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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA


CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

MARIA DE LOURDES ARAGÃO DE ALBUQUERQUE TRINDADE

A Estrutura de Linguagem do Inconsciente


e os Novos Sintomas

JOÃO PESSOA – PB
2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA


CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

A Estrutura de Linguagem do Inconsciente


e os Novos Sintomas

Dissertação intitulada “A estrutura de linguagem do inconsciente


e os novos sintomas”, apresentada por Maria de Lourdes Aragão
de Albuquerque Trindade à Coordenação do Curso de Pós-
Graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba –
Campus I – do curso de Mestrado em Letras no ano de 2008 para
obtenção do título de mestre.

JOÃO PESSOA – PB
2008
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MARIA DE LOURDES ARAGÃO DE ALBUQUERQUE TRINDADE

A Estrutura de Linguagem do Inconsciente


e os Novos Sintomas

Banca Examinadora

_________________________________________________________________
Profª. Drª. Mônica Nóbrega
Orientadora

_________________________________________________________________
Profª. Drª. Zaeth Aguiar do Nascimento

_________________________________________________________________
Profª Drª Cynthia Pereira de Medeiros

JOÃO PESSOA – PB
2008
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A Alcides, meu marido, e às minhas filhas


Luana, Ana Larissa e Laís, que fazem parte
dessa época onde a instituição familiar está
em declínio, mas que insistimos em valorizá-
la.
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AGRADECIMENTOS

À Escola Brasileira de Psicanálise, Delegação Paraíba, fonte maior de toda fundamentação


teórica desse trabalho e pelo percurso de minha formação em psicanálise, através de seu
ensino e transmissão.

Aos meus colegas da Delegação Paraíba, que colaboraram com suas contribuições
semanalmente nos nossos encontros.

Agradeço especialmente a Cleide Pereira, que foi quem primeiro pegou na minha mão para
caminhar por essa estrada, sempre acreditando em mim e me estimulando no trabalho da
escrita e da transmissão da psicanálise desde a minha primeira pós-graduação.

A Cassandra, que acreditou e sempre esteve por perto para escutar minhas angústias no
percurso desse trabalho.

A Margarida, por ter me ensinado muito com sua experiência, não só como professora, mas
como conseguirmos separar esse lugar preservando nossa amizade tão especial.

A Mônica Nóbrega, como professora e orientadora, que acreditou no meu projeto e aceitou
caminhar comigo nesse desafio, dando-me força na sua orientação objetiva, paciente e realista
quando desanimava no meio do caminho.

Aos meus pacientes, que foram a fonte inspiradora desse trabalho.

Aos colegas e professores da pós-graduação, que me proporcionaram trocas fundamentais


com outros saberes, contribuindo assim para o enriquecimento desse trabalho.

Ao Programa de Pós-Graduação de Letras, na sua linha de pesquisa Sujeito, Linguagem e


Psicanálise, por ter dado oportunidade a nós da psicanálise de dialogar com o campo da
Linguagem e da Lingüística, campo este tão fértil para nossa área e onde está a verdadeira
origem da psicanálise.

A todos meus amigos e familiares, que com as suas companhias, de uma forma ou de outra,
contribuíram nas horas de lazer agradáveis necessárias para repor as energias e retomar esse
trabalho com mais vigor e desejo.
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A era da modernidade líquida em que vivemos – um


mundo repleto de sinais confusos, propenso a mudar com
rapidez e de forma imprevisível – é fatal para nossa
capacidade de amar, seja esse amor direcionado ao
próximo, a nosso parceiro ou a nós mesmos.

Zigmunt Bauman, Amor Líquido, 2004.


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RESUMO

O objetivo desse trabalho visa a buscar compreender a estrutura de linguagem do inconsciente


de Freud a Lacan quando este último no seu encontro com a lingüística, especificamente com
Ferdinand de Saussure, afirma que o inconsciente é estruturado como uma linguagem, tendo
ainda como perspectiva problematizar esta forma de linguagem e sua relação com as
formações sintomáticas atuais. Os novos sintomas, a saber, toxicomanias, fracasso escolar,
epidemia da depressão, anorexia, bulimia, síndrome de pânico, violências inusitadas entre
outros, são sintomas que seguem uma lógica diferenciada das leis do inconsciente freudiano,
leis estas onde prevalece a dimensão simbólica do sintoma. Verifica-se, nessas novas soluções
sintomáticas, uma prevalência da dimensão real de gozo do sintoma e, conseqüentemente,
uma primazia da via metonímica em detrimento da metafórica, resultantes do declínio da
função paterna. Diante disso, o sujeito necessita de algo para ocupar este lugar que não pode
ficar vazio, precisa se agarrar a algo que responda à sua angústia. Os novos sintomas surgem
como resposta a essa angústia que o ser humano quer aplacar. Pensando assim, partimos da
hipótese principal de trabalhar com uma nova leitura do inconsciente que aponta para o último
ensino de Lacan que vai além do inconsciente estruturado como uma linguagem, pensado
como simbólico, orientando-se para a instância do real.

Palavras-chave: Inconsciente, linguagem, novos sintomas, psicanálise, lingüística.


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RÉSUME

L’objectif de ce travail est celui de chercher à comprendre la structure du langage de


l’inconscient à partir de la lecture de Lacan, qui s’appuyant sur la linguistique de Ferdinand
de Saussure, atteste que l’inconscient est structuré ainsi qu’un langage. De plus il prend la
problématique de la relation entre cette forme de langage et les conceptions symptomatiques
actuelles. Les nouveaux symptômes, c'est-à-dire toxicomanies, échec scolaire, épidémie de la
dépression, anorexie, boulimie, syndrome de la panique, violence inusité entre autres, sont des
symptômes qui suivent une logique toute particulière des lois de l’inconscient de Freud, où la
dimension symbolique du problème prévale. On vérifie dans ces nouvelles solutions
symptomatiques la prédominance de la dimension réelle du profit du symptôme et une
primauté de la voie métonymique en détriment de la métaphorique résultant du déclin de la
fonction paternelle. Ainsi le sujet demande un substitut, quel qu’il soit, pour remplir cette
place qui ne peut pas être vide. Il a besoin de s’attacher à ce qui puisse répondre à son
angoisse. Les nouveaux symptômes surgissent en réponse à cette angoisse que l’être humain
veut apaiser. Ainsi on part de l’hypothèse principale de vérifier une nouvelle lecture de
l’inconscient conformément au dernier enseignement de Lacan, qui va au-delà de
l’inconscient structuré ainsi qu’un langage, raisonné symbolique et s’orientant vers l’instance
du réel.

Mots clés: Inconscient, langage, nouveaux symptômes, psychanalyse, linguistique.


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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Diagrama da apresentação-palavra.........................................................................23

Figura 2 - Ilustrações comparativas entre os conceitos propostos por Saussure e Freud........25


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SUMÁRIO

Introdução................................................................................................................................11

Capítulo I
Inconsciente e Linguagem em Freud e Lacan......................................................................16
1. O inconsciente freudiano......................................................................................................17
1.1. Inconsciente e linguagem em Freud..................................................................................19
1.1.1. A interpretação das afasias: Freud antecipa o inconsciente como linguagem................19
1.1.2. Das Ding: a coisa freudiana............................................................................................26
1.2. Uma lingüística freudiana?..............................................................................................28
1.2.1. A interpretação dos sonhos: a mais autêntica formação do inconsciente.......................28
1.2.2. A psicopatologia da vida cotidiana: uma obra de investigação para a lingüística..........30
1.2.3. Os chistes: A mais social das formações mentais...........................................................33
1.2.4. A significação antitética das palavras primitivas: a elaboração humana dos conceitos
pelos seus opostos.....................................................................................................................36
1.3. Inconsciente e linguagem em Lacan..................................................................................38
1.3.1. O retorno da psicanálise à sua origem: o campo da linguagem......................................40
1.3.2. Lacan e a lingüística........................................................................................................43
1.3.3. Significante: a materialidade da linguagem e constitutivo do inconsciente...................46
1.4. Língua, linguagem e fala...................................................................................................47
1.5. Os mecanismos psicanalíticos e lingüísticos do inconsciente...........................................53

Capítulo II
Sintoma e Linguagem em Freud e Lacan.............................................................................58
2.1. O sintoma em sua dimensão simbólica..............................................................................60
2.1.1. Sintoma e pai...................................................................................................................63
2.1.2. Metáfora paterna.............................................................................................................65
2.1.3. Declínio do pai: do moderno ao contemporâneo............................................................69
2.2. O sintoma em sua dimensão real.......................................................................................71
2.2.1. Do nome-do-pai aos nomes-do-pai................................................................................76

Capítulo III
Os Novos Sintomas: entre a Linguagem e a Alíngua, entre o Simbólico e o Real...........78
3.1. Os novos sintomas............................................................................................................80
3.1.1. Os novos sintomas como “sintomas-gozo”....................................................................81
3.1.2. Os novos sintomas e a linguagem..................................................................................85
3.1.3. Os novos sintomas e o último ensino de Lacan.............................................................88
3.1.4. Os novos sintomas: entre a linguagem e a alíngua, entre o simbólico e o real..............92
3.1.5. Os novos sintomas e o inconsciente real........................................................................94

Considerações Finais.............................................................................................................100

Referências.............................................................................................................................102
11

INTRODUÇÃO

As relações entre psicanálise e lingüística e, mais precisamente, entre linguagem e


inconsciente, não são muito serenas. Fazer uma aproximação entre esses dois campos é
surpreender-se a cada passo. E uma das primeiras surpresas nessa relação é a descoberta de
que a psicanálise está muito mais próxima da lingüística do que da psicologia. Este foi o
motivo maior que nos impulsionou a enveredar por esse caminho. Mesmo assim, sabemos que
é um caminho onde muitas pedras serão encontradas, pois, como afirma o lingüista francês
Michel Arrivè (1999) - em seu livro Psicanálise e lingüística, inconsciente e linguagem -
iremos constatar alternadamente os contatos mais íntimos entre as duas disciplinas, como
também os desconhecimentos recíprocos de cada uma das áreas. Nesse sentido, cada capítulo
da dissertação deverá trazer uma discussão de conceitos tanto da lingüística quanto da
psicanálise.
Para abordar os problemas dessa relação desafiante, pretensiosa, mas não menos
prazerosa, investigaremos a estrutura de linguagem do inconsciente em Freud e Lacan,
especificamente quando este último, no seu encontro com a lingüística e mais ainda com
Ferdinand de Saussure, afirma que o inconsciente é estruturado como uma linguagem, tendo
como perspectiva problematizar esta forma de linguagem e sua relação com as formações
sintomáticas atuais.

Esta questão vem de uma inquietação clínica, em que vimos observando que o
diagnóstico, antes norteador na direção da cura, é cada vez mais difícil de classificar,
tornando, dessa forma, para nós, estudiosos e praticantes da Psicanálise, um desafio conduzir
o tratamento de uma clínica que não responde às metamorfoses típicas da noção de sintoma,
extrapolando os limites da escuta clínica das estruturas, convocando-nos a pensar sobre uma
outra maneira de clinicar.

Os novos sintomas, como temos chamado, não têm a mesma configuração da de


algumas décadas atrás, em que o paciente se queixava exaustivamente do seu sofrimento
endereçado ao analista, que supunha ter todo um saber sobre seu sintoma. Os novos sintomas
são ou muito silenciosos, ou muito falantes, mas nada demandam, nada querem saber, eles
simplesmente se apresentam, eles “são assim”, recusam o inconsciente, como nos diz Lacan
no seminário da Angústia – livro 10 (2005). As palavras do analista para estes sujeitos não
têm ecos, não provocam associações, como se não existissem as tradicionais formações de
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inconsciente como lapsos, atos falhos, relatos de sonhos etc. É como se as pegadas que nos
levam à construção do inconsciente desse sujeito contemporâneo estivessem sendo apagadas.

Observam-se nestes novos sintomas uma total desconsideração pelo inconsciente. Há


uma “forclusão tecnocientífica da subjetividade”, como chamou Ana Maria Figueiró (2003, p.
114). A sessão de análise, então, transforma-se num “corpo a corpo” exaustivo. E aí vêm as
questões: como apostar num inconsciente que não se manifesta? Como manter acesas estas
pegadas que nos levariam ao seu caminho? Se ele é estruturado como uma linguagem,
segundo Lacan, que linguagem é essa que se apresenta nos novos sintomas? Esta é a questão
que pretendemos investigar.

Temos observado não só na clínica, mas também diariamente na mídia e no cotidiano


de nossas cidades e de nossas famílias, que este é o mal-estar de nossa cultura. Observamos
que são sintomas que resistem a entrar não só no discurso analítico, mas resistem a entrar no
discurso como um todo, como se fosse uma linguagem que não faz laço social. Seria o caso
de nos perguntarmos: são os sintomas que possuem uma linguagem sem discurso e, como
conseqüência, eles levam os sujeitos a procurarem respostas para os seus sofrimentos na
obesidade, nas compras compulsivas, na depressão, no fracasso escolar, na violência, na fobia
social, nas drogas, nos amores nômades, ou seja, em soluções solitárias e, ainda, por que são
estas as soluções atuais para a angústia?

Nas palavras de Lacan, a angústia é o único afeto que não engana, ou seja, por mais
que o sujeito queira fugir, dela não escapa. Ela surge para sinalizar que sempre vai haver a
verdade da falta, a verdade da incompletude. E para aplacar de imediato esse afeto, o sujeito
contemporâneo procura soluções que recorrem ao sentido, não aquele sentido que dizemos do
sintoma; ao contrário, são assintomáticos, são soluções que recorrem aos conceitos, aos
rótulos, às definições, às promessas, às medicações, todas estas respostas imediatas, por
demonstrarem uma maior eficácia, enfim, soluções que minimizam a via simbólica,
valorizando saídas da ordem do real. E se dizemos que praticamos uma psicanálise orientada
pelo ensino de Lacan, este, através das contribuições freudianas, chama-nos a atenção para
um afastamento da fenomenologia, saindo, portanto, do campo das significações, da
compreensão.

Os sujeitos que apresentam esses novos sintomas parecem perdidos diante do


bombardeio de significantes-mestres, convocando-os a se situarem no mundo. Nessa
multiplicidade de soluções, eles ficam como “peças avulsas”, prestando-se a mil e um usos.
“Peças Avulsas” foi o título do curso de 2004 de Jacques Alain Miller para falar do real em
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Lacan.

Para desenvolver o tema proposto para este trabalho, acreditamos ser importante
iniciar o primeiro capítulo fundamentando-o teoricamente através de um retorno ao conceito
freudiano do inconsciente, fazendo todo um percurso nos seus textos iniciais e paradigmáticos
no sentido de demonstrar quão estreita é a relação entre inconsciente e linguagem. A seguir,
no mesmo capítulo, trazemos Jacques Lacan, que, na sua releitura da obra de Freud, dialoga
com a lingüística e confirma essa fundamentação quando enfatiza que a psicanálise do mestre
austríaco é realmente uma clínica do campo da fala e da linguagem, através do seu dito que o
inconsciente freudiano é estruturado como uma linguagem. Portanto, o papel desse primeiro
capítulo é abordar a relação entre inconsciente e linguagem em Freud e Lacan, objetivando,
ao mesmo tempo, aproximar os conceitos da Psicanálise e da Lingüística, esta última
fundamentada principalmente nos conceitos de Ferdinand de Saussure.
No segundo capítulo, discute-se a importância da linguagem na formação dos
sintomas, enfocando também um percurso de Freud a Lacan para fundamentar a questão dos
novos sintomas e desenvolver a hipótese levantada nessa dissertação de que os mesmos estão
mais teoricamente adequados ao que chamamos a segunda clínica de Jacques Lacan, ou seja,
a de que o seu aforismo “o inconsciente estruturado como uma linguagem” já não responde às
questões das formações sintomáticas atuais, discussão a ser aprofundada no terceiro e último
capítulo. Para isso, será importante registrar os avanços lacanianos e suas propostas nos seus
últimos anos de vida, culminando nas questões da lingüisteria, da letra e da alíngua.
A partir dessa discussão, problematizaremos exatamente a estrutura da linguagem do
inconsciente através do que vimos chamando novos sintomas, permitindo-nos pensar numa
outra leitura do inconsciente, que estaria saindo das leis do simbólico e entrando num outro
estatuto que seria o de um inconsciente como real. Este capítulo será de fundamental
importância para enfatizar a hipótese central da dissertação, que parte especificamente da
questão sobre a produção dos novos sintomas que apontam para esta mudança na estrutura de
linguagem do inconsciente.
Todo o desenvolvimento do último capítulo será no sentido de discutir estas
manifestações sintomáticas atuais, partindo da nossa hipótese de que as mesmas não são mais
da ordem de uma metáfora, ou seja, estruturadas como uma linguagem, mecanismo, portanto,
de caráter simbólico. Os novos sintomas parecendo prescindir da palavra e sem capacidade de
metaforizar, parecem apontar a possibilidade de sua “dessimbolização”, termo usado pelo
francês, Dany-Robert Dufour no seu livro A arte de reduzir as cabeças e que “designa uma
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conseqüência do pragmatismo, do utilitarismo e do “realismo” contemporâneos”. (2005, p.


199). Nas palavras desse autor:

O valor simbólico é assim desmantelado, em proveito do simples e neutro


valor monetário da mercadoria, de tal forma que nada mais, nenhuma outra
consideração (moral, tradicional, transcendente, transcendental...) possa
entravar sua livre circulação. Daí resulta uma dessimbolização do mundo.
(DUFOUR, 2005, p. 13)

Dufour diz mais ainda, que a dessimbolização afeta a língua e os modos de falar,
acrescentando que, “com efeito, é todo peso do simbólico nas trocas humanas, que fez os
tempos da grande antropologia do século XX (de Mauss a Lévi-Strauss, chegando a Lacan),
que se encontra deste modo questionado”. (2005, p. 13).
Na concepção teórica da psicanálise, podemos dizer que a dessimbolização é um
fenômeno onde o discurso do inconsciente não se forma, fazendo-nos pensar de imediato
numa prática que põe em questão a direção do tratamento pela via das estruturas clínicas.
Nessa perspectiva, uma nova leitura será abordada, procurando trazer questões que dizem
respeito à prática psicanalítica de orientação lacaniana, fundamentada teoricamente na obra de
Jacques Lacan naturalmente e seus seguidores, como Jacques Alain Miller, Erich Laurent e
diversos autores da Associação Mundial de Psicanálise, e lingüistas que dialogam com a
psicanálise, a exemplo de Michel Arrivè e Jean Claude Milner permitindo-nos passear ao
mesmo tempo pelos dois campos do saber e tentar pensar o tema dos novos sintomas como
fazendo parte de uma estrutura de linguagem simbolicamente comprometida, seguindo, dessa
forma, uma lógica diferenciada das leis do inconsciente freudiano.
A partir dessa hipótese, poderíamos dizer que há uma prevalência da dimensão real do
sintoma, fazendo-nos questionar as estruturas clínicas (neurose, psicose e perversão), como se
estas não respondessem mais no sentido de nos orientar na compreensão e na direção do
tratamento do sujeito contemporâneo, pois este, com a sua singularidade, adapta-se mais a
uma visão de um inconsciente da ordem do real, não mais estruturado como uma linguagem,
mas estruturado como uma língua, ou seja, de um inconsciente dito lacaniano, que se
apresenta pelo significante e que posteriormente vai chamar de “alíngua”, isto é, a língua
peculiar de cada sujeito.
A partir desse percurso, que se denomina o último ensino de Lacan, podemos dizer
que “os novos sintomas” é o que vem nos dando subsídios para pensar numa outra vertente do
inconsciente, ou seja, não só aquele estruturado como uma linguagem, inconsciente dito
freudiano por excelência, mas um inconsciente estruturado como “alíngua”, pensado como o
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inconsciente lacaniano. E a questão a partir dessa leitura será: o inconsciente é linguagem ou


língua? Ou as duas coisas? Ou nenhuma? Para tentar responder essa pergunta, é
imprescindível abordar o que Lacan diz no final do seu ensino e mais precisamente no
seminário 23, O sinthoma sobre O inconsciente real. E o desafio maior: como fica a relação
inconsciente e linguagem?
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CAPÍTULO I
Inconsciente e Linguagem em Freud e Lacan
17

1. O inconsciente freudiano

O conceito de inconsciente psicanalítico tem mais de um século de existência, o que


não chega a ser muito tempo para um conceito, já que na história do saber ocidental alguns
existem há milênios. Mas isso não quer dizer que os conceitos não se transformem, não
envelheçam e até morram, muitos já desapareceram e alguns conseguem sobreviver ao tempo.
Nessa perspectiva, pouco mais de um século não é muito tempo, mas também não é pouco. A
sobrevivência de muitos conceitos está estreitamente ligada à sobrevivência da teoria à qual
eles pertencem. Raras são as conceituações que trazem a assinatura do seu autor. No caso do
Inconsciente freudiano, mesmo portando a assinatura nítida do Pai da Psicanálise, tal
assinatura não assegura a imutabilidade do conceito, que está sujeito a transformações, a
renovações, que caracterizam a história do saber.

Continuando sobre uma historiografia científica acerca do inconsciente, esta tem


demonstrado que Freud não foi o primeiro pensador a descobrir o inconsciente ou a inventar
essa palavra para defini-lo. No entanto, foi ele, sem dúvida, que acabou por fazer de tal
conceito o mais importante de sua doutrina, conferindo-lhe uma significação muito diferente
da que fora dada por seus antecessores.

A partir de Freud, o inconsciente deixou de ser uma “supraconsciência”, situado


acima ou além da consciência e também um “subconsciente”, como é ainda chamado, sendo
uma instância mais profunda que o consciente, dando, nesse sentido, à psicanálise um estatuto
de “psicologia profunda”, empregado pelo senso comum. Para Freud, o inconsciente tornou-
se uma instância a que a consciência já não tem acesso, mas que a ela se revela através do
sonho, dos lapsos de linguagem, dos atos falhos etc. Segundo Freud, ele tem a especificidade
de ser simultaneamente interno ao sujeito (e sua consciência) e externo a qualquer forma de
denominação pelo pensamento consciente.

Nos seus textos iniciais havia uma preocupação em definir o sentido tópico do
inconsciente, que surge justamente na impossibilidade de localizar os processos psíquicos.
Daí, estabelecer a distinção entre inconsciente e consciente como sendo dois lugares
psíquicos, lugares estes que não têm nada a ver com a anatomia, mas a regiões do aparelho
psíquico, independente do local em que possam estar situadas.

Mais tarde, em 1915, no seu artigo “O Inconsciente”, Freud dirá que nossa tópica
psíquica não tem nada a ver com a anatomia, não se refere a localidades anatômicas, mas a
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regiões do aparelho psíquico, prescindindo do lugar em que elas estejam situadas. Nas suas
anotações ainda neurológicas sobre os afásicos consta que a fala destes exorbita, não subjaz a
um centro, a uma intencionalidade, a uma forma.

Armando Verdiglione (1977, p. 12), referindo-se ao texto de Freud sobre as afasias, em


Matemática do inconsciente, afirma: “Ao contar, o falante erra, num processo de pura perda.
O único proveito continua a ser o do dispêndio, não inscrito num lugar, não utilizável para
fins ornamentais, decorativos ou de prestígio”. E foi no trabalho com os afásicos que Freud,
segundo esse autor, constatou o fato de que algo escape ou caia. Ou seja, mesmo que falando,
não há uma constante, que se supõe na realidade e que possa sustentar o critério de uma
energética psíquica. Com isso, Freud queria assinalar as diferenças entre o inconsciente tal
como concebia e como era pensado pela filosofia e pela psicologia, já que o termo era
empregado como adjetivo para designar aquilo que não era consciente e não como um sistema
psíquico autônomo e regido por leis próprias, como ele havia descoberto nas suas
experiências com as histéricas.

Em Esboços para a comunicação preliminar (1990, p. 194), encontra-se o seguinte


trecho da carta de Freud a Breuer, datada de 29.06.1892:

Formamos nossa opinião sobre os ataques histéricos tratando pacientes por


meio da sugestão hipnótica e, desse modo, investigando seus processos
psíquicos a respeito do ataque histérico; e devemos preliminarmente
assinalar que, para a explicação dos fenômenos histéricos, é indispensável
supor a presença de uma dissociação - uma divisão no conteúdo da
consciência.

Essa presença de uma dissociação segundo Freud, trata-se de um retorno, de uma


lembrança, não uma lembrança qualquer, mas daquela que causou um trauma psíquico. Essa
lembrança que forma o conteúdo de um ataque histérico é uma lembrança inconsciente. Se a
lembrança fosse trazida à consciência, não produziria os ataques histéricos. Nesse momento o
termo inconsciente ainda não era utilizado. Freud falava de um segundo estado da
consciência, a partir do seguinte questionamento: “o que decide se uma experiência (uma
idéia, intenção, etc) haverá de se localizar na segunda consciência, e não na consciência
normal?” (FREUD, 1990, p. 195). Assim, iniciava-se uma elaboração da hipótese do
inconsciente.

Desde sempre, Freud queria provar que existiam processos mentais inconscientes.
Contudo, deve-se esclarecer que seu interesse nessa suposição jamais foi de natureza
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filosófica; seu interesse era prático. Ele achava que, sem fazer essa suposição, seria incapaz de
explicar ou mesmo de descrever a grande variedade de fenômenos com que se defrontava.
Conseqüentemente, ele começou por adotar o método neurológico de descrição dos
fenômenos psicopatológicos, sendo todos os seus escritos da época de Breuer baseados neste
método.

Freud estava intelectualmente fascinado pela possibilidade de construir uma


“psicologia” a partir de elementos puramente neurológicos. Quando elaborava seu artigo
sobre o inconsciente, em 1915, escreveu a Fliess:

Estou tão profundamente mergulhado na “Psicologia para Neurologistas”,


que ela me consome inteiramente, a ponto de me ver obrigado a interromper
minhas atividades por excesso de trabalho. Jamais estive tão intensamente
preocupado com alguma coisa. E será que isso redundará em alguma
coisa?”(FREUD, 1974, p.187).

O resultado dessa dedicação e do desejo de saber de Freud foi a sua obra incompleta,
conhecida como o Projeto para uma psicologia científica (1895), encaminhada ao amigo
Fliess, em outubro do mesmo ano. Essa surpreendente obra visa a descrever e explicar toda a
gama do comportamento humano, normal e patológico.

Mas não foi ainda dessa vez que Freud postulou qualquer fenômeno inconsciente na
mente humana. Talvez por isso este “projeto” jamais tenha sido concluído; o Freud médico
neurologista estava sendo superado pelo Freud psicanalista.

Era cada vez mais evidente para o pai da psicanálise que até mesmo o elaborado
mecanismo dos sintomas neurônicos era grosseiro demais para lidar com as sutilezas trazidas
à luz pela “análise psicológica”, as quais só poderiam ser explicadas através da linguagem dos
processos mentais.

1.1. Inconsciente e linguagem em Freud

1.1.1 A interpretação das afasias: Freud antecipa o inconsciente como linguagem

Desde a verificação clínica do surgimento do inconsciente, a relação entre


inconsciente e linguagem foi originalmente estabelecida por Freud através da observação de
suas formações simbólicas na fala e também na escrita.
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Para Freud, a palavra articulada pela fala e pela escrita representa uma unidade
complexa, vindo a ser uma combinação de elementos auditivos, visuais e sinestésicos
(sensações corporais, motoras). Esse conhecimento, segundo o pai da psicanálise, deve-se às
patologias observadas por ele, pois nas lesões orgânicas do aparelho da fala a mesma se
desintegra dependendo da forma como a combinação é feita. Na sua investigação, a hipótese
levantada é que a ausência de um desses elementos na apresentação da palavra é a indicação
fundamental para a localização da doença.

Freud apresenta quatro componentes da apresentação da palavra no último artigo sobre


o inconsciente (1915) chamado de Palavras e coisas: o primeiro deles é a “imagem sonora”
da palavra, o segundo a “imagem visual da letra”, o terceiro componente é a “imagem motora
da fala” e o último a “imagem motora da escrita”. “Essa combinação, porém, se torna mais
complicada quando se entra no processo provável da associação que se verifica em cada uma
das várias atividades da fala”. (FREUD, 1974, p. 240). A partir daí, Freud segue explicando
cada uma dessas atividades e as associações que ocorrem detalhando desde como aprendemos
a falar, a ler e a escrever.

Podemos dizer dessa minuciosa investigação freudiana que o mestre da psicanálise


adentrava no campo da linguagem e por que não? Dessa forma, sem saber, inseria-se no
campo da Lingüística, como dissemos anteriormente. Sabe-se que o mesmo nunca se
encontrou com o mestre da Lingüística, Ferdinand de Saussure, mas que foi nada menos que o
analista de seu filho e prefaciou seu trabalho monográfico sobre lingüística. No mínimo, havia
um breve conhecimento sobre a ciência da linguagem através da escuta de seu paciente
lingüista. Se pensarmos romanticamente, já havia sim, um encontro entre Psicanálise,
linguagem e Lingüística desde aí.

