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A linguagem esquizofrênica

Octave Mannoni

Bion nos fez observar que o esquizofrênico tem medo e ele dá o nome de pensamento verbal ao objeto deste medo. Na realidade, não é
exatamente das palavras que o esquizofrênico tem medo, ao contrário, ele se acha relativamente à vontade com as palavras, e poderia-se dizer
- numa primeira aproximação - que o que ele teme, e, em conseqüência, o que procura evitar, é o risco de que as palavras tenham um
sentido.

Bion procura a razão deste medo, ou, mais exatamente, sua causa, na posição depressiva descrita por Melanie Klein, fase que sucede a
posição paranóide e durante a qual se efetuaria a síntese dos objetos. O esquizofrênico continuaria a utilizar a linguagem segundo este modo
particular, que constitui um dos principais sintomas de seu estado, para escapar à dor que acompanha esta fase depressiva. Mas Freud foi mais
claro, dizendo que o esquizofrênico trata as palavras como coisas.

A explicação de Freud se afasta da de Melanie Klein, entretanto não a contradiz. Poder-se-ia formulá-la, dizendo que a linguagem do
esquizofrênico ficou sob a ação do processo primário, que regula o jogo das imagens de coisas. Isto implica que os mecanismos deste
processo, constituídos sobretudo pelo deslocamento e a condensação, não se aplicam mais às imagens, mas aos próprios termos da
linguagem. Considerando-se a doutrina de Freud globalmente, nota-se que são as análises dos sonhos e o estudo do humor que o levaram a
interpretar desta maneira a linguagem esquizofrênica.

A explicação de Bion é obscura: com efeito, não se compreende como a recusa de sintetizar os objetos introjetados poderia produzir este tipo
de linguagem. A explicação de Freud é muito clara, mas ela é parcial, na medida em que ela se limita à descrição de um mecanismo e não diz
por que a linguagem seria relegada à influência do processo primário. A despeito disto, a descrição de Freud apresenta a vantagem de ser
melhor. Com efeito, ela se encontra de acordo com a lingüística moderna: a linguagem esquizofrênica obedece às leis lingüísticas a partir do
momento em que, por assim dizer, ele não se preocupa mais com o significado e, a despeito das grandes diferenças : que veremos a seguir, é,
sem nenhuma dúvida, possível reconhecer, na linguagem do esquizofrênico, o trabalho dos mesmos mecanismos presentes no humor, na
poesia e nos sonhos. Freud não insiste sobre o elemento do medo, que é, ao contrário, essencial na explicação de Bion. Mas se nossa hipótese
não é demasiadamente aventureira, nós poderíamos descrever a atitude do esquizofrênico como a de alguém que tem medo do sentido que as
palavras possam ter. Deste ponto de vista, ele se torna um especialista da linguagem. Fazendo uma interpretação a um esquizofrênico que
havia dilacerado um pedaço de pele do rosto, Bion disse que este gesto equivalia a arrancar o pênis. O esquizofrênico lhe respondeu que
"pênis" é uma palavra composta de duas sílabas. Isto elimina, evidentemente, toda possibilidade de interpretação, e Bion é obrigado a não
tentar dar uma explicação a esta resposta. Efetivamente, como o veremos, esta foi dada expressamente com este objetivo. O fato de concentrar
a atenção exclusivamente sobre o significante retira toda a importância do significado. A lingüística procede muitas vezes assim. O
esquizofrênico não ignora o sentido das palavras que ele utiliza, ou ao menos ele não ignora mais do que os outros mortais. O fato é que ele
não o aceita.

