios, sucede a etapa final da evolução da
Humanidade, o estado positivo. A ciência e a interpretação da natureza encontram-se
definitivamente emancipadas “de toda dependência para com as ideologias religiosas ou éticas
do passado.”31 O método positivo prevalece e a argumentação, que subordina finalmente a
imaginação, só é aceita enquanto dedução de fatos observados. Estas relações, interconectas,
determinam grupos de fenômenos dos quais cada ciência ocupa-se especificamente32 -
preceito da especificidade (do social).33 Da especificidade chega-se à unicidade metodológica
do conhecimento que unifica as ciências bem como a Humanidade.34 O método confere a
ligação entre teoria e prática social, duas faces da realidade separadas durante o processo de

25
DA SILVA, op. cit.
26
LÖVY, op. cit., p. 190.
27
MORAES FILHO, op. cit., p. 13 e 27.
28
Ibidem, p. 26.
29
DA SILVA, op. cit.
30
Ibidem, p. 2.
31
LÖVY, op. cit., p. 190.
32
DA SILVA, op. cit.
33
MORAES FILHO, op. cit., p. 67-68 e 83.
34
DA SILVA, op. cit.

10
observação. Dita unificação permite que se torne previsível a Física Social tanto quanto as
ciências naturais; “o futuro pode ser mais previsível do que o próprio presente”.35
Por fim, a Humanidade evoluída dá espaço à “Política” como “Ciência”, às relações
sociais do tipo industrial com o regime positivo-industrial que orienta, guia o
desenvolvimento social.36 Em termos políticos, o Estado Positivo assume forma republicana e
autoritária que não se vale do sufrágio universal e é legitimado pela forte relação entre
cientistas políticos e opinião pública.
O quadro conceitual aqui ilustrado encerra-se com as leis da estática e da dinâmica
social que segundo o filósofo são os instrumentos de leitura de uma determinada sociedade.
As duas leis correspondem ao dualismo científico da teoria e da prática social. O estado
estático refere-se à ordem entre as diversas parte, ou “condições de existência”37, de uma
sociedade cuja unicidade deriva da coexistência harmônica de suas diferentes partes ligadas
pela solidariedade fundamental.38 Em contrapartida, a lei da dinâmica refere-se à análise do
movimento fundamental do organismo social. A ordem de suas unidades é pressuposto, então,
para a dinâmica social, para o andamento que conduz ao progresso social ou desenvolvimento
fundamental. Destas duas teorias deriva o lema cardinal do positivismo – ordem e progresso –
que, a partir de 1847, vira o lema da Religião da Humanidade, resultado da fase final da teoria
de Comte: o amor por princípio, e a ordem por base; o progresso por fim.39
Esses são, sumariamente, os elementos que compõe a teoria social e política de Comte
correntemente mencionada nas reflexões sociológicas européias do século XIX e XX.
Entretanto, interessa saber que, além da Europa, a teoria positivista chegou também ao
continente americano onde difundiu, principalmente, o ideário da “ordem e progresso”. Se no
velho continente o positivismo salientara-se por seus elementos sociológicos, aqui assumira
relevância política e social e talvez justamente essa heterogeneidade tenha determinado o
sucesso da doutrina ao enraizar-se no que viria a ser o Brasil Republicano.

35
Ibidem, p. 26.
36
Ibidem, p. 13.
37
COMTE, Auguste. In: GARDINER, Patrick (org.). Teorias da História. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, p. 96.
38
Ibidem, p. 97.
39
Sítio de internet oficial da Igreja positivista do Brasil http://igrejapositivistabrasil.org.br Acesso em 14 abril.
2007.

11
3. O “surto de idéias novas” e a chegada do positivismo no Brasil

Indica-se 1850 como ano aproximado para a chegada das idéias positivistas no Brasil.
São considerados precursores do positivismo no Brasil: Nísia Floresta, Francisco Antônio
Brandão e Luiz Pereira Barreto. Os três autores valem-se do positivismo, respectivamente, na
argumentação sobre: o papel social da mulher; a insustentabilidade do regime escravocrata e a
necessidade da abolição gradual da escravidão; a aplicação prática do positivismo na
economia e na saúde pública brasileira. A obra de Luiz Pereira Barreto, As Três Filosofias,
formaliza a presença da doutrina no país, mas já outros estudantes brasileiros traziam da
França as idéias do mestre e difundiam-nas através da publicação científica, da imprensa e,
principalmente, pela ocupação de cátedras nas escolas do Império. A doutrina positivista
chega, então, primeiro no meio acadêmico, para depois influenciar os âmbitos social e político
brasileiro.
Cabe aqui ilustrar o cenário histórico no qual se insere a doutrina positivista quando de
sua chegada ao Brasil para que se alcance a compreensão de sua influência na política e
cultura do país. Sua chegada coincide com um momento de profundas transformações no
Brasil. Durante o Império de Dom Pedro II entra em crise o sistema aristocrático e rural, e a
crescente centralidade do tema da escravidão – questionada sobretudo a nível internacional –
acelera o declínio da monarquia. A afirmação do café como eixo da economia nacional, o
aumento das correntes migratórias ao Brasil, a desastrosa Guerra do Paraguai (1870), a
publicação do Manifesto Republicano (1870), a abolição da escravatura (1888) e enfim, a
Proclamação da República (1889) ilustram as transformações políticas, sociais e
geoeconômicas típicas da segunda metade do século XX brasileiro.
O primeiro a sentir as conseqüências destas transformações é o sistema político do
Segundo Reinado. A monarquia constitucional representativa e hereditária, instaurada após a
Independência de Portugal (1822) gerava grande insatisfação entre políticos e intelectuais da
época. O poder era alternado entre os partidos Liberal e Conservador e por vezes ainda
submetido ao arbítrio do Imperador. Nesta realidade, havia pouco espaço para a representação
dos interesses das classes emergentes econômica e intelectualmente, a classe cafeeira e a
burguesia urbana. Ambas se tornaram a base de sustentação do Movimento Republicano que,
aos poucos, ganha força criticando a obsolescência do sistema senhorial.40

40
SCHWARCZ, Lília Moritz. Retrato em Branco e Negro: jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no final do
século XIX. São Paulo: Editora Schwarcz Ltda., 1987, p. 38.

12
Em âmbito econômico, a partir de 1860 o Brasil tem discreto progresso para os
padrões da época. Segundo Caio Prado Júnior, pela primeira vez o país conhece o significado
de “progresso e modernidade” traduzidos, na ocasião, por bem-estar material, acúmulo de
riqueza e ascensão de uma modesta “burguesia comercial”. Ainda, com a mudança do eixo do
café – do Vale do Parnaíba ao Oeste paulista – na década de 1870, tem-se uma nova classe
cafeicultora que não pretende ficar relegada ao segundo plano no cenário político. Em termos
numéricos, a riqueza de alguns setores da sociedade podia ser comparada aos correspondentes
do velho continente41; em termos técnicos, contudo, o panorama era ainda incipiente:
ferrovias, telégrafo e mecanização rural.
A composição social é heterogênea e sofre modificações devidas ao impulso
econômico vivenciado pelo Brasil na segunda metade do século XIX. Conviviam elite rural,
“burguesia comercial” e burocrática, a grande massa popular quase privada de educação e os
escravos que totalizavam quinze por cento da população nacional42. Segundo Cruz Costa, a
incipiente “burguesia comercial”, em processo típico do século XIX, se opõe à tradicional
aristocracia rural através da subtração de seu maior e mais importante instrumento de
trabalho, o negro.43 O movimento abolicionista teve aqui caráter moderado44, fora restrito a
um grupo de intelectuais com pouco engajamento político. Somente quando as fugas de
rebeldes negros avolumam-se e põe em risco o equilíbrio social e econômico do país, o tema
passa à pauta do debate político imperial; a abolição, enfim, será o prelúdio da República.
O clero exercia pouca influência sobre as classes dirigentes. Submisso ao Estado e ao
Imperador segundo normas estabelecidas na Constituição Imperial e em descrédito frente ao
povo, estava em franco declínio. Todavia, entre Igreja e Estado persistiam fortes ligações
espirituais. O catolicismo era a religião oficial do Império e exercia particular influência sobre
a burocracia estatal; grande parte dos procedimentos e registros civis encontravam-se sob
tutela e regimento da Igreja Católica.
Por sua vez, a elite intelectual era formada tradicionalmente pelos filhos da
aristocracia rural, educados segundo a tradição humanista das escolas jesuíticas e das
Faculdades de Direito de Recife e São Paulo e em importantes Escolas e Universidades da
Europa, como a de Coimbra, em Portugal. Da outra parte, os jovens provenientes da “nova

41
PRADO JUNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. 37. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, p. 206.
42
Disponível em
<http://ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=668&id_pagina=1> Acesso em:
06 novembro. 2008.
43
COSTA, Cruz José. Contribuição à História das Idéias no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1967,
p. 124.
44
SCHWARCZ, op. cit., 36.