Continuando sobre o que diz Freud sobre a palavra, ele conclui dizendo que a mesma
corresponde a um complicado processo associativo no qual se reúnem todos os quatro
componentes já citados e acrescenta: “Uma palavra, contudo, adquire seu significado ligando-
se a uma ‘apresentação do objeto’”, (FREUD, 1974, p. 243). (Grifo do autor).

A própria apresentação de objeto é também um complexo de associações que é


resultado, por sua vez, de uma grande diversidade de apresentações visuais, acústicas, táteis e
outras. Freud diz que a filosofia também traz essa idéia. Então, a apresentação de objeto é
vista como uma apresentação aberta que quase não pode ser fechada, enquanto a apresentação
da palavra é como algo fechado, mas podendo ser ampliada.
21

Observamos desta forma, dois tipos heterogêneos de apresentação: apresentação da


palavra e apresentação de objeto. Fala e escrita situam-se do lado da apresentação de palavra,
ou seja, restos mnêmicos de palavras provindas essencialmente de percepções acústicas, que
se associam, dando origem a uma interpretação no sistema inconsciente. Assim, os
componentes visuais da apresentação, a apresentação objeto, simultaneamente, associam-se às
apresentações da palavra, fornecem imagens à palavra, desempenhando o papel de signos de
suporte. Do lado da apresentação objeto, encontram-se os significados para as apresentações
acústicas. Freud afirma que a palavra é, propriamente falando, restos de memória da palavra
escutada. Deste modo, entendemos que a unidade complexa representada pela palavra resulta
da combinatória dos restos de percepções acústicas e percepções visuais. Podemos concluir
que a palavra é o efeito da combinação dessas duas percepções.

Na seção final do artigo sobre o inconsciente que, segundo os editores da obra


freudiana, parece ter raízes em sua antiga monografia sobre afasia, Freud capta nas
perturbações da fala algo do inconsciente. Segundo Verdiglione (1977), esse algo do
inconsciente é visto como uma borda que não permite a passagem entre significante e sentido,
lembrando o deslizamento transparente da “folha” saussuriana, exemplo famoso presente no
capítulo sobre o Valor Lingüístico do CLG, citado abaixo:

A língua é também comparável a uma folha de papel: o pensamento é o


anverso e o som o verso; não se pode cortar um sem cortar, ao mesmo
tempo, o outro; assim tampouco, na língua, se poderia isolar o som do
pensamento, ou o pensamento do som. (SAUSSURE, s/d, p. 131).

A partir desta idéia, estamos sempre querendo lembrar que Freud, mesmo sem saber,
direcionava seu desejo para o campo da linguagem, aproximando-se também da lingüística
ou, pelo menos, que há aí nos seus estudos sobre afasia uma idéia de signo semelhante à de
Saussure. Conseqüentemente, há um inconsciente inserido no campo da linguagem e não da
neurologia. Para esclarecer um pouco mais sobre isso, destacamos um trecho de Freud:

Recordo ter-me julgado em perigo de vida por duas vezes e em ambas as


vezes essa percepção sobreveio de modo inesperado. Em ambos os casos
pensei: “Estás arrumado!”, e enquanto o meu falar interior se processa
habitualmente por imagens acústicas indistintas e com uma sensibilidade
pouco intensa, por ocasião do perigo ouvi essas palavras como se fossem
gritadas ao ouvido e vi-as, ao mesmo tempo, como que impressas numa
folha ondulante no ar. (FREUD apud VERDIGLIONE, 1977, p. 13).
22

Verdiglione, no seu texto A matemática do inconsciente, já citado e que introduz a


monografia de Freud A interpretação das afasias, quis dizer que o criador da psicanálise, nos
estudos com os afásicos, parecia qualificar o significante ainda antes de Saussure, como
imagem acústica. A tônica, diz ele, recai sobre a combinatória: “A atividade associativa do
elemento acústico é o ponto central de toda a função da linguagem.” (VERDIGLIONE, 1977,
p. 13).

O fato de que o significante seja qualificado aqui, ainda antes de Saussure,


como imagem acústica, aponta a sua incidência por uma atenção flutuante
em torno de um objeto móvel, de um semblante, o que parece arrastar
precisamente para o lapso, ou para uma impossível economia.
(VERDIGLIONE, 1977, p. 13).

Esse artigo de Freud demonstra, podemos dizer assim, a comprovação de que vinha
ocorrendo de fato, gradativamente, um deslocamento do seu interesse pelo campo da
medicina. Na altura da publicação de seu estudo sobre Afasia, seu tratamento do caso de Frau
Emmy Von N. já datava de dois ou três anos. É na publicação da anamnese desse caso clínico
que se encontra pela primeira vez o termo “inconsciente”. É interessante observar que tal
termo surge através de um tratamento com afasia, uma perturbação da fala que mais tarde foi
descoberta como uma patologia relacionada à linguagem. Inconsciente e linguagem, na
origem da psicanálise, já demonstravam estruturas semelhantes e a genialidade de Freud fazia
desta uma grande descoberta. A partir desse momento, podemos pensar que a hipótese do
inconsciente com um estatuto de linguagem era levantada

A interpretação das afasias, de 1891, foi o primeiro escrito de Freud. Nesse seu
escrito inaugural, que não se encontra na sua obra completa, Verdiglone (1977, p. 11) afirma
que toda a reflexão de Freud sobre os afásicos “já leva ao estudo do lapso, do ato falho, do
chiste, do sonho”, demonstrando que a afasia denuncia os furos existentes na linguagem
(constitui o núcleo da interdição da linguagem). Nesse sentido, ele acrescenta já na primeira
página desse artigo: “Freud aqui faz lingüística e, em bastantes aspectos, muito para além da
posição de Jakobson, que não tem em conta este escrito”. É um escrito onde se observa
claramente o afastamento do criador da psicanálise da neurologia e um desdobramento para o
projeto de uma tópica, ou seja, um interesse de estudar as regiões psíquicas.

Freud demonstra ainda nesse estudo que a questão é, portanto, mais estrutural que
neurológica. Não é sem razão que esse escrito é desconhecido pelos artigos de neurologia. O
Dr. Freud médico já iniciava nesse momento, através de seu interesse pela linguagem, sua
23

entrada no campo da psicanálise.

Ainda nos seus estudos sobre as afasias, Freud elabora o modelo teórico do que
denominou “aparelho de linguagem”, que mais tarde é considerado como “aparelho
neurônico” no Projeto de 1895, como “aparelho de memória” na Carta 52, e como “aparelho
psíquico” no capítulo VII de A interpretação dos sonhos em 1900.

Em Palavras e coisas, único texto incluído nas Obras Completas fazendo parte do
artigo O inconsciente de 1915, Freud destaca seu diagrama psicológico de uma apresentação
da palavra, distinguindo-o da apresentação do objeto e assinalando o modo de articulação
entre as duas. A importância fundamental, vista por Freud, é que a apresentação-palavra não
se forma senão numa relação entre aparelhos de linguagem diferentes. As duas apresentações
estão reproduzidas graficamente a seguir:

Figura 1: Diagrama da apresentação-palavra

Freud assim explica o diagrama acima:

A apresentação da palavra é indicada como um complexo fechado de


apresentações, ao passo que a apresentação do objeto é indicada como um
complexo aberto. A apresentação da palavra não está ligada à apresentação
do objeto por todos os seus elementos constitutivos, mas apenas por sua
imagem sonora. Entre as associações de objeto, são as visuais as que
apresentam o objeto, da mesma forma que a imagem sonora representa a
palavra. As conexões que ligam a imagem sonora da palavra às associações
de objetos que não as visuais não vêm indicadas. (FREUD, 1974, p.
244).

Freud observou nas perturbações da fala que a apresentação da palavra está ligada à
24

apresentação de objeto em sua extremidade sensorial, através das imagens acústicas. E


conclui assim, que há duas espécies de perturbações da fala. A primeira ele denominou de
afasia de primeira ordem, “afasia verbal” onde as associações entre elementos separados da
apresentação da palavra são perturbadas. A segunda ele denominou de “afasia assimbólica”,
nesta segunda acontece uma perturbação na associação entre a apresentação palavra e a
apresentação objeto. É importante destacar aí o termo “assimbólico” usado por Freud, pois o
mesmo diz: “me parece que a relação entre a apresentação da palavra e a apresentação do
objeto merece muito mais ser descrita como ‘simbólica’.” (1974, p. 245). Mais uma vez
observamos seu pensamento sobre o registro simbólico, portanto de ordem da linguagem.
Pensando dessa forma, Freud denomina de assimbólica uma perturbação nessa relação. Essa
idéia é mais um elemento que lhe deu sustentação para se encaminhar para o campo da
linguagem. Freud ainda classificou uma afasia de terceira ordem chamada de agnóstica que
só pode ocorrer em casos de lesões corticais bilaterais e extensas, mas que acarretam também
uma perturbação na fala.
Ainda sobre o diagrama ilustrado acima, a apresentação da palavra e a apresentação do
objeto se constituem como um conjunto que Freud denomina “associações de objeto”,
conjunto de imagens visuais, acústicas, táteis etc., que se agrupam para formar uma
apresentação-objeto, apenas a partir de sua ligação com a apresentação-palavra, e só em
função dessa ligação pode-se falar em apresentação-objeto. É através desta relação que o
objeto ganha unidade e identidade, e que, por sua vez, a apresentação-palavra adquire sua
significação. Assim, o termo apresentação-objeto não designa o referente ou a coisa, mas, na
sua relação com a apresentação-palavra, designa o significado.

É a partir dessa construção freudiana que podemos pensar numa aproximação entre a
relação dessas duas apresentações com a relação Significante/Significado, que constitui a
unidade do signo lingüístico para Saussure. Para isso, apresentamos uma citação do CLG,
(Curso de lingüística geral) retirada do capítulo sobre A natureza do signo lingüístico, em que,
logo no início, o mestre genebrino afirma, a propósito do circuito da fala apresentado num
outro capítulo do livro, que “os termos implicados no signo lingüístico são ambos psíquicos e
estão unidos, em nosso cérebro, por um vínculo de associação. Insistamos nesse ponto”. (s/d,
p. 79).

De acordo com Saussure, o signo lingüístico une não uma coisa e um nome, mas um
conceito e uma imagem acústica, isto é, a representação da palavra fora de toda realização
pela fala, pois a imagem acústica não é o som, mas a impressão psíquica do som.
25

Saussure propõe que se denomine a imagem acústica de “significante” e o conceito de


“significado” que podem ser assim representados:

Substituindo os termos temos:

Signo = ↑ Conceito ↓ ↑ Significado ↓


Imagem acústica Significante

Figura 2: Ilustrações comparativas entre os conceitos propostos por Saussure e Freud.

Pensando no diagrama freudiano, podemos fazer uma aproximação dos termos


“Apresentação do objeto” como da ordem da imagem acústica e “Apresentação da palavra”
como da ordem do conceito? E nessa perspectiva a Apresentação do objeto estaria associada
ao significante, portanto da ordem do inconsciente e a Apresentação da palavra associada ao
significado.

Talvez pudéssemos dizer que mais tarde Lacan subverte o esquema lingüístico de
Saussure indicando a prevalência do significante, quando observa esse diagrama freudiano.

Não devemos esquecer que o nome dado ao texto pelo qual Freud faz toda essa
construção é Palavras e coisas. Podemos pensar numa antecipação de Freud ao signo
lingüístico saussuriano?

Quando Saussure faz essa mudança terminológica e conceitual, ou seja, em substituir


“conceito e imagem acústica” respectivamente por “significado e significante”, segundo
Arrivè (1999, p. 40), as duas “faces” do signo perdem a sua característica substancial própria.
O signo fica então definido como a totalidade constituída pela associação do “significado” e
do “significante”. Saussure, na sua didática, observa que é por falta de uma coisa melhor que
ele se satisfaz com a palavra “signo” para designar essa associação. Ao longo do CLG o signo
continua o mesmo, substituindo só os termos. As particularidades que surgem dizem respeito
à reta que aparece separando os dois componentes e que era o único meio de demonstrar
graficamente e simultaneamente a necessidade de uma distinção e a relação existente entre
eles.

Parece-nos que o diagrama de Freud também demonstra dois componentes: “palavras”


e “coisas”, que são distintas, mas que ao mesmo tempo há uma relação entre elas. Como já
dissemos, Saussure deu o nome de signo porque não encontrou outra palavra melhor. A esse
26

conjunto de “palavras e coisas” Freud chamou de associação de objeto, talvez como Saussure
não tenha encontrado um termo que designasse tal processo.
A questão sobre a representação é reintroduzida por Freud no artigo sobre O
inconsciente de 1915, para diluir o dilema “hipótese tópica e hipótese funcional” do
inconsciente com relação aos sistemas Inconsciente e Pré-Consciente/Consciente (GARCIA-
ROSA, 1995, p. 228). Assim, o sistema Inconsciente contém apenas os investimentos das
apresentações do objeto enquanto que o sistema Pré-Consciente/Consciente contém os
investimentos da apresentação do objeto mais os da apresentação da palavra. Podemos
observar também que Freud usava o termo “sistema”. Talvez não seja tão ousado assim dizer
que o pai da psicanálise, sem o saber, já fazia lingüística.
Enfim, essa é uma tentativa de querermos não só aproximar Freud e Saussure,
inconsciente e linguagem, e psicanálise e lingüística, mas também porque ela nos serve de
fundamentação para chegarmos à questão da estrutura de linguagem do inconsciente em
Lacan no decorrer desse trabalho.

Voltando à questão psicanalítica através dessa construção freudiana sobre a


apresentação da palavra, parece que conseguimos entender em que consiste a diferença entre
uma representação consciente e uma inconsciente. Elas não são diversas transcrições do
mesmo conteúdo em lugares psíquicos diferentes, nem vários investimentos no mesmo lugar.
A representação consciente abarca a representação-objeto mais a representação-palavra, ao
passo que a inconsciente é apenas a representação-objeto.

1.1.2 Das Ding: a coisa freudiana

Observamos anteriormente com a teoria da representação em Freud, que este insiste


em afirmar que o significado das representações Pré-Consciente/Consciente não resulta da
relação que a representação mantém com a coisa externa, mas da relação que a vorstellung
mantém com a representação-palavra. As vorstellungen podem conter algo da exterioridade,
mas seu caráter de significante não tem a ver com sua relação de exterioridade do objeto. Não
é a coisa externa que vai fornecer à representação o seu significado, este só ocorre através da
relação que cada vorstellung mantém com as demais vorstellugen.

Para desenvolver o que Freud chamou de “A Coisa”, trazemos em alemão dois termos
que podem ser traduzidos por a coisa: Das Ding e Die Sache. No entanto, não são
27

absolutamente equivalentes.

A Sache é a coisa, o produto da indústria ou da ação humana enquanto governada pela


linguagem. “Sache e Wort” estão, portanto, estreitamente ligadas, formam um par. Palavra e
Coisa. Das Ding situa-se em outro lugar; não está na relação que faz o homem colocar em
questão suas palavras como se referindo às coisas que, no entanto, elas criam. Há outra coisa
em Das Ding, afirma mais tarde Lacan no seminário, livro 7 “A Ética da Psicanálise: “O que
há em Das Ding é o verdadeiro segredo”. (LACAN, 1985a, p. 61)

Freud aborda o aparelho psíquico em termos de neurônios, enquanto Lacan remete os


trilhamentos (Bahnungen) da memória à cadeia significante. Neste sistema, Das Ding é o
significante que permanece isolado.

Quando Freud fala de representação da coisa não se trata de representação da coisa


externa, como já anunciamos, embora esta forneça os elementos sensoriais que vão se
constituir na matéria-prima da representação dessa coisa, não um objeto que corresponda ao
representado, o objeto da percepção, mas um objeto que foi perdido, que se deseja reencontrá-
lo, convencendo-se de que ele ainda pode estar presente.

O mundo freudiano comporta que é esse objeto, Das Ding, enquanto o Outro absoluto
do sujeito, que se trata de reencontrar. Reencontramo-lo no máximo como saudade. Não é ele
que reencontramos, mas suas coordenadas de prazer. É nesse estado de ansiar por ele e de
esperá-lo que será buscada a satisfação perdida experimentada em nome do princípio do
prazer. É essa a questão da neurose. Todo esse processo que visa à experiência de satisfação é
o de reproduzir o estado inicial, de reencontrar Das Ding. Segundo Lacan, é através dessa Das
Ding original que é feita a primeira orientação, a primeira escolha, a escolha da neurose. Essa
primeira moagem regulará doravante toda a função do princípio do prazer.

Destacamos o conceito freudiano de Das Ding para podermos pensar numa possível
aproximação da vorstellung de Freud com o sistema lingüístico de Saussure, tentando
encontrar subsídios para compreender a subversão que Lacan faz do signo saussuriano
priorizando o significante dizendo que este é a materialidade do inconsciente.

Para diferenciar o objeto perdido da espécie humana e o objeto perdido da história de


cada sujeito, Lacan, ainda no Seminário da ética (1985b) nomeia o primeiro como “coisa”,
Das Ding, e o segundo, como objeto causa de desejo, “objeto a”. O objeto perdido da história
de cada sujeito poderá ser re-encontrado nos diversos objetos substitutos constituídos ao
longo de sua vida, mas, segundo o psicanalista francês, por trás desses objetos importantes do
28

desejo, o sujeito sempre vai ter que se deparar de maneira inevitável com a Coisa perdida
inerente à espécie humana.

Lacan neste mesmo seminário coloca Das Ding como um conceito central. Para ele, a
“coisa” apresenta-se sempre velada e, para que possamos concebê-la, é necessário contorná-
la. A busca da “coisa” só ocorre pela via do significante. Isso é exemplificado por Lacan
através do vaso, objeto representativo da função do significante como obra de criação. Assim
como o oleiro que, ao criar o vaso com suas mãos, faz isto em torno de um vazio, Deus
também criou o mundo, ex-nihilo, a partir do furo. Portanto, é em torno desse vazio no centro
do real da “coisa”, Das Ding, que se articula a trama significante.

O que Lacan vem nos mostrar é que o sujeito é determinado por uma trama discursiva
cuja origem ele desconhece, mas onde deve advir para resgatar sua verdade e encontrar o seu
lugar.

1.2. Uma lingüística freudiana?

Depois de seus estudos sobre afasias, Freud envereda por outro caminho. Os seus
textos clássicos que abordaremos a seguir constatam o estatuto de linguagem do inconsciente.
O médico neurologista na sua pesquisa sobre o inconsciente mergulha no campo da
linguagem, percebendo que nesta há alguma coisa que falta, que falha e dessa forma encontra
a dimensão inconsciente na linguagem.

1.2.1. A interpretação dos sonhos: a mais autêntica formação do inconsciente

Embora a teoria ostensiva subjacente à participação de Freud nos Estudos sobre a


Histeria, também do ano de 1895, pudesse ser neurológica, seu interesse pela análise dos
processos mentais inconscientes já se insinuava firmemente. A transformação total ocorreu
alguns anos depois, em A Interpretação de Sonhos (1900), em que se observa uma estranha
mudança:

Não só o relato neurológico da psicologia desaparecera completamente,


como também grande parte do que Freud escrevera no Projeto em termos de
sistema nervoso se tornara agora válido, e muito mais inteligível, ao ser
29

traduzido em termos mentais. (FREUD, 1974, p.188).

Nascia nesse momento o Inconsciente freudiano, o ponto culminante e o objeto de


estudo de toda a teoria psicanalítica.

Em A interpretação de sonhos (1900), obra inaugural da psicanálise, Freud


definitivamente estabelece os laços entre inconsciente e linguagem, pois ali descobre a
linguagem dos sonhos como sendo a via régia para o inconsciente. O inconsciente fala mais
de um dialeto, e dentre as variadas condições psicopatológicas, Freud vai dizer que
encontramos mudanças de expressão dos impulsos psíquicos inconscientes, ou seja, temos
maneiras distintas de verificar as formações do inconsciente, sendo o sonho a mais autêntica
formação do inconsciente.

A obra mostra peculiaridades da linguagem onírica reveladoras de um sistema de


expressão bastante arcaica. Desta forma, o trabalho do sonho torna-se a pedra angular do
trabalho psicanalítico e, tanto a extensão de seus resultados, como a abrangência de seus
efeitos, constituem uma grandiosa contribuição da psicanálise para a cultura humana. Nos
sonhos, afirma Freud, a mente é isolada, quase sem memória, do conteúdo e assuntos comuns
da vida de vigília, contrariando vários autores que dizem que os sonhos dão prosseguimento à
vida de vigília. Isso não significa, acrescenta ainda o pai da psicanálise, que o material do
sonho não seja algumas vezes derivado da experiência do sonhador, mas mesmo assim,
muitas vezes, distorcido e não reconhecido pelo sujeito. Só através de um trabalho analítico é
possível uma interpretação e reconhecimento.

Sendo a linguagem dos sonhos representada por imagens visuais, os sonhos são
comparáveis a um sistema de escrita antiga, como os hieróglifos. E sua interpretação é
análoga ao deciframento desta antiga escritura figurada. A múltipla significação dos diversos
elementos do sonho encontra também seu reflexo nestes antigos sistemas gráficos que devem
ser deduzidos pelo contexto.

Freud afirma que os pensamentos do sonho e o seu conteúdo são apresentados como
duas versões do mesmo assunto em duas linguagens diferentes. Ele descobre mais ainda que,
se for comparar o conteúdo do sonho com os pensamentos oníricos, observa-se que se efetua
um trabalho de condensação em larga escala. Os sonhos, afirma Freud, são muito curtos em
comparação com a riqueza dos pensamentos oníricos. E acrescenta, “se um sonho for escrito,
talvez ocupe meia página, enquanto a sua análise que expõe os pensamentos subjacentes a ele
poderá ocupar seis, oito, ou doze vezes mais espaço.” (FREUD, 1987, p. 272). O sonho,
30

segundo Freud, é impossível de ser interpretado completamente, resta sempre a possibilidade


de que tenha outro sentido. Enfim, é rigoroso nesse sentido, dizendo que é impossível
determinar o volume de condensação.

Além da condensação, no processo de transformar os pensamentos latentes no


conteúdo manifesto de um sonho, existe outro fator: o deslocamento. Este mecanismo
apresenta a possibilidade que as idéias inconscientes têm de emprestar seu valor para outras
idéias, operação realizada pela censura, para amenizar determinados conteúdos do sonho,
insuportáveis e manifestados através da fala do sujeito de forma muitas vezes até contrárias ao
conteúdo do sonho.

A partir da constatação pelo pai da psicanálise de que há duas versões diferentes


apresentadas pelo sonhador do sentido do sonho e demonstradas pelos mecanismos de
condensação e deslocamento, o mesmo nos parece querer dizer que existe uma estrutura de
linguagem no inconsciente. Mais adiante, retornaremos ao tema através de Lacan, quando este
utiliza os pólos metafóricos e metonímicos, termos emprestados da lingüística, através do seu
encontro com Roman Jakobson.

1.2.2. A psicopatologia da vida cotidiana: uma obra de investigação para a lingüística

Nesse texto é importante destacar que o encontro entre a Psicanálise e a Lingüística já


estava traçado. Raymond de Saussure, filho de Ferdinand de Saussure, analisado por Freud e
com trabalho teórico prefaciado pelo criador da Psicanálise, em uma carta a Charles Bally
(responsável pela edição do CLG), mostrando um conhecimento profundo da obra de seu pai,
já sugeria um encontro entre a psicanálise e a lingüística saussuriana. E é através dessa obra,
sobre os fenômenos de etimologia popular estudados no CLG, que faz a seguinte observação:
“O Sr. Freud, em Psicopatologia da vida cotidiana, apresenta alguns casos de lapsos, que ele
tenta explicar psicologicamente. Parece-me que esse seria um campo novo de investigação
para a lingüística”. (RAYMOND DE SAUSSURE apud ARRIVÈ, 1999, p. 16).

Segundo os editores, esse livro de Freud foi um dos que teve mais quantidade de
edições em alemão e em línguas estrangeiras, só perdendo para as Conferências introdutórias
de 1916-17. Cada vez que se fazia uma nova edição havia material novo se comparando A
interpretação dos sonhos e aos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, aos quais Freud
fez constantes acréscimos durante toda sua vida e foi projetado por ele mesmo para o leitor
31

comum, conforme nota de rodapé da página 234:

Este texto é de caráter inteiramente popular, visando apenas, através do


acúmulo de exemplos, a preparar o terreno para o pressuposto necessário da
existência de processos anímicos inconscientes, mas ainda assim eficazes, e
evita todas as considerações teóricas sobre a natureza desse inconsciente.
(FREUD, 1987, p. 234).

Uma primeira menção feita por Freud a um ato falho está numa carta a Fliess, de 26 de
agosto de 1898, onde o mesmo se refere ao termo em alemão “fehlleistung”, “operação
falhada”. É importante destacar que esse conceito não existia em psicologia. Na língua
inglesa, criou-se o termo “parapraxis”, não mais adotado na segunda edição. A opção foi
traduzir os termos alemães por “ato falho”. O trecho da carta de número 94 ao seu amigo
Fliess está na introdução da edição inglesa sobre A psicopatologia da vida cotidiana de 1901
citada a seguir: “finalmente compreendi uma coisinha de que suspeitava há muito tempo, o
modo como um nome às vezes nos escapa e em seu lugar nos ocorre um substituto
completamente errado”. (FREUD, 1987, p. 15).

O esquecimento de nomes próprios é o título do primeiro capítulo dessa obra. Numa


revista de neurologia, em 1898, Freud já tinha publicado um artigo de nome O mecanismo
psíquico do esquecimento, prova de que já demonstrava seu interesse por um campo que ia
muito além da neurologia. Nesse artigo, ele aplica análises psicológicas ao freqüente caso do
esquecimento temporário de nomes próprios, explorando exemplos de sua auto-observação.
Sua curiosidade em relação a esse fenômeno nasceu de certas características que podem ser
reconhecidas com bastante clareza em alguns casos individuais, em que o nome não só era
esquecido, como também lembrado de forma errada. Ele dizia que na ansiedade de se tentar
recuperar o nome perdido, outros nomes vêm à consciência. Mesmo reconhecendo de
imediato a falha, estes substitutos insistem e se impõem com grande persistência. Freud vai
dizer que o processo pelo qual se deveria levar à reprodução do nome perdido foi deslocado,
e, por isso, conduziu a um substituto incorreto. A hipótese que Freud levanta “é que esse
deslocamento não está entregue a uma escolha psíquica arbitrária, mas segue vias previsíveis
que obedecem a leis.” (FREUD, 1987, p. 19). Aqui ele antevia as leis do inconsciente
manifestas na linguagem. Ele suspeitou que o nome substituto ligava-se de maneira
averiguável com o nome perdido.

Trazemos um pequeno fragmento de um dos exemplos mais clássicos de Freud e que


foi alvo do seu artigo publicado em 1898. Ele tenta, em vão, lembrar do nome do artista que
32

pintou os afrescos magníficos das “Quatro Últimas Coisas”, que são a Morte, o Juízo, o
Inferno e o Céu na Catedral de Orvieto, na Itália. Em vez de lembrar do nome Signorelli, só
lhe vinham os nomes de dois outros pintores, Botticelli e Boltraffio. A partir daí, Freud faz
toda uma investigação das influências e das vias associativas pelas quais a reprodução do
nome assim se havia deslocado do verdadeiro para os outros. Esse esquecimento não tinha a
ver com a peculiaridade do nome próprio, pois o nome esquecido era para ele tão familiar
quanto um dos nomes substitutos, no caso Botticelli e mais familiar do que o outro, Boltraffio,
do qual não sabia quase nada. O esquecimento do nome, segundo análise do próprio Freud,
ocorreu por várias associações a fragmentos de experiências vivenciadas por ele,
especialmente pensamentos recalcados. Esses fenômenos são falhas no funcionamento
psíquico e/ou desempenhos aparentemente involuntários e se ligam inequivocamente a
motivos que são desconhecidos da consciência. Reportam-se a material suprimido, que,
mesmo expelido da consciência, consegue expressão. É importante destacar que podem ser
facilitados por semelhança fonética (o caso de Signorelli por Botticelli), e/ou associações
psicológicas próximas.