Ao se comparar a atitude de um esquizofrênico com a de um obsessivo, é possível observar certas diferenças, mas também uma
semelhança. Esta semelhança não concerne a uma analogia nos mecanismos psíquicos, os quais são, nos dois casos, ao contrário,
completamente diferentes; uma tem ' a ver com a própria natureza da linguagem, e, mais precisamente, com a oposição de Saussure do
significante e do significado. Freud utilizava esta oposição antes de Saussure e, na matéria, faz figura de um precursor. Com efeito, segundo
ele, o fato de que um obsessivo (conhecido por nós sob o nome de Homem dos Ratos) se põe a correr na montanha de uma maneira quase
suicida, com a intenção de emagrecer, era devido ao ciúme que ele nutria por um primo de sua própria noiva chamado Dick; existe efetivamente
uma palavra alemã, Dick, exatamente idêntica ao nome (a letra maiúscula compreendida em alemão, quando faz-se dela um substantivo), que
quer dizer "gordo" e Freud interpretou o comportamento do Homem dos Ratos que queria, dizia ele, emagrecer como uma maneira de destruir o
Dick (sua gordura); isto é, destruir simbolicamente o primo de quem ele tinha ciúmes. Quando Freud lhe comunica esta explicação, o Homem
dos Ratos não quer saber de nada. Ele não quer admitir que tivesse arriscado sua vida por um jogo de palavras um tanto estúpido.

Nisto ele se diferencia do esquizofrênico. Este último também não faria nenhuma distinção entre o substantivo e o adjetivo que consistem,
ambos, em um só significante: D.I.C.K. Mas as conseqüências não seriam as mesmas nos dois casos. O Homem dos Ratos não se deu conta
da confusão ou da associação que ele fez, porque esta possui demasiado sentido. Esta lhe revelava, graças a Freud, seu desejo de morte em
relação a seu primo Dick. Ela colocou em ação uma atividade que não tem sentido em si mesma, na medida em que suas corridas nas
montanhas não têm nenhum efeito sobre a presença do primo; esta atividade encontraria talvez um sentido se ele ligasse com à associação
verbal mencionada acima, que ele é, entretanto, obrigado a esconder de si mesmo. Efetivamente, toda sua neurose está construída para
escapar ao conhecimento de seus desejos de morte, o primeiro dos quais tinha por objeto seu pai.

Um esquizofrênico reduziria de uma maneira igualmente automática e radical os dois termos, isto é, o nome próprio Dick e o adjetivo dick a
um mesmo significante (D.I.C.K.), mas ele não teria nenhuma necessidade de recusar esta redução nem de dissimulá-la porque, contrariamente
ao obsessivo, suas defesas se situam na redução da linguagem ao significante. Freud diz: Quando existe um vínculo superficial entre duas
palavras, este vinculo esconde um outro que é deslocado e que não é absolutamente superficial.

Esta frase se refere ao Homem dos Ratos. Enquanto que o esquizofrênico associa dois termos entre si, ele associa realmente os dois termos
e esta associação não recobre absolutamente uma outra mais profunda. Não é portanto possível dar-lhe uma interpretação, a não ser uma de
ordem puramente lingüística, como é o caso, justamente, da resposta citada: que o "pênis" tem duas sílabas.

É, obviamente, possível e também verossímil que o esquizofrênico proceda desta maneira, porque sente a exigência de evitar alguma coisa
que se assemelhe à posição depressiva descrita por Melanie Klein. Mas por que ele a evita justamente desta maneira, isto é, eliminando da
linguagem o significado, para conservar somente o significante? Com efeito, ele é capaz de realizar no significante cálculos assaz complicados
e difíceis, e até mesmo operações de síntese! Ele é capaz de efetuar cálculos muito complicados e difíceis, desde que eles não comportem
nenhuma conseqüência e ele fica à vontade, quando se trata de música ou de jogar xadrez... Ele tem somente medo do significado e, contudo,
não pareceria que as operações de síntese tenham-se tornado particularmente necessárias em relação ao significado.

Bion não levou em consideração o meio do esquizofrênico. Ele tentou constituir um saber sobre o esquizofrênico, levando em conta somente
hipóteses que é possível formular sobre o funcionamento interno, sobre a estrutura metapsicológica do paciente. Mas, se a gente faz a hipótese
de que o esquizofrênico sofre de uma espécie de "surdez psíquica", unicamente em relação ao significado, nós somos levados ao meio familiar,
e isto a despeito do caráter vago e puramente descritivo desta hipótese, o esquizofrênico tendo aceito escutar somente na condição de não
levar em conta o sentido.

