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Inovação lexical em propagandas publicitárias de revistas brasileiras do século

XXI

Caio Santilli ORANGES1

Resumo
As propagandas publicitárias, como veículo comunicativo, objetivam persuadir e
convencer o público das mais diversas formas, levando-o a adquirir determinado
produto, realizar determinada ação ou agir de determinada maneira. Para tal, a utilização
da linguagem deve ser clara, objetiva e convincente, a fim de que a propaganda seja
efetiva. Assim, não é surpresa que, em muitas ocasiões, o uso da língua seja inovador,
utilizando unidades lexicais criadas ou recontextualizadas, ou seja, os chamados,
respectivamente, neologismos e recontextualizações lexicais. Levando-se isso em
consideração, o objetivo deste artigo é investigar como as propagandas publicitárias
utilizam a inovação lexical a seu favor nas divulgações e veiculações de seus produtos.
A análise é feita a partir de propagandas publicitárias retiradas de três revistas
brasileiras veiculadas no século XXI.

Palavras-chave: Propagandas publicitárias; neologismo; recontextualização lexical;


léxico.

Abstract
Advertisements are a comunicative vehicle that aim to persuade and convince people in
a variety of forms, leading them to buy some product, do some action or act some way.
Thus, it constantly intent innovating things, surprising and even shocking people.
Hence, it’s not new that language on advertisements become innovative, using lexical
unities as recent created and recontextualizated as the advertisements in which they are
in. These lexical unities are called neologisms and lexical recontextualizations.
Therefore, the aim of this paper is to investigate how advertisements use lexical
innovation to sell products. The analysis was made by taking some advertisements from
brazilian magazines of the 21st century.

1
Graduado em Letras (Licenciatura em Português e Inglês) pela Universidade Federal do Triângulo
Mineiro (UFTM). CEP: 14027-175. Ribeirão Preto – SP. E-mail: csantillioranges@gmail.com
Keywords: Advertisements; neologisms; lexical recontextualization; lexicon.

1. Introdução

As propagandas publicitárias fazem uso da linguagem visando atender a um


público específico. Para que esse propósito comunicativo seja bem-sucedido, são
utilizados alguns recursos linguísticos e extralinguísticos. Dentre eles, destaca-se a
inovação lexical.
Tal recurso linguístico, conforme destacam Correia e Lemos (2005), reflete o
caráter multifacetado das línguas naturais. Seguindo essa perspectiva, a língua
portuguesa, como qualquer outra língua, quando empregada, sofre constantes variações
em sua estrutura. Essas mudanças ocorrem no uso social da língua, a fim de suprir as
necessidades espontâneas do falante. Por sua vez, as propagandas publicitárias utilizam
a língua neste mesmo sentido, com o objetivo de persuadir, característica deste anúncio.
A este respeito, Carvalho ressalta:

A língua, espelho da cultura, reflete essa busca frenética de novidade,


evoluindo rapidamente introduzindo novos termos, logo aceitos. (...)
os neologismos têm profunda ligação com as modificações do mundo
exterior e as mais diversas áreas de conhecimento. (CARVALHO,
1984, p. 7-9)

Assim sendo, nota-se que a inovação lexical, seja ela por meio dos neologismos
ou pela recontextualização lexical, são atos sociais. Neste sentido, constata-se que a
língua é “um patrimônio de toda uma comunidade linguística, a todos os membros dessa
sociedade é facultado o direito de criatividade léxica” (ALVES, 1990, p. 6). Ou nas
palavras de Biderman:

Sendo a língua um patrimônio social, preexistente aos indivíduos,


classifica-se como uma realidade heterogênea, sujeita aos outros
fatores que compõem a herança social, como a cultura e a estrutura da
sociedade, por exemplo. (BIDERMAN, 1978, p. 12)

Com base nessas considerações, o objetivo geral deste artigo é identificar,


registrar e analisar neologismos e recontextualizações lexicais em propagandas
publicitárias atuais, a fim de comprovar o caráter mutável da língua portuguesa em sua
variedade brasileira. Para isso, montou-se um corpus constituído por uma amostra de 50
ocorrências de inovação lexical, sejam elas neologismos ou recontextualizações,
retiradas de propagandas publicitárias veiculadas em três revistas brasileiras, a saber:
Revistas VEJA, ISTO É e EXAME. Foram selecionadas apenas as ocorrências que
apareceram a partir das edições de 2001, a fim de atestar as mudanças linguísticas
ocorridas no século XXI.
Justifica-se a utilização das propagandas publicitárias, pois tais mídias possuem
objetivos específicos e moldam a utilização da linguagem a fim de atingi-los. Esta, de
modo geral, varia conforme uma série de fatores de ordem social, política, regional,
entre outras. A linguagem publicitária, por sua vez, além destes fatores, leva outros em
consideração, como público-alvo, marca, meio de veiculação e produto.

