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JOÃO PESSOA – PB
2008
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JOÃO PESSOA – PB
2008
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Banca Examinadora
_________________________________________________________________
Profª. Drª. Mônica Nóbrega
Orientadora
_________________________________________________________________
Profª. Drª. Zaeth Aguiar do Nascimento
_________________________________________________________________
Profª Drª Cynthia Pereira de Medeiros
JOÃO PESSOA – PB
2008
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AGRADECIMENTOS
Aos meus colegas da Delegação Paraíba, que colaboraram com suas contribuições
semanalmente nos nossos encontros.
Agradeço especialmente a Cleide Pereira, que foi quem primeiro pegou na minha mão para
caminhar por essa estrada, sempre acreditando em mim e me estimulando no trabalho da
escrita e da transmissão da psicanálise desde a minha primeira pós-graduação.
A Cassandra, que acreditou e sempre esteve por perto para escutar minhas angústias no
percurso desse trabalho.
A Margarida, por ter me ensinado muito com sua experiência, não só como professora, mas
como conseguirmos separar esse lugar preservando nossa amizade tão especial.
A Mônica Nóbrega, como professora e orientadora, que acreditou no meu projeto e aceitou
caminhar comigo nesse desafio, dando-me força na sua orientação objetiva, paciente e realista
quando desanimava no meio do caminho.
A todos meus amigos e familiares, que com as suas companhias, de uma forma ou de outra,
contribuíram nas horas de lazer agradáveis necessárias para repor as energias e retomar esse
trabalho com mais vigor e desejo.
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RESUMO
RÉSUME
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
SUMÁRIO
Introdução................................................................................................................................11
Capítulo I
Inconsciente e Linguagem em Freud e Lacan......................................................................16
1. O inconsciente freudiano......................................................................................................17
1.1. Inconsciente e linguagem em Freud..................................................................................19
1.1.1. A interpretação das afasias: Freud antecipa o inconsciente como linguagem................19
1.1.2. Das Ding: a coisa freudiana............................................................................................26
1.2. Uma lingüística freudiana?..............................................................................................28
1.2.1. A interpretação dos sonhos: a mais autêntica formação do inconsciente.......................28
1.2.2. A psicopatologia da vida cotidiana: uma obra de investigação para a lingüística..........30
1.2.3. Os chistes: A mais social das formações mentais...........................................................33
1.2.4. A significação antitética das palavras primitivas: a elaboração humana dos conceitos
pelos seus opostos.....................................................................................................................36
1.3. Inconsciente e linguagem em Lacan..................................................................................38
1.3.1. O retorno da psicanálise à sua origem: o campo da linguagem......................................40
1.3.2. Lacan e a lingüística........................................................................................................43
1.3.3. Significante: a materialidade da linguagem e constitutivo do inconsciente...................46
1.4. Língua, linguagem e fala...................................................................................................47
1.5. Os mecanismos psicanalíticos e lingüísticos do inconsciente...........................................53
Capítulo II
Sintoma e Linguagem em Freud e Lacan.............................................................................58
2.1. O sintoma em sua dimensão simbólica..............................................................................60
2.1.1. Sintoma e pai...................................................................................................................63
2.1.2. Metáfora paterna.............................................................................................................65
2.1.3. Declínio do pai: do moderno ao contemporâneo............................................................69
2.2. O sintoma em sua dimensão real.......................................................................................71
2.2.1. Do nome-do-pai aos nomes-do-pai................................................................................76
Capítulo III
Os Novos Sintomas: entre a Linguagem e a Alíngua, entre o Simbólico e o Real...........78
3.1. Os novos sintomas............................................................................................................80
3.1.1. Os novos sintomas como “sintomas-gozo”....................................................................81
3.1.2. Os novos sintomas e a linguagem..................................................................................85
3.1.3. Os novos sintomas e o último ensino de Lacan.............................................................88
3.1.4. Os novos sintomas: entre a linguagem e a alíngua, entre o simbólico e o real..............92
3.1.5. Os novos sintomas e o inconsciente real........................................................................94
Considerações Finais.............................................................................................................100
Referências.............................................................................................................................102
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INTRODUÇÃO
Esta questão vem de uma inquietação clínica, em que vimos observando que o
diagnóstico, antes norteador na direção da cura, é cada vez mais difícil de classificar,
tornando, dessa forma, para nós, estudiosos e praticantes da Psicanálise, um desafio conduzir
o tratamento de uma clínica que não responde às metamorfoses típicas da noção de sintoma,
extrapolando os limites da escuta clínica das estruturas, convocando-nos a pensar sobre uma
outra maneira de clinicar.
inconsciente como lapsos, atos falhos, relatos de sonhos etc. É como se as pegadas que nos
levam à construção do inconsciente desse sujeito contemporâneo estivessem sendo apagadas.
Nas palavras de Lacan, a angústia é o único afeto que não engana, ou seja, por mais
que o sujeito queira fugir, dela não escapa. Ela surge para sinalizar que sempre vai haver a
verdade da falta, a verdade da incompletude. E para aplacar de imediato esse afeto, o sujeito
contemporâneo procura soluções que recorrem ao sentido, não aquele sentido que dizemos do
sintoma; ao contrário, são assintomáticos, são soluções que recorrem aos conceitos, aos
rótulos, às definições, às promessas, às medicações, todas estas respostas imediatas, por
demonstrarem uma maior eficácia, enfim, soluções que minimizam a via simbólica,
valorizando saídas da ordem do real. E se dizemos que praticamos uma psicanálise orientada
pelo ensino de Lacan, este, através das contribuições freudianas, chama-nos a atenção para
um afastamento da fenomenologia, saindo, portanto, do campo das significações, da
compreensão.
Lacan.
Para desenvolver o tema proposto para este trabalho, acreditamos ser importante
iniciar o primeiro capítulo fundamentando-o teoricamente através de um retorno ao conceito
freudiano do inconsciente, fazendo todo um percurso nos seus textos iniciais e paradigmáticos
no sentido de demonstrar quão estreita é a relação entre inconsciente e linguagem. A seguir,
no mesmo capítulo, trazemos Jacques Lacan, que, na sua releitura da obra de Freud, dialoga
com a lingüística e confirma essa fundamentação quando enfatiza que a psicanálise do mestre
austríaco é realmente uma clínica do campo da fala e da linguagem, através do seu dito que o
inconsciente freudiano é estruturado como uma linguagem. Portanto, o papel desse primeiro
capítulo é abordar a relação entre inconsciente e linguagem em Freud e Lacan, objetivando,
ao mesmo tempo, aproximar os conceitos da Psicanálise e da Lingüística, esta última
fundamentada principalmente nos conceitos de Ferdinand de Saussure.
No segundo capítulo, discute-se a importância da linguagem na formação dos
sintomas, enfocando também um percurso de Freud a Lacan para fundamentar a questão dos
novos sintomas e desenvolver a hipótese levantada nessa dissertação de que os mesmos estão
mais teoricamente adequados ao que chamamos a segunda clínica de Jacques Lacan, ou seja,
a de que o seu aforismo “o inconsciente estruturado como uma linguagem” já não responde às
questões das formações sintomáticas atuais, discussão a ser aprofundada no terceiro e último
capítulo. Para isso, será importante registrar os avanços lacanianos e suas propostas nos seus
últimos anos de vida, culminando nas questões da lingüisteria, da letra e da alíngua.
A partir dessa discussão, problematizaremos exatamente a estrutura da linguagem do
inconsciente através do que vimos chamando novos sintomas, permitindo-nos pensar numa
outra leitura do inconsciente, que estaria saindo das leis do simbólico e entrando num outro
estatuto que seria o de um inconsciente como real. Este capítulo será de fundamental
importância para enfatizar a hipótese central da dissertação, que parte especificamente da
questão sobre a produção dos novos sintomas que apontam para esta mudança na estrutura de
linguagem do inconsciente.
Todo o desenvolvimento do último capítulo será no sentido de discutir estas
manifestações sintomáticas atuais, partindo da nossa hipótese de que as mesmas não são mais
da ordem de uma metáfora, ou seja, estruturadas como uma linguagem, mecanismo, portanto,
de caráter simbólico. Os novos sintomas parecendo prescindir da palavra e sem capacidade de
metaforizar, parecem apontar a possibilidade de sua “dessimbolização”, termo usado pelo
francês, Dany-Robert Dufour no seu livro A arte de reduzir as cabeças e que “designa uma
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Dufour diz mais ainda, que a dessimbolização afeta a língua e os modos de falar,
acrescentando que, “com efeito, é todo peso do simbólico nas trocas humanas, que fez os
tempos da grande antropologia do século XX (de Mauss a Lévi-Strauss, chegando a Lacan),
que se encontra deste modo questionado”. (2005, p. 13).
Na concepção teórica da psicanálise, podemos dizer que a dessimbolização é um
fenômeno onde o discurso do inconsciente não se forma, fazendo-nos pensar de imediato
numa prática que põe em questão a direção do tratamento pela via das estruturas clínicas.
Nessa perspectiva, uma nova leitura será abordada, procurando trazer questões que dizem
respeito à prática psicanalítica de orientação lacaniana, fundamentada teoricamente na obra de
Jacques Lacan naturalmente e seus seguidores, como Jacques Alain Miller, Erich Laurent e
diversos autores da Associação Mundial de Psicanálise, e lingüistas que dialogam com a
psicanálise, a exemplo de Michel Arrivè e Jean Claude Milner permitindo-nos passear ao
mesmo tempo pelos dois campos do saber e tentar pensar o tema dos novos sintomas como
fazendo parte de uma estrutura de linguagem simbolicamente comprometida, seguindo, dessa
forma, uma lógica diferenciada das leis do inconsciente freudiano.
A partir dessa hipótese, poderíamos dizer que há uma prevalência da dimensão real do
sintoma, fazendo-nos questionar as estruturas clínicas (neurose, psicose e perversão), como se
estas não respondessem mais no sentido de nos orientar na compreensão e na direção do
tratamento do sujeito contemporâneo, pois este, com a sua singularidade, adapta-se mais a
uma visão de um inconsciente da ordem do real, não mais estruturado como uma linguagem,
mas estruturado como uma língua, ou seja, de um inconsciente dito lacaniano, que se
apresenta pelo significante e que posteriormente vai chamar de “alíngua”, isto é, a língua
peculiar de cada sujeito.
A partir desse percurso, que se denomina o último ensino de Lacan, podemos dizer
que “os novos sintomas” é o que vem nos dando subsídios para pensar numa outra vertente do
inconsciente, ou seja, não só aquele estruturado como uma linguagem, inconsciente dito
freudiano por excelência, mas um inconsciente estruturado como “alíngua”, pensado como o
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CAPÍTULO I
Inconsciente e Linguagem em Freud e Lacan
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1. O inconsciente freudiano
Nos seus textos iniciais havia uma preocupação em definir o sentido tópico do
inconsciente, que surge justamente na impossibilidade de localizar os processos psíquicos.
Daí, estabelecer a distinção entre inconsciente e consciente como sendo dois lugares
psíquicos, lugares estes que não têm nada a ver com a anatomia, mas a regiões do aparelho
psíquico, independente do local em que possam estar situadas.
Mais tarde, em 1915, no seu artigo “O Inconsciente”, Freud dirá que nossa tópica
psíquica não tem nada a ver com a anatomia, não se refere a localidades anatômicas, mas a
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regiões do aparelho psíquico, prescindindo do lugar em que elas estejam situadas. Nas suas
anotações ainda neurológicas sobre os afásicos consta que a fala destes exorbita, não subjaz a
um centro, a uma intencionalidade, a uma forma.
Desde sempre, Freud queria provar que existiam processos mentais inconscientes.
Contudo, deve-se esclarecer que seu interesse nessa suposição jamais foi de natureza
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filosófica; seu interesse era prático. Ele achava que, sem fazer essa suposição, seria incapaz de
explicar ou mesmo de descrever a grande variedade de fenômenos com que se defrontava.
Conseqüentemente, ele começou por adotar o método neurológico de descrição dos
fenômenos psicopatológicos, sendo todos os seus escritos da época de Breuer baseados neste
método.
O resultado dessa dedicação e do desejo de saber de Freud foi a sua obra incompleta,
conhecida como o Projeto para uma psicologia científica (1895), encaminhada ao amigo
Fliess, em outubro do mesmo ano. Essa surpreendente obra visa a descrever e explicar toda a
gama do comportamento humano, normal e patológico.
Mas não foi ainda dessa vez que Freud postulou qualquer fenômeno inconsciente na
mente humana. Talvez por isso este “projeto” jamais tenha sido concluído; o Freud médico
neurologista estava sendo superado pelo Freud psicanalista.
Era cada vez mais evidente para o pai da psicanálise que até mesmo o elaborado
mecanismo dos sintomas neurônicos era grosseiro demais para lidar com as sutilezas trazidas
à luz pela “análise psicológica”, as quais só poderiam ser explicadas através da linguagem dos
processos mentais.
Para Freud, a palavra articulada pela fala e pela escrita representa uma unidade
complexa, vindo a ser uma combinação de elementos auditivos, visuais e sinestésicos
(sensações corporais, motoras). Esse conhecimento, segundo o pai da psicanálise, deve-se às
patologias observadas por ele, pois nas lesões orgânicas do aparelho da fala a mesma se
desintegra dependendo da forma como a combinação é feita. Na sua investigação, a hipótese
levantada é que a ausência de um desses elementos na apresentação da palavra é a indicação
fundamental para a localização da doença.
Continuando sobre o que diz Freud sobre a palavra, ele conclui dizendo que a mesma
corresponde a um complicado processo associativo no qual se reúnem todos os quatro
componentes já citados e acrescenta: “Uma palavra, contudo, adquire seu significado ligando-
se a uma ‘apresentação do objeto’”, (FREUD, 1974, p. 243). (Grifo do autor).