O esquecimento de Freud em relação ao nome tinha a ver com a conversa anterior que
ele havia tido com seu companheiro de viagem sobre o costume dos turcos que vivem na
Bósnia e na Herzrgovina. Um colega tinha lhe contado como estas pessoas costumam ter
grande confiança no médico e total resignação quanto ao destino. Quando o médico lhes
comunica que nada mais se pode fazer, o doente responde “Herr” (senhor), o que se há de
fazer, se fosse possível fazer alguma coisa o senhor o teria feito. Nessas frases, Freud
encontra as palavras Bósnia, Herzegovina e Herr, que podem ser inseridas numa seqüência
associativa entre Signorelli e Botticelli.

“Suponho que essa seqüência de pensamentos sobre os costumes dos turcos na Bósnia,
etc. adquiriu a capacidade de perturbar o pensamento subseqüente por eu ter afastado a
atenção dela antes que fosse concluída.” (FREUD, 1987, p. 20).

Nesse momento, o pensamento de Freud tinha se voltado para um colega que certa vez
lhe disse que um de seus pacientes falou que quando o gozo sexual acaba, a vida não tem mais
valor. Pois os Turcos conferem ao gozo sexual um valor maior que o de qualquer coisa e, se
acontece qualquer distúrbio nessa área, caem em desespero. Freud encontra explicação para
seu esquecimento por suprimir esse tema numa conversa com um estranho. E fez mais ainda:
desviou sua atenção da continuação dos pensamentos que poderiam ter-lhe surgido a partir do
tema morte e sexualidade. Freud nesse momento ainda estava influenciado pelo suicídio de
33

um paciente que não suportara seu distúrbio sexual. Essa notícia ele recebe quando estava
numa cidade chamada Trofoi, (associação feita com Boltrafio). Todos esses fatos, Freud
relacionou ao seu esquecimento. E estes fatores da experiência de vida que fizeram Freud
esquecer o nome nada têm a ver com a neurologia. Tanto o esquecimento como as
substituições que aconteceram são de outra ordem, ou seja, do inconsciente que tem sua
própria lei, a lei do sujeito, de um sujeito que fala. Inconsciente e linguagem nesse sentido se
misturam. Não existe um sem o outro. Observamos dessa forma que cada vez que Freud vai
se aproximando da descoberta do inconsciente, mais se aproxima do campo da linguagem e se
afasta do campo da neurologia.

1.2.3. Os chistes: a mais social das formações mentais

Freud introduz o tema dos chistes através de várias fontes, mais especificamente de
três professores alemães, tais como Kumo Fisher, Theodor Visher e Theodor Lipps, este
último o melhor dos três, que chegou até a se interessar pela investigação freudiana.

A obra “Os chistes e sua relação com o inconsciente”, datada de 1905, baseia-se
basicamente na técnica do chiste, voltando sempre a ela. Freud centra-se na técnica verbal,
mais tarde, para Lacan, técnica do significante.

Freud extrai quase todos os exemplos que encontramos no livro daqueles três professores.
Mas foi de uma outra fonte que ele buscou seu primeiro exemplo e que ficou realmente
impressionado: trata-se de um personagem do poeta Heinrich Heine, um judeu de Hamburgo,
Hirsh Hyacinth, pobre agente de loteria, que se vangloria de que o grande barão Rothschild o
tenha tratado bem como a um seu igual: bastante “familionariamente”. Freud ilustra a teoria
de Heymans (1896) e Lipps (1898) quanto a esse exemplo: “Aqui a palavra veículo desse
chiste parece, a princípio, estar erradamente construída, ser algo ininteligível,
incompreensível, enigmático”. (FREUD, 1995, p. 20). A conseqüência é o desconcerto, que
funcionando como esclarecimento, resulta no efeito cômico.

Lipps (1898,45) acrescenta que o primeiro estágio do esclarecimento, ou


seja, que a palavra desconcertante signifique isto ou aquilo é seguido de um
segundo estágio, no qual percebemos que a palavra sem sentido que nos
havia confundido, nos mostra então o sentido verdadeiro, essa descoberta de
que a palavra sem sentido, conforme o uso lingüístico normal é a
34

responsável por todo o processo, essa solução do problema no nada, é


apenas esse segundo esclarecimento que produz o efeito cômico. (FREUD,
1995, p. 20/21).

Enfim, Freud nos diz que estes dois autores utilizaram esse chiste para ilustrar suas
concepções de que o efeito cômico dos chistes deriva de “desconcerto e esclarecimento”.
São muitas as características que esses autores dão aos chistes, além das duas
anteriormente citadas, como: eles têm relação com os conteúdos dos nossos pensamentos, têm
um juízo lúdico, há uma conjugação de coisas dissimilares, existem idéias contrastantes, há o
sentido de nonsense, há uma revelação do que estava escondido, e a sua peculiar brevidade.
Freud não discorda totalmente delas, mas aborda a questão a partir de outros ângulos, visando
a uma fundamentação mais ampla para chegar a uma conclusão: “Em que consiste, pois, a
técnica desse chiste do ‘familionariamente’? O que acontece ao pensamento, como expresso,
por exemplo, em nossa versão, de modo a torná-lo um chiste que nos faz rir
entusiasticamente?”. (1995, p. 26). Pergunta-se ainda Freud.

Fazendo uma comparação de suas hipóteses com o texto de Fischer (1889,72), um dos
autores sobre o tema lido por Freud, o pai da psicanálise vai afirmar que acontecem duas
coisas. Primeiramente, ocorre uma abreviação, a fim de expressar totalmente o pensamento
existente no chiste, “fomos obrigados a acrescentar às palavras ‘R. tratou-me quase como seu
igual, muito familiarmente’” (FREUD, 1995, p. 27). A palavra familiar em “familiarmente”,
na expressão não chistosa do pensamento, transformou-se no texto do chiste em familionar
em “familionariamente”. Freud afirma então que é dessa estrutura verbal que dependem o
caráter do chiste como chiste e o seu poder de causar riso. “A palavra ora construída coincide,
em sua posição anterior, com o familiar da primeira sentença, e nas sílabas finais com o
Milionar (milionariamente) da segunda.” (Idem, 1995). Freud fala de uma força compressora
desconhecida que atua sobre essas sentenças. A relação do chiste com o inconsciente já se
esboçava no pensamento de Freud, mas ainda se referindo como a uma técnica pela qual todo
o processo se forma. E acrescenta que, se for excluída da abordagem tal força compressora, o
processo pelo qual se forma o chiste pode ser descrito como uma condensação acompanhada
pela formação de um substituto. No exemplo em pauta, a formação do substituto consiste na
produção de uma palavra composta “famillionar”, que é, em si mesma, incompreensível, mas
imediatamente compreendida em seu contexto e reconhecida como plena de sentido, é o
veículo do efeito compelidor do riso no chiste”. (FREUD, 1995, p. 28).

Freud conclui na descoberta da técnica dos chistes, com seus processos de


condensação, com ou sem formação de substitutos, de representação pelo nonsense ou até
35

pelo oposto de representação indireta, que estas formações mostram uma concordância muito
abrangente com os processos de “elaboração onírica”. A partir daí Freud levanta a hipótese da
relação dos chistes com o inconsciente, ou seja, tanto no sonho como nos chistes existem as
mesmas características. Embora necessariamente não seja inconsciente, há uma produção do
mesmo, relacionada, sem dúvida, à linguagem e seus movimentos.

Constatamos que as características e efeitos dos chistes conectam-se com


certas formas de expressão ou métodos técnicos, entre os quais os mais
surpreendentes são a condensação, o deslocamento e a representação
indireta. Processos, entretanto, que levam aos mesmos resultados foram por
nós reconhecidos como peculiaridades da elaboração onírica. (FREUD,
1995, p. 156).

A diferença entre o chiste e o sonho é que este último é um produto mental


completamente associal; não há nada nele a comunicar a ninguém; surge no sujeito como uma
solução de compromisso entre as forças mentais que permanecem ininteligíves para o mesmo,
sendo por essa razão desinteressantes às outras pessoas.
O chiste, por outra parte, é a mais social de todas as funções mentais, objetivando a
produção de prazer. Geralmente envolve três pessoas e sua eficácia requer a participação de
mais alguém no processo mental iniciado. “Está, portanto, preso à condição da
inteligibilidade; pode utilizar apenas a possível distorção no inconsciente, através da
condensação e deslocamento, até o ponto em que possa ser reconstruído pela compreensão da
terceira pessoa”. (FREUD, 1995, p. 168).

Enfim, os sonhos servem predominantemente para evitar o desprazer, enquanto os


chistes servem para a consecução do prazer no próprio sujeito e não em pessoas externas. É
por isso, vai dizer Freud, que não conseguimos rir do nosso próprio chiste, a outra pessoa é
imprescindível, pois se utiliza do outro para suscitar o riso do próprio sujeito. É fácil observar
que a pessoa que começa a contar o chiste com a face séria reúne-se depois à gargalhada do
outro com um riso moderado. Por isso se dizer do chiste um fenômeno social. O caráter do
riso é socializante, exige a presença de alguém mais. É importante destacar que é o
reconhecimento da recepção do outro como condição de qualquer produção de linguagem.

Segundo Freud, a marca de prazer que existe na natureza do chiste é resultado dos
jogos com as palavras ou da liberação do nonsense e que seu significado tem como finalidade
simplesmente proteger esse prazer contra sua repressão pela crítica. Nesse sentido, seu caráter
essencial está explicado nos gracejos, visando principalmente a fazer com que aquilo que
36

dizem não pareça sem sentido ou completamente esvaziado de substância. “Quando um


gracejo possui substância e valor, torna-se um chiste”. (FREUD, 1995, p. 127).

Segundo Arrivè, a obra freudiana sobre os chistes é um verdadeiro festival de


descrições minuciosas do material lingüístico. “É uma verdadeira lingüística freudiana, atenta
a todos os aspectos da linguagem”. (ARRIVÈ, 1999, p. 18).

1.2.4. A significação antitética das palavras primitivas: a elaboração humana dos


conceitos pelos seus opostos

No texto sobre A significação antitética das palavras primitivas, de 1910, Freud


afirma: “Em minha Interpretação dos Sonhos fiz uma afirmação acerca de uma das
descobertas de meu trabalho analítico, que eu, naquela época, não entendi”. (FREUD, 1970,
p. 141). Ele se refere à maneira singular pela qual os sonhos tratam a categoria de contrários e
contradições. Os sonhos a ignoram totalmente, parecendo não existir o “não” no trabalho
onírico. Freud observou como mostram uma preferência particular para combinar os
contrários numa unidade ou para representá-los como uma e mesma coisa. Agora se
justificava porque os intérpretes dos sonhos da antiguidade faziam um uso mais extenso dessa
noção de contrário, dizendo que sonhar com uma coisa pode significar o seu oposto.

Freud ficou sem entender essa tendência singular do trabalho do sonho em


desconhecer a negação e empregar os mesmos meios de representação para expressar os
opostos, até que aconteceu de, por acaso, ele ler o trabalho do filólogo Karl Abel, publicado
em 1884, e se surpreender com várias passagens fundamentais, que observavam ser o trabalho
do sonho idêntico a uma peculiaridade de uma das línguas mais antigas que se conhece, a
língua egípcia.

As palavras antitéticas egípcias, por exemplo, não designavam na realidade a


significação que cada uma delas continha, mas a relação diferencial entre cada uma delas,
criando termos diferentes e opostos. Um bom número de palavras, enfatiza Freud, possuem
duas significações, uma das quais é o oposto exato da outra: “Suponhamos, se é que se pode
imaginar um exemplo tão evidente e absurdo, que em alemão a palavra “forte” signifique
“forte” e “fraco”; que em Berlim o substantivo “luz” se use para significar ao mesmo tempo
“luz” e “escuridão””. (FREUD, 1970, p. 142). Além de uma única palavra reunir em si mesma
um significado antitético, havia outras compostas, cuja reunião de dois vocábulos de
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significações contrárias se unem de modo a formar um composto que tem a significação de


um apenas de seus dois componentes. (FREUD, 1970, p. 143). Nesta última, as palavras
antitéticas compostas não se reuniam para formar um terceiro conceito como no idioma
chinês, mas somente para expressar por meio da palavra composta o significado de um de
seus elementos que isoladamente seria o mesmo. Os conceitos são, portanto, formados pelo
processo de combinação, seleção e comparação das palavras. Se só houvesse o claro, não
distinguiríamos claro e escuro, por conseguinte, não formaríamos o conceito de claro e
escuro, e nem teríamos uma palavra correspondente. “É claro que tudo neste planeta é relativo
e tem uma existência independente apenas na medida em que se diferencia quanto a suas
relações com as outras coisas (...)”. (FREUD, 1970, p. 143). Um conceito, portanto, só se
forma amparado em sua antítese. Uma palavra originária designa apenas uma relação
diferencial. A significação e o valor dados à palavra só surgem posteriormente, por processos
de identificações e atribuições.

Seguindo essa idéia, o homem só pode elaborar seus conceitos pela contraposição de
seus contrários, e só paulatinamente aprende a discriminar os elementos antitéticos e a pensar
um, sem a necessidade de invocar a comparação com o outro.

A relação entre inconsciente e linguagem demonstra não haver medidas idênticas de


sentido e significação para duas pessoas. O mal entendido na comunicação é um fato da
estrutura da linguagem, e o falante que não tira da linguagem suas próprias conclusões não
passará de um repetidor das conclusões de outrem. Fazer a sua própria combinação e seleção
é escolher. É isto o que a palavra significa.

Conclui-se então que o inconsciente freudiano não é um reservatório de experiências


esquecidas no interior do indivíduo, mas, ao contrário, é excêntrico. É um lugar onde opera a
lógica dos significantes que está em relação de exterioridade com o sujeito. O sujeito sobre o
qual a psicanálise opera é o sujeito do inconsciente que se manifesta na e pela linguagem,
portanto, sem linguagem não há inconsciente. Trata-se, pois, de um sujeito não íntegro,
acéfalo e dividido, marcando o lugar de ruptura entre letra e imagem. O inconsciente é,
portanto, o lugar originário de estruturação simbólica do sujeito.

A diferença fundamental da psicanálise com as práticas que abordam a questão mental


se deve ao fato de que o ser humano é um animal desnaturalizado, isto é, rompe com a ordem
natural, o que ocorre devido ao fato de ele ser atravessado pela linguagem.

Foi exatamente essa a descoberta de Freud a partir dos seus estudos com as histéricas,
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as quais demonstraram que o corpo biológico não é o corpo erógeno. A histérica demonstrou
isso com uma transgressão da anatomia ao ter uma paralisia que pela anatomia não seria
possível.

A conversão histérica demonstrou essa transgressão do corpo biológico por uma outra
ordem, a ordem simbólica, enfim a ordem da linguagem. Nessa perspectiva, a relação entre
linguagem e inconsciente é estabelecida e poderíamos dizer até que se explica quando em
alguns momentos falamos de uma “antecipação” de Freud sobre Saussure. Falar de
inconsciente é, indissoluvelmente, falar de linguagem.

1.3. Inconsciente e linguagem em Lacan

Desde a sua descoberta, em 1900, o inconsciente como pensado por Freud sofreu
mudanças após a releitura feita da sua obra por Jacques Lacan, influenciada pelas
contribuições de vários campos do saber, especialmente a lingüística saussuriana. Psiquiatra e
psicanalista francês, Lacan não teve como propósito nesse retorno à obra freudiana, reinventar
a psicanálise. Como diz Jacques Alain Miller (1987), ele apenas formulou uma pergunta
fundamentalmente crítica: A psicanálise é possível? Respondendo que esta só é possível “se,
e somente se, o inconsciente está estruturado como uma linguagem”. (MILLER, 1987, p. 12).
O que denominamos o ensino de Lacan é todo seu esforço em desenvolver essa hipótese até
suas últimas conseqüências.

Segundo Arrivè, uma análise literal da hipótese lacaniana se encontra sob uma das
suas formas mais perfeitas no seu artigo “O Aturdito” de 1973:

O inconsciente, “por ser estruturado como uma linguagem”, isto é como a


lalíngua que ele habita, está sujeito à equivocidade pela qual cada uma delas
se distingue. Uma língua entre outras não é nada além da integral dos
equívocos que a sua história deixou persistirem nela. (LACAN, 2003, p.
492)

Quando Lacan usa “como uma” é para se opor a “por uma”, designando assim
a estrutura da qual há efeito de linguagem. Portanto, pode-se dizer que o inconsciente não é
linguagem, mas que tem efeito de linguagem.

No final de seu ensino, que se denomina a segunda clínica de Lacan, no início dos
39

anos 70, é que se observa uma mudança com relação a essa hipótese, não querendo dizer com
isso que ela foi descartada. Isso também não significa um abandono do conceito freudiano em
favor de um conceito lacaniano. Um pensamento não elimina o outro, até porque Lacan, no
seu retorno a Freud, declara sua fidelidade ao pai da psicanálise, afirmando-se sempre
freudiano.

O dito lacaniano “o inconsciente é estruturado como uma linguagem” ergue-se


também numa experiência clínica diversa.

Sabemos que a clínica freudiana descobre o inconsciente pela via da histeria, da


questão da sexualidade e se desenrola com a pergunta: “O que quer o Outro de mim?” A
clínica lacaniana, por sua vez, chega a ele através da psicose. A partir desta, o Outro do
inconsciente se revela puramente imperativo e categórico: “tu deves”.

O ponto de partida da experiência analítica na psicose é o pilar de apoio do projeto


lacaniano de restabelecer o fundamento do inconsciente no campo da linguagem ressituando
seu significado através do estruturalismo.

Ao reler a obra de Freud, Lacan o faz para demonstrar sua oposição às psicoterapias
de base analítica, e principalmente a toda corrente de pensamento que se desenvolveu
sobretudo nos EUA, que se chamou ego psychology. Essa linha de orientação considerava a
análise do ego e dos seus mecanismos de defesa prioridades do trabalho analítico, visando
com isso a um possível reforço egóico que possibilitaria ao indivíduo lidar melhor com seus
impulsos e com as frustrações causadas pelo meio externo.

A crítica lacaniana fundamental sobre esse posicionamento é que, ao privilegiar os


aspectos adaptativos do ego, seus autores foram se afastando mais e mais dos fundamentos da
psicanálise e conferindo à sua prática um caráter quase comportamental, já que sua meta
apontava para a adequação do indivíduo aos valores sociais vigentes.

Fazendo contraponto a esse posicionamento que desvirtuava a psicanálise de seus


propósitos originais, Lacan elaborou sua teoria sobre a proposta básica de um retorno a Freud,
inclusive ao Freud da primeira tópica, da teoria do inconsciente, de suas formações, de seus
mecanismos de funcionamento e expressão, conceitos negligenciados por muitos dos pós-
freudianos. De certo modo, Lacan os resgatou ao lançar mão da lingüística, do estruturalismo,
da topologia e de outros instrumentais teóricos de seu tempo para desenvolver uma releitura e
uma reordenação dos conceitos fundamentais da psicanálise.

Quando Lacan se diz freudiano é, nesse sentido, de manter viva "a peste" que a
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psicanálise inoculou na cultura de nosso tempo. O conceito de inconsciente, diz da idéia de


que há no ser humano uma força de natureza sexual, que atua à revelia da boa adaptação
moral e social, e que é impossível de ser totalmente capturada pela consciência, tornando-nos
seres inevitavelmente divididos e nunca apoiados completamente em nossa auto-imagem.

Nesse sentido, Lacan foi um bandeirante das trilhas do inconsciente, discípulo fiel de
Freud. Mostrou em toda sua obra admiração e respeito pelo fundador da Psicanálise. Mas,
como todo teórico criativo, ousou ir além de Freud, abrindo novas perspectivas para o saber
psicanalítico, embora afirmando sempre que fazia uma releitura fiel do texto freudiano.

Apesar da fama de hermetismo de seu estilo, a intenção de Lacan era a de esmiuçar os


conceitos freudianos, desenvolvê-los e torná-los passíveis de uma transmissão o mais objetiva
possível. Lacan escreveu muito menos do que falou. Boa parte de sua obra, tal como a temos
disponível hoje, é transcrição dos seminários proferidos ao longo de quase três décadas. Em
todo esse período, embora mude o enfoque dado às várias questões trabalhadas e sofistique
mais e mais seus conceitos e sua linguagem, o referir-se a Freud é uma constante em seu
discurso.

Podemos até pensar em Lacan como um “filósofo” da psicanálise, pois o psicanalista


francês realizou leitura filosófica da obra freudiana, trocando idéias com Koiré, Kojève,
Hyppolite, Bataille, Merleau-Ponty etc., dando também, através da leitura de Hegel,
Heidegger, Wittgenstein entre outros, um sentido contemporâneo à psicanálise, que a liberta
tanto da psiquiatria como da conceitualização acadêmica e tradicional da teoria freudiana.

1.3.1. O retorno da psicanálise à sua origem: o campo da linguagem

O ensino de Jacques Lacan propriamente dito começa nos anos 50, através do texto
Função e campo da fala e da linguagem, quando ele se insurge contra o modelo da
psicanálise praticada em Paris, cuja prática era o continuísmo psicofísico. Os representantes
da IPA (International Psiychoanalytic Association), que o expulsaram em 1963, defendiam
um modelo de psicanálise sustentado nesse continuísmo do cérebro com a mente, e, em
decorrência, defendiam que o funcionamento do inconsciente poderia ser deduzido da
neurofisiologia. Ou seja, para estes psicanalistas, primeiro haveria o inconsciente e depois, a
linguagem. Logo, o inconsciente dependeria do cérebro e a linguagem decorreria da relação
41

do cérebro com o inconsciente.


No seu retorno a Freud o que Lacan faz é considerar os fundamentos da psicanálise
que estão no fato de o sujeito falar, ou seja, no fato de que o único instrumento de
investigação é a palavra. Ele vai procurar o fundamento de linguagem que constitui a
estrutura de seres, do sujeito humano, caracterizados por serem animais falantes. Ele vai
mostrar que a diferença desse funcionamento rompe com a estrutura neurobiológica, com os
fundamentos biológicos e neurológicos. Tudo isso ele encontrou em cada página da obra
freudiana. Logo, para Lacan não há uma relação do cérebro com o inconsciente, há uma
relação do inconsciente com a linguagem.
Nesse sentido, Lacan em seu retorno a Freud passando pela lingüística, trouxe a
psicanálise de volta a seu campo específico – o da linguagem –, do qual precisamente os
analistas pós-freudianos haviam se afastado.
A década de sessenta foi histórica para a psicanálise no que diz respeito ao
inconsciente e sua relação com a linguagem. Nesse ano, em Paris, o psiquiatra francês Henry
Ey realiza o sexto colóquio em Boneval, onde o tema é O Inconsciente. Estavam presentes no
evento tanto os defensores de uma psicanálise ancorada na psicobiologia, bem como seus
opositores mais radicais, os lacanianos, alunos do mestre polêmico. Também estavam aqueles
que ficam “em cima do muro” para agradar a todos, naturalmente.

Nesse início de década, Jacques Lacan já inaugurara seu ensino há sete anos, onde
sustentava a tese de um inconsciente estruturado como uma linguagem, não dando margens
para ambigüidades. Sua precisão conceitual se baseava essencialmente nas referências de
Saussure, fazendo-o produzir uma releitura ao sentido da obra de Freud na sua letra
propriamente dita.

O colóquio de Boneval, organizado por Henry Ey, convidava a todos a um debate


aberto às diferenças conceituais e doutrinárias que se apresentavam no contexto científico da
época sobre o inconsciente. É importante destacar que o segundo dia do colóquio foi dedicado
totalmente à “relação do inconsciente com a linguagem”.

De acordo com muitos autores, poucas vezes na história da psicanálise houve um


evento desse porte onde se propiciou discutir profundamente os vários sentidos que na obra
freudiana pode adquirir seu conceito mais importante.

Laplanche em parceria com Leclaire, dois ex-alunos de Lacan, apresentou um


trabalho intitulado O inconsciente: um estudo psicanalítico.
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Nesse trabalho, os dois autores diziam que o inconsciente freudiano e a linguagem


caminhavam em sentidos opostos. Eles defendiam que o sistema pré-consciente é que tinha
uma relação com a linguagem, fazendo parte do processo secundário, acrescentando ainda
que, mesmo que se leia em Freud uma linguagem que funciona pelo processo primário, como
a linguagem do psicótico, esta não pode ser considerada como “A linguagem” propriamente
dita e sim uma linguagem particular, porque o psicótico não considera as palavras como
palavras e sim como coisas.

Mas não é porque o psicótico não as considera palavras, que elas deixam de ser
palavras e nem por isso deixam de ser inseridos na linguagem. Esse é o pensamento de Lacan.

Com essa posição, os dois autores contrariam o ensino daquele que fora seu mestre.
Concluíram suas exposições dizendo que “O inconsciente é a condição da linguagem”.
Enquanto o que Lacan afirma, como já foi dito anteriormente, é completamente diferente, ou
seja, “A linguagem é condição do inconsciente”.
A partir daí Lacan reafirma cada vez mais sua hipótese do inconsciente estruturado
como uma linguagem, circunscrita já numa primeira abordagem freudiana do sonho, pois o
trabalho do sonho recorre, principalmente, a dois tipos de mecanismos fundamentais: a
condensação e o deslocamento, que serão retomados por Lacan através de dois termos
advindos da lingüística, a metáfora e a metonímia. “São basicamente estes os elementos que
Lacan utilizará para fundar, bem como para apoiar, a analogia estabelecida entre o
funcionamento dos processos inconscientes e o funcionamento de certos aspectos da
linguagem”. (DOR, 1992, p. 20).

Ainda na década de 1960, no texto Posição do inconsciente que está nos


“Escritos”, Lacan é mais taxativo:

É preciso, sobre o inconsciente, entrar no essencial da experiência freudiana.


O inconsciente é um conceito forjado no rastro daquilo que opera para
constituir o sujeito. O inconsciente não é uma espécie que defina na
realidade psíquica o círculo daquilo que não tem o atributo ou a virtude da
consciência. (LACAN, 1998, p. 844).

Mais na frente, em 1964, no Seminário 11, Lacan diz assim do inconsciente: “O


inconsciente freudiano nada tem a ver com as formas ditas do inconsciente que o precederam,
mesmo as que o acompanhavam, mesmo as que o cercam ainda”. (LACAN, 1985a, p. 29).
Lacan declara então que o inconsciente é o discurso do Outro (discurso do Outro do sujeito,
que lhe escapa em razão da spaltung).
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Lacan introduz o termo “Outro” que se distingue do “outro” para demonstrar o


funcionamento do simbólico e dizer como a relação entre a estrutura simbólica e o sujeito se
distingue da relação imaginária do eu. O “Outro” também é definido por Lacan como o Outro
da linguagem, do discurso universal. Esse Outro intervém na teoria lacaniana em diversos
níveis, mas todos concernem a uma dimensão de exterioridade com relação ao sujeito, tendo
uma função determinante para este. O sujeito para Lacan não é um dado inicial, este dado
inicial é o Outro. O Outro preexiste ao sujeito. “As necessidades do ser humano são nele
completamente transformadas pelo fato de que fala, pelo fato de que dirige demandas ao
Outro.” (MILLER, 1987, p. 25). Enfim, é falando que o homem se serve da linguagem para
relacionar-se com Outro.
Nessa perspectiva, Lacan traz à tona a questão do sujeito que já está implícita em
Freud, ainda que o mesmo não utilize esse conceito na sua obra, embora sua descoberta do
inconsciente aponte para essa questão.
A questão do sujeito em Freud estava presente desde a origem da psicanálise. Foi com
as histéricas que Freud aprendeu que o sintoma “é o mutismo do sujeito falante. Se ele fala,
está curado de seu mutismo, evidentemente.” (LACAN, 1985a, p.18). É esse, diz Lacan, o
traço diferencial da histérica, no movimento de sua fala, ela constitui seu desejo. Não é de se
estranhar, acrescenta ele, que tenha sido por esta porta que Freud entrou e apontou – na sua
descoberta do inconsciente – a relação entre sujeito, desejo e linguagem.

1.3.2. Lacan e a lingüística

Numa de suas inúmeras conferências Lacan diz: “A lingüística é aquilo por meio do
que a psicanálise poderia se prender à ciência”. Em outro momento, afirmou:

Uma chance, contudo, que se oferece para nós, no que diz respeito ao
inconsciente, é que a ciência do qual ele depende é certamente a lingüística,
primeiro fato de estrutura. Digamos de preferência que ele é estruturado
porque é feito como uma linguagem, que ele se desdobra nos efeitos de
linguagem. (LACAN apud COUTINHO, 2002, p. 112).