2. A relação estrita entre léxico, sociedade e cultura

A língua, instrumento de comunicação em uma sociedade é um dos mais


importantes sistemas utilizados a fim de comunicar e veicular informações. Sua
existência está intrinsicamente relacionada à sociedade na qual ela está inserida e, sendo
ambas heterogêneas, as mudanças ocorridas nesta refletem mudanças naquela e vice-
versa. Assim, conforme já propunha Basílio (1989), a língua é um sistema de
classificação, nomeando os componentes do nosso mundo, para que a comunicação
ocorra. A esse respeito, Carvalho afirma:

O vocabulário, símbolo verbal da cultura, (...) faz a ponte entre o


mundo da linguagem e o mundo objetivo. Não é estático, como a
realidade objetiva em que se espelha; ele evolui e se adapta,
constituindo sempre um portador apropriado de significações, valores
e cargas novas que a realidade gera e a palavra transmite. Essas cargas
novas são responsáveis pelo surgimento constante e inevitável de
neologismos, forma de adaptação da língua à evolução do mundo.
(CARVALHO, 2009, p. 100)

Sendo a língua um sistema de caráter dinâmico e heterogêneo e, levando em


conta o fato de as relações sociais determinarem as necessidades dos falantes da língua,
conclui-se que ela está constantemente se renovando e sofrendo alterações nos mais
diversos níveis. O foco desta análise é no nível lexical.
Quando criadas, as unidades lexicais2 não são instantaneamente incorporadas
ao léxico de uma língua: isso toma tempo e, principalmente, requer o uso. Isso significa
que as unidades criadas não farão parte – imediatamente - do léxico da língua. Para que
isso ocorra, o uso delas é essencial. É preciso que elas sejam empregadas nos mais
diversos contextos, capazes de significarem a mesma nova realidade que fez com que
elas fossem criadas anteriormente. Da mesma forma, unidades que outrora designavam
conceitos e realidades podem não mais cumprir essa função. Mas isso também não
significa que elas deixarão de fazer parte do léxico da língua. Segundo Barbosa e
Marine (2010, p. 90), “as palavras nascem, seus sentidos sofrem alterações diversas –
acréscimos, decréscimos ou até mesmo mudança de sentido -, adormecem, mas
dificilmente morrem”. Biderman também destacava isso já na década de 70:

Nesse processo em desenvolvimento, o Léxico se expande, se altera e,


às vezes, se contrai. As mudanças sociais e culturais acarretam
alterações nos usos vocabulares; daí que unidades ou setores
completos do Léxico podem ser marginalizados, entrar em desuso e
vir a desaparecer. Inversamente, porém, podem ser ressuscitados
termos que voltam à circulação, geralmente com novas conotações.
Enfim, novos vocábulos, ou novas significações de vocábulos já
existentes, surgem para enriquecer o Léxico. (BIDERMAN, 1978, p.
139)

Para Biderman (1978, p. 139), o léxico se constitui da “somatória de toda a


experiência acumulada de uma sociedade e do acervo de sua cultura através das idades”,
diferente do vocabulário, o qual faz menção ao conjunto das lexias atestadas em um
determinado registro linguístico (recorte), o qual leva em conta questões como o
contexto de uso da unidade lexical, a época, o conceito que ela designa, a realidade à
qual ela se referia, entre outros. Portanto, atesta-se que um dicionário descreve a
extensão do vocabulário e não do léxico de uma língua, já que trabalha com um
conjunto determinado de unidades.
A mutabilidade da língua é um processo natural, inerente a ela própria. Este
processo se dá das mais diversas formas, sempre tendo como base as necessidades
expressivas do falante, surgidas no momento do uso da língua. Do mesmo modo, a
língua dispõe de regras as quais permitem sua constante alteração e, consequentemente,
sua renovação.

2
No presente trabalho, utiliza-se “unidade lexical” e “lexia” como equivalentes.
Vê-se, assim, que as sociedades têm a disposição uma série de ferramentas para
contribuir com a inovação lexical. O avanço tecnológico e a mídia possibilitam a troca
de informações culturais entre as sociedades, afetando, naturalmente, a língua. No
campo publicitário, é, por meio do léxico, que o autor emprega este importante recurso
linguístico.
Dessa forma, coadunam-se as palavras de Alves (2010), a qual afirma que, para
se analisar a lexia neológica, deve-se também analisar o desenvolvimento social da
comunidade linguística.