A partir desta idéia, estamos sempre querendo lembrar que Freud, mesmo sem saber,
direcionava seu desejo para o campo da linguagem, aproximando-se também da lingüística
ou, pelo menos, que há aí nos seus estudos sobre afasia uma idéia de signo semelhante à de
Saussure. Conseqüentemente, há um inconsciente inserido no campo da linguagem e não da
neurologia. Para esclarecer um pouco mais sobre isso, destacamos um trecho de Freud:
Esse artigo de Freud demonstra, podemos dizer assim, a comprovação de que vinha
ocorrendo de fato, gradativamente, um deslocamento do seu interesse pelo campo da
medicina. Na altura da publicação de seu estudo sobre Afasia, seu tratamento do caso de Frau
Emmy Von N. já datava de dois ou três anos. É na publicação da anamnese desse caso clínico
que se encontra pela primeira vez o termo “inconsciente”. É interessante observar que tal
termo surge através de um tratamento com afasia, uma perturbação da fala que mais tarde foi
descoberta como uma patologia relacionada à linguagem. Inconsciente e linguagem, na
origem da psicanálise, já demonstravam estruturas semelhantes e a genialidade de Freud fazia
desta uma grande descoberta. A partir desse momento, podemos pensar que a hipótese do
inconsciente com um estatuto de linguagem era levantada
A interpretação das afasias, de 1891, foi o primeiro escrito de Freud. Nesse seu
escrito inaugural, que não se encontra na sua obra completa, Verdiglone (1977, p. 11) afirma
que toda a reflexão de Freud sobre os afásicos “já leva ao estudo do lapso, do ato falho, do
chiste, do sonho”, demonstrando que a afasia denuncia os furos existentes na linguagem
(constitui o núcleo da interdição da linguagem). Nesse sentido, ele acrescenta já na primeira
página desse artigo: “Freud aqui faz lingüística e, em bastantes aspectos, muito para além da
posição de Jakobson, que não tem em conta este escrito”. É um escrito onde se observa
claramente o afastamento do criador da psicanálise da neurologia e um desdobramento para o
projeto de uma tópica, ou seja, um interesse de estudar as regiões psíquicas.
Freud demonstra ainda nesse estudo que a questão é, portanto, mais estrutural que
neurológica. Não é sem razão que esse escrito é desconhecido pelos artigos de neurologia. O
Dr. Freud médico já iniciava nesse momento, através de seu interesse pela linguagem, sua
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Ainda nos seus estudos sobre as afasias, Freud elabora o modelo teórico do que
denominou “aparelho de linguagem”, que mais tarde é considerado como “aparelho
neurônico” no Projeto de 1895, como “aparelho de memória” na Carta 52, e como “aparelho
psíquico” no capítulo VII de A interpretação dos sonhos em 1900.
Em Palavras e coisas, único texto incluído nas Obras Completas fazendo parte do
artigo O inconsciente de 1915, Freud destaca seu diagrama psicológico de uma apresentação
da palavra, distinguindo-o da apresentação do objeto e assinalando o modo de articulação
entre as duas. A importância fundamental, vista por Freud, é que a apresentação-palavra não
se forma senão numa relação entre aparelhos de linguagem diferentes. As duas apresentações
estão reproduzidas graficamente a seguir:
Freud observou nas perturbações da fala que a apresentação da palavra está ligada à
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É a partir dessa construção freudiana que podemos pensar numa aproximação entre a
relação dessas duas apresentações com a relação Significante/Significado, que constitui a
unidade do signo lingüístico para Saussure. Para isso, apresentamos uma citação do CLG,
(Curso de lingüística geral) retirada do capítulo sobre A natureza do signo lingüístico, em que,
logo no início, o mestre genebrino afirma, a propósito do circuito da fala apresentado num
outro capítulo do livro, que “os termos implicados no signo lingüístico são ambos psíquicos e
estão unidos, em nosso cérebro, por um vínculo de associação. Insistamos nesse ponto”. (s/d,
p. 79).
De acordo com Saussure, o signo lingüístico une não uma coisa e um nome, mas um
conceito e uma imagem acústica, isto é, a representação da palavra fora de toda realização
pela fala, pois a imagem acústica não é o som, mas a impressão psíquica do som.
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Talvez pudéssemos dizer que mais tarde Lacan subverte o esquema lingüístico de
Saussure indicando a prevalência do significante, quando observa esse diagrama freudiano.
Não devemos esquecer que o nome dado ao texto pelo qual Freud faz toda essa
construção é Palavras e coisas. Podemos pensar numa antecipação de Freud ao signo
lingüístico saussuriano?
conjunto de “palavras e coisas” Freud chamou de associação de objeto, talvez como Saussure
não tenha encontrado um termo que designasse tal processo.
A questão sobre a representação é reintroduzida por Freud no artigo sobre O
inconsciente de 1915, para diluir o dilema “hipótese tópica e hipótese funcional” do
inconsciente com relação aos sistemas Inconsciente e Pré-Consciente/Consciente (GARCIA-
ROSA, 1995, p. 228). Assim, o sistema Inconsciente contém apenas os investimentos das
apresentações do objeto enquanto que o sistema Pré-Consciente/Consciente contém os
investimentos da apresentação do objeto mais os da apresentação da palavra. Podemos
observar também que Freud usava o termo “sistema”. Talvez não seja tão ousado assim dizer
que o pai da psicanálise, sem o saber, já fazia lingüística.
Enfim, essa é uma tentativa de querermos não só aproximar Freud e Saussure,
inconsciente e linguagem, e psicanálise e lingüística, mas também porque ela nos serve de
fundamentação para chegarmos à questão da estrutura de linguagem do inconsciente em
Lacan no decorrer desse trabalho.
Para desenvolver o que Freud chamou de “A Coisa”, trazemos em alemão dois termos
que podem ser traduzidos por a coisa: Das Ding e Die Sache. No entanto, não são
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absolutamente equivalentes.
O mundo freudiano comporta que é esse objeto, Das Ding, enquanto o Outro absoluto
do sujeito, que se trata de reencontrar. Reencontramo-lo no máximo como saudade. Não é ele
que reencontramos, mas suas coordenadas de prazer. É nesse estado de ansiar por ele e de
esperá-lo que será buscada a satisfação perdida experimentada em nome do princípio do
prazer. É essa a questão da neurose. Todo esse processo que visa à experiência de satisfação é
o de reproduzir o estado inicial, de reencontrar Das Ding. Segundo Lacan, é através dessa Das
Ding original que é feita a primeira orientação, a primeira escolha, a escolha da neurose. Essa
primeira moagem regulará doravante toda a função do princípio do prazer.
Destacamos o conceito freudiano de Das Ding para podermos pensar numa possível
aproximação da vorstellung de Freud com o sistema lingüístico de Saussure, tentando
encontrar subsídios para compreender a subversão que Lacan faz do signo saussuriano
priorizando o significante dizendo que este é a materialidade do inconsciente.
desejo, o sujeito sempre vai ter que se deparar de maneira inevitável com a Coisa perdida
inerente à espécie humana.
Lacan neste mesmo seminário coloca Das Ding como um conceito central. Para ele, a
“coisa” apresenta-se sempre velada e, para que possamos concebê-la, é necessário contorná-
la. A busca da “coisa” só ocorre pela via do significante. Isso é exemplificado por Lacan
através do vaso, objeto representativo da função do significante como obra de criação. Assim
como o oleiro que, ao criar o vaso com suas mãos, faz isto em torno de um vazio, Deus
também criou o mundo, ex-nihilo, a partir do furo. Portanto, é em torno desse vazio no centro
do real da “coisa”, Das Ding, que se articula a trama significante.
O que Lacan vem nos mostrar é que o sujeito é determinado por uma trama discursiva
cuja origem ele desconhece, mas onde deve advir para resgatar sua verdade e encontrar o seu
lugar.
Depois de seus estudos sobre afasias, Freud envereda por outro caminho. Os seus
textos clássicos que abordaremos a seguir constatam o estatuto de linguagem do inconsciente.
O médico neurologista na sua pesquisa sobre o inconsciente mergulha no campo da
linguagem, percebendo que nesta há alguma coisa que falta, que falha e dessa forma encontra
a dimensão inconsciente na linguagem.
Sendo a linguagem dos sonhos representada por imagens visuais, os sonhos são
comparáveis a um sistema de escrita antiga, como os hieróglifos. E sua interpretação é
análoga ao deciframento desta antiga escritura figurada. A múltipla significação dos diversos
elementos do sonho encontra também seu reflexo nestes antigos sistemas gráficos que devem
ser deduzidos pelo contexto.
Freud afirma que os pensamentos do sonho e o seu conteúdo são apresentados como
duas versões do mesmo assunto em duas linguagens diferentes. Ele descobre mais ainda que,
se for comparar o conteúdo do sonho com os pensamentos oníricos, observa-se que se efetua
um trabalho de condensação em larga escala. Os sonhos, afirma Freud, são muito curtos em
comparação com a riqueza dos pensamentos oníricos. E acrescenta, “se um sonho for escrito,
talvez ocupe meia página, enquanto a sua análise que expõe os pensamentos subjacentes a ele
poderá ocupar seis, oito, ou doze vezes mais espaço.” (FREUD, 1987, p. 272). O sonho,
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Segundo os editores, esse livro de Freud foi um dos que teve mais quantidade de
edições em alemão e em línguas estrangeiras, só perdendo para as Conferências introdutórias
de 1916-17. Cada vez que se fazia uma nova edição havia material novo se comparando A
interpretação dos sonhos e aos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, aos quais Freud
fez constantes acréscimos durante toda sua vida e foi projetado por ele mesmo para o leitor
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Uma primeira menção feita por Freud a um ato falho está numa carta a Fliess, de 26 de
agosto de 1898, onde o mesmo se refere ao termo em alemão “fehlleistung”, “operação
falhada”. É importante destacar que esse conceito não existia em psicologia. Na língua
inglesa, criou-se o termo “parapraxis”, não mais adotado na segunda edição. A opção foi
traduzir os termos alemães por “ato falho”. O trecho da carta de número 94 ao seu amigo
Fliess está na introdução da edição inglesa sobre A psicopatologia da vida cotidiana de 1901
citada a seguir: “finalmente compreendi uma coisinha de que suspeitava há muito tempo, o
modo como um nome às vezes nos escapa e em seu lugar nos ocorre um substituto
completamente errado”. (FREUD, 1987, p. 15).
pintou os afrescos magníficos das “Quatro Últimas Coisas”, que são a Morte, o Juízo, o
Inferno e o Céu na Catedral de Orvieto, na Itália. Em vez de lembrar do nome Signorelli, só
lhe vinham os nomes de dois outros pintores, Botticelli e Boltraffio. A partir daí, Freud faz
toda uma investigação das influências e das vias associativas pelas quais a reprodução do
nome assim se havia deslocado do verdadeiro para os outros. Esse esquecimento não tinha a
ver com a peculiaridade do nome próprio, pois o nome esquecido era para ele tão familiar
quanto um dos nomes substitutos, no caso Botticelli e mais familiar do que o outro, Boltraffio,
do qual não sabia quase nada. O esquecimento do nome, segundo análise do próprio Freud,
ocorreu por várias associações a fragmentos de experiências vivenciadas por ele,
especialmente pensamentos recalcados. Esses fenômenos são falhas no funcionamento
psíquico e/ou desempenhos aparentemente involuntários e se ligam inequivocamente a
motivos que são desconhecidos da consciência. Reportam-se a material suprimido, que,
mesmo expelido da consciência, consegue expressão. É importante destacar que podem ser
facilitados por semelhança fonética (o caso de Signorelli por Botticelli), e/ou associações
psicológicas próximas.
O esquecimento de Freud em relação ao nome tinha a ver com a conversa anterior que
ele havia tido com seu companheiro de viagem sobre o costume dos turcos que vivem na
Bósnia e na Herzrgovina. Um colega tinha lhe contado como estas pessoas costumam ter
grande confiança no médico e total resignação quanto ao destino. Quando o médico lhes
comunica que nada mais se pode fazer, o doente responde “Herr” (senhor), o que se há de
fazer, se fosse possível fazer alguma coisa o senhor o teria feito. Nessas frases, Freud
encontra as palavras Bósnia, Herzegovina e Herr, que podem ser inseridas numa seqüência
associativa entre Signorelli e Botticelli.
“Suponho que essa seqüência de pensamentos sobre os costumes dos turcos na Bósnia,
etc. adquiriu a capacidade de perturbar o pensamento subseqüente por eu ter afastado a
atenção dela antes que fosse concluída.” (FREUD, 1987, p. 20).
Nesse momento, o pensamento de Freud tinha se voltado para um colega que certa vez
lhe disse que um de seus pacientes falou que quando o gozo sexual acaba, a vida não tem mais
valor. Pois os Turcos conferem ao gozo sexual um valor maior que o de qualquer coisa e, se
acontece qualquer distúrbio nessa área, caem em desespero. Freud encontra explicação para
seu esquecimento por suprimir esse tema numa conversa com um estranho. E fez mais ainda:
desviou sua atenção da continuação dos pensamentos que poderiam ter-lhe surgido a partir do
tema morte e sexualidade. Freud nesse momento ainda estava influenciado pelo suicídio de
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um paciente que não suportara seu distúrbio sexual. Essa notícia ele recebe quando estava
numa cidade chamada Trofoi, (associação feita com Boltrafio). Todos esses fatos, Freud
relacionou ao seu esquecimento. E estes fatores da experiência de vida que fizeram Freud
esquecer o nome nada têm a ver com a neurologia. Tanto o esquecimento como as
substituições que aconteceram são de outra ordem, ou seja, do inconsciente que tem sua
própria lei, a lei do sujeito, de um sujeito que fala. Inconsciente e linguagem nesse sentido se
misturam. Não existe um sem o outro. Observamos dessa forma que cada vez que Freud vai
se aproximando da descoberta do inconsciente, mais se aproxima do campo da linguagem e se
afasta do campo da neurologia.
Freud introduz o tema dos chistes através de várias fontes, mais especificamente de
três professores alemães, tais como Kumo Fisher, Theodor Visher e Theodor Lipps, este
último o melhor dos três, que chegou até a se interessar pela investigação freudiana.
A obra “Os chistes e sua relação com o inconsciente”, datada de 1905, baseia-se
basicamente na técnica do chiste, voltando sempre a ela. Freud centra-se na técnica verbal,
mais tarde, para Lacan, técnica do significante.
Freud extrai quase todos os exemplos que encontramos no livro daqueles três professores.