No seu projeto de uma releitura à obra de Freud, Lacan faz um encontro bastante
fecundo com a lingüística retomando os termos freudianos. Com relação à spaltung, (de
spalte: fenda em alemão) ele vai dizer que essa divisão é, sem sombra de dúvida, o caráter
inaugural que define a subjetividade humana, que é precisamente através dela que o sujeito
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advém, divisão esta originária da submissão do sujeito à linguagem. O sujeito acede à


linguagem não sabendo o que diz naquilo que fala. A linguagem aparece, pois, como esta
atividade subjetiva pela qual se diz algo totalmente diferente do que se crê dizer no que se diz.
“Este algo totalmente diferente institui-se fundamentalmente como o inconsciente que escapa
ao sujeito falante, porque dele está constitutivamente separado”. (DOR, 1992, p. 103). A isso
se chama acesso ao simbólico que é efeito, segundo Lacan, da “divisão do sujeito”, pela perda
de uma parte essencial dele mesmo, pois no simbólico o sujeito não pode ser senão
representado, traduzido. A linguagem nesse sentido aparece, então, como o que promove o
inconsciente. Lacan insiste que a linguagem é condição do inconsciente. O inconsciente é
implicação lógica da linguagem, conseqüentemente não há inconsciente sem linguagem.
O axioma lacaniano “O inconsciente é estruturado como uma linguagem” é o ponto de
partida de sua relação com a Lingüística. Para isso, ele bebeu da fonte do estruturalismo
entrando em contato com o Curso de lingüística geral de Saussure através de Lévi-Strauss. É
partindo do estruturalismo que Lacan confere primazia ao significante enquanto aquele que
precede e impõe suas leis ao significado. Portanto, para Lacan, o inconsciente, desde sua
origem até suas formações, revela-se estruturalmente comparável à linguagem.

É incontestável que a origem do conceito de significante em Lacan vem da sua leitura


de Saussure. Ele reivindica o modelo saussuriano do signo.

Segundo Nóbrega (2002, p. 226), os trabalhos que fazem aproximação entre Saussure
e Lacan apontam para as diferenças e semelhanças entre o significante lacaniano e o
significante/signo saussuriano. Nesse mesmo artigo, a autora cita Lacan em relação ao fato de
este afirmar que é toda estrutura da linguagem que a experiência psicanalítica descobre no
inconsciente, questionando sobre tal estrutura em Lacan, a qual ele julga ser do inconsciente.

Podemos esclarecer essa questão com Lacan no seminário VII, A ética da psicanálise,
quando afirma que “a articulação significante fornece a verdadeira estrutura do inconsciente.”
(LACAN, 1985b, p. 59).

No seminário sobre as psicoses, para explicar a noção de estrutura, Lacan diz que,
antes de tudo, ela é um grupo de elementos formando um conjunto que permite variações. Ela
é, com efeito, uma noção analítica e se estabelece sempre pela referência de algo que é
coerente com algo diferente, que lhe é complementar. Isso não quer dizer que a estrutura seja
uma totalidade. “A noção de estrutura já é por si própria uma manifestação do significante.”
(LACAN, 1988, p. 210). A dinâmica da estrutura, diz o psicanalista francês, nos dá um
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direcionamento à questão do significante a ponto de ao nos interessarmos pela estrutura não


podermos negligenciar o significante.

Ao observar a relação entre significante e significado, percebe-se que há entre eles


uma sincronia e diacronia, como se vê também numa análise estrutural, acrescenta Lacan.
Enfim, a noção de estrutura e de significante parece inseparável.
Ainda sobre o significante neste mesmo seminário, Lacan afirma:

É impossível estudar como funciona esse fenômeno que se chama


linguagem, e que é o mais fundamental das relações inter-humanas, se não
se faz, no início a distinção do significante e significado. O significante tem
leis próprias, independentemente do significado. (LACAN, 1985c, p. 225).

Trazemos esta citação de Lacan para lembrar da importância que a lingüística teve
para o mesmo na sua releitura da obra freudiana.

No seu artigo A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud, que está
nos Escritos de 1966 e editado no Brasil em 1998, Jacques Lacan rende homenagens à
lingüística dizendo que a temática dessa ciência gira em torno de um algoritmo que a funda:
S/s – onde se lê significante sobre significado. É a partir daí que se torna possível para ele um
estudo exato sobre as ligações entre significante e significado. Mais tarde, em 1970, ele vai
dizer em Radiophonie e, em 1973, em L’Eturdit e Télévision, que Saussure tem como
antecessores Freud, os estóicos e Santo Agostinho. Retomaremos estes textos mais adiante no
terceiro capítulo.

Enfim, a lingüística para Lacan foi a porta de entrada para comprovar a relação estreita
entre a psicanálise e a linguagem. Os termos linguagem, simbólico e estrutura não são termos
brotados na obra de Lacan devido à influência da teoria freudiana na construção francesa da
psicanálise. Pelo contrário, o acesso a tais noções veio da visada estruturalista tendo a lingüística
como modelo estrutural e a antropologia ampliando o caminho de acesso a esse novo método, a
psicanálise bebe desta fonte na década de 50, sob a pena do psiquiatra francês Jacques Lacan.

Voltando à teoria do significante em Lacan, este diz que o significante tem um


movimento de leis próprias que intervém em todos os atos humanos. Portanto, negligenciá-lo,
resulta em impasses e confusões encontradas nas investigações analíticas. Acrescentando
ainda que o significante tem efeito de significado e que entre os dois há algo de barrado a
atravessar.
46

1.3.3. Significante: materialidade da linguagem e constitutivo do inconsciente

Nas atas do Congresso de Roma, realizado em 1953, Lacan definiu o significante


como o conjunto dos elementos materiais da linguagem, ligados por uma estrutura. O
significante é o suporte material do discurso: “a letra” ou os “sons”. Não é nem o sinal nem
signo da coisa, menos ainda o significado. O significado é o sentido, comum a todos, de uma
experiência relatada no discurso. Exterioriza-se na globalidade dos significantes sucessivos e
não se situa em parte alguma precisamente no significante da frase.
De acordo com Lemaire (1989, p. 79), no seu texto Ótica lacaniana da lingüística, a
originalidade de Lacan é ter querido oferecer a prova de que o significante age separadamente
de sua significação e à revelia do sujeito. A figura, o caráter literal do significante, como
elemento constitutivo do inconsciente, tem seus efeitos na consciência, sem que o sujeito
tenha a menor possibilidade de aí tomar parte, envolver-se.
Sabe-se que o inconsciente pensa num lugar onde é impossível dizer “eu sou”. Lemaire,
no mesmo texto, ilustra com o exemplo:

Se um ato copulatório se efetua na presença de uma criança, sem que esta


tenha maturidade biológica suficiente para o prover de sua exata
significação, ele vai se inscrever no inconsciente, mas desprovido de sua
significação. Inscrever-se-á em letras, em significantes puros. (LEMAIRE,
1989, p. 79).

Continuando com Lemaire, citando Lacan em A coisa freudiana um dos artigos que
compõe os “Escritos”, a autora destaca os termos significante e significado, respectivamente,
a língua como sistema e a fala ou a cadeia falada. De fato, Lacan assimila significante e
significado aos termos opostos das séries seleção e combinação. E mais ainda: faz alusão à
noção de valor. Ele dirá conseqüentemente que significante e significado são duas redes de
relações que não se recobrem. Enfim todo o texto da autora é uma apologia ao significante
lacaniano, dialogando com os vários conceitos lingüísticos de Saussure. Enfim, Lemaire
declara:

Pouco nos importa que J. Lacan tenha preferido a terminologia significante-


significado à de sintagma-paradigma ou a qualquer outra, notemos,
entretanto, que ele fala também em sincronia e diacronia -, o essencial a
nosso ver é que o autor dos Escritos tenha retomado as noções lingüísticas
de signo, de valor e de divisão da linguagem em dois eixos principais.
47

(LEMAIRE, 1989, p. 80).

O Dr. Lacan ficou reconhecido mundialmente no domínio das ciências humanas,


fortalecido pelo encontro que teve com a lingüística e com a antropologia estrutural,
resultando no prolongamento de Freud. Ele repensa e reformula a estrutura do sujeito a partir
da idéia fundamental, ou seja, do papel do simbolismo sobre o homem, e a importância que o
simbólico exerce sobre o mesmo. Baseado nos ensinamentos de Saussure, estabelece segundo
Lamaire (1989) uma barra separadora em três níveis do ser humano:

1.Entre o aquém do inconsciente, impossível de conhecer, e o próprio


inconsciente; 2. entre o inconsciente como linguagem e a linguagem
consciente e, 3. ao nível da própria linguagem consciente, entre o
significante e significado. (LAMAIRE, 1989, p. 163).

1.4. Língua, linguagem e fala

Para o genebrino Ferdinand de Saussure no seu Curso de lingüística geral (CLG),


existem duas teses que se revelam inseparáveis: “a definição da língua como sistema de
signos e a instalação da semiologia”. (ARRIVÈ, 1999, p. 34). A semiologia, ainda segundo
Arrivè, sempre foi uma preocupação antiga de Saussure nos anos que ele ministrava os cursos
de lingüística geral, pois o mesmo insistia na importância de uma ciência geral. Tal
importância aparece assim no CLG:

Pode-se conceber uma ciência que estuda a vida dos signos no seio da vida
social; ela formaria uma parte da Psicologia social, e por conseguinte da
Psicologia geral; chamá-la-emos de Semiologia (do grego semeion, “signo”).
Ela nos ensinará em que consistem os signos, que leis os regem. Como tal
ciência não existe ainda, não se pode dizer o que será; mas ela tem direito,
porém, à existência; seu lugar está determinado de antemão. A Lingüística é
senão uma parte dessa ciência geral; as leis que a Semiologia descobrir serão
aplicáveis à Lingüística, e esta se achará dessarte vinculada a um domínio
bem definido no conjunto dos fatos humanos. (SAUSSURE, s/d, p. 24).
(Grifo do autor).

Saussure, em um primeiro momento (1901) relacionou a Semiologia à Sociologia. Em


um segundo momento, entretanto, essa relação passa a ser feita com a psicologia. Ao se
referir à vida dos signos, Saussure se refere ao seu funcionamento. Segundo Arrivè, esse
funcionamento “é o que é garantido pelas precisões previamente dadas sobre o objeto da
lingüística: signos, certamente, mas nos sistemas que eles constituem e dos quais são
48

inseparáveis” (ARRIVÈ, 1999, p. 35) e para complementar esse pensamento, cita Saussure:

A língua é um sistema de signos que exprimem idéias, e por isso é


comparável à escrita, ao alfabeto dos surdos-mudos, aos ritos simbólicos, às
fórmulas de polidez, aos sinais militares etc. etc. Ela é apenas o principal
desses sistemas. (SAUSSURE, s/d, p. 24).

Um ponto fundamental apresentado no CLG é que existe um laço indissolúvel entre


noção de signo e a de sistema. Não há signos fora dos sistemas que eles constituem. Falar da
vida destes signos é dizer como eles funcionam no meio social. Alguns exemplos que se
destacam no CLG são “a escrita, o alfabeto dos surdos-mudos”. Estes são derivados de um
sistema de signos primeiro, o da língua, funcionando a partir da manifestação dos gestos e as
letras, de uma substância visível e não audível (sons da voz). Outros exemplos são dos
sistemas de signos não-lingüísticos e que a novidade determinante apresentada no Curso é
fazer deles também objetos da futura semiologia.

A língua como sistema específico de signos é o objeto da lingüística e está inserida na


semiologia como o mais importante dos sistemas que formariam esta ciência. Resta
especificar esse objeto e distingui-lo da linguagem, pois para os lingüistas, ela não se
confunde com linguagem. Esse é um problema fundamental não só para toda a teoria
saussuriana, mas para a leitura que faz dela Lacan, principalmente quando este defende sua
tese do “inconsciente estruturado como uma linguagem”, tese esta que exige saber de que
linguagem se trata. Isso se torna um problema. Arrivè questiona: Não seria essa “uma
linguagem” da qual fala Lacan, “vizinha da língua saussuriana?”. (ARRIVÈ, 1999. p. 36).
Para isso, diz ele, precisamos ficar atentos sobre a distinção entre os dois conceitos em
Saussure e o que Lacan chama de linguagem.

Podemos começar dizendo que para Saussure a língua está integrada à linguagem. Para
ele, língua e linguagem não são a mesma coisa. A língua é uma parte determinada da
linguagem, essencial, é verdade. Ela é ao mesmo tempo um produto social e um conjunto de
convenções necessárias aos indivíduos para que estes exerçam a faculdade da linguagem.
Segundo Saussure, a linguagem transita por diferentes domínios, ela é física, fisiológica e
psíquica, pertencente ao campo social e individual, não se classifica em nenhuma categoria de
fatos humanos.

No âmbito da faculdade de linguagem, a língua é um todo, “é um todo por si e um


princípio de classificação”. (SAUSSURE, s/d, p. 17). O exercício da linguagem, ou a
faculdade de constituir uma língua para Saussure é de ordem natural, ao passo que a língua é
49

adquirida e convencional. Enfim, para o mestre genebrino, é a língua que faz a unidade da
linguagem. Restando, portanto identificar o objeto que, somado ao todo da língua, vai
constituir o “não-todo” - como diria Lacan – da linguagem saussuriana. Esse objeto “não-
todo” para Saussure é “a fala”. Surgem nesse momento as relações entre língua e fala que,
dentro do campo da linguagem, são retomadas por Arrivè explicitamente nessa citação:

Evitando estéreis definições de palavras, distinguimos inicialmente, no seio


do fenômeno total que a linguagem representa dois fatores: a língua e a fala.
A língua é para nós a linguagem menos a fala. Ela é o conjunto dos hábitos
lingüísticos que permitem a um sujeito compreender e fazer-se compreender.
(ARRIVÈ, 1999, p. 36).

No capítulo IV do CLG, intitulado Lingüística da língua e lingüística da fala,


Saussure diz que o estudo da linguagem comporta duas partes: uma primordial, que tem como
objeto a língua e que é social por excelência, “outra, secundária, tem por objeto a parte
individual da linguagem, vale dizer a fala, inclusive a fonação e é psicofísica.” (SAUSSURE,
s/d, p. 27). Acrescenta ainda o mestre de Genebra que, no seu todo, a linguagem é multiforme
e heterogênea e se situa em vários campos. Ela é ao mesmo tempo física, fisiológica e
psíquica, assim como pertence ao domínio individual e social, enfim, ela não se classifica em
nenhuma categoria dos fatos humanos, pois não se sabe como depreender a sua unidade.

Nesse sentido, o texto mostra uma oposição entre língua e fala. É pouco contestável
que Saussure estabelece uma hierarquia entre os dois conceitos, mas quanto a isso se deve
evitar um erro, ou seja, dizer que o mestre da lingüística exclui do seu campo tudo que é uso
do ser falante do código da língua. O fato é que Saussure sempre defendeu que a lingüística
devia se limitar ao estudo da língua por ela mesma. Mas deve-se esclarecer que o lingüista
não exclui a fala de sua área.

Lacan reconhece a importância da fala na teoria de Saussure, ao contrário de muitos


lingüistas, até porque é um psicanalista, para quem a prática da fala é o instrumento
fundamental de sua profissão.

Em 1964, época logo depois de sua “excomunhão”, termo que ele usou quando foi
expulso da IPA, Lacan diz às pessoas que começam a freqüentar seus seminários que durante
anos foi preciso todo seu esforço para revalorizar aos olhos dos que praticam a psicanálise o
instrumento “a fala” e ainda, para lhe devolver a dignidade orientando que os mesmos
fizessem com que ela não fosse desvalorizada de antemão forçando-os a ter um foco em outra
parte do seu trabalho. Lacan insiste: “Quer se pretenda agente de cura, de formação ou de
50

sondagem, a psicanálise dispõe de apenas um meio: a fala do paciente”. (LACAN, 1998a, p.


248). A partir dessa constatação, Lacan desenvolveu uma teoria acerca da função da fala na
análise. Ele diz que na mesma há uma divisão entre o que se diz e o que se quer dizer. O que o
falante diz são as palavras que este utiliza e o que ele quer dizer será o que não disse. O que é
importante entre esse dizer e querer dizer em função da palavra, é que o querer dizer é
decidido não pelo sujeito que fala, mas sim por aquele que o escuta. Nessa perspectiva, o
sentido mesmo da fala é decidido pelo receptor, este último, é quem está na origem da própria
mensagem. Esse processo subverte a noção tradicional da comunicação. Com essa
temporalidade da retroação, Lacan consagrou a fórmula:

A linguagem humana constituiria, então, uma comunicação em que o


emissor recebe do receptor sua própria mensagem sob forma invertida,
fórmula esta que nos bastou apenas retomar da boca do opositor para nela
reconhecer a marca de nosso próprio pensamento, ou seja, que a fala sempre
inclui subjetivamente sua resposta. (LACAN, 1998a, p. 299).

Nesse sentido, Lacan diz que há uma antinomia imanente às relações da fala com a
linguagem. Quanto mais funcional se torna a linguagem, mas ela se torna imprópria para a
fala e, quanto mais particular esta se manifesta, mas perde sua função de linguagem.
Acrescenta ainda o autor dos Escritos: “Finalmente, é pela intersubjetividade do “nós” que ela
assume que se mede numa linguagem seu valor de fala”.(LACAN, 1998a, p. 300). O que se
busca na fala, diz o mestre francês, é a resposta do outro. O que constitui o sujeito é a sua
pergunta para se fazer reconhecer pelo outro. Com efeito, a fala é um dom de linguagem e
esta, segundo Lacan, não é imaterial. A fala pode se tornar para o sujeito um objeto
imaginário ou real, permitindo degradar a função da linguagem sob vários aspectos.

Vimos, pois, a importância que Lacan confere à fala, isso se demonstra desde o
começo do seu ensino em Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise (1953).
Fala e língua são termos-chave do seu ensino, apresentados como um retorno a Freud e
trabalhados na prática analítica. Em A instância da letra (1957), Lacan faz uma reorientação
que resulta uma mudança nas suas referências. Ao lado das leis da fala e das leis da língua ele
coloca a metáfora e a metonímia.

É justamente no que a fala se distingue da língua que podemos pensar as divergências


entre o significante lacaniano e o significante (signo) saussuriano. Para Lacan, o significante,
da ordem do simbólico é exterior ao homem. Ele se impõe, moldando-o e dirigindo-o no
mundo intersubjetivo em conformidade com as leis e regras sociais, comprovando assim, que
51

a linguagem é a condição do inconsciente. Nesse sentido, ele introduz seu princípio


fundamental da divisão a vários níveis: Primeiro, ao nível da linguagem consciente entre o
significante e significado. Essa divisão separa o EU que designa do que é designado. Em
segundo lugar, ele propõe a barra separadora que ao mesmo tempo é móvel e atua entre a
linguagem consciente e inconsciente. Com relação aos significantes de natureza
inconscientes, Lacan não se pronuncia sobre o estatuto de linguagem que este adquire.
Satisfaz-se em dizer que um significante inconsciente é totalmente diferente de um consciente
e é rigoroso quando diz que é impossível saber exatamente como funciona a linguagem
inconsciente. É através do retorno à consciência que se pode conhecer a linguagem do
inconsciente. O inconsciente dessa forma se apresenta numa linguagem mais frouxa,
comparável aos processos metafóricos e metonímicos da linguagem consciente. O discurso é
quem vai articular sua linguagem, “restaria determinar sob que pessoa gramatical ele se
elabora. É-nos necessário reconhecer que, no inconsciente, é sempre o sujeito que fala”.
(LEMAIRE, 1989, p. 172). E toda fala pede uma resposta, diz o Dr. Lacan, mesmo que se
depare só com o silêncio, desde que haja um ouvinte, esta por excelência é a regra primordial
do funcionamento de uma análise.

E o que é a língua para Lacan? Desde o início de seu ensino a língua é uma estrutura,
que quer dizer “um conjunto solidário de elementos diferenciados, diacríticos, relacionados
uns aos outros, de tal sorte que a variação de um repercute sobre os outros e provoca
variações concomitantes”. (MILLER, 1998, p. 69). No início de seu ensino, Lacan formulou
que o inconsciente era estruturado como uma linguagem. Isso conclui que o inconsciente é
uma estrutura. E se é uma estrutura, podemos pensar que nele existem elementos e que estes
formam um sistema.

Segundo Miller, se o inconsciente é língua, é estruturado como a língua de Saussure,


permitindo-nos distinguir o significado e o significante. A língua pensada como estrutura
implica em algo atemporal como o inconsciente, fora do fator diacrônico, ela é essencialmente
sincrônica. Essa é a perspectiva saussuriana, ou seja, a língua como sincrônica e trans-
individual. Essa definição implica que haja um Outro, equivalente a um outro conceito que é o
da fala que é diacrônica e individual. Mas, de acordo com Miller, “enquanto Lacan toma
essencialmente a sua referência à língua da obra de Saussure, veste a sua referência a fala e
uma fala totalmente intersubjetiva, marcada pela estrutura do diálogo”. (MILLER, 1998, p.
69). Seguindo esse raciocínio, a língua saussuriana para Lacan se refere ao EU? Língua e fala
se confundiriam em Saussure?
52

Seguindo ainda na trilha de Miller, no seu texto O monólogo de Aparrola (1998), ele
indica que o coração da fala é dado pelo que se chama atualmente, a vontade de dizer. A fala
movimenta uma ação que sempre envolve o Outro. Ela é sempre um ato de pergunta e
resposta. A interpretação do analista se apresenta sempre como uma resposta e essa resposta é
ao mesmo tempo um pergunta, a famosa “que queres?”. A resposta interpretativa do analista é
sempre uma pergunta sobre o desejo do analisante.

A seguir, trazemos exemplos dados por Miller de como se processa a fala em cada tipo
clínico: Na histeria, a fala se mostra por um querer dizer diferente do dito, sempre uma fala
insatisfeita, o sujeito experimenta nessa insatisfação a impossibilidade de dizer o verdadeiro
de várias maneiras. É aquela fala que dá o seu lugar ao intérprete, que o estimula. A fala do
obsessivo é uma fala que seca a interpretação, cala o intérprete. O grande Outro não tem nada
a acrescentar. Ele quer adequar o querer dizer com o dito. E a fala do psicótico? É a que se
encarrega ela mesma da interpretação, a fala do perverso por sua vez, é a que zomba da
interpretação, não lhe dá muita chance. Esses exemplos são para lembrar o campo da
experiência analítica enquanto considerando as estruturas clínicas, que não deixam de ser
estruturas da língua e que mais adiante na segunda clínica de Lacan terá uma outra leitura no
que se refere à estrutura e à língua.

Voltando para a língua objeto da lingüística, a fala a ela se submete, entretanto, esta
afeta a língua indiretamente. Para Saussure a língua só tem existência social, ao passo que a
fala não tem nada de coletivo, ela se caracteriza pelas combinações individuais, dependendo
do sujeito que fala. Ainda com relação à língua e à fala existe um outro corte que concerne à
diferença entre o significante e o significado, definindo o signo como uma unidade de duas
faces unidas por um laço associativo que é arbitrário segundo Saussure. Uma vez fixado,
porém, o signo tende a se perpetuar no sistema de relações que caracterizam a língua.

Para o lingüista Ferdinand de Saussure o significante não existe fora de sua associação
com o significado. Mesmo sendo distintos não estão fora da unidade do signo. Essa distinção
é postulada no interior do sistema social da língua. Há uma equivalência entre eles como
ilustra a analogia das duas faces de uma folha de papel. A relação entre significante e
significado é continuamente remodelada por deslizamentos entre os dois como é o próprio
movimento da língua.

Segundo Carvalho (2006) no seu artigo Letra, lingüística, lingüisteria, o duplo corte
que acontece entre língua e fala e significante e significado ensejado pelo objeto da
lingüística, permite pensar o inconsciente numa cadeia articulada “segundo as leis de uma
53

ordem fechada”. (LACAN, 1998a, p. 504). Acrescentando ainda que então se trata de um
inconsciente ao mesmo tempo efeito de linguagem e em ruptura com o signo por uma barra
resistente à significação. Continuando com Carvalho nesse mesmo artigo: “Em outros termos,
o inconsciente se apresenta, ao mesmo tempo, estruturado como uma linguagem e portando os
traços individuais de seu recorte pela fala, o que equivale tomá-lo como uma espécie de
linguagem privada.” (CARVALHO, 2006, p. 02).

Nesse sentido, podemos pensar que o significante lacaniano se diferencia do


significante lingüístico porque quando há uma manifestação do inconsciente, “isso fala” dirá
Lacan. Isso fala independente da vontade do sujeito. O inconsciente interdita a separação
epistêmica entre língua e fala já existente no CLG. “O inconsciente sustenta que a
significação não é essencial à linguagem e que seu limite é intrínseco ao próprio dizer, na
medida em que não é possível dizer nenhum todo”. (CARVALHO, 2006, p. 03).

O inconsciente, dessa forma, rompe com a equivalência entre significante e


significado. É como se o significante tomasse autonomia em relação ao signo rompendo o
caráter social da língua. É como se nesse momento particular ele se tornasse uma letra?
Rompendo com o caráter social da língua, o significante se torna uma linguagem privada,
singular de cada sujeito, ou seja, alíngua. A partir daí Lacan cada vez mais vai se interessar
pela questão da letra e da alíngua, resultando num afastamento das referências da lingüística
estrutural. É importante esclarecer que esse afastamento se dá com a lingüística e não com a
linguagem.

1.5. Os mecanismos psicanalíticos e lingüísticos do inconsciente

A psicanálise insiste Lacan, opera fundamentalmente através de um único meio, a


palavra do analisando. A partir dessa evidência, Lacan estabelece na obra freudiana a relação
inevitável entre as diversas formações do inconsciente e a linguagem. Nessas diversas
formações do inconsciente, o que Lacan observa comum a todas é a sua estruturação como
uma linguagem. A esse respeito destaca-se a importância de três textos freudianos iniciais – A
interpretação dos sonhos (1900), A psicopatologia da vida cotidiana (1901) e Os chistes e
sua relação com o inconsciente (1905), considerados paradigmáticos em matéria de
inconsciente, já trabalhados no tópico anterior.
54

Sua afirmação de que o inconsciente é estruturado como uma linguagem tem sua
origem, e recebe seu aval lingüístico, a partir dos estudos do lingüista Roman Jakobson sobre
afasia. Para ele, todo distúrbio afásico pode ser reduzido a dois tipos básicos: ou são
distúrbios da similaridade (metafóricos) ou são distúrbios da contigüidade (metonímicos). E
ainda que toda forma de distúrbio afásico consista em alguma deterioração, mais ou menos
grave, da faculdade de seleção e substituição, ou da faculdade de combinação e contexto,
estes, são segundo Jakobson, os dois tipos de arranjos onde todo signo lingüístico está
implicado. A combinação, como o próprio nome diz, é quando todo signo é composto de
signos constituintes e/ou aparece em combinação com outros signos.

Isso significa que qualquer unidade lingüística serve, ao mesmo tempo, de


contexto para unidades mais simples e/ou encontra seu próprio contexto em
uma unidade lingüística mais complexa. Segue-se daí que todo agrupamento
efetivo de unidades lingüísticas liga-as numa unidade superior: combinação
e contextura, que são as duas faces de uma mesma operação. Na seleção
selecionam-se, escolhem-se termos alternativos que implica a possibilidade
de substituir um pelo outro, equivalente ao primeiro num aspecto e diferente
em outro. De fato, seleção e substituição são as duas faces de uma mesma
operação. (JAKOBSON, 1995, p. 39).

O papel principal que estas duas operações desempenham na linguagem foi claramente
percebido por Saussure. Para o lingüista genebrino, a combinação “aparece in praesentia”,
enquanto que a seleção une os termos “in absentia”. Pois na língua tudo se baseia em relações
e estas relações são de dois tipos: Relações Sintagmáticas e Relações Associativas. “As
sintagmáticas são as que se estabelecem entre as unidades presentes no discurso, constituindo
combinações que se chamam sintagmas. As associativas são estabelecidas fora do discurso,
entre as palavras que oferecem algo de comum” (SAUSSURE, s/d, p. 143). Segundo
Jakobson, estas operações dão ao signo lingüístico duas referências para interpretá-lo, uma ao
código e outra ao contexto. A seleção concerne às entidades associadas ao código, ao passo
que, na combinação estão associadas em ambos ou somente na mensagem. Para este lingüista
as duas relações dependerão respectivamente da combinação e da seleção

No seminário três, sobre as psicoses, Lacan se refere a Jakobson com admiração,


destacando que este, ao falar das afasias, afirma que estas perturbações da linguagem devem
ser vistas à luz da oposição entre, por um lado, as relações de similaridade, ou de substituição,
ou de escolha, e também as de seleção ou de concorrência, em suma, de tudo o que é da
ordem do sinônimo, e, por outro lado, as relações de contigüidade, de alinhamento, de
articulação significante, de coordenação sintática. “Nessa perspectiva, a oposição clássica das
55

afasias sensoriais e motoras, de há muito já criticadas, se coordena de forma surpreendente.”


(LACAN, 1988, p. 250).