É possível perceber, dentro disto, a necessidade de anular o discurso da mãe, ou da família e certos casos particulares nos levariam a ver as
coisas desta maneira, como o de Wolfson. Um estudante esquizofrênico, que se interessava por lingüística e que escreveu um livro em
francês*, por causa do horror que lhe inspirava sua própria língua materna (o inglês), Wolfson nos falou também de sua compulsão a tapar os
ouvidos quando sua mãe lhe falava. Mas meu objetivo aqui é o de fazer uma teoria da esquizofrênia. Os distúrbios esquizofrênicos não se
reduzem unicamente aos distúrbios de linguagem. E estes, aliás, não se encontram mesmo em estado puro: a significação da palavra, a
possibilidade de comunicação não estão de maneira alguma completamente perdidas no esquizofrênico. Não obstante, não é fácil distinguir o
setor alterado daqueles que não estão.

Freud nos apresenta o caso do Presidente Schreber, como o de um esquizofrênico malogrado (há outra coisa evidentemente) que teria
escapado à esquizofrênia, adotando um comportamento paranóide, que é o equivalente de uma pseudocura. Bion, naturalmente, diria que
Schreber regrediu da posição depressiva à posição precedente. O interesse apresentado por suas Memórias reside entretanto no fato de que
elas nos permitem ver como ele conseguiu tomar uma certa distância face à linguagem esquizofrênica, como ele conseguiu desembaraçar-se
dela, sem entretanto poder apagá-la. A linguagem esquizofrênica é feita para ele de frases que lhe chegam em voz baixa, quando ele não
pensa em nada; frases que, diz ele, não querem dizer nada e às quais é melhor não prestar atenção. Os pássaros também têm, nas suas
alucinações, uma linguagem análoga e não dizem mais que bobagens, só dizem coisas desprovidas de sentido. Mas quando esta linguagem
veicula uma significação e ele é forçado a escutá-la, então trata-se de vozes que pretendem falar com uma autoridade absoluta e tirânica. Ele é
obrigado, quer seja gritar para fazê-las calar, quer cobri-las por um ruído ensurdecedor tocando piano muito alto, ou ainda contradizê-las,
evocando a razão e demonstrando que elas são contrárias à ordem do mundo.

Agora nós sabemos que o pai do presidente, o Dr. Schreber, que se tornou célebre devido a suas invenções pedagógicas, havia elaborado
um sistema de pressões físicas e morais que proibiam às crianças toda liberdade de movimento e de desejo. Ele aplicou o sistema a seus dois
filhos, um se suicidou e o outro é o nosso presidente. Nós nos damos conta, lendo os escritos do Dr. Schreber, que era ele o único verdadeiro
paranóico da família. O presidente esteve, portanto, submetido durante sua infância a uma palavra que representava a vontade absoluta, a uma
palavra que é possível chamar de sagrada, isto é, que era verdadeira devido ao simples fato de ter sido pronunciada. É ao menos assim que eu
definiria o termo "sagrado". Nós temos todas as razões de crer que a um momento dado da infância, e talvez também na infância da
humanidade, a linguagem revestiu-se deste caráter sagrado; com efeito, as pragas, as fórmulas mágicas, os juramentos no-lo sugerem e, em
particular, certos sintomas obsessivos. É preciso, de qualquer forma, admiti-lo, se queremos compreender porque o Presidente Schreber
hesitava entre dois modos de defesa: por um lado, aquele que consistia em afirmar que a linguagem não tem nenhum significado e, por outro,
afirmar que havia um: o do sagrado, para combatê-la, sem sucesso aliás, em nome da razão. Durante o período de sua doença, na qual ele
escreveu seu livro (ao redor de 1900), o Presidente Schreber era capaz de nos explicar tudo isto de uma maneira lógica e relativamente
sensata.