Mas foi de uma outra fonte que ele buscou seu primeiro exemplo e que ficou realmente
impressionado: trata-se de um personagem do poeta Heinrich Heine, um judeu de Hamburgo,
Hirsh Hyacinth, pobre agente de loteria, que se vangloria de que o grande barão Rothschild o
tenha tratado bem como a um seu igual: bastante “familionariamente”. Freud ilustra a teoria
de Heymans (1896) e Lipps (1898) quanto a esse exemplo: “Aqui a palavra veículo desse
chiste parece, a princípio, estar erradamente construída, ser algo ininteligível,
incompreensível, enigmático”. (FREUD, 1995, p. 20). A conseqüência é o desconcerto, que
funcionando como esclarecimento, resulta no efeito cômico.
Enfim, Freud nos diz que estes dois autores utilizaram esse chiste para ilustrar suas
concepções de que o efeito cômico dos chistes deriva de “desconcerto e esclarecimento”.
São muitas as características que esses autores dão aos chistes, além das duas
anteriormente citadas, como: eles têm relação com os conteúdos dos nossos pensamentos, têm
um juízo lúdico, há uma conjugação de coisas dissimilares, existem idéias contrastantes, há o
sentido de nonsense, há uma revelação do que estava escondido, e a sua peculiar brevidade.
Freud não discorda totalmente delas, mas aborda a questão a partir de outros ângulos, visando
a uma fundamentação mais ampla para chegar a uma conclusão: “Em que consiste, pois, a
técnica desse chiste do ‘familionariamente’? O que acontece ao pensamento, como expresso,
por exemplo, em nossa versão, de modo a torná-lo um chiste que nos faz rir
entusiasticamente?”. (1995, p. 26). Pergunta-se ainda Freud.
Fazendo uma comparação de suas hipóteses com o texto de Fischer (1889,72), um dos
autores sobre o tema lido por Freud, o pai da psicanálise vai afirmar que acontecem duas
coisas. Primeiramente, ocorre uma abreviação, a fim de expressar totalmente o pensamento
existente no chiste, “fomos obrigados a acrescentar às palavras ‘R. tratou-me quase como seu
igual, muito familiarmente’” (FREUD, 1995, p. 27). A palavra familiar em “familiarmente”,
na expressão não chistosa do pensamento, transformou-se no texto do chiste em familionar
em “familionariamente”. Freud afirma então que é dessa estrutura verbal que dependem o
caráter do chiste como chiste e o seu poder de causar riso. “A palavra ora construída coincide,
em sua posição anterior, com o familiar da primeira sentença, e nas sílabas finais com o
Milionar (milionariamente) da segunda.” (Idem, 1995). Freud fala de uma força compressora
desconhecida que atua sobre essas sentenças. A relação do chiste com o inconsciente já se
esboçava no pensamento de Freud, mas ainda se referindo como a uma técnica pela qual todo
o processo se forma. E acrescenta que, se for excluída da abordagem tal força compressora, o
processo pelo qual se forma o chiste pode ser descrito como uma condensação acompanhada
pela formação de um substituto. No exemplo em pauta, a formação do substituto consiste na
produção de uma palavra composta “famillionar”, que é, em si mesma, incompreensível, mas
imediatamente compreendida em seu contexto e reconhecida como plena de sentido, é o
veículo do efeito compelidor do riso no chiste”. (FREUD, 1995, p. 28).
pelo oposto de representação indireta, que estas formações mostram uma concordância muito
abrangente com os processos de “elaboração onírica”. A partir daí Freud levanta a hipótese da
relação dos chistes com o inconsciente, ou seja, tanto no sonho como nos chistes existem as
mesmas características. Embora necessariamente não seja inconsciente, há uma produção do
mesmo, relacionada, sem dúvida, à linguagem e seus movimentos.
Segundo Freud, a marca de prazer que existe na natureza do chiste é resultado dos
jogos com as palavras ou da liberação do nonsense e que seu significado tem como finalidade
simplesmente proteger esse prazer contra sua repressão pela crítica. Nesse sentido, seu caráter
essencial está explicado nos gracejos, visando principalmente a fazer com que aquilo que
36
Seguindo essa idéia, o homem só pode elaborar seus conceitos pela contraposição de
seus contrários, e só paulatinamente aprende a discriminar os elementos antitéticos e a pensar
um, sem a necessidade de invocar a comparação com o outro.
Foi exatamente essa a descoberta de Freud a partir dos seus estudos com as histéricas,
38
as quais demonstraram que o corpo biológico não é o corpo erógeno. A histérica demonstrou
isso com uma transgressão da anatomia ao ter uma paralisia que pela anatomia não seria
possível.
A conversão histérica demonstrou essa transgressão do corpo biológico por uma outra
ordem, a ordem simbólica, enfim a ordem da linguagem. Nessa perspectiva, a relação entre
linguagem e inconsciente é estabelecida e poderíamos dizer até que se explica quando em
alguns momentos falamos de uma “antecipação” de Freud sobre Saussure. Falar de
inconsciente é, indissoluvelmente, falar de linguagem.
Desde a sua descoberta, em 1900, o inconsciente como pensado por Freud sofreu
mudanças após a releitura feita da sua obra por Jacques Lacan, influenciada pelas
contribuições de vários campos do saber, especialmente a lingüística saussuriana. Psiquiatra e
psicanalista francês, Lacan não teve como propósito nesse retorno à obra freudiana, reinventar
a psicanálise. Como diz Jacques Alain Miller (1987), ele apenas formulou uma pergunta
fundamentalmente crítica: A psicanálise é possível? Respondendo que esta só é possível “se,
e somente se, o inconsciente está estruturado como uma linguagem”. (MILLER, 1987, p. 12).
O que denominamos o ensino de Lacan é todo seu esforço em desenvolver essa hipótese até
suas últimas conseqüências.
Segundo Arrivè, uma análise literal da hipótese lacaniana se encontra sob uma das
suas formas mais perfeitas no seu artigo “O Aturdito” de 1973:
Quando Lacan usa “como uma” é para se opor a “por uma”, designando assim
a estrutura da qual há efeito de linguagem. Portanto, pode-se dizer que o inconsciente não é
linguagem, mas que tem efeito de linguagem.
No final de seu ensino, que se denomina a segunda clínica de Lacan, no início dos
39
anos 70, é que se observa uma mudança com relação a essa hipótese, não querendo dizer com
isso que ela foi descartada. Isso também não significa um abandono do conceito freudiano em
favor de um conceito lacaniano. Um pensamento não elimina o outro, até porque Lacan, no
seu retorno a Freud, declara sua fidelidade ao pai da psicanálise, afirmando-se sempre
freudiano.
Ao reler a obra de Freud, Lacan o faz para demonstrar sua oposição às psicoterapias
de base analítica, e principalmente a toda corrente de pensamento que se desenvolveu
sobretudo nos EUA, que se chamou ego psychology. Essa linha de orientação considerava a
análise do ego e dos seus mecanismos de defesa prioridades do trabalho analítico, visando
com isso a um possível reforço egóico que possibilitaria ao indivíduo lidar melhor com seus
impulsos e com as frustrações causadas pelo meio externo.
Quando Lacan se diz freudiano é, nesse sentido, de manter viva "a peste" que a
40
Nesse sentido, Lacan foi um bandeirante das trilhas do inconsciente, discípulo fiel de
Freud. Mostrou em toda sua obra admiração e respeito pelo fundador da Psicanálise. Mas,
como todo teórico criativo, ousou ir além de Freud, abrindo novas perspectivas para o saber
psicanalítico, embora afirmando sempre que fazia uma releitura fiel do texto freudiano.
O ensino de Jacques Lacan propriamente dito começa nos anos 50, através do texto
Função e campo da fala e da linguagem, quando ele se insurge contra o modelo da
psicanálise praticada em Paris, cuja prática era o continuísmo psicofísico. Os representantes
da IPA (International Psiychoanalytic Association), que o expulsaram em 1963, defendiam
um modelo de psicanálise sustentado nesse continuísmo do cérebro com a mente, e, em
decorrência, defendiam que o funcionamento do inconsciente poderia ser deduzido da
neurofisiologia. Ou seja, para estes psicanalistas, primeiro haveria o inconsciente e depois, a
linguagem. Logo, o inconsciente dependeria do cérebro e a linguagem decorreria da relação
41
Nesse início de década, Jacques Lacan já inaugurara seu ensino há sete anos, onde
sustentava a tese de um inconsciente estruturado como uma linguagem, não dando margens
para ambigüidades. Sua precisão conceitual se baseava essencialmente nas referências de
Saussure, fazendo-o produzir uma releitura ao sentido da obra de Freud na sua letra
propriamente dita.
Mas não é porque o psicótico não as considera palavras, que elas deixam de ser
palavras e nem por isso deixam de ser inseridos na linguagem. Esse é o pensamento de Lacan.
Com essa posição, os dois autores contrariam o ensino daquele que fora seu mestre.
Concluíram suas exposições dizendo que “O inconsciente é a condição da linguagem”.
Enquanto o que Lacan afirma, como já foi dito anteriormente, é completamente diferente, ou
seja, “A linguagem é condição do inconsciente”.
A partir daí Lacan reafirma cada vez mais sua hipótese do inconsciente estruturado
como uma linguagem, circunscrita já numa primeira abordagem freudiana do sonho, pois o
trabalho do sonho recorre, principalmente, a dois tipos de mecanismos fundamentais: a
condensação e o deslocamento, que serão retomados por Lacan através de dois termos
advindos da lingüística, a metáfora e a metonímia. “São basicamente estes os elementos que
Lacan utilizará para fundar, bem como para apoiar, a analogia estabelecida entre o
funcionamento dos processos inconscientes e o funcionamento de certos aspectos da
linguagem”. (DOR, 1992, p. 20).
Numa de suas inúmeras conferências Lacan diz: “A lingüística é aquilo por meio do
que a psicanálise poderia se prender à ciência”. Em outro momento, afirmou:
Uma chance, contudo, que se oferece para nós, no que diz respeito ao
inconsciente, é que a ciência do qual ele depende é certamente a lingüística,
primeiro fato de estrutura. Digamos de preferência que ele é estruturado
porque é feito como uma linguagem, que ele se desdobra nos efeitos de
linguagem. (LACAN apud COUTINHO, 2002, p. 112).
No seu projeto de uma releitura à obra de Freud, Lacan faz um encontro bastante
fecundo com a lingüística retomando os termos freudianos. Com relação à spaltung, (de
spalte: fenda em alemão) ele vai dizer que essa divisão é, sem sombra de dúvida, o caráter
inaugural que define a subjetividade humana, que é precisamente através dela que o sujeito
44
Segundo Nóbrega (2002, p. 226), os trabalhos que fazem aproximação entre Saussure
e Lacan apontam para as diferenças e semelhanças entre o significante lacaniano e o
significante/signo saussuriano. Nesse mesmo artigo, a autora cita Lacan em relação ao fato de
este afirmar que é toda estrutura da linguagem que a experiência psicanalítica descobre no
inconsciente, questionando sobre tal estrutura em Lacan, a qual ele julga ser do inconsciente.
Podemos esclarecer essa questão com Lacan no seminário VII, A ética da psicanálise,
quando afirma que “a articulação significante fornece a verdadeira estrutura do inconsciente.”
(LACAN, 1985b, p. 59).
No seminário sobre as psicoses, para explicar a noção de estrutura, Lacan diz que,
antes de tudo, ela é um grupo de elementos formando um conjunto que permite variações. Ela
é, com efeito, uma noção analítica e se estabelece sempre pela referência de algo que é
coerente com algo diferente, que lhe é complementar. Isso não quer dizer que a estrutura seja
uma totalidade. “A noção de estrutura já é por si própria uma manifestação do significante.”
(LACAN, 1988, p. 210). A dinâmica da estrutura, diz o psicanalista francês, nos dá um
45
Trazemos esta citação de Lacan para lembrar da importância que a lingüística teve
para o mesmo na sua releitura da obra freudiana.
No seu artigo A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud, que está
nos Escritos de 1966 e editado no Brasil em 1998, Jacques Lacan rende homenagens à
lingüística dizendo que a temática dessa ciência gira em torno de um algoritmo que a funda:
S/s – onde se lê significante sobre significado. É a partir daí que se torna possível para ele um
estudo exato sobre as ligações entre significante e significado. Mais tarde, em 1970, ele vai
dizer em Radiophonie e, em 1973, em L’Eturdit e Télévision, que Saussure tem como
antecessores Freud, os estóicos e Santo Agostinho. Retomaremos estes textos mais adiante no
terceiro capítulo.
Enfim, a lingüística para Lacan foi a porta de entrada para comprovar a relação estreita
entre a psicanálise e a linguagem. Os termos linguagem, simbólico e estrutura não são termos
brotados na obra de Lacan devido à influência da teoria freudiana na construção francesa da
psicanálise. Pelo contrário, o acesso a tais noções veio da visada estruturalista tendo a lingüística
como modelo estrutural e a antropologia ampliando o caminho de acesso a esse novo método, a
psicanálise bebe desta fonte na década de 50, sob a pena do psiquiatra francês Jacques Lacan.
Continuando com Lemaire, citando Lacan em A coisa freudiana um dos artigos que
compõe os “Escritos”, a autora destaca os termos significante e significado, respectivamente,
a língua como sistema e a fala ou a cadeia falada. De fato, Lacan assimila significante e
significado aos termos opostos das séries seleção e combinação. E mais ainda: faz alusão à
noção de valor. Ele dirá conseqüentemente que significante e significado são duas redes de
relações que não se recobrem. Enfim todo o texto da autora é uma apologia ao significante
lacaniano, dialogando com os vários conceitos lingüísticos de Saussure. Enfim, Lemaire
declara:
Pode-se conceber uma ciência que estuda a vida dos signos no seio da vida
social; ela formaria uma parte da Psicologia social, e por conseguinte da
Psicologia geral; chamá-la-emos de Semiologia (do grego semeion, “signo”).
Ela nos ensinará em que consistem os signos, que leis os regem. Como tal
ciência não existe ainda, não se pode dizer o que será; mas ela tem direito,
porém, à existência; seu lugar está determinado de antemão. A Lingüística é
senão uma parte dessa ciência geral; as leis que a Semiologia descobrir serão
aplicáveis à Lingüística, e esta se achará dessarte vinculada a um domínio
bem definido no conjunto dos fatos humanos. (SAUSSURE, s/d, p. 24).
