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JEAN-PAUL AUFFRAY

,
OATOMO

INSTITUTO
PIAGET
Título original
L'Atorne

Autor
Jean-Paul Auffray

Colecção
Biblioteca Básica de Ciência e Cultura,
sob a direcção de António Oliveira Cruz

Tradução
Elsa Pereira

Capa
Dorindo Carvalho

Copyright
Flamrnarion, 1997 - Collection DOMINOS

Direitos reservados para Portugal:


INSTITUTO PIAGET, Av. João Paulo II, lote 544, 2. 0 - 1900-726 Lisboa
Telef.: 21 831 65 00
E-mail: piaget.editora@mail.telepac.pt

Fotocomposição e impressão
Gráfica Manuel Barbosa & Filhos, Lda.

ISBN: 972-771-462-5
D epósito legal: 173 528/01

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qualquer processo electrónico, mecânico ou fotográfico, incluindo fotocó-
pia, xerocópia ou gravação, sem autorização prévia e escrita do editor.
Jean-Paul Auffray. Depois dos estudos superiores na Univer-
sidade de Colúmbia de Nova Iorque, Jean-Paul Auffay desen-
volveu investigações em física teórica, nomeadamente a respeito
do átomo, no prestigiado Courant Institute of Mathematical
Sciences, fundado em Nova Iorque pelos matemáticos da univer-
sidade de Gõttingen emigrados nos Estados Unidos desde a
Segunda Guerra Mundial. Defende a ideia de que os dados da
ciência são mais acessíveis se os abordamos num contexto do seu
desenvolvimento histórico, que passa por imensos desvios por
vezes instrutivos.
Depois de O Espaço-Tempo, livro de história e de ciência
publicado em 1996 (Flammarion, cal. «Dominas»), O Átomo é o
seu segundo livro escrito para o grande público.
Para a Jeanette,
este livro que ela nunca lerá,
mas de que foi a alma.
NOTA. - Os termos relacionados com um vocabulário
especializado e explicitados no glossário
são seguidos por um * quando surgem pela
primeira vez.
8
Prefácio

Todas as coisas, diz Demócrito, são consti-


tuídas por átomos toscos ou polidos, recurvados
ou retorcidos , e pelo vácuo que se encontra
entre eles .
CíCERO
Primeiras Académicas

ou realidade? O átomo, durante vinte e


M ITO
cinco séculos, foi imaginado, analisado, des-
crito, explorado, explodido, depois cavado, imobili-
zado, acelerado, despojado, combinado ... e finalmente
banalizado.
Ao longo das páginas deste livro, tentando ser o
mais verdadeiro possível, esforçar-nos-emos por resti-
tuir ao átomo um pouco do mistério e da poesia que
lhe são próprios. O átomo presta-se a isso. Porque é
misterioso como a pirâmide de Quéops, suspenso
como os jardins da Babilónia, fundo como o colosso de
Rodes, insólito como o túmulo de Mauso léu, domi-
nador como a estátua criselefantina de Zeus Olímpico,
frio como o templo de Artemisa em Éfeso, brilhante
como o farol de Alexandria. Numa palavra, o átomo é
uma e todas as maravilhas do mundo.
N a primeira parte da obra, aprenderemos primeiro
a conhecer esses espantosos Abderitas, contempo-
râneos de Platão e de Sócrates, familiares do rei da g
Pérsia, que, no século v antes da nossa era, inventam
o nada, imaginam «entidades indivisíveis» dotadas de
ritmo, e forjam a palavra «átomo».
Veremos seguidamente como é que, na esteira de
Gassendi, de Lavoisier e de Dalton os químicos
tomaram progressivamente consciência da existência
do átomo, no sentido em que entendemos a palavra
hoje. Depois estudaremos o papel desempenhado pela
descoberta da estrutura granulosa da electricidade
antes de nos interessarmos pelo «átomo dos físicos », a
mais bela flor da física contemporânea.
Na segunda parte, tentaremos entreabrir uma pers-
pectiva nova da física actual, esperando que, a exemplo
dos «donos da verdade» da Grécia antiga, encontre-
mos no nosso caminho o adivinho, o poeta ou o rei da
justiça para nos ensinar «Oque foi, o que é, o que será».

10
«A inspiração do poeta».
De onde vêm as ideias que nos vêm?
Pintura d e Nicolas Poussin (1594-1665).
Museu do Louvre, Paris.

© RMN
Atamos idea

Tudo isso se fez sozinho.


JEAN CüCTEAU

1UDOcomeçou, há vinte e cinco séculos, numa


1 pequena cidade, num sítio à beira do mar
.I.
d 1"1nO . ..

N 1s margens do mar Egeu


O século v antes da nossa era, a Grécia antiga
estende-se da Itália e da Sicília - Siracusa, pátria
de Arquimedes! - até à proximidade das colunas
de Hércules, e pelas margens do mar Egeu,
desde as Cíclades, ao sul de Atenas, até à ilha de
Rodes, no Dodecaneso, onde em breve será
erigida a estátua de Hélios, deus do Sol e da Luz,
uma das sete maravilhas do mundo.
A Grécia não é, nesta época, nem de longe, a
sociedade ideal que imaginamos nos nossos
dias. Algumas famílias abastadas, assistidas por 13
escravos, partilham os privilégios. Aos seus
filhos estão reservados lazeres, a possibilidade
de viajar, de estudar, de se divertir. Foi no entanto
aí, em Atenas, que o milagre se produziu: alguns
homens - Péricles, Píndaro, Aristófanes e outros -
acenderam uma vela cuja chama dança ainda
hoje nos nossos olhos.
Não aconteceu tudo de repente, e não se pro-
duziu tudo somente em Atenas. Na Eleia, na
extremidade da bota italiana, Parménides funda
a ontologia, ancorada neste princípio: «Ü ser é
uno, contínuo e eterno.» E em Abdera, pequena
cidade que tem a reputação de ter sido habitada
por ... idiotas (mais precisamente, por carneiros),
na Trácia, território controlado pelo rei persa,
Leucipo e Demócrito apressam-se a tornar-se
falados.
De Leucipo não sabemos praticamente nada.
Será que existiu? De Demócrito, não temos
certezas. Aparentemente jovem, viaja, visita a
Índia, o Egipto, a Pérsia e Babilónia onde encon-
tra os sacerdotes e os magos da Mesopotâmia
que lhe ensinam a sua arte. Chega finalmente a
Atenas, onde, confessa, não conhece ninguém e
ninguém o conhece. Depressa isso muda.
Na altura em que Demócrito entra em cena
(refiro-me à cena da história), Parménides for-
mulou a sua doutrina, acima mencionada, em
que o principal é o seguinte: o ser é uno. Se o
v ácuo fosse, o «ente » podia deslocar-se para
o vácuo. Mas o vácuo não é; portanto, o ente não
tem para on d e ir. O movimento é por isso uma
14 ilusão dos nossos sentidos, uma impossibilidade.
Demócrito retoma a questão, mas no sentido
inverso. O movimento é: portanto, é necessário
que exista um lugar em que esse movimento se
possa efectuar. Esse lugar, é o vácuo. Ele pro-
clama assim que o vácuo - o nada - existe ao
mesmo tempo que o ser. Aí reside a grande
invenção. Devido à sua audácia, à sua novidade,
iguala e ultrapassa mesmo a de várias noções
fundamentais da história do pensamento
humano.
Ora isso não é tudo. Se o vácuo existe, é um
«não-ser num certo sentido existente». A sua
existência implica uma «pluralidade de entes».
O ser é pois uma multiplicidade.

As entidades indivisíveis
Passemos ao segundo patamar da teoria.
Demócrito põe a questão: se o ser é uma mul-
tiplicidade, em que é que consiste essa multi-
plicidade? Segundo ele, a unidade fundamental
desta multiplicidade é o atamos idea. É a expres-
são chave da teoria, a que traduzimos habi-
tualmente - erradamente, como veremos - pela
nossa palavra «átomo»: na realidade transfor-
mámos em substantivo o que, para os antigos
gregos, era um adjectivo.
O adjectivo tomos significa «segmentado» (tal
como uma obra com vários tomos). Precedido do
«alfa privativo», torna-se atamos, designando
aquilo que não pode ser segmentado ou divi-
dido, o que é indivisível. Em contraste, derivado 15
do verbo idein, que significa «ver», o substantivo
idea designa aquilo que vemos, uma forma, uma
entidade - o que tem uma existência separada,
distinta das outras.
Simplificando um pouco, encontramos a
palavra «ideia» pela primeira vez em Anaxágo-
ras de Clazoménios (cerca de 500-428 a. C.) . Mas
que significa este termo? Para Anaxágoras,
existe um conglomerado de qualidades encer-
radas em partículas infinitamente pequenas, as
ideias. Qualquer objecto da natureza contém
todas as ideias possíveis em proporções variá-
veis. O ouro, por exemplo, é principalmente
ouro mas contém igualmente pequenas porções
de todas as outras substâncias. Numa palavra,
«em cada coisa existe uma parcela de cada
coisa» - o que constitui aquilo a que podíamos
chamar uma filosofia existencial (no seu tempo,
Jean-Paul Sartre dirá: «Cada homem é todos
os homens»).
Platão, ao que parece, queria queimar os
livros de Demócrito, cujas ideias desprezava.
Não se trata aqui apenas de um jogo de
palavras. Discípulo de Sócrates, Platão pretende
fazer uma síntese entre a ordem moral (a do
homem) e a ordem física (a da natureza) . Postula
portanto, também, um mundo de Ideias. Mas
esse mundo constrói-se num domínio transcen-
dente, que se situa para além da natureza
empírica. Ele contém «a totalidade dos objectos
que podemos conceber de uma maneira perfeita:
os objectos naturais (as ideias de Demócrito) mas
16 também os valores - a coragem, o bem .. . ,
o próprio homem. A alma humana aspira a rein-
tegrar esse mundo «que conhecia antes de se
encontrar ligada à matéria».
Para Demócrito, a ideia é um corpo visível
para o intelecto e estruturado, embora indivisível.
Porquê indivisível? Segundo ele, por duas
razões. Urna, prosaica: as ideias são demasiado
duras para poderem ser seccionadas pelos meios
de que dispomos. A outra, fundamental: as
ideias são indivisíveis devido ao seu ritmo,
elemento constitutivo com carácter primordial.
Que dizer?
Segundo Aristóteles, que, na sua doxografia*,
descreve as opiniões dos seus contemporâneos,
os atributos das ideias são em número de três:
schema (forma), taxis (ordem) e thésis (posição).
Ele dá um exemplo do que se pode esperar com
isso: «A distingue-se de N pela forma, AN de
NA pela ordem, e N e Z pela posição. »
Neste enunciado Aristóteles dá-se ao luxo de
urna pequena traição ao pensamento dos Abderi-
tas. Ele utiliza de facto a palavra «esquema »
quando Demócrito emprega a palavra «ritmo».
Ora «esquema» é um termo estático que designa
urna forma geométrica, urna imagem. «Ritmo»,
em oposição, tem urna conotação dinâmica.
Parece realmente que Demócrito utilizou esta
palavra voluntariamente para sugerir a noção
segundo a qual as ideias indivisíveis são intrin-
secamente animadas de movimento. Esta noção
constitui o terceiro patamar da sua teoria. Tão
imaginativa corno as precedentes, implica que
o movimento é um atributo irredutível das 1?
ideias - tão fundamental como a sua qualidade
de «ente»: se a ideia indivisível possui intrinse-
camente movimento, é inútil procurar explicar
o movimento (da mesma forma que é inútil
procurar explicitar a origem do «ser»). Eis-nos
no coração da teoria.
Mas, porqu e é que nos interessamos hoje por
tudo isto, diria você? Não está já ultrapassado,
esquecido, caduco? Muito pelo contrário! Esta
teoria audaciosa - foram preciso vinte e cinco
séculos para a aceitar plenamente - é a alma da
nossa física de hoje, como verificaremos mais
amplamente no decurso das páginas deste livro.
Os grandes génios, aliás, não se enganaram.
Na verdade, Platão que disse tudo sobre
Sócrates, nada escreveu sobre Demócrito. Mas
Epicuro e mais tarde Lucrécio fizeram das ideias
de Demócrito o seu cavalo de batalha. E, mais
próximo de nós, o jovem Karl Marx fez de «a
diferença da filosofia da natureza em Demócrito
e Epicuro» o tema da sua tese de doutoramento.
Antes de acabar aqui, provisoriamente, com
Demócrito, observemos que, além de grande
metafísico, ele foi também um grande sábio.
Na sua obra Panarion ou la Bofte à drogues (374),
escrita no século IV da nossa era, Santo Epifânio
de Salamina escreve: «Demócrito de Abdera, filho
de Damasipo, afirmava que o universo é infinito e
que flutua no vácuo. » Acrescenta: «Ele susten-
tava ainda que um só e único objectivo deve antes
de tudo ser perseguido: é a alegria da alma. As
leis são uma má invenção, dizia ele; o sábio não
18 deve submeter-se às leis, mas viver livremente.»
O átomo dos químicos

Entre os corpos há os compostos, e aqueles


de que os compostos são feitos.
EPICURO,
Carta a Heródoto

atamos idea - a ideia indivisível - é a


S E
invenção mágica dos Abderitas, o «átomo
dos químicos» - o nosso de hoje - nasceu na
cidade jónica de Mileto, na Anatólia Ocidental.
Foi aí, no século IV antes da nossa era, que Tales,
Anaximandro e Anaxímenes fundaram a teoria
da substância dos corpos.
Todos três admitem a existência de uma subs-
tância primordial, na base de tudo. Esta «realidade
primeira», este archê, é a água para Tales, o ar para
Anaxímenes, uma substância indeterminada, o
apeiron, para Anaximandro. Observemos para a
continuação da nossa história que, ao mesmo
tempo, na sua ilha natal de Samos, Pitágoras
oferece uma outra solução: para ele e seus discípu-
los, o princípio fundamental, o archê, é o número.
Esta concepção suscitará ecos na teoria moderna
do átomo como veremos um pouco mais tarde. 19
Em Agrigento, no século v antes da nossa era,
Empédocles formula a sua teoria das «quatro
raízes» (a que dá o nome de deuses: Zeus-água,
Hera-terra, Edoneu-ar e Néstis-fogo). Combi-
nando-se em proporções diferentes, sob a férula
de Polemos (a Discórdia) e de Eros (o Amor),
essas raízes constituem todos os corpos. Elas
próprias são constituídas por pequenas partí-
culas, indivisíveis e eternas como as ideias de
Demócrito, mas separadas umas das outras
por poros (e não pelo vácuo). Portanto, não são
exactamente as ideias de Demócrito.

Platão inventa a química teórica


Platão construiu uma cosmogonia* original
que podemos ver como a primeira tentativa de
formulação de uma «química teórica» capaz de
justificar a diversidade das substâncias presentes
na natureza. Por acaso, a palavra «química» é
provavelmente de origem egípcia. A famosa
inscrição da pedra de roseta dá realmente ao
Egipto o nome de chmi. A química seria a ciência
de chmi ou da Terra negra - a ciência santa,
divina, secreta do Egipto ... A cosmogonia
de Platão não é a de Demócrito e não será a de
Aristóteles, aluno de Platão, que dele se demar-
cará. Para Platão, existem as ideias (que não são
as de Demócrito), os números (que são os
de Pitágoras) e os quatro elementos (que são os de
Empédocles), que um demiurgo, ocupado em
aperfeiçoar o mundo (que não criou), procura
20 utilizar para obter « O melhor dos mundos».
A cada um dos elementos primordiais, Platão
faz corresponder um poliedro regular: o tetrae-
dro (quatro faces) para o fogo, o cubo (seis faces)
para a terra, o octaedro (oito faces) para o ar e o
icosaedro (vinte faces) para a água. «Ü demiurgo
pegou primeiro, para formar o universo, no fogo
(tetraedros) e na terra (cubos). » Depois, para
prosseguir a sua obra, utilizou o quinto poliedro
regular, o dodecaedro: «Ü demiurgo serviu-se
dele para concluir o desenho do universo.»
Platão levou muito longe a sua geometrização
da constituição do universo. Na verdade, ele
observa que «qualquer superfície de formação
rectilínea é composta por triângulos» e que «qual-
quer triângulo deriva de dois triângulos, em que
cada um tem um ângulo recto e os outros dois
agudos» (cf. figura da página 23). Imagina assim
dois triângulos «origem» a partir dos quais os
poliedros regulares podem ser construídos. Em
resumo, ele encontra «sob o átomo, as partículas».
Esta espantosa teoria, brevemente esboçada
aqui, permite fazer «previsões»: assim, a terra,
cujos átomos são cubos (que podem construir-se
a partir de triângulos de tipo a.), distingue-se dos
três outros elementos cujos átomos são feitos de
triângulos de tipo 13. Além disso, esta teoria
torna a possível transmutação: um átomo de
água de vinte faces pode, por exemplo, cindir-se
em dois octaedros de ar (de oito faces cada um)
mais um tetraedro de fogo (de quatro faces) .
Ingénua, esta teoria? Não tanto como parece.
Em 1874, o francês Achille Le Bel (1847-1930) e o
holandês Jacobus Van't Hoff (1852-1911), que 21
v1na a ser o primeiro laureado pelo Prémio
Nobel da Química (em 1901), representam o
átomo de carbono sob a forma ... de um tetrae-
dro regular, para esquematizar a aptidão deste
átomo para se ligar com quatro átomos mono-
valentes, como na molécula de metano (CH4 ).
Depois da sua estada na Academia de
Platão, Aristóteles funda a sua própria escola, o
Liceu, abandona a teoria platónica dos átomos
de formas geométricas e retoma a teoria de
Empédocles introduzindo-lhe uma modificação
importante: dá o nome de «elementos» às raízes
de Empédocles e introduz a noção segundo a
qual esses elementos se opõem por qualidades
fundamentais contrárias, umas activas, outras
passivas: o calor, o frio, o seco e o húmido.
Assim, «O fogo é quente e seco; o ar (que é um
vapor) é quente e húmido; a água é fria e húmida;
a terra é fria e seca».
Qualquer objecto na Terra - no mundo «sub-
lunar» - está sujeito à mudança: os corpos com-
põem-se e decompõem-se. O que se encontra no
Céu, em oposição, parece permanecer eterna-
mente idêntico a si próprio. Outra diferença
entre Céu e Terra: o movimento natural dos
corpos é rectilíneo na Terra, circular no Céu.
Parece assim que o Céu, bem como os astros
que contém, é feito de uma substância diferente
da presente no mundo sublunar - de um quinto
elemento, a «quinta » essência, matéria subtil,
eterna e «incorruptível», a que São Tomás de
Aquino, no seguimento de Aristóteles, chamará
22 o éter.
(a)
o ar

i ~ (b)
a «quinta» essência

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frio
(a) Os elementos de Empédocles, as
qualidades de Aristóteles e os átomos

@. '
-
de Platão.
(b) Verdadeiras «partículas elementares»,
os triângulos de Platão permitem a
construção de poliedros de que os átomos
a terra a água são feitos.

Constituintes da matéria
Primeiro esboço de uma teoria (século v antes da nossa era).