Com a formulação “o inconsciente é estruturado como uma linguagem” em um dos


seus artigos dos Escritos chamado “Função e Campo da fala e da linguagem em psicanálise” ,
Lacan enunciou que a estrutura do inconsciente também segue as dimensões sincrônica e
diacrônica do discurso. As leis da metáfora e metonímia indicam tanto como o sentido é
produzido, como se torna fixo ou como se desloca infinitamente. A operação da metáfora
(substituição significante) e a operação da metonímia (combinação significante) produzem
efeitos de sentido a partir da operação de retroação de um segundo significante, S2, sobre um
significante anterior, S1. Na metonímia, há o deslocamento de sentido de um significante para
um outro, produzindo um efeito de sentido inerente à cadeia significante. Na metáfora, um
segundo significante, S2, substitui um primeiro significante, S1, ocupando seu lugar na cadeia
significante que fora tornado vazio em função do processo criador engendrado.

Lacan assimila os pólos metafóricos e metonímicos descritos pelo lingüista Jakobson à


condensação e ao deslocamento, vistos por Freud como sendo os mecanismos básicos do
trabalho do sonho e que já se insinuavam desde seu trabalho sobre as afasias, tendo sido ainda
explicitamente desenvolvido em A interpretação dos sonhos. Tais mecanismos não só são
encontrados no sonho e no chiste, mas também são considerados pelo próprio Freud como os
traços distintivos de todo processo primário e, portanto, mecanismos fundamentais do
inconsciente.

Na Instância da Letra no Inconsciente ou a razão desde Freud (1966), Lacan diz que a
Verdichtung (condensação) é a estrutura de superposição dos significantes em que ganha
campo a metáfora, e cujo nome, por condensar em si mesmo a Dichtung, indica a
conaturalidade desse mecanismo com a poesia, a ponto de envolver a sua função
propriamente tradicional.

A Vershiebung ou deslocamento é mais próximo do termo alemão, é o transporte da


significação que a metonímia demonstra e que, desde seu aparecimento em Freud, é
apresentado como o meio mais adequado para o inconsciente despistar a censura. Então,
pode-se dizer, se acompanhamos Lacan no seu retorno a Freud, que o efeito de distorção que
acontece no sonho realizado pelos mecanismos de condensação e deslocamento é análogo ao
efeito da metáfora e da metonímia na linguagem.

Uma das conseqüências dessa assimilação dos mecanismos lingüísticos da metáfora e


56

da metonímia, para a idéia de inconsciente em Lacan, aos mecanismos psicanalíticos da


condensação e do deslocamento, é a de que os processos inconscientes não formam um
conjunto anárquico, alheio a qualquer ordem, mas que são processos sistematizáveis de
acordo com determinadas leis, ou seja, leis do significante, as quais Freud, na análise do
sonho, descobre como “as leis do inconsciente em sua extensão mais geral.” (LACAN, 1998,
p. 518).

Uma das razões, continua Lacan, pelas quais o sonho foi mais propício a isso está em
que, justamente como nos diz Freud, ele não é menos revelador dessas leis no sujeito normal
do que no neurótico. Em ambos os casos, a eficiência do inconsciente não se detém no
despertar.

Uma outra conseqüência é a de que, através desses mecanismos, produz-se uma


ruptura entre o significante e o significado, ou seja, quebra-se a unidade do signo lingüístico.
O significante ganha autonomia de tal modo que, pela interposição de um novo significante, o
significante original caia na categoria de significado, permanecendo como significante latente.
Nesse sentido, estamos falando do significante lacaniano e não do saussuriano, emergindo aí a
diferença entre os dois. Quanto mais extensa for a cadeia de significante, maior será a
distorção produzida. Os fenômenos dos sonhos, atos falhos, lapsos, chistes demonstram essa
operação quando ocorre a condensação e o deslocamento. Nessa perspectiva, podemos pensar
que essa assimilação fundamenta e reforça a tese lacaniana, segundo a qual o inconsciente é
estruturado como uma linguagem, assim como podemos pensar em uma aproximação com a
aplicação do princípio da arbitrariedade do signo lingüístico saussuriano aos conteúdos do
inconsciente. Talvez dizer que existe uma arbitrariedade relativa, pois o inconsciente tem sua
própria lei, isto é, nada é por acaso, existe uma escolha, nem que seja uma escolha forçada e
aí entra a questão do sujeito, que não é da ordem da lingüística, mas que Saussure em vários
momentos do CLG nos permite pensar nessa categoria quando o mesmo usa o termo espírito
em vários capítulos, a saber: O valor lingüístico, Relações sintagmáticas e relações
associativas, Mecanismo da língua, entre outros.

É no capítulo sobre Mecanismo da língua que Saussure vai tratar do arbitrário absoluto
e o arbitrário relativo. Diz ele que apenas uma parte dos signos é absolutamente arbitrária. Em
outras partes acontece um fenômeno que permite reconhecer pontos no arbitrário sem
suprimi-lo. E afirma: “o signo pode ser relativamente motivado.” Nesse sentido, ele dá o
exemplo a seguir:
57

Assim, vinte é imotivado, mas dezenove não o é no mesmo grau, porque


evoca os termos dos quais se compõe e outros que lhe são associados, por
exemplo, dez, nove, vinte nove, dezoito, setenta, etc.; tomados
separadamente, dez e nove estão nas mesmas condições que vinte, mas
dezenove apresenta um caso de motivação relativa. (SAUSSURE, s/d, p.
152).

A noção do relativamente motivado, Saussure vai dizer que implica dois fenômenos:
primeiramente a análise do termo dado, portanto uma relação sintagmática e segundo a
evocação de um ou vários termos, portanto uma relação associativa. Concluindo que, mesmo
nos casos mais favoráveis, a motivação não é nunca absoluta. Esse ponto nos permitiu pensar o
movimento do inconsciente como um fenômeno, como diz Saussure, que reconhece algo no arbitrário
sem suprimi-lo.

A arbitrariedade de que se fala sobre o signo lingüístico de Saussure se refere ao laço


que une o significante e o significado, não sendo isto da ordem do natural. É por causa desse
fato que podemos afirmar que na língua só há diferenças. Este é o princípio fundamental da
lingüística do genebrino. No seu Curso de lingüística geral, (s/d), Saussure afirma que a
linguagem não é constituída fundamentalmente por nomes dados às coisas e que também ela
não é uma nomenclatura. O signo lingüístico, como já foi dito anteriormente, não é
constituído pela união de uma coisa e um nome, mas pela união de um conceito e uma
imagem acústica. Se fôssemos estabelecer uma relação fixa entre o objeto e o signo, a
linguagem se transformaria num mero sistema de sinais, como acontece no mundo animal.

Concluindo este capítulo, concordamos com Lacan quando ele afirma que não quer
elaborar uma teoria do conhecimento, mas destaca que as coisas do mundo humano são coisas
de um mundo estruturado em palavras, que a linguagem, os processos simbólicos governam
tudo. O fato de o homem estar envolvido nos processos simbólicos de uma maneira à qual
nenhum animal tem igualmente acesso não poderia ser resolvido em termos de psicologia,
mas implica que tenhamos primeiro um conhecimento completo, estrito do que o simbólico
significa.
58

CAPÍTULO II
Sintoma e Linguagem em Freud e Lacan
59

Dentre as formações do inconsciente abordadas por Freud e retomadas por Lacan, o


sintoma é a que iremos considerar nesse capítulo, pois a psicanálise começou seu trabalho
pelo estudo dos sintomas ditos neuróticos. A trajetória do sintoma ao inconsciente passa por
vários conceitos, como pulsão, sexualidade, recalque, que não serão aqui trabalhados, mas que
é importante citá-los para esclarecer o que Freud nos ensina no início de sua teoria quando
fala que os sintomas neuróticos são expressão de conflitos entre o eu e as pulsões (as
instâncias inconscientes) que, por serem incompatíveis com a integridade ou com os padrões
éticos do eu, são recalcadas, ou seja, são impedidas de se tornarem conscientes, bem como são
afastadas, de início, da possibilidade de satisfação. O recalcamento, no entanto, facilmente
fracassa e a libido represada, insatisfeita, que foi repelida pela realidade, deve agora procurar
outras saídas do inconsciente, outras vias de satisfação, seguindo por caminhos indiretos,
operação chamada de retorno do recalcado. Ela regride a fases anteriores do desenvolvimento
infantil e a atitudes anteriores para com os objetos – pontos de fixações infantis – e irrompe na
consciência, obtendo satisfação. O resultado é um sintoma e, conseqüentemente, em sua
essência, uma satisfação sexual substitutiva para desejos sexuais não realizados, ou seja, um
substituto de algo que foi afastado pelo recalcamento, indicação de um retorno do recalcado;
uma satisfação substituta deformada, irreconhecível, uma vez que o sintoma não escapa
inteiramente à censura, submetendo-se, assim, a modificações e deslocamentos. Os sintomas
são ou uma satisfação de algum desejo sexual, ou medidas para impedir tal satisfação e, via de
regra, têm a natureza de conciliação, de formação de compromisso entre as duas forças que
entraram em luta no conflito.

Para chegarmos à questão dos novos sintomas destacaremos a concepção de sintoma


em Freud e no primeiro Lacan, acrescentando ainda a relação entre sintoma e função paterna,
este último conceito sendo de importância fundamental para compreender uma das hipóteses
levantadas nesse trabalho, ou seja, de que as formações sintomáticas atuais parecem
prescindir do pai.

Em Freud, pensamos na implicação da pulsão no sintoma e para isso trazemos os casos


paradigmáticos das duas grandes neuroses – histeria e obsessão. Na histeria, o sintoma se
apresenta como defesa contra o desejo recalcado, que para se manter recalcado precisa
encontrar uma forma de descarga. O sintoma se faz por um mecanismo de substituição, onde
o desejo se satisfaz no sintoma. Já na neurose obsessiva, o sintoma é uma resposta a uma
satisfação insuportável, ele expressa a luta entre a satisfação e a defesa combinando as duas
de forma a obter satisfação na própria defesa. Assim, o que se satisfaz no sintoma é a pulsão
60

e esta sempre se satisfaz. Para o modelo da histeria, a interpretação do desejo recalcado dava
conta do sintoma, porém o mesmo não acontecia na neurose obsessiva. É nela que se articula
de forma mais evidente o caráter intransigente da pulsão.

Em Lacan, trazemos as suas primeiras concepções do sintoma, dividindo-as em


sintoma como mensagem e sintoma como sentido e gozo. Como mensagem, o sintoma pode
ser dissolvido pela interpretação porque ele é estruturado como linguagem. Esta maneira de
entender o sintoma é de grande importância histórica, pois tenta combater uma série de
ilações dos pós-freudianos que levavam a psicanálise para um campo muito próximo da
adivinhação, desconsiderando as postulações freudianas sobre a expressividade do sintoma. É
neste sentido que Lacan retoma a diferença entre o latente e o manifesto através da concepção
da fala como plena e vazia, considerando a primeira como expressão do inconsciente e a
segunda como expressão do eu. Esta forma de entendimento possibilita lidar com o sintoma
como um sentido aprisionado que a interpretação irá libertar. Ela marca um momento do
ensino de Lacan onde o gozo era concebido como imaginário fazendo barreira à ordem
simbólica e desarticulado do significante.

2.1. O sintoma em sua dimensão simbólica

“O sentido dos sintomas” é título da XVII conferência no livro em que Freud reuniu
supostas palestras cujo público ele não tinha diante de si, mas que seguramente o teria pelos
anos afora, atraído pela questão que nos acompanha – Afinal qual é o sentido de tudo isso?
Atos falhos, sonhos e sintomas neuróticos têm um sentido, “conforme verificamos, possui
determinada conexão com a experiência do paciente.” (FREUD, 1976a, p. 319). Os sintomas,
nesse sentido, pertencem ao mesmo registro, ou seja, ao registro simbólico porque se
decifram, são passíveis de leitura. Com relação ao sintoma histérico, que foi a porta de
entrada para a psicanálise, quando interpretado, desaparecia. Mas que numa segunda etapa
freudiana ele percebe que não desaparecia totalmente, retornava. Chamava-se a isso “reação
terapêutica negativa”. Havia uma repetição, essa repetição ficou evidente para Freud quanto à
neurose obsessiva. Era a fundamentação do próprio sintoma obsessivo.
Mas Freud será mais enfático quando na mesma conferência, ao se posicionar diante
do seu público imaginário, dirá que talvez as pessoas desejem saber como se comporta a
Psiquiatria atual com relação a problemas de Neurose obsessiva. A Psiquiatria distribui nomes
61

para as diferentes obsessões, nada mais. Ela insiste dizendo que os portadores de tais sintomas
são “degenerados”. Afirmação pouco satisfatória, ela constitui não uma explicação, mas um
julgamento de valor. A Psiquiatria pouco se preocupa com as formas de manifestações e com
o conteúdo de cada sintoma; a Psicanálise dá atenção tanto a um quanto ao outro desses dois
aspectos e consegue estabelecer que cada sintoma tem um sentido e que está ligado à
singularidade de cada sujeito.
A convicção freudiana de que os sintomas têm um sentido, que pode ser decifrado
como as demais formações do inconsciente, é abordada por Lacan a partir dos recursos da
lingüística estrutural. Se o sintoma é uma mensagem que pode ser decifrada e dirigida ao
Outro, é porque mantém a latência significante, isto é, mantém algo que pertence a uma
história especial de sua formação e que sustenta seu sentido e sua significação. O sintoma é,
assim, definido como “o significante de um significado recalcado da consciência do sujeito”
(LACAN, 1998a, p. 282), um sem-sentido, uma opacidade no discurso do sujeito, por
representar alguma irrupção de verdade. Em Função e campo da fala e da linguagem em
psicanálise, Lacan (1998) afirma que o sintoma se resolve por inteiro numa análise
linguageira, por ser ele mesmo estruturado como uma linguagem, por ser a linguagem cuja
fala deve ser libertada. O sintoma é, tal como o inconsciente, estruturado como uma
linguagem, porque participa da linguagem e de suas leis. É, também, fala dirigida ao Outro,
lugar de onde o sujeito recebe o sentido, a significação de seu sintoma, ou seja, “sua própria
mensagem de forma invertida” (LACAN, 1998a, p. 299). Lacan utiliza esse termo nos anos
1950 para elaborar sua teoria do simbólico em que esse Outro figura como terceiro da fala.
Nesse sentido, mesmo antes do nascimento do filho, as relações entre seus pais são
organizadas pela palavra; “elas se situam no mesmo quadro das leis de linguagem”.
(MILLER, 1987, p. 45). É num banho de linguagem que a criança já está mergulhada. Esse
lugar que se inscreve o tesouro dos significantes, que se dirige ao sujeito, Lacan chama de
lugar do Outro. Outro da linguagem que engendrará uma vida subjetiva, permitindo ao ser
humano um alcance de uma constituição psíquica. Nesse território familiar se produzem, entre
mãe e filho, os significantes privilegiados pela mãe diante da demanda do filho formando um
campo discursivo em torno do desenvolvimento da criança.
Acrescenta ainda Miller que o entendimento das mensagens e a comunicação não é o
essencial da linguagem, para a psicanálise é importante o fato de que a mesma tem por função
identificar o sujeito. E é essa identificação que lhe permite incluir-se no registro simbólico.
Esse Outro tem suas próprias leis que foram desenvolvidas por Lacan como sendo as leis dos
significantes, através da sua leitura de Saussure e Jakobson
62

Em Freud, o sintoma nunca é simples; ele é sempre sobredeterminado, sendo esse


fenômeno, para Lacan, somente concebível na estrutura da linguagem. A sobredeterminação
nada mais é do que a sobredeterminação do significante, simbólica do inconsciente. É a
articulação das cadeias significantes ao se decifrar o sintoma, isto é, ao fazer deslizar e
desdobrar os significantes recalcados que a ele estão ligados. Nessa dimensão, o processo de
análise é o processo de deciframento da articulação significante, que se dá no desdobramento
e no desenrolar das cadeias de associação de significantes.
A associação livre, regra fundamental da psicanálise, faz-se via do significante, e não
do significado. Para se chegar ao significado, o que importa é o lugar do significante em
relação a um outro significante. A psicanálise, então, opera sobre o inconsciente, que dá
prevalência ao significante. O significado nada mais é do que outro significante que, junto
com o primeiro, retroativamente, produz efeito de sentido. Essa é a própria estrutura do
significante. Na relação S1 e S2, o sentido de S1 é fornecido por S2. É necessário sempre de
outro significante para revisar o sentido do anterior.
O sintoma é efeito de linguagem sobre o sujeito, assim pensou Freud desde seu
encontro com as histéricas. “O Talking Cure”, a cura pela fala, demonstrada no tratamento
com as histéricas, mostra que o acontecimento traumático gerador do sintoma se modifica
quando nele se incide na fala. Assim, sintoma e fala são homogêneos, ou seja, ambos são
feitos do mesmo material: a linguagem. Nesse sentido, o sintoma seria a fala aprisionada, mas
que mesmo liberando-a este não desaparece totalmente, há algo nele que resiste, isto é, um
resto de satisfação que não pôde ser expressa, algo que não pôde ser dito. Mais tarde, Lacan
vai dizer que esse resto é da ordem do real, do impossível de ser dito.
O sintoma, como formação do inconsciente, estruturado como uma linguagem
segundo Lacan, acentua-lhe a condição humana, inscreve o sujeito em ruptura com o mundo
animal. Lacan não reduz o sintoma só ao campo simbólico, mas ele lhe afirma decididamente
a supremacia.
No seu retorno a Freud, Lacan havia definido o sintoma como um construto originário
de um signo mnêmico da representação traumática, formado no inconsciente ao lhe interpretar
à sua maneira. O traumático vem a ser o que se repete no sintoma para fazer surgir o
significante de sua origem, significante este só conhecido através de uma operação ao nível
inconsciente, no discurso analítico.
Na conferência de Genebra, em 1975, sobre o Sintoma, Lacan diz que quando Freud
enfatiza que o sintoma tem um sentido e é um sentido que se interpreta corretamente, isso
quer dizer que o sujeito revela uma parte dele em função de suas primeiras experiências, isto
63

é, na falta de não poder dizer nem mais, nem melhor, a realidade sexual. E nesse momento ele
cita o caso do ”pequeno Hans” quando se dá conta da própria ereção e que vai encarná-la em
um objeto que há de mais externo, naquele cavalo que vai e vem, que dá coices e que é o que
há de mais exemplar para ele daquilo que tem que enfrentar, sem nada entender, graças ao
fato, diz Lacan nessa mesma conferência, de que ele tem um certo tipo de mãe e um certo tipo
de pai. O sintoma do pequeno Hans é a expressão, a significação, dessa recusa.
A recusa de Hans é o medo que ele tem disso que lhe acontece, desenvolvendo assim
sua fobia por cavalos. A fobia é o sintoma com que Hans conseguiu traduzir a angústia frente
ao primeiro contato com o movimento do seu pênis. Hans não entende nada disso por conta
dos pais que tem. Segundo Lacan, o sintoma da criança pode representar a verdade do par
familiar. Esta é a primeira versão do sintoma: o sintoma infantil é vinculado com a verdade
dos pais. Essa é uma questão já colocada em um dos primeiros textos de Lacan de 1938 sobre
Os complexos familiares.

2.1.1. Sintoma e pai

A função paterna e o sintoma são conceitos fundamentais na teoria e na prática


psicanalítica de Freud e Lacan e que estão marcados profundamente no percurso de cada um
deles, por suas idas e vindas, por suas mudanças de paradigma, por suas diversas referências e
também marcados principalmente pelo tempo e, mais precisamente, pelo fato de ser a teoria
lacaniana permeável ao cruzamento entre conceitos e épocas, dobrando-se às suas influências,
quando estas são capitais, mas também as interpretando e aspirando que a Psicanálise incida
na época.

O sintoma é um conceito freudiano estreitamente ligado ao pai, tomado do reino do


Pai, que é do campo do sentido. Foi desvelado como mensagem, como já falamos
anteriormente, dirigida ao lugar onde o Nome-do-Pai sustenta a relação impossível, do desejo
e da lei.

É importante que a psicanálise alcance a subjetividade de cada época. Observamos


mudanças conceituais da época de Freud até Lacan. É interessante perceber que as mudanças
na clínica nos têm demonstrado uma correlação com as mudanças na subjetividade. Estas
mudanças nos são apresentadas nos novos sintomas, estatuto que iremos desenvolver no
último capítulo dessa dissertação, sintomas estes de uma total desconsideração ao Pai. Como
64

podemos ver, dissemos que o conceito freudiano de sintoma vem aferrado ao pai, sempre há
uma ligação com o pai, como se fossem quase a mesma coisa, até porque sintoma e pai são
metáforas.

Sabe-se de um adágio jurídico romano que Freud cita, segundo o qual, o pai é incerto e
a mãe certíssima. O sintoma freudiano, poderíamos dizer assim, é a maneira de que dispõe o
sujeito para tratar a incerteza do pai. São as particularidades que cada um adquire para lidar
com essa incerteza.

A psicanálise surge com essa questão da relação entre o sintoma histérico e a


paternidade, em 1913. Freud inventa a explicação das origens do pai, sob a forma do que ele
chamou mito científico, cujo título é Totem e Tabu. Toda essa invenção, todo esse esforço de
inventar a origem do pai, também é para dizer que o pai é, essencialmente, uma função
simbólica. O criador da psicanálise vai assinalar que o Pai começa com o assassinato do Pai,
com essa espécie de separação entre o real e o simbólico, isto é, a função do Pai somente se
afirma com uma espécie de negação do que fosse o real do Pai, sob a forma do seu corpo e
sob a forma de gozo absoluto de todas as mulheres, relembrando o mito de Totem e Tabu.
Então, somente após essa destruição, essa separação é que é possível se construir um vazio
sem o qual a função simbólica não é pensável. É assim que se acede à função simbólica. A
invenção do simbólico significa construir um vazio no lugar de um buraco. O surgimento da
função simbólica do Pai é uma interpretação que se dá para essa ausência do real do Pai, a que
Freud chamou assassinato. É uma produção interpretativa. Nesse sentido, a função do Pai é
uma atribuição, é uma presunção.
O pai real nada tem a ver, portanto, com o pai terrível ou assustador, características do
pai imaginário. Também não tem a ver com o pai da realidade. Essa função está ligada à
efetuação de sua palavra e não a sua existência física. É importante dizer também que a
presença do personagem paterno não é suficiente para que o pai real exista. O fato de que o
pai possa tomar a palavra faz-se necessário para que a existência dessa função seja preservada
operando assim como efetivo agente da castração.
Esta função está ligada à autoridade que por definição é o direito ou poder de se fazer
obedecer, de dar ordens, de tomar decisões e agir. Aquele que tem esse direito ou poder
influencia e tem prestígio. O termo procede da palavra autor e remete à função de fornecer
garantia de valor a outros naquilo que faz. A função do pai é então a de oferecer pontos de
ancoragem ao sujeito, sem estes pontos, o sujeito fica à deriva.

Freud vinculou o nascimento da psicanálise ao declínio das religiões. Ele constatou


65

que as neuroses se multiplicaram a partir desse declínio. “A autoridade do pai e seu poder
sugestivo se revelam assim como a resposta das religiões ante a inconsistência interna dos
seres humanos”, diz Gorostiza (2006, p. 23). O lugar designado como Nome-do-Pai na
psicanálise é idêntico ao ocupado por Deus-Pai na religião, o Um que existe.

Para Freud, o pai é o representante e agente da renúncia pulsional que exige a cultura.
Por conseqüência, concebeu a função paterna de um modo homogêneo, univalente, no eixo da
proibição do incesto e do auto-erotismo. Deste modo, a figura paterna assumiu em sua teoria
um caráter predominantemente hostil.

2.1.2. Metáfora paterna

Em 1957, na lição IX de seu seminário intitulado, “As formações do inconsciente”


alguém pergunta a Lacan sobre o que ele esperava falar no decorrer do ano de estudos. Lacan
respondeu que “esperava abordar questões relativas à estrutura”. (LACAN, 1999, p.166). É
dessa forma que ele começa o capítulo chamado A metáfora paterna. Naturalmente, questões
de estrutura, ele mesmo diz, referem-se às formações do inconsciente. Em termos mais
simples, ele vai dizer, trata-se de colocar no lugar o que todo mundo fala todos os dias e se
atrapalha diariamente a ponto de nem se incomodar mais com isso.

A noção de estrutura é central na obra de Lacan na medida em que ela é


constantemente referenciada à estrutura de linguagem. Seguir a estrutura é certificar-se do
efeito da linguagem, diz Lacan em entrevista numa rádio belga em 1970, da qual resultou o
texto Radiofonia, que está no seu livro intitulado Outros escritos, editado no Brasil em 2003.
E principalmente na medida em que esta estrutura é colocada como a estrutura à qual o
inconsciente deve ser relacionado. Pois é no ato da linguagem que advém o inconsciente e o
lugar onde ele se exprime.

Se o sintoma e o pai são metáforas, o que se quer dizer é que são significantes que
vêm no lugar de outros significantes. A metáfora é, tradicionalmente, de acordo com Dor
(1989), repertoriada nos tropos do discurso como uma figura de estilo fundada em relações de
similaridade, de substituição. Nesse sentido, é um mecanismo de linguagem que intervém ao
longo do eixo sincrônico (sintagmático), ou seja, um dos eixos da língua para Saussure. Em
seu princípio, a metáfora consiste em designar alguma coisa por meio do nome de uma outra
coisa. No seu sentido pleno do termo é substituição significante.
66

Seguindo Lacan no seminário livro cinco, As formações do inconsciente, de 1957, a


metáfora paterna, que concerne à função do pai, é a maneira complicada com que cada um faz
uso dela, podemos dizer, é a maneira como cada um vai significantizá-la. Ela tem uma função
estruturante, na medida em que é fundadora do sujeito psíquico como tal.

É interessante observar que foi nessa mesma época, em 1957, das Formações do
inconsciente, em que Lacan começava a escrever A instância da letra, começaram os seus
dizeres “lingüísticos”, ou seja, Lacan iniciava seu diálogo com a lingüística e a metáfora
paterna surge como uma das conseqüências desse encontro.

É com Jackobson que Lacan formaliza a metáfora paterna a partir da sua releitura do
mito edípico introduzido por Freud. O mito é algo que demonstra àqueles que o escutam que
tudo já foi dito anteriormente e que, por isso, é inútil escrevê-lo, pois uma escrita nunca o
tornaria original. Se, na origem, colocam-se “pai” e “mãe”, então nomear estas funções
significa explicar o começo de todas as coisas. Este é o primeiro modelo mítico, podemos
dizer assim, de uma certa comunidade para dizer da sua originalidade. O mito é popular, todos
o conhecem, qualquer um pode contá-lo. Ele se transmite. O mito é o povo. Lacan diz que em
uma cidade sem mito, cada significante se representaria a si próprio. Ao trabalhar com os
mitos freudianos, Lacan instaura neles, como diz Miller (apud Pérez, 2005, p. 99), a exigência
de estabelecer algo que deve ser interpretado. Instaura, “portanto, (a exigência) de extrair a
estrutura, cujo revestimento são os mitos”. Nesta leitura dos mitos freudianos, acrescenta
ainda Pérez (2005), observa-se bem a direção geral que orienta Lacan relativamente a Freud:
extrair de seus mitos fundadores o real da estrutura, que é finalmente aquilo que determina a
metáfora paterna.

A função do pai, diz Lacan, é ser um significante que substitui o primeiro significante
introduzido na simbolização, o significante materno. É nesse sentido “um princípio de
separação”. A substituição em questão significa que a ligação ao pai entra no lugar da ligação
com a mãe. O pai intervém no desejo da mãe. É nessa medida em que o pai substitui a mãe
como significante que vem a se produzir o resultado comum da metáfora. “O papel da
metáfora paterna, substituindo o desejo da mãe pelo Nome-do-Pai, é assim, o de permitir um
acesso aos discursos, mediante uma perda de gozo. Não se trata aí, em termos lacanianos, de
nada diferente daquilo que a castração, em termos freudianos opera”. (SKRIABINE, 2005, p.
104).

Tomando o exemplo do jogo do for-da, descrito por Freud, podemos dizer que este dá
a ilustração mais explícita da realização da metáfora do Nome-do-Pai no processo de acesso
67

ao simbólico na criança, isto é, a simbolização do objeto perdido. (SKRIABINE, 2005, p.