Tais exemplos podem bem nos mostrar que pode ocorrer que uma criança tenha "interesse" em proteger-se do discurso de seu meio, mesmo
se talvez não se deva deter-se em uma explicação tão simplista. É possível que a criança deva se proteger, sobretudo dela mesma, sob o efeito
de tais discursos. As proteções podem assumir várias formas. O obsessivo pode se proteger de suas próprias obsessões, dando-lhes uma
aparência de incompreensibilidade. Elas se tornam então enigmáticas, como os sonhos ou os oráculos da antiguidade, mas elas contêm uma
exigência de significação por vezes angustiante. O esquizofrênico escapa desta exigência: dir-se-ia que, no seu caso, tudo se desenrola sobre
um só plano, o do significante. Quando se pronuncia a palavra "mort" (morte), ele responderá que é uma palavra de quatro letras ou que "mort"
é o inverso de "Rom", etc. Nisto, não há nenhum enigma, nenhuma exigência de significação. E com isto, como nós vimos, não pode haver aí
nenhuma possibilidade de interpretação. Bion diz, e com razão, que o recalcamento não está em jogo.

É porque nós não somos esquizofrênicos que a linguagem esquizofrênica nos parece sobretudo vazia ou superficial. Esta impressão tem
conseqüências sobre as tentativas que fazemos para compreender uma tal linguagem. Nós vimos que o Homem dos Ratos repelia
deliberadamente as associações fundadas sobre o significado puro, achando-as superficiais, enquanto que Freud lembrava que, sob as
associações superficiais dos significantes, escondiam-se outras, providas de sentido. Mas o Homem dos Ratos é justamente o contrário de um
esquizofrênico. Nós cometeríamos um erro se adotássemos a mesma atitude em presença da linguagem esquizofrênica.

Existe um obstáculo bastante árduo, constituído pela tendência natural que consiste em admitir que a existência da linguagem pressupõe
algum aparelho que a produza. Segundo uma outra hipótese mais simples, mas insólita**, é a própria linguagem que elabora um tal aparelho. É
preciso aqui conceder ao termo de linguagem um sentido bastante vasto, segundo o qual, por exemplo, ela possa se referir aos surdos-mudos,
na medida em que eles vivem em um meio organizado e estruturado pela linguagem. A partir do momento em que nós não sabemos nada do
que diz respeito ao aparelho que é suposto produzir a linguagem, talvez seja preferível não imaginar, em termos hipotéticos, as condições deste
aparelho responsável pelos distúrbios que nós constatamos na linguagem. é mais lógico partir dos distúrbios da linguagem em si mesma.

As realidades internas que nós evocamos de uma maneira hipotética, para explicar os sintomas que constatamos não são, com efeito, nada
mais do que o sentido que damos à linguagem, quando ela nos parece totalmente desprovida dele. Se alguém nos diz que o céu é azul, o
sentido destas palavras não nos escapa. Nós podemos lhe responder que é verdade ou, ao contrário, que ele se engana, porque na realidade
chove. Mas, se ele diz que o céu tem necessidade de dois pedaços de açúcar, nós nos pomos a buscar o sentido do que ele diz, dentro de
alguma extravagância que se refere a si mesmo. Talvez seja assim, mas nós não sabemos absolutamente nada desta extravagância, exceto o
aspecto lingüístico que ela assume. A fórmula de Lacan, segundo a qual a linguagem é a condição da existência do inconsciente, é aqui muito
mais plausível do que a crença oposta, segundo a qual deveria-se procurar no inconsciente as condições da linguagem. Esta segunda
formulação se fundamenta sobre uma tradição filosófica venerável mas suspeita, isto é, sobre a tradição segundo a qual a palavra exterioriza
alguma coisa de interno, diferente da própria palavra. Bion, tendo afirmado que o esquizofrênico se desloca no meio de objetos e não em um
sonho, deduziu o que segue: O paciente se volta em direção de objetos reais e tenta utilizá-los como se se tratasse de idéias, ele está
assim pronto a ficar desconcertado, quando ele se dá conta de que os objetos externos não obedecem às leis do funcionamento
mental, mas às das ciências naturais. Esta observação ficaria melhor esclarecida, se a traduzíssemos assim: "O paciente busca tratar os
objetos como significantes e ele fica desconcertado, quando se dá conta de que estes não obedecem às regras lingüísticas, mas a outras leis
que a linguagem pode exprimir somente como sentido."