Gassendi:
os átomos estão em toda a parte!
Saltemos uns séculos. Nascido em Champter-
cier, perto de Digne, na Haute-Provence, Pierre
Gassend, dito Gassendi (1592-1655), evidenciou,
desde a sua infância, a marca do génio. Jovem,
aprende de cor seis mil versos latinos e recita por
dia uns trezentos para reavivar a memória.
Depois da morte de Richelieu, em 1642, cede às
imposições dos seus superiores e vai para Paris
para leccionar Matemática no Colégio Real, o
futuro Colégio de França. Amigo de Galileu e
contemporâneo de Descartes, empenha-se na
missão de substituir a física de Aristóteles, que 23
considera obsoleta, por uma nova física fundada
numa fusão da ideia abderita com a mensagem
bíblica. Ele afirma que os átomos, que para
Demócrito são não criados, detêm, na realidade,
os seus atributos de Deus.
Postula com entusiasmo a existência de áto-
mos luminosos, de átomos aromáticos, de
átomos sonoros, átomos de calor, átomos de frio ...
A forma destes determina as suas propriedades
sensíveis: pontiagudos, constituem as coisas
picantes; redondos, as coisas fluídas, etc. Numa
palavra, os átomos estão em toda a parte, «são
os verdadeiros "princípios" sobre os quais o
mundo é construído».
E não é tudo. No seguimento, Gassendi rejeita
a doutrina dos quatro elementos de Empédocles
e das quatro qualidades de Aristóteles; ele pos-
tula, para a substituir, a formação intermediária
de associações de átomos: «A partir dos átomos
são primeiro formadas algumas moléculas dife-
rentes entre si, que são as sementes das coisas
diferentes. »
Moléculas ... A palavra está lançada. Entusias-
mados com estes ensinamentos, Ralph Cudworth
e Walter Charleton ecoam-nos em Inglaterra.
Robert Boyle (1627-1691), um dos pais fun-
dadores da Royal Society de Londres, põe-se à
escuta; adopta o atomismo de Gassendi e emite
a opinião que o número de substâncias primor-
diais deve ser maior do que quatro. Chega a
sugerir que os elementos proverbiais de Empé-
docles são na realidade ... substâncias compostas.
24 Compostas, mas ... de quê?
Secretamente, o maior alquimista do seu
tempo, Isaac Newton (1642-1727) publica, em
1704, o seu Tratado de Óptica, que Jean-Paul
Marat (o amigo do povo em pessoa!) traduz para
francês em 1787. Nas últimas páginas da obra,
Newton entrega-se a especulações sobre a
natureza da composição dos corpos: «Todos os
corpos parecem compostos de partículas duras:
senão os fluidos não congelariam, como a água,
os óleos, o vinagre e o espírito de vitríolo o
fazem pelo frio, o mercúrio pelos fumos de
chumbo, o espírito de nitro e de mercúrio dissol-
vendo o mercúrio e evaporando o Fleuma. »
Quanto à luz: «Mesmo os raios [que a com-
põem] parecem ser corpos duros; porque de
outra forma não conservariam diferentes pro-
priedades nos seus diversos lados. E, conse-
quentemente, a dureza pode ser reconhecida
como a propriedade [característica] de todos os
corpos compostos. » O debate está bem lançado.
Faltava começar a fazer química - verdadeira
química, fundada na experimentação, na obser-
vação e na medida.

A via real da química


Antes de morrer debaixo do cutelo da gui-
lhotina, Antoine Lavoisier (1743-1794) prova que
o ar é uma mistura de dois gases, que baptiza de
«oxigénio» e «azoto », e demonstra a estrutura
composta da água. Nem o ar, nem a água são
elementos! A teoria das quatro raízes de Empé-
docles desaba. Lavoisier declara: «Qualquer 25
substância que ainda não conseguimos decom-
por por nenhum meio é para nós um elemento.»
Ele define trinta e três, entre os quais a luz
(porque não?).
Em 1792, Jeremias Richter publica a sua Stoi-
chiometry. Em muitas reacções químicas, observa,
vemos um composto AB, constituído por duas
partes A e B, combinar-se com um composto
A'B', igualmente constituído por duas partes A' e
B', segundo a equação AB + A'B' = AB' + A'B.
Daí conclui que as quantidades A e A' por um
lado, e B e B' por outro, sendo intercambiáveis,
são portanto «equivalentes».
Professor numa escola quaker em Manchester,
John Dalton (1766-1844) frequenta nos tempos
vagos um cego, John Gough, filósofo da
natureza, que lhe ensina latim, grego, francês,
matemática, astronomia e sobretudo ... a arte da
observação (o próprio Dalton via, mas sofria
de . .. daltonismo!).
Dalton interessa-se primeiro pela meteorolo-
gia, depois pelas misturas gasosas, com o objec-
ti vo de estudar a absorção da água pelo ar.
Adquire a convicção de que os gases são fluidos
elásticos constituídos por pequenos corpúsculos,
ou átomos, que se atraem e se repelem segundo
leis de tipo newtoniano, e chega à conclusão de
que é preciso diferenciar os átomos dos gases
pelo seu peso. Inspirando-se nos trabalhos de
Richter sobre os «equivalentes» de que acabá-
mos de falar, e nos de Joseph Proust (1754-1826)
que os continuam (1802), constrói uma tabela de
26 pesos relativos dos elementos (em relação ao
ÉLÉMENT
O Hydro5en 10 Stro11 tian #"
W'

e
(]) A~ott' s o Bruyres 68

d
C.a1·bº" ~
© lron

O Oxyr;rn 1 @ Zinc ..5Ó

@ Phosphorus .9 © Copper só
E9 Su1phur )3
© Lead !)6

(1) Ma511ts ia 2/J


® Silver (jt!
e
CID
®
Lime
Soda

Potash
24
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'ªo® .
Gol d
Platina
Mcrcury /Ó/
/jD
IJº

Os elementos segundo Dalton (1808)

peso do átomo de hidrogénio, que considera


arbitrariamente igual a 1) baseada em três
hipóteses: os átomos são os constituintes últimos
indivisíveis e indestrutíveis da matéria; os áto-
mos de um mesmo elemento são todos idênticos;
as moléculas dos corpos compostos são forma-
dos pelo conjunto de um número determinado
de átomos dos seus constituintes.
1808. Dalton publica o conjunto das suas
descobertas no seu Novo Sist ema de Filosofia
Química. Nele representa os átomos por peque- 27
nos círculos ornamentados com sinais distin-
tivos. Esses símbolos, que evocam os utilizados
pelos alquimistas, foram substituídos mais tarde
pelos, mais cómodos e que ainda hoje utiliza-
mos, propostos pelo sueco Jõns Jacob Berzelius
(1779-1848): H para o hidrogénio, C para o
carbono, O para o oxigénio .. .
Dalton não usa em sítio algum dos seus tex-
tos a palavra «molécula». Para ele, tudo são
«átomos»: ele fala do átomo da água, do átomo
do amoníaco, etc. A propósito do gás carbónico
por exemplo, justifica assim a sua terminologia:
«Agora, embora este átomo possa ser dividido,
ele deixa de ser ácido carbónico, sendo decom-
posto em carbono e oxigénio. Não vejo assim
nenhuma incoerência ao falar de átomos com-
postos.»
Nenhuma incoerência, certamente, mas con-
fusão que a palavra «molécula», utilizada hoje,
evita. Os diagramas através dos quais Dalton
representa as moléculas estão baseados na sua
concepção de «pesos equivalentes». Escreve HO
para a água, HN para o amoníaco, etc. Dalton
engana-se nos detalhes mas, como São João Bap-
tista, abriu o caminho. Outros continuariam. Um
deles, e não dos menores, foi Louis Gay-Lussac.

Gay-Lussac e Avogadro
Continuando os trabalhos de Lavoisier e de
Dalton, Louis Gay-Lussac (1778-1850) estabelece
28 com precisão, em 1805, a composição de um certo
número de substâncias gasosas. Anuncia que
os elementos entram na composição dessas
substâncias em proporções que mantêm sempre
relações simples entre si.
Professor de Química na Escola Politécnica
meio século mais tarde, Jean-Baptiste Dumas
(1800-1884) conta o que sucedeu depois: «Quando
Gay-Lussac apresentou a sua bela lei sobre as
combinações de gases [ ... ], esperávamos vê-la
adoptada e desenvolvida [por Dalton] porque
era uma sorte rara para um inventor. Pois bem!
nada disso! Dalton repudiou-a com uma espécie
de desdém ... "Se, diz ele, esta lei é verdadeira, é
uma tradução da minha. Vós chamais volume ao
que eu chamo átomo: eis a única diferença". »
As descobertas de Gay-Lussac escondiam no
entanto uma dificuldade que iria dividir · os
químicos durante muitos anos. «As observações
de Gay-Lussac, diz-nos Dumas, [sugeriam] que
os gases contêm o mesmo número de átomos
num volume igual. É pois necessário explicar-
mos: na medida em que um volume de cloro e
um volume de hidrogénio produzem dois de
ácido clorídrico .. . Por conseguinte, é necessário
que o átomo de cloro e o de hidrogénio possam
dividir-se em dois, para dar origem aos dois
átomos de gás clorídrico.»
O italiano Amadeo di Quaregna e Ceretto
Avogadro (1776-1856), resolve o enigma
em 1811: tanto a molécula de hidrogénio,
explica, como a de cloro gasoso é um con-
junto de dois átomos. Quando se combina
o cloro com o hidrogénio gasoso, temos então 29
H 2 + Cl2 = 2HCl, e não H + Cl = HCl. E é por isso
que dois volumes de ácido clorídrico são produzi-
dos nesta reacção. Note-se que para Avogadro,
em oposição a Dalton, tudo são «moléculas» -
quer estas sejam «integrantes » (para nós,
átomos) quer «compostas» (para nós, moléculas).

Químicos em congresso
A 3 de Setembro de 1860, cento e quarenta
químicos eminentes vindos dos quatros can-
tos da Europa reuniram-se em congresso em
Karlsruhe - trata-se do primeiro congresso inter-
nacional da história da ciência. O seu objectivo:
tentar conciliar os pontos de vista divergentes
a respeito do átomo (e das moléculas!) que
opunham os químicos uns aos outros. Na segunda
sessão plenária, a 4 de Setembro, o jovem quí-
mico August Kekule von Stradonitz (1829-1896),
promotor do congresso, põe as coisas nos
seguintes termos: «Nas reacções químicas existe
uma quantidade que entra e sai na mais pequena
proporção e nunca numa fracção desta pro-
porção. Essas quantidades [...] são as moléculas
definidas quimicamente. Mas essas quantidades
não são indivisíveis, as reacções químicas con-
seguem cortá-las e dividi-las em partículas abso-
lutamente indivisíveis. Essas partículas são os
átomos. Os elementos, quando se encontram
livres, constituem moléculas formadas por
átomos. Assim a molécula de cloro é formada
30 por dois átomos. »
Com esta exposição lúcida (e profética),
poderia pensar-se que o debate tinha terminado.
No entanto, ele vai durar ainda vários anos.
O problema que subsiste é o de aceitar ou não as
duas hipóteses de Avogadro segundo as quais a
molécula de muitos gases é composta por dois
átomos e o número de moléculas num gás seria
sempre o mesmo, num volume igual.
Charles Gerhardt (1816-1856) extrai das
hipóteses de Avogadro uma consequência que
formula no seu Compêndio de Química Orgânica,
em 1853: é possível representar a molécula de
cada substância através de uma fórmula que
exprime claramente «quantos átomos de cada
espécie estão contidos na molécula». A fórmula
H 2 0 por exemplo indica que a molécula de água
contém dois átomos de hidrogénio e um átomo
de oxigénio - sem sugerir contudo, note-se, um
arranjo geométrico particular desses três átomos
entre si.

Estrutura molecular e valência


Em 1853, o químico inglês Edward Frankland
(1825-1899) apercebe-se de que algumas combi-
nações de átomos, os radicais (palavra forjada
por Louis Guyton de Morveau, colaborador e
amigo de Lavoisier), formam, com os metais,
compostos cujas propriedades fazem lembrar
singularmente as de alguns compostos mais cor-
rentes . No seu livro Os Átomos, publicado em
1913 e que se tornou um clássico, Jean Perrin 31
(1870-1942), futuro Prémio Nobel (1926) e futuro
fundador do palácio da Descoberta (em 1937),
explica: «Quando dizemos que o metano CH4 e o
cloreto de metilo CH3 CZ têm a mesma estrutura
molecular, supomos que o "radical" CH3 não
foi modificado pela cloração e que se encontra
ligado ao átomo Cl [na molécula CH3 Cl] como
estava ao átomo H [na molécula CH4]. Diremos
que o grupo CH3 do cloreto de metilo existe na
molécula de álcool metílico que se escreve
CH3 0H [em vez de CH4 0].»
Este importante avanço não resolve todos os
problemas, no entanto: «Ainda não conjecturá-
mos nada, na verdade, sobre as forças que man-
têm agregados os átomos de uma molécula.
Poderia acontecer que cada átomo desta molé-
cula estivesse ligado a cada um dos outros por
uma atracção variável consoante a sua natureza
e decrescendo rapidamente com a distância. »
Mas Jean Perrin mostra que esta hipótese é insus-
tentável. «Se o átomo de hidrogénio é atraído
pelo átomo de hidrogénio, porque é que, per-
gunta ele, a única molécula construída a partir
de átomos de hidrogénio seria H 21 de forma que
a capacidade de combinação do hidrogénio
consigo próprio seja esgotada desde que dois
átomos se encontrem unidos?» E conclui que
«tudo se passa [ ... ] como se cada átomo de
hidrogénio estendesse uma mão, e urna só [e
que] desde que esta mão agarrasse uma outra
mão, a capacidade de combinação do átomo se
esgotasse». A noção de valência* resulta directa-
32 mente desta análise. Consiste em admitir que
numa molécula «os átomos estão agregados por
uma espécie de colchetes ou de mãos, cada
ligação unindo apenas dois átomos».
Este tipo de raciocínio, cuja subtilidade admi-
ramos, permitiu aos químicos de elucidar a fór-
mula de constituição de moléculas. Jean Perrin
dá-nos o exemplo do ácido acético, cuja molé-
cula é simultaneamente simples (contém apenas
oito átomos) e complicada: a sua fórmula de cons-
tituição «faz imediatamente lembrar os dife-
rentes papéis dos átomos de hidrogénio (três subs-
tituíveis por cloro, e o quarto por um metal), dos
átomos de oxigénio (sendo o grupo OH expulso
na formação do cloreto do ácido CH3C0Cl), e dos
próprios átomos de carbono (a acção de uma
base KOH sobre um acetato CH3 C02K divide a
molécula em metano e carbonato)».
Em resumo, a fórmula de constituição
fornece-nos muito mais informações do que a
simples «fórmula molecular»; ao permitir-nos
visualizar o papel que os átomos que a compõem
são capazes de desempenhar nas reacções quími-
cas, tem um «poder de representação imenso no
que respeita as reacções possíveis do compos to» .
Com esta observação, a representação
esquemática das moléculas toma a sua forma
definitiva . Seria necessário ainda precisar a
noção de valência: «Se todos os átomos fossem
monovalentes [como o átomo de hidrogénio],
uma molécula não poderia nunca conter um
número de átomos diferente de dois: há no
entanto átomos polivalentes. » Seguramente!
E um deles é o átomo de carbono. 33
H O
\ //
H-C-C
/ \
H 0-H

Fórmula de constituição do ácido acético


Esta fórmula permite visualizar o arranjo geométrico dos áto-
mos na molécula.

Num grande número dos seus compostos, o


átomo de carbono está quimicamente ligado a
quatro átomos, quer dizer é tetravalente. Para
reflectir este facto, Le Bel representa-o por um
tetraedro (a partícula do fogo de Platão!) com
quatro pontas nas quais se podem ligar outros
átomos. A ideia não é tão bizarra como parece:
Linus Pauling, duas vezes Prémio Nobel (em
1945 e em 1962), retoma-a e melhora-a em 1963.
Ele mostra como é que se podem ligar dois
tetraedros um ao outro para formar moléculas
em que dois átomos de carbono estão ligados
um ao outro através de ligações simples, duplas
ou triplas (cf. diagrama, p. 35). Representamos
hoje esses três tipos de ligações de maneira mais
simples por meio de símbolos.
Como todos sabem, o átomo de carbono
entra na composição de um número incalculável
de moléculas, algumas das quais desempenham
um papel determinante nas funções da vida.
34 Algumas contêm «anéis» alguns dos quais são
•I /f;> b)

HC :=cH

Representação do átomo de carbono


O átomo de carbono está aqui representado só (a) , segundo Le
Bel, e em ligação com um outro átomo de carbono (b) seg undo
Pauling .

por vezes «contranatura». É o que se passa coín


a molécula chamada do «cubano», com a fór-
mula CJ-I8, na qual oito átomos de carbono for-
mam um cubo. Esta molécula constitui um
potente explosivo de tal forma lhe é difícil
aguentar o s tres s angular anormal (ângulos
de 90º) imposto aos átomos que a compõem.

Electricidade ... no átomo


Fundamentalmente foi a contribuição em
1887, com 25 anos, do sueco Svante Arrhenius
(1859-1927), futuro director do Instituto Nobel 35
de Estocolmo, Prémio Nobel da Química em
1903. Ele pergunta-se: quando se dissolve um
pouco de sal da cozinha em água, o que acontece
aos átomos de sódio (Na) e de cloro (Cl) que
entram na composição desse sal? Tudo se passa,
observa Arrhenius, como se - pelo menos
quando a solução é muito diluída - as moléculas
NaCl se partissem em átomos Na e Cl e «uma
solução diluída de sal marinho não contivesse
já realmente sal, mas unicamente sódio e cloro
no estado de átomos livres».
Átomos livres ... Não é bem assim. A água sal-
gada conduz a corrente eléctrica. Para verificar
este facto, Arrhenius supõe que os átomos liber-
tados quando da dissolução do sal são, não
átomos, mas iões* carregados electricamente,
um positivamente (o do sódio), o outro negati-
vamente (o do cloro).
A teoria dos iões de Arrhenius tornou-se
parte integrante da química com a descoberta
que todos os átomos ou grupos monovalentes de
átomos tran sportam, quando ficam livres sob a
forma de iões, a mesma carga elementar e, posi-
tiva ou negativa. Apoiando-se em considerações
de natureza puramente química, Arrhenius
acabava de estabelecer a presença no átomo
de «unidades elementares de electricidade», de
«átomos d e electricidade», descoberta que os
físicos iriam em breve confirmar.

36
O poder misterioso
do âmbar amarelo

O que há de mais confuso para o espírito


do que a história desse pequeno pedaço de
âmbar manifestando singelamente uma força
que está em toda a natureza, que é talvez toda a
natureza ...
PAUL VALERY

Mileto, na Anatólia Ocidental, Tales, um


E M
dos Sete Sábios da Grécia antiga, possui
uma sabedoria tremenda: ele consegue conferir
ao âmbar amarelo*, esfregando-o, o poder de
atrair os corpos leves, tal como palhinhas. Quando
da morte do sábio (de velhice, na altura dos
Jogos Olímpicos de 548 a. C.), esse conhecimento
passa para os seus discípulos ao mesmo tempo
que o nome dessa consonância terrível do âmbar
amarelo: elektron. Este termo vai dar a volta ao
mundo.
Os séculos passam. Nascido em Colchester,
no Essex, William Gilbert (1544-1603) estabelece-
-se em Londres como médico em 1573. Notado
pela rainha Elizabeth, prossegue sob a sua
protecção pesquisas sobre o estranho poder do
elektron. Vinte séculos depois de Tales, descobre
que as pedras preciosas - o diamante, a safira, a 37
ametista, a opala, o berilo - bem como o vidro, o
enxofre e ainda a goma-laca e o sal gema pos-
suem, eles também, esse poder mágico. Inter-
roga-se sobre a natureza desse poder. Entretanto,
dá-lhe um nome: chama-lhe electricidade.
Progressivamente, mas sem que seja hoje
possível datar rigorosamente todas as peripécias,
estabelece-se no espírito dos filósofos a ideia de
que existem na natureza «fluidos » imponde-
ráveis - a luz, o calórico (o calor), o magne-
tismo ... -, sede de fenómenos misteriosos.
A electricidade é um deles.
De Stephen Gray, falecido em Londres em
1736, ignoramos quase tudo. Mas sabemos o que
lhe devemos. Em 2 de Julho de 1729, ele estende
uma corda com oitenta pés de comprimento
sobre fios de seda esticados horizontalmente;
seguidamente suspende numa das extremidades
da corda uma bola de marfim e um tubo de
vidro na outra extremidade. Quando ele esfrega
o tubo para o electrizar, a bola de marfim, na
outra ponta da corda, electriza-se também: ela
atrai os corpos leves da mesma forma que
o âmbar amarelo. A electricidade é pois trans-
missível.