(Grifo do autor).
inseparáveis” (ARRIVÈ, 1999, p. 35) e para complementar esse pensamento, cita Saussure:
Podemos começar dizendo que para Saussure a língua está integrada à linguagem. Para
ele, língua e linguagem não são a mesma coisa. A língua é uma parte determinada da
linguagem, essencial, é verdade. Ela é ao mesmo tempo um produto social e um conjunto de
convenções necessárias aos indivíduos para que estes exerçam a faculdade da linguagem.
Segundo Saussure, a linguagem transita por diferentes domínios, ela é física, fisiológica e
psíquica, pertencente ao campo social e individual, não se classifica em nenhuma categoria de
fatos humanos.
adquirida e convencional. Enfim, para o mestre genebrino, é a língua que faz a unidade da
linguagem. Restando, portanto identificar o objeto que, somado ao todo da língua, vai
constituir o “não-todo” - como diria Lacan – da linguagem saussuriana. Esse objeto “não-
todo” para Saussure é “a fala”. Surgem nesse momento as relações entre língua e fala que,
dentro do campo da linguagem, são retomadas por Arrivè explicitamente nessa citação:
Nesse sentido, o texto mostra uma oposição entre língua e fala. É pouco contestável
que Saussure estabelece uma hierarquia entre os dois conceitos, mas quanto a isso se deve
evitar um erro, ou seja, dizer que o mestre da lingüística exclui do seu campo tudo que é uso
do ser falante do código da língua. O fato é que Saussure sempre defendeu que a lingüística
devia se limitar ao estudo da língua por ela mesma. Mas deve-se esclarecer que o lingüista
não exclui a fala de sua área.
Em 1964, época logo depois de sua “excomunhão”, termo que ele usou quando foi
expulso da IPA, Lacan diz às pessoas que começam a freqüentar seus seminários que durante
anos foi preciso todo seu esforço para revalorizar aos olhos dos que praticam a psicanálise o
instrumento “a fala” e ainda, para lhe devolver a dignidade orientando que os mesmos
fizessem com que ela não fosse desvalorizada de antemão forçando-os a ter um foco em outra
parte do seu trabalho. Lacan insiste: “Quer se pretenda agente de cura, de formação ou de
50
Nesse sentido, Lacan diz que há uma antinomia imanente às relações da fala com a
linguagem. Quanto mais funcional se torna a linguagem, mas ela se torna imprópria para a
fala e, quanto mais particular esta se manifesta, mas perde sua função de linguagem.
Acrescenta ainda o autor dos Escritos: “Finalmente, é pela intersubjetividade do “nós” que ela
assume que se mede numa linguagem seu valor de fala”.(LACAN, 1998a, p. 300). O que se
busca na fala, diz o mestre francês, é a resposta do outro. O que constitui o sujeito é a sua
pergunta para se fazer reconhecer pelo outro. Com efeito, a fala é um dom de linguagem e
esta, segundo Lacan, não é imaterial. A fala pode se tornar para o sujeito um objeto
imaginário ou real, permitindo degradar a função da linguagem sob vários aspectos.
Vimos, pois, a importância que Lacan confere à fala, isso se demonstra desde o
começo do seu ensino em Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise (1953).
Fala e língua são termos-chave do seu ensino, apresentados como um retorno a Freud e
trabalhados na prática analítica. Em A instância da letra (1957), Lacan faz uma reorientação
que resulta uma mudança nas suas referências. Ao lado das leis da fala e das leis da língua ele
coloca a metáfora e a metonímia.
E o que é a língua para Lacan? Desde o início de seu ensino a língua é uma estrutura,
que quer dizer “um conjunto solidário de elementos diferenciados, diacríticos, relacionados
uns aos outros, de tal sorte que a variação de um repercute sobre os outros e provoca
variações concomitantes”. (MILLER, 1998, p. 69). No início de seu ensino, Lacan formulou
que o inconsciente era estruturado como uma linguagem. Isso conclui que o inconsciente é
uma estrutura. E se é uma estrutura, podemos pensar que nele existem elementos e que estes
formam um sistema.
Seguindo ainda na trilha de Miller, no seu texto O monólogo de Aparrola (1998), ele
indica que o coração da fala é dado pelo que se chama atualmente, a vontade de dizer. A fala
movimenta uma ação que sempre envolve o Outro. Ela é sempre um ato de pergunta e
resposta. A interpretação do analista se apresenta sempre como uma resposta e essa resposta é
ao mesmo tempo um pergunta, a famosa “que queres?”. A resposta interpretativa do analista é
sempre uma pergunta sobre o desejo do analisante.
A seguir, trazemos exemplos dados por Miller de como se processa a fala em cada tipo
clínico: Na histeria, a fala se mostra por um querer dizer diferente do dito, sempre uma fala
insatisfeita, o sujeito experimenta nessa insatisfação a impossibilidade de dizer o verdadeiro
de várias maneiras. É aquela fala que dá o seu lugar ao intérprete, que o estimula. A fala do
obsessivo é uma fala que seca a interpretação, cala o intérprete. O grande Outro não tem nada
a acrescentar. Ele quer adequar o querer dizer com o dito. E a fala do psicótico? É a que se
encarrega ela mesma da interpretação, a fala do perverso por sua vez, é a que zomba da
interpretação, não lhe dá muita chance. Esses exemplos são para lembrar o campo da
experiência analítica enquanto considerando as estruturas clínicas, que não deixam de ser
estruturas da língua e que mais adiante na segunda clínica de Lacan terá uma outra leitura no
que se refere à estrutura e à língua.
Voltando para a língua objeto da lingüística, a fala a ela se submete, entretanto, esta
afeta a língua indiretamente. Para Saussure a língua só tem existência social, ao passo que a
fala não tem nada de coletivo, ela se caracteriza pelas combinações individuais, dependendo
do sujeito que fala. Ainda com relação à língua e à fala existe um outro corte que concerne à
diferença entre o significante e o significado, definindo o signo como uma unidade de duas
faces unidas por um laço associativo que é arbitrário segundo Saussure. Uma vez fixado,
porém, o signo tende a se perpetuar no sistema de relações que caracterizam a língua.
Para o lingüista Ferdinand de Saussure o significante não existe fora de sua associação
com o significado. Mesmo sendo distintos não estão fora da unidade do signo. Essa distinção
é postulada no interior do sistema social da língua. Há uma equivalência entre eles como
ilustra a analogia das duas faces de uma folha de papel. A relação entre significante e
significado é continuamente remodelada por deslizamentos entre os dois como é o próprio
movimento da língua.
Segundo Carvalho (2006) no seu artigo Letra, lingüística, lingüisteria, o duplo corte
que acontece entre língua e fala e significante e significado ensejado pelo objeto da
lingüística, permite pensar o inconsciente numa cadeia articulada “segundo as leis de uma
53
ordem fechada”. (LACAN, 1998a, p. 504). Acrescentando ainda que então se trata de um
inconsciente ao mesmo tempo efeito de linguagem e em ruptura com o signo por uma barra
resistente à significação. Continuando com Carvalho nesse mesmo artigo: “Em outros termos,
o inconsciente se apresenta, ao mesmo tempo, estruturado como uma linguagem e portando os
traços individuais de seu recorte pela fala, o que equivale tomá-lo como uma espécie de
linguagem privada.” (CARVALHO, 2006, p. 02).
Sua afirmação de que o inconsciente é estruturado como uma linguagem tem sua
origem, e recebe seu aval lingüístico, a partir dos estudos do lingüista Roman Jakobson sobre
afasia. Para ele, todo distúrbio afásico pode ser reduzido a dois tipos básicos: ou são
distúrbios da similaridade (metafóricos) ou são distúrbios da contigüidade (metonímicos). E
ainda que toda forma de distúrbio afásico consista em alguma deterioração, mais ou menos
grave, da faculdade de seleção e substituição, ou da faculdade de combinação e contexto,
estes, são segundo Jakobson, os dois tipos de arranjos onde todo signo lingüístico está
implicado. A combinação, como o próprio nome diz, é quando todo signo é composto de
signos constituintes e/ou aparece em combinação com outros signos.
O papel principal que estas duas operações desempenham na linguagem foi claramente
percebido por Saussure. Para o lingüista genebrino, a combinação “aparece in praesentia”,
enquanto que a seleção une os termos “in absentia”. Pois na língua tudo se baseia em relações
e estas relações são de dois tipos: Relações Sintagmáticas e Relações Associativas. “As
sintagmáticas são as que se estabelecem entre as unidades presentes no discurso, constituindo
combinações que se chamam sintagmas. As associativas são estabelecidas fora do discurso,
entre as palavras que oferecem algo de comum” (SAUSSURE, s/d, p. 143). Segundo
Jakobson, estas operações dão ao signo lingüístico duas referências para interpretá-lo, uma ao
código e outra ao contexto. A seleção concerne às entidades associadas ao código, ao passo
que, na combinação estão associadas em ambos ou somente na mensagem. Para este lingüista
as duas relações dependerão respectivamente da combinação e da seleção
Na Instância da Letra no Inconsciente ou a razão desde Freud (1966), Lacan diz que a
Verdichtung (condensação) é a estrutura de superposição dos significantes em que ganha
campo a metáfora, e cujo nome, por condensar em si mesmo a Dichtung, indica a
conaturalidade desse mecanismo com a poesia, a ponto de envolver a sua função
propriamente tradicional.
Uma das razões, continua Lacan, pelas quais o sonho foi mais propício a isso está em
que, justamente como nos diz Freud, ele não é menos revelador dessas leis no sujeito normal
do que no neurótico. Em ambos os casos, a eficiência do inconsciente não se detém no
despertar.
É no capítulo sobre Mecanismo da língua que Saussure vai tratar do arbitrário absoluto
e o arbitrário relativo. Diz ele que apenas uma parte dos signos é absolutamente arbitrária. Em
outras partes acontece um fenômeno que permite reconhecer pontos no arbitrário sem
suprimi-lo. E afirma: “o signo pode ser relativamente motivado.” Nesse sentido, ele dá o
exemplo a seguir:
57
A noção do relativamente motivado, Saussure vai dizer que implica dois fenômenos:
primeiramente a análise do termo dado, portanto uma relação sintagmática e segundo a
evocação de um ou vários termos, portanto uma relação associativa. Concluindo que, mesmo
nos casos mais favoráveis, a motivação não é nunca absoluta. Esse ponto nos permitiu pensar o
movimento do inconsciente como um fenômeno, como diz Saussure, que reconhece algo no arbitrário
sem suprimi-lo.
Concluindo este capítulo, concordamos com Lacan quando ele afirma que não quer
elaborar uma teoria do conhecimento, mas destaca que as coisas do mundo humano são coisas
de um mundo estruturado em palavras, que a linguagem, os processos simbólicos governam
tudo. O fato de o homem estar envolvido nos processos simbólicos de uma maneira à qual
nenhum animal tem igualmente acesso não poderia ser resolvido em termos de psicologia,
mas implica que tenhamos primeiro um conhecimento completo, estrito do que o simbólico
significa.
58
CAPÍTULO II
Sintoma e Linguagem em Freud e Lacan
59
e esta sempre se satisfaz. Para o modelo da histeria, a interpretação do desejo recalcado dava
conta do sintoma, porém o mesmo não acontecia na neurose obsessiva. É nela que se articula
de forma mais evidente o caráter intransigente da pulsão.
“O sentido dos sintomas” é título da XVII conferência no livro em que Freud reuniu
supostas palestras cujo público ele não tinha diante de si, mas que seguramente o teria pelos
anos afora, atraído pela questão que nos acompanha – Afinal qual é o sentido de tudo isso?
Atos falhos, sonhos e sintomas neuróticos têm um sentido, “conforme verificamos, possui
determinada conexão com a experiência do paciente.” (FREUD, 1976a, p. 319). Os sintomas,
nesse sentido, pertencem ao mesmo registro, ou seja, ao registro simbólico porque se
decifram, são passíveis de leitura. Com relação ao sintoma histérico, que foi a porta de
entrada para a psicanálise, quando interpretado, desaparecia. Mas que numa segunda etapa
freudiana ele percebe que não desaparecia totalmente, retornava. Chamava-se a isso “reação
terapêutica negativa”. Havia uma repetição, essa repetição ficou evidente para Freud quanto à
neurose obsessiva. Era a fundamentação do próprio sintoma obsessivo.
Mas Freud será mais enfático quando na mesma conferência, ao se posicionar diante
do seu público imaginário, dirá que talvez as pessoas desejem saber como se comporta a
Psiquiatria atual com relação a problemas de Neurose obsessiva. A Psiquiatria distribui nomes
61
para as diferentes obsessões, nada mais. Ela insiste dizendo que os portadores de tais sintomas
são “degenerados”. Afirmação pouco satisfatória, ela constitui não uma explicação, mas um
julgamento de valor. A Psiquiatria pouco se preocupa com as formas de manifestações e com
o conteúdo de cada sintoma; a Psicanálise dá atenção tanto a um quanto ao outro desses dois
aspectos e consegue estabelecer que cada sintoma tem um sentido e que está ligado à
singularidade de cada sujeito.
A convicção freudiana de que os sintomas têm um sentido, que pode ser decifrado
como as demais formações do inconsciente, é abordada por Lacan a partir dos recursos da
lingüística estrutural. Se o sintoma é uma mensagem que pode ser decifrada e dirigida ao
Outro, é porque mantém a latência significante, isto é, mantém algo que pertence a uma
história especial de sua formação e que sustenta seu sentido e sua significação. O sintoma é,
assim, definido como “o significante de um significado recalcado da consciência do sujeito”
(LACAN, 1998a, p. 282), um sem-sentido, uma opacidade no discurso do sujeito, por
representar alguma irrupção de verdade. Em Função e campo da fala e da linguagem em
psicanálise, Lacan (1998) afirma que o sintoma se resolve por inteiro numa análise
linguageira, por ser ele mesmo estruturado como uma linguagem, por ser a linguagem cuja
fala deve ser libertada. O sintoma é, tal como o inconsciente, estruturado como uma
linguagem, porque participa da linguagem e de suas leis. É, também, fala dirigida ao Outro,
lugar de onde o sujeito recebe o sentido, a significação de seu sintoma, ou seja, “sua própria
mensagem de forma invertida” (LACAN, 1998a, p. 299). Lacan utiliza esse termo nos anos
1950 para elaborar sua teoria do simbólico em que esse Outro figura como terceiro da fala.