3. Formação de palavras, recontextualização e neologismos

À disposição dos falantes, existem vários mecanismos produtivos para a criação


de novas unidades lexicais. Reitera-se que este fenômeno depende, quase sempre, das
necessidades expressivas de quem está comunicando, e passa a designar uma nova
realidade exatamente no momento de seu uso, dependendo de outros fatores para sua
incorporação ao léxico da língua.
As línguas naturais têm como característica fundamental a produtividade, pois
novos significados são constantemente criados. Isto é, uma lexia nasce em certa
comunidade linguística com a função de representar algo, do mundo concreto ou não,
objetivando a comunicação entre os falantes dessa comunidade.
Com o decorrer do tempo, essa sociedade se desenvolve, faz novas descobertas e
essas novidades também precisam ser nomeadas, porém nem sempre quando surge algo
novo uma unidade inédita é criada. Nesse contexto, acontecem fenômenos linguísticos
que proporcionam a mudança de significado de uma lexia (de um signo linguístico).
O processo em que um significante é utilizado com outro significado chama-se
recontextualização de palavras (cf. BORBA, 2003), fenômeno que ocorre, na maioria
das vezes, por meio da polissemia. A recontextualização é um dos principais fenômenos
que surgem devido às necessidades momentâneas e espontâneas dos falantes. Na
realidade, a própria terminologia cunhada pelo autor objetiva explicitar isso: “(...)
deduz-se que a polissemia (...) tem caráter discursivo na medida em que depende do
contexto e da situação para realizar-se” (BORBA, 2003, p. 161). Assim, é o contexto de
uso da unidade que delimitará seu significado. Em outras palavras, o processo de
recontextualização nada mais é do que recontextualizar seu uso, (re)adequando-o à
situação.
É importante realçar que o que Borba (2003) denomina recontextualização de
palavras, Correia e Lemos (2005) definem como reutilização de palavras já existentes.
Segundo as autoras, esse é um dos processos mais produtivos da língua. Outros
trabalhos, ainda, como os de Carvalho (1984; 2009), Alves (1990) e Ferraz (2010)
denominam o fenômeno como neologismo semântico, ao passo que Correia e Almeida
(2012) o chamam extensão semântica. Biderman (1978), por sua vez, denomina
neologismo conceptual. Será utilizado, no presente artigo, o termo proposto pelo
primeiro autor, pelos motivos elencados acima, e, a partir dele, busca-se propor que a
recontextualização lexical é um processo independente do neologismo.
Cabe lembrar que Bréal (2008) foi quem iniciou o estudo a respeito da
significação, preconizando, em seu ensaio, que as unidades lexicais sofrem mudança de
significado. Tais mudanças podem se dar de diferentes formas, seja com extensão ou
retração de significado, e são fruto do processamento mental da linguagem feito pelo
falante justamente no momento do uso da unidade lexical, de forma intencional para
expressar o que deseja e ser compreendido. Para Bréal (2008), é a vontade humana de
expressar o que é processado na mente, por meio da linguagem, que faz com que se
recontextualizem as unidades da língua.
Além disso, coadunam-se as afirmações do linguista francês, o qual considera
que o processo de significação – e, consequentemente, de mudança de significado –
necessita da atuação ativa e participativa do interlocutor, o qual deve estar atento e
inserido no contexto que permita identificar o significado presente em determinada
unidade.
No que tange às propagandas publicitárias, considera-se que, para a
recontextualização lexical, todas esses postulados se tornam extremamente importantes,
visto que tais anúncios não trabalham apenas com o plano linguístico, mas também com
o extralinguístico, podendo veicular imagens, personagens, simular situações cotidianas,
dentre outras possibilidades de estratégias que contextualizem o interlocutor da
mensagem, para que ele esteja situado e colabore para a construção de significado de
forma a se tornar alvo da propaganda.
No entanto, não se pode afirmar que a ampliação do léxico se dê apenas pela
recontextualização, já que pode ocorrer também pelos mecanismos de (re)estruturação
mórfica ─ derivação e composição ─, processos neológicos, incorporação de novos
itens ao léxico geral e empréstimos linguísticos (cf. BORBA, 2003).
Dentre os mecanismos disponíveis para a formação de palavras na morfologia
lexical, os mais produtivos, segundo Basílio (1989), são a derivação e a composição. No
processo de derivação, há a junção de um afixo (sufixo ou prefixo) a uma base para a
formação de uma lexia. Já no processo de composição há a junção de uma base a outra
para a formação de uma unidade lexical.
Em relação à derivação, segundo Basilio (1989), os afixos apresentam funções
sintático-semânticas definidas: essas funções delimitam os possíveis usos e significados
das unidades a serem formadas pelos diferentes processos de derivação,
correspondentes aos vários afixos. Enquanto que a derivação requer um afixo, na
composição são necessárias as bases para formar a palavra, sendo que cada uma dessas
bases tem seu papel definido pela estrutura. Segundo Borba (2003), os diferentes
processos derivacionais de mudança e extensão de classe seriam funções pré-
determinadas, traduzidas em estruturas morfológicas e/ou sintáticas. Isso quer dizer que
o significado veiculado pelos afixos na derivação ou pelas bases na composição requer
adequação ao contexto de uso e colaboração do interlocutor na construção do
significado, assim como na recontextualização lexical
No entanto, a inovação lexical não se dá apenas por meio de processos que
utilizam como base a língua materna (no nosso caso, a língua portuguesa). Outra forma
extremamente comum são os empréstimos linguísticos ou estrangeirismos, isto é, a
incorporação de unidades lexicais de outras línguas. Borba (2003) argumenta que a
adoção destas formas linguísticas varia em tempo e grau, dependendo dos tipos de
contato entre diferentes comunidades. Por exemplo, no século XXI, é extremamente
comum a adoção de termos provindos do inglês, face à enorme influência que esta
língua possui nos domínios tecnológicos, científicos e culturais.
Por analogia, nem sempre uma unidade lexical é composta apenas por uma
palavra: há também a presença de combinatórias lexicais, ou seja, sequências formadas
por mais de uma unidade. São exemplos dessas sequências as expressões idiomáticas
(EI) e as unidades fraseológicas (UF). Estas unidades, chamadas de complexas por
Biderman (2005), são caracterizadas por funcionarem como uma única categoria léxico-
gramatical.
A autora pondera, ainda, que as expressões idiomáticas são “combinatórias de
lexemas que o uso consagrou numa determinada sequência e cujo significado não é a
somatória das suas partes” (BIDERMAN, 1978, p. 133). Em outras palavras, a
significação desta unidade não ocorre através da soma dos significados de seus
componentes, mas frequentemente por um processo metafórico.
As unidades fraseológicas, por sua vez, são unidades lexicais difíceis de
identificar e definir, devido ao fato de possuírem forte coesão semântica interna e
propriedades específicas (cf. BIDERMAN, 2005). O que as diferencia das EI, no
entanto, é o fato de:

De um ponto de vista sintático as UF têm graus diferentes de


cristalização, isto é, elas resistem a algumas manipulações
morfossintáticas (transformações, inserção de modificadores, flexão) e
comutações léxicas que são geralmente possíveis com construções
equivalentes comuns. (CORAZZARI, 1992, p. 5 apud BIDERMAN,
2005, p. 751)