13
burguesia” eram em grande parte estudantes de Escolas Técnicas Militares, na época menos
custosas. O Exército, neste contexto, representa a típica via de acesso à instrução e à ascensão
social45, onde jovens de poucos recursos econômicos ingressavam na expectativa de obter
educação. Neste sentido, a Instituição fornecerá as bases sobre as quais esta geração formará e
consolidará a nova elite intelectual caracterizada pela orientação prioritariamente científica –
ilustrando, na educação, o antagonismo social entre latifundiários e comerciantes industriais.

A monarquia agrária, saturada de civilismo, não quis ou não soube captar a nova
força, à qual não contribuíram nem os filhos da aristocracia produtora de açúcar,
algodão e café. É na classe média que o Exército acha seus oficiais, alguns soldados,
alguns de preparação acadêmica [...], a Escola Militar.46

Com a Guerra do Paraguai, o Exército adquire elevação política e social.47 A


passagem da representatividade da força Imperial da Guarda Nacional ao Exército é mais um
sintoma da decadência da ordem senhorial e do poder aristocrático. Estabilidade e coesão
interna possibilitam que, nos anos seguintes, os militares representem uma força política
central no Estado Brasileiro. A guerra deu ainda aos militares o título de “guardiões da pátria”
que está à base do ativismo militar nas questões da República como grupo que busca seu lugar
no processo civilizatório do país.
Representa-se assim o momento de renovação intelectual do Brasil, do florescimento
do que Paim48 chama de “surto de novas idéias” ao demonstrar como o fim do Brasil Imperial
tenha coincidido com a crise do ecletismo – matriz de idéias espiritualista – como sistema que
carece de força lógica.49 Nas palavras de Sílvio Romero – fundador da Escola do Recife –
“nos anos 70, revelara-se de pronto a instabilidade de todas as coisas e tudo se põe em
discussão”, “tanto a filosofia espiritualista como as instituições monárquicas, a escravidão, o
romantismo, enfim, toda a vida político-cultural do país [...] à sombra do manto do
príncipe.”50 Outras manifestações de “inconformismo com a doutrina eclética” são registradas
antes mesmo desta década, mas é com a sua incorporação pela arena política que o combate
de idéias torna-se visível, conservadores versus democráticos.
O novo posicionamento da intelectualidade brasileira resume-se no “espírito crítico”
comum a todas as correntes filosóficas e políticas provenientes de países estrangeiros. Em

45
COSTA, op. cit., p. 125.
46
DANTAS, San Tiago. Dois Momentos de Rui. In: CASTELLANI, José. A Maçonaria na década da Abolição
e da República. Londrina: Editora Maçônica A Trolha, 2001, p. 51.
47
SCHWARCZ, op. cit., p. 35.
48
PAIM, op. cit., p. 125.
49
Ibidem, p. 13.
50
ROMERO, Sílvio. In PAIM, op. cit., p.125.

14
princípio a adoção de idéias era determinada não por seu cunho específico mas sim pela
capacidade em “nutrir o inconformismo”.51 Em um segundo momento, são absorvidas
distintamente por suas propostas políticas e sociais adequadas às respectivas “visões sociais
de mundo”. Nesta fase, o todo disforme dá lugar a formas bem específicas diretamente
associadas a grupos que as “interpretavam” sob as circunstâncias históricas e as próprias
necessidades de classe52 e práticas locais. Rechaçando os elementos mais ortodoxos de cada
corrente, depurando o pensamento europeu com um “filtro nacional”, geravam nuances
brasileiras de idéias filosóficas européias.
Desta forma, ideais europeus tendiam a ser incorporados à contrastante realidade
nacional. Este fora notadamente o caso do spencerismo absorvido e “nacionalizado” pela
Escola do Recife – movimento influente em campo literário e jurídico – e do positivismo,
importado por uma elite letrada com crescente influência política em diferentes grupos
sociais. Adaptação e interpretação de idéias incorriam, porém, com certa freqüência, na
manipulação de ideários por fim esvaziados de seu conteúdo original.53
Convém referir que o fenômeno de importação de idéias estrangeiras não é exclusivo
da história brasileira nem do período republicano. Constata-se como, num fluxo contínuo
entre nações, o pensamento e as idéias sejam também o centro de trocas uni e bidirecionais. A
necessidade de esternalizar e internalizar pensamentos, matéria subjetiva, é dada pelas
diferenças culturais, políticas e econômicas decorrentes do desenvolvimento desigual nas
diferentes partes do mundo. Centros produtores – produção em senso geral, material e cultural
– tendem a difundir, paralelamente aos itens materiais, os próprios modelos de vida, política e
economia. Giannotti afirma que países de menor tradição cultural revelam-se providentemente
“carentes de ideologia para seus anseios de desenvolvimento” e, referindo-se ao positivismo,
completa: “Esse fenômeno ocorreu na América do Sul, sobretudo no Brasil”.54
Emília Viotti da Costa, em análise do liberalismo brasileiro55, expõe duas abordagens
em relação ao tema “importação de ideologias”, quais sejam a “autônoma” e a “determinista”.
No primeiro caso, a ideologia é tida como autônoma ao contexto em que se insere produzindo
sobre ele influência unívoca. As ações – sociais e políticas – são fruto da adoção de
determinadas idéias a estas ações condizentes, sendo a prática conseqüência direta da teoria,
mas desta desvinculada pela bidirecionalidade das relações de causa e efeito. Nesta
51
PAIM, op. cit., p. 126.
52
LINS, op. cit., p. 11.
53
SCHWARCZ, op. cit., p. 38.
54
GIANNOTTI, José Arthur (org.). Auguste Comte. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. XIV.
55
COSTA, Emília Viotti. Liberalismo brasileiro, uma ideologia de tantas caras. Folhetim, Folha de São Paulo,
24 fevereiro. 1985.

15
perspectiva, não explicam-se as mudanças e substituições de ideologias em um contexto. Já
em termos deterministas, a ideologia é produto direto de um momento histórico e do
movimento das classes sociais do contexto. Assim, sociedade e economia, em perspectiva
marxista, produzem automaticamente ideologias que vêm a justificar o modo de produção de
uma sociedade. Para a autora, se prática e teoria são consideradas indissociáveis, ambas as
abordagens revelam-se demasiado polarizadas e incapazes de explicar a realidade dos fatos.
As ideologias teriam, então, autonomia relativa pois representariam um determinado
momento da prática social, econômica e política em que se constituem dialeticamente. No
caso da importação do liberalismo para o Brasil, a filosofia apresentou, ao longo de quase um
século, quatro modalidades diversas para representar, em cada momento histórico, o objetivo
do grupo que a sustentava. Ainda, a autora indica como a manifestação de idéias, ideais e
ideologias num contexto venha a determinar seus próprios limites denunciando assim a
inegável relação de influência recíproca entre prática e teoria, entre ideologia e momento
histórico. Optando pela abordagem determinista, o Brasil então recebera a influência de
inúmeras ideologias e determinara em cada qual, através da prática, especificações
decorrentes do contexto histórico e dos grupos que as defendiam.
Feita luz sobre o sobre o porquê da abertura cultural e política do Brasil a novas idéias,
veja-se quem assume o papel ativo na importação da idéia positivista e como cada grupo
importador tenha aqui disseminado, por sua vez, sua interpretação da doutrina.
A influência do positivismo é sentida em círculos variados onde manifesta suas idéias
sobre a natureza e o pensamento científico. Para José Cruz Costa, o positivismo, dentre as
novas idéias, veio a preencher o vazio de idéias-guia sentido pela “nova burguesia” que
buscava na ciência soluções “satisfatórias e definitivas”56 para os próprios problemas.
Segundo Paim, o destaque desta sobre outras correntes filosóficas decorre do fato que o
positivismo consegue ter a atualidade necessária, ao polarizar-se com o liberalismo na esfera
política, para mobilizar gerações futuras. Esta tendência é bem confrontada quando, por volta
de 1870, a classe militar associada à burguesia adquire relevância intelectual e se acentua o
antagonismo político entre burgueses e ruralistas. O ideário positivista é, assim, apropriado
justamente pelas facções ascendentes na formação e consolidação da República57: militares e
homens de letras, Rio de Janeiro e São Paulo.
No Rio de Janeiro, onde prevalece a defesa dos aspectos políticos do positivismo, a
aproximação entre burguesia e militarismo é crescente e paralela à afirmação do militar como