Não tenho aqui a pretensão de resolver esta dificuldade: eu creio, ao contrário, que até agora encontraram-se soluções demasiado simples.
Parece me que, mesmo que os sintomas do esquizofrênico não se apresentam no campo da linguagem, os distúrbios da linguagem estão,
apesar de tudo, na sua origem. Entretanto, não há nenhuma dúvida de que esta idéia deveria ser muito mais elaborada. Nós não progredimos
muito além da explicação freudiana que consiste, eu gostaria de lembrar, em dizer que a linguagem esquizofrênica ficou sob a influência do
processo primário, como acontece com as imagens do sonho. Eu gostaria de precisar um pouco mais o que isto significa, comparando o
discurso do esquizofrênico com o da lingüística e o da poesia.

Uma diferença salta imediatamente aos olhos: ninguém suporá a presença de uma perturbação interna no linguísta ou no poeta. Sua
linguagem não dá a impressão de alguma coisa patológica. Mas eles podem talvez servir, seja como modelos de normalidade, seja como
termos de comparação. É naturalmente a esquizofrenia que pode ser esclarecida a partir da lingüística ou da poesia, ou, ao menos, é um
aspecto da linguagem esquizofrênica que pode se beneficiar deste esclarecimento. Como se poderia prever, nem a lingüística, nem a poesia
têm nada a esperar do estudo da esquizofrenia, a não ser, talvez, novos problemas; mas de todo modo, nenhuma solução dos antigos-
problemas.

(Eu devo, de qualquer forma, citar a opinião de Wolfson, levado pela esquizofrenia ao estudo da lingüística. Eu penso que um fator
emotivo impele as pessoas a estudar a lingüística geral e em particular a gramática comparada e que isto consiste no desejo de não
mais perceber sua lingua materna como a percebem os outros. Eu penso que, desta maneira, ele generaliza suas próprias motivações.)

A lingüística moderna nasceu da decisão de Saussure de distinguir, no sinal lingüístico, um direito e um avesso, o significante e o significado.
Isto tornou imediatamente possível uma ciência do significante às custas do significado que foi, por assim dizer, sacrificado ao progresso da
ciência. Por conseguinte, dentro desta ciência do significante, a linguagem dos lingüistas se assemelha a dos esquizofrênicos. Mas uma
afirmação deste gênero deve ser feita prudentemente, na medida em que nada nos assegura de que não tenhamos interpretado a linguagem
esquizofrênica fundando-nos sobre o que a lingüística nos ensinou. Seja como for, é um fato que a teoria da lingüística favorece de maneira
notável esta interpretação. O significante se mantém idêntico a si mesmo; não obstante esta constância, ele se refere a significados que mudam
continuamente, e eis aqui a ciência (como a esquizofrenia) se consagrou,com tal sucesso, somente ao significante.

Cada ciência é fundada sobre abstrações deste gênero. Mas, quando expõe sua própria ciência dos significantes, o lingüista utiliza uma
linguagem que, a seus olhos, tem o valor que lhe é dado pelo sentido que possui. Ele nos pede para compreender o que diz a respeito dos
significantes. Se um esquizofrênico o escutasse, ele acharia o discurso lingüista desprovido de sentido e impediria este último de sair do mundo
do significante. Por conseguinte, quando nós falamos com os esquizofrênicos, somos nós, e não ele, que nos encontramos na posição do
lingüista. Entretanto, isto não é completamente verdadeiro.