104). Observemos a afirmação de Freud a esse respeito:

Certo dia, fiz uma observação que confirmou meu ponto de vista. O menino
tinha um carretel de madeira com um pedaço de cordão amarrado em volta
dele. Nunca lhe ocorrera puxá-lo pelo chão atrás de si, por exemplo, e
brincar com o carretel como se fosse um carro. O que ele fazia, era segurar o
carretel pelo cordão e com muita perícia arremessá-lo por sobre a borda de
sua caminha encortinada, de maneira que aquele desaparecia por entre as
cortinas, ao mesmo tempo que o menino proferia seu expressivo ‘o-o-o-ó’.
Puxava o carretel para fora da cama novamente, por meio do cordão, e
saudava o seu reaparecimento com um alegre ‘da’ (ali). (FREUD, 1976, p.
26).

Assim era o jogo completo: desaparecimento e retorno; quase só se via o primeiro ato,
que era incansavelmente repetido por si só como um jogo, embora não restasse dúvida de que
o maior prazer ligava-se ao segundo ato. A interpretação do jogo não apresentava mais
dificuldades. O jogo estava em relação com os importantes resultados de ordem cultural
obtidos pela criança, com a renúncia pulsional que havia realizado (renúncia à satisfação da
pulsão) para permitir as ausências de sua mãe sem manifestar oposição. Ela encontrava uma
reparação, por assim dizer, encenando ela mesma, com os objetos a seu alcance, o mesmo
‘desaparecimento-retorno’. Há nesse jogo um duplo processo metafórico. O carretel, como tal,
já é uma metáfora da mãe: o jogo presença-ausência é outra. Nesse movimento lúdico, a
criança controla a situação que a angustiava: para não se sentir abandonada pela mãe, ela a
abandona simbolicamente nessa operação. O jogo do fort-da nos ilustra precisamente a
expressão lacaniana “substituição significante”. O acesso ao simbólico pela criança através da
linguagem é signo incontestável do controle simbólico do objeto perdido. Nesse momento,
podemos dizer que a criança pôde mobilizar seu desejo, como desejo de sujeito, para objetos
substitutivos à falta.

Dizer “Nome-do-Pai” já comporta a idéia de que não se trata apenas do “pai”, mas
também de seu “Nome”; que essa categoria se refere a um significante que, como tal, nomeia,
é “nomeante”, diz Lacan, é o “pai do nome”, o qual, se existe para o sujeito enquanto
significante, é aquele que cumpre a função e não necessariamente o pai biológico. Para Lacan,
a função do pai reside no nível do pai real como construção de linguagem, efeito de
linguagem. Não é o pai da realidade, citamos:
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pois a realidade é outra coisa (...) Até poderia ir um pouquinho mais longe,
fazendo vocês repararem que a noção do pai real é cientificamente
insustentável. Só há um pai real, é o espermatozóide e, até segunda ordem,
ninguém jamais pensou dizer que é filho de tal espermatozóide. (LACAN,
1992, p. 120).

Voltando à questão da metáfora paterna, Lacan acentua que a fórmula da metáfora é


mesmo uma palavra por uma outra. Ele insiste em dizer que a metáfora não brota de dois
significantes igualmente atualizados como na metonímia, mas entre dois significantes, “do
qual um se substitui ao outro tomando seu lugar na cadeia significante, o significante ocultado
permanecendo presente por sua conexão (metonímica) com o resto da cadeia” (LACAN,
1998a, p. 510).

A metáfora e a metonímia na retórica clássica, como duas figuras de linguagem,


ligavam-se ao pensamento lógico, em que o locutor, quase sempre o poeta, ficava senhor da
significação produzida. Não é assim para Lacan. “A metonímia está estreitamente ligada aos
significantes, abstração feita de sua significação. É sobre a palavra por palavra da conexão
dos significantes que a metonímia se apóia”. (MILLER, 1987, p. 48). A metonímia seria
como uma figura de estilo que explicita a relação entre os significantes na cadeia. A metáfora,
por sua vez é a que permite o surgimento do sentido.

É a partir daí, diz Gerard Miller (1989, p. 49), que vamos encontrar o alcance do
Nome-do-Pai como metáfora.

Nessa inovação de Lacan se destaca a influência de Jakobson que enfatiza o pólo


metafórico e o pólo metonímico da estrutura de linguagem. Numa indicação de Gérard Miller:

Se uma palavra, na sua definição, remete a outras palavras que, elas também,
remetem a palavras – falando de cadeia significante - isto nos dá a estrutura
sincrônica da linguagem, em que nenhuma realidade exterior a essa
linguagem limita a significação. (MILLER, 1989, p. 49).

Como o signo saussuriano, o significante não é uma mensagem. Nesse sentido, não há
significante que se signifique ele próprio. O que pode então limitar a significação? Se
entendemos que há sempre por parte da língua uma palavra que falta fechar a cadeia sobre ela
mesma, o que a faz parar, acrescenta Miller, não é portanto um significante último que se
igualaria à sua significação, mas uma função que Lacan, retomando Freud, chama função
paterna. É o Nome-do-Pai que vai barrar o desejo avassalador da mãe, figurando como o
Outro anterior, fazendo parar uma ordem de significação, que é a significação fálica.
69

Há um movimento demarcável no início do ensino de Lacan com seu retorno a Freud


até seu fim. É sobre a função do pai que vem esta demarcação. Em Freud temos o Édipo como
mito universal válido para todo sujeito. Lacan vai dar um primeiro passo formalizando o pai
do Édipo com o Nome-do-Pai. “Essa passagem do Édipo freudiano ao Nome-do-Pai equivale
à passagem de um mito universal a um matema da significação universal” (STEVES, 1998, p.
104). Steves insiste no termo universal porque que no tempo de Lacan, como em Freud, há
UM pai. E mesmo que este pai possa apresentar muitas variações de um a outro, deduz-se
apenas uma só entrada numa significação comum, numa significação que vale para todos.

2.1.3. Declínio do pai: do moderno ao contemporâneo

Nosso ponto de partida para adentrar nessa questão será estabelecer a diferença do
mundo moderno em relação ao mundo contemporâneo. Podemos dizer que o primeiro foi
marcado pelo advento da ciência que instala o poder da razão e questiona a autoridade
simbólica do pai. A modernidade é o espaço em que existem grandes ídolos, grandes Sujeitos,
como diz o escritor francês Dufour. Grandes sujeitos seriam o Deus único do monoteísmo, o
catolicismo, o rei, a República, etc. Figuras sustentadas na tradição. Outro ponto importante
da modernidade é com relação ao sujeito no seu termo filosófico. A modernidade é marcada
principalmente por dois sujeitos: O sujeito crítico de Kant que é envolvido por três grandes
questões: “O que posso conhecer? O que devo fazer? O que posso esperar?”. (DUFOUR,
2005, p. 17). E o sujeito neurótico de Freud, refém da culpabilidade.

Com o questionamento da ciência, o declínio do poder de Deus atinge seu


representante terreno: o pai de família, o principal “Grande Sujeito” da modernidade. Isto tem
conseqüências na organização social, política e familiar; a moral perde força como bem maior
de um indivíduo. A queda dos valores tradicionais, dos ideais, o desaparecimento das grandes
histórias de vida, não têm se produzido sem as devidas conseqüências. Uma delas e a mais
grave é a condição da subjetividade, esta sofre com a mudança histórica, isto é, qual o estatuto
desse novo sujeito, sem senso crítico e sem culpa?

A psicanálise surge nesse momento em que a contestação ao pai e à moral criam


conflitos e fazem sintomas. A psicanálise entra no mundo para autorizar o desejo e sua
difusão corrobora o declínio, já em marcha, da função paterna.

Segundo Bernard Nominé (1998, p. 11), em 1975, no fim do seu ensino, Lacan revisa
70

sua concepção da posição paterna. Não se trata mais do pai simbólico representante do desejo
da mãe. Esse pai será insuficiente para essa função. Esse pai é insuficiente para representar a
falta imaginária na mãe, que é uma falta que remete à infância dessa mãe, a criança vai
encontrar o recurso do sintoma.

De acordo com Machado (2005), a contemporaneidade radicaliza as conseqüências da


modernidade fazendo com que os valores morais e a hierarquia sejam substituídos pela
liberdade individual como bem supremo. Esta mudança faz com que o ideal perca valor em
relação ao objeto que, inserido na lógica capitalista, ascende ao zênite social. Como
conseqüência os conflitos em relação aos ideais paternos são substituídos na atualidade pela
compulsão ao gozo. Assim podemos situar a clínica atual como diferente da clínica freudiana,
necessitando de remanejamentos conceituais que orientem uma prática que alcance as novas
subjetividades.

Em maio de 1972, Lacan numa conferência em Milão, na qual faz uma escrita do
discurso do capitalista, disse aos seus ouvintes que o discurso capitalista andava às mil
maravilhas, andava até rápido demais. O regime capitalista indica que “o escravo antigo foi
substituído por homens reduzidos ao estado de produtos”. (DUFOUR, 2005, p. 09).

O que se enuncia com esse triunfo do capitalismo, segundo Dufour, é um


enfraquecimento e até a alteração da função simbólica. Dessa forma, sentimo-nos, pois,
obrigados a retomar a análise do simbólico na pós-modernidade.

Ainda caminhando com Dufour (2005), este diz que a partir do momento em que toda
garantia simbólica das trocas entre os homens tende a desaparecer, é a própria condição
humana que muda. Conseqüentemente, nossa posição no mundo não é a mesma, pois o
sentido da vida não se liga mais a uma busca de acordo com os valores simbólicos que
representam o papel de garantias, a busca se dirige sempre ao acordo com os fluxos móveis da
circulação dos produtos de mercado. É melhor aderir a esse “real” do que a ele se opor, pois o
mesmo é doce, sedutor, belo, desejado. O autor então prenuncia: “Bem cedo veremos que
formidável violência se dissimula atrás dessas fachadas soft”. (2005, p. 15).

O Outro da contemporaneidade não é o Outro todo da modernidade, pois não temos


mais a garantia de que a função de exceção do pai confirma a regra para todos. Sem essa
função operando como barreira ao discurso da ciência, não há sujeito sujeitado ao ideal. O que
temos hoje é um mundo não-todo, um mundo onde não há um universal para orientar o
sujeito, o que estimula as soluções particulares. O não-todo não é o mundo onde falta alguma
71

coisa, pelo contrário, é o mundo onde tudo está disponível para ser comprado. Ele é não-todo
porque não articula a identificação a um S1. Na verdade, existe um enxame de S1, uma
multiplicidade que impele o sujeito a identificações que negam a herança paterna, portanto, a
via do ideal. A multiplicidade identificatória dificulta a estabilidade da identificação fazendo
com que o gozo do sujeito seja lastreado pelo mercado de consumo. O sujeito dessa forma se
apresenta à deriva de algo que chamaremos da ordem de um real, isto é, um sintoma com
outra dimensão, a dimensão do real, resultado da queda dos valores tradicionais conseqüência
do declínio do pai.

2.2. O sintoma em sua dimensão real

Como já situamos, a psicanálise surge como uma infração ao saber científico a que a
ciência silenciara, afirmando que há um saber no real que não fala. O termo real, junto com
simbólico e imaginário é um dos nomes com os quais Lacan designou os três registros que
estruturam a subjetividade. Estes termos têm um lugar de destaque em todo seu ensino a partir
da década de setenta, mais precisamente 1974/75 com a realização do seu seminário intitulado
RSI (inédito).

O registro do imaginário Lacan denomina o lugar das identificações, lugar do Eu e dos


fenômenos como amor, ódio e das relações duais. O simbólico é o campo da linguagem, do
significante. É o registro marcado pela ligação do desejo com a falta e a lei. O real é aquilo
que resiste a simbolização. “Seremos levados a definir o real como o impossível”. (LACAN,
1985c, p. 159). Mais ainda, diz Lacan sobre o real: “é o mistério do corpo falante, é o mistério
do inconsciente”. (LACAN, 1985c, p. 178). A partir daí Lacan cada vez mais vai priorizar o
registro do real enveredando pela topologia e pelo nó borromeano.

Seguindo nesse caminho, uma outra leitura sobre o sintoma se faz presente como algo
que não funciona. É como função de significante, segundo Lacan, que o sintoma se enuncia,
situando assim um efeito bem particular do simbólico no real. Uma leitura que nos dá a
indicação da dimensão de real que existe no sintoma, pois segundo o psicanalista francês, o
sintoma é o que muitas pessoas têm de mais real.

A psicanálise em consonância com a ciência trata do real, mas de maneira diferente. A


psicanálise trata o real a partir do sintoma, pois este diz do real do sujeito.
72

O discurso da histérica, fundador da psicanálise, pôde demonstrar a Freud que o


sintoma tem um sentido, um sentido inconsciente, ou seja, o sintoma diz alguma coisa,
mesmo que o sujeito nada saiba disso. E não somente diz, mas também serve a um fim de
satisfação, uma “satisfação real”, reconhecida pelo sujeito como um sofrimento. Os sintomas
pertencem à mesma ordem que demonstram as formações do inconsciente, portanto,
decifrável. Ele está inscrito na cadeia significante permitindo uma interpretação. Além de
decifrável o sintoma é também algo paradoxal onde o sujeito, sem o saber, tem a sua
satisfação sexual e, também, o seu sofrimento. Essa satisfação real, reconhecida como
sofrimento, é apontada por Lacan como a referência freudiana, na teoria do sintoma, ao real
traumático, inapreensível, que escapa à decifração do sintoma, pois o mesmo não é somente
manifesto e decifrável, ele tem um “sentido profundo”. (VINCENS, 1998, p. 36).

Ainda seguindo Vincens, a interpretação de um sintoma aponta para o fato de que,


com relação ao seu sentido existe algo que não se tem controle. O ato obsessivo é uma prova
disso, seu sentido escapa ao sujeito que sente obrigado a realizar um ato compulsivamente. O
sujeito chega se queixando que esse ato não tem sentido para ele, é aí que ele se divide e pode
se iniciar um tratamento. Citamos:

Então Freud, do mesmo modo que para encontrar a significação dos sonhos
começa pelo sonho infantil, para o estudo da significação dos sintomas parte
da neurose traumática. É que nela se pode ler de maneira quase imediata a
referência real ao sintoma, sua Bedeutung, que se reproduziria literalmente
ao pé da letra no sentido mesmo do sintoma. Na neurose traumática o
sentido e a significação do sintoma quase se confundem. (VINCENS, 1998,
p. 37).

Em Os caminhos da formação dos sintomas (1917), Freud esclarece que: “pelo


caminho indireto, via inconsciente e antigas fixações, a libido finalmente consegue achar sua
saída até uma satisfação real – embora seja uma satisfação extremamente restrita e que mal se
reconhece como tal”. (p. 421-422).

Para romper o recalcamento, a libido encontra as fixações necessárias nas experiências


do início da vida sexual, que, por ocorrerem numa época de desenvolvimento incompleto e
marcados pelo desamparo infantil, são capazes de ter efeitos traumáticos. “É traumático, em
princípio, o que, por causa de um excesso de estímulo, deixa uma impressão no aparelho
anímico. E aqui não se pode generalizar, porque uma mesma vivência pode ser traumática
para uns e não para outros”. (VINCENS, 1998, p. 37).
73

De algum modo vai dizer Freud, que o sintoma repete essa forma infantil de
satisfação, deformada pela censura que surge no conflito, via de regra, transformada em uma
sensação de sofrimento e mesclada com elementos provenientes da causa precipitante da
doença. A forma de satisfação que o sintoma consegue tem em si muitos aspectos estranhos
ao próprio sintoma, parecendo incompreensíveis como meio de satisfação libidinal. Freud
observa ainda que esses sintomas não se parecem em absolutamente nada com o que se
denomina satisfação. Geralmente desprezam os objetos, abandonando sua relação com a
realidade externa, concluindo que dessa forma pode-se verificar que esta é uma conseqüência
de se haver rejeitado o princípio de realidade e se haver retornado ao princípio do prazer, um
retorno, portanto, a um tipo de auto-erotismo difuso, semelhante ao que proporcionava a
pulsão sexual nos primeiros momentos de satisfação. É o sintoma como satisfação pulsional e
dessa forma resiste à interpretação. Ao observar essa resistência, Freud reconhecia que, pela
palavra, não era possível dar conta totalmente do sintoma, embora muito dele pudesse ser
removido por ela.

Sabe-se que para a psicanálise satisfação e prazer não são equivalentes, o sujeito pode
se satisfazer com aquilo que o faz sofrer. “É o que demonstram a neurose traumática, a
compulsão à repetição e às brincadeiras infantis. Se eliminarmos o que faz sofrer eliminamos
também o que satisfaz”. (MACHADO, 2005, p. 31)

É importante destacar que já nessa época Freud antecipava o sintoma nessa dimensão
de real, permitindo-nos até pensar o que denominamos hoje novos sintomas, tema que será
tratado no capítulo a seguir. Vejamos a citação que nos leva a essa idéia:

Em lugar de uma modificação no mundo externo, essas satisfações


substituem-na por uma modificação no próprio corpo do indivíduo:
estabelecem um ato interno em lugar de um externo, uma adaptação em
lugar de uma ação – uma vez mais, algo que corresponde filogeneticamente,
a uma regressão altamente significativa. Isto somente compreenderemos em
conexão com algo novo que ainda teremos de aprender das pesquisas
analíticas da formação dos sintomas. (FREUD, 1976a, p. 428).

Ainda nesse mesmo texto ao buscar resposta para a questão de como a libido encontra
o caminho para chegar a esses pontos de fixação, Freud assinala a importância assumida pela
fantasia na formação dos sintomas e afirma que todos os objetos e tendências que a libido
abandonou ainda não foram abandonados em todos os sentidos. Estes objetos e tendências, ou
seus derivados, ainda permanecem, com alguma intensidade, nas fantasias. Dessa forma,
continua o mestre da psicanálise, a libido necessita apenas retirar-se para as fantasias, a fim de
74

encontrar aberto o caminho que conduz a todas as fixações recalcadas. E conclui: “partindo
daquilo que, agora, são fantasias inconscientes, a libido movimenta-se para trás, até as origens
dessas fantasias no inconsciente – aos seus próprios pontos de fixação” (FREUD, 1976a, p.
436). A questão da fantasia é importante porque representa um núcleo de interpretação do
sintoma, ela recorre às cenas que se fixaram e organiza a forma que pode adquirir para o
sujeito aquilo que não tem forma, ou seja, a realidade do sexo.

Mais tarde, Oliveira diz que, em Além do princípio do prazer (1920), “O trauma para
Freud deixa de ser pensado como causa dos sintomas para ser pensado como estrutural e
estruturante, atingindo, portanto a todos e não só àqueles que adoecem”. (OLIVEIRA, 2007,
p. 05). Nesse sentido, é como um furo na superfície do aparelho psíquico provocado pela
pulsão. A pulsão é então caracterizada como o que visaria “restaurar um estado anterior de
coisas” (OLIVEIRA, 2007, p. 06), ou seja, como o que visaria ao impossível de uma
satisfação total. A pulsão só se satisfaz parcialmente.

Freud conclui que o trauma é, via de regra, suposto ou inferido, o que o leva ao
abandono da teoria do trauma e à concepção da teoria da fantasia, em que o trauma é tido
como parte da realidade psíquica do sujeito e fundamento da fantasia. O sintoma é, então,
definido como a realização de uma fantasia de conteúdo sexual, ou seja, representa, na
totalidade ou em parte, a atividade sexual do sujeito provinda das fontes das pulsões parciais,
normais ou perversas.

Freud avança no sentido de demonstrar que, para além do princípio do prazer, há um


real de gozo impossível de ser representado, demonstrando, assim, o caráter problemático da
realidade psíquica que se expressa no sintoma. Lacan denomina mais uma vez a satisfação
freudiana com o conceito de gozo e diz que o sintoma é um modo de gozar. Citamos Freud
anteriormente e sabemos que ele se deparou com esse limite, isto é, com algo do sintoma
como uma satisfação irredutível pela via da fala e que se manifesta pela pulsão. Seguindo essa
trilha, Lacan fala do gozo como a satisfação da pulsão.

Lacan, no seu último ensino, diz que o sintoma caracteriza o real como aquilo que não
anda. Por seu lado, o sintoma – embora não seja a mesma coisa que o real, ele é o que vem do
real. É a manifestação do real no ser humano. Nessa perspectiva, podemos dizer que sempre
somos afetados pelo sintoma, ou seja, sempre estamos doentes, como diz GOROSTIZA
(2006).

Posteriormente, seguindo com Lacan, o gozo passa a ser significantizado e a pulsão


75

passa a sofrer os efeitos da linguagem. Isto restringe a satisfação pulsional a termos


simbólicos e a reduz ao desejo. Já o sintoma como sentido e gozo coloca-o num sistema de
escrita, portanto, aponta para algo no sintoma que transcende à significação. O sintoma,
agora, não se esgota na significação produzida no lugar do Outro, há nele uma vertente que se
liga ao significante na forma de letra, ou seja, há uma coordenação do gozo do corpo com o
significante. É desta concepção do sintoma que surgirá, nos anos 70, o sinthoma como
identificação ao próprio gozo.

Existem duas maneiras de situar o sintoma no ensino de Lacan: “O sintoma como


metáfora e o sinthoma como letra”. (BAPTISTA, 2006, p. 100). No começo do seu ensino o
sintoma é uma mensagem cifrada endereçada ao Outro e no seu último ensino o sintoma se
refere ao gozo – sinthoma que exige outra forma tratamento, pois não é mais do campo do
significante e nem passível de interpretação. Esse sintoma que não se reporta ao Outro, é um
sintoma que se basta e que diz do inconsciente separado do saber, não mais uma linguagem
que comunica alguma coisa, mas como uma forma de gozo. Lacan passa a chamar essa nova
forma de sintoma de sinthoma dedicando todo um seminário a essa questão, o livro 23. O
sinthoma ganha outro registro, demonstrando que a relação sexual não se inscreve, tornando-
se a forma pela qual cada um goza do seu inconsciente.

Na clínica nos chegam pacientes que nunca estão satisfeitos com o que são. Mas o que
eles são e suas experiências de vida são seus próprios sintomas que dizem respeito a um tipo
de satisfação. Lacan vai dar a categoria de impossível a essa satisfação paradoxal, portanto, da
ordem do real. Ele insiste na separação desse real do campo do princípio do prazer, “pelo fato
de que sua economia admite algo de novo, que é justamente o impossível”. (LACAN, 1985, p.
159). O real toca no que do sujeito é um resto, é improdutivo, no gozo, enfim, naquilo que não
serve para nada.

Esse impossível diz respeito também à relação sexual que não há. Em 1972, no
seminário 20 ele explicita a impossibilidade da existência da relação sexual atribuída à
impossibilidade da inscrição da relação entre dois corpos de sexo diferente. Também no
texto O aturdito (1973), Lacan se referiu ao não “há relação sexual” como uma suposição
que de relação (relação em geral) só há enunciado. O que isso quer dizer? “Da relação do
homem e da mulher, justamente no que seriam eles adequados, por habitarem a linguagem,
para fazer dessa relação um enunciado”. (LACAN, 2003, p. 454). A noção de relação está
relacionada à diferença dos sexos, que se fundamenta na linguagem, sobre a relação ao ser e
76

ao ter o que desenha, para o homem e a mulher, uma não complementaridade.

A identificação sexual, segundo Lacan, não está em uma pessoa se acreditar homem
ou mulher. O que existe é o desejo em relação ao falo e não de um parceiro ao outro, é em
relação a ele que os dois sexos se posicionam. O impossível da relação diz respeito ao não
recalcado dessa relação, ao não recalque desse desencontro.

O sintoma surge como uma tentativa de invalidar essa proposição da inexistência da


relação sexual. O sintoma aponta que existe algo que não funciona no campo do real. O
neurótico encontra um gozo no sintoma, por menos satisfatório que ele seja. Gozo é um
termo introduzido por Lacan, em referência ao que, em direito, concerne ao gozo dos bens,
ele está do lado do objeto se distinguindo assim do desejo. Nesse sentido, o sintoma se
distingue da ordem do desejo como sendo gozo.

O sintoma, nas palavras de Gérard Miller (1989), constitui, portanto, essa anomalia no
campo do real em que consiste o gozo e afirma que dessa relação com o gozo, o homem se
queixa, mas não a reconhece. Essa nova categoria para o sintoma como da ordem do real,
será mais trabalhada no capítulo a seguir quando será abordada a questão dos novos sintomas,
questão central da dissertação.

2.2.1. Do nome-do-pai aos nomes-do-pai

Quando nos referimos nos tópicos anteriores a esse significante do pai válido para
todos introduzindo o sujeito na lei, isso não significava que esse significante não pudesse ter
variações nos efeitos singulares, pelo próprio fato de o pai trazer com ele uma cadeia
significante, um imaginário, variáveis de sua história, até podemos dizer maneiras diferentes
do pai da realidade. Partindo desse raciocínio, Lacan em seus seminários posteriores vai falar
não mais do Nome-do-Pai, mas dos Nomes-do-Pai, modificando o estatuto do Pai. Falar dos
Nomes-do-Pai no plural quer dizer que não é mais para todos o mesmo significante do Nome-
do-Pai que opera para inscrever o sujeito na lei.

Falar Nomes-do-Pai indica que cada um tem seu significante do Pai, até mesmo que
possa haver vários significantes do pai para um sujeito. Lacan na fase final de seu ensino, a
partir de 1971/72, vai priorizar o particular antes que o universal. Não é mais o Pai da lei, mas
77

é o S1. Alguns S1 vão dar ao sujeito seu modo de inscrição no Outro. Esse S1 são as
significações mais importantes de um sujeito, são ao mesmo tempo mais que um significante,
ou até outra coisa além de um significante, eles podem ser um traço, uma marca, uma letra
que escreve o gozo particular de cada sujeito e essa letra tem efeitos reais. Não são mais
efeitos de significantes, na medida em que este tem efeitos de verdade, mas de efeitos de gozo
no real. Essa passagem à letra é o que faz a passagem do Nome-do-Pai e mesmo dos Nomes-
do-Pai ao sintoma. Não é mais o Pai, é o sintoma. Podem ser significantes muito diferentes
para cada um.

Para concluir este capítulo, podemos dizer que a primeira clínica de Lacan é uma
clínica binária, clínica do Pai, o Nome-do-Pai é foracluído ou não, neurose ou psicose; pode-
se dizer também que é uma clínica do significante. Enquanto que a segunda clínica é ternária,
é a clínica do nó borromeano; não é mais o significante que predomina, mas o gozo. Não é
mais a clínica do simbólico, mas a clínica do real.

A passagem do Nome-do-Pai aos Nomes-do-Pai no plural nos permite pensar a clínica


de hoje com os novos sintomas, em que observamos na atualidade um declínio da
paternidade. Os novos sintomas nos mostram o limite de responder com o pai. Uma resposta
“com o pai” não satisfaz as questões que nos coloca o avanço da ciência atual. É por esta
razão que nós da psicanálise temos de nos interessar por esta nova clínica que parece não ter
necessidade do pai para nos permitir uma articulação do sujeito.
78

CAPÍTULO III
Os Novos Sintomas: entre a Linguagem e a Alíngua, entre
o Simbólico e o Real
79

Nos dois primeiros capítulos, fizemos um percurso de Freud a Lacan situando a


estrutura de linguagem no inconsciente e no sintoma. O capítulo a seguir tem como objetivo
problematizar essa estrutura a partir dos novos sintomas, que não parecem ser tão novos
assim, pois como já vimos em Freud e Lacan, os mesmos já se referiam a determinados
sintomas como algo de uma impossibilidade, de indecifrável, permitindo-nos pensar numa
outra leitura do inconsciente não mais estruturado como uma linguagem metafórica, de uma
linguagem que se dirige ao Outro. Este inconsciente de ordem simbólica já não responde a
expressividade dos sintomas da atualidade. Para isso nos reportaremos ao que se chama o
último ensino de Lacan, ou seja, um ensino que mesmo não se separando dos fundamentos
teóricos de Freud, constrói sua própria letra. Podemos dizer um Lacan não mais fazendo uma
releitura freudiana, mas um Lacan por ele mesmo.

Em “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise” de 1953, Lacan diz que,


quem não conseguir alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época, renuncie a
função de analista. Mesmo sendo um texto do início de seu ensino, o mestre francês
demonstrava preocupação com a cultura de sua época, sentindo dessa forma que a psicanálise
precisava se envolver com a cultura e seus conflitos.

O inconsciente, diz o mestre francês, se produz na relação do sujeito com o Outro.


Assim, o inconsciente tem a ver com e se produz a partir do laço social, e sendo o
inconsciente aquilo com que um analista tem sempre a ver, o analista, e a própria psicanálise,
têm a ver com o laço social, ou seja, têm que lidar com aquilo que faz laço com o Outro e com
os outros, aquilo que o coloca “frente a frente com a cidade e com a subjetividade de sua
época”. (BROUSSE, 2003, p. 12.)