56
COSTA, op. cit., p. 128.
57
PAIM, op. cit., p. 166.

16
novo poder. Segundo Dantas58, a classe média não possuía uma robusta estrutura econômica
que lhe proporcionasse influência no advir da sociedade, porém, tal deficiência fora
compensada com a concentração, em cenário nacional, do poder político na classe militar.
Sob diretrizes positivistas, desde 1850, a classe impõe através das instituições de formação
sua visão de mundo, republicana e anti-escravagista, contraposta à mentalidade legista outrora
dominante.59 Daqui, a união entre positivistas científicos e militares, dissidentes frente ao
positivismo religioso presente no país a partir da fundação da Igreja Positivista do Brasil em
1881. A ação dos militares coincide, em prática, com a ferrenha defesa da República, com a
separação definitiva entre Estado e Igreja, entre poder temporal e espiritual, a abolição
imediata da escravatura, as reformas cívicas e as reformas cientificistas do sistema de
educação do país.
O Positivismo Ilustrado, por sua vez, decorre da ascensão da classe cafeicultora do
Oeste Paulista liberal, antipática à aristocracia imperial, promotora da mão de obra imigrada e
alienada do poder político. O grupo encontra, no liberalismo e no positivismo, fundamentação
para propostas de reestruturação do país. O positivismo por eles defendido comportava
também na defesa da República, das reformas cívicas e da separação entre Estado e Igreja,
mas divergia dos militares ao pronunciar-se a favor da abolição gradual da escravatura e ao
manter-se próximo da linha filosófico-humanista em termos culturais e pedagógicos. Essas
idéias, à medida que o republicanismo se difunde, englobam a classe média urbana letrada:
médicos, jornalistas, engenheiros e professores que reivindicam, por sua vez, o acesso à
burocracia estatal por critério de mérito. Seriam estes “homens de idéias”60, provenientes de
diferentes grupos sociais, que levariam o positivismo à ordem do dia em discussões rotineiras,
publicações de jornais, teses acadêmicas e discursos políticos ao final do século XIX. Uma
classe que, por sua ilustração, representava uma força moral acatada e solicitada, a verdadeira
“liderança e direção social-político-econômica espontaneamente exercida pelos homens de
maior inteligência, cultura e recursos sobre as populações”61 circunstantes.
Os positivistas de São Paulo liderados por Pereira Barreto caracterizam-se, então, pela
incorporação dos aspectos sociais do positivismo que visam a evolução do Brasil através da
mudança dos costumes da sociedade, de sua moral que dever-se-ia tornar científica numa

58
DANTAS, San Tiago, Dois Momentos de Rui in CASTELLANI, op. cit., p. 51.
59
ALONSO, Angela. O Positivismo de Luís Pereira Barreto e o Pensamento Brasileiro no Final do Século XIX.
Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Disponível em
<http://www.iea.usp.br/iea/artigos/alonsopositivismo.pdf> p. 5-6. Acesso em: 21 outubro. 2008.
60
PAIXÃO, Carlos Jorge. O Positivismo Ilustrado no Brasil. Revista Trilhas. Disponível em
<http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/artigos_revistas/3.pdf> p. 26. Acesso em: 21 outubro. 2008.
61
LINS, op. cit., p. 16.

17
proposta de ilustrar o país.62 Já o Rio de Janeiro, nas classes de matemática, física, ciência da
Escola Militar, Escola Politécnica e outros liceus científicos, portava os ideais intrinsecamente
políticos do comtismo dogmático, autoritário e conservador, e tinha por líder a pessoa de
Benjamin Constant Botelho de Magalhães, fundador da República Brasileira. Em
conformidade, tinha-se no Brasil, positivistas “infiltrados” em instituições de ensino, quartéis,
jornais e repartições públicas. Na abordagem de Paim, o positivismo brasileiro – numa
mistura entre a defesa ilustrada e a defesa ortodoxa da obra política de Comte – encontra
justamente em seu caráter sui generis a capacidade de arraigar o sentido positivo na nova
República.
A partir da ilustração sobre as duas principais correntes do positivismo no Brasil,
identifica-se o caráter transformador que a doutrina assume no país, em contraste com seu
caráter original conservador. Retomando o pensamento de Viotti da Costa, é interessante
analisar o contexto em que o positivismo se manifesta, na Europa e no Brasil, para verificar
como os últimos tenham condicionado diversamente a relação da teoria com a prática
positivista. De acordo, os pressupostos do positivismo – sociedade regida por leis naturais
independentes da ação humana; prevalência do método positivo; explicação causal sem
preconceitos subjetivos dos fenômenos sociais – delineiam, aqui e lá, uma mentalidade
positivista que tem por base o factualismo da realidade, a atenção às relações entre fatos, o
cientificismo aplicado aos fatos sociais e a redução do homem à exterioridade.63
Na França, a realidade como fato observável corresponde ao Estado de Direito
republicano, à economia industrial e à sociedade composta de burguesia e proletariado;
corresponde, enfim, ao desenvolvimento do capitalismo. O cientificismo no velho continente
é atenuado pela introdução do relativismo do conhecimento e a defesa da ciência é associada,
como fator de progresso, majoritariamente ao âmbito industrial. O corpo social, em sua visão
organicista e funcional, é diferenciado e obedece a leis naturais que tutelam a ordenação das
classes e defendem privilégios atribuídos a determinados grupos – industriais. Para o
positivismo, proletariado e burguesia industrial desempenham sua função social em harmonia
– respectivamente formação da opinião pública, e tutela do interesse público e do progresso
social e material. Por fim, ao fator econômico, identificado como gerador do progresso, é
conferida a capacidade de transformação. Ao homem “industrial” compete identificar o
estágio vivido pela civilização e, respeitando a ordem, favorecer as transformações
necessárias àquela fase da evolução da sociedade. Assim resumida, a mentalidade positivista