E não é completamente verdadeiro porque, quando o esquizofrênico diz que o pênis tem duas sílabas, ele fala realmente como um lingüista.
Ele enuncia uma verdade sobre a palavra "pênis". Dir-se-ia que o objeto de sua linguagem é a própria linguagem e que ele é capaz de falar
disto normalmente ou ao menos de uma maneira rudimentar. Entretanto, isto não é suficiente para evitar que ele chegue a uma outra coisa, isto
é, que ele não se contenta em tratar as palavras como coisas; ele trata também as coisas como palavras, ainda que esta expressão não seja
completamente adequada. O esquizofrênico que nos apresenta Bion, por exemplo, diz que sua meias estão cheias de buracos. Ora, o conjunto
deste significante pode ter duas significações: uma é que cada malha comporta uma infinidade de buraquinhos, a outra é que as meias
esburacadas devem ser arrumadas. O esquizofrênico estaria, conseqüentemente, disposto a consertar as meias novas, devido ao fato das
meias novas terem inúmeros "buracos"... A linguagem permite estruturar o real, mas para que isto seja possível, é necessário tratar
corretamente, não somente o significante, mas também o significado. Se nós buscamos estruturar o real graças somente ao significante, isto é,
se nós aplicamos às coisas as leis da linguagem, nós chegamos a situações similares àquela criada por Lewis Caroll***. Caroll era um
excêntrico, e não esquizofrênico. Ele era quase um lingüista, mas ele se servia da lingüística só para se divertir.

Eu não saberia dizer como um esquizofrênico poderia reagir à leitura de Caroll Eu penso que ele ficaria profundamente perturbado porque,
quando ele "raciocina" como Caroll, ele não o faz para divertir-se, mas ele o faz num esforço de cura que é, a seus olhos, um esforço
importante, destinado a encontrar sentido. Contudo, um problema continua aberto: como se explica que a brincadeira divirta Caroll e nos divirta
também, quando a fazemos? A resposta a esta interpretação se encontra no livro sobre o Witz, e é uma resposta que, de uma maneira ou de
outra, remete a experiências infantis. Por outro lado, Caroll ressentia a necessidade de escrever sobre as crianças e para as crianças. Eu me
recordo também que, quando perguntou-se a Roman Jakobson, durante um seminário dirigido por Lacan na Êcole Normale, como alguém se
tornava lingüista, ele havia respondido: "A gente não se torna lingüista,continua-se." A mesma coisa foi dita a propósito dos poetas. Nascuntur
poetae: se nasce poeta.

Não me estenderei sobre a poesia porque, deste lado, as complicações são inúmeras e temíveis. é certo que, na poesia, o significante tem
uma importância maior e o sentido uma importância menor do que na linguagem usual ou também na prosa literária. Mas o lingüista tem muitas
dificuldades para explicar este fato. Dois poetas quase contemporâneos, como Jacques Prévert e Paul Éluard, são tão diferentes, e mesmo
opostos, que pode-se perguntar se é possível encontrar uma explicação teórica que possa aplicar tanto a um quanto ao outro. Mallarmé nos
explicou isto em geral, mas de uma maneira tão geral que sua explicação se torna um pouco vaga: o poeta se serve da linguagem comum
através de outra utilização. Qual é, portanto, esta outra utilização?

A linguagem é transparente, dentro do uso que dela fazemos em geral o que aparece é o sentido. A linguagem é, por assim dizer, consumida
pelo ouvinte ou pelo leitor. Existe, ao contrário, na poesia, uma opacidade mais ou menos grande; o sentido tende a perder importância - no
fundo, é ele que se consome - e a linguagem subsiste na sua forma. É impossível fazer disto uma experiência instrutiva: que se tome um texto
de prosa um pouco ao acaso (ê preciso que ele não tenha demasiado sentido) e, sem modificá-lo, dispô-lo sobre linhas desiguais ou, melhor
ainda, sobre linhas de doze sílabas: este tomará então um aspecto mais ou menos poético e a linguagem, em sua forma puramente significante,
tenderá a aparecer em primeiro plano.

Eis aqui um exemplo deste tipo de exercício. Trata-se de um parágrafo de Contra Sainte-Beuve**** de Proust; leiamo-lo como se fossem
alexandrinos:
Eu me recordo que um dia de viagem, da
Janela do vagão, eu me esforçava para extrair
As impressões da paisagem que passava...*****

Nos tornamos imediatamente sensíveis às aliterações, às associações; da espécie de aspectos dos significantes que passam
desapercebidos, quando lê-se este texto como uma prosa.