Romildo do Rego Barros, psicanalista da Escola Brasileira de Psicanálise, Seção RJ,


em conferência aqui em João Pessoa em 2003, sobre O inconsciente hoje, argumentou:

Se o inconsciente se define pela exterioridade do simbólico, me parece que a


gente pode dizer que está se tornando relativamente freqüente, os
psicanalistas serem procurados por pessoas que se queixam da exterioridade
do real e não, do simbólico.

Há então um deslocamento do seu modelo clínico que já não pode ser o mesmo da
tradicional histérica de Freud.
80

3.1. Os novos sintomas

Há bastante tempo se discute sobre os novos sintomas, todo mundo tem concordado
que há um “desbussolamento”, termo usado por Jacques Alain Miller no texto Uma fantasia
(2005), no sujeito moderno e no contemporâneo.

Estamos desbussolados, vai dizer Miller porque havia uma bússola, a moral civilizada
de um tempo não muito distante e esta foi abalada. Houve mudanças, segundo Miller, temos
duas metáforas, a primeira foi a da agricultura pela indústria e nos tempos atuais há uma
segunda metáfora a da natureza pelo real. Desde que a prática da agricultura foi substituída na
sociedade pela indústria, não se pensa mais na agricultura com a devida importância. A
civilização agrícola tinha como bússola a natureza, as estações do ano onde havia a questão
do clima, do tempo, das tradições. Com a revolução industrial isso tudo foi acabando. Os
produtos industriais foram devorando a natureza. Na atualidade, há uma produção industrial
de gadjets provocando no ser falante algo que vai além da satisfação da sua necessidade, um
mais além do prazer, um puro gozo. A natureza foi sendo substituída por tudo que é de
artifício. É um real que entra em cena, um real sem bússola, sem lei.

As novas formações sintomáticas são diferentes daquelas do começo da psicanálise,


são próprias da horizontalidade do laço social da globalização, ou seja, são conseqüências da
unificação do mercado em escala mundial, produzida pelo discurso capitalista, enfim, em
última análise, resultado da universalização pelo discurso científico. Alguns exemplos:
fracasso escolar, agressões inusitadas, toxicomanias, anorexia, bulimia, síndrome de pânico,
epidemia de depressão, aumento de suicídio em adolescentes, doenças psicossomáticas,
hiperatividade, tudo isso resultado do declínio dos ideais, da função paterna e
conseqüentemente da família.

O que vimos chamando de novos sintomas têm colocado a nossa prática sob
transferência em xeque porque são paradigmáticos dessa época do declínio dos ideais, de
rechaço ao saber e ao Outro.

O que resta a fazer com isso? Como demonstrar a eficácia de nossa prática nesta
sociedade sem crença no saber? Onde todo saber é derivado dos números e dos produtos da
tecnologia e o que importa é prazer individual, ou seja, o gozo de cada um? Há uma total
permissão desse gozo perverso resultando em sintomas-gozo, não mais um sintoma como
mensagem, surgindo assim novas formas de angústia. O sintoma como mensagem faz emergir
81

o sujeito, sobre seu lugar no desejo do Outro, que representa o saber e lugar dos significantes.
É a este que ele se dirige, comprovando que o sintoma é estruturado como uma linguagem e
extremamente dependente desse Outro, é dele que o sujeito receberá o sentido de seu sintoma,
ou seja, sua própria mensagem de forma invertida, ao ponto de que, por momentos, sintoma e
inconsciente se confundem.

Nos sintomas atuais, o sujeito não tem uma referência identificatória, pois há uma
decadência do significante-mestre e dos ideais nos fazendo recorrer ao Comitê de Ética para
saber o bem e o mal. Na cultura atual não há mais o Outro no lugar da verdade. O sujeito fica
sem nenhuma significação para orientá-lo, consequentemente sua subjetividade é
comprometida. Então surge a questão: Que sujeito é esse?

Jacques-Alain Miller, no texto O sintoma e o Cometa (1997), diz que há muitos anos
atrás em um encontro internacional ele iniciou sua conferência quase com um grito “A clínica
muda”. Ele quis dizer com isso que deveríamos “enfatizar o novo ao invés do sintoma, na
fórmula “As novas formas de sintoma”. Não há razão para esconder que esperamos algo novo
quando nos reunimos sob tal fórmula, algo novo na psicanálise”. (MILLER, 1997, p. 05).
Segundo este autor, existe atualmente uma tensão que acompanha o desejo pelo novo. Diz
ainda que isso tem uma dimensão social e que há um supereu nos tempos atuais que ordena a
aquisição de algo novo. Sabemos também que sempre houve um desejo pelo novo, mas que
era mais suave diz Miller. Este apelo pelo novo é a nova formação sintomática da nossa
cultura. Sempre estamos desejando algo novo. Por quanto tempo isso vai permanecer? E a
resposta nós já sabemos, acrescenta o autor. Cada vez mais o novo dura menos; logo está
ultrapassado, obsoleto. “O culto ao novo encaixa-se bem com a valorização da juventude e o
desespero de envelhecer”. (MILLER, 1997, p. 06). Envelhecer antes era aceito. Estamos
claramente diante de um sintoma social.

Diante desse quadro, como não cair numa clínica do consumo, que deseja a novidade?
Ou seja, a dos Alcoólicos Anônimos, do condicionamento para as anoréxicas, de regulamentar
a comida para os bulímicos, dos grupos que tratam os adictos, as drogas, o sexo, do consumo
desenfreado de medicações e muitas outras coisas que fariam uma lista interminável
comparáveis aos produtos do mercado? Para nós praticantes da psicanálise de orientação
lacaniana, esta clínica vai contra todos os princípios analíticos. Ao trabalhar dessa forma,
estaríamos desconsiderando a posição do sujeito no seu mundo, não o responsabilizando pelos
seus atos e pelo seu gozo.

Com relação ao inconsciente, que é a questão central da nossa pesquisa, como pensá-lo
82

nesses novos sintomas? Podemos chamar estas patologias de sintoma, se as mesmas


demonstram uma dessimbolização, uma foraclusão da subjetividade? E principalmente como
pensar a relação do inconsciente com a linguagem nessas novas formações sintomáticas?
Como pensar o inconsciente fora da ordem simbólica, um inconsciente não mais estruturado
como uma linguagem? Enfim, o que é o inconsciente hoje?

Como não poderia deixar de ser, nosso pensamento sempre volta a Freud para
destacar sua genialidade e demonstrar o quanto o fundador da psicanálise estava à frente do
seu tempo. Trazemos um fragmento de um texto surpreendente, de 1908, intitulado A moral
civilizada e a doença nervosa moderna. Citamos:

As extraordinárias realizações dos tempos modernos, as descobertas e as


invenções em todos os setores e a manutenção do progresso, apesar da
crescente competição, só foram alcançadas e só podem ser conservados por
meio de um grande esforço mental. Cresceram as exigências impostas à
eficiência do indivíduo, e só reunindo todos os seus poderes mentais ele
pode atendê-las. Simultaneamente, em todas as classes aumentam as
necessidades individuais e a ânsia de prazeres materiais; um luxo sem
precedentes atingiu camadas da população a que até então era totalmente
estranho; tudo é pressa e agitação. Os conflitos religiosos, sociais e políticos,
a atividade partidária, a agitação eleitoral inflamam os espíritos, exigindo
violentos esforços da mente e roubando tempo à recreação e ao lazer. A vida
urbana torna-se cada vez mais sofisticada e intranqüila. Os nervos exaustos
buscam refúgio em maiores estímulos e em prazeres intensos, caindo em
ainda maior exaustão (...) (FREUD, 1976, p. 189).

Não parece um texto de exatamente um século atrás. Parece que estamos falando dos
dias de hoje. Freud ainda cita todos os observadores da época, na virada do século XIX para o
século XX e diz que eles perceberam os novos sintomas que marcaram essa época. Dessa
forma, diz Miller, Freud antecipa uma teoria do gozo na civilização. Essa teoria nos faz
pensar exatamente nos sintomas de nossa época. Freud pensando assim, já questionava a
subjetividade de sua época se deparando na sua prática com um limite. Alguma coisa do
princípio do prazer no sofrimento sintomático ia além disso, observou ainda o mestre da
psicanálise, que permanecia algo a mais entre o sentido que desfazia o sintoma e uma outra
satisfação que o sustentava irredutível pela via da fala, revelada pela intensidade da pulsão.

Lacan então vai nomear essa outra satisfação freudiana com o conceito de gozo, como
a satisfação pulsional em seu caráter de real.
83

3.1.1. Os novos sintomas como “sintomas-gozo”

A partir do seminário XX, Lacan associa a fala com o gozo, quando afirma que o ser,
ao falar, goza. Mais adiante, no seminário R.S.I de 1975, ainda não publicado em livro, Lacan
diz que o sintoma é o modo como cada um goza do inconsciente. Nessa perspectiva, o
sintoma fica situado entre o simbólico e o real, fazendo um duplo laço com o inconsciente e o
gozo.

Sabemos da complexidade para se delimitar o que é da ordem do significante e do gozo


em um sintoma, pois a clínica nos demonstra que não há um divisor de águas tão demarcado
assim. O sintoma se apresenta aos nossos olhos e o saber que o sujeito constitui sobre ele é
abalado e uma demanda de análise pode acontecer.

Falar de sintoma é falar de um enunciado que ao mesmo tempo é indizível. É a


mensagem fundamental do sujeito, algo particular que indica seu modo de gozar.

Em “Escroqueria” Lacan diz que “o sintoma é real. É mesmo a única coisa


verdadeiramente real, é o que conserva um sentido no real. E é bem por esta razão que o
psicanalista pode intervir simbolicamente para dissolvê-lo no real.” (LACAN, 1998c, p. 06)

Na clínica atual nos deparamos com dificuldades a que alguns autores chamam de “a
clínica das suplências, onde a generalização do conceito de sintoma, homólogo ao de
foraclusão generalizada, aproxima neuroses e psicoses, abrindo a necessidade de construir
uma nova clínica diferencial”. (KRUGER, 1998, p. 105-106).

Um sintoma como gozo, na sua forma metonímica de se apresentar, faz obstáculo à


cura pela sua forma resistente e inerte de ser, pois não tem nada a dizer. O gozo toma o valor
ao que corresponde a parte do significado que não se realiza no significante. Em Subversão do
sujeito (1998), Lacan diz que o sintoma é feito de significação e fantasia, ou melhor, é uma
articulação entre efeito significante e a relação do sujeito com o gozo.

Nos sintomas atuais nos parece que até o próprio sintoma está foracluído. Este é o
nosso grande desafio, lidar com estes fenômenos onde o empuxo ao gozo tende a se eternizar,
numa repetição que não se produz um ponto de basta. É como se estes sintomas da atualidade
não fossem sintomas no sentido analítico do termo. Como se fossem constituídos aquém do
sentido, sem relação metafórica com o conflito psíquico, como rebelde a toda interpretação. O
sujeito fala, fala sem implicação nenhuma.
84

Freud falou do “mal-estar” da civilização na sua época, Lacan por outro lado, referiu-
se ao “sinthoma” na civilização como um efeito particular do discurso do mestre
contemporâneo que denominou de discurso capitalista. “Esse discurso produz o objeto a,
cavando a falta da mais-valia. A mais-valia foracluída é um significante e, como tal, retorna
no real como gozo”. (LAURENT, 2007, p. 163). Essa mais-valia na teoria marxista era
resultado do trabalho, um direito do trabalhador, na civilização atual ela se torna o objeto
perdido, estimulando a cadeia incessante das trocas, aumentando o consumo dos produtos do
mercado.
Para continuar seguindo com Laurent, faz-se necessário descrever rapidamente – o que
não é fácil, pois se trata da grande criação de Lacan e resultaria num outro trabalho – o que é
o objeto a na teoria lacaniana.
Há uma diferença entre a concepção freudiana de objeto, como Coisa para sempre
perdida — Das Ding, o objeto perdido da espécie humana — e o conceito lacaniano de objeto
a — o objeto perdido da história de cada sujeito.
O objeto perdido da história de cada sujeito, objeto a, pode ser reencontrado nos
sucessivos substitutos que o sujeito organiza para si em seus deslocamentos simbólicos e
investimentos libidinais imaginários. Mas nesses reencontros, por trás dos objetos
privilegiados de seu desejo, o sujeito irá se deparar de forma inarredável com a Coisa perdida
da espécie-humana; o que significa que se trata sempre, nos reencontros com o objeto, da
repetição de um encontro faltoso com o real. Essa distinção pode ser apontada como o objeto
impossível (objeto a) em Lacan e o objeto perdido (Das Ding) em Freud.
Se dissemos que o recalque constituiu-se na "pedra angular" da teoria freudiana, o
objeto a ocupou posição tão central quanto ele na teoria lacaniana. O objeto a – o que seria,
qual sua função? – funcionou para Lacan como interrogação permanente. Sofreu uma
elaboração constante em sua obra: de pequeno outro ou semelhante nos primeiros seminários,
a objeto amalgamático, causa de desejo no seminário VIII – A transferência, a objeto mais-de-
gozar, no seminário XVII – O avesso da psicanálise.
Voltando ao pensamento de Laurent (2007), para seguir a trajetória do objeto a em
nossa civilização, pegamos a indicação lacaniana do efeito de angústia e que o próprio Lacan
diz ser o verdadeiro efeito de linguagem. É no seminário X – A angústia, (1963/1963), que o
psicanalista francês faz uma verdadeira apologia ao objeto a.
Continuando com Laurent, este indica momentos da trajetória do objeto a começando
com o fim da primeira guerra que marca a entrada no século XX, quando o mundo do
pensamento foi invadido por um afeto particular e indicando também alguns historiadores e
85

filósofos como Valéry (1924) e Heidegger (1927). O primeiro quando fez referência a esse
pós-guerra com um saber que se impôs como “a crise do espírito” e o segundo definindo a
subjetividade dessa época como sendo a do “homem da preocupação” como também situando
o lugar da angústia. Na mesma época, Freud em 1930, no Mal estar da civilização, faz
equivaler o sentimento inconsciente de culpa à angústia.
Antes da segunda guerra, o homem tratava suas angústias sempre tentando restaurar
um todo diante de uma civilização que já se apresentava como não-toda. Desse movimento
surgiram os grandes líderes, os grandes ideais que Freud já antecipara no seu texto Psicologia
de grupo e análise do ego (1921) quando se referiu ao exército e à igreja.
No pós-II Guerra Mundial o homem foi lidando com a angústia através de vários
significantes mestres, vale destacar o Partido Comunista, a busca de Deus e os Estados
Unidos como vencedores da guerra, mostravam sua competência apoiando-se no cientificismo
dos anos 1950.
Nos anos 1960, Lacan apresenta um novo significante mestre: o mercado comum. E a
crise de 1968 revelou que todos esses significantes mestres, foram se desqualificando e “em
vez da crença no futuro dos mercados comuns, reina a incerteza do mercado global. Os
mercados procuram um significante mestre e não o encontram”. (LAURENT, 2007, p. 168).
A angústia é um afeto que resulta da descrença do sujeito no significante mestre e este
tenta refazer esse significante, esse todo, para lhe proporcionar uma garantia. No esforço de
recuperar esse Outro emerge o insuportável dessa falta. Nesse sentido, segundo Laurent,
assistimos um duplo movimento. “De um lado, apelos “populistas” para refazer o todo. De
outro, tentativas de reencontrar o gozo por intermédio de um acesso em curto-circuito”.
(LAURENT, 2007, p. 169). É o que estamos vendo nos sintomas contemporâneos, uma busca
desenfreada pelo prazer imediato, numa verdadeira overdose do gozo. Não só pelo uso de
drogas, pelos atos suicidas, mas até pela entrega exagerada ao trabalho, escolher esportes
perigosos, até se transformar-se em homem-bomba e gozar de sua própria morte. Tudo isso
são manifestações para lidar com a angústia na necessidade de encontrar o Outro.

3.1.2. Os novos sintomas e a linguagem

Acreditamos que mesmo se revelando de forma estranha, os sintomas atuais não estão
fora do campo da linguagem, pois existe um ser falante que chega ao consultório. Esse fato já
86

indica que há uma demanda, só que esta não se apresenta. Há uma fala, um blá, blá, blá. Que
estatuto podemos dar a esse tipo de linguagem? E que estatuto tem a linguagem e o
inconsciente nesses sintomas na última fase do ensino de Lacan?

Nesse percurso, que se chama o último ensino de Lacan, uma outra dificuldade se
apresenta no que diz respeito à lingüística. Lacan diz considerar esta ciência
metodologicamente exemplar, mas no texto Radiofonia (1970) ele afirma:

A lingüística fornece o material da análise, ou o aparelho com que nela se


opera. Mas um campo só é dominado por sua operação. O inconsciente pode
ser, como disse, a condição da lingüística. Esta, no entanto, não tem sobre
ele a menor influência. É que ela deixa em branco o que surte efeito nele.
(LACAN, 2003, p. 407).

No seminário 20, Mais ainda, na página 189, Lacan diz: “Se eu disse que a linguagem
é aquilo como o que o inconsciente é estruturado, é mesmo porque, a linguagem, de começo,
ela não existe. A linguagem é o que se tenta saber concernentemente à função da alíngua”. No
mesmo seminário, Lacan afirma: “O inconsciente, não é que o ser pense, como o implica, no
entanto, o que dele se diz na ciência tradicional – o inconsciente, é que o ser, falando, goze e,
acrescento, não queira saber de mais nada. Acrescento que isto quer dizer – não saber de coisa
alguma.” (p. 143).

Nessa perspectiva, como pensar o inconsciente e sua relação com a linguagem se,
segundo Lacan, esta não existe. A linguagem tem a estrutura de alíngua – é a redefinição de
Lacan. O inconsciente estruturado como uma linguagem é uma leitura de Lacan do
inconsciente freudiano. Para falar do inconsciente pensado como Lacan no seu último ensino,
parece ser necessário pensar numa outra leitura, que ultrapassa a noção anterior, passível de
ser deduzida da obra de Lacan.

Lacan inventa um nome, unindo o artigo “a” ao substantivo “língua”. Segundo Miller,
ele fez essa invenção para marcar que os elementos da língua que acreditamos discerníveis
não são tanto assim. Alíngua, para Miller, parece não ser uma estrutura, mas não é que não
tenha relação com a mesma. Miller afirma que alíngua não é uma estrutura porque não é um
objeto recortado de sincronia, pelo contrário, ela tem uma dimensão totalmente diacrônica,
“visto que é essencialmente aluvionária. É feita de aluviões que se acumulam de mal-
entendidos, de criações lingüísticas de cada um”. (MILLER, 1998, p. 71). (Grifo do autor).

À página 190, ainda do seminário vinte, Lacan insiste na noção de inconsciente:


87

Mas o inconsciente é um saber, um saber-fazer com alíngua. (…) É nisto


que o inconsciente, no que aqui eu o suporto com sua cifragem, só pode
estruturar-se como uma linguagem, uma linguagem sempre hipotética com
relação ao que a sustenta, isto é, alíngua. (LACAN, 1985c, p. 190).

Nessa outra leitura do inconsciente, Lacan diz que o mesmo é feito de alíngua, escrita
por ele numa só palavra e que designa o movimento de cada sujeito. Essa alíngua dita
materna, todo ser falante a possui. A linguagem também é feita de alíngua, diz Lacan, “é uma
elucubração de saber sobre alíngua”. (LACAN, 1985c, p. 190).

Lacan fala de um inconsciente como uma linguagem hipotética e que tem estrutura de
alíngua. Mas afinal, o que é alíngua?

Os lingüistas distinguem um período no qual a atividade fonatória consiste na emissão


de sons e estalos que são apenas manifestações respiratórias, do período das lalações, que são
expressões sonoras mais extensas que aquelas que serão utilizadas na língua. Para eles é a fase
quando a criança começa a demonstrar certa compreensão da fala do adulto para com ela. É o
início de um período lingüístico.

Partindo do termo lalação, lembramos como Lacan concebeu o conceito de alíngua.


Numa conferência em Genebra sobre o sintoma em 1975, ele disse ter procurado um termo
que estivesse bem próximo de lalação, definindo-o como restos de significantes que se
depositam como aluviões no período de aquisição da linguagem. Numa outra ocasião, ao se
referir à clínica, chegou a afirmar que a prática consiste em procurar o equívoco nessas
primeiras palavras ouvidas, essa é uma forma de fazer com cada um tenha seu inconsciente,
bem como enfatizar o modo como cada criança escuta. Então, ele definiu a alíngua como
constituída dos primeiros significantes que o sujeito entra em contato, antes mesmo de
conhecer a sua significação. Então alíngua é da ordem do infantil?

Seguindo esse pensamento, Lacan modifica sua teoria do significante? Parece-nos que
a partir desse momento primeiro da aquisição da linguagem pela criança, Lacan usa o
significante de uma maneira nova, distinta do seu uso na lingüística.

Se alíngua é deduzida pelo fato de que há equívoco na língua, é porque se engana


quanto ao significante. A aprendizagem da alíngua se dá aos poucos, de acordo com a
aquisição da língua.

Valemo-nos nesse momento de Jean Claude Milner no seu livro Amor da língua
(1987). Segundo o lingüista, a alíngua é um língua dentre outras, só que, quando ela se coloca
88

demonstra que não se inclui numa classe de línguas, ela se configura diretamente como a
língua materna, “da qual basta um pouco de observação para admitir que em qualquer
hipótese é preciso uma torção bem forte para alinhá-la no lote comum”. (MILNER, 1987, p.
15). Mesmo assim, segundo este autor, ela é uma língua como qualquer outra para o ser
falante, ou seja, língua materna. Ao mesmo tempo a alíngua é o que faz com que uma língua
não seja comparável a uma outra, pois ela não tem outra para se comparar. Ela é privada de
cada sujeito. Sua característica é o equívoco da língua. Segundo Milner, a linguagem
empresta a alíngua os traços para que a mesma fique compatível a uma classe e a insere na
língua. Nesse sentido podemos pensar que a alíngua é ao mesmo tempo linguagem, língua,
fala, escrita? Continuando com Milner, o mesmo indica que a alíngua é algo pelo qual de um
só movimento, existe língua e inconsciente.

Sabemos que o campo freudiano é co-extensivo ao campo da palavra. Mas sabemos


também que a palavra não diz tudo, pois há um impossível que é próprio da língua. Há sempre
“os diga, mas não diga”, algumas regras, usos de ditos de outra forma, ou seja, o “real”. De
acordo com Milner: “Este real, o ser falante tem de se arranjar com ele: o que há de espantoso
que ele tente, no sentido próprio, domesticá-lo, com esta ciência que se diz gramática, com
esta ciência que se diz lingüística?” (MILNER, 1987, p. 07).

3.1.3. Os novos sintomas e o último ensino de Lacan

O último ensino de Lacan, tal como o apresenta a leitura que Jacques Alain Miller
vem realizando, vem nos mostrar as vias por onde se sustenta essa nossa prática na contramão
do sentido freudiano, ou seja, do reino do pai, da consistência do Outro, contra até no que “a
psicanálise tem sustentado como elaboração de saber para fazer do Pai e do semblante um uso
que permita renovar o sentido do sintoma”. (TARRAB, 2006, p. 03).
Para Freud, o deciframento é chave do sintoma. No entanto, esse deciframento
fracassa quando pensamos nos novos sintomas, pois estes rechaçam o inconsciente e
prescindem do Outro. É importante destacar que devemos ter cautela para não homogeneizar
o que dos sintomas da atualidade são chamados “novos sintomas”. Em cada um desses
sintomas existem suas particularidades e diferenças e até porque Lacan já chamava os
sintomas que não se enquadravam na ordem simbólica como mensagem, uma “operação
selvagem do sintoma”. (TARRAB, 2006, p. 06). Ainda segundo Tarrab, preservar a
89

heterogeneidade é uma orientação para o tratamento desses sintomas que não pedem nada,
que são fixações de gozo. Pois não podemos negligenciar esses fenômenos que até parecem
estar fora do dispositivo analítico

Em sua conferência intitulada Uma fantasia, Jacques-Alain Miller (2005) usou este
termo crucial: “inventar a prática lacaniana de nossos dias”.

Para pensar os novos sintomas e como fica a relação inconsciente e linguagem, já


anunciamos no capítulo anterior a noção de sintoma no último ensino de Lacan quando o
mesmo diz que o sintoma embora não seja a mesma coisa que o real ele é o que vem do real.
É a manifestação do real nos seres falantes.

Na fase final de seu ensino, a estrutura clínica que Lacan vai tomar por base nas suas
inovações teóricas é a psicose, não como um déficit e sim como parte da estruturação
subjetiva. Nesse percurso a noção de sujeito que sempre teve importância no seu ensino,
ganha mais destaque.

Desde que se propôs a reler Freud bebendo na fonte da lingüística e na antropologia,


Lacan descobriu a eficácia simbólica termo emprestado de Lévi-Strauss. O que essa noção
quer dizer? Ela introduz na causa significante S1-S2/$, o efeito sujeito, que é uma operação
automática da cadeia. Este se produz porque se fala, porque se é sujeito de linguagem.
Pensando nos sintomas atuais como aqueles que não têm um endereçamento ao Outro,
como se o saber já estivesse lá, como acontece na psicose, mesmo não se tratando de psicose,
e sim de casos singulares independentes de sua estrutura clínica, a idéia principal que
devemos levar em conta é a de que sempre há um sujeito e não buscarmos uma primeira
orientação através das estruturas, ou seja, direcionar o tratamento a partir da estrutura clínica,
ou seja, se é um caso de neurose, psicose ou perversão, isso negligenciaria o sujeito em
questão, isto é, a experiência particular de cada um. Por exemplo: Um neurótico obsessivo é
diferente de outro obsessivo e assim por diante.
Se há sempre sujeito porque existe linguagem e se o sujeito da psicanálise é o sujeito
do inconsciente, nos novos sintomas isso não aparece, melhor dizendo, não se apresenta nem
o sujeito e nem um sintoma, apesar de terem sidos nomeados esses casos de “novos
sintomas”. No entanto, não podemos dizer que estes estão fora da linguagem. Ficamos num
impasse. O sujeito da psicanálise é o do inconsciente e a condição de sua existência é a
linguagem. O sintoma segundo Lacan é uma manifestação do real e se caracteriza por uma
formação do inconsciente. Podemos então pensar que os novos sintomas é uma manifestação
de um inconsciente real? Seguindo nesse raciocínio, que linguagem é essa de um inconsciente
90

real? Ainda podemos estabelecer uma relação entre inconsciente e linguagem?


Dessa forma nos deparamos com uma dificuldade na clínica. A uma primeira clínica,
do inconsciente estruturado como uma linguagem e da metáfora paterna, sucedendo uma outra
clínica, além do inconsciente freudiano e do Nome-do-Pai. Este é o corte que observamos no
primeiro ensino lacaniano onde se localiza o paradigma da estrutura rumo a uma outra leitura
do inconsciente, do sintoma e conseqüentemente uma outra concepção da linguagem.

Mais tarde em 1971, no seminário 20, Mais ainda, Lacan (1985c, p. 25) diz num
capítulo dedicado a Jakobson. “Um dia percebi que era difícil não entrar na lingüística a partir
do momento em que o inconsciente estava descoberto”. No entanto, ele diz fazer uma única
objeção a Jakobson, quando este afirma que tudo que é da linguagem dependeria da
lingüística, enfim, do lingüista. E argumenta:

Se consideramos tudo que, pela definição da linguagem, se segue quanto à


fundação do sujeito, tão renovada, tão subvertida por Freud, que é lá que se
garante tudo que de sua boca se afirmou como o inconsciente, então será
preciso, para deixar a Jakobson seu domínio reservado, forjar uma outra
palavra. Chamarei isto de lingüisteria (LACAN, 1985c, p. 25).

O neologismo lingüisteria pode ser pensado como uma condensação das palavras
lingüística e histeria, já que a lingüística é do campo da linguagem e a histeria a estrutura
clínica psicanalítica que diz do sujeito do inconsciente por excelência. Também, é uma
referência a condutas próprias desprezadas, como pirataria, escroqueria, trapaçaria, etc.

A lição do seminário XX dedicada a Jakobson, na verdade diz Milner, é um adeus a um


antigo discurso, ao relatório de Roma de 1953, que resultou no seminário V As formações do
inconsciente. Jakobson, que estava presente diz “mudamos de discurso” e Lacan repete “um
novo amor”. (MILNER, 1996, p. 133).
Podemos dizer que é este seminário que inaugura o segundo ensino de Lacan. O Mais
ainda é para dizer que seu ensino mesmo distinto do primeiro, ao mesmo tempo se vincula a
este.
Ainda numa seção desse mesmo seminário, Lacan ressalta que seu dito de que o
inconsciente é estruturado como uma linguagem não é do campo da lingüística; esta lhe deu o
suporte de que precisava para a comprovação da estrutura linguajeira do inconsciente.