62
Ibidem, p. 25.
63
Ibidem, p. 192-207.

18
em sua origem assume conotação conservadora da ordem política e social estabelecida:
republicana, burguesa e industrial.
Já no Brasil, assim como o liberalismo, o positivismo vem contestar a ordem
estabelecida desde sua chegada. A realidade é dada pelo Estado monárquico, escravocrata e
agrário que corresponde exatamente ao estado metafísico adverso ao positivismo. Neste
contexto, o saber positivo e a análise das relações entre fatos são supervalorizados e apontam
à necessidade imediata de transformação da realidade metafísica. Os movimentos republicano
e abolicionista e as reformas educacionais da segunda metade do século XX vêm justamente
propor tais transformações. Ao corpo social falta a diferenciação, funcionalidade e coesão. A
escravidão que impede a incorporação do homem negro à sociedade é justificada pela ordem
metafísica e religiosa que diferencia o homem do homem alienando o negro de sua função
social e restringindo-o à função econômica de fator de produção. Desta forma, as camadas
populares brasileiras encontram-se privadas de sua capacidade de ação social e política, o que
modifica a condição da prática do positivismo no Brasil em relação à
França. No Brasil, é na classe instruída que o positivismo encontra os agentes que
promoveriam as mudanças necessárias ao progresso social, e não no proletariado. Teixeira
Mendes deixa claro também que as diferenças de contexto entre os dois continentes implica
na necessidade diversa de ação dos positivistas.64 Por fim, a redução do homem à
exterioridade propõe o papel da intelectualidade brasileira – visto a ausência da classe
industrial – de observar a realidade e prever o futuro e os passos necessários ao progresso
como, por exemplo, identificar se o sistema político e social vigente é adequado à marcha da
civilização do país.65 Neste sentido, os adeptos do positivismo brasileiro se deparam com a
necessidade generalizada de transformação da ordem vigente: a superação do estado
metafísico com a implementação da república, a abolição da escravidão e a definição, ou
construção, da idéia de nação com a incorporação do elemento negro à sociedade, a reforma
da burocracia civil, a separação entre Estado e Igreja, e por fim, proclamada a república, a
afirmação de um imaginário político e social que difunda, em seio à nova nação, os ideais de
ordem e progresso.
A distinção principal a se fazer entre as duas realidades práticas do positivismo é, em
perspectiva comteana, a do estado de evolução em que cada sociedade encontra-se ao
incorporar a doutrina. Em 1850, a França é uma nação industrializada, sustentada por

64
MENDES, Ricardo Teixeira. In: CARVALHO, José Murilo. A Formação das Almas: o imaginário da
república no Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 1990, p. 136.
65
COMTE. In GARDINER (org.). op. cit., p. 102.

19
princípios formais de igualdade e soberania popular, contexto que é, ao ver de Comte, o
estágio positivo e final da evolução da Humanidade, de todo propício ao alcance do progresso
material e espiritual representados pelo desenvolvimento industrial e moral da nação. Para
tanto, através das leis estatísticas e dinâmicas da sociedade, justifica-se a manutenção da
ordem social que é o motor do progresso; e o progresso é realidade. Já o Brasil da mesma
época tem características que o enquadram na fase metafísica da escala evolutiva, em claro
atraso material e espiritual frente à realidade francesa. Aqui, do progresso resultante das
revoluções industrial e social só as idéias chegam. E serão estas idéias a promoverem as
transformações política e social, por mãos dos intelectuais que, difundindo-as em ótica
reformista, aspiram alcançar o desenvolvimento europeu.
Nestas condições e contradições definem-se as diferenças entre positivismo europeu e
positivismo brasileiro. Confirmando o dito, à medida que as diferenças dos dois contextos se
atenuam – proclamada e consolidada a República e abolida a escravidão – observar-se-á a
“mudança de sinal” do ideário defendido no Brasil de revolucionário à conservador e
autoritário. Como exemplo, tomem-se as argumentações de positivistas ortodoxos na
Constituinte de 1891, nacional e do Rio Grande do Sul, que fazem apelo constante à ditadura
sociocrática e à centralização dos poderes no Executivo.66 Adaptando-se ao contexto local
sem perder de vista a essência do modelo francês, o positivismo faz-se utilizar por intelectuais
e militares para justificar os anseios de transformação da sociedade retrógrada de meados do
século XIX, assim como justifica o conservadorismo político dos anos seguintes à República.
Tais “mudanças de sinal” podem, por fim, ser reconduzidas à capacidade da obra de Comte de
combinar-se com as tradições de pensamento características de grupos sociais e contextos já
existentes ou em formação no Brasil Imperial.

3. Prática positivista, abolicionismo, República Brasileira e política internacional

O surto de idéias característico da segunda metade do século XIX, apesar da


heterogeneidade das doutrinas políticas e sociais que o compõe, apresenta unicidade no que
tange ao “espírito liberal” – à defesa das idéias de liberdade, igualdade, propriedade, república
66
A fase conservadora do positivismo Brasileiro é representada no contexto nacional pelos positivistas
ortodoxos. O período em que exerce maior influência política, sobretudo a nível regional, vai de 1891, com o
Governo Sul Riograndense de Júlio de Castilhos, ao Estado Novo quando Getúlio Vargas aplica parte da teoria
social de Comte nas políticas sociais brasileiras, como exemplo a concessão de direitos trabalhistas. Para maior
ilustração desta fase do positivismo brasileiro. Cf. PAIM, Antônio. Plataforma Política do Positivismo Ilustrado,
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981.

20
presidencial e Estado laico. A partir desta base comum é que as idéias republicanas
sedimentam-se no Segundo Reinado e, em aparente confusão entre liberalismo e positivismo,
chegam ao Manifesto Republicano e à Proclamação da República.
Nady Moreira esclarece a sobreposição de influências apontando as duas correntes
formadoras do republicanismo brasileiro: a liberal democrática fundada sobre o empirismo de
John Locke, e a autoritária fundada sobre as idéias políticas de Auguste Comte. Uma terceira
corrente, menos influente, é introduzida por Carvalho na obra Formação das Almas, o modelo
francês da Primeira República jacobina que salienta os aspectos de intervenção direta do povo
no governo. Já para o liberalismo e o positivismo, centrais são os aspectos institucionais da
república e da organização do poder; nisto, compartilham ideais comuns, os quais, porém, têm
elaboração prática diversa em cada doutrina. A corrente liberal, seguindo o modelo
americano, era promovida pela aristocracia agrária e defendia o utilitarismo de Hume. O
pensamento liberal conduzia facilmente a idéia de liberdade ao interesse individual, à busca
da felicidade material, como desenvolvimento econômico, e espiritual, em termos de
sentimento de comunidade e patriotismo. Prezava também pela separação dos poderes contida
no pensamento de Montesquieu.67 O modelo positivista tinha como foco fazer da República
um sistema de governo que personificasse a divisa “Ordem e Progresso”.68 A liberdade, para
o positivismo, é a liberdade espiritual que tem como principais características a universalidade
e a impessoalidade. Isto significa que a sociedade como organismo está em primeiro plano. A
liberdade diz respeito ao indivíduo somente enquanto este é parte que compõe o organismo
social. Assim, o conceito acaba por justificar as diferentes condições materiais – e as
conseqüentes restrições de liberdades individuais – dos indivíduos na sociedade.69 Quanto à
forma de governo que tornaria o ideal republicano em realidade havia, porém, divergências.
Na França a questão que cindiu o positivismo, a partir dos discípulos de Comte, entre
heterodoxo, liderado por Littré, e ortodoxo, liderado por Laffite, no Brasil deu espaço a quatro
manifestações diferentes do positivismo.
A distinção entre os “positivismos”70 brasileiros se mostra necessária enquanto a
doutrina tenha aqui variado em ao grau de fidelidade à matriz francesa e, principalmente, em
sua capacidade de adequar-se às contingências locais. A clássica distinção entre ortodoxos e
heterodoxos revela-se insatisfatória e dá espaço à seguinte divisão: positivistas ilustrados,

67
CARVALHO, José Murilo. A Formação das Almas: o imaginário da república no Brasil. São Paulo: Cia das
Letras, 1990, p. 18-19.
68
Ibidem, p. 20.
69
COSTA, op. cit., 161.
70
ALONSO, op. cit., p. 11.