Duas electricidades!
Após a assinatura dos tratados de Utreque e
de Rastadt em 1714, Charles François de Cister-
na y Du Fay (1698-1739), então com 16 anos,
38 deixa o exército - com a patente de capitão! -
para se dedicar ao estudo da ciência que lhe
ensinou o seu avô, apaixonado da química.
Num dia de 1733, dirigindo-se o seu interesse
para a electricidade, esfrega um tubo de vidro
para o electrizar e aproxima-o de uma folha
de ouro: a folha ergue-se e permanece suspensa
no ar acima do tubo. Quando aproxima dela
um pedaço de copal esfregado, surpresa! a
folha cola-se ao copal sem que seja fácil sepa-
rá-los.
O momento desta descoberta é um dos mais
preciosos momentos da história da ciência em
que o génio do homem faz oscilar repentina-
mente a nossa visão do mundo. Para justificar
aquilo que acaba de observar, Du Fay anuncia
que existem duas electricidades opostas na
natureza. Chama a uma a electricidade «resi-
nosa» e à outra a electricidade «vítrea».
1739. Seis anos depois da descoberta, Du Fay,
com 41 anos, morre em Paris de bexigas. As suas
descobertas são imediatamente esquecidas.
Tanto mais depressa quanto ...
Benjamin Franklin (1706-1790) encontra em
Bóston, em 1746, o doutor Spencer. Saído pouco
antes da sua Escócia natal, cercado de toda a
espécie de tubos de vidro e outros instrumentos
com que demonstra os fenómenos eléctricos que
encantam os filósofos do continente (Voltaire
é um deles). Franklin compra-lhe os tubos,
que leva para Filadélfia, onde está estabelecido
(possui uma oficina de impressão). No espaço de
sete anos frutuosos, entrega-se a uma quan-
tidade de experiências e proclama uma teoria da 39
electricidade que se vai impor. Afirma que existe
apenas um fluido eléctrico, contido em todos os
corpos em quantidade igual. A electrização fá-lo
passar de um corpo para outro que passa a
contê-lo em excesso, enquanto o primeiro corpo
tem a menos. Diremos que o segundo corpo está
electrizado positivamente (contém excesso do
fluido eléctrico), e que o primeiro corpo está
electrizado negativamente (tem carência de
fluido eléctrico).
A teoria de Franklin do fluido único está
hoje abandonada, mas conservámos as con-
venções que ele criou para designar a electri-
cidade - o que é lastimável, porque um corpo
carregado positivamente, à maneira de Franklin,
contém um excesso de electrões carrega-
dos ... negativamente, segundo a concepção
moderna!

O âmbar amarelo dá o seu nome


ao átomo de electricidade resinosa
Em 1858, Julius Plücker (1801-1868) faz pas-
sar uma descarga eléctrica através de um tubo
contendo gás a baixa pressão - um gás «rare-
feito ». Observa que o cátodo* emite raios que se
deslocam em linha recta, «marcam a sua trajec-
tória através de uma fraca luminosidade do gás
residual e excitam belas fluorescências nas pare-
des de vidro com as quais chocam». Verifica,
mais ainda, que esses raios são desviados da sua
40 trajectória quando aproxima um íman.
Em Londres, em 1879, sír William Crookes
(1832-1919) repete melhorando-as as experiên-
cias de Plücker. Exprime a ideia de que os raios
catódicos são descritos por «projécteis electriza-
dos negativamente, saídos do cátodo e que,
repelidos por ele, adquirem uma enorme velo-
cidade».
Em França, em 1895, Jean Perrin, de quem já
falámos, mostra que os raios catódicos «intro-
duzem com eles electricidade negativa num
recipiente metálico completamente fechado » e
que, além disso, uma campo eléctrico desvia a
sua trajectória - numa palavra, que são constituí-
dos por corpúsculos. No ano seguinte, faz uma
outra descoberta: os raios X produzem, no gás
que atravessam, iões móveis que se recombinam
rapidamente no mesmo sítio «mas que sob a
acção de um campo se movem em sentido inverso
ao longo de linhas de força, até que sejam para-
dos por um condutor, que descarregam [ ... ],
ou por um isolante, que carregam».
A estrutura granulosa da electricidade clarifi-
ca-se. Faltava baptizar como «electrão*» o átomo
de electricidade negativa (resinosa), o que foi
feito, em 1891, por George Johnstone Stoney
(1826-1911), um dos pioneiros da ideia de carga
eléctrica elementar.
É costume atribuir ao físico inglês Joseph
John Thomson (1856-1940) a descoberta do elec-
trão. Na realidade, a contribuição de sír Joseph
diz respeito a outra coisa. Jean Perrin explicou-o
bem: «Resulta dos belos trabalhos de sir Thom-
son que o átomo da electricidade, cuja existência 41
acaba de ser estabelecida, é um constituinte
essencial da matéria.»
Sir Joseph descobriu de facto que (em veloci-
dades fracas) a relação e/m da carga com a
massa daquilo a que chamava os «corpúsculos»
eléctricos era a mesma qualquer que fosse a
origem dos corpúsculos. E concluiu: «Na medida
em que podemos produzi-los à custa de qual-
quer substância [ ... ], esses elementos materiais
formam um constituinte universal comum a
todos os átomos. » A que Jean Perrin acrescenta:
«Não podemos considerar um corpúsculo inde-
pendentemente da carga negativa que trans-
porta: é inseparável desta carga; é constituído
por esta carga.» Faltava medir esta carga.
Foi o que fez Robert Millikan em 1909. Por
meio de um ligeira corrente de ar, leva uma goti-
nha de óleo carregada de electricidade para a
vizinhança de um buraco de agulha feito na
armadura superior de um condensador plano
horizontal. Uma vez posta a gotinha entre as
armaduras do condensador, ele isola-a, ilumi-
na-a lateralmente e segue-a visualmente por meio
de um visor, no centro do qual ela lhe surge
como «uma estrela brilhante em fundo negro».
Por intermédio de um campo eléctrico da ordem
de quatro mil volts por centímetro, que compensa
o efeito da gravidade da gotinha, ele mantém-na
no seu campo visual, «fazendo-a subir sob a
acção do campo, deixando-a descer suprimindo
o campo, e assim sucessivamente durante várias
horas». Como a gotinha permanece idêntica a si
42 própria durante o tempo da experiência, a sua
velocidade de queda retoma sempre o mesmo
valor constante v. Da mesma forma, o movimento
de ascensão faz-se a uma velocidade constante
v', que permanece inalterada enquanto a gotinha
transportar a mesma carga e'. Mas Millikan
verifica que, de vez em quando, a velocidade
de ascensão da gotinha muda bruscamente,
tomando um outro valor v", que ele mede cuida-
dosamente.
Qual a razão dessas variações de velocidade
de ascensão? Esta velocidade depende do
número de cargas elementares que a gotinha
transporta. De vez em quando a gotinha perde
ou ganha uma ou várias cargas. Quando isso se
produz, a carga total que transporta passou de
maneira descontínua do valor e' para um outro
valor e". Ora, ao medir as velocidades de ascen-
são, é possível deduzir a relação e'/ e" das cargas
transportadas graças à equação muito simples
e'/ e" = (v + v') / (v + v") ligando cargas e velo-
cidades nessas experiências.
Millikan obtém para e'/ e" números que corres-
pondem sempre a inteiros: 2, 4, 3, 2 ... com
um erro de 1 por cento, em relação à aquisição
ou à perda pela gotinha de uma, por vezes duas
cargas elementares. Jean Perrin constata: «Essas
belas observações de Millikan demonstraram
de forma inteiramente rigorosa e directa a
estrutura atómica aceite para a electricidade
[negativa].»
E a electricidade vítrea? Veremos no capítulo
seguinte como ela iria, por sua vez, ser «espan-
tada para fora do seu esconderijo». 43
Um electrão suspenso no vácuo
1956. Hans Dehmelt chega à Universidade de
Washington em Seattle com uma ideia na cabeça:
pretende, para o observar, isolar um electrão.
Arranja uma «caixa de Penning», no interior da
qual são fixadas frente a frente duas placas
. metálicas, faz o vácuo nessa caixa, carrega as
placas negativamente e coloca o conjunto no
campo de um íman. Um bico metálico carregado
negativamente, verdadeira «fonte de electrões»,
injecta electrões na caixa. Pacientemente, em
1973, com a ajuda de dois assistentes, Philip
Ekstrom e David Wineland, Dehmelt faculta a
saída da caixa dos electrões emboscados um
a um ... excepto um, o último, que mantém pre-
ciosamente no interior da armadilha. Os três
homens mantêm-no assim suspenso no vácuo,
rodando indefinidamente no campo do íman e
manifestando a sua presença através da emissão
contínua de um sinal frequência de rádio. Eles
conseguirão mesmo, alguns anos mais tarde,
agarrar na sua armadilha um positrão*, electrão
de antimatéria* ou electrão «a recuar no tempo».

44
Quatro grandes ideias
da física

Se a minha vida é bastante cheia, é porque


verifico que não sei o que faço.
RICHARD FEYNMANN
Entrevista para Omni, 1979.

D EBRUÇAR-NOS-EMOS neste capítulo - separan-


do-as do resto para sublinhar a sua impor-
tância - sobre quatro ideias da física que se vão
revelar essenciais para uma boa compreensão da
teoria moderna do átomo, que abordaremos em
seguida. Curiosamente, apesar da sua importân-
cia fundamental, essas ideias nem sempre são
apresentadas com a clareza que seria necessária
nos nossas tratados de física.

O que é o movimento?
Em 1647, três anos antes da sua morte no frio
castelo da rainha Cristina da Suécia, então com
18 anos, René Descartes (1596-1650) publica a
versão francesa dos seus Princípios da Filosofia.
No capítulo XXXVI da segunda parte, escreve: «Na 45
medida em que [Deus] moveu de varias
maneiras diferentes as partes da matéria, quando
as criou, e as mantém todas da mesma forma e
com as mesmas leis que lhes atribuiu na sua
criação, Ele conserva incessantemente nesta
matéria uma quantidade igual de movimento»
(os itálicos são de Descartes).
O que Descartes aqui nos diz é revolu-
cionário e constitui, na minha opinião, uma das
mais belas contribuições para a física: ele faz do
movimento um igual da matéria - o que aliás
está de acordo com o pensamento de Demócrito,
com as suas ideias indivisíveis dotadas de ritmo.
Mas Descartes via mais longe: ele explica como
calcular a «quantidade de movimento» trans-
portada por um corpo que se desloca à veloci-
dade v. Cada parte desse corpo desloca-se ao
mesmo tempo que o corpo à velocidade v; ela
contribui assim para o movimento de conjunto
do corpo através de uma quantidade de movi-
mento igual a v. A quantidade de movimento
total transportada pelo corpo é pois igual a
v + v + v + ... = mv, representando mo número
de partes contidas no corpo - dizemos hoje a sua
massa. (Os tratados de física dizem habitual-
mente que a quantidade de movimento é .igual
«ao produto da massa pela velocidade»; como
é que «se multiplica» uma massa por uma
velocidade? Prefiro a definição operacional de
Descartes.)
Grande viajante - como Demócrito e Des-
cartes -, o filósofo, geómetra, escritor brilhante,
46 Pierre Louis Moreau de Maupertuis (1698-1759)
formula, em 15 de Abril de 1744, perante os mem-
bros da Academia Real de Paris a proposição
que vai imortalizar o seu nome: «Quando um
corpo é levado de um ponto para outro, é
necessária para isso uma certa acção [ ... ].
A quantidade de acção é tanto maior quanto
maior for a velocidade do corpo, e o mais longo
caminho que percorre; ela é proporcional à soma
dos espaços cada um deles multiplicado pela
velocidade com que o corpo o percorre.»
Soma das contribuições de cada uma das
partes, a acção de um corpo que percorre a
distância l à velocidade v é portanto igual
a vl + vl + vl + ... = mvl, em que m representa,
como anteriormente, o número de partes conti-
das no corpo (a sua massa) . E como mv é igual
à quantidade de movimento p transportada pelo
corpo, à moda de Descartes (ver atrás), a acção é
assim igual a pl. Em resumo, ela é, matematica-
mente falando, igual ao produto da quantidade
de movimento pela distância percorrida. Nada
poderia ser mais simples.
Muito bem, diriam vocês. Mas para quê tudo
isso? Aonde é que isto leva? Ainda mais uns
instantes, e tudo vai ocupar os seus lugares.
Examinemos a nossa terceira grande ideia.

Em busca das leis do absoluto


Em 1889, Max Karl Ernst Ludwig Planck
(1858-1947), oriundo de Kiel, em Holstein, foi
nomeado professor de Física na Universidade de 47
Berlim. A 7 de Outubro de 1900, um domingo,
ele recebe a visita do seu colega e amigo, o físico
Heinrich Rubens (1865-1922), professor no
Physikalisch Technische Reichsanstalt de Berlim,
então um dos melhores laboratórios de física
experimental do mundo. Depois da partida de
Rubens, P lanck tem uma «iluminação». Diz ao
seu filho : «Acabo de ter uma ideia que poderá
ser tão importante como a da gravitação de
Newton.» Transcreve a ideia para um postal que
nessa mesma tarde envia a Rubens.
O ponto de partida desta ideia é a «lei da
irradiação do corpo negro » conjecturada em
1858 pelo físico escocês Balfour Stewart (1828-
-1887) e formulada mais precisamente em 1860
por Gustav Kirchhoff (1824-1887). Plànck expri-
miu-a da seguinte forma: «Num recinto fechado
[um forno ] limitado por paredes inteiramente
reflectoras, há um momento em que a radiação
contida no recipiente - com todas as suas pro-
priedades incluindo a sua distribuição espectral
de energia - [depende] apenas e exclusivamente
da temperatura. » Ele verificou que esta lei da
natureza exprimia um «absoluto » e, «tendo
sempre considerado a pesquisa do absoluto
como o objectivo supremo de toda a actividade
científica», meteu ardentemente as mãos à obra.
Comunica os seus primeiros trabalhos ao
ilustre físico austríaco Ludwig Boltzmann (1844-
-1906), fundador da mecânica estatística, que ele
admirava profundamente, submetendo-os à sua
apreciação . Boltzmann respondeu-lhe que, na
48 sua opinião, nunca conseguiria construir uma
teoria verdadeiramente satisfatória da radiação
do corpo negro sem introduzir nos processos de
radiação um elemento de descontinuidade ainda
desconhecido.
Planck introduziu no seu cálculo uma determi-
nada grandeza W e descobre que, para a inter-
pretar como convinha, «era necessário introdu-
zir uma constante universal» a que chamou h,
acrescentando: «Como esta constante tinha as
dimensões de uma acção[ .. . ], dei-lhe o nome de
quantum elementar de acção.»
Planck interrogou-se se não estaria a sonhar:
«Ou toda a minha série de deduções não passa
de um simples artifício de cálculo [... ]. Ou então
o quantum de acção representa qualquer coisa
de insuspeito até aqui... destinado a revolucionar
um pensamento físico baseado na própria noção
de continuidade.» Entremos nos detalhes.
Poder-se-ia julgar que a acção de Maupertuis
é uma grandeza contínua, quer dizer, susceptível
de tomar qualquer valor. Pois bem, não, diz-nos
Max Planck! Existe uma «mais pequena quanti-
dade de acção possível», uma unidade, um
quantum de acção. É certo que, essa unidade,
esse quantum é muito pequeno (à nossa escala
vulgar de grandezas) e é por isso que não a
descobrimos mais cedo. Mas existe, está realizada
na natureza: qualquer acção é necessariamente
um múltiplo inteiro dessa unidade.
Uma vez compreendida, a ideia de Planck é
verdadeiramente simples: tal como existe uma
unidade para os números inteiros (o número 1),
existe uma unidade para a acção, o quantum 49
elementar, h. A acção para transportar um corpo
de um ponto para outro é igual a kh em geral,
sendo k um número inteiro.
Como veremos mais em detalhe nos capítu-
los seguintes, esta noção tornou-se a «alma» da
física contemporânea, a que hoje chamamos a
física quântica. Teremos ocasião de regressar às
relações entre a energia e a acção na segunda
parte deste livro. De momento, contentemo-nos
com familiarizar-nos com a descoberta de
Planck: ela vai tornar-se rapidamente o tema
chave do nosso estudo do átomo. Vamos então à
nossa quarta ideia.

Boy, man and genius .. .


A história de Lord Ernest Rutherford (1871-
-1937) é única nos anais da física. Quarto de uma
família de doze filhos nascidos de pais pouco
endinheirados emigrados na Nova Zelândia,
recebe o Prémio Nobel da Química em 1908, com
37 anos ... embora não tivesse ainda iniciado a
obra que respeita ao nosso assunto e que vai
imortalizar o seu nome! Exemplo surpreendente
de um homem glorificado pelos seus pares antes
mesmo da sua hora de glória ter soado.
Em 1907, atrai a Manchester (pátria de Dalton),
onde ensina, alunos brilhantes. Dois de entre eles
são Hans Geiger (1882-1945) e Ernest Marsden
(1889-1970). Em Maio de 1909, põe-nos a traba-
lhar: «Bombardeiem uma folha de ouro com
partículas alfa, pediu-lhes ele, e contem quantas
50 partículas voltam na vossa direcção.»
....... -..,.'
'

·-·
->
V

(a)

(b)

A acção
a) Segundo Malpertuis (1744), o transporte de um corpo de
massa m sobre a distância 1 à velocidade v requer uma quantidade
de acção igual a mvl.
b) Segundo Planck (1900), a acção é um múltiplo inteiro de
uma unidade universal, o quantum elementar de acção h .

Rutherford tinha anteriormente estabelecido


que algumas substâncias radioactivas, como o
rádon 222, emitem espontaneamente uma radia-
ção potente, a radiação alfa. Sabia também,
desde 1908, que essa radiação era na realidade
constituída por partículas (de núcleos de átomos
de hélio, descobrimos mais tarde).
Uma semana depois, Marsden, que tinha
apenas 20 anos, encontra Rutherford na escada:
« Sir! - Yes? .. » Marsden conta a Rutherford
que em média uma partícula alfa em cada oito
mil r etorna para ele. Rutherford diria mais 51
tarde: «Foi o momento mais extraordinário da
minha vida. Era como se bombardeassem uma
folha de papel com obuses de quarenta milíme-
tros e alguns deles ricocheteassem para si!»
Reflectiu: se as partículas fizeram ricochete, é
porque encontraram na folha de papel de ouro
qualquer coisa de muito duro ... , e muito
pequeno porque, em média, só uma partícula em
cada oito mil é que saltou ...
Retomando a ideia avançada alguns anos
antes por Jean Perrin e pelo japonês Hantaro
Nagaoka (1865-1950), formula então esta
hipótese: o átomo consiste num núcleo em torno
do qual giram electrões. Os electrões são leves,
os núcleos são pesados. É batendo nestes
núcleos duros e minúsculos, que as partículas
alfa ricocheteiam nas experiências descritas
atrás. E mais, os electrões transportam electrici-
dade resinosa (negativa), os núcleos a electri-
cidade vítrea (positiva). A própria electricidade
positiva é granulosa (quer dizer, transportada
sob a forma de «cargas elementares»).
A 7 de Março de 1911, Rutherford, a quem os
seus colaboradores chamavam afectuosamente
boy, man and genius, apresenta o seu modelo
de átomo perante uma audiência petrificada.
O átomo moderno nasceu. Era preciso agora
tentar explicar o mecanismo de funcionamento
íntimo - em suma, torná-lo o «átomo dos físicos».

52
O átomo dos físicos

Segundo Filolaos, o Número é o elo todo-


-poderoso e gerado por si que une eternamente
os objectos do mundo.
JÂMBLICO

P ARA Ecfanto, pitagórico lendário que terá


sido contemporâneo de Demócrito, a
unidade (o «l »), longe de ser urna simples
abstracção, é urna partícula que tem espessura e
consistência. Partindo desta hipótese, Ecfanto
constrói urna verdadeira «teologia aritmética»
segundo a qual a mónada (o «l») e a díade
indefinida (o «2», substracto material da mónada
que é causa) geram números - que geram os
pontos, que geram as linhas, que geram
as superfícies, que geram as figuras a três
dimensões, que geram os corpos sensíveis ... ,
construídos a partir dos elementos de Empé-
docles, a terra, a água, o ar e o fogo. (Sucessor
de Ecfanto, Filolaos de Tarento foi o primeiro
a identificar os elementos com os poliedros
regulares, tese retornada por Platão e já evocada
na p. 21). 53
p

Dispersão da luz através de um prisma


Um raio de sol que entra pela janela iria directamente na
direcção Z; mas, ao encontrar um prisma, muda de direcção e
produz um espectro colorido sobre um ecrã branco P. Desenho de
uma vinheta publicada por Voltaire em 1738 nos seus Elementos
da filosofia de Newton para ilustrar a descoberta daquilo a que
hoje chamamos a espectroscopia.