O termo lingüisteria surge para substituir o que anteriormente cabia à lingüística, mas
que pela alíngua se modifica. O termo aborda a questão da significação em diferença ao
sentido, ou seja, há uma direção do sentido para a letra. A lingüisteria parece estar mais para a
91

relação necessária que o analista tem com a linguagem, e que é irredutível à lingüística. “A
lingüisteria estaria relacionada com a realidade contingente da linguagem enquanto fundante
do sujeito, porém, ela mesma, dependendo da alíngua”. (LEITE, 2001, p. 07).
Se for para supor um sujeito da lingüística, este é o sujeito que fala, o que vem do
pensamento através do processo secundário. O sujeito da lingüisteria é o “parlêtre”, um ser
incompleto, por isso Lacan dizer que a lingüisteria exige a experiência analítica para sustentá-
la, sublinhando em 1971, que não há outra lingüística além da lingüisteria. Mas que isso não
quer dizer que a psicanálise seja toda do campo da lingüística, conclui o psicanalista francês.
O avanço do ensino de Lacan, a partir deste momento, demonstra um esforço em
formalizar uma materialidade para o inconsciente, e conseqüentemente da causa do sujeito,
operando assim uma mudança radical no uso que fazia do termo linguagem. Mais tarde este
esforço se concretiza, quando vai utilizar a concepção de “letra” e abordá-la como um
significante fora do simbólico.
Em 1973, no texto Aturdito, Lacan diz que a estrutura é o real que abre caminho na
linguagem.
Se, no início, Lacan colocou em evidência o significante como materialidade da
linguagem, constitutivo do inconsciente, pertencente ao registro simbólico e aquele que
representava o sujeito para um outro significante, parece-nos que no seu último ensino, a
formalização de um inconsciente constituído pela letra, não mais pelo significante,
compromete a estrutura de linguagem do mesmo. Nessa perspectiva, seria uma linguagem de
outra ordem. Mas se seguimos o pensamento de Lacan que nessa fase final de seu ensino vai
da linguagem para alíngua e do significante para a letra, essa passagem nos indica uma
mudança no que ele disse sobre estrutura e sobre linguagem.
Nesse sentido, podemos pensar um inconsciente estruturado como alíngua e que se
revela pela letra, por uma escrita? Como se expressam essas formações do inconsciente
através de uma letra? O que dizer do inconsciente revelado por uma letra? Como pensar uma
interpretação no nível da alíngua?
Essas questões são bem colocadas quanto ao objetivo a ser atingido por essa
dissertação, ou seja, tentar responder qual é a estrutura de linguagem do inconsciente na
perspectiva demonstrada pelos novos sintomas.

Caminhando com Milner, este diz que a letra não é o significante, a distinção entre
eles ficou um pouco confusa no primeiro Lacan, isso se esclarece mais no segundo ensino. O
lingüista elenca assim as diferenças entre letra e significante:
92

O significante é apenas relação: ele representa para e é aquilo através do quê


isso representa; a letra mantém, decerto relações com as outras letras, mas
ela não consiste apenas em relação. Sendo apenas relação de diferença, o
significante é sem positividade; mas a letra é positiva em sua ordem. A
diferença significante sendo anterior a toda qualidade, o significante é sem
qualidades; a letra é qualificada (ela tem uma fisionomia, um suporte
sensível, um referente, etc.). O significante não é idêntico a si, não tendo um
si a que uma identidade possa ligá-lo; mas a letra, no discurso em que se
situa, é idêntica a si mesma. O significante sendo integralmente definido por
seu lugar sistêmico, é impossível deslocá-lo; mas é possível deslocar uma
letra(testemunha a teoria dos quatro discursos). (MILNER, 1996, p. 104).

3.1.4. Os novos sintomas: entre a linguagem e a alíngua, entre o simbólico e o real

Ao longo dessa pesquisa, vimos procurando demonstrar a relação existente entre


linguagem, sintoma e inconsciente para chegar aos novos sintomas como paradigma de um
inconsciente revestido por uma nova leitura a partir da segunda clínica de Jacques Lacan. É
importante destacar que, essa outra leitura não descarta totalmente a primeira elaborada por
este psicanalista quando disse ser o inconsciente freudiano estruturado como uma linguagem.
Queremos dizer com isso que Lacan, mesmo dizendo só ter passado pela lingüística, esta
ciência marcou todo o seu ensino, fazendo-nos pensar que a sua leitura sobre inconsciente,
definido como alíngua, não se distancia tanto assim nem do conceito freudiano enquanto da
ordem simbólica e nem estaria excluído do campo da lingüística, enquanto fazendo parte de
uma língua como qualquer outra.
É importante destacar que o próprio Lacan numa conferência em Caracas (1980), um
ano antes de sua morte, dirigiu-se ao público nesses termos “vocês podem se dizer lacanianos,
eu sou freudiano”. Se ele se denominou freudiano até o fim de sua vida, podemos continuar
pensando que seu conceito sobre o inconsciente permanece no campo da linguagem e com
Lacan e ou num mais além dela. É verdade que a relação é diferente, mas isso não quer dizer
que não mais exista uma conexão entre inconsciente e linguagem. O inconsciente é redefinido
por Lacan como alíngua porque esta sinaliza a particularidade de cada sujeito, mas, e
principalmente, porque esta comprova que há um impossível inerente à língua, um real. Se o
inconsciente é o real da língua e esta para Saussure é o objeto da lingüística, por que não
podemos pensar o inconsciente como um fenômeno lingüístico? Sabemos que o que ia além
da língua não era do interesse de Saussure, isso não quer dizer que o lingüista não via falha na
língua, esse fato ia além de seu campo de estudo. Esse além do objeto da lingüística interessa
93

ao campo da psicanálise porque implica a questão do sujeito, sujeito este do inconsciente.


Seguindo Lacan quando este define o inconsciente como alíngua, podemos pensar que
esta definição sustentaria o que o inconsciente tem de lingüístico, enquanto real da língua?
Até porque o termo alíngua não trata de uma negação da língua, mas no que ela marca de não-
toda.
Os novos sintomas, podemos dizer, não são tão novos como pensávamos, no início
deste capítulo já vimos que a este fenômeno Lacan chamava “operação selvagem do
sintoma”. A cada época certamente vamos ter operações selvagens de sintomas.
Neste ponto concordamos com Ana Maria Rudge no seu artigo As teorias do sujeito
contemporâneo e os destinos da psicanálise (2006). Esta autora e psicanalista, diz que
devemos ter cuidado para não criar uma teoria sobre os novos sintomas e dessa forma resultar
numa teoria da subjetividade contemporânea. Na verdade, o que devemos fazer é buscar
recursos teóricos para compreender os fenômenos atuais, pois como já sublinhamos, os
sintomas contemporâneos vão ser sempre contemporâneos de acordo com a especificidade de
cada cultura e de cada época. É de fundamental importância organizar um saber teórico
coerente na tentativa de abarcar a problemática em questão.
O sujeito ao qual a psicanálise se dedica, não é nada mais, nada menos, do que o
sujeito da ciência e, portanto, o da civilização ocidental. Entretanto, um sujeito e suas
singularidades ultrapassa sempre as construções teóricas sobre ele.
A prática clínica foi o que nos impulsionou a fazer essa pesquisa teórica. Freqüentes
sintomas rotulados como depressão, compulsões, e dependências ao mundo virtual da
internet, na maioria adultos jovens e adolescentes, que não conseguem expressar um saber
sobre o que sentem. O que dizem é de algo que acontece no corpo, ou que está gordo, ou que
está magro, ou dormem demais, ou que não conseguem dormir e ficam na internet, sentem
tremor, medo, pensam demais, fazem cirurgias plásticas, colocam próteses, etc.
Lacan pergunta no seminário 20, o que é que pode ser o saber dos que não falam? E
questiona o que é o saber, lembrando a experiência do ratinho no laboratório. Acredita-se, diz
ele, que o rato vai mostrar a sua capacidade de aprender. Para apreender o que? O que lhe
interessa. E o que é que se supõe que interessa a esse animal? Pergunta Lacan. Ao
observarmos um rato no laboratório, compreendemos imediatamente seu comportamento:
procurar o alimento, evitar a dor, etc. Mas um homem, isso fala, o que complica tudo. Os
homens não são ratos, neles o gozo se realiza por intermédio de fantasias. O rato não é
tomado como ser, diz Lacan, mas só como corpo, então seu ser e seu corpo são a mesma
coisa.
94

O ser falante é afetado pelo inconsciente, é aquele que constitui o sujeito do


significante e este representa um sujeito para outro significante, afirma Lacan. O que o
significante define é a sua diferença para com outro significante. “É a introdução da diferença
enquanto tal, no campo, que permite extrair da alíngua o que é do significante”. (LACAN,
1985c, p. 194). O significante insiste Lacan, é signo de um sujeito e é nisso que ele se torna
ser. E aí vem a questão central para Lacan: O que é o corpo então? “É ou não é saber do um?”
(LACAN, 1985c, p. 195). O saber do um, responde Lacan não é do corpo, é do significante
Um, o significante mestre que faz a unidade do sujeito com o saber. No entanto, esse
significante Um, Lacan diz que não é um significante qualquer. Ele é a ordem que faz toda a
cadeia subsistir, encarnando na alíngua aquilo que resta indeciso entre o fonema, a palavra, a
frase e em todo o pensamento.

3.1.5. Os novos sintomas e o inconsciente real

Jacques Alain Miller, genro de Lacan e responsável pela transcrição e publicação de


seus seminários, foi o fundador da Associação Mundial de Psicanálise, com sede em Paris.
Essa instituição comporta diversas Escolas do Campo freudiano de orientação lacaniana em
vários países, inclusive o Brasil. A cada ano, Miller elabora um curso sobre um novo
seminário de Lacan publicado. O curso do ano de 2007 chamou-se “O Inconsciente Real” e
neste ele faz muitas referências ao seminário, livro 23, O sinthoma publicado em 2007. Nesse
seminário, Lacan dá uma ortografia nova à palavra sintoma que, segundo Miller, no seu curso
sobre o inconsciente real em 2007, não é mais uma formação do inconsciente, tendo uma
relação com este muito mais complexa e diferente. O sinthoma, para Lacan, é o que há de
mais singular em cada ser falante. Nesse sentido, podemos pensar para não deixá-lo fora da
linguagem, como estruturado como alíngua. Mais tarde, no seu seminário 24: L’une-bévue
ainda não publicado em livro, mas citado por Miller nesse seu curso de 2007, há uma outra
inovação no seu último ensino, quando diz que o inconsciente não é o que o sujeito tem mais
de singular, pois para apreendê-lo ele precisou alojar ao grande Outro. O sinthoma nessa nova
concepção se aloja ao UM. Lacan define nesse seminário o UM pelo sinthoma. Opondo este,
como ainda diz Miller, ao inconsciente. Isso quer dizer, ele introduz algo que vai mais longe
do que o inconsciente.
No seminário O sinthoma, no capítulo nove, intitulado Do inconsciente ao real, Lacan
95

afirma: “É pelo fato de Freud ter verdadeiramente feito uma descoberta, que se pode dizer que
o real é minha resposta sintomática”, acrescentando ainda: “Digamos que é pelo fato de Freud
ter articulado o inconsciente que reajo a ele”. (LACAN, 2007, p. 128).
O centenário do nascimento de Lacan, em 2001, foi a oportunidade que seus
seguidores encontraram para lançar na França uma coletânea de textos resultando no livro
Outros escritos, publicado aqui no Brasil em 2003. Neste livro, no final dele há um artigo
intitulado “Prefácio à edição inglesa do seminário 11” que Lacan inicia com essas palavras:
“Quando o esp de um laps já não tem nenhum impacto de sentido (ou interpretação), só então
temos certeza de estar no inconsciente”. (LACAN, 2003, p. 567). Segundo Miller, essa frase
“o esp d’um laps” pode ser distorcida um pouco no sentido de dizer “o inconsciente é o real”,
no entanto ele acrescenta que essa proposição não é nada evidente, que precisa ser meditada.
O texto sobre o espaço de um lapso foi escrito logo depois do seminário do Sinthoma em
maio de 1976.
Voltemos a 1956, quando Lacan diz em “resposta ao comentário de Jean Hypolite
sobre a Verneinung de Freud”. Aquilo que, uma vez cortado de toda manifestação simbólica,
reaparece “erraticamente”. Essas manifestações erráticas, valorizadas na psicose, já aparecem
em Lacan no que ele chamou “real sem lei”, isto é, um real separado do simbólico e que o
supera. Algo sem lei, sem sentido sempre foi enfatizado por Lacan. Segundo Miller, o que o
espaço de um lapso quer dizer é sobre uma disjunção entre o inconsciente e a interpretação,
ele afirma que há uma exclusão entre estas duas funções no que se refere ao inconsciente. Há
uma desconexão entre o significante do lapso e o significante da interpretação.
A operação psicanalítica se dá no estabelecimento S1-S2 da transferência, S1 sendo o
significante da transferência em seu laço com S2 um significante qualquer. Desse laço se
produz o sujeito suposto saber, em posição do significado abaixo da barra colocada sob o
significante. Assim representado:
S → Sq
_____________________

s (S1, S2, ...Sn)

Lacan quando traz essa questão do espaço de um lapso, S1-S2, tem uma outra
configuração, ou seja, não há mais uma conexão nesse esquema. Ele insiste que só se tem
certeza que há inconsciente quando não acontece essa conexão antes dita transferencial. Isso
muda tudo porque nega o inconsciente sob transferência. Miller retomando um termo
sartreano, um “em-si” (en soi) diz que, quando há transferência há um sujeito com status de
96

“para si”. Este “si” é para “consigo próprio”, é sozinho. Quem é este “si/consigo”, que não
tem sentido nenhum, nem interpretação? Pergunta Miller. É um saber do sozinho, do consigo
(du soi), um ser cortado, estranho acrescenta Miller. O que é isso que incide sobre o lapso?
Miller nos diz que é um “prestar atenção”, pois não há o eu (je) ou eu (moi) como sujeitos do
verbo.
A operação analítica, nessa perspectiva, será exercida por uma forma de apreender
essa atenção no espaço de um lapso e essa atenção continua Miller, condiciona a associação.
A associação livre, regra primeira da psicanálise, só acontece se houver um analista. O pivô
para fazer essa atenção funcionar é o sujeito suposto saber, ou seja, só acontece associação
livre a partir da atenção do analista, como se ele ajudasse a mesma surgir. Se é assim que
acontece, a associação livre não é tão livre assim, ela libera uma verdade falhada, ou uma
falsa verdade. Segundo Lacan, não há verdade que ao passar pela atenção não minta. Nesse
sentido, o pivô não é mais o analista e sim o UM-sozinho.
Em 1975, Lacan ao se dirigir ao público americano nos Estados Unidos, disse que não
estava absolutamente provado que as palavras eram o único material do inconsciente,
explicou que nunca disse que o mesmo era uma reunião de palavras. O que ele estava
querendo dizer nesse seu ultimo ensino, era que existia alguma coisa que não era um
significante, mas que mesmo assim pertencia ao inconsciente. A isso ele denominou de
objeto, objeto causa de desejo.
Esta nova leitura do inconsciente, fora do significante, muda a definição de estrutura
que, se antes era pensada somente organizada pelo Simbólico, no último ensino de Lacan ela é
entendida como um Simbólico organizado por um Real.
Com isso, a prática da clínica se desloca para a intervenção do analista apontando para
o intervalo da cadeia, ou seja, o que acontece entre S1 e S2, o que acontece no espaço de um
lapso. A prática da psicanálise lacaniana em seu primeiro tempo tinha como referência o
retorno da articulação de S1 e S2 fazendo um efeito de verdade. O esp de um laps, do qual
fala Lacan no livro Os Outros Escritos já citado, isola desse esquema o valor de S1 sozinho,
sem efeito de verdade. E o que acontece quando não há alcance de sentido nem interpretação,
o S1 fica desarticulado. Para Lacan, o verdadeiro depende da crença em uma articulação. No
seminário o Sinthoma (2007) ele tenta tirar a psicanálise da crença do verdadeiro, quer livrá-la
dessa posição. Segundo Miller, a crença no verdadeiro é o que há de comum entre psicanálise
e religião. A verdade da psicanálise só tem uma palavra, é o real. Ela tem a ver com o real
enquanto impossível de dizer toda, a verdade é não-toda para a psicanálise lacaniana. E no esp
d’um laps, Lacan insiste em dizer que o verdadeiro está à deriva quando se trata do real.
97

Continuando nesse raciocínio, podemos pensar que a estrutura do inconsciente nesse


ultimíssimo Lacan estaria no intervalo entre S1 e S2? A prática analítica nesse sentido se
torna uma prática de atenção para uma leitura e não mais de interpretação, é um exercício de
se ler o que está nesse intervalo. O inconsciente estaria estruturado numa escrita que existe
nesse espaço de um lapso? Pois o que o intervalo da cadeia impõe é da ordem do sem-sentido.
O desafio seria então apreender esse sem-sentido e procurar fazer uma leitura a partir
disso, ou seja, captar o real dessa língua, enfim captar a alíngua.
Na atual civilização, podemos dizer, retomando o pensamento de Miller no seu texto
Uma fantasia (2005), já citado nesse trabalho, quando o mesmo ressaltou que houve duas
metáforas, a da agricultura pela indústria e a da natureza pelo real, uma terceira metáfora
poderia ser construída a da passagem da estrutura de linguagem do inconsciente como
simbólica, para uma outra estrutura com estatuto de real, revelada pelos novos sintomas. Essa
terceira metáfora seria evidentemente um desdobramento da segunda e não uma exclusão da
mesma.
Nos últimos anos do seu ensino, Lacan fará algumas modificações importantes, todas
elas referentes à relação do Real com o Simbólico. Ainda no seminário, O sinthoma (2007), já
citado, no capítulo nove, Lacan diz que inventou o que se escreve como real. Diz que até
muitas pessoas o escreveram antes dele, mas sua escritura sobre o real tem a forma do nó
borromeano, uma cadeia de três elos formada por um só fio denominados de Simbólico,
imaginário e real entrelaçados. Este nó é a maneira como se nodula os elos formando um nó
de trevo e ocupa um lugar particular na teoria lacaniana. Essa cadeia borromeana “é uma
cadeia tal que, se cortarmos qualquer um dos seus anéis, todos se desligam”. (LAFONT,
1990, p. 127). Com essa leitura, Lacan importa um aparelho que não é da psicanálise
freudiana e sim da matemática e da lógica se mostrando, no entanto, adequado para trabalhar
as noções freudianas. O uso analítico que Lacan faz dessa escrita está mais explicado no
Seminário RSI, ainda inédito. O psicanalista francês disse que esse esquema do nó caiu como
um anel para o seu dedo. Todo seu esforço no seminário RSI no fim do seu ensino “é no
sentido de dizer, nomear, escrever, formular, criar as palavras que convêm para falar das
relações que o Simbólico, o Real e o Imaginário mantêm entre si”. (LAFONT, 1990, p. 136.).
Citamos esta autora: “Trata-se de depreender as relações que mantêm entre si o Real, o
Simbólico e o Imaginário, e elas se definem respectivamente pela existência, pelo furo e pela
consistência”. (LAFONT, 1990. p. 138). O três elos, segundo Lacan só se compreendem nas
suas relações, na sua nodulação. Esta escrita ele vai utilizá-la para dizer que tem a ver com a
criação do sentido e de suas relações com o inconsciente e o sintoma, o que nos interessa
98

particularmente, ou seja, quando inserimos nesse ponto a questão do inconsciente real como
da ordem da letra, que diferente do significante, ela é, segundo Milner, manipulável e
transmissível à letra, citando este lingüista:

Transmite aquilo do que ela é, no meio de um discurso, o suporte; um


significante não se transmite e nada transmite: ele representa, no ponto das
cadeias onde se encontra, o sujeito para um outro significante. O significante
não pode ser instituído; seja ele arbitrário (Saussure) ou contingente (Lacan).
(MILNER, 1996).

Enfim, diz Milner que o significante deriva do registro do Simbólico, enquanto que a
letra derivando da instância do real vincula os três anéis, que são heterogêneos. Abrimos este
parêntese para dizer da importância da escritura do nó borromeano como aparelho adequado
como disse Lacan no auxílio para compreensão das noções freudianas, no nosso caso em
particular o inconsciente. Mas que para continuarmos seguindo por esse caminho, teríamos
material para uma outra dissertação.

Mesmo com esse recurso importado do nó borromeano, o texto de Freud para Lacan
sempre foi sua principal fonte.
Foi por ter seguido o texto de Freud na sua literalidade, que Lacan conseguiu observar
que o pai da psicanálise distinguiu um outro movimento do inconsciente diferente do
recalque. Freud usou a palavra verwerfung, que mais tarde o discurso analítico traduziu como
sendo foraclusão. Esse termo, diz Miller, serve para dizer sobre uma abolição simbólica, bem
como uma falta no significante. Portanto, Freud já se apercebia de um elemento inexistente,
“dado que, para ele, tal como o traduz Lacan, o simbólico é uma condição de existência na
realidade”. (Miller, 2006). Isso quer dizer, segundo este psicanalista, que o que não está
escrito no simbólico in-existe. No seminário o Sinthoma Lacan afirma que a simbolização é a
condição para que haja existência, para que algo venha a ser para o sujeito.
Se dissemos que os novos sintomas nos revelam uma foraclusão do simbólico,
indicando-nos que não existe um retorno do recalcado, então, como fica o estatuto do sujeito
nesses fenômenos? Miller nos ajuda a pensar quando diz que mesmo assim algo advém disso
que está foracluído para o sujeito e que para Lacan esse algo que emerge sem a forma de
retorno do recalcado, sem retorno daquilo que faz parte da história do sujeito é o real e não a
história, fazendo dessa forma uma diferença entre história e real, distinção fundamental
presente no pequeno texto onde se refere ao l’esp d’um laps. Lacan faz essa distinção quando
começa pensar a psicanálise a partir do real e a história nessa perspectiva é um fenômeno de
99

interpretação.
Pensar a partir da história permite a articulação entre S1 e S2 e uma relação com o
Outro, o que não parece ser o caso dos sintomas atuais. Miller nos diz no seu curso O
inconsciente é real, que o retorno do recalcado pode se pensar como um retorno legal e o que
aparece no fenômeno onde o simbólico está foracluído é de uma outra dimensão, aparece no
real, isto é, de forma ilegal, erraticamente como diz Lacan. É algo que acontece em forma de
resistência sem transferência, algo que não é para o Outro. É para o sujeito sozinho, só ele que
sabe, consigo, tal como enfatiza Lacan no Prefácio da edição inglesa do seminário onze.
Para concluir, podemos dizer que, ao desenvolver essa pesquisa teórica para
compreender o movimento dos novos sintomas, encontramos em Lacan, na última fase do seu
ensino, uma teoria do inconsciente elaborada não a partir da histeria e da história como foi
com Freud, mas, como já dissemos anteriormente nesse mesmo capítulo, uma teoria a partir
da psicose, ocorrendo assim como diz Jacques Alain Miller, uma reviravolta no seu ensino.
Esse indício já existia mesmo antes desse escrito O esp d’um laps, desde que Lacan, ainda
jovem evoca a personagem Aimée na sua tese de psiquiatria, penetrando assim na obra de
Freud pela via da psicose. No começo da psicanálise com a histeria e com a história, supõem
uma simbolização, ao passo que na psicose é real aquilo que sofreu a operação de foraclusão
do simbólico. Nessa perspectiva, observamos que os novos sintomas nos colocam frente a
frente histeria e psicose, tornando nossa prática um desafio, uma prática que põe em jogo o
real. Um real separado da fala, um real que nada espera da fala, diz Lacan no Sinthoma, um
real que fala sozinho. Adianta Miller que não é nem um significante que falta, pelo contrário,
é uma significação tão estranha que o sujeito não consegue comunicá-la ao Outro.
Enfim, o inconsciente, diz Lacan, é o testemunho de um saber e um saber que muitas
vezes escapa ao falante. Aquele que fala nos dá a oportunidade de observar os efeitos da
alíngua. O ser falante sempre apresenta afetos cheios de enigmas. Estes afetos enigmáticos
são presentificados pela alíngua, que articula coisas que vão muito além daquilo que o falante
suporta de saber no seu dito. O inconsciente é um saber fazer com isso, um saber fazer com a
alíngua como já dissemos. Esse saber fazer com a alíngua vai muito além do que a linguagem
dá conta.
100

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta expressão “considerações finais” nos dá uma certa garantia de que não estamos
concluindo, entende-se dessa forma que não é possível concluir, nem fechar, fazer afirmativas
ou negações referentes ao tema da pesquisa, pelo contrário, estamos apenas apresentando
nossas últimas considerações acerca das hipóteses levantadas nessa proposta de trabalho.

As questões aqui expostas foram centradas na relação entre psicanálise e linguagem,


que não é nada fácil como já anunciamos já na introdução, pois manuseamos os conceitos
lingüísticos e psicanalíticos numa tentativa de aproximá-los e essa tarefa, além de ser ousada,
é extremamente delicada.

Falar de dois campos tão amplos e tentar delimitá-los foi um desafio incontestável. A
sensação é que não conseguiríamos colocar um ponto final porque desencadeia um
movimento quase metonímico, de “não cessar de se inscrever”. Pensando assim foi necessário
dar um ponto de basta.

Muito do que pensamos trabalhar se deu com uma certa frustração em não poder
aprofundar mais um pouco, não só pela questão do tempo que nos é estabelecido, mas
também pela atualidade do tema, cujas discussões teóricas muito ainda estão sendo
construídas. Por isso, com relação a um tema tão novo, há de nossa parte algumas limitações
que nos satisfazem na forma de questões que ficarão em aberto, esperando que outros tempos
possam colaborar para as suas respostas. Acreditamos que mesmo assim, as questões que aqui
foram apresentadas rapidamente tiveram a sua importância dentro do contexto.

Os novos sintomas e a relação do inconsciente com a linguagem, tema escolhido para


nossa pesquisa, foi resultado de nossa inquietação na prática com a psicanálise que tem como
instrumento principal a fala e a linguagem. Através dessa experiência, não só no espaço
clínico, bem como no que assistimos na sociedade e na cultura atual o que o ser falante traz
consigo e o que vivemos, como nos diz o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (2004), é uma
misteriosa fragilidade dos laços humanos. A conseqüência dessa realidade, ainda segundo o
sociólogo, é uma forte insegurança que incita desejos conflitantes de estreitar esses laços e ao
mesmo tempo mantê-los frouxos.

O primeiro capítulo dessa dissertação teve o propósito de apresentar uma constatação


do inconsciente como uma linguagem antes mesmo de Freud falar sobre inconsciente através
101

de seus estudos com as afasias. Destacamos clássicos textos freudianos que comprovam essa
realidade. Cada artigo que o mestre austríaco escrevia observava-se gradativamente seu
afastamento da medicina, mergulhando assim no campo da linguagem até chegar a publicar
um artigo sobre a grande descoberta do inconsciente.

A partir dessa constatação abrimos várias questões sobre as estruturas de linguagem


que possuem as diversas formações do inconsciente e suas aproximações com alguns
conceitos lingüísticos como signo, significante e outros.

As Interrogações continuam no segundo capítulo com relação ao sintoma em Freud e


Lacan, que como uma das formações do inconsciente tem uma linguagem e sentido nos
fazendo recorrer aos mecanismos lingüísticos da metáfora e metonímia, retomados por Lacan
na leitura que o mesmo fez de Jakobson.

As questões assumem certamente formas mais insistentes e mais complexas no último


capítulo, quando tratamos da questão central desse trabalho, ou seja, os novos sintomas onde
sentimos necessidade de idas e vindas ao começo e ao último ensino de Lacan, provocando
hesitações justamente no que diz respeito entre a relação do inconsciente com a linguagem e a
lingüística, principalmente como ficam estas relações? Tentamos responder a esta
interrogação trazendo questões com alíngua e sobre o inconsciente real. Na nossa construção,
o inconsciente nos novos sintomas permanece tendo uma estrutura de linguagem, mas que vai
além dela, possuindo estatuto de alíngua, portando além do simbólico tomando a forma de
real.

Acreditamos não ter resolvido esse problema, a busca, entretanto, não terá sido
infrutífera. Ela se desenvolveu da maneira que deveria ser, isto é, tentando atravessar a
barreira que existe entre a lingüística e a psicanálise, não forçando seus portões e nem abrindo
demais.

Um caminho nos foi oferecido, a linha de pesquisa Sujeito, Linguagem e Psicanálise


no Departamento de Letras. Apostamos nesse encontro que não tem a pretensão jamais de
fundir as duas disciplinas, as aberturas foram feitas, mas os muros tanto da lingüística quanto
da psicanálise permanecem fortes, cada um com seus alarmes de proteção.
102

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