21
militares, ortodoxos e políticos71. Os Positivistas ilustrados tinham o programa político,
pedagógico e cultural voltado à aplicação da ciência como instrumento para formulações
morais harmônicas que permeavam um projeto civilizatório para integrar o país ao advento
mundial da modernidade.72 Luís Pereira Barreto, Alberto Sales e Aarão Reis foram seus
principais representantes em campo cultural, político e econômico com as idéias centrais de
moralização da sociedade; de ciência política cognitiva e positiva; e de intervenção do Estado
na economia como protetor dos interesses industriais. Comum ao projeto dos três personagens
históricos é promoção da educação popular universal e científica.73 O grupo dos militares,
com Benjamin Constant, inclui no ideal de República Presidencial elementos que serão
comuns ao positivismo ortodoxo e ao ilustrado com os quais age conjuntamente em prol do
laicismo do Estado, das reformas civis e da universalização da educação. É a matriz mais
influente nos anos de institucionalização da nova República Brasileira; é a base doutrinária da
classe militar que toma frente no 15 de novembro, assim como compõe o grupo que, na
Constituinte de 1891, defende as propostas reformistas do Apostolado Positivista. Por sua
vez, o positivismo ortodoxo, ou positivismo utópico, é composto por aqueles que, seguidores
da Religião da Humanidade. Levam ao plano político e social as idéias da obra Catecismo
Positivista. Fase final da elaboração teórica de Auguste Comte, a obra preconiza uma
sociedade livre e hierárquica regida pela Mátria – que seria a mediação entre unidade familiar,
Nação e Humanidade – e pela ditadura republicana transitória, adversa à soberania popular e
ao sufrágio universal.74 Enfim, a república deveria ser sucedida pela ditadura sociocrática
positiva. Destaca-se a atividade teórica do Apostolado Positivista, sobretudo na pessoa de
Miguel Lemos e Ricardo Teixeira Mendes, fundadores da Igreja Positivista do Brasil situada
no Rio de Janeiro, capital Imperial e centro do ativismo positivista militar. O quarto grupo
caracteriza o positivismo do período sucessivo à República quando, a partir de 1891, uma
corrente regional afirma as convicções políticas de ditadura republicana em plano regional
dando início ao Castilhismo na República Positivista do Rio Grande do Sul.
Segundo Costa75, o movimento republicano e o abolicionismo têm raiz comum: o
vórtice de idéias que cobrem o Brasil no período em questão. Em ambos os casos a

71
RODRIGUES, Ricardo Vélez. A herança de 64 no contexto do cientificismo brasileiro. In :SEYSSEL,
Ricardo. O positivismo e a Bandeira Brasileira. Disponível em
<http://www.rikardo.com.br/arquivos/posit_bandbras.pdf> p. 4. Acesso em: 21 outubro. 2008.
72
ALONSO, op. cit., p. 11.
73
PAIM, Antônio. Plataforma Política do Positivismo Ilustrado. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1981, p. 6-9.
74
MORAES FILHO, op. cit., p. 32.
75
COSTA, Frederico Guilherme. A maçonaria e a Emancipação do Escravo. Londrina, Ed. Maçônica A Trolha,
1999, p. 27.

22
maçonaria, por não ser institucionalizada e ter como preceito o não envolvimento político, age
através dos positivistas ilustrados e militares para influenciar as lutas políticas e sociais.
Como exemplo, o Manifesto Republicano, 1870, tem dentre seus signatários personagens
identificados por Costa como maçons e por Lins como positivistas: Joaquim Saldanha
Marinho, Aristides Silveira Lobo e Quintinho Bocaiuva. O documento que dá corpo ao
republicanismo brasileiro reflete a abertura à crítica social por parte da intelectualidade
paulista e contém argumentos que podem ser conduzidos ao ideário positivista tais como: o
uso da liberdade e da revolução moral como meio para chegar ao progresso e à grandeza da
Pátria; a crítica aos privilégios sociais e ao privilégio de raça; e o apelo à Fraternidade entre os
povos.
À publicação do Manifesto Republicano, em conformidade com a crítica da ordem
escravocrata, segue a acentuação do abolicionismo. O problema da mão de obra servil vai ao
centro do debate político-social em expressão das mudanças econômicas e sociais que o fim
do tráfico de escravos produz – inversão de capitais e progresso econômico de um lado e
escassez de mão de obra de outro. O ano coincide com o fim da Guerra do Paraguai, evento
que contribui à causa abolicionista expondo a condição – deplorável – de país escravocrata à
comunidade internacional. Junto a Cuba, são os únicos países da América a manterem a
escravidão, e nas palavras de Visconde do Rio Branco76 a “odiosa instituição” humilha
moralmente o Brasil perante o estrangeiro.
A atividade abolicionista denuncia os aspectos econômicos e sociais da escravidão
através de livros, artigos de jornal e panfletagem. Dentre os positivistas brasileiros, ortodoxos
e ilustrados assumem a causa em posições diametralmente opostas. Para os ortodoxos, a única
posição aceitável é a emancipação imediata e irrestrita do escravo pois cada “raça” e cada
“classe” concorrem em modo proporcional ao progresso da sociedade. A opressão do branco
sobre o negro é então inaceitável; a escravidão, uma instituição monstruosa; a abolição um
dever imediato e universal.77 Em particular modo, esta linha era defendida por Benjamin
Constant e pelo Apostolado Positivista. O primeiro empenhara-se na campanha abolicionista
através do Clube Militar presidido por Marechal Deodoro que adota a divisa abolicionista e,
com esta tomada de posição, influencia todo o corpo militar. Negando-se à captura dos negros
rebeldes, os militares favorecem a insustentabilidade do regime de escravidão e da própria

76
PARANHOS. In: COSTA, op. cit., p. 23.
77
BOSI, Alfredo. O positivismo no Brasil: uma ideologia de longa duração. In: MOISÉS, Leyla Perrone (org.).
Do Positivismo à Desconstrução. São Paulo: Edusp, 2004.

23
Monarquia78 - cada vez menos legitimada pelo povo, pelo Exército e pela Igreja, que
constituíam os fundamentos de seu poder.
O Apostolado aborda o abolicionismo como parte do conceito mais amplo de
complementaridade racial. O discurso de evolução da Humanidade chega à questão racial
onde cada raça tem, como cada grupo social, sua funcionalidade na composição da sociedade.
No Brasil, essas idéias tomam forma de projeto de um novo tipo sociológico, o brasileiro79:

[...] não foi o português nem o africano que para aqui vieram, nem tampouco o
fetichista (selvagem) que aqui encontraram os nossos antepassados. O brasileiro foi o
descendente direto ou fundido desses três elementos, e para o qual se tinha formado
tradições distintas dos troncos de onde provieram.80

O brasileiro provinha então da união das raças negra, amarela e branca – escravos
africanos, índios e portugueses – que contribuiriam respectivamente com os sentimentos, a
atividade e a inteligência. Com essa premissa, o Apostolado lutava não só pelo abolicionismo,
mas orientava-se no sentido de abolir “toda modalidade de opressão dos fortes contra os
fracos”81; a luta era pela integração social da raça negra e contra o extermínio indígena.
Ainda, sugere Leal, a questão do escravo era abordada em termos de segurança nacional. Pelo
fato de os escravos estarem à margem de qualquer estatuto político ou social, os crescentes
casos de fuga geravam a sensação de perigo e desordem social dentre os cidadão brasileiros, e
o negro passava a ser visto como “inimigo doméstico”. A abolição era necessária para que os
escravos tornassem-se compatriotas inclusos social e economicamente garantindo a ordem no
Brasil.
Em contraposição, o positivismo ilustrado, filho da cafeicultura paulista, convém com
os liberais na defesa da abolição lenta e gradual até sua substituição com a mão de obra
imigrada. Francisco Antônio Brandão Júnior, colega de Pereira Barreto nos estudos na
Bélgica, representa bem o pensamento Ilustrado em sua memória A Escravatura no Brasil e a
Agricultura no Maranhão 1865. A defesa de Brandão baseia-se no reconhecimento de que o
país encontra-se no estado metafísico, que corresponde à organização feudal, e no
reconhecimento do direito de propriedade como direito sancionado pela sociedade. A
escravidão, porém, caracteriza o estado fetichista e deve dar lugar a uma nova forma de
78
LINS, op. cit., p. 322.
79
BOSI. In: PERRONE (org.), op. cit.
80
LEMOS, Miguel; MENDES, Raimundo Teixeira. A política positiva e a grande naturalização. In: LEAL, Elisabete.
O lugar dos positivistas ortodoxos nos debates raciais dos oitocentos e a defesa da “raça brasileira unificada”.
Disponível em <http://sitemason.vanderbilt.edu/files/gCMyU8/Leal.doc> p. 3. Acesso em: 6 novembro. 2008.
81
LINS, op. cit., p. 426.