A ideia de que o número pode desempenhar


um papel fundamental no funcionamento da
natureza em geral e no do átomo em particular
impôs-se por si com a descoberta dos espectros*
atómicos.
Paris, 1627. René Descartes examina a luz do
Sol através de um prisma. Observa que à saída
do prisma os raios, «ao serem conduzidos para
um pano ou papel branco, pintam nele todas as
cores do arco-íris».
Cambridge, 1666. Isaac Newton aperfeiçoa a
experiência de Descartes e dá o nome de «espec-
tro» (spectrum) à imagem colorida produzida
54 à saída do prisma. ·
n=6 n=5 n=4 n= 3

(a)

ü=R(.2__ - _!___)
22 n2
1 cm
n entier

(b) (e)

A fórmula de Balmer
a) As quatro riscas do espectro de hidrogénio utilizadas por
Balmer para estabelecer a sua fórmula.
b) A fórmula de Balmer. (com n = 3, 4, 5 e 6 para as riscas
observadas em cima).
c) Uma rajada de projécteis todos com o mesmo comprimento
passa à velocidade v, dando a impressão de constituir uma onda.
Esta onda é caracterizada pelo número de projécteis que contém
por centímetro, chamado «número de onda», designado por V e
medido em cm-1 . Tipicamente, para a risca vermelha do espectro
de hidrogénio, À= 0,00066 cm e V= 15 233 cm-1 .

Universidade de Heidelberg, no Neckar,


século XIX. Robert Bunsen (1811-1899) inventa o
seu célebre bico de Bunsen cuja chama é incolor.
Gustav Kirchhoff coloca sobre esta chama uma
pequena quantidade de diversas substâncias.
A chama torna-se imediatamente colorida. Aquilo
que ele vê vai revolucionar a física (e a quí- 55
mica): diferente de uma substância para outra, o
espectro constitui uma verdadeira «assinatura
de identificação» da substância considerada.
1859. Julius Plücker e Anders Angstrõm
(1814-1874) estudam o espectro do hidrogénio
por meio de um espectrógrafo no qual a luz a
examinar passa por uma fenda estreita antes de
atravessar o prisma, produzindo um espectro
composto por uma série de riscas* distintas
(sendo cada risca uma imagem d a fenda).
Angstrõm identifica e mede cuidadosamente a
posição de quatro riscas desse espectro.

A fórmula de Balmer
Basileia, 1885. Modesto professor de
Matemática numa escola feminina - e pitagó-
rico convicto-, Johann Jakob Balmer (1825-1898)
examina com atenção os números de onda das
quatro riscas d e hidrogénio publicadas por
Angstrõm. Esses números n ã o t ê m a priori
nada de comum entre si: 15 233, 20 565, 23 032 e
24 373. Persuadido, contudo, de que eles encer-
ram um segredo da natureza e que o «mundo,
a arte e a natureza formam um enorme todo
h a rmoni o s o q u e se p o d e e xplica r a través d e
combinações a propriad as d e números inteiros»,
Balmer dedica-se a tentar descobrir uma fór-
mula que ligue esses quatro números, entre
si, de maneir a simples. Encontra uma, que
publica imed iatame nte numa revis ta cientí-
56 fica local.
A fórmula de Balmer tem qualquer coisa de
fundamental, de elegante, de incontornável.
Dado o papel que ela vai desempenhar na con-
tinuação da nossa história, reproduzimo-la em
todo o seu esplendor no diagrama da p. 55. Ela
não é mais do a «ponta do icebergue». Ao publicar
a sua fórmula, Balmer mostra-a a um professor
de física da universidade de Basileia. Este sur-
preende-se: o quê, não sabia? Desde os seus últi-
mos trabalhos, «eles» identificaram não quatro,
mas dezasseis riscas do espectro de hidrogénio.
Balmer mete-se febrilmente ao trabalho. Milagre!
A sua fórmula explica com precisão o conjunto
das dezasseis riscas. E não é tudo!
Com 20 anos, à data da morte de Balmer,
Walter Ritz (1878-1909) faz em 1908 uma
descoberta surpreendente. Ele anuncia: as ris-
cas de um dado espectro formam uma «con-
fusão »: aparentemente inextricável, e no entanto
é possível agrupá-las em várias «famílias » ou
«séries» distintas, cada uma delas facilmente
identificável e representável, à maneira de
Balmer, pela diferença de dois termos cada um
deles dependente de um número inteiro.
Esta hipótese recebe uma confirmação incon-
testável no próprio ano da sua formulação com a
descoberta por Friedrich Paschen (1865-1947),
em Tübingen, de uma série até aí desconhecida
de riscas do espectro de hidrogénio correspon-
dentes à fórmula balmeriana V= R(l/3 2 - l/n 2 ),
e a descoberta, por Theodor Lyman (1874-1954)
em Harvard, pouco tempo depois, de uma outra
série correspondendo esta a V= R(l / 12 - 1 / n 2 ). 57
Essas duas séries tinham até aí escapado à
atenção geral porque correspondiam a riscas
situadas, umas, na região infravermelha do
espectro, e outras, na região ultravioleta.
Admire mos ainda aqui a maravilhosa
presciência da visão pitagórica do mundo: do
cosmos ao átomo, os números governam o
universo.

Entremos no átomo
As ideias de Balmer e de Ritz intrigavam
muito os físicos, mas estes tinham outras
preocupações mais urgentes do que a de explicar
o seu sucesso. Porque é que, perguntavam-se
eles, os electrões no átomo não «caem» para o
núcleo? Em princípio isso deveria acontecer,
devido tanto ao seu peso (atracção gravi-
tacional), como à atracção eléctrica exercida pelo
núcleo - uma razão ainda mais forte. Alguma
coisa, com toda a evidência, o impede. Mas
o quê?
Estudante na universidade de Viena em 1910,
Arthur Haas (1884-1941) tenta responder a esta
questão. Ele imagina um electrão a oscilar no
interior do átomo e considera que esta oscilação
corresponda precisamente a um quantum de
acção de Planck. Deduz deste modelo rudimen-
tar um «raio» para o seu átomo igual a cerca de
0,55 x 10-7 milímetros. Resultado notável: pela
primeira vez, um cálculo teórico permitiu
58 atribuir uma «dimensão» (plausível) ao átomo.
(Infelizmente para Haas, como só se empresta
aos ricos, o seu raio é hoje conhecido pelo nome
de ... «raio de Bohr».)
Dois anos mais tarde, em Cambridge, John
Nicholson (1881-1955) retoma a ideia de Haas
sob uma forma aperfeiçoada: imagina um elec-
trão de massa m girando à velocidade v numa
órbita circular no interior do átomo, e considera
que a acção para completar uma órbita seja igual
a um número inteiro de quanta. esta acção cal-
cula-se facilmente: se o raio da órbita for r, a
distância do caminho percorrido no fim de uma
volta é 27rr e a acção é pois i gual a 27rrmv .
Nicholson estipula então 27rrmv = kh, sendo k
inteiro.
Convencionou-se chamar «momento angu-
lar» do electrão e designa-se pela letra L a
expressão rmv. O resultado de Nicholson
escreve-se então L = kh/2'IT (k inteiro). É o
mesmo que dizer que, no átomo, o momento
angular do electrão está «quantificado». Já não
dizemos hoje que «os electrões giram em órbitas
Circulares no interior dos átomos», mas continua-
mos a dizer que o seu momento angular está
quantificado.

Os saltos quânticos
17 de Julho de 1912. O maior matemático
do seu tempo (um dos maiores matemáticos de
todos os tempos), Henri Poincaré (nascido em
1854), morre em sua casa, n a rua Gay-Lussac 59
em Paris. Numa série de artigos publicados sob
a forma de livro depois da sua morte, escreve:
«É preciso explicar as leis tão curiosas da repar-
tição das riscas no espectro. Segundo os traba-
lhos de Balmer, de Runge, de Kaiser, de Rydberg,
essas riscas repartem-se em séries e em cada
série obedecem a leis muito simples.» Ele lança
as bases de uma explicação: «Da mesma forma
que uma corda vibrante tem uma infinidade de
graus de liberdade, o que lhe permite dar uma
infinidade de sons cujas frequências são múl-
tiplas da frequência fundamental, [... ] não pode-
ria o átomo dar, por razões idênticas, uma
infinidade de luzes diferentes?»
Mas aponta uma dificuldade: «Segundo as
leis espectroscópicas [contrariamente ao que se
passa com a corda vibrante], a frequência não
se torna infinita para as harmónicas de grau
infinitamente elevado.» (De facto, em cada série,
a frequência tende para um limite.) Assim, diz-
-nos Poincaré, «a ideia tem que ser modificada
ou abandonada». E constata: «Até aqui resistiu a
todas as tentativas, recusou adaptar-se.»
Poincaré utiliza então uma ideia curiosa pro-
posta por Ritz, pouco tempo antes da sua morte,
para explicar esta «anomalia» aparente: «[Ritz
representa] o átomo vibrante corno formado por
um electrão girando e vários rnagnetões* postos
topo a topo. Não é a atracção electrostática dos
electrões que regula os comprimentos de onda, é
o campo magnético criado pelos magnetões. »
Voltaremos a encontrar esta ideia - sob uma
60 outra forma - na segunda parte d este livro.
Num segundo artigo, intitulado «A hipótese
dos quanta», Poincaré afirma: «Um sistema físico
[como, por exemplo, um átomo] não é susceptível
senão de um número finito de estados distintos;
ele salta de um desses estados para outro sem passar
por uma série contínua de estados intermédios »
(os itálicos são de Poincaré).
Detenhamo-nos um instante sobre este texto,
acto fundador da teoria moderna do átomo. Que
se entende por um «estado» do átomo? A teoria
de Nicholson explica-o. Tomemos o exemplo
mais simples, o do átomo de hidrogénio, que
contém apenas um electrão. Segundo Nicholson,
este electrão encontra-se numa órbita correspon-
dente a um número inteiro de quanta de acção.
Esse número inteiro - esse número quântico -
define um estado do electrão e, mais geralmente,
um estado do átomo. (Para um átomo com
vários electrões, a definição será mais complexa,
mas é da mesma ordem. Voltaremos a falar
nisso.)
Debrucemo-nos agora sobre a segunda parte
do texto de Poincaré. Como é que o átomo passa
de um estado para o outro? Segundo Poincaré,
efectuando «saltos» (dizemos hoje saltos quân-
ticos). Muito bem, mas como é que - e porquê -
o átomo efectua esses saltos? Nunca saberemos
como é que Poincaré, se estivesse vivo, respon-
deria a esta pergunta. Sabemos unicamente o
que outros, na sua esteira, concluíram.
Setembro de 1911: Niels Bohr (1885-1962),
que acaba de defender a sua tese de doutora-
mento na Universidade de Copenhaga, chega a 61
casa de sir Joseph, em Cambridge, para uma
estada de estudo de quatro meses. Nicholson
explica-lhe a sua ideia a respeito da quantificação
do momento angular do electrão no átomo. Bohr
não ficou impressionado (di-lo-á mais tarde), em
parte porque Nicholson tinha aplicado a sua
teoria a um átomo hipotético, baptizado por
nebulium porque se pensava que estava presente
nas nebulosas; sabemos hoje que se tratava na
realidade de um ião do átomo de oxigénio.
Fevereiro de 1913. Bohr empreende a redacção
de um longo artigo sobre o átomo. Hans Marius
Hansen (1886-1956), especialista de espectros-
copia, pergunta-lhe: «Será que o seu artigo expli-
cará a fórmula?» Bohr sobressalta-se. A fórmula?
Que fórmula? Bohr inicia-se então na fórmula de
Balmer de que falámos - contra todas as expecta-
tivas, ele, o especialista em potência do átomo,
não a conhecia. É uma paixão. Bohr apercebe-se
de que a fórmula de Balmer contém uma teoria
implícita do átomo e que, para compreender o
átomo, é preciso tentar compreender o que esta
fórmula tenta dizer.

Como funciona um átomo?


Tentemos decifrar por nosso lado a fórmula
codificada de Balmer. Ela exprime a frequência
da radiação do átomo sob a forma de uma
diferença entre dois termos. Separemos esses
dois termos e multipliquemo-los por h, e obtere-
62 mos hv = Rh/2 2 - Rh/n 2 • Segundo Poincaré,
admitamos que cada um dos termos da nossa
equação representa um estado distinto do átomo
e admitamos que o átomo efectua um salto
quântico - «salto de um estado para outro» -
quando emite (ou absorve) a radiação. Admita-
mos que tudo isso seja verdade. Que represen-
tam então Rh/22 e Rh/n2 precisamente? Os trata-
dos de física respondem: «A energia do átomo
antes e depois do salto.»
O que é que se passa na realidade? Temos, à
partida, um núcleo e um electrão livres; cada um
deles tem a sua energia própria, sendo a energia
do conjunto a soma das duas. O electrão entra
no campo do núcleo e forma com ele um átomo.
Esse processo é acompanhado de uma perda de
energia. É esta perda de energia que os nossos
termos representam.
Teoria subtil do átomo, a fórmula de Balmer
permite-nos seguir a variação da energia quando
o núcleo e o electrão se unem para formar um
estado quântico estacionário.
Construído com o objectivo confessado de
«reproduzir» a fórmula de Balmer - ela mesma
magicada para explicar o espectro de hidrogé-
nio -, o «átomo de Bohr» incorpora ao modelo
de Nicholson (um electrão a girar numa órbita
circular com um momento angular quantificado)
a ideia dos saltos quânticos de Poincaré e as con-
siderações sobre a radiaçã o que a cabá mos de
apresentar. Na sua obra sobre o átomo publicada
recentemente, Bernard Pullmann conta que o
sucesso das proposições de Bohr «foi grande, e
tanto mais p articular quanto se b aseav a apenas 63
em intuições geniais, fundadas, é certo, em
profundas reflexões. » Da parte de Bohr, ou da
parte de Haas, de Nicholson, de Poincaré e de
quem mais? Mas isso é outra história. Voltemos
ao átomo.

Quantos electrões tem um átomo?


Quando se submete um átomo à acção de
raios X, esses raios ejectam um electrão do
interior do átomo; um segundo electrão toma
imediatamente o lugar do electrão ejectado.
A transição é acompanhada - e portanto mani-
festa-se - pela emissão de um raio X secundário,
perfeitamente assinalável.
Cambridge, 1913. Trabalhando dia e noite «a
uma velocidade espantosa e [com] um excesso
de energia característica da sua personalidade»,
Henry Moseley (1887-1915) mede o raio
secundário emitido pelos á tomos d e todos os
elementos que consegue apanhar. Descobre que
o comprimento de onda de uma das riscas do
espectro secundário - a risca que os especialistas
chamam a Ka - varia de um elemento para outro
de acordo com uma fórmula muito simples do
tipo da d e Ba lme r, tendo a v a ntagem , a lé m
disso, d e depender explicitamente do número de
electrões presentes no átomo.
Admiremos o extraordinário talento de
Moseley, que, de repente, se põe a contar os
electrões no interior do átomo e nos revela um
64 dos g randes segredos d a naturez a , at é aí b em
guardado. Curiosamente, com base nos resulta-
dos obtidos, sir Joseph emite primeiro a opinião
de que convém agrupar os elementos em duas
famílias, «os membros sucessivos em cada
família progredindo pela adição de uma unidade
comum, embora os membros de uma família não
possam converter-se nos de outra pela adição ou
subtracção desta unidade». Sir Joseph mudará
de opinião: os melhores físicos sucumbem por
vezes (provisoriamente) a miragens.

Números quânticos
Munique, 1916. Arnold Sommerfeld (1868-
-1951), também ele pitagórico do fundo da alma,
questiona-se: por que é que o electrão do átomo
de hidrogénio seria obrigado a girar em órbitas
circulares? Por que é que ele não poderia em vez
disso girar em órbitas elípticas?
Tal como Cristóvão Colombo ao descobrir a
América pensando estar a chegar às Índias,
Sommerfeld constrói um novo modelo do átomo
que o leva para bem longe do próprio modelo,
para terras inexploradas da física atómica
nascente. O modelo «ingénuo» do átomo desen-
volvido por Haas e depois por Nicholson levava
a definir um número quântico k, precisando o
número de unidades de acção para uma volta do
electrão na sua órbita. Sommerfeld introduz
dois números quânticos que lhe permitem quan-
tificar o movimento em função dos dois eixos
das suas elipses. 65
As elipses de Sommerfeld «evaporaram-se»
mais tarde da física, mas os números quânticos
que as sustentam permaneceram. Parte inte-
grante das terras novas descobertas pelo genial
muniquense, estão no centro da física moderna
do átomo. Tentemos por um instante avaliar o
seu significado mais profundo. Seguiremos, com
este objectivo, algumas etapas do raciocínio uti-
lizado por Sommerfeld para obter os seus resul-
tados. A ideia de Sommerfeld equivale a dizer
que os dois eixos a e b da elipse que constitui,
segundo ele, a órbita do electrão devem ter entre
si uma relação igual à de dois números inteiros,
n e k, segundo a equação a/b = n/k. Como numa
elipse o eixo menor b é no máximo igual ao eixo
maior a (caso·em que elipse se torna um círculo),
k é pois, no máximo, igual a n.
Para verificar alguns pormenores do espectro
do hidrogénio chamados de «estrutura fina» que
as teorias de Haas, de Nicholson e de Bohr
tinham ignorado, Sommerfeld considera k = l + 1
e introduz no seu modelo um terceiro número
quântico m que pqde tomar os valores inteiros
compreendidos entre -l e +l; e depois .. . um
quarto número quântico de que falaremos mais
à frente.
Muito bem, dirá você, mas o que é exac-
tamente um n úmero quântico? Por que é que
são necessários quatro para designar os esta-
dos do electrão no átomo? Trata-se aqui, na
minha opinião, de um mistério ainda bem escon-
dido da natureza. Examinemos a coisa de mais
66 perto.
O que é um número quântico? Com um
único número quâ ntico, era fácil dizer que ele
media a acção. Com quatro números quânti-
cos, põe-se a seguinte questão: por que é que é
preciso quantificar quatro vezes a acção?
Em quatro «direcções» diferentes, diria você.
É efectivamente o que parece acontecer. Admite-
-se geralmente que os números I e m quantificam
uma «rotação» electrónica no átomo (do tipo
da concebida inicialmente por Nichols on).
O número quântico «principal» n, em contra-
partida, parece quantificar uma acção que nada
tem a ver com uma rotação. Quanto ao quarto
número ... falaremos dele dentro em pouco
(cf. também p . 69 e 106).
Tudo is to permanece muito mis t e rios o ,
reconhecemos, a menos que nos limitemos a
aceitar os resultados sem procurar compreendê-
-los. É a atitude de muitos físicos hoje, para
quem a física pode - deve - dispensar interpre-
tações de fenómenos além d as d e natureza pura-
m ente matem á tica.
É d e facto verdade que, r epito, os números
quânticos se referem, todos e sempre, à medição
de uma acção. Veremos mais detalhadamente na
segunda parte deste livro por que é que esta
questão se mantém tã o apaixona nte e .. . funda-
m ental.

e números mágicos
Munique, 1916. Um ano d epois d a morte de
Moseley, a 10 d e Agosto d e 1915, na batalha de 67
Suvla Bay, na Crimeia, Walther Kossel (1888-
-1956), aluno de Sommerfeld, procura alargar as
teorias do seu mestre aos átomos com v ários
electrões. Concebe um modelo tridimensiona l
(Bohr nesta altura imagina os átomos como
sendo «planos», de que os electrões giravam em
órbitas circulares concêntricas). Depois, anotando
o facto de os átomos dos gases raros (também
chamados gases nobres) - hélio, néon, árgon .. . -
interv irem d ificilmente em reacções químicas,
avança a ideia de que, no átomo, os electrões
ocupam camadas concêntricas (tridimensionais),
não podendo cada urna delas receber senão um
número m áximo de electrões, e não sendo esse
número necessariamente igual de uma camada
para a outra: 2 para a camada mais próxima do
núcleo, designada pela letra K; 8 para a segunda
camada, designada pela letra L; 8 para a terceira
camada, designada pela letra M, etc. Quando
num átomo a s camadas ocupadas estão satu-
radas, quer d izer, contêm o número máximo de
electrões que podem receber, o átomo forma um
pequeno sistema fechado particularmente estável
e pouco propenso a ganhar ou perder electrões.
Pelo contrário, quando uma das camadas está
incompleta, o átomo tem capacidade de captar
- ou d e perde r, conforme o ca so - um e l e ctrão
p ara atingir urna configuração estáv el.
2, 10, 18 ... , a lista dos números correspon-
dentes a á tomos particularmente estáv eis ia
em breve cre scer com muitos números suple-
mentares (3 6, 54, 86) corres pond e ntes a o s
68 á tomos d e crípton, xénon e rádon, também gases
raros, descobertos recentemente . Mas porquê
esses números? Porquê estes e não outros?
«Explicá-los » - como se tinha «explicado » a
fórmula de Balmer - tornava-se o problema
número um da física atómica nascente.