Nesse sentido, mesmo antes do nascimento do filho, as relações entre seus pais são
organizadas pela palavra; “elas se situam no mesmo quadro das leis de linguagem”.
(MILLER, 1987, p. 45). É num banho de linguagem que a criança já está mergulhada. Esse
lugar que se inscreve o tesouro dos significantes, que se dirige ao sujeito, Lacan chama de
lugar do Outro. Outro da linguagem que engendrará uma vida subjetiva, permitindo ao ser
humano um alcance de uma constituição psíquica. Nesse território familiar se produzem, entre
mãe e filho, os significantes privilegiados pela mãe diante da demanda do filho formando um
campo discursivo em torno do desenvolvimento da criança.
Acrescenta ainda Miller que o entendimento das mensagens e a comunicação não é o
essencial da linguagem, para a psicanálise é importante o fato de que a mesma tem por função
identificar o sujeito. E é essa identificação que lhe permite incluir-se no registro simbólico.
Esse Outro tem suas próprias leis que foram desenvolvidas por Lacan como sendo as leis dos
significantes, através da sua leitura de Saussure e Jakobson
62
é, na falta de não poder dizer nem mais, nem melhor, a realidade sexual. E nesse momento ele
cita o caso do ”pequeno Hans” quando se dá conta da própria ereção e que vai encarná-la em
um objeto que há de mais externo, naquele cavalo que vai e vem, que dá coices e que é o que
há de mais exemplar para ele daquilo que tem que enfrentar, sem nada entender, graças ao
fato, diz Lacan nessa mesma conferência, de que ele tem um certo tipo de mãe e um certo tipo
de pai. O sintoma do pequeno Hans é a expressão, a significação, dessa recusa.
A recusa de Hans é o medo que ele tem disso que lhe acontece, desenvolvendo assim
sua fobia por cavalos. A fobia é o sintoma com que Hans conseguiu traduzir a angústia frente
ao primeiro contato com o movimento do seu pênis. Hans não entende nada disso por conta
dos pais que tem. Segundo Lacan, o sintoma da criança pode representar a verdade do par
familiar. Esta é a primeira versão do sintoma: o sintoma infantil é vinculado com a verdade
dos pais. Essa é uma questão já colocada em um dos primeiros textos de Lacan de 1938 sobre
Os complexos familiares.
podemos ver, dissemos que o conceito freudiano de sintoma vem aferrado ao pai, sempre há
uma ligação com o pai, como se fossem quase a mesma coisa, até porque sintoma e pai são
metáforas.
Sabe-se de um adágio jurídico romano que Freud cita, segundo o qual, o pai é incerto e
a mãe certíssima. O sintoma freudiano, poderíamos dizer assim, é a maneira de que dispõe o
sujeito para tratar a incerteza do pai. São as particularidades que cada um adquire para lidar
com essa incerteza.
que as neuroses se multiplicaram a partir desse declínio. “A autoridade do pai e seu poder
sugestivo se revelam assim como a resposta das religiões ante a inconsistência interna dos
seres humanos”, diz Gorostiza (2006, p. 23). O lugar designado como Nome-do-Pai na
psicanálise é idêntico ao ocupado por Deus-Pai na religião, o Um que existe.
Para Freud, o pai é o representante e agente da renúncia pulsional que exige a cultura.
Por conseqüência, concebeu a função paterna de um modo homogêneo, univalente, no eixo da
proibição do incesto e do auto-erotismo. Deste modo, a figura paterna assumiu em sua teoria
um caráter predominantemente hostil.
Se o sintoma e o pai são metáforas, o que se quer dizer é que são significantes que
vêm no lugar de outros significantes. A metáfora é, tradicionalmente, de acordo com Dor
(1989), repertoriada nos tropos do discurso como uma figura de estilo fundada em relações de
similaridade, de substituição. Nesse sentido, é um mecanismo de linguagem que intervém ao
longo do eixo sincrônico (sintagmático), ou seja, um dos eixos da língua para Saussure. Em
seu princípio, a metáfora consiste em designar alguma coisa por meio do nome de uma outra
coisa. No seu sentido pleno do termo é substituição significante.
66
É interessante observar que foi nessa mesma época, em 1957, das Formações do
inconsciente, em que Lacan começava a escrever A instância da letra, começaram os seus
dizeres “lingüísticos”, ou seja, Lacan iniciava seu diálogo com a lingüística e a metáfora
paterna surge como uma das conseqüências desse encontro.
É com Jackobson que Lacan formaliza a metáfora paterna a partir da sua releitura do
mito edípico introduzido por Freud. O mito é algo que demonstra àqueles que o escutam que
tudo já foi dito anteriormente e que, por isso, é inútil escrevê-lo, pois uma escrita nunca o
tornaria original. Se, na origem, colocam-se “pai” e “mãe”, então nomear estas funções
significa explicar o começo de todas as coisas. Este é o primeiro modelo mítico, podemos
dizer assim, de uma certa comunidade para dizer da sua originalidade. O mito é popular, todos
o conhecem, qualquer um pode contá-lo. Ele se transmite. O mito é o povo. Lacan diz que em
uma cidade sem mito, cada significante se representaria a si próprio. Ao trabalhar com os
mitos freudianos, Lacan instaura neles, como diz Miller (apud Pérez, 2005, p. 99), a exigência
de estabelecer algo que deve ser interpretado. Instaura, “portanto, (a exigência) de extrair a
estrutura, cujo revestimento são os mitos”. Nesta leitura dos mitos freudianos, acrescenta
ainda Pérez (2005), observa-se bem a direção geral que orienta Lacan relativamente a Freud:
extrair de seus mitos fundadores o real da estrutura, que é finalmente aquilo que determina a
metáfora paterna.
A função do pai, diz Lacan, é ser um significante que substitui o primeiro significante
introduzido na simbolização, o significante materno. É nesse sentido “um princípio de
separação”. A substituição em questão significa que a ligação ao pai entra no lugar da ligação
com a mãe. O pai intervém no desejo da mãe. É nessa medida em que o pai substitui a mãe
como significante que vem a se produzir o resultado comum da metáfora. “O papel da
metáfora paterna, substituindo o desejo da mãe pelo Nome-do-Pai, é assim, o de permitir um
acesso aos discursos, mediante uma perda de gozo. Não se trata aí, em termos lacanianos, de
nada diferente daquilo que a castração, em termos freudianos opera”. (SKRIABINE, 2005, p.
104).
Tomando o exemplo do jogo do for-da, descrito por Freud, podemos dizer que este dá
a ilustração mais explícita da realização da metáfora do Nome-do-Pai no processo de acesso
67
Certo dia, fiz uma observação que confirmou meu ponto de vista. O menino
tinha um carretel de madeira com um pedaço de cordão amarrado em volta
dele. Nunca lhe ocorrera puxá-lo pelo chão atrás de si, por exemplo, e
brincar com o carretel como se fosse um carro. O que ele fazia, era segurar o
carretel pelo cordão e com muita perícia arremessá-lo por sobre a borda de
sua caminha encortinada, de maneira que aquele desaparecia por entre as
cortinas, ao mesmo tempo que o menino proferia seu expressivo ‘o-o-o-ó’.
Puxava o carretel para fora da cama novamente, por meio do cordão, e
saudava o seu reaparecimento com um alegre ‘da’ (ali). (FREUD, 1976, p.
26).
Assim era o jogo completo: desaparecimento e retorno; quase só se via o primeiro ato,
que era incansavelmente repetido por si só como um jogo, embora não restasse dúvida de que
o maior prazer ligava-se ao segundo ato. A interpretação do jogo não apresentava mais
dificuldades. O jogo estava em relação com os importantes resultados de ordem cultural
obtidos pela criança, com a renúncia pulsional que havia realizado (renúncia à satisfação da
pulsão) para permitir as ausências de sua mãe sem manifestar oposição. Ela encontrava uma
reparação, por assim dizer, encenando ela mesma, com os objetos a seu alcance, o mesmo
‘desaparecimento-retorno’. Há nesse jogo um duplo processo metafórico. O carretel, como tal,
já é uma metáfora da mãe: o jogo presença-ausência é outra. Nesse movimento lúdico, a
criança controla a situação que a angustiava: para não se sentir abandonada pela mãe, ela a
abandona simbolicamente nessa operação. O jogo do fort-da nos ilustra precisamente a
expressão lacaniana “substituição significante”. O acesso ao simbólico pela criança através da
linguagem é signo incontestável do controle simbólico do objeto perdido. Nesse momento,
podemos dizer que a criança pôde mobilizar seu desejo, como desejo de sujeito, para objetos
substitutivos à falta.
Dizer “Nome-do-Pai” já comporta a idéia de que não se trata apenas do “pai”, mas
também de seu “Nome”; que essa categoria se refere a um significante que, como tal, nomeia,
é “nomeante”, diz Lacan, é o “pai do nome”, o qual, se existe para o sujeito enquanto
significante, é aquele que cumpre a função e não necessariamente o pai biológico. Para Lacan,
a função do pai reside no nível do pai real como construção de linguagem, efeito de
linguagem. Não é o pai da realidade, citamos:
68
pois a realidade é outra coisa (...) Até poderia ir um pouquinho mais longe,
fazendo vocês repararem que a noção do pai real é cientificamente
insustentável. Só há um pai real, é o espermatozóide e, até segunda ordem,
ninguém jamais pensou dizer que é filho de tal espermatozóide. (LACAN,
1992, p. 120).
É a partir daí, diz Gerard Miller (1989, p. 49), que vamos encontrar o alcance do
Nome-do-Pai como metáfora.
Se uma palavra, na sua definição, remete a outras palavras que, elas também,
remetem a palavras – falando de cadeia significante - isto nos dá a estrutura
sincrônica da linguagem, em que nenhuma realidade exterior a essa
linguagem limita a significação. (MILLER, 1989, p. 49).
Como o signo saussuriano, o significante não é uma mensagem. Nesse sentido, não há
significante que se signifique ele próprio. O que pode então limitar a significação? Se
entendemos que há sempre por parte da língua uma palavra que falta fechar a cadeia sobre ela
mesma, o que a faz parar, acrescenta Miller, não é portanto um significante último que se
igualaria à sua significação, mas uma função que Lacan, retomando Freud, chama função
paterna. É o Nome-do-Pai que vai barrar o desejo avassalador da mãe, figurando como o
Outro anterior, fazendo parar uma ordem de significação, que é a significação fálica.
69
Nosso ponto de partida para adentrar nessa questão será estabelecer a diferença do
mundo moderno em relação ao mundo contemporâneo. Podemos dizer que o primeiro foi
marcado pelo advento da ciência que instala o poder da razão e questiona a autoridade
simbólica do pai. A modernidade é o espaço em que existem grandes ídolos, grandes Sujeitos,
como diz o escritor francês Dufour. Grandes sujeitos seriam o Deus único do monoteísmo, o
catolicismo, o rei, a República, etc. Figuras sustentadas na tradição. Outro ponto importante
da modernidade é com relação ao sujeito no seu termo filosófico. A modernidade é marcada
principalmente por dois sujeitos: O sujeito crítico de Kant que é envolvido por três grandes
questões: “O que posso conhecer? O que devo fazer? O que posso esperar?”. (DUFOUR,
2005, p. 17). E o sujeito neurótico de Freud, refém da culpabilidade.
Segundo Bernard Nominé (1998, p. 11), em 1975, no fim do seu ensino, Lacan revisa
70
sua concepção da posição paterna. Não se trata mais do pai simbólico representante do desejo
da mãe. Esse pai será insuficiente para essa função. Esse pai é insuficiente para representar a
falta imaginária na mãe, que é uma falta que remete à infância dessa mãe, a criança vai
encontrar o recurso do sintoma.
Em maio de 1972, Lacan numa conferência em Milão, na qual faz uma escrita do
discurso do capitalista, disse aos seus ouvintes que o discurso capitalista andava às mil
maravilhas, andava até rápido demais. O regime capitalista indica que “o escravo antigo foi
substituído por homens reduzidos ao estado de produtos”. (DUFOUR, 2005, p. 09).
Ainda caminhando com Dufour (2005), este diz que a partir do momento em que toda
garantia simbólica das trocas entre os homens tende a desaparecer, é a própria condição
humana que muda. Conseqüentemente, nossa posição no mundo não é a mesma, pois o
sentido da vida não se liga mais a uma busca de acordo com os valores simbólicos que
representam o papel de garantias, a busca se dirige sempre ao acordo com os fluxos móveis da
circulação dos produtos de mercado. É melhor aderir a esse “real” do que a ele se opor, pois o
mesmo é doce, sedutor, belo, desejado. O autor então prenuncia: “Bem cedo veremos que
formidável violência se dissimula atrás dessas fachadas soft”. (2005, p. 15).
coisa, pelo contrário, é o mundo onde tudo está disponível para ser comprado. Ele é não-todo
porque não articula a identificação a um S1. Na verdade, existe um enxame de S1, uma
multiplicidade que impele o sujeito a identificações que negam a herança paterna, portanto, a
via do ideal. A multiplicidade identificatória dificulta a estabilidade da identificação fazendo
com que o gozo do sujeito seja lastreado pelo mercado de consumo. O sujeito dessa forma se
apresenta à deriva de algo que chamaremos da ordem de um real, isto é, um sintoma com
outra dimensão, a dimensão do real, resultado da queda dos valores tradicionais conseqüência
do declínio do pai.
Como já situamos, a psicanálise surge como uma infração ao saber científico a que a
ciência silenciara, afirmando que há um saber no real que não fala. O termo real, junto com
simbólico e imaginário é um dos nomes com os quais Lacan designou os três registros que
estruturam a subjetividade. Estes termos têm um lugar de destaque em todo seu ensino a partir
da década de setenta, mais precisamente 1974/75 com a realização do seu seminário intitulado
RSI (inédito).
Seguindo nesse caminho, uma outra leitura sobre o sintoma se faz presente como algo
que não funciona. É como função de significante, segundo Lacan, que o sintoma se enuncia,
situando assim um efeito bem particular do simbólico no real. Uma leitura que nos dá a
indicação da dimensão de real que existe no sintoma, pois segundo o psicanalista francês, o
sintoma é o que muitas pessoas têm de mais real.