24
organização do trabalho que respeite a evolução da sociedade e a elevação do homem. Desta
perspectiva resulta que a abolição, se imediata, infringe aos direitos de propriedade
promulgados legitimamente pela sociedade e, para a teoria positivista, salta uma etapa do
processo de evolução histórico-social. Sua prática abolicionista consistiria, então, na proibição
do comércio de escravos e no pagamento de um ordenado para que o escravo passasse de
servo à colono livre – condição típica da organização feudal. Por fim, sua argumentação em
termos econômicos: a atribuição do salário proporcional ao trabalho escravo como forma de
pagamento da própria liberdade incentivaria o cativo a aumentar sua produtividade.82
A promulgação da Lei Áurea em 1888 é a percepção manifesta da insustentabilidade
do regime monárquico e a advertência à chegada da República. Também a Questão
Religiosa83 e a Questão Militar84 transmitem a idéia generalizada de fraqueza do Governo
Central e contribuem à ruína do Império. Sobre a ação positivista nas etapas da proclamação
da República são inúmeras as referências; remete-se, em particular modo, à explanação de
Lins sobre a ação dos cadetes filósofos da Escola Superior de Guerra. A importância do
positivismo como doutrina política que permeia a formação da República brasileira está
registrada em sua presença nas três etapas imediatamente precedentes à proclamação da
república: a criação do Clube Militar que em 1887 – sob presidência de Marechal Deodoro e
Benjamin Constant – adotava a divisa republicana do Manifesto ao Parlamento e à Nação
188785; a abolição da escravidão 1888; e a reunião, em 10 de novembro, que planejaria o
levante militar organizada na casa de Benjamin Constant. A proclamação da República fora
pensada como passagem pacífica de poder seja pela inépcia e fraqueza do regime imperial,
seja pela concepção pacifista do positivismo predominante naqueles dias.
Mas é nas reformas implementadas pelo Governo Provisório 1889-1891 que o
positivismo mostrar-se onipresente. A começar pela declaração A Proclamação da República,
o novo governo considera-se um “simples agente temporário da soberania nacional, é o
governo da paz, da liberdade, da fraternidade e da ordem”.86 A Constituinte de 1891 contava
com uma minoria de positivistas, Aníbal Falcão, Borges de Medeiros, Demétrio Ribeiro, José
Bevilaqua, Júlio de Castilhos e Lauro Sodré dentre outros. Mas, não obstante a maioria e a
vitória formal dos liberais – da República Democrática de Rui Barbosa sobre a Ditadura

82
LINS, op. cit., p. 102.
83
Conflito entre Igreja Católica, Maçonaria e Governo Imperial na década de 1870 que cria dissenso entre as
bases institucionais do Império.
84
Atritos contínuos, nos anos 80, entre monarquia e oficiais do Exército que, conscientes da própria força
institucional, posicionam-se politicamente em favor do republicanismo.
85
LINS, op. Cit., p. 337.
86
CASTELLANI, op. cit., p. 161.

25
Sociocrática de Constant – a política dos primeiros anos da República é permeada de
princípios positivistas a ponto de José Veríssimo tê-lo considerado “quase uma religião de
Estado”.87 Destaca-se a repercussão das manifestações do General Ministro da Guerra
Benjamin Constant e das publicações do Apostolado enviadas, entre 1889 e 1891, ao Governo
Provisório em ocasião da instituição dos seguintes decretos:
- A separação do Estado e da Igreja Católica (decreto 119-A, 7 novembro 1890): afirma
a liberdade espiritual da República pregada pelo positivismo, em sete artículos
consagra a liberdade religiosa, a proibição do Estado de intervir em matéria religiosa,
reconhece personalidade jurídica às igrejas e elimina as subvenções estatais à Igreja
Católica.
- A instituição do casamento civil (decreto 789, 17 setembro 1890): é acompanhado do
registro civil de nascimentos e mortes, da secularização dos cemitérios, conseqüente à
secularização do Estado.
- Afirmação da liberdade profissional (constituição 1891 nº 24 art. 72).
- Obrigatoriedade da arbitragem em casos de conflito internacional (Constituição de
1891 nº 11 art. 34): baseando-se no princípio de paz universal e de solidariedade entre
povos, o Apostolado Positivista do Brasil, na Representação ao Congresso Nacional
propondo modificações no projeto de Constituição apresentado pelo Governo
Provisório, propõe a instituição do arbitramento obrigatório sob os termos “Nenhuma
guerra podendo ter lugar, salvo no caso de agressão imediata, sem recorrer-se ao
arbitramento”, nº 12 art. 3488, que é deferida somente sob a proposta de Nilo Peçanha
que ditava, para o nº 11 art. 34, “autorizar o governo a declarar guerra, se não tiver
lugar ou malograr-se o recurso do arbitramento e a fazer a paz”.89
O repúdio à guerra corresponde à necessidade de superação da fase metafísica e
militarista vivenciada pelo Brasil monárquico; a República deve, em sinal de evolução,
embasar seu poder e prosperidade sobre feitos econômicos e políticos quais a indústria e a
diplomacia de cooperação internacional. A propósito, inúmeras foram as propostas, por parte
dos cadetes filósofos e pelo Apostolado, para a restituição ao Paraguai dos troféus da “guerra
fratricida” – horrenda herança do Império90 - idéia que, difusa, sensibilizava a opinião pública
à necessidade do desarmamento, da desmilitarização e da supressão das lutas internacionais e
87
LINS, op. cit., p. 335-336.
88
Ibidem, p. 372.
89
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 24 de fevereiro de 1891. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao91.htm> Acesso em: 07 novembro.
2008. (Grifo da transcrição.)
90
LEMOS, Miguel. In: LINS, op. cit., p. 372-373.

26
de cancelamento das dívidas de guerra entre os povos.91 A aplicação prática da solidariedade
internacional na América Latina é ainda abordada por Teixeira Mendes em A “Doutrina de
Monroe” e o papel dos Estados-Unidos nas relações entre os povos americanos e a Europa
1896 e Pela Fraternidade Universal 1910. Em decorrência dos perenes conflitos
interamericanos, desde a Guerra do Paraguai, a Guerra do Pacífico e da preparação militar das
nações do ocidente no início do século XX, o apóstolo aponta as “medidas excepcionais”92
para reforçar a independência política da pátria: desenvolvimento das indústrias fundamentais
do Estado, criação de impostos que as favoreçam; e busca e aliados regionais. 93 Enfim, em
contraposição com o advento do nacionalismo europeu vinculado a preconceitos raciais94, a
necessidade de fazer prevalecer o patriotismo genuíno que assume conotação pacifista
enquanto “só aspira à verdadeira grandeza da pátria, sempre de acordo com os interesses da
civilização universal.”95 Essas medidas são, para Teixeira Mendes, contempladas pela
Doutrina de Monroe cuja prática levaria a um regime político de liberdade completa e
regeneração dos governos, para o qual a defesa nacional demonstrar-se-ia inútil.96 Afim com
os interesses do continente americano, naquele momento histórico composto por nações
fracas materialmente e socialmente e sem estímulos de dominação externa, a doutrina é lida
como ato de solidariedade universal, apoio moral e material dos fortes aos fracos a fim de
evitar a recolonização.97 Neste sentido, o lema “América para os americanos” tornava-se a
única via de superação da fraqueza do continente, era a união dos interesses de cada república
do hemisfério com os interesses da Humanidade. E, contra as críticas de “humilhante
subordinação”, Mendes argumentava:

A Doutrina promove a autonomia das nações republicanas [...] acelerar o advento da


ordem scientífico-industrial que deve substituir os regimes teolgógicos-militares do
passado.98

Tornando às escolhas políticas do Governo Provisório, também são decretos adotados


em decorrência das argumentações da ala positivista do Governo Provisório:

91
LINS, op. cit., p. 435.
92
MENDES, Ricardo Teixeira. A Doutrina de Monroe e o papel que cabe aos Estados-Unidos nas relações
entre os povos americanos e a Europa. Rio de Janeiro: Apostolado Positivista do Brasil, 1938, p. 4.
93
MENDES, op. cit., p. 7.
94
LINS, op. cit., p. 435.
95
LAGARRIDE, Juan Enrique. In: MENDES, Ricardo Teixeira. Pela Fraternidade Universal. Rio de Janeiro:
Apostolado Positivista do Brasil, 1910, p. 4.
96
MENDES, Ricardo Teixeira. A Doutrina de Monroe e o papel que cabe aos Estados-Unidos nas relações
entre os povos americanos e a Europa, p.7.
97
Ibidem, p. 7.
98
Ibidem, p. 6.