Além disso, o significado global das UF depende inteiramente do significado de


seus constituintes, o que não acontece na EI, visto que esta pode se dar por motivações
metafóricas. Assim, identificar e classificar unidades sintagmáticas como lexicais requer
a delimitação de critérios e a aplicação de testes específicos da língua em questão.
Quando uma nova unidade lexical é incorporada ao léxico de uma língua, ela
passa a ser considerada um neologismo. Neologismos são, dessa forma, os exemplos
mais claros de renovação e ampliação lexical nas línguas naturais. No entanto, conforme
elucidado anteriormente neste trabalho, nem todas as novas formas são incorporadas ao
léxico da língua no momento de sua criação. Correia e Almeida dizem, a este respeito:

De todos os neologismos que se criam numa língua, nem todos virão a


ser registrados nos dicionários gerais da língua. Muitos deles, como
veremos, resultam de meras necessidades comunicativas pontuais e,
como tal, têm tendência a desaparecer tão depressa quanto aparecem.
Em princípio, apenas os neologismos que surgem por uma
necessidade denominativa estável têm alguma probabilidade de se
fixarem no acervo lexical disponível aos falantes, ao passo que os
restantes tipos de neologismos têm tendência a desaparecer.
(CORREIA; ALMEIDA, 2012, p.6)

Nesse sentido, vê-se que os neologismos fazem parte tanto da produtividade


lexical, quando são mais estáveis, quanto da criatividade lexical, quando menos. Por
esse motivo, um neologismo não se refere apenas às unidades formadas utilizando as
regras da língua portuguesa, mas também aos estrangeirismos e às atribuições de novos
sentidos às lexias já existentes na língua, configurando casos de recontextualização
lexical.
Enfim, de forma geral, o neologismo só pode ser considerado como tal “em
relação à época em que surge e ao estágio imediatamente anterior da língua, ao
significado que é atualizado num dado contexto (...), e ao registro linguístico em que
ocorre” (CORREIA; ALMEIDA, 2012, p. 21).
Dessa forma, no presente artigo, utiliza-se o seguinte conceito de neologismo:
uma forma de inovação lexical que consiste numa forma linguística formada por
processos morfossintáticos ou um estrangeirismo recebido de outra língua que não
esteja dicionarizado, já que se considera que as estruturas dicionarizadas possuem maior
estabilidade no que tange ao seu significado em relação à sociedade. Alves (2010)
denomina esse critério metodológico de filtragem de corpus de exclusão: “Essa
denominação (...) designa um conjunto de dicionários de língua que exerce o papel de
filtro para caracterizar uma unidade lexical como neológica ou não neológica” (ALVES,
2010, p. 65).
Já o conceito de recontextualização lexical que é adotado, como uma das
maneiras de inovação lexical, configura-se como uma nova significação atribuída a uma
unidade lexical, seja por meio dos fenômenos da polissemia (adição ou subtração de
semas), metáfora ou metonímia. Além disso, emprega-se na recontextualização lexical
os empréstimos já dicionarizados e recontextualizados.
A respeito disso, Correia e Almeida (2012) mencionam que a diferença entre
estrangeirismos e empréstimos reside na adaptação da unidade à língua de chegada:
enquanto o primeiro termo denota uma unidade que não sofreu adaptações, o segundo
denota uma unidade já adaptada. Borba (2003) afirma que uma das formas de
comprovação de que o empréstimo linguístico está completamente ‘aclimatado’ à língua
à qual foi incorporado é quando ele amplia seu alcance semântico: “A incorporação
definitiva do empréstimo também se constata pela sua possibilidade de polissemia”
(BORBA, 2003, p. 122). Por esta razão, adota-se o termo empréstimo para os já
dicionarizados e recontextualizados, e o termo estrangeirismo para os neológicos.
Portanto, da mesma forma que se considera que, para o fenômeno semântico-
lexical da recontextualização, a intenção do autor da mensagem, a colaboração do
interlocutor e o contexto de uso influenciam diretamente na construção do significado,
consideram-se também estas afirmações para os fenômenos morfossintáticos que
causam os neologismos, visto que em todos esses processos há construções de
significados, por meio de união de afixos, bases ou combinatórias lexicais. Essa escolha
se deve ao fato de se levar em conta, neste trabalho, as propagandas publicitárias, as
quais utilizam todos esses processos para a construção do significado e cumprimento de
seus objetivos como tal.
Por fim, convém explicar que a razão para a separação entre neologismos e
recontextualizações se deve ao fato de não serem entendidas como unidades lexicais
novas, visto que elas já fazem parte do léxico da língua e já estão dicionarizadas. O que
é novo é um de seus significados (acepções). Portanto, tem-se um sema neológico, mas
não uma estrutura lexical neológica.