Então Freud, do mesmo modo que para encontrar a significação dos sonhos
começa pelo sonho infantil, para o estudo da significação dos sintomas parte
da neurose traumática. É que nela se pode ler de maneira quase imediata a
referência real ao sintoma, sua Bedeutung, que se reproduziria literalmente
ao pé da letra no sentido mesmo do sintoma. Na neurose traumática o
sentido e a significação do sintoma quase se confundem. (VINCENS, 1998,
p. 37).
De algum modo vai dizer Freud, que o sintoma repete essa forma infantil de
satisfação, deformada pela censura que surge no conflito, via de regra, transformada em uma
sensação de sofrimento e mesclada com elementos provenientes da causa precipitante da
doença. A forma de satisfação que o sintoma consegue tem em si muitos aspectos estranhos
ao próprio sintoma, parecendo incompreensíveis como meio de satisfação libidinal. Freud
observa ainda que esses sintomas não se parecem em absolutamente nada com o que se
denomina satisfação. Geralmente desprezam os objetos, abandonando sua relação com a
realidade externa, concluindo que dessa forma pode-se verificar que esta é uma conseqüência
de se haver rejeitado o princípio de realidade e se haver retornado ao princípio do prazer, um
retorno, portanto, a um tipo de auto-erotismo difuso, semelhante ao que proporcionava a
pulsão sexual nos primeiros momentos de satisfação. É o sintoma como satisfação pulsional e
dessa forma resiste à interpretação. Ao observar essa resistência, Freud reconhecia que, pela
palavra, não era possível dar conta totalmente do sintoma, embora muito dele pudesse ser
removido por ela.
Sabe-se que para a psicanálise satisfação e prazer não são equivalentes, o sujeito pode
se satisfazer com aquilo que o faz sofrer. “É o que demonstram a neurose traumática, a
compulsão à repetição e às brincadeiras infantis. Se eliminarmos o que faz sofrer eliminamos
também o que satisfaz”. (MACHADO, 2005, p. 31)
É importante destacar que já nessa época Freud antecipava o sintoma nessa dimensão
de real, permitindo-nos até pensar o que denominamos hoje novos sintomas, tema que será
tratado no capítulo a seguir. Vejamos a citação que nos leva a essa idéia:
Ainda nesse mesmo texto ao buscar resposta para a questão de como a libido encontra
o caminho para chegar a esses pontos de fixação, Freud assinala a importância assumida pela
fantasia na formação dos sintomas e afirma que todos os objetos e tendências que a libido
abandonou ainda não foram abandonados em todos os sentidos. Estes objetos e tendências, ou
seus derivados, ainda permanecem, com alguma intensidade, nas fantasias. Dessa forma,
continua o mestre da psicanálise, a libido necessita apenas retirar-se para as fantasias, a fim de
74
encontrar aberto o caminho que conduz a todas as fixações recalcadas. E conclui: “partindo
daquilo que, agora, são fantasias inconscientes, a libido movimenta-se para trás, até as origens
dessas fantasias no inconsciente – aos seus próprios pontos de fixação” (FREUD, 1976a, p.
436). A questão da fantasia é importante porque representa um núcleo de interpretação do
sintoma, ela recorre às cenas que se fixaram e organiza a forma que pode adquirir para o
sujeito aquilo que não tem forma, ou seja, a realidade do sexo.
Mais tarde, Oliveira diz que, em Além do princípio do prazer (1920), “O trauma para
Freud deixa de ser pensado como causa dos sintomas para ser pensado como estrutural e
estruturante, atingindo, portanto a todos e não só àqueles que adoecem”. (OLIVEIRA, 2007,
p. 05). Nesse sentido, é como um furo na superfície do aparelho psíquico provocado pela
pulsão. A pulsão é então caracterizada como o que visaria “restaurar um estado anterior de
coisas” (OLIVEIRA, 2007, p. 06), ou seja, como o que visaria ao impossível de uma
satisfação total. A pulsão só se satisfaz parcialmente.
Freud conclui que o trauma é, via de regra, suposto ou inferido, o que o leva ao
abandono da teoria do trauma e à concepção da teoria da fantasia, em que o trauma é tido
como parte da realidade psíquica do sujeito e fundamento da fantasia. O sintoma é, então,
definido como a realização de uma fantasia de conteúdo sexual, ou seja, representa, na
totalidade ou em parte, a atividade sexual do sujeito provinda das fontes das pulsões parciais,
normais ou perversas.
Lacan, no seu último ensino, diz que o sintoma caracteriza o real como aquilo que não
anda. Por seu lado, o sintoma – embora não seja a mesma coisa que o real, ele é o que vem do
real. É a manifestação do real no ser humano. Nessa perspectiva, podemos dizer que sempre
somos afetados pelo sintoma, ou seja, sempre estamos doentes, como diz GOROSTIZA
(2006).
Na clínica nos chegam pacientes que nunca estão satisfeitos com o que são. Mas o que
eles são e suas experiências de vida são seus próprios sintomas que dizem respeito a um tipo
de satisfação. Lacan vai dar a categoria de impossível a essa satisfação paradoxal, portanto, da
ordem do real. Ele insiste na separação desse real do campo do princípio do prazer, “pelo fato
de que sua economia admite algo de novo, que é justamente o impossível”. (LACAN, 1985, p.
159). O real toca no que do sujeito é um resto, é improdutivo, no gozo, enfim, naquilo que não
serve para nada.
Esse impossível diz respeito também à relação sexual que não há. Em 1972, no
seminário 20 ele explicita a impossibilidade da existência da relação sexual atribuída à
impossibilidade da inscrição da relação entre dois corpos de sexo diferente. Também no
texto O aturdito (1973), Lacan se referiu ao não “há relação sexual” como uma suposição
que de relação (relação em geral) só há enunciado. O que isso quer dizer? “Da relação do
homem e da mulher, justamente no que seriam eles adequados, por habitarem a linguagem,
para fazer dessa relação um enunciado”. (LACAN, 2003, p. 454). A noção de relação está
relacionada à diferença dos sexos, que se fundamenta na linguagem, sobre a relação ao ser e
76
A identificação sexual, segundo Lacan, não está em uma pessoa se acreditar homem
ou mulher. O que existe é o desejo em relação ao falo e não de um parceiro ao outro, é em
relação a ele que os dois sexos se posicionam. O impossível da relação diz respeito ao não
recalcado dessa relação, ao não recalque desse desencontro.
O sintoma, nas palavras de Gérard Miller (1989), constitui, portanto, essa anomalia no
campo do real em que consiste o gozo e afirma que dessa relação com o gozo, o homem se
queixa, mas não a reconhece. Essa nova categoria para o sintoma como da ordem do real,
será mais trabalhada no capítulo a seguir quando será abordada a questão dos novos sintomas,
questão central da dissertação.
Quando nos referimos nos tópicos anteriores a esse significante do pai válido para
todos introduzindo o sujeito na lei, isso não significava que esse significante não pudesse ter
variações nos efeitos singulares, pelo próprio fato de o pai trazer com ele uma cadeia
significante, um imaginário, variáveis de sua história, até podemos dizer maneiras diferentes
do pai da realidade. Partindo desse raciocínio, Lacan em seus seminários posteriores vai falar
não mais do Nome-do-Pai, mas dos Nomes-do-Pai, modificando o estatuto do Pai. Falar dos
Nomes-do-Pai no plural quer dizer que não é mais para todos o mesmo significante do Nome-
do-Pai que opera para inscrever o sujeito na lei.
Falar Nomes-do-Pai indica que cada um tem seu significante do Pai, até mesmo que
possa haver vários significantes do pai para um sujeito. Lacan na fase final de seu ensino, a
partir de 1971/72, vai priorizar o particular antes que o universal. Não é mais o Pai da lei, mas
77
é o S1. Alguns S1 vão dar ao sujeito seu modo de inscrição no Outro. Esse S1 são as
significações mais importantes de um sujeito, são ao mesmo tempo mais que um significante,
ou até outra coisa além de um significante, eles podem ser um traço, uma marca, uma letra
que escreve o gozo particular de cada sujeito e essa letra tem efeitos reais. Não são mais
efeitos de significantes, na medida em que este tem efeitos de verdade, mas de efeitos de gozo
no real. Essa passagem à letra é o que faz a passagem do Nome-do-Pai e mesmo dos Nomes-
do-Pai ao sintoma. Não é mais o Pai, é o sintoma. Podem ser significantes muito diferentes
para cada um.
Para concluir este capítulo, podemos dizer que a primeira clínica de Lacan é uma
clínica binária, clínica do Pai, o Nome-do-Pai é foracluído ou não, neurose ou psicose; pode-
se dizer também que é uma clínica do significante. Enquanto que a segunda clínica é ternária,
é a clínica do nó borromeano; não é mais o significante que predomina, mas o gozo. Não é
mais a clínica do simbólico, mas a clínica do real.
CAPÍTULO III
Os Novos Sintomas: entre a Linguagem e a Alíngua, entre
o Simbólico e o Real
79
Há então um deslocamento do seu modelo clínico que já não pode ser o mesmo da
tradicional histérica de Freud.
80
Há bastante tempo se discute sobre os novos sintomas, todo mundo tem concordado
que há um “desbussolamento”, termo usado por Jacques Alain Miller no texto Uma fantasia
(2005), no sujeito moderno e no contemporâneo.
Estamos desbussolados, vai dizer Miller porque havia uma bússola, a moral civilizada
de um tempo não muito distante e esta foi abalada. Houve mudanças, segundo Miller, temos
duas metáforas, a primeira foi a da agricultura pela indústria e nos tempos atuais há uma
segunda metáfora a da natureza pelo real. Desde que a prática da agricultura foi substituída na
sociedade pela indústria, não se pensa mais na agricultura com a devida importância. A
civilização agrícola tinha como bússola a natureza, as estações do ano onde havia a questão
do clima, do tempo, das tradições. Com a revolução industrial isso tudo foi acabando. Os
produtos industriais foram devorando a natureza. Na atualidade, há uma produção industrial
de gadjets provocando no ser falante algo que vai além da satisfação da sua necessidade, um
mais além do prazer, um puro gozo. A natureza foi sendo substituída por tudo que é de
artifício. É um real que entra em cena, um real sem bússola, sem lei.
O que vimos chamando de novos sintomas têm colocado a nossa prática sob
transferência em xeque porque são paradigmáticos dessa época do declínio dos ideais, de
rechaço ao saber e ao Outro.
O que resta a fazer com isso? Como demonstrar a eficácia de nossa prática nesta
sociedade sem crença no saber? Onde todo saber é derivado dos números e dos produtos da
tecnologia e o que importa é prazer individual, ou seja, o gozo de cada um? Há uma total
permissão desse gozo perverso resultando em sintomas-gozo, não mais um sintoma como
mensagem, surgindo assim novas formas de angústia. O sintoma como mensagem faz emergir
81
o sujeito, sobre seu lugar no desejo do Outro, que representa o saber e lugar dos significantes.
É a este que ele se dirige, comprovando que o sintoma é estruturado como uma linguagem e
extremamente dependente desse Outro, é dele que o sujeito receberá o sentido de seu sintoma,
ou seja, sua própria mensagem de forma invertida, ao ponto de que, por momentos, sintoma e
inconsciente se confundem.
Nos sintomas atuais, o sujeito não tem uma referência identificatória, pois há uma
decadência do significante-mestre e dos ideais nos fazendo recorrer ao Comitê de Ética para
saber o bem e o mal. Na cultura atual não há mais o Outro no lugar da verdade. O sujeito fica
sem nenhuma significação para orientá-lo, consequentemente sua subjetividade é
comprometida. Então surge a questão: Que sujeito é esse?
Jacques-Alain Miller, no texto O sintoma e o Cometa (1997), diz que há muitos anos
atrás em um encontro internacional ele iniciou sua conferência quase com um grito “A clínica
muda”. Ele quis dizer com isso que deveríamos “enfatizar o novo ao invés do sintoma, na
fórmula “As novas formas de sintoma”. Não há razão para esconder que esperamos algo novo
quando nos reunimos sob tal fórmula, algo novo na psicanálise”. (MILLER, 1997, p. 05).
Segundo este autor, existe atualmente uma tensão que acompanha o desejo pelo novo. Diz
ainda que isso tem uma dimensão social e que há um supereu nos tempos atuais que ordena a
aquisição de algo novo. Sabemos também que sempre houve um desejo pelo novo, mas que
era mais suave diz Miller. Este apelo pelo novo é a nova formação sintomática da nossa
cultura. Sempre estamos desejando algo novo. Por quanto tempo isso vai permanecer? E a
resposta nós já sabemos, acrescenta o autor. Cada vez mais o novo dura menos; logo está
ultrapassado, obsoleto. “O culto ao novo encaixa-se bem com a valorização da juventude e o
desespero de envelhecer”. (MILLER, 1997, p. 06). Envelhecer antes era aceito. Estamos
claramente diante de um sintoma social.
Diante desse quadro, como não cair numa clínica do consumo, que deseja a novidade?
Ou seja, a dos Alcoólicos Anônimos, do condicionamento para as anoréxicas, de regulamentar
a comida para os bulímicos, dos grupos que tratam os adictos, as drogas, o sexo, do consumo
desenfreado de medicações e muitas outras coisas que fariam uma lista interminável
comparáveis aos produtos do mercado? Para nós praticantes da psicanálise de orientação
lacaniana, esta clínica vai contra todos os princípios analíticos. Ao trabalhar dessa forma,
estaríamos desconsiderando a posição do sujeito no seu mundo, não o responsabilizando pelos
seus atos e pelo seu gozo.
Com relação ao inconsciente, que é a questão central da nossa pesquisa, como pensá-lo
82
Como não poderia deixar de ser, nosso pensamento sempre volta a Freud para
destacar sua genialidade e demonstrar o quanto o fundador da psicanálise estava à frente do
seu tempo. Trazemos um fragmento de um texto surpreendente, de 1908, intitulado A moral
civilizada e a doença nervosa moderna. Citamos:
Não parece um texto de exatamente um século atrás. Parece que estamos falando dos
dias de hoje. Freud ainda cita todos os observadores da época, na virada do século XIX para o
século XX e diz que eles perceberam os novos sintomas que marcaram essa época. Dessa
forma, diz Miller, Freud antecipa uma teoria do gozo na civilização. Essa teoria nos faz
pensar exatamente nos sintomas de nossa época. Freud pensando assim, já questionava a
subjetividade de sua época se deparando na sua prática com um limite. Alguma coisa do
princípio do prazer no sofrimento sintomático ia além disso, observou ainda o mestre da
psicanálise, que permanecia algo a mais entre o sentido que desfazia o sintoma e uma outra
satisfação que o sustentava irredutível pela via da fala, revelada pela intensidade da pulsão.