27
- A reforma do ensino militar e civil: Benjamim Constant, em 1890, passando do
Ministério da Guerra ao Ministério da Instrução, promove a reforma do ensino médio
e elementar sob dogmas científicos e práticos. A reforma, com base no Curso de
Filosofia Positiva, preconiza a educação positiva, coesa, integral e universal como
base para que o indivíduo exerça seus direitos e obrigações cívicas – como o voto e a
juria - na nova ordem social.99 O sistema de educação implementado é laico e
científico, em claro descrédito das disciplinas humanistas. Sobre sua coesão, porém,
há contradições. Os estudos pedagógicos sobre o positivismo100 responsabilizam-no
pela excessiva fragmentação do sistema de ensino brasileiro que atende aos princípios
positivistas de racionalidade, objetividade e neutralidade visando o fim da anarquia
intelectual.
- A adoção de um calendário de festividades nacionais que valoriza o elemento cívico
da cultura brasileira e a fraternidade universal. A elaboração é de Teixeira Mendes e a
proposta de Demétrio Ribeiro (decreto 115-B, 14 janeiro 1890).
- A adoção do dístico “Ordem e Progresso” na bandeira nacional: elaborada por
Teixeira Mendes, ilustrada por Décio Vilares e proposta ao Governo Provisório por
Rui Barbosa. O modelo da bandeira brasileira reflete o ideal pelo qual “o povo
brasileiro, como todos os povos ocidentais, encontra-se na necessidade imperial
reconduzida às palavras Ordem e Progresso” (decreto 6, 19 novembro 1889).
Dentre os princípios do novo regime – liberdade, laicismo, democracia e equilíbrio
entre poderes – somente os dois primeiros tornam-se realidade através das práticas e valores
que o Governo Provisório afirma com tais decretos. A questão da igualdade, da democracia e
do equilíbrio de poderes, princípios afirmados no Brasil pela ideologia liberal, continua uma
utopia até o final do século XX. O fato demonstra como tenha sido o positivismo a principal
doutrina à base da nova “idéia de Brasil” e do rumo político que a ela foi dado. Na opinião do
liberal Rui Barbosa101, foi não só a alma do movimento republicano, mas o ascendente moral
do novo regime. Em muitas partes do Brasil, principalmente nas capitanias governadas por
políticos positivistas como o Maranhão, a vitória do republicanismo até mesmo confunde-se
com a vitória do espírito positivista:

[...] em 15 de novembro de 1889, Pedro Velho (Governador) divulgou uma


declaração ao povo do Rio Grande do Norte: “[...] A alma nacional, inundada de

99
Lins, op. cit., p. 268.
100
Cf. BOTORMORE, Tom, ISKANDAR, Jamil I., LEAL, Maria R., SAID, Fabio.
101
LINS, op. cit., p. 315.

28
júbilo, destitui o Império e firma-se na capital brasileira um governo provisório [...].
A República é a paz, a ordem, a tranqüilidade interna, a harmonia internacional, a
civilização e o progresso.102

Essa incontestável influência é explorada por Carvalho em A Formação das almas no


que diz respeito à luta pela construção do imaginário republicano brasileiro – ponto de fusão
entre ação política e tradições populares que vem a consolidar e legitimar a política junto ao
povo através da linguagem simbólica mais acessível à classe popular. Em contexto de disputa
e indefinição – resultante da contraposição entre positivistas e liberais – o positivismo,
todavia, prevalece ao perceber a importância do momento de mudança que o país vivia e
tornar-se importante ator das lutas políticas, ideológicas e simbólicas travadas naquele
período.
Para ilustração, veja-se o caso da adoção do modelo positivista para a Bandeira
Nacional, símbolo oficial da República. Enquanto outros temas possibilitavam longos debates
e polêmicas – tais quais a escolha da feição feminina da República e de Tiradentes como mito
de origem – a escolha dos símbolos nacionais, o Hino e a Bandeira, pressupunham decisão
imediata.103 Dentre os modelos de bandeira – o dos inconfidentes, o de inspiração americana e
o positivista – o Governo Provisório opta pelo modelo que baseava-se na bandeira imperial e
a ela acrescia elementos de inovação, como o dístico “Ordem e Progresso”.
O decreto de 19 de novembro de 1889 representa a aceitação, por parte dos liberais, da
bandeira e seu lema positivista. Isso porque, mesmo “partidário”, o estandarte conjugava
elementos representativos do novo regime com elementos do imaginário coletivo construído
sobre o antigo regime monárquico: o militarismo e a exuberâncias das cores da riqueza
nacional. A argumentação de Teixeira Mendes é hábil em justificar a composição e
conveniência da nova bandeira:

O estandarte da República Brazileira simboliza o nosso Passado, o nosso Porvir, e o


nosso Prezente, a nossa terra e o nosso céu; os feitos do nosso paíz e as nossas
aspirações. Mas não é tudo. Ele recorda também a nossa filiação com a França, o
centro do Ocidente, e por esse lado nos prende à toda a evolução humana passada, e
ao mais remoto futuro.104

Ela representa assim o vínculo necessário entre o passado que, mantendo a ordem, põe as
bases para o futuro de progresso material e espiritual. O modelo positivista mostra-se ideal
por condensar as representações cívicas e as necessidades morais do país, capazes de

102
Disponível em <http://culturanatal.com.br/gov1_pedrovelho.php> Acesso em: 06 novembro. 2008.
103
Ibidem, p. 109.
104
MENDES, Raimundo Teixeira. A Bandeira Nacional. Rio de Janeiro: Apostolado Positivista do Brasil, 1921,
p. 20.

29
emocionar a alma brasileira e incitar o amor à Pátria e, enfim, de popularizar a Nação. 105 A
continuidade entre passado e futuro representa a unidade tornada possível somente pela
fraternidade social que vence as discordâncias individuais.
As duas principais críticas dirigidas aos primeiros governos republicanos e ao
Apostolado Positivista foram: a incorreta posição das estrelas na representação da ordem
astronômica e a ridicularização decorrente à adoção de um lema “religioso” como dístico
positivista para a bandeira nacional de um Estado laico. É ainda Teixeira Mendes que, em
argumentação que precedo o artigo A Bandeira Nacional 1889, defende o “pavilhão
republicano do Brasil”: quanto à ordem cósmica era necessário, para desencadear os devidos
sentimentos patrióticos na nação brasileira, que se evocasse o aspecto do céu brasileiro do 15
de novembro, o qual, com o relativismo estético necessário à simbologia, apresenta-se tal
como figurado na Bandeira Nacional. Sobre o dístico “Ordem e Progresso” sustentava que,
estabelecido cientificamente pela lei da Dinâmica e Estática Social, era a necessidade de todos
os povos Ocidentais e resumia “todas as grandes aspirações humanas”. Em posterior carta ao
Diário Oficial rebate ironicamente:

[...] o ridículo não depende dos objetos contemplados e sim dos sentimentos de que se
anima o contemplador; não sendo de admirar que um monarquista e clerical ache
ridículos os símbolos de uma república.106

E, quanto à referência direta à Religião da Humanidade: é legítima a adoção da bandeira


portadora das idéias de Comte – aprovada pelos defensores da República e não por seus
correligionários – pois o filósofo, assim como outros pensadores, fora capaz de sistematizar as
aspirações de sua época, cujo conteúdo fazia já parte integrante da civilização daquele
tempo.107 Por fim, alega que não fosse a necessidade de representar os anseios do “presente”
momento histórico, teriam adotado a bandeira de Tiradentes – libertas quae sera tamen –
somente que a liberdade, em 1889, não mais representava um fim e sim uma condição;
condição fundamental da Ordem e do Progresso.108
Mas, interessa compreender que a aceitação desse símbolo tenha sido conseqüência da
capacidade – brilhante – dos positivistas brasileiros de compreender o momento histórico e
contextualizar a doutrina às necessidades originadas pelas transformações político-
institucionais do país, fornecendo uma base ideológica adequada à República. Retoma-se a

105
Ibidem, p. IV-V.
106
MENDES, Ricardo Teixeira. Carta ao redator do Diário Oficial. Rio de Janeiro, 25 de novembro de 1889, p.
21.
107
Ibidem, p. 23.
108
Ibidem, p. 24.