4. Revisando trabalhos sobre léxico e propagandas

Muitos trabalhos já evidenciaram que a publicidade, por diversos motivos, é um


lugar de inovação lexical por excelência. Isso se deve ao fato de tal anúncio
comunicativo buscar atingir o público diferentemente dos outros, objetivando a
persuasão. Portanto, é regra que, na publicidade, as questões linguísticas vão além do
ato de informar. Assim, a inovação linguística – e não apenas ela – se faz
constantemente presente na mensagem publicitária. Ferraz afirma:

(...) a linguagem da publicidade tem sido uma força extraordinária a


incidir sobre a língua portuguesa, no sentido de forçar uma contínua
transformação linguística, com reflexos em vários aspectos da língua
e, com especial destaque, no campo lexical, com a criação de palavras
novas. É nesse contexto que percebemos a publicidade como a
linguagem da inovação lexical (...) (FERRAZ, 2010, p.258)

Dessa maneira, foram revisados alguns trabalhos que serviram de base para o
presente estudo e que demonstram como a linguagem publicitária trabalha com o léxico
de forma a modificá-lo e, consequentemente, inová-lo.
Ferraz (2010) também analisa morfossintaticamente as ocorrências neológicas
retiradas de mensagens publicitárias. No entanto, este autor reserva um espaço para
dissertar sobre a neologia semântica, conceito aqui adotado como recontextualização
lexical. Em sua análise, o autor encontra formações neológicas de diversos tipos,
corroborando com o título de seu texto: a mensagem publicitária é a linguagem da
inovação lexical. Para Ferraz, por meio da linguagem publicitária:

assistimos a uma grande manifestação de criação lexical no português


do Brasil. Certamente, pelo caráter de novidade que cada anúncio
deve trazer, o discurso publicitário se reveste da necessidade de
utilização de palavras novas que, em grande parte, são criadas no
interior do próprio discurso ou são adotadas quando revelam a
contemporaneidade de uso pela comunidade linguística. (FERRAZ,
2010, p. 251)

Destacam-se, ainda, dois trabalhos muito completos, que foram consultados e


envolvem a linguagem publicitária e sua relação com o léxico da língua. São as obras de
Carvalho (2009) e Sandmann (2014). O primeiro trabalho não apenas registra e analisa
as ocorrências encontradas, como também se dedica a entender como funciona a
mensagem publicitária. O segundo, por sua vez, resume os principais recursos utilizados
na linguagem publicitária. A sinopse impressa no próprio livro resume de forma objetiva
o que se quer afirmar:

Antônio Sandmann apresenta uma minigramática da linguagem da


propaganda (...) o autor mostra o reencontro do mundo moderno com
a retórica clássica através da linguagem da propaganda, de que destaca
outras características. (SANDMANN, 2014)

5. Metodologia e corpus

Inicialmente, conforme propõe Borba (2003, p. 15), foi realizada a delimitação


de conceitos gerais a respeito de recontextualização lexical, processos de formação de
palavras e outros. Assim, para o desenvolvimento deste artigo, primeiramente, foi feito
um levantamento bibliográfico sobre o assunto, para embasamento teórico, nas áreas da
Lexicologia, da Morfologia derivacional, da Semântica Lexical e da Variação
Linguística.
Além disso, montou-se um corpus composto por unidades lexicais selecionadas
de acordo com os seguintes critérios: terem sido utilizadas em propagandas publicitárias
de revistas brasileiras publicadas após o ano de 2001; não estarem dicionarizadas ou
terem sido utilizadas com um sentido não atestado nos dicionários da época; terem sido
criadas segundo algum fenômeno morfossintático ou semântico-lexical e ampliado o
léxico da língua portuguesa em sua forma brasileira.
As propagandas publicitárias foram selecionadas por serem um veículo, por
excelência, da inovação lexical. As revistas, por outro lado, são veículos de informação
que transmitem ideias e opiniões, tornando-se, também, um vasto depósito de possíveis
análises linguísticas. Selecionaram-se três diferentes revistas brasileiras, conforme os
seguintes critérios: serem revistas de circulação nacional e cujo público-alvo sejam
indivíduos majoritariamente adultos. São elas: Revistas VEJA, ISTO É e EXAME.
Apenas as edições dessas revistas publicadas após o ano de 2001 foram consideradas,
com o objetivo de analisar o fenômeno da inovação lexical no século XXI. Todos estes
critérios buscaram minimizar a ocorrência de disparidades no uso dos recursos
linguísticos encontrados.
Como mencionado anteriormente, todas as unidades foram consultadas em três
dicionários publicados concomitantemente ao período de publicação e veiculação das
revistas. Caso não fosse encontrada – ou o fosse com diferente acepção - em algum dos
dicionários, a lexia selecionada faria parte do corpus e seria analisada. Este critério de
consulta a dicionários é conhecido como critério lexicográfico ou corpus de exclusão.
Os dicionários utilizados neste trabalho foram: Grande Dicionário Houaiss da
Língua Portuguesa (1ª edição, publicado em 2001 pela editora Objetiva); Dicionário
UNESP do português contemporâneo (1ª edição, publicado em 2004 pela editora
UNESP); Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (5ª edição, publicado em 2010 pela
editora Positivo). Duas importantes questões concernentes à escolha dos dicionários
podem ser mencionadas: 1) são todos de circulação nacional e de grande prestígio no
território brasileiro; 2) buscam abranger o maior período temporal possível dentre os
anos já passados no século XXI, tendo em vista os anos de suas publicações.
Os dicionários Aurélio (2010) e Houaiss (2001), conforme comenta Biderman
(2002) em sua análise, são obras que “revelam desconhecimento da Teoria Lexical,
Gramatical e Linguística” (BIDERMAN, 2002, p. 87). O Houaiss (2001) apresenta 228
mil verbetes, e 380 mil acepções. O Aurélio (2010), por sua vez, não informa o número
exato de verbetes ou entradas (estima-se que haja 150 mil verbetes). Tanto num quanto,
noutro dicionário faltam capacidade e conhecimento aos dicionaristas, a respeito de
questões morfológicas, principalmente no que tange à formação de palavras (cf.
BIDERMAN, 2002). De maneira geral, as principais críticas da autora dizem respeito à
elaboração dos dicionários, os quais não se baseiam em um corpus de língua utilizada
em diferentes gêneros, gerando alguns equívocos na classificação, utilização e descrição
das entradas. Apesar disso, tais obras são ainda referências no Brasil, sendo
constantemente atualizadas, comercializadas e utilizadas como embasamento. Carecem,
no entanto, de critérios e teorias que possam auxiliar em suas elaborações.
O Dicionário UNESP (2004), elaborado por Borba et al e publicado em 2004,
apresenta cerca de 58.223 entradas, 110.895 acepções, 135.668 contextualizações, 6.187
destaques e 283 ilustrações. Interessa destacar, portanto, que o dicionário registra o uso
real, pois é baseado em um corpus de 90 milhões de ocorrências de unidades lexicais e
textos que cobrem praticamente todos os setores da vida social.
Quando a unidade não for encontrada em um ou mais dos dicionários
supracitados, ela irá ser considerada um neologismo. Caso tenha sido atestada, porém
apenas com o sentido diferente do encontrado na propaganda publicitária, será inserida
no grupo de unidades que sofreram o fenômeno da recontextualização (cf. BORBA,
2003). Dessa forma, a unidade lexical que se enquadrou em um destes dois casos foi
selecionada para compor o corpus. No primeiro caso, investigam-se os fenômenos
morfossintáticos responsáveis pela criação do neologismo. No segundo caso, analisam-
se os fenômenos semântico-lexicais que motivaram a recontextualização. Por fim,
interpretam-se as motivações extralinguísticas que resultaram nos fenômenos de criação
e recontextualização lexical, de forma a atestar a influência de fatores de ordem social,
cultural, política e histórica nos fenômenos linguísticos.
Convém sobrelevar que serão expostas apenas as análises dos fenômenos que
apresentaram quantidade maior do que 5 ocorrências (10% do corpus), visto que, para o
escopo do presente trabalho, o fenômeno que apresentasse número de ocorrências
inferior a este não foi considerado relevante. Exclui-se deste critério apenas o fenômeno
da recontextualização de empréstimos, já que há necessidade de exemplificar, por meio
da análise, a diferenciação entre este grupo e o dos estrangeirismos, tal qual exposto no
item 3.
Feito isso, as lexias que compõem o corpus foram inicialmente divididas entre
os dois processos de inovação lexical: neologismos e recontextualização de palavras, de
forma a analisar as ocorrências separadamente, já que se consideram os processos
distintos entre si.
Após esta primeira divisão, uma segunda distribuição foi feita, separadamente,
em cada lista dos processos. Essa segunda divisão consistiu na classificação dos
fenômenos morfossintáticos ou semântico-lexicais em cada uma das unidades de cada
processo de inovação lexical. Por fim, foram classificados, nomeados e quantificados os
fenômenos presentes em cada unidade, a fim de se obterem resultados mais precisos de
quais fenômenos são mais produtivos no que tange à inovação lexical.