O spin do electrão
Passam-se coisas interessantes no átomo
quando o submetemos à acção de um campo
magnético (efeito Zeeman) ou de um campo eléc-
trico (efeito Stark). Esses efeitos manifestam-se
nomeadamente por uma modificação da aparên-
cia do espectro. O estudo dessas modificações no
caso do hidrogénio levou Sommerfeld a incluir
um quarto número quântico na sua teoria. Ele
tinha introduzido os três primeiros a partir
de considerações puramente geométricas: for-
mas e orientações espaciais de órbitas electróni-
cas. Para explicar o efeito de Zeeman, descoberto
por Pieter Zeeman (1865-1943) em Leyde em
1896, Sommerfeld postula a existência de uma
«rotação escondida» do electrão no interior do
átomo - rotação de um tipo diferente do consi-
derado para a descrita por l e m.
1923. Virtuoso nestas coisas, Alfred Landé
(1888-1975) aperfeiçoa a hipótese de Sommerfeld
postulando que, contrariamente aos outros
números quânticos, o novo número só poderia
tomar valores semi-inteiros: 1/2, 3/2, etc. Perante
estas brilhantes penetrações intuitivas, Wolfgang
Pauli (1900-1958), então com 23 anos, insur- 69
ge-se: «Sommerfeld tenta livrar-se das difi-
culdades ... seguindo a sua convicção íntima da
harmonia da natureza.»
Hamburgo, 1924. Pauli mostra o seu jogo: há
realmente uma rotação escondida no átomo,
afirma, e esta rotação corresponde na verdade a
valores semi-inteiros, mas não é atribuível a um
movimento do electrão no átomo; corresponde
a uma «rotação intrínseca » do electrão sobre
si próprio, correspondendo aos dois valores
semi-inteiros+ 1/2 e -1/2.
Janeiro de 1925. O jovem americano Ralph de
Laer Kronig, durante uma deslocação de estudo
à Europa, chega a Copenhaga com uma ideia
brilhante na cabeça, que explica a Kramers, assis-
tente de Bohr. Pauli, que assiste à conversa,
ridiculariza a sugestão: «É uma ideia brilhante,
que nada tem, evidentemente, a ver com a reali-
dade! » Kronig guarda a ideia para si.
20 de Novembro de 1925. Estudantes na Uni-
versidade de Leyde, George Uhlenbeck (1900-
-1988) e Samuel Goudsmit (1902-1978) publicam
um artigo em que anunciam que o electrão é ani-
mado de um movimento intrínseco de rotação
susceptível de duas orientações quando o elec-
trão se encontra colocado no campo de um íman.
Em Nova Iorque, Kronig toma conhecimento da
novidade; escreve a Kramers: «De futuro terei
confiança no meu próprio juízo e menos no dos
outros. » Informado, Bohr exprime a Kronig
«a sua consternação e as suas profundas descul-
pas». Kronig responde-lhe: «Não me queixei [... ]
70 senão para fustigar os físicos do tipo «pregador»
que estão sempre tão seguros de si e enfatuados
com as suas próprias opiniões. » Magnanima-
mente, Uhlenbeck devia declarar em 1976: «Não
há qualquer dúvida de que Kronig tinha anteci-
pado o essencial da nossa ideia. »
Aqui está esta ideia: o electr ão possui um
spin*. Encontra-se - eternamente! - em «rotação
em torno de si próprio» com uma velocidade
correspondente a ... metade de uma unidade de
acção. Metade de uma unidade de acção? Vere-
mos na segunda parte desta obra como é que
se pode compreender esta aparente anomalia.

Três trovões abalam a física ...


Paris, 1923. Persuadido de que o electrão pos-
sui uma «fase interna», uma espécie de pequeno
relógio elementar que o acompanha nas suas
deslocações, Louis de Broglie (1892-1987) supõe
que «quando um electrão descreve uma órbita
em torno do núcleo no átomo de hidrogénio, a
sua «fase interna » [ ... ] varia de um número
inteiro de períodos durante cada volta na órbita»,
razão pela qual, pensa, «a órbita seria instável».
A hipótese não dá imediatamente o resultado
esperado. De Broglie modifica-a. «Fez-se então
uma enorme luz no meu espírito», diria mais
tarde; ele imagina que o electrão é uma partícula
acompanhada de uma onda e obtém o seguinte
resultado: «Se o electrão descreve a órbita par-
tindo de um ponto qualquer[ .. . ], sendo a órbita
fechada (por exemplo circular) e indo a onda ?1
mais depressa do que a partícula, ela apanhará
esta»; mas o electrão será estável na sua órbita
«se a onda o apanhar entrando em fase com ele»,
explicando assim o papel desempenhado pelos
números inteiros no átomo. Assim nasceu, com
um toque de varinha mágica, a mecânica ondu-
latória de Louis de Broglie. Fez sensação, mas
não por muito tempo, porque entretanto . ..
Ilha de Helgoland, mar do Norte, 7 de Junho
de 1925. Werner Heisenberg (1901-1976), então
com 23 anos, tenta desenvencilhar-se de uma
severa crise de asma que o oprime durante
várias semanas. Sentado numa rocha às 3 horas
da manhã, contempla o mar e recorda o poema
de Goethe, West-Ôstlicher Divan. É então que, de
repente .. . De volta a Gõttingen, redige um artigo
que confia a 9 de Julho ao físico Max Born (1882-
-1970), não ousando, diz-lhe, submetê-lo a uma
revista científica séria de tal forma era «extra-
vagante». Ao ler o artigo, Born descobre que
Heisenberg utilizou, para explicar o átomo,
uma técnica bizarra que lhe faz no entanto
lembrar qualquer coisa: assemelha-se à técnica
matemática obscura chamada «cálculo matri-
cial». Auxiliado pelo seu aluno Pascual Jordan
(1902-1980), Born torna o artigo «inteligível»
e envia-o à revista Zeitschrift für Physik, que o
publica.
Zurique, Novembro de 1925. O austríaco
Erwin Schrõdinger (1887-1961) toma conhe-
cimento do artigo de Heisenberg e sobretudo
da tese de doutoramento de De Broglie, defen-
72 dida na Sorbone no ano anterior. A tese é
impressionante. «Os números inteiros intervêm
em mecânica ondulatória da mesma forma natu-
ral com que os nodos intervêm na teoria das cor-
das vibrantes». (cf. diagrama p. 74). Schrodinger
aperfeiçoa então a equação que vai ser a sua glória
e ... subverter tudo. Ele mostra que esta equação,
equivalente à teoria proposta por Heisenberg,
resume todos os resultados conhecidos até aí a
respeito do átomo, incluindo, bem entendido, a
incontornável fórmula de Balmer! Adeus mecâ-
nica ondulatória ... , bom dia mecânica quântica!
Vimos que, para de Broglie, o electrão é acom-
panhado de uma onda cuja fase é o elemento
importante (é por permanecer em fase com a sua
onda que o electrão segue um movimento parti-
cular - um movimento quantificado). Schrodinger
adopta a ideia da onda mas faz ressaltar a sua
amplitude. É preciso, diz ele, que a amplitude se
anule onde o electrão não pode ir, por exemplo no
infinito. Ao obrigar a onda a ter «nodos» (pontos
onde a sua amplitude se anula), essas «condições
nos limites» introduzem a quantificação na teoria:
o número de nodos torna-se um número quântico.
Teoria espantosa que, em prejuízo de Louis
de Broglie, teve nomeadamente o efeito de rele-
gar a fase de onda para a secção dos objectos
esquecidos. Foi preciso esperar... a publicação
da presente obra para que alguém - sem ser
o próprio de Broglie - tentasse restituir à fase o
seu papel, como veremos com mais pormenor na
segunda parte do livro.
Voltemos brevemente atrás. Perguntámo-nos
(cf. p. 67) porque é que eram necessários quatro 73
Como vibra uma corda
Um corda esticada fixa pelas duas extremidades (como uma
corda de guitarra) vibra produzindo harmónicos caracterizados
pelo número de «nodos» em que a corda permanece imóvel
durante a vibração.

números .quânticos para quantificar a acção no


átomo. Juntos, o espaço e o tempo constituem
o espaço-tempo a quatro dimensões da relati-
vidade - quatro dimensões, portanto quatro
direcções para quantificar a acção. Delibera-
damente construída na base de quatro compo-
nentes, a equação inventada por Paul Dirac
(1902-1984) em 1928 para satisfazer as exigên-
cias da relatividade introduz directamente no
modelo os quatro números quânticos (entre eles
o correspondente aos valores semi-inteiros do
spin). Esse resultado justifica, sem no entanto
explicar completamente, porque é que são
necessários quatro (em vez d e três) números
quânticos para quantificar a acção no átomo .

. . . depois um relâmpago ilumina o céu


Princeton, Estados Unidos, 1941. Estudante
74 americano de origem russa, Richard Feynman
(1918-1988), então também com 23 anos, vai
à Nassau Tavern para aí beber tranquilamente
uma cerveja. Em visita a Princeton, o profes-
sor Herbert Jehle, um antigo colaborador
de Schrodinger em Berlim, senta-se à mesa.
Feynman pergunta-lhe se ele sabe utilizar o
conceito de acção em mecânica quântica. Jehle
responde que não, mas que Dirac (herói
de Feynman!) tinha publicado um artigo sobre
esse assunto cerca de oito anos antes. Os dois
homens recuperam o artigo em questão no dia
seguinte.. . numa obscura revista sovié-
tica, Physikalische Zeitschrift der Sowjetunion .
Feynman pega num giz, instala-se num quadro
negro e descasca o artigo do seu ilustre ante-
cessor.
Jehle não acredita no que vê! Abre um bloco e
toma febrilmente umas notas ... De repente
aparece diante dele a equação de Schrodinger!
Feynman acaba simplesmente de inventar diante
dele uma nova forma de fazer um cálculo em
mecânica quântica!
O método inventado por Richard Feynman
nesse dia interessa-nos no mais alto grau porque
está inteiramente fundado na noção de acção,
que nos é tão cara ... e que a mecânica quântica
tinha, grandemente, abandonado entretanto.
«Conseguimos encontrar uma forma para a
acção apenas dependente do movimento das
cargas, diz-nos Feynman. Consegui também
descobrir aquilo que os velhos conceitos de ener-
gia e de quantidade de movimento significam
para esta acção generalizada. » 75
Estudaremos as ideias de Feynman mais
detalhadamente na segunda parte deste livro.
Entretanto, completemos a nossa narrativa
dizendo algumas palavras a propósito do átomo
com vários electrões.
1921. Ocupado em organizar o seu lnstitut
for Teoretisk Fysik, Bohr sulca a Europa, dei-
xando entender por toda a parte que tinha cal-
culado qualquer coisa, mas o quê? Arnold
Sommerfeld impacienta-se. Até Rutherford fus-
tiga Bohr. A situação está tensa. Porque Bohr . ..
não calculou nada. «A verdade, dirá Kramers, é
que ele tinha criado simplesmente, com uma
visão divina, uma síntese dos resultados da
espectroscopia e dos da química.» Situação tanto
mais dramática quanto os rumores que come-
çavam a circular nos meios da física de que Bohr
(mais do que Sommerfeld) tinha sido escolhido
para receber o Prémio Nobel da Física nesse ano
- o que aconteceu realmente em 16 de Dezembro
de 1922.

Fazer falar os espectros


Ao fazer «falar » o espectro de hidrogénio,
a fórmula de Balmer tinha tornado possível a
elaboração de um primeiro modelo do átomo .
A fórmula de Ritz, cujo autor tinha morrido
entretanto com 30 anos, ia permitir aprofundar
esse modelo facilitando nomeadamente o estudo
minucioso do espectro dos metais alcalinos: lítio,
76 sódio, potássio, rubídio e césio.
O átomo dos metais alcalinos contém um
«electrão de valência» cujo comportamento faz
lembrar imenso o do electrão do átomo de
hidrogénio. Tomemos o exemplo mais simples,
o do átomo de lítio.
O átomo de hidrogénio contém um electrão,
o átomo de lítio contém três. Mas tudo se passa
como se dois dos seus electrões, intimamente
ligados ao núcleo, pudessem ser ignorados no
estudo das propriedades observáveis do átomo.
Esta constatação permite conceber o átomo de
lítio e o dos metais alcalinos em geral como
átomos de hidrogénio «modificados», quer dizer
contendo, como ele, um único electrão.
A análise do espectro fundada nesta afir-
mação permite descobrir o seguinte facto notá-
vel: o átomo nunca «salta» arbitrariamente de um
estado para outro. Só alguns saltos é que pare-
cem «autorizados» e contribuem para o espectro.
Esta constatação está na origem daquilo a que
hoje chamamos as «regras de selecção». A princi-
pal dessas regras atribui ao número quântico l
um papel preponderante no átomo: só são permi-
tidas as transições em que l mude de uma
unidade. Voltaremos a falar nisso. Vejamos agora
que partido é que os teóricos conseguiram tirar
dessas observações nos seus esforços para apro-
fundar e aperfeiçoar a teoria quântica do átomo.

Os números mágicos explicados


Dezembro de 1924. Wolfgang Pauli examina
de perto a informação acumulada pelos especia- 77
listas da espectroscopia na interpretação dos
espectros.
Para cada átomo, os espectroscopistas tinham
estabelecido, nomeadamente, uma lista dos esta-
dos quânticos que contribuem para o espectro -
estados a que chamam «termos» porque eram
identificados como um dos «termos» da fórmula
de Ritz. Do ponto de vista teórico, o que é um
termo? Ele corresponde a um estado quântico do
átomo no qual um conjunto de números quânti-
cos é atribuído a cada electrão. Trata-se aqui, evi-
dentemente, de uma aproximação: em princípio,
só o conjunto do cortejo electrónico pode ser
quantificado. Mas sem esta aproximação nada
seria possível, de tal forma são difíceis os cál-
culos. Pelo menos contentar-nos-emos com isso,
de momento.
Pauli examina de perto a lista de termos esta-
belecida pelos especialistas. E descobre o
seguinte: nenhum dos termos inscrito na lista
corresponde a um estado do átomo em que dois
ou mais electrões possuam os mesmos números
quânticos. Tudo se passa, diz Pauli, como se tais
estados fossem «interditos». Ele decide que o
são. Formula então, e publica em seguida, o seu
célebre «princípio de exclusão » ou princípio de
Pauli, segundo o qual «dois electrões num
átomo não podem ter os mesmos números quân-
ticos », ou melhor: «Üs electrões num átomo
têm todos eles números quânticos diferentes. »
O que é engraçado na descoberta deste
princípio é que os números quânticos de que se
78 trata não existem ... senão na imaginação do
teórico (rigorosamente, já o dissemos, apenas o
conjunto do cortejo electrónico pode ser quanti-
ficado)! Contudo, o princípio é válido, mas por
uma razão que só surgirá mais tarde depois do
formalismo da mecânica quântica ter progredido
substancialmente.
Para melhor avaliar o que está em jogo,
comecemos pela notação inventada pelos espec-
troscopistas para designarem os seus termos.
O leitor pode ficar tranquilo, essas convenções
espectroscópicas não são difíceis de dominar.
Dado o papel particular que o número quân-
tico l desempenha na teoria dos espectros, foi
necessário convencionar representar simbo-
licamente os valores que ele pode tomar: s para
l = O, p para l = 1, d para l = 2, f para l = 3, etc.
Essas designações correspondem a conceitos
espectroscópicos hoje esquecidos: s para sharp,
p para principal, d para diffuse, etc.
Juntos, n e l indicam uma configuração: na
ordem crescente dos valores, as configurações
possíveis são então ls, 2s, 2p, 3s, 3p, 3d, etc.
(2p por exemplo corresponde a n = 2, l = 1; 3d a
n = 3, 1 = 2, etc.). O número quântico m toma valo-
res inteiros compreendidos entre - Ze + l, ou seja,
ao todo 21 + 1 valores distintos. A configuração nl
corresponde assim a 21 + 1 estados distintos. Mas
como o número quântico correspondente ao spin
do electrão pode tomar dois valores, + 1/2 e
-1/2, teremos finalmente 2(21+ 1) estados distintos.
Eis-nos chegados ao fim do nosso esforço.
Ao aplicarmos o exposto ao número de electrões
presentes em cada configuração, os termos 79
correspondentes aos átomos dos gases raros são:
ls 2 para o hélio, ls 2 2s 2 2p 6 para o néon,
l s 22s 22p63s 23p6 para o árgon ... , o que nos dá, para
o número total de electrões nesses átomos :
10 para o néon, 18 para o árgon, 36 para o crípton ...
Milagre! 10, 18, 36 ... Esses números são os nos-
sos números mágicos evocados atrás (cf. p. 68)!
Falarei aqui de uma outra forma de obter
esses números. É fundada num pequeno jogo
numérico que teria certamente encantado
Balmer e Ritz se eles o tivessem conhecido. Digo
que os nosso números são ... somas de quadra-
dos.
De facto temos, como o leitor facilmente o
poderá verificar:
2 (1 2 + 2 2 )= 10,
2 (1 2 + 2 2 + 2 2) = 18,
2 (1 2 + 22 + 22 + 3 2 ) = 36,
2 (1 2 + 2 2 + 2 2 + 32 + 3 2 ) = 64
e 2 (1 2 + 22 + 2'! + 32 + 32 + 4 2) = 86,

para não citar mais do que os primeiros cinco


desses números. Mas que significa este resultado
surpreendente?
Para responder a esta questão - e aqui é que
está o nosso jogo -, farei apelo a um teorema
muito simples da te oria dos números segundo
o qual «a soma dos n primeiros números ímpa-
res consecutivos é igual a n 2 » , (assim 1 + 3 = 22 ) ,
teorema que nos permite converter em somas de
números ímpares os quadrados que apareciam
nas nossas fórmulas, por exemplo: 12 + 2 2 = 1 +
80 + (1+3). O ra qualquer número ímpar é da forma
geral 21+ 1 ... E o círculo fecha-se, em acordo
perfeito com os resultados obtidos pelo método
convencional. Os números inteiros estão deci-
didamente no âmago do átomo!
Assim foi finalmente «explicado», com base
numa aproximação parcialmente empírica, a
origem desses números que tinham intrigado
tanto os físicos no início da grande aventura.
Com esta descoberta, o átomo dos físicos e o
átomo dos químicos, partindo no entanto de
pontos de vista literalmente diferentes, fundi-
ram-se por fim num conceito igualmente satis-
fatório para as duas disciplinas.
Que poderemos concluir disto? Que a
natureza se nos apresenta com aspectos bem
diferentes e que nos devemos regozijar quando
conseguimos formular este ou aquele modelo do
seu funcionamento que ela parece ter pelo
menos parcialmente realizado. Mesmo se esses
modelos não passam, aos olhos de todos, de
modestas aproximações de uma realidade para
sempre inatingível.