30
questão da importação de idéias ou, para Carvalho, da tática política dos positivistas de
adaptá-las ao contexto nacional e enfatizando-as em certos aspectos - no caso dos ortodoxos,
o rigor religioso, político e ritualístico.109 Os adeptos do positivismo, a diferença das outras
filosofias do “surto de idéias”, identificaram com clareza que no Brasil a mudança era
iminente e não revolucionária. A iminência da república posicionava o país em plena fase de
transição entre o estado metafísico e o positivo, requerendo assim o ativismo político e moral
positivista para que homens ilustrados fossem capazes de acelerar a marcha – desta parte – da
Humanidade.

Apressar essa evolução natural com os possantes recursos que a política ou a arte de
bem dirigir os povos, tem posto à nossa disposição, tal a sublime missão dos povos e
estadistas modernos.110

Excetuando-se a aspiração à Ditadura Sociocrata, os positivistas colhem perfeitamente o


potencial “formador” das idéias no Brasil de fins de século XIX e afinam-se às carências
ideológicas do sistema político e social brasileiro. Cada grupo em um setor específico,
infiltra-se na realidade brasileira e, a partir daí, erradica-se no processo de formação da
República e de seu imaginário coletivo. Positivistas militares na moralização do Estado pela
atividade política do Exército e no cientificismo escolar; positivistas ilustrados na fusão da
ciência positiva às práticas cotidianas da classe média brasileira – cultivo agrário, saúde,
pedagogia – e na popularização das palavras de Comte através da literatura, rádios e jornais;
positivistas ortodoxos, enfim, na idealização de símbolos – imagens e sons – para con-vincere
a nação da premência da pregação positivista.

Considerações Finais

O positivismo esteve presente em espaços distintos da realidade brasileira e, através


deles, afirmou o espírito positivista vivenciado por grande parte da elite brasileira desde o
início da luta republicana na década de 1860 até a primeira década da República Velha. Ao
longo do século XX, o positivismo perde sua influência nos acontecimentos políticos do
Brasil. Contudo, por fazer parte de um contexto político-institucional já consolidado, o ideário

109
CARVALHO, op. cit., p. 132-134.
110
MENDES, Teixeira. Benjamin Constant. In; LINS, Ivan. História do Positivismo no Brasil, p. 324.

31
positivista permanece na mentalidade intelectual brasileira, em alguns nichos sociais e em
espaços institucionais como herança republicana.
Inúmeras são as matrizes de pensamento que, desde 1860, chegaram ao Brasil e aqui
foram utilizadas por diferentes grupos sociais como fundamentação teórica para sua
plataforma de ação política.111 As transformações político-institucionais próprias deste
período – como a libertação dos escravos e o fim da monarquia – redefinem também o papel
da elite intelectual no debate político dando a ela voz ativa. Desde sua chegada, o positivismo
exerce grande influência na elite intelectual brasileira. A filosofia, ao criticar os privilégios de
classe do sistema imperial, deu espaço à representação dos interesses das classes emergentes
politicamente, justamente a burguesia comercial urbana e a elite letrada. Através destes
agentes o ideário positivista infiltra-se nas múltiplas realidades da sociedade brasileira no que
Ferreira define como o ethos brasileiro.112 Em favor disso, Lins registra alguns termos de
linguagem correntemente usados entre intelectuais e políticos no final do século XIX: “a
anarquia mental, a pedantocracia, o regime normal, a ordem como fator do progresso, a
integração do proletariado, os mortos governam os vivos, as pátrias brasileiras”. Estes termos
e expressões compunham uma gíria tipicamente positivista e se afirmaram no vocabulário
político nacional.113 Aqui reside, enfim, o mérito do positivismo brasileiro e a relevância do
seu estudo. A partir da capacidade de inserir-se no contexto e moldar-se às especificidades
locais, a doutrina se tornou, dentre as disponíveis, uma das mais influentes na modernização
do país.
A questão da “importação de idéias” pressupõe uma troca internacional. O intercambio
de idéias gera um fluxo que é um aspecto relevante das relações internacionais, mesmo que a
ele se dê pouca atenção. Registrado em diferentes momentos históricos, o fluxo tem como
agentes não só as comunidades epistêmicas como também atores políticos e sociais e abrange
toda a comunidade internacional. Em geral, a produção intelectual nos países, notavelmente
desigual, gera um fluxo de troca onde predomina o sentido centro-periferia114, em que nações
menos desenvolvidas econômica, política e socialmente importam modelos teóricos e práticos
para a implementação de mudanças nas instituições ou políticas públicas nacionais.

111
COSTA, op. cit., p. 97-98.
112
O ethos de uma sociedade é, segundo o autor o conjunto de “motivações, valores, compromissos, regras de
conduta, repertório conceitual e lingüístico” que determinam as modalidades de ação coletiva e as formas de
sociabilidade típicas de uma época. Cf. FERREIRA, Luiz Otávio. O ethos positivista e a institucionalização da
ciência no Brasil no início do século XIX. Revista de História e Estudos Culturais. Disponível em
<http://www.revistafenix.pro.br/PDF12/dossie.artigo.2-Luiz.Otavio.Ferreira.pdf> p. 1. Acesso em: 01
novembro. 2008.
113
LINS, op. cit., p. 336.
114
Em alusão à teoria cepalina de desenvolvimento econômico.

32
A história da implementação das repúblicas retrata parte dessa dinâmica internacional
de idéias. Todas as repúblicas, após a revolução francesa, valem-se do pensamento filosófico
e político europeu do século XVIII como modelo de revolução e organização institucional.
Até mesmo o modelo americano tem suas bases teóricas no Iluminismo francês e inglês. E
assim como os Estados Unidos, as repúblicas americanas formadas no século XIX e XX
adotam o modelo francês jacobino e o liberal americano como base de suas transformações
políticas. Neste cenário, o Brasil representa um desvio da dinâmica padrão. Entre a América
e a Europa, o Brasil coloca-se na posição intermédia e importa idéias francesas distintas das
assimiladas pelas outras repúblicas americanas. Identifica-se com os pontos gerais do ideário
liberal, mas cria uma versão “brasileira” para cada um dos princípios, integrando-os ou
complementando-os com outras doutrinas.
É o caso do positivismo que, segundo Ângela Alonso115, vai além da mera importação
ou imitação de idéias. A doutrina adquire aqui características de um movimento intelectual
com modalidades de ação próprias e tipicamente políticas. A parte relevante e inovadora da
elite intelectual brasileira, a classe média urbana, adota a doutrina e lhe atribui um caráter
revolucionário, mas que, conservadora em sua origem, não deixa de representar o elo com a
tradição européia.116 É o equilíbrio entre o progressismo e o conservadorismo. A medida justa
para que se passasse de Monarquia à República introduzindo, de forma inovadoramente
pacífica, as transformações necessárias à projeção do Brasil como país desenvolvido e
industrial entre as nações do Ocidente.117 Qual doutrina senão o positivismo oferece
instrumentos teóricos e indicações práticas para esta “revolução conservadora” tão ao gosto
de considerável parcela da elite intelectual brasileira? E qual elemento senão a bandeira
brasileira representa esta providente união? A bandeira representa, em seu fundo auriverde
pendão, a ligação com o passado ao qual se sobrepõe a esfera celeste da ordem e do progresso
que projetam o Brasil para o futuro, no concerto das nações desenvolvidas.118

115
ALONSO, Ângela. In: FERREIRA, op. cit., p. 5.
116
SANTOS, Luís Cláudio Villafañe G. O Brasil entre a América e a Europa: o Império e o interamericanismo
(do Congresso do Panamá à Conferência de Washington). São Paulo: Editora da UNESP, 2004.
117
MENDES, Ricardo Teixeira. A Bandeira Nacional. 2. ed. Rio de Janeiro: Igreja e Apostolado Positivista do
Brasil, 1921, p. 17.
118
MENDES, op. cit., p. 16.

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