(Estatisticamente, isto não tem nada de extraordinário: existem no alfabeto somente quinze letras de uso mais freqüente e um verso emprega
mais ou menos umas quarenta.)

Que conclusão podemos tirar desta experiência e de outras do mesmo gênero? Primeiramente que uma mesma linguagem pode ser dada
com prosa ou como poesia e que tudo depende da atitude que adota o leitor ou o ouvinte, quando com isto se confronta. Um poema deve se
apresentar como um poema, para poder ser lido como um poema. Não se pode ser poeta unicamente graças à linguagem; a categoria da
poesia é necessária para ser poeta, pouco importando de que maneira. Eu estou sem nenhuma dúvida simplificando enormemente um
problema complexo, mas o faço para indicar que a poesia não é uma propriedade lingüística que a linguagem pode possuir objetivamente, mas
de preferência ela é o que se apresenta, quando nós adotamos um certo comportamento em relação a um texto (naturalmente, como vimos,
alguma coisa no texto, aqui a fragmentação, nos convida a adotar este comportamento). Uma vez que tomamos esta atitude, certos aspectos
lingüísticos que passavam desapercebidos na prosa tornam-se evidentes, os traços lingüísticos, que eram subjacentes, saltam-nos agora aos
olhos.

Uma experiência ainda mais singular foi feita, sem que ele a compreendesse, por De Quincey. Ele conta que em um momento dado, ele
freqüentava uma igreja onde se encontravam somente espanhóis e onde, conseqüente- mente, só se falava espanhol, língua que ele ignorava.
Ele ia lá unicamente pelo prazer de escutar esta língua (língua que ele não conhecia), isto provocava nele uma emoção que ele não sabia
explicar. Eu considero que experiências deste gênero lembram um momento da primeira infância; com efeito, nossa língua materna foi, durante
um certo período, um puro jogo lingüístico, comportando quantidade de obscuras promessas de sentido. É por essa razão que certos leitores
demonstram interesse por poemas que eles não compreendem, como os de Mallarmé, mas nos quais eles encontram continuamente esta
promessa de sentido que, não havendo sido jamais completamente mantida, deixa provar o jogo dos significantes, jogo comparável ao da
música, certamente não por causa da sonoridade, mas devido ao que ele apresenta como combinações, encontros, repetições, evocações e
oposições.

Poder-se-ia então dizer que o poeta reencontrou a faculdade de sentir prazer, ao reconstruir uma situação da primeira infância. O lingüista
encontrou o poder de por ela se interessar. Bion tem razão, ao afirmar que aquilo que o esquizofrênico reencontra, se contudo ele reencontra
alguma coisa, é uma proteção contra o medo, mas contra o medo de que a língua tenha um sentido. No passado, ele deve ter experimentado
este sentimento de perigo. Não é preciso apressar-se em concluir, a partir daí, que ele foi objeto de um discurso parental demasiado
contraditório, demasiado autoritário, demasiado caprichoso ou demasiado hostil. Pode ser que em uma certa idade e em certas circunstâncias,
exista alguma coisa de temível na própria língua, sem que seja possível dizer-se de que se trata. A melhor coisa a fazer, no que se refere à
essência do problema, é reconhecer que nossa ignorância continua grande.

* Volfson, Lê Schixo et lês Langues, Gallimard.


** Esta hipótese está de acordo com as teorias de Lacan.
*** O autor de Alice no país das Maravilhas.
**** São páginas publicadas por B. de Follois, como prefácio de Contre Sainte-Beuve; elas contêm a poética que se encontra na base de Em
Busca do Tempo Perdido, da memória involuntária e da ressurreição poética.
***** Je me souviens qu’um jour de Voyage, de la
Fenêtre du wagon,je m’efforçais d’extraire
Lês impressions du paysage que passait...

Extraído do livro de , Joyce McDougall e colaboradores. "O Divã de Procusto". Ed. ArtMed

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