81
Pensamos saber tudo
E ter dito tudo sobre o átomo ...

Poderia ter-se no entanto


Que recomeçar tudo de novo!
Repensar o átomo
A armadilha Sísifo
Poço de luz utilizado na Escola Normal Superior para capturar
átomos.
© G. Grynberg
84
uma escola de pensamento contem-
S EGUNDO
porânea na física, é inútil - e de qualquer
modo impossível - saber com precisão o que é
que se passa no interior do átomo. Contentar-
-nos-emos com dizer, por exemplo, que o átomo
é capaz de «absorver» ou «emitir» uma partícula
de luz sem com isso procurar representar ou
esclarecer melhor o próprio processo.
Esta maneira de pensar não satisfaz o pai de
Richard Feynman. Este perguntava insistente-
mente ao seu filho: «Quando um átomo faz uma
transição de um estado para outro, emite um
fotão. De onde vem esse fotão? (Episódio muitas
vezes contado pelo próprio Richard Feynman.)
Uma coisa é interessar-se pela maneira como
o átomo estabelece as suas ligações químicas
para formar as moléculas, ou escrever uma
equação que permite traduzir espectros; uma 85
outra é procurar saber o que se passa no interior
do átomo: de que modo é que o núcleo retém
electrões sob a sua influência? De que modo é
que os electrões se repelem mutuamente entre si?
Na minha opinião, e explicá-lo-ei, convém
dar uma nova resposta a estas questões. Nesta
segunda parte, estudaremos então os processos
elementares que têm lugar no interior do átomo
e tentaremos explicá-los a partir de novas ideias.
A questão depressa será resolvida: ou con-
seguimos atingir uma melhor compreensão do
funcionamento do átomo, e nesse caso atingimos
o nosso objectivo; ou então ... Mas porquê ser
pessimista? Coloquemo-nos do lado de Demó-
crito, que dizia: «A audácia é o princípio da
acção» (acrescentando no entanto: «Mas é a sorte
que decide o resultado!»).

86
A matéria

Talvez uma coisa seja simples se puder


descrevê-la completamente de diversas maneiras
sem saber imediatament e que todas essas
descrições se aplicam à mesma coisa.
RICHARD FEYNMAN, 1965.

natureza compreende-se num duplo sentido,


A diz-nos Aristóteles: «por um lado como
matéria; e por outro, como forma. » Ele esclarece
a diferença: «A forma é o porquê das coisas e a
sua causa última.» Quanto à matéria, Aristóteles
falava, recordo, de quatro elementos (a terra,
a água, o ar e o fogo) e d e quatro qualidades
(o calor, o frio, o seco e o húmido). Os físicos
modernos substituíram estas perspectivas pelo
modelo standard da física contemporânea.
A eficácia previsível desse modelo coloca-o a um
nível incomparavelmente superior ao que tinha
levado a sistemática antiga.
É no entanto curioso constatar que os cons-
trutores do modelo standard utilizaram também
o número quatro de que Aristóteles tinha feito
um dos pilares das suas concepções: defini-
ram por exemplo um espaço-tempo a qua tro 87
V

A transmutação
Interacção de um quark (representado aqui a ponteado) com
um neutrino que recua no tempo.

dimensões, citam quatro forças da natureza e


dizem-nos que a matéria seria constituída por
doze partículas primordiais, quatro das quais
predominantes: o quark* u, o quark d, o neutrino*
v e o electrão e. Trata-se aqui de uma pura coin-
cidência, de uma correlação profunda ou muito
simplesmente, e de maneira mais verosímil, de
uma manifestação da necessidade que tem o
pensamento humano de caracterizar aquilo que
observa para melhor tentar explicá-lo?
De todas estas partículas, o electrão é a que
pensamos conhecer melhor. Mas o que é ver-
dadeiramente um electrão? «Se o electrão nos
ajudou a compreender muitas coisas, dizia Louis
de Broglie, nós nunca compreendemos o próprio
electrão.» Durante uma conferência dada na
Universidade de Colúmbia, Llewellyn Thomas,
descobridor de um dos mistérios do electrão,
pega num pau de giz, avança para o quadro
negro e inscreve nele ... um ponto. No fim da
88 conferê ncia, Thomas não tinha escrito mais
nada .. . além desse ponto, com o qual pretendera
representar o electrão.
A ideia de representar a partícula como um
objecto de dimensão zero surge claramente pela
primeira vez no século XVIII no pensamento de
Rudjer Boskovic (1711-1787). Excelente geóme-
tra, Boskovic foi aliás muito mais longe: na sua
Teoria de Filosofia Natural, publicada em 1758,
introduz a noção de centros de forças ou pontos
de energia e inventa o «atomismo punctiforme».
Hoje, é por pura necessidade, e não espon-
taneamente, .que os físicos utilizam uma repre-
sentação punctiforme do electrão: não sabem
como fazer de outro modo. (A teoria das cordas*,
que procura representar as partículas ele-
mentares, e o electrão em particular, sob a forma
de cordas tendo comprimento e tensão, ainda
não está ... afinada. Falaremos disso mais tarde.)
Leon Lederman, Prémio Nobel da Física em
1988, resumiu de maneira divertida o problema
que levanta a representação do electrão por meio
de um ponto: «Se o electrão é um ponto ... onde
está a massa? Onde se encontra a carga? Como
sabemos que o electrão é um ponto? Can I have
my money back? [Pode devolver-me o dinheiro?] »

O que é a energia?
Pouco tempo depois da descoberta do electrão,
Henrik Kauffmann (1888-1963) apercebe-se de
que quando se acelera um electrão a velocidades
que se aproximam da da luz (300 000 Km/ s-1 [qui- 89 .
lómetros por segundo]), a sua massa parece
aumentar. Expressa em unidades de energia,
como é costume fazer-se, .a massa do electrão é
de cerca de 511 000 eV (electrão-volts*) em
repouso. No grande anel do LEP (Large Electron
Positron), túnel circular de vinte e sete quilóme-
tros de comprimento cavado no Jura, no Centro
europeu de pesquisas nucleares de Genebra, con-
segue-se acelerar um electrão a velocidades que
lhe permitem atingir uma energia da ordem de
cem mil milhões de electrão-volts (100 GeV).
Como é que conseguimos este resultado? Insu-
flando energia no anel (sob a forma de radiação
de frequências rádio) a cada passagem do electrão.
A questão que se põe de novo: se o electrão é
um ponto, para onde vai a energia? Como é que
- sob que forma - é «armazenada» no electrão?
Voltamos a cair na questão posta a Richard Feyn-
man pelo seu pai. Ataquemos de uma vez por
todas esta questão fundamental.

E = hv: erro de agulhagem


Houve em 1905, numa viragem decisiva da
história da física, um erro de agulhagem. Max
Planck acabava de anunciar a sua descoberta do
quantum de a cção. Tinha, na realidade, posto
uma dupla hipótese: a do quantum de acção,
e a, anexa, da relação E = hv, ligando a energia
do quantum à frequência da radiação. Ora esta
relação, nas mãos de Albert Einstein, iria tor-
90 nar-se a origem de um mal-entendido cujas
consequências atormentam ainda a física dos
nossos dias. Narremos alguns episódios desse
«psicodrama» da física.
Berna, 1905. Empregado no departamento
federal suíço de patentes e desejoso de se dar a
conhecer na qualidade de físico, Albert Einstein
redige uns a seguir aos outros, no espaço de
quatro meses, três artigos que submete à presti-
giada revista Annalen der Physik, que os publica.
No primeiro desses artigos, concluído a 17 de
Março de 1905, retoma, com a intenção principal
de demonstrar a sua fraqueza, a demonstra-
ção de Planck que desemboca na invenção do
quantum de acção. Com esse objectivo desen-
volve um novo raciocínio, construído em torno
de uma hipótese que baptiz a d e hipóte s e do
quantum de luz, segundo o qual «uma radia-
ção de densidade suficientemente fraca se
comporta como se fosse composta por quanta
de energia independentes uns dos outros» e de
magnitude hv .
A ideia que sustenta esta hipótese consiste
em dizer que a luz contém partículas (Einstein
contenta-se de momento em dizer quanta) e
sugere que a expressão hv é mais fundamental a
este respeito do que o simples h de Planck. É esta
ideia que convém repor em ca usa, na minha
opinião. M as voltemos à n arra tiva.
Salzburgo, 1909. Johannes Stark (1874-1957)
observa que «um electrão acelerado emite sob a
forma de radiação luminosa uma quantidade de
movimento igual a hv/c» (sendo e a velocida d e
da luz). 91
Antes desta descoberta, o quantum de luz de
Einstein possuía um único atributo: transportava ·
energia, era um quantum de energia. (O próprio
Einstein considerava os seus quanta como
«pontos». Em 1909, fala a Sommerfeld de «da
disposição da energia luminosa em torno de
pontos que se deslocam à velocidade da luz».)
Com a descoberta de Stark, o quantum de luz
adquire um segundo atributo: transporta movi-
mento, o que vai permitir tornar-se uma partícula
completa (uma partícula que se respeita deve ser
capaz de, no mínimo, transportar movimento).
Berkeley, 1962. O físico-químico Gilbert
Lewis combina a hipótese de Einstein com a
descoberta de Stark (reforçada pela descoberta
do efeito Compton*) e dá o último passo: afirma
que a luz é constituída por «partículas indes-
trutíveis», que baptiza de fotões.
O nome ficou. Os físicos dirão doravante que
a energia surge em «pacotes», os fotões, e só
muito raramente falarão de «quantum de acção»,
rebaptizado «constante de Planck» e relegado a
um papel universal, mas secundário. Eis o que
Murray Gell-Mann, Prémio Nobel de Física,
escreve na sua obra O Quark e o Jaguar, publicada
em 1994: «A constante h é a relação universal ·de
energia do quantum d e luz com a sua frequência
de radiação.»
A passagem do quantum de acção ao quantum
de energia constitui, na minha opinião, um
lastimável erro de agulhagem. A energia, recordo,
mede a cadência a que a acção se exerce num
92 dado movimento: tantas unidades d e acção por
segundo. O «por segundo» nesta expressão não
permite transformar hv num «pacote». Um exem-
plo fará compreender melhor a questão: eu atiro
uma rajada de metralhadora à cadência de vinte
balas por segundo. A bala neste exemplo repre-
senta o quantum de acção; a cadência de tiro cor-
responde à frequência da radiação; e o produto
das duas (vinte balas por segundo) é o equiva-
lente a hv. Mas, «vinte balas por segundo» não
constitui um pacote e menos ainda uma partícula
no sentido próprio das palavras. O «por segundo»
implicado em hv perturba. Erro de agulhagem.
Inventor do conceito, o próprio Einstein man-
teve toda a vida uma dúvida sobre o fundamento
da sua hipótese. No congresso de Solvay que
reuniu a elite da física mundial em Bruxelas, em
1911, declara por exemplo: «Insisto no carácter
provisório desse conceito.» E três anos antes da
sua morte, em Princeton, em 1954, escreve ao seu
amigo Michele Besso (a 12 de Dezembro de 1951):
«Cinquenta anos de interrogações não me leva-
ram mais perto de poder responder à questão:
o que é um quantum de luz?» E acrescenta
mesmo: «É certo que hoje qualquer parvo pensa
conhecer a resposta, mas engana-se.»
Que físico de renome - ou que jovem físico
audacioso - ousaria fazer eco deste aviso esque-
cido de Einstein ao repor em questão, como é
preciso resignarmo-nos a fazê-lo, o conceito de
fotão considerado como solidamente estabele-
cido e que, no entanto, o não é? O átomo, esse
emissor de quanta de acção (e não de fotões!),
impõe-nos esse dever. 93
Voltar a honrar a acção
Dezembro de 1965. Depois de ter comprado
um smoking novo e de se ter treinado a andar
para trás (de maneira a nunca ter de voltar as
costas ao rei Gustavo da Suécia), Richard Feyn-
man vai a Estocolmo para receber o seu Prémio
Nobel de Física. No seu discurso de recepção
anuncia o seguinte: é possível, é desejável for-
mular a «electrodinâtnica quântica», teoria fun-
damental da interacção do electrão com a luz,
«com a ajuda de um princípio da menor acção».
Formulada inicialmente por Maupertuis ao
mesmo tempo que introduzia o conceito de
acção, esse princípio - um dos mais notáveis de
todos os princípios da física - estabelece que,
entre todas as trajectórias possíveis permitindo a
uma partícula em movimento ir de um ponto
para outro, a partícula adopta a que lhe traz
menor gasto de acção possível, a trajectória de
«menor acção»! Como é que tal coisa é possível?
perguntam vocês (e justamente). Como é que a
partícula conhece antecipadamente a trajectória
a seguir? Resposta no último capítulo deste
livro.

94
O vácuo

Não é razoável menosprezar a opinião de


Demócrito, que, chamando aos demónios simu-
lacros, diz que o ar está cheio deles.
HERMIPO
Astronomia

ao átomo. Deixámo-lo (cf. pp. 72-73)


V OLTEMOS
nas mãos de Sommerfeld, de Broglie, de
Schrodinger, de Dirac e de outros gigantes da
física. Cada um deles tentou, à s ua maneira,
«explicar» a origem dos números quânticos que
regem os estados quânticos do átomo, mas nen-
hum deles se preocupou com a questão que é no
entanto preciso pôr antes de todas as outras se
quisermos compreender o átomo: como é que -
de que modo - o núcleo retém os electrões sob
a sua influência no interior do átomo? E como é
que - e de que modo - os electrões se repelem
entre si?
A explicação «ingénua» utilizada nos mode-
los que estudámos até aqui consiste em dizer
que o núcleo e os electrões se atraem e se repe-
lem devido às cargas eléctricas positivas e nega-
tivas que transportam. Trata-se de recuar para
melhor saltar: porque, o que é uma carga? como
é que as cargas exercem a sua influência? 95
Por intermédio de campos, diziam os antigos
(e não dos menores: Boskovic, Faraday, Eins-
tein ... ); trocando partículas de um tipo parti-
cular, os mediadores de força, dizem os físicos
modernos.
Na sua obra Sob o átomo, as partículas, Étienne
Klein deu uma explicação figurativa do processo
de mediação. Escreve: «Imaginemos dois barcos
à deriva num lago. [Se] um dos ocupantes dis-
põe[ ...] de uma bola, e se a lançar com suficiente
vigor à passagem do outro barco, que a devolve
e assim sucessivamente, as duas embarcações
afastam-se uma da outra. [... ] Houve interacção.»
Os barcos neste texto simbolizam electrões e
a bola representa a partícula que trocam entre si.
Oficialmente, esse «mediador da força electro-
magnética» no átomo é o fotão. Mas, como já
vimos (cf. p. 90), pretender que o fotão, igual a
hv, seja uma partícula não é logicamente susten-
tável. (Excepto se se entender o significado da
palavra «fotão» num sentido diferente daquele
que geralmente se lhe atribui, mas isso daria
origem a confusão).
É preciso pois procurar outra coisa. Convido
o leitor a seguir-me nesta busca.

As espécies intencionais
Enquanto Demócrito, em Abdera, inventa o
vácuo e formula a teoria das ideias indivisíveis,
Empédocles em Agrigento propõe a teoria dos
96 quatro elementos ... , Platão explica aos seus
discípulos, nos jardins de Atenas, que o olho vê
como o sol ilumina, quer dizer dardejando raios
para o objecto observado.
Mas o que é um raio? Será preciso muito
tempo para que um filósofo se arrisque a propor
um modelo (e sobretudo ouse dizer que os raios
são compostos por «átomos de luz»).
Saltemos os séculos. No que diz respeito ao
nosso tema, o século XIII é, antes de tudo, o século
de Roger Bacon, visconde de Saint Albans (1214-
-1294), o ilustre Doctor mirabilis membro da
ordem dos Franciscanos, que foi, devido à exten-
são dos seus conhecimentos e da sua riqueza de
imaginação, acusado de bruxaria e de heresia e
atirado para a prisão várias vezes (a última vez
durante dez anos, por ordem do capítulo de
Paris) . Em Oxford, Bacon estuda ciência com
Robert Grosseteste (1170-1253), indo depois para
Paris, onde obtém o grau de doutor em teologia
e comenta as obras de Aristóteles.
Mas sobretudo, desenvolve a cosmogonia
óptica que faz intervir as ideias de Demócrito, que
aprendeu a conhecer no contacto com Grosseteste.
Traduz indo a idea grega pela palavra inglesa
species («e spécie intencional» em francês do
século XVII), formula uma teoria segundo a qual as
espécies são verdadeiros raios de força que trans-
mitem as acções à distância - calor, influência
astrológica, magnetismo ... - e cuja propagação se
faz por «multiplicação» de um ponto para outro.
O conceito de movimento por multiplicação
constitui a originalidade da teoria e interessa-nos
no mais alto grau por razões que vão tornar-se 97
v@'',,, ',
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X
X

A bola 1234 de Descartes


Reprodução do diagrama proposto por Descartes para ilustrar
a sua concepção da luz «Como a acção [. .. ] de pequenas bolas que
rolam nos poros dos corpos terrestres ».
L ES MÉTÉORES, p . 258.

evidentes. A espec1e, segundo Bacon, não é


«material» e não se propaga portanto à maneira
de um corpo. Nessa medida, não se multiplica
instantaneamente, mas a velocidade finita: se a
espécie pudesse estender-se no espaço instanta-
neamente, diz-nos Bacon, estaria de facto simul-
taneamente no início, no meio e no fim de si
própria e encontrar-se-ia assim em vários sítios
ao mesmo tempo, uma impossibilidade, segundo
ele. Além disso, ainda segundo Bacon, quando
uma espécie está no seu início ou no seu fim,
98 está imóvel, só se produzindo o movimento
d)

~
Processos elementares no átomo.
a) Um electrão absorve um quantum proveniente de uma
fonte exterior (x) e muda de direcção no espaço.
b) Um electrão emite um quantum que reabsorve imediata-
mente.
c) Um electrão emite um quantum que reabsorve depois de
dar meia-volta no tempo.
d) Um electrão surge subitamente no vácuo, recua no tempo
e desaparece, deixando o vácuo no seu estado inicial. Entretanto,
ao «polarizar» o vácuo, este electrão influencia a sua vizinhança.
Na terminologia de Feynman o quantum é um «protão virtual».
Segundo a nossa concepção trata-se de um quantum de acção.
Nestes «diagramas de Feynman » o trajecto do quantum carre-
gado não tem seta, reflectindo o facto de ser impossível precisar
a direcção em que a carga se produz.

entre estes dois extremos. Afirmar que a espécie


tem um movimento instantâneo seria então afir-
mar que está ao mesmo tempo imóvel e em
movimento. Geralmente acusado de ter pensado
que a luz é «instantânea», Descartes retomará,
apesar disso, este argumento.
Em 1633, na Holanda, depois de ter terminado
a redacção do seu Tratado do Mundo ou da Luz,
que não publica, Descartes redige três «ensaios», 99
A Dióptrica, Os Meteoros e A Geometria. À laia
de prefácio a esses ensaios, escreve o Discurso
do Método.
Em A D ióptrica, Descartes pensa primeiro
poder ver-se livre das ideias de Demócrito, versão
Roger Bacon. Escreve: «Por este meio o vosso
espírito será liberto de todas essas pequenas ima-
gens esvoaçantes pelo ar, chamadas espécies inten-
cionais, que tanto trabalham a imaginação dos
filósofos. » No entanto, em Os Meteoros, retoma afi-
nal a representação abderita, sob uma outra forma.
Afirma que a luz é «a acção ou o movimento de
uma certa matéria muito subtil, cujas partes é pre- ·
ciso imaginar como pequenas bolas que rolam nos
poros dos corpos terrestres» (nos poros e não no
vácuo, de que Descartes tem horror) .
Observemos o que esta proposição tem de
«hipermoderno». Perguntemos então a um físico
contemporâneo: «Ü que é a luz?» E ele respon-
der-nos-á: «A luz é constituída por fotões. »
Imaginemos o seguinte diálogo: «Será que os
fotões rodam sobre si próprios? - Sim, eles são
dotados de spin. - De que são feitos os fotões? -
São grãos de energia. - O que é energia? - Bem ...
é uma matéria muito subtil... »

O quantum de acção revisitado


No que se segue, proponho utilizar as ideias
de Bacon e de Descartes que acabámos de exami-
nar para representar, já não a luz, mas ... a acção.
O objectivo desta tentativa tornar-se-á claro no
1oo seguimento desta exposição.
Digo primeiro que - trata-se da teoria geral -
o vácuo formiga de Ideias indivisíveis, à maneira
de Demócrito, que «rolam nos poros dos corpos
terrestres», à maneira de Descartes, propagando-
-se por «multiplicação», à maneira de Bacon ...
E digo que essas ideias são ... os quanta de acção
de Planck. Seguidamente digo - e trata-se da
teoria restrita - que o quantum de acção é o
mediador da força electromagnética no átomo.
Por razões que se vão tornar evidentes, chamo
a esta representação mecânica do passo (step
mechanics em inglês) e chamo ao quantum de
acção assim definido um xon (palavra delibera-
damente forjada para evocar a Grécia antiga
tendo ao mesmo tempo uma consonância resolu-
tamente moderna).
Observemos imediatamente, antes de ir mais
longe, o que esta concepção tem de atraente: não
é natural supor que os electrões, animados de
movimento, portanto portadores de acção, pos-
sam trocar essa acção entre si e com o núcleo?
Esta maneira de ver permite-nos também com-
preender imediatamente por que é que é impos-
sível «quantificar » individualmente o movi-
mento dos electrões no átomo: passando
continuamente de um para outro, a acção não
é conservada, portanto quantificável, senão para
o conjunto do cortejo.
Melhor. As muito desenvolvidas pesquisas
experimentais e teóricas conduzidas desde
há mais de meio século revelaram que, para
além das atracções e repulsões clássicas de que
acabámos de falar, os electrões no átomo estão 101
submetidos a «efeitos subtis» que é indispensá-
vel levar em conta se pretendemos ir até ao fim
da sua descrição. Ora nenhuma das teorias do
átomo que examinámos até aqui está à altura
de o fazer.
Alguns desses efeitos subtis, chamados tam-
bém «processos elementares», são representados
a título indicativo na figura da p. 99. Richard
Feynman inventou um método de cálculo que
permite considerá-los, método revolucionário a
duplo título: primeiro porque, em oposição às
teorias evocadas nesta obra, ele baseia-se não
numa equação mas mais simplesmente em
regras de cálculo; e, em segundo lugar, porque a
ferramenta fundamental que utiliza é ... a acção,
o que a torna imediatamente traduzível para a
linguagem da mecânica do passo (e não é para
nos desagradar!).
Tudo isto é pura fantasia, direis talvez. Não.
Os cálculos que consideram os efeitos subtis no
átomo exigem prodígios de engenho mas são
necessários se pretendermos obter resultados de
acordo como os, muito rigorosos, da exp eriência.