6. Análise das ocorrências

Conforme os critérios classificatórios explicitados no item 5 e as explicações


teóricas demonstradas no item 3, foram selecionadas, aleatoriamente, 50 ocorrências de
unidades lexicais – retiradas de 47 propagandas publicitárias – que resultaram,
inicialmente, nos seguintes resultados: 40 (80%) são classificadas “neologismos”,
enquanto 10 (20%) são “recontextualizações lexicais”. Assim, pode-se perceber que
grande parte das ocorrências são provindas de algum fenômeno no qual a estrutura é
classificada neológica. Em contrapartida, uma amostra menor das ocorrências são
recontextualizações, isto é, um signo linguístico neológico. Desta forma, dividiu-se o
corpus em dois grandes grupos: (a) Grupo I: neologismos; (b) Grupo II:
recontextualizações lexicais. Após esta análise, os seguintes resultados foram obtidos:

Tabela 1: divisão e porcentagem das ocorrências


Nº ocorrência %
Grupo I (neologismos) 40 80
Grupo II (recontextualizações) 10 20
TOTAL 50 100
Fonte: o autor

Dividiu-se, então, o Grupo I em seis subgrupos, levando em conta os fenômenos


morfossintáticos de inovação lexical: (Ia): derivação prefixal; (Ib): derivação sufixal;
(Ic) estrangeirismos; (Id): composição; (Ie): unidade fraseológica; e (If): expressão
idiomática. Do mesmo modo, o Grupo II foi dividido em três outros menores, levando
em consideração os fenômenos semântico-lexicais utilizados: (IIa): extensão sêmica;
(IIb): recontextualização de empréstimos; e (IIc): metonímia. É importante lembrar que
as subdivisões foram feitas de acordo com os fenômenos observados nas ocorrências.
Portanto, a exclusão de alguns fenômenos comuns da análise ocorreu pois estes não
foram observados no referido corpus.
Feitas e classificadas as subdivisões, os seguintes dados foram obtidos:

Tabela 2: divisão e porcentagem das ocorrências do Grupo I


Nº ocorrências %*
Ia – Derivação prefixal 15 30
Ib – Derivação sufixal 7 14
Ic - Estrangeirismos 12 24
Id - Composição 1 2
Ie – Unidades fraseológicas 1 2
If – Expressões Idiomáticas 4 8
TOTAL 40 80
*em relação ao total de ocorrências
Fonte: o autor