Lacan então vai nomear essa outra satisfação freudiana com o conceito de gozo, como
a satisfação pulsional em seu caráter de real.
83
A partir do seminário XX, Lacan associa a fala com o gozo, quando afirma que o ser,
ao falar, goza. Mais adiante, no seminário R.S.I de 1975, ainda não publicado em livro, Lacan
diz que o sintoma é o modo como cada um goza do inconsciente. Nessa perspectiva, o
sintoma fica situado entre o simbólico e o real, fazendo um duplo laço com o inconsciente e o
gozo.
Na clínica atual nos deparamos com dificuldades a que alguns autores chamam de “a
clínica das suplências, onde a generalização do conceito de sintoma, homólogo ao de
foraclusão generalizada, aproxima neuroses e psicoses, abrindo a necessidade de construir
uma nova clínica diferencial”. (KRUGER, 1998, p. 105-106).
Nos sintomas atuais nos parece que até o próprio sintoma está foracluído. Este é o
nosso grande desafio, lidar com estes fenômenos onde o empuxo ao gozo tende a se eternizar,
numa repetição que não se produz um ponto de basta. É como se estes sintomas da atualidade
não fossem sintomas no sentido analítico do termo. Como se fossem constituídos aquém do
sentido, sem relação metafórica com o conflito psíquico, como rebelde a toda interpretação. O
sujeito fala, fala sem implicação nenhuma.
84
Freud falou do “mal-estar” da civilização na sua época, Lacan por outro lado, referiu-
se ao “sinthoma” na civilização como um efeito particular do discurso do mestre
contemporâneo que denominou de discurso capitalista. “Esse discurso produz o objeto a,
cavando a falta da mais-valia. A mais-valia foracluída é um significante e, como tal, retorna
no real como gozo”. (LAURENT, 2007, p. 163). Essa mais-valia na teoria marxista era
resultado do trabalho, um direito do trabalhador, na civilização atual ela se torna o objeto
perdido, estimulando a cadeia incessante das trocas, aumentando o consumo dos produtos do
mercado.
Para continuar seguindo com Laurent, faz-se necessário descrever rapidamente – o que
não é fácil, pois se trata da grande criação de Lacan e resultaria num outro trabalho – o que é
o objeto a na teoria lacaniana.
Há uma diferença entre a concepção freudiana de objeto, como Coisa para sempre
perdida — Das Ding, o objeto perdido da espécie humana — e o conceito lacaniano de objeto
a — o objeto perdido da história de cada sujeito.
O objeto perdido da história de cada sujeito, objeto a, pode ser reencontrado nos
sucessivos substitutos que o sujeito organiza para si em seus deslocamentos simbólicos e
investimentos libidinais imaginários. Mas nesses reencontros, por trás dos objetos
privilegiados de seu desejo, o sujeito irá se deparar de forma inarredável com a Coisa perdida
da espécie-humana; o que significa que se trata sempre, nos reencontros com o objeto, da
repetição de um encontro faltoso com o real. Essa distinção pode ser apontada como o objeto
impossível (objeto a) em Lacan e o objeto perdido (Das Ding) em Freud.
Se dissemos que o recalque constituiu-se na "pedra angular" da teoria freudiana, o
objeto a ocupou posição tão central quanto ele na teoria lacaniana. O objeto a – o que seria,
qual sua função? – funcionou para Lacan como interrogação permanente. Sofreu uma
elaboração constante em sua obra: de pequeno outro ou semelhante nos primeiros seminários,
a objeto amalgamático, causa de desejo no seminário VIII – A transferência, a objeto mais-de-
gozar, no seminário XVII – O avesso da psicanálise.
Voltando ao pensamento de Laurent (2007), para seguir a trajetória do objeto a em
nossa civilização, pegamos a indicação lacaniana do efeito de angústia e que o próprio Lacan
diz ser o verdadeiro efeito de linguagem. É no seminário X – A angústia, (1963/1963), que o
psicanalista francês faz uma verdadeira apologia ao objeto a.
Continuando com Laurent, este indica momentos da trajetória do objeto a começando
com o fim da primeira guerra que marca a entrada no século XX, quando o mundo do
pensamento foi invadido por um afeto particular e indicando também alguns historiadores e
85
filósofos como Valéry (1924) e Heidegger (1927). O primeiro quando fez referência a esse
pós-guerra com um saber que se impôs como “a crise do espírito” e o segundo definindo a
subjetividade dessa época como sendo a do “homem da preocupação” como também situando
o lugar da angústia. Na mesma época, Freud em 1930, no Mal estar da civilização, faz
equivaler o sentimento inconsciente de culpa à angústia.
Antes da segunda guerra, o homem tratava suas angústias sempre tentando restaurar
um todo diante de uma civilização que já se apresentava como não-toda. Desse movimento
surgiram os grandes líderes, os grandes ideais que Freud já antecipara no seu texto Psicologia
de grupo e análise do ego (1921) quando se referiu ao exército e à igreja.
No pós-II Guerra Mundial o homem foi lidando com a angústia através de vários
significantes mestres, vale destacar o Partido Comunista, a busca de Deus e os Estados
Unidos como vencedores da guerra, mostravam sua competência apoiando-se no cientificismo
dos anos 1950.
Nos anos 1960, Lacan apresenta um novo significante mestre: o mercado comum. E a
crise de 1968 revelou que todos esses significantes mestres, foram se desqualificando e “em
vez da crença no futuro dos mercados comuns, reina a incerteza do mercado global. Os
mercados procuram um significante mestre e não o encontram”. (LAURENT, 2007, p. 168).
A angústia é um afeto que resulta da descrença do sujeito no significante mestre e este
tenta refazer esse significante, esse todo, para lhe proporcionar uma garantia. No esforço de
recuperar esse Outro emerge o insuportável dessa falta. Nesse sentido, segundo Laurent,
assistimos um duplo movimento. “De um lado, apelos “populistas” para refazer o todo. De
outro, tentativas de reencontrar o gozo por intermédio de um acesso em curto-circuito”.
(LAURENT, 2007, p. 169). É o que estamos vendo nos sintomas contemporâneos, uma busca
desenfreada pelo prazer imediato, numa verdadeira overdose do gozo. Não só pelo uso de
drogas, pelos atos suicidas, mas até pela entrega exagerada ao trabalho, escolher esportes
perigosos, até se transformar-se em homem-bomba e gozar de sua própria morte. Tudo isso
são manifestações para lidar com a angústia na necessidade de encontrar o Outro.
Acreditamos que mesmo se revelando de forma estranha, os sintomas atuais não estão
fora do campo da linguagem, pois existe um ser falante que chega ao consultório. Esse fato já
86
indica que há uma demanda, só que esta não se apresenta. Há uma fala, um blá, blá, blá. Que
estatuto podemos dar a esse tipo de linguagem? E que estatuto tem a linguagem e o
inconsciente nesses sintomas na última fase do ensino de Lacan?
Nesse percurso, que se chama o último ensino de Lacan, uma outra dificuldade se
apresenta no que diz respeito à lingüística. Lacan diz considerar esta ciência
metodologicamente exemplar, mas no texto Radiofonia (1970) ele afirma:
No seminário 20, Mais ainda, na página 189, Lacan diz: “Se eu disse que a linguagem
é aquilo como o que o inconsciente é estruturado, é mesmo porque, a linguagem, de começo,
ela não existe. A linguagem é o que se tenta saber concernentemente à função da alíngua”. No
mesmo seminário, Lacan afirma: “O inconsciente, não é que o ser pense, como o implica, no
entanto, o que dele se diz na ciência tradicional – o inconsciente, é que o ser, falando, goze e,
acrescento, não queira saber de mais nada. Acrescento que isto quer dizer – não saber de coisa
alguma.” (p. 143).
Nessa perspectiva, como pensar o inconsciente e sua relação com a linguagem se,
segundo Lacan, esta não existe. A linguagem tem a estrutura de alíngua – é a redefinição de
Lacan. O inconsciente estruturado como uma linguagem é uma leitura de Lacan do
inconsciente freudiano. Para falar do inconsciente pensado como Lacan no seu último ensino,
parece ser necessário pensar numa outra leitura, que ultrapassa a noção anterior, passível de
ser deduzida da obra de Lacan.
Lacan inventa um nome, unindo o artigo “a” ao substantivo “língua”. Segundo Miller,
ele fez essa invenção para marcar que os elementos da língua que acreditamos discerníveis
não são tanto assim. Alíngua, para Miller, parece não ser uma estrutura, mas não é que não
tenha relação com a mesma. Miller afirma que alíngua não é uma estrutura porque não é um
objeto recortado de sincronia, pelo contrário, ela tem uma dimensão totalmente diacrônica,
“visto que é essencialmente aluvionária. É feita de aluviões que se acumulam de mal-
entendidos, de criações lingüísticas de cada um”. (MILLER, 1998, p. 71). (Grifo do autor).
Nessa outra leitura do inconsciente, Lacan diz que o mesmo é feito de alíngua, escrita
por ele numa só palavra e que designa o movimento de cada sujeito. Essa alíngua dita
materna, todo ser falante a possui. A linguagem também é feita de alíngua, diz Lacan, “é uma
elucubração de saber sobre alíngua”. (LACAN, 1985c, p. 190).
Lacan fala de um inconsciente como uma linguagem hipotética e que tem estrutura de
alíngua. Mas afinal, o que é alíngua?
Seguindo esse pensamento, Lacan modifica sua teoria do significante? Parece-nos que
a partir desse momento primeiro da aquisição da linguagem pela criança, Lacan usa o
significante de uma maneira nova, distinta do seu uso na lingüística.
Valemo-nos nesse momento de Jean Claude Milner no seu livro Amor da língua
(1987). Segundo o lingüista, a alíngua é um língua dentre outras, só que, quando ela se coloca
88
demonstra que não se inclui numa classe de línguas, ela se configura diretamente como a
língua materna, “da qual basta um pouco de observação para admitir que em qualquer
hipótese é preciso uma torção bem forte para alinhá-la no lote comum”. (MILNER, 1987, p.
15). Mesmo assim, segundo este autor, ela é uma língua como qualquer outra para o ser
falante, ou seja, língua materna. Ao mesmo tempo a alíngua é o que faz com que uma língua
não seja comparável a uma outra, pois ela não tem outra para se comparar. Ela é privada de
cada sujeito. Sua característica é o equívoco da língua. Segundo Milner, a linguagem
empresta a alíngua os traços para que a mesma fique compatível a uma classe e a insere na
língua. Nesse sentido podemos pensar que a alíngua é ao mesmo tempo linguagem, língua,
fala, escrita? Continuando com Milner, o mesmo indica que a alíngua é algo pelo qual de um
só movimento, existe língua e inconsciente.
O último ensino de Lacan, tal como o apresenta a leitura que Jacques Alain Miller
vem realizando, vem nos mostrar as vias por onde se sustenta essa nossa prática na contramão
do sentido freudiano, ou seja, do reino do pai, da consistência do Outro, contra até no que “a
psicanálise tem sustentado como elaboração de saber para fazer do Pai e do semblante um uso
que permita renovar o sentido do sintoma”. (TARRAB, 2006, p. 03).
Para Freud, o deciframento é chave do sintoma. No entanto, esse deciframento
fracassa quando pensamos nos novos sintomas, pois estes rechaçam o inconsciente e
prescindem do Outro. É importante destacar que devemos ter cautela para não homogeneizar
o que dos sintomas da atualidade são chamados “novos sintomas”. Em cada um desses
sintomas existem suas particularidades e diferenças e até porque Lacan já chamava os
sintomas que não se enquadravam na ordem simbólica como mensagem, uma “operação
selvagem do sintoma”. (TARRAB, 2006, p. 06). Ainda segundo Tarrab, preservar a
89
heterogeneidade é uma orientação para o tratamento desses sintomas que não pedem nada,
que são fixações de gozo. Pois não podemos negligenciar esses fenômenos que até parecem
estar fora do dispositivo analítico
Em sua conferência intitulada Uma fantasia, Jacques-Alain Miller (2005) usou este
termo crucial: “inventar a prática lacaniana de nossos dias”.
Na fase final de seu ensino, a estrutura clínica que Lacan vai tomar por base nas suas
inovações teóricas é a psicose, não como um déficit e sim como parte da estruturação
subjetiva. Nesse percurso a noção de sujeito que sempre teve importância no seu ensino,
ganha mais destaque.
Mais tarde em 1971, no seminário 20, Mais ainda, Lacan (1985c, p. 25) diz num
capítulo dedicado a Jakobson. “Um dia percebi que era difícil não entrar na lingüística a partir
do momento em que o inconsciente estava descoberto”. No entanto, ele diz fazer uma única
objeção a Jakobson, quando este afirma que tudo que é da linguagem dependeria da
lingüística, enfim, do lingüista. E argumenta:
O neologismo lingüisteria pode ser pensado como uma condensação das palavras
lingüística e histeria, já que a lingüística é do campo da linguagem e a histeria a estrutura
clínica psicanalítica que diz do sujeito do inconsciente por excelência. Também, é uma
referência a condutas próprias desprezadas, como pirataria, escroqueria, trapaçaria, etc.
O termo lingüisteria surge para substituir o que anteriormente cabia à lingüística, mas
que pela alíngua se modifica. O termo aborda a questão da significação em diferença ao
sentido, ou seja, há uma direção do sentido para a letra. A lingüisteria parece estar mais para a
91
relação necessária que o analista tem com a linguagem, e que é irredutível à lingüística. “A
lingüisteria estaria relacionada com a realidade contingente da linguagem enquanto fundante
do sujeito, porém, ela mesma, dependendo da alíngua”. (LEITE, 2001, p. 07).