102
O quantum de acção

Segundo Demócrito, as ideias indivisíveis


volteiam em todos os sentidos e esse movimento
primordial é um só e único movimento.
SIMPLÍCIO
Comentário sobre a física de Aristóteles

Ao reler hoje o Tratado de Química de Lavoisier


J-\... -escrito há dois séculos!-, observa-se ime-
diatamente o papel fundamental que o seu autor
atribui, na constituição dos corpos, àquilo a que
chama calórico. Constatando que todos os
corpos da natureza são «sólidos ou líquidos ou
no estado elástico e aeriforme (gasoso)» segundo
o grau de calor a que estão expostos, Lavoisier
sugere que é difícil conceber esses fenómenos
«sem admitir que eles são o efeito de uma subs-
tância real e material, de um fluido subtil que
se insinua através das moléculas de todos os
corpos» e o s afasta. Dando-nos uma lição de
sabedoria prudente, acrescenta no entanto que
«não somos obrigados a supor que o calórico
seja uma matéria real; [podemos] imaginar
os seus efeitos de uma forma abstracta e mate-
mática». 103
No decorrer das páginas, fizemos do quantum
de acção o actor principal das interacções no
átomo e vestimo-lo de uma ideia de Demócrito,
reencontrando finalmente alguns aspectos do
pensamento de Lavoisier. Mas trata-se apenas de
uma simples maneira de ver - apenas diferente
na aparência do ponto de vista habitual da
mecânica quântica? Ou tra ta-se antes de uma
novidade talvez fundamental implicando conse-
quências verificáveis? Tentemos, para começar,
compreender o que, em termos «modernos»,
torna «indivisível» o nosso quantum de acção.

Indivisível, porquê?
Desejoso de aperfeiçoar a sua hipótese, Max
Planck publica em 1906 as suas Lições sobre a
radiação térmica. Define aquilo a que chama «um
domínio elementar de probabilidade» e explica
que devido ao teorema de Liouv ille, qualquer
domínio de probabilidade, considerado num
instante qualquer, «é um invariante em relação
ao tempo». Depois escreve: «A hipótese dos
quanta de acção consiste em supor que esses
domínios, todos iguais entre si, já não são infini-
t a m e nte p e que nos, m as finito s e (ig u a i s ) a h,
sendo h uma constante.»
Não podendo abordar tudo, não vou explicar
aqui detalhadamente o que se entende por
«domínio elementar de probabilidade» e por
«teorema de Liouville», mas mostrarei a utili-
104 zação que pode ser feita d esses conceitos.
No seu artigo sobre «A hipótese dos quanta»
de que já falámos (cf. p. 61), Poincaré, ao retomar
a questão, escreve: «É preciso que procure
esclarecer o que são os domínios de probabi-
lidade.» Intervém então a frase chave: «esses
domínios são indivisíveis», e explica porquê:
«Desde que saibamos que estamos num desses
domínios, tudo é então determinado; sem o que,
se os acontecimentos que devem seguir-se [ ... ]
têm que diferir conforme nos encontramos nesta
ou naquela parte desse domínio, é porque esse
domínio não seria indivisível [ ... ] dado que a
probabilidade de alguns acontecimentos futuros
não seria a mesma nas suas diversas partes. »
Aqui está uma utilização que pode ser feita
desta brilhante análise de Planck e de Poincaré:
o quantum de acção progride no vácuo trans-
pondo «passos», sendo cada passo «um domí-
nio elementar de probabilidade», à maneira de
Liouville-Planck, o que o torna indivisível,
à maneira de Poincaré. Transferimos assim para
o movimento a indivisibilidade atribuída por
Demócrito às suas Ideias!
Esta maneira de ver traz consequências inte-
ressantes . Seja l o comprimento do passo, d o
tempo gasto para dar um passo (a sua
«duração»), p e E a quantidade de movimento e
a energia transportadas pelo quantum . Sendo o
passo indivisível, teremos então para cada passo:
lp = 1 e Ed = 1. Se a velocidade de propagação
é v, teremos além disso l = vd.
Notemos que, segundo essas fórmulas,
o comprimento do passo e a quantidade de 105
movimento transportada têm ligação: quanto
mais longo for o passo, mais pequena é a quanti-
dade de movimento transportada. Da mesma
forma, duração para dar um passo e a energia
transportada têm relação: quanto mais curta for
a duração do passo, maior é a energia trans-
portada. Esses resultados correspondem àquilo a
que se chama em mecânica quântica o «princípio
de incerteza».
Seria possível afirmar que os passos dados
pelo quantum de acção no vácuo se fazem de
uma maneira que Demócrito e Descartes com a
sua bola 1234 não teriam renegado?

O spin revisitado
Voltemos ao problema do espectro. O meca-
nismo pelo qual o átomo dá um «salto quântico»
é regido, como já vimos (cf. p. 76), por uma mis-
teriosa «regra de selecção» que não permite ao
átomo fazer um salto qualquer. Ora, esta regra,
no essencial, tem algo de simples: só são «permi-
tidos» os saltos em que o electrão do átomo vê o
seu número quântico l mudar de uma unidade.
Esta regra explica-se muito bem se tivermos em
conta o facto de que o quantum de acção roda ou
«redemoinha» sobre si próprio e possui um spin:
quando o átomo emite (ou absorve) um quantum
de acção, o quantum leva (ou traz) com ele, por
causa do seu spin, uma unidade de acção de
rotação que obriga o l do átomo, que mede uma
rotação, a mudar de uma unidade. Daí a famosa
106 regra de selecção.
A existência do spin desencadeia um fogo de
artifício de consequências diversas. Espantemo-
-nos primeiro com o próprio facto: o quantum
de acção é uma partícula que «redemoinha»
eternamente sobre si própria no vácuo! Observe-
mos seguidamente que o spin, como o passo,
corresponde a uma unidade de acção. Um volta
de spin equivale pois ao avanço de um passo.
Reencontramos aqui a ideia da «bola que rola»
de Descartes. Há ainda melhor! O spin pode
tomar dois valores (notados + 1 e -1) corres-
pondendo ao facto de o quantum poder rodar
sobre si próprio «no sentido dos ponteiros
do relógio» ou no sentido inverso. Um último
detalhe: o spin introduz de forma natural a
noção de fase na descrição do movimento, noção
indispensável para a compreensão do fenómeno
das interferências, como veremos um pouco
mais à frente.
Também o electrão possui um spin, mas o seu
valor, como já vimos (cf. p. 69), é um semi-
-inteiro. O que é que se pode concluir? Que ao
contrário do quantum de acção, o electrão
precisa de duas voltas de spin para comple-
tar um passo. Porquê esta diferença? Misté-
rio. Os físicos contentam-se em dizer que o
electrão (como o neutrino e os quarks ) é um
fermião (p artícula com spin semi-inteiro)
enquanto o mediador da força electromagné-
tica (para nós, o quantum de acção) é um
bosão (partícula de spin inteiro). Nenhuma
explicação teórica desta diferença foi ainda
encontrada. 107
Os impulsões em orbe
A 3 de Junho de 1663, a Royal Society de
Londres, recentemente instituída, admite um
novo membro. Chama-se Robert Hooke (1635-
-1703), tem 28 anos e há já alguns anos que era
muito falado devido à riqueza do seu engenho.
Dois anos mais tarde publica a sua magnífica
Micrografia, acompanhada de cinquenta e sete
desenhos gravados em cobre pelo autor, na qual
podemos ler esta frase premonitória: «Ü movi-
mento da luz propaga-se num meio homogéneo
por impulsões em orbe de força constante e que
actuam perpendicularmente à direcção de
propagação.»
Esta frase ensina-nos corno é que o quantum
de acção - esta «impulsão em orbe» - age sobre
os electrões que encontra: sujeita-os a um pequeno
empurrão perpendicularmente à sua direcção
de propagação. É o efeito principal (efeito miste-
rioso, se é, e para o qual não ternos sombra de
urna explicação). Devo acrescentar, para ser mais
completo, que o quantum exerce também urna
«pressão» na direcção do seu movimento. Esta
pressão é habitualmente interpretada corno o
efeito «magnético» (sendo o efeito principal
o efeito «eléctrico» ). Eis um exemplo especta-
cular daquilo que o e feito principal produz.
Urna corrente eléctrica atravessa um fio con-
dutor. O fio aquece. Porquê? Porque absorve
quanta que, vindos de todos os pontos do espaço,
caem perpendicularmente sobre ele, transmi-
tindo em ângulo recto o seu «empurrão» aos
108 electrões da corrente que percorrem o fio.
Resta-nos abordar aquilo a que chamarei
«O mistério fundamental da mecâ nica quântica».
Na sua obra A Natureza da Física, publicada em
1965, ano em que recebeu o Prémio Nobel,
Richard Feynman definiu-o assim: «Vou contar-
-vos a experiência das duas fendas. Ela contém
o mistério geral, eu não evito nada, desvendo a
natureza sob o seu aspecto mais elegante e mais
difícil.»

O mistério fundamental
Enunciado na linguagem da mecânica do
passo, esse mistério resume-se a isto: quando
duas partículas da mesma n atureza chegam jun-
tas a um alvo, elas são eficazes (quer dizer, pro-
duzem um efeito) se chegam «em fase» uma com
a outra, são ineficazes (quer dizer não produz em
qualquer efeito) se chegam «fora d e fase». Dize-
mos neste caso que houve uma «interferência»
(palavra d erivada do verbo ing lê s to interfere,
utilizada para descrever o passo de um cavalo
que bate ou «interfere» os seus cascos um contra
o outro).
Assinalemos no entanto uma dificuldade, «a»
dificuldade: o fen óm eno produz-se m esmo se as
partículas chegam isoladamente (uma a uma) ao
alvo. C omo é que se pode n es se caso explicar
que se possam produzir interferências? Res-
posta: no Laboratório feder a l dos Estados
Unidos, em Los A lamos, em 1982, Wojciech
Zurech analisa aquilo a que ch a ma o «efeito d e 109
Utilização do efeito de túnel para o estudo do átomo
Trata-se aqui de átomos de gálio e de arsénio v istos ao
microscópio com efeito de túnel.
© IBM França

descoerência» segundo o qual, quando partí-


culas «suficientemente grandes» chegam a um
alvo, as partículas da vizinhança - «a radiação
ambiente, luminosa e térmica» - impedem as
interferências de se produzir.
Utilizarei este argumento ... ao contrário.
Quando as partículas que chegam ao alvo são
suficientemente pequenas - quanta de acção
ou electrões por exemplo - , as partículas da
vizinhança permitem que as interferências se
produzam.
As interferências produzem o princípio de
110 menor acção de que falámos (cf. p. 94). Tome-
Ver um átomo
A radiação luminosa emitida por um átomo de rubídio isolado,
capturado no «fundo» de um poço de potencial criado por raios laser.

mos o exemplo de dois electrões que trocam


quanta no interior de um átomo. Se pensar-
mos que um electrão-volt corresponde a cerca
de 240 000 mil milhões de quanta de acção
por segundo, com uma energia interna equiva-
lente a 511 000 eV, cada electrão constitui uma
reserva quase inesgotável de quanta para trocar.
Mas os quanta interferem na maior parte das
vezes uns com os outros, e portanto em nada
contribuem para a interacção. Os únicos que
contribuem efectivamente são os que seguem
trajectórias que lhes permitam chegar conjun-
tamente «em fase». Acontece que essas tra-
jectórias são aquelas para as quais a acção é
«a menor». Finalmente obtemos o que Feynman 111
chama a amplitude do processo considerado,
soma total das contribuições do conjunto
dos quanta. Se a amplitude é nula, a interfe-
rência é total e o processo não produz qualquer
efeito detectável.
Para Platão, como já vimos (cf. p. 21), as
«partículas elementares» são triângulos, o que
permite combiná-los para construir átomos
que têm a forma de poliedros. Para a mecânica
quântica, hoje, as partículas são pontos; mas
alguns dos melhores físicos deste fim de século
esforçam-se por concluir uma teoria que fará
dos objectos unidimensionais, minúsculos,
caracterizados por um comprimento L e uma
tensão T - objectos que baptizaram como
«cordas» (supercordas numa versão da teoria).
Que será do nosso quantum de acção se esta
teoria prevalecer?
Quando uma corda se desloca no vácuo, o
percurso que ela descreve assemelha-se a uma
fita (a um «tubo» se a corda forma um anel).
Para obter a acção, somos conduzidos então a
multiplicar a superfície da fita desenrolada (que
mede o «comprimento» do trajecto nesta teoria)
pela tensão da corda antes de dividir o total por
h - procedimento que equivale a dividir a super-
fície da fita em «passos» elementares correspon-
dendo a verdadeiras «pegadas », sendo essas
marcas unidades de acção da teoria das cordas.
Numa pa l avra, se tudo isto acontecesse,
teríamos um quantum de acção renovado tendo
o aspecto de uma pequena superfície, indivisível
112 evidentemente, de magnitude L2.
Uma tal teoria, se vingasse, aproximar-nos-ia
do ponto de vista inicial dos abderitas, para
quem as ideias indivisíveis eram tudo menos
pontos! Mais ainda, além do próprio objecto - a
corda -, o dado fundamental na teoria das cor-
das é ... a acção. Encontrar uma fórmula para a
acção correspondente ao movimento de uma
corda no espaço-tempo é um do~ seus principais
problemas.

Perspectivas
Segundo a mecânica quântica, os raios emiti-
dos (ou absorvidos) por um átomo são compos-
tos de fotões dotados, enquanto tais, de duas
características fundamentais: deslocam-se à
velocidade da luz (igual a cerca de 300000 km/s-1)
e cada um deles transporta um pacote de energia
hv proporcional à frequência v da radiação
considerada.
As coisas apresentam-se diferentemente na
nossa representação. Os raios são compostos de
quanta de acção a quem nem uma nem outra das
res trições acima citadas se aplicam: os quanta
podem mover-se menos ou mais depressa do que
a luz e podem transportar uma energia menor ou
maior do que hv. Será possível decidir entre os
dois pontos de vista, observando por exemplo
um quantum que se move mais depressa do que a
luz, e transporta uma energia superior a hv?
Segundo o nosso ponto de vista, quando um
quantum encontra no seu caminho um afunila-
mento - um túnel - cuja largura ou diâmetro é 113
da mesma ordem de grandeza que o compri-
mento do seu passo, ele «alarga o passo» para
atravessar esse obstáculo, o que tem como efeito
fazê-lo eme rgir do outro lado do túnel, mais
depressa do que o previsto: ele atravessa então
o túnel a uma velocidade «superior à da luz».
Esse fenómeno notável é conhecido em mecâ-
nica quântica pelo nome de «efeito de túnel».
No decurso dos anos 90, vários grupos de inves-
tigadores (em particular Anedio Ranfani em
Florença, Günter Nimtz em Colónia e Raymond
Chiao em Berkeley) estudaram-no por meio de
técnicas muito sofisticadas. Assim, a equipa
de Colónia mediu velocidades cinco vezes supe-
riores a e!
O fenómeno fascina ... e embaraça os físicos:
é que eles estão habituados a pensar que «nada
se pode mover mais depressa do que a luz ».
Para explica r as velocidades supraluminosas,
a mecânica quântica recorreu a uma represen-
tação do fotão que o considera como um «pacote
de ondas», verdadeiro compósito ... de elementos
individuais que se assemelham estranhamente
aos nossos quanta de acção! Numa palavra, ela
utiliza de facto a representação descrita atrás.

Um pacote de ondas embaraçoso


Aephrai:m Steinberg, em Berkeley, estudou de
perto o comportamento de um pacote d e ondas a
atrav essar um túnel constituído nas suas exp e-
114 riências por uma fina camada reflectora que
apenas um quantum em cada cem, em média,
conseguia atravessar. A suas conclusões confir-
mam que ao atravessar o túnel o pacote «viaja
mais depressa do que a luz», apesar de concluir
também que «não se pode explorar este efeito
para transportar energia a urna velocidade
média superior à da luz». A que se deve isto?
Os cálculos de Richard Feynman (cf. p. 102)
mostram que em distâncias grandes só os quanta
que se deslocam à velocidade da luz é que con-
seguem entrar em fase uns com os outros e são
portanto observáveis (são «reais» para os espe-
cialistas). É o que nos leva a dizer que a luz tem
uma velocidade e bem determinada, sempre a
mesma no vazio. Mas esta restrição não se aplica
a distâncias pequenas, à escala interna do átomo
por exemplo.
Chegaremos algum dia a conseguir que um
átomo nos forneça quanta a deslocar-se mais
depressa do que a luz e que permaneçam em
fase uns com os outros em distâncias longas? Ou
estaremos antes confrontados com urna impos-
sibilidade fundamental, parte integrante do sis-
tema da natureza, corno o sugere a mecânica
quântica?
A palavra é dos especialistas da óptica quân-
tica. O futuro o dirá.