Tabela 3: divisão e porcentagem das ocorrências do Grupo II


Nº ocorrências %*
IIa – Adição Sêmica 7 14
IIb – Recontextualização de empréstimos 2 4
IIc - Metonímia 1 2
TOTAL 10 20
*em relação ao total de ocorrências
Fonte: o autor

No subgrupo (Ia), foram encontradas unidades lexicais que tiveram um prefixo


atrelado à base a fim de formar uma unidade neológica, caracterizando, assim, casos de
derivação prefixal, conforme o exemplo:

(1) VIGOR GREGO ZERO: ULTRAGOSTOSO, ULTRACREMOSO – VIGOR –


Revista VEJA – Edição 2393 – 01/10/2014

Dentre as 15 ocorrências deste fenômeno, mais da metade foram criadas


utilizando prefixos que exprimem as ideias de “grandeza”, “exagero”, “excesso” ou
“superioridade”. O prefixo mais utilizado foi ultra-, cuja função de significação
expressa, segundo Alves (1989), “exagero” e “excesso”. É interessante notar que, nas
duas ocorrências acima, o prefixo se uniu a bases adjetivas, formando assim, as lexias
“ultragostoso” e “ultracremoso”. Nestes casos, o prefixo intensifica as qualidades das
bases às quais é atrelado, de forma a valorizá-las. É por essa razão que ele é tão
produtivo em inovações lexicais de propagandas publicitárias: para que o objetivo
persuasivo deste anúncio seja atingido é necessário, muitas vezes, conferir valorização
ao produto que se pretende vender. O que comprova que as unidades neológicas o
valorizam é que elas estão colocadas em posição de descrição do produto, o que pode
ser evidenciado pela utilização dos dois pontos gráficos e a colocação das unidades
posterior a eles.
Por outro lado, no subgrupo (Ib) foram notadas unidades lexicais que tiveram
sufixos atrelados às suas bases, formando unidades neológicas através da derivação
sufixal. Dois casos interessantes nas derivações sufixais neológicas encontradas são os
casos das unidades “pegadinha” e “sanduba”:

(2) 10 DIAS SEM JUROS E SEM PEGADINHA NO CHEQUE ESPECIAL –


SANTANDER – Revista VEJA – Edição 2425 – 13/05/2015
(3) SERÁ QUE DÁ SANDUBA? – HELLMANN’S – Revista ÉPOCA – Edição 614 –
22/02/2010

Ora, em um primeiro momento, pode-se pensar que as formas destas lexias


acrescidas de sufixo podem caracterizar o caso da flexão de grau. É sabido que estas
formas e seus sufixos (-inha para “pegadinha” e -uba para “sanduba”) são comumente
chamadas de flexão de grau. No entanto, uma análise mais aprofundada mostra o
contrário: tais sufixos não simplesmente adicionam um significado à palavra-base, mas
o alteram completamente. Veja: em “pegadinha”, o sufixo atrelado à base não possui
sentido de “pegada pequena”. “Pegadinha”, na verdade, tem o sentido de “brincadeira”
ou “armadilha”, adicionando a estes sentidos a sequência “com fim humorístico”. O
caso de “sanduba” é mais complicado, por ela não exprimir necessariamente
aumentativo. Ora, qualquer sanduíche poderia ser chamado “sanduba”, sem sequer ser
grande. A terminação –uba é, na verdade, de origem indígena3, e seu uso nada se
aproxima ao de “sanduba”. É comum, por exemplo, dizer “sandubinha” ou “sandubão”,
mantendo a sufixo –uba e adicionando uma suposta expressão de grau. Como afirma
3
Para uma melhor explicação sobre a origem da terminação –uba, consultar Bragança Júnior (1992).
Câmara Jr (1989), a flexão de grau se configura mais como uma questão de estilo ou
preferência pessoal, não sendo obrigatória. Além disso, muitas vezes os aumentativos e
diminutivos se atrelam às unidades lexicais atribuindo-lhes significados novos.
O subgrupo (Ic), por sua vez, traz unidades originadas em outras línguas e
utilizadas no português brasileiro. No entanto, tais unidades não estão totalmente
incorporadas ao vocabulário do PB, sendo, portanto, neológicas. É o caso da unidade
lexical “fashion”, estrangeirismo da língua inglesa:

(4) REDECARD E SUA LOJA. PORQUE FASHION MESMO É VENDER MUITO –


REDECARD – Revista ISTOÉ – Edição 2135 – 13/10/2010

Tal unidade foi encontrada apenas no Dicionário Aurélio (2010). Isto mostra que
ela possivelmente foi incorporada no PB em um período próximo a 2010, já que sua
veiculação ocorreu neste ano. Isso se deve ao fato de não existir correspondente para ela
em PB4, portanto sua incorporação se deu mais facilmente, isto é, ela foi aceita
rapidamente, pois designava uma realidade impossível de ser nomeada com os
mecanismos disponíveis do PB. Da mesma forma, é possível pensar que a utilização
desta lexia ocorra em contextos mais restritos, especificamente o da moda, o qual é
explorado pela propaganda publicitária por meio da associação dos recursos linguístico
e imagético, visto que a “loja” à qual se refere a sentença é apresentada pela imagem
propagandística, contextualizando o interlocutor para a construção do significado.
Os subgrupos (IIa) e (IIb) trazem as unidades lexicais que sofreram fenômenos
de recontextualização lexical. O primeiro traz um fenômeno semântico-lexical, a saber,
o da polissemia. Observe-se o caso da unidade lexical “buraco”:

(5) ENCONTRE UM BURACO NA SUA AGENDA – TIMBERLAND – Revista


ÉPOCA NEGÓCIO – Edição 4 – 07/2007

Apesar de ter sido encontrada nos três dicionários, em nenhum deles o sentido
em que foi utilizada na propaganda publicitária estava atestado. Geralmente utilizado
com o sentido espacial, de “cavidade”, “abertura” ou “orifício”, na propaganda
veiculada a unidade “buraco” tem o sema temporal adicionado ao seu sentido. No

4
Por “correspondente” se entendem aqui unidades que nomeiam a mesma realidade que a lexia
estrangeira. São os casos de “hermano” (irmão), “capisci” (entende) e “pause” (pausar, parar), ocorrências
que compõem o corpus.
contexto da propaganda, “buraco” ainda traz consigo o aspecto espacial, mas, atrelado a
ele, está o aspecto temporal. Um “buraco na agenda” seria, portanto, um espaço de
tempo livre.
Por outro lado, uma possível explicação para o fato de nenhum dos três
dicionários utilizados como filtro terem apresentado a acepção temporal na unidade
lexical referida se deve ao fato de este significado ser utilizado em contextos mais
espontâneos de fala e, portanto, suprindo necessidades momentâneas dos usuários da
língua. Assim, não é surpresa que não estejam atestados nas obras consultadas, visto que
a maioria delas costuma trabalhar com registros escritos, ou seja, menos expressivos do
ponto de vista da espontaneidade.
Outra possível explicação para “buraco” com sentido temporal é a restrição do
contexto de uso da unidade ao mundo dos negócios, o que pode ser evidenciado pela
utilização em uma propaganda veiculada em uma edição especial de uma das revistas
consultadas, a saber, uma edição voltada ao mundo dos negócios. Não seria exagero
postular, portanto, que o criador da propaganda tenha criado este anúncio
propositalmente para veiculação nesta edição específica da revista.
Por fim, o subgrupo (IIb) traz unidades interessantes: trata-se dos empréstimos já
dicionarizados porém recontextualizados. Vale ressaltar que Borba (2003) afirma que,
quando um empréstimo sofre um fenômeno de qualquer natureza da língua de chegada,
esta é a prova de que a unidade lexical faz parte do léxico desta língua:

(6) SMARTPHONES TOP TODO ANO SÓ NO CLARO UP. PARA VOCÊ


APROVEITAR A VIDA. AGORA. – CLARO – Revista VEJA – Edição 2425 –
13/05/2015

Em “top”, encontrado nos três dicionários, apenas o UNESP (2004) traz a ideia
de “o melhor”, “o que está por cima”; os outros dois trazem apenas a noção da
vestimenta feminina. É possível afirmar que isso se deve ao fato de apenas o Dicionário
UNESP (2004) utilizar um corpus de língua em sua elaboração, o qual apresenta usos
linguísticos reais, visto que o sentido de “top” como o pretendido pela propaganda
publicitária é característica da expressividade da fala, muitas vezes mais informal. Além
disso, a propaganda publicitária objetiva duas formas de expressividade: a primeira
consiste na utilização de três lexias estrangeiras combinadas, revelando coerência com o
mundo tecnológico, usualmente originário de países estrangeiros; a segunda é o jogo de
“top” e “up”, visto que a segunda unidade tem seu significado original na língua inglesa
denotando elevação, sempre com significado positivo ou de movimentos para cima, o
que pode ter influenciado o sentido de “top” da mesma forma, recontextualizando-a.
Bréal (2008) denominou este fenômeno como contágio: “resultado de uma associação
de ideias pela qual o significado de uma palavra recebe influência do contexto
linguístico no qual está inserida” (SEIDE, 2006, p. 114).

7. Considerações finais

Inicialmente, o presente estudo corrobora com um princípio quase consensual


dentro da perspectiva dos estudos linguísticos: a realidade da língua é heterogênea,
dinâmica e variável. Ainda, corrobora com a noção de a língua ser um fato social,
suscetível a mudanças conforme o avanço, alterações e crescimento das sociedades.
Do mesmo modo, seguindo as ideias de Alves (2010), a qual afirma que o
processo de derivação prefixal é o mais produtivo no que diz respeito à inovação
lexical, foram encontradas 15 ocorrências (30%) deste fenômeno em nosso corpus.
Dentre os casos de derivação prefixal, destacam-se os prefixos de “grandeza” e
“exagero”, amplamente utilizados nas propagandas publicitárias pelo fato de
valorizarem o produto ou unidades que contribuem para a persuasão.
Quanto aos casos de derivação sufixal, salientam-se os sufixos considerados
muitas vezes como flexão de grau, mas que a análise comprovou não o serem, por
fazerem parte da unidade lexical base e alterar o seu sentido.
Assim, também, enfatiza-se o alto índice de ocorrência dos estrangeirismos, que
constituíram 24% do corpus.
Neste sentido, observa-se, por fim, o alto índice de ocorrências de
recontextualização lexical, fenômeno pouco analisado em trabalhos de neologismos, e
coadunando Barbosa e Marine (2010), “o fenômeno polissêmico é um dos fatores que
mais contribuem para economia dos sistemas linguísticos, já que uma mesma palavra
pode ‘ressurgir’ na língua com um novo sentido” (BARBOSA; MARINE, 2010, p.99).

8. Referências bibliográficas
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