Se for para supor um sujeito da lingüística, este é o sujeito que fala, o que vem do
pensamento através do processo secundário. O sujeito da lingüisteria é o “parlêtre”, um ser
incompleto, por isso Lacan dizer que a lingüisteria exige a experiência analítica para sustentá-
la, sublinhando em 1971, que não há outra lingüística além da lingüisteria. Mas que isso não
quer dizer que a psicanálise seja toda do campo da lingüística, conclui o psicanalista francês.
O avanço do ensino de Lacan, a partir deste momento, demonstra um esforço em
formalizar uma materialidade para o inconsciente, e conseqüentemente da causa do sujeito,
operando assim uma mudança radical no uso que fazia do termo linguagem. Mais tarde este
esforço se concretiza, quando vai utilizar a concepção de “letra” e abordá-la como um
significante fora do simbólico.
Em 1973, no texto Aturdito, Lacan diz que a estrutura é o real que abre caminho na
linguagem.
Se, no início, Lacan colocou em evidência o significante como materialidade da
linguagem, constitutivo do inconsciente, pertencente ao registro simbólico e aquele que
representava o sujeito para um outro significante, parece-nos que no seu último ensino, a
formalização de um inconsciente constituído pela letra, não mais pelo significante,
compromete a estrutura de linguagem do mesmo. Nessa perspectiva, seria uma linguagem de
outra ordem. Mas se seguimos o pensamento de Lacan que nessa fase final de seu ensino vai
da linguagem para alíngua e do significante para a letra, essa passagem nos indica uma
mudança no que ele disse sobre estrutura e sobre linguagem.
Nesse sentido, podemos pensar um inconsciente estruturado como alíngua e que se
revela pela letra, por uma escrita? Como se expressam essas formações do inconsciente
através de uma letra? O que dizer do inconsciente revelado por uma letra? Como pensar uma
interpretação no nível da alíngua?
Essas questões são bem colocadas quanto ao objetivo a ser atingido por essa
dissertação, ou seja, tentar responder qual é a estrutura de linguagem do inconsciente na
perspectiva demonstrada pelos novos sintomas.
Caminhando com Milner, este diz que a letra não é o significante, a distinção entre
eles ficou um pouco confusa no primeiro Lacan, isso se esclarece mais no segundo ensino. O
lingüista elenca assim as diferenças entre letra e significante:
92
afirma: “É pelo fato de Freud ter verdadeiramente feito uma descoberta, que se pode dizer que
o real é minha resposta sintomática”, acrescentando ainda: “Digamos que é pelo fato de Freud
ter articulado o inconsciente que reajo a ele”. (LACAN, 2007, p. 128).
O centenário do nascimento de Lacan, em 2001, foi a oportunidade que seus
seguidores encontraram para lançar na França uma coletânea de textos resultando no livro
Outros escritos, publicado aqui no Brasil em 2003. Neste livro, no final dele há um artigo
intitulado “Prefácio à edição inglesa do seminário 11” que Lacan inicia com essas palavras:
“Quando o esp de um laps já não tem nenhum impacto de sentido (ou interpretação), só então
temos certeza de estar no inconsciente”. (LACAN, 2003, p. 567). Segundo Miller, essa frase
“o esp d’um laps” pode ser distorcida um pouco no sentido de dizer “o inconsciente é o real”,
no entanto ele acrescenta que essa proposição não é nada evidente, que precisa ser meditada.
O texto sobre o espaço de um lapso foi escrito logo depois do seminário do Sinthoma em
maio de 1976.
Voltemos a 1956, quando Lacan diz em “resposta ao comentário de Jean Hypolite
sobre a Verneinung de Freud”. Aquilo que, uma vez cortado de toda manifestação simbólica,
reaparece “erraticamente”. Essas manifestações erráticas, valorizadas na psicose, já aparecem
em Lacan no que ele chamou “real sem lei”, isto é, um real separado do simbólico e que o
supera. Algo sem lei, sem sentido sempre foi enfatizado por Lacan. Segundo Miller, o que o
espaço de um lapso quer dizer é sobre uma disjunção entre o inconsciente e a interpretação,
ele afirma que há uma exclusão entre estas duas funções no que se refere ao inconsciente. Há
uma desconexão entre o significante do lapso e o significante da interpretação.
A operação psicanalítica se dá no estabelecimento S1-S2 da transferência, S1 sendo o
significante da transferência em seu laço com S2 um significante qualquer. Desse laço se
produz o sujeito suposto saber, em posição do significado abaixo da barra colocada sob o
significante. Assim representado:
S → Sq
_____________________
Lacan quando traz essa questão do espaço de um lapso, S1-S2, tem uma outra
configuração, ou seja, não há mais uma conexão nesse esquema. Ele insiste que só se tem
certeza que há inconsciente quando não acontece essa conexão antes dita transferencial. Isso
muda tudo porque nega o inconsciente sob transferência. Miller retomando um termo
sartreano, um “em-si” (en soi) diz que, quando há transferência há um sujeito com status de
96
“para si”. Este “si” é para “consigo próprio”, é sozinho. Quem é este “si/consigo”, que não
tem sentido nenhum, nem interpretação? Pergunta Miller. É um saber do sozinho, do consigo
(du soi), um ser cortado, estranho acrescenta Miller. O que é isso que incide sobre o lapso?
Miller nos diz que é um “prestar atenção”, pois não há o eu (je) ou eu (moi) como sujeitos do
verbo.
A operação analítica, nessa perspectiva, será exercida por uma forma de apreender
essa atenção no espaço de um lapso e essa atenção continua Miller, condiciona a associação.
A associação livre, regra primeira da psicanálise, só acontece se houver um analista. O pivô
para fazer essa atenção funcionar é o sujeito suposto saber, ou seja, só acontece associação
livre a partir da atenção do analista, como se ele ajudasse a mesma surgir. Se é assim que
acontece, a associação livre não é tão livre assim, ela libera uma verdade falhada, ou uma
falsa verdade. Segundo Lacan, não há verdade que ao passar pela atenção não minta. Nesse
sentido, o pivô não é mais o analista e sim o UM-sozinho.
Em 1975, Lacan ao se dirigir ao público americano nos Estados Unidos, disse que não
estava absolutamente provado que as palavras eram o único material do inconsciente,
explicou que nunca disse que o mesmo era uma reunião de palavras. O que ele estava
querendo dizer nesse seu ultimo ensino, era que existia alguma coisa que não era um
significante, mas que mesmo assim pertencia ao inconsciente. A isso ele denominou de
objeto, objeto causa de desejo.
Esta nova leitura do inconsciente, fora do significante, muda a definição de estrutura
que, se antes era pensada somente organizada pelo Simbólico, no último ensino de Lacan ela é
entendida como um Simbólico organizado por um Real.
Com isso, a prática da clínica se desloca para a intervenção do analista apontando para
o intervalo da cadeia, ou seja, o que acontece entre S1 e S2, o que acontece no espaço de um
lapso. A prática da psicanálise lacaniana em seu primeiro tempo tinha como referência o
retorno da articulação de S1 e S2 fazendo um efeito de verdade. O esp de um laps, do qual
fala Lacan no livro Os Outros Escritos já citado, isola desse esquema o valor de S1 sozinho,
sem efeito de verdade. E o que acontece quando não há alcance de sentido nem interpretação,
o S1 fica desarticulado. Para Lacan, o verdadeiro depende da crença em uma articulação. No
seminário o Sinthoma (2007) ele tenta tirar a psicanálise da crença do verdadeiro, quer livrá-la
dessa posição. Segundo Miller, a crença no verdadeiro é o que há de comum entre psicanálise
e religião. A verdade da psicanálise só tem uma palavra, é o real. Ela tem a ver com o real
enquanto impossível de dizer toda, a verdade é não-toda para a psicanálise lacaniana. E no esp
d’um laps, Lacan insiste em dizer que o verdadeiro está à deriva quando se trata do real.
97
particularmente, ou seja, quando inserimos nesse ponto a questão do inconsciente real como
da ordem da letra, que diferente do significante, ela é, segundo Milner, manipulável e
transmissível à letra, citando este lingüista:
Enfim, diz Milner que o significante deriva do registro do Simbólico, enquanto que a
letra derivando da instância do real vincula os três anéis, que são heterogêneos. Abrimos este
parêntese para dizer da importância da escritura do nó borromeano como aparelho adequado
como disse Lacan no auxílio para compreensão das noções freudianas, no nosso caso em
particular o inconsciente. Mas que para continuarmos seguindo por esse caminho, teríamos
material para uma outra dissertação.
Mesmo com esse recurso importado do nó borromeano, o texto de Freud para Lacan
sempre foi sua principal fonte.
Foi por ter seguido o texto de Freud na sua literalidade, que Lacan conseguiu observar
que o pai da psicanálise distinguiu um outro movimento do inconsciente diferente do
recalque. Freud usou a palavra verwerfung, que mais tarde o discurso analítico traduziu como
sendo foraclusão. Esse termo, diz Miller, serve para dizer sobre uma abolição simbólica, bem
como uma falta no significante. Portanto, Freud já se apercebia de um elemento inexistente,
“dado que, para ele, tal como o traduz Lacan, o simbólico é uma condição de existência na
realidade”. (Miller, 2006). Isso quer dizer, segundo este psicanalista, que o que não está
escrito no simbólico in-existe. No seminário o Sinthoma Lacan afirma que a simbolização é a
condição para que haja existência, para que algo venha a ser para o sujeito.
Se dissemos que os novos sintomas nos revelam uma foraclusão do simbólico,
indicando-nos que não existe um retorno do recalcado, então, como fica o estatuto do sujeito
nesses fenômenos? Miller nos ajuda a pensar quando diz que mesmo assim algo advém disso
que está foracluído para o sujeito e que para Lacan esse algo que emerge sem a forma de
retorno do recalcado, sem retorno daquilo que faz parte da história do sujeito é o real e não a
história, fazendo dessa forma uma diferença entre história e real, distinção fundamental
presente no pequeno texto onde se refere ao l’esp d’um laps. Lacan faz essa distinção quando
começa pensar a psicanálise a partir do real e a história nessa perspectiva é um fenômeno de
99
interpretação.
Pensar a partir da história permite a articulação entre S1 e S2 e uma relação com o
Outro, o que não parece ser o caso dos sintomas atuais. Miller nos diz no seu curso O
inconsciente é real, que o retorno do recalcado pode se pensar como um retorno legal e o que
aparece no fenômeno onde o simbólico está foracluído é de uma outra dimensão, aparece no
real, isto é, de forma ilegal, erraticamente como diz Lacan. É algo que acontece em forma de
resistência sem transferência, algo que não é para o Outro. É para o sujeito sozinho, só ele que
sabe, consigo, tal como enfatiza Lacan no Prefácio da edição inglesa do seminário onze.
Para concluir, podemos dizer que, ao desenvolver essa pesquisa teórica para
compreender o movimento dos novos sintomas, encontramos em Lacan, na última fase do seu
ensino, uma teoria do inconsciente elaborada não a partir da histeria e da história como foi
com Freud, mas, como já dissemos anteriormente nesse mesmo capítulo, uma teoria a partir
da psicose, ocorrendo assim como diz Jacques Alain Miller, uma reviravolta no seu ensino.
Esse indício já existia mesmo antes desse escrito O esp d’um laps, desde que Lacan, ainda
jovem evoca a personagem Aimée na sua tese de psiquiatria, penetrando assim na obra de
Freud pela via da psicose. No começo da psicanálise com a histeria e com a história, supõem
uma simbolização, ao passo que na psicose é real aquilo que sofreu a operação de foraclusão
do simbólico. Nessa perspectiva, observamos que os novos sintomas nos colocam frente a
frente histeria e psicose, tornando nossa prática um desafio, uma prática que põe em jogo o
real. Um real separado da fala, um real que nada espera da fala, diz Lacan no Sinthoma, um
real que fala sozinho. Adianta Miller que não é nem um significante que falta, pelo contrário,
é uma significação tão estranha que o sujeito não consegue comunicá-la ao Outro.
Enfim, o inconsciente, diz Lacan, é o testemunho de um saber e um saber que muitas
vezes escapa ao falante. Aquele que fala nos dá a oportunidade de observar os efeitos da
alíngua. O ser falante sempre apresenta afetos cheios de enigmas. Estes afetos enigmáticos
são presentificados pela alíngua, que articula coisas que vão muito além daquilo que o falante
suporta de saber no seu dito. O inconsciente é um saber fazer com isso, um saber fazer com a
alíngua como já dissemos. Esse saber fazer com a alíngua vai muito além do que a linguagem
dá conta.
100
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta expressão “considerações finais” nos dá uma certa garantia de que não estamos
concluindo, entende-se dessa forma que não é possível concluir, nem fechar, fazer afirmativas
ou negações referentes ao tema da pesquisa, pelo contrário, estamos apenas apresentando
nossas últimas considerações acerca das hipóteses levantadas nessa proposta de trabalho.
Falar de dois campos tão amplos e tentar delimitá-los foi um desafio incontestável. A
sensação é que não conseguiríamos colocar um ponto final porque desencadeia um
movimento quase metonímico, de “não cessar de se inscrever”. Pensando assim foi necessário
dar um ponto de basta.
Muito do que pensamos trabalhar se deu com uma certa frustração em não poder
aprofundar mais um pouco, não só pela questão do tempo que nos é estabelecido, mas
também pela atualidade do tema, cujas discussões teóricas muito ainda estão sendo
construídas. Por isso, com relação a um tema tão novo, há de nossa parte algumas limitações
que nos satisfazem na forma de questões que ficarão em aberto, esperando que outros tempos
possam colaborar para as suas respostas. Acreditamos que mesmo assim, as questões que aqui
foram apresentadas rapidamente tiveram a sua importância dentro do contexto.
de seus estudos com as afasias. Destacamos clássicos textos freudianos que comprovam essa
realidade. Cada artigo que o mestre austríaco escrevia observava-se gradativamente seu
afastamento da medicina, mergulhando assim no campo da linguagem até chegar a publicar
um artigo sobre a grande descoberta do inconsciente.
Acreditamos não ter resolvido esse problema, a busca, entretanto, não terá sido
infrutífera. Ela se desenvolveu da maneira que deveria ser, isto é, tentando atravessar a
barreira que existe entre a lingüística e a psicanálise, não forçando seus portões e nem abrindo
demais.
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