Para acabar...
Através de técnicas ultramodernas aper-
feiçoadas nos últimos decénios, os físicos rea-
lizaram espantosos trabalhos de tipo artesanal 115
utilizando o átomo. Assim, para a «escrita atómi-
ca », os investigadores do centro IBM em
Almaden desenharam com trinta e cinco átomos
de xénon a sigla da sua companhia sobre um
superfície de níquel; criaram um «coral quântico»
composto por quarenta e oito átomos de ferro
posicionados sobre uma superfície de cobre;
construíram um «vulcão » de sete átomos de
xénon dispostos sobre uma superfície de pla-
tina ... e conseguiram muitas outras maravilhas.
Sim, o átomo, com os seus mistérios, é real-
mente, como dissemos desde a primeira página,
uma das Sete Maravilhas do mundo: misterioso,
suspenso, fundo, insólito, dominador, frio,
vistoso ... Vistoso? «Desenha-me um átomo »,
poderia ter pedido o Principezinho. Mas quem
é que já viu um átomo?
Os físicos da Escola normal superior em
Paris, entre outros, viram um átomo! Haverá
algo mais apropriado para terminar este livro do
que imaginar por nosso lado o átomo que esses
físicos viram, ponto minúsculo, perdido no meio
da página ...

Issirac, Março de 1997.

116
Anexos

117
Poincaré e a invenção
do quantum de acção

Durante o último decénio do século XIX, Henri


Poincaré inventa métodos novos para o estudo do
movimento, que regeneram profundamente esse
campo. Expõe-nos no seu grande tratado Os novos
Métodos da mecânica celeste, publicado em três
volumes em 1892, 1893 e 1899. Um deles está na
origem da teoria do quantum de acção, segundo
o seguinte esquema.
Considere-se um sistema dinâmico que possua n
graus de liberdade e sejam q; as coordenadas genera-
liza d as desse sistema e p; os momentos correspon-
dentes. Através de um acto de imaginação que não
teria certamente desagradado a P latão, podemos
representar esse sistema por um ponto evoluindo
num espaço cartesiano imaginário de 2n dimensões
formado pelas coordenadas q1 • •• qn, p1 •• ,pn e chamado
extensão em fa se do sistema considerado (extensão
de um método inventado por Lagrange).
As transformações das coordenadas genera-
lizadas chamadas «transformações canónicas» têm a
propriedade de conservar a forma das equações 119
hamiltonianas que regem a evolução do sistema. Põe-
- se então a questão de saber se existem outras
expressões invariantes sob essas transformações. Os
«invariantes integrais» descobertos por Poincaré
e descritos no seu tratado constituem um sistema de
expressões desse género.
Poincaré interessa-se pelo elemento de superfície
dq;dp; na extensão em fase (este elemento, note-se, tem
as dimensões de uma acção) e demonstra que o inte-
gral ffvlq ;dp; calculado para qualquer superfície bidi-
mensional arbitrariamente escolhida na extensão em
fase é um invariante integral do sistema considerado,
no sentido acima indicado. Partindo deste notável
teorema, encontra de passagem um resultado ante-
riormente obtido por Joseph Liouville (1809-1882),
segundo o qual a densidade de pontos na vizinhança
de um dado ponto na extensão em fase é constante no
tempo (teorema de Liouville).
Esses trabalhos fundadores de Poincaré põem o
elemento de acção infinitesimal dq;dp; no centro da
teoria e sugerem que a consideremos como consti-
tuindo um domínio elementar de probabilidade
- intervindo aqui a palavra «probabilidade» para
reflectir o facto de que o domínio em questão respeita
à representação de um sistema de que todos os esta-
dos possíveis são considerados como igualmente
prováveis, hipótese fundamental da termodinâmica
clássica.
A teoria do quantum elementar de acção elaborada
por Planck em 1900 postula que «os domínios elemen-
tares de probabilidade, todos iguais entre si, não são
infinitamente pequenos, mas sim finitos, e tem-se para
cada um deles ffdq;dp; = h, em que h é uma constante».
É preciso ainda, para que esta hipótese possa
funcionar, que o conjunto dos pontos que compõem
120 cada domínio elementar forme um bloco e que esse
bloco seja indivisível do ponto de vista da probabili-
dade. É o que Poincaré, fino conhecedor dessas coisas,
exprimiu ao dizer: «Desde que saibamos que estamos
num desses domínios, tudo é determinado por isso;
sem o que, se os acontecimentos que devem seguir-se
não fossem por esse facto inteiramente conhecidos, se
tivessem que diferir conforme nos encontramos nesta
ou naquela parte desse domínio [ ... ], esse domínio
não seria indivisível [...] do ponto de vista da proba-
bilidade » e não poderia portanto desempenhar o
papel que procuramos atribuir-lhe. Esta condição faz
do domínio de probabilidade, e portanto do quantum
de acção, uma entidade cuja indiv isibilidade é por
essência fundamental. É o que sugerimos no nosso
texto (cf. p. 104).
O que é notável em tudo isto - e um pouco
embaraçosos à primeira vista - é que o quantum de
acção assim definido o é na extensão em fase . E no
entanto, tornou-se para nós uma realidade física
no espaço real (não para toda a gente, no entanto,
o leitor tê-lo-á notado, se pensarmos nos físicos que o
relegaram para o papel de simples «constante uni-
versal» (cf. p. 92).
Poincaré foi um dos primeiros a ousar afirmar:
«Ü quantum de acção [... ] é um verdadeiro átomo»,
e a extrair desta afirmação a conclusão necessária: se
vários pontos representativos constituem um
domínio elementar indivisível na extensão em fase,
então os estados do sistema que esses pontos repre-
sentam constituem necessariamente, também eles,
«um único e mesmo estado» no mundo real, cons-
tatação que implica esta consequência: Um sistema
físico não é susceptível senão de um número finito de
estados distintos; e salta de um desses estados para outro
sem passar por uma série contínua de estados inter-
médios. 121
Se essas profundas reflexões de Poincaré caíram
um pouco no esquecimento, é em parte pelo seguinte:
elas não consideravam a invariância do tipo exigido
pela teoria da relatividade que Poincaré, em 1899,
ainda não tinha elucidado. O quantum de acção não
sobreviveu a este desajuste.
Os Antigos não foram os únicos a procurar, numa
mistura de observação e raciocínio abstracto, a chave
das portas da Natureza.

122
Glossário

Âmbar amarelo: do árabe al-anbar, resina fóssil


proveniente de coníferas que cresciam na actual
região do mar Báltíco na época do segundo período
da era terciária (oligocénico); chamado também
súccino.
Antimatéria: a cada partícula de matéria corres-
ponde uma partícula de antimatéria que tem as mes-
mas características (mesma massa e o mesmo spin)
mas de carga oposta. Na interpretação proposta pelo
físico Richard Feynman e retomada na presente obra,
uma antipartícula é uma partícula vulgar que faz
meia-volta no tempo (a recuar no tempo).

Cátodo: do grego kata, «em baixo», e hodos, «cami-


nho». Eléctrodo que num tubo de vácuo é a fonte de
onde emanam os elementos (em oposição a ânodo,
eléctrodo carregado positivamente para o qual os
electrões se dirigem).
Corda: segundo uma concepção teórica ainda não
provada, as partículas elementares assemelhavam-se
mais a minúsculas «cordas» unidimensionais do que
a «pontos» como geralmente se supunha. Segundo 123
alguns, esta teoria e a sua extensão, a teoria das
. supercordas, pressagiam a física do século XXI.
Cosmogonia: do grego kasmas, «universo», e
ganas, «geração », a cosmogonia é a ciência da
formação dos corpos que compõem o universo.

Doxografia: no sentido estrito, catálogo no qual


são consignadas algumas opiniões dos antigos. Num
sentido mais lato, trata-se de um escrito ou tratado
em que um filósofo expõe o pensamento dos seus
antecessores, quer para tirar partido disso, quer para
o refutar. .. Aristóteles utiliza sistematicamente a
doxografia nos seus escritos.

Efeito de Compton: colisão de uma partícula de


luz com um electrão no decurso da qual a partícula
de luz cede ao electrão uma parte da quantidade
de movimento que transporta.
Electrão: partículas elementares leves, consti-
tuintes essenciais do átomo, os electrões formam com
os seus associados, os neutrinos, uma família de seis
membros, ditos leptões, que fazem parelha com a
família dos quarks (ver esta palavra), composta tam-
bém ela por seis membros.
Electrão-volt: energia que um electrão ganha
quando é acelerado por uma diferença de potencial
de 1 volt (notação é 1 eV). A energia interna de um
electrão em repouso é de cerca de 511 000 e V.
Espectro: em latim spectrum, palavra inventada
por Newton para designar a imagem colorida pro-
duzida sobre um ecrã pela luz depois da sua pas-
sagem através de um prisma.

Ião: átomo que adquiriu (ou perdeu) um ou


vários electrões (a mais ou a menos do número de
electrões que normalmente o compõem) . Assim o ião
124 do átomo de cloro, designado por c1-, possui um
electrão a mais e o ião do átomo de sódio, designado
por Na+, um electrão a menos do que o átomo neutro
correspondente.

Magnetão: alguns físicos pensavam poder


explicar a estrutura do átomo fazendo apela a um
hipotético «Íman elementar», ou magnetão, que se
supunha ser um constituinte universal da matéria
(à semelhança do electrão). Ao supor n magnetões
de comprimento a colocados ponta a ponta no
átomo, um electrão colocado à distância 2a dos
magnetões gravita no campo magnético devido aos
pólos extremos com uma frequência proporcional
a 1/2 2 - (2 + n)2, de acordo com a fórmula de Balmer.
Hoje esquecida, esta teoria conheceu o seu momento
de glória.

Neutrino: verdadeiro «electrão que perdeu a


sua carga», o neutrino é o agente da transmutação,
interacção no decurso da qual um quark d é transfor-
mado num quark u, tornando-se o próprio neutrino
num electrão. O sol bombardeia continuamente a
terra com um fluxo de neutrinos cuja imensa maioria
a atravessam como se ela não existisse, tão fraca é a
sua propensão para interagir.

Positrão: anti-electrão, quer dizer electrão cons-


tituído de antimatéria (ver esta palavra).

Quark: confinados no interior dos núcleos atómi-


cos, os quarks, constituintes essenciais da matéria
pesada, formam uma família de ::;eis membros, que
emparelha com a dos leptões (ver electrão).

Risca: em espectroscopia, imagem da fenda do


espectrógrafo produzida por um raio luminoso sobre
a placa fotográfica utilizada para registar o espectro. 125
Spin: descritos como «pontos » em mecan1ca
quântica, as partículas elementares são no entanto
dotadas de uma rotação interna, baptizada spin.
O spin pode igualmente interpretar-se como medindo
o número de «pequenas voltas» necessárias para
completar um passo quando do movimento de uma
partícula.

Valência: refere-se ao número de átomos a que


um dado átomo está ligado numa molécula. O átomo
de carbono é tetravalente (de valência 4) na molécula
CH4 , o átomo de azoto é trivalente em NH3, o átomo
de oxigénio é bivalente em H 2 0. O átomo de
hidrogénio é monovalente em todos os casos.

126
Bibliografia

Textos clássicos

ARISTÓTELES, La M étaphysique, Pocket, cal. «Agora »,


1992.
LAVOISIER, A. L. de, Traité élémentaire de chimie (1789),
Gabay, 1992.
PERRIN, J., Les Atomes (1913), Flammarion, cal.
«Champs», 1991.
Les Atomes, une anthologie historique, Pocket, cal.
«Agora», 1991.
Démocrite et l 'atomisme ancien: fragments et témoignages,
Pocket, cal. «Agora», 1993.

E também, em francês
BOHR, N ., La Théorie atomique et la description des
phénomenes (1932), Gabay, cal. «Les Grands Clas-
siques Gauthier-Villars», 1993.
FEYNMAN, R., Lumiere et Matiere: une étrange histoire,
Le Seuil, cal. «Points/Sciences», 1992. 127
KLEIN, É., Sous l' a tome les particules, Flammarion,
cal. «Dominas», 1993.
LEDERMAN, L., Une sacrée particule, Odile Jacob, cal.
«Sciences», 1996.
LOCHAK, G., Louis de Broglie, un prince de la science,
Flammarion, cal. «Champs», 1992.
PULLMAN, B., L 'Atome dans l 'histoire de la pensée
humaine, Fayard, cal. «Le Temps des sciences»,
1995.

Em inglês
BAEYER, H. C. von, Taming the Atam, Random House,
1992.
PAIS, A., Niels Bohr's Times, Clarendon Press, 1991.

128
Referências das citações

p. 17: ARISTÓTELES, La Métaphysique, A-VI, Pocket,


col. «Agora», 1991, p. 62.
p. 17: ARISTÓTELES, ibid., A-IV, p. 56.
p . 18: SANTOEPIFÂNIO, Contre les hérésies, 111-2, 9.
p. 21: PLATÃO, Timeu, 31b-33a, 52c-53c.
p. 22: SÃO ToMAs, citado J. de Tonquédec, Questions de
cosmologie et de physique chez Aristote et Saint
Thomas, Vrin, 1950, p. 10.
p. 24: G ASSENDI, P. , Syntagma philosophicum, citado
em B. Pullman, L'Atome, Fayard, col. «Le Temps
des sciences», 1995, p. 155.
p . 25: N EWTON, 1., Opticks, 1704, Query :XXXL
p. 25: LAVOISIER, A. L., Traité élémentaire de chimie
(1789), reimpressão Jacques Gabay, 1992, p. xvij.
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Septieme leçon, 1836, reed. Culture et Philoso-
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p. 29: AVOGADRO, A., ]ournal de physique, de chimie et
d 'histoire naturelle, 73, 1811, pp. 58-76. 129
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dos químicos reunido em Karlsruhe, 1860, citado em
M . J. Nye, The Question of the Atom, Tomash, Los
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pp. 31-33: PERRIN, J., Les Atomes (1913), Flammarion,
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pp. 46-47: MAUPERTUIS, P. L. M. de, Mémoire lu à
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philosophique», 1964, p. 64.
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p. 70: PAULI, W ., Collected Works, Interscience, 1964,
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p. 70: KRONIG, R. de L., carta a H . A. Kramers, 6 de
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vol. 5, p . 233.
p. 70: KRONIG, R. de L., carta a N. Bohr, 8 de Abril de
1926, citada em N. Bohr, Collected Works , vol. 5,
p. 236.
p. 71: UHLENBECK, G. E., Physics Today, 29 de Junho de
1976, p. 45.
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pp. 74-75: FEYNMAN, R., La Nature de la physique, Le
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em A. Pais, Niels Bohr's Times, p. 205.
p. 86: DEMÓCRITO, segundo Estobeu, Florilege, IV, 10, 28.
p. 87: ARISTÓTELES, La Physique, II, cap. VIII-8.
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p. 91: EINSTEIN, A., Carta a Sommerfeld, 29 de Setembro
de 1909, ci tada em A. Pais, Subtle Is the Lord,
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p. 92: P. LANGEVIN e M . de BROGLIE (eds.), Comptes
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1912, p . 443.
p. 93: EINSTEIN, A., Correspondance avec Michele Bessa
(1903-1955), tradução Pierre Speziali, Hermann,
col. «Savoir», 1979, p. 265.
p. 95: KLEIN, É., Sous l'atome les particules, Flammarion,
col. «Dominos», 1993, p. 39.
p. 99-100: DESCARTES, R., La Dioptrique, 1647, I-5, Vrin,
1996, VI, p. 85.
p. 100: D ESCARTES, R., Les M étéores, 1647, VIII-257,
Vrin, 1996, VI, p . 331.
p. 103: LAVOISIER, A. L. de, Traité élémentaire de chimie
(1789), Gabay, 1992, pp. 4 e 5.
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p. 105: POINCARÉ, H ., ibid., p. 185.
p. 108: HOOKE, R., Microgra phia, J. Martyn, Londres,
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p. 114-115: STEINBERG, A. M., La Recherche, 281, 1995,
p. 46.

132
Índice remissivo

(As páginas em itálico remetem para ilustrações)

Acção, 33, 41, 42, 49, 50, 51, Balmer, 55, 56, 57, 58, 60,
58, 59, 61, 64, 65, 67, 69, 62, 63, 64,72,76,80, 125
71, 74, 75, 86, 90, 91, 92, Berzelius Gõns Jacob,
93, 94, 98, 99, 100, 10_1, barão), 28
102, 103, 104, 105, 107, Bohr (Niels), 59, 61, 62, 63,
110, 112, 114, 119, 120 64, 66, 68, 70, 76
âmbar amarelo, 37, 38, 40 Born (Max), 72
Anaxágoras, 16 Boskovic, 89, 96
Anaximandro, 19 Boyle (Robert), 24
Anaxímenes, 19 Broglie (Louis de), 71 , 72,
Angstrõm (Anders), 56 73, 88, 95
antimatéria, 44, 123, 125 Bunsen (Robert), 55
Aristóteles, 17, 20, 22, 23,
24, 87, 97, 124 carbono (átomo de), 22, 33,
Arrhenius (Svante), 35, 36 34,35, 126
A vogadro (Amedeo di constante de Planck, 92
Quaregna e Ceretto, cordas (teoria das), 73, 89,
conde), 28, 29, 30, 31 112, 113
corpo negro (lei da radia-
Bacon (Roger), 97, 98, 100, ção do), 48, 49
101 Crookes (William), 41 133
Dalton (John), 10, 26, 27, 28, Franklin (Benjamin), 39, 40
29, 30, 50
Dehmelt (Hans), 44 Galileu, 23
Demócrito, 14, 15, 16, 17, Gassendi (Pierre Gassend,
18,20,24,46,53,95,96, dito), 10, 23, 24
97, 100, 101, 103, 104, 105, Gay-Lussac (Louis), 28, 29,
106 59
Descartes (René), 23, 45, 46, Gell-Mann (Murray), 92
47, 54, 98, 99, 100, 101, Gerhardt (Ch arles), 31
106, 107 Gilbert (William), 37, 92
Dirac (Paul), 74, 75, 95 Gray (Stephen), 38
Du Fay (Charles François
de Cisternay ), 38, 39 Haas (Arth ur), 58, 59, 64,
Dumas (Jean-Baptiste), 29 65, 66
Han sen (Hans Marius), 62
efeito de Compton, 124 · Heisenberg (Werner), 72, 73
efeito de túnel, 110, 114 Hooke (Robert), 108
Einstein (Albert), 90, 91, 92,
93 Ideia (de Anaxágoras), 16
electricidade, 10, 35, 36, 38, (de Demócrito), 16, 20, 46,
39,40,41,42,43,52 97, 100, 101, 104, 105
electrão, 41, 44, 58, 59, 60, (de Platão), 18, 20, 34
61, 62, 63, 64, 65, 66, 68,
69, 70, 71, 77, 80, 88, 89, Jehle (Herbert), 75
90, 94, 99, 106, 111, 124,
125 Kirchhof (Gustav), 48, 56
Empédocles, 20, 22, 24, 25, Kossel (Walther), 68
96 Kram ers (Hendrik), 70, 76
energia, 48, 50, 63, 64, 75, Kronig (Ralph de Laer), 70,
89, 90, 91, 92, 100, 105, 71
106, 111, 113, 115, 124
espectro, 54, 55, 56, 57, 58, Landé (Alfred), 69
60, 63, 64, 66, 69, 76, 77, Lavoisier (Antoine de), 8,
78,79,85, 106, 125 25,28,31, 103, 104
espectroscopia, 54, 76, 78, Le Bel (Achille), 21, 34, 35
125 Lederman (Leon), 89
estrutura molecular, 32 LEP (Large Electron
Positron), 90
Feynmann (Richard), 45 Leucipo, 14
134- fotão,85,93,96, 114 Lewis (Gilbert), 92
luz, 13,25,26,38,54,56,71, Pitágoras, 19, 20
84, 85, 88, 91, 92, 93, 94, Planck (Max), 47, 48, 49, 50,
98,99, 100, 108, 113, 114, 51, 58, 90, 91, 92, 101, 104,
115, 124 105, 120
Lyman (Theodor), 57 Platão, 9, 16, 18, 20, 21, 22,
34,53,96, 112, 119
magnetão, 125 Plücker (Julius), 40, 41, 56
Maupertuis (Pierre Louis Poincaré (Henri), 59, 60, 61,
Moreau de), 46, 49, 94 62, 63, 64, 105, 119, 120,
mecânica (do passo), 101, 121,122
102, 109 positrão, 44, 125
(ondulatória), 72, 73 princípio de exclusão, 78
(quântica), 73, 75, 79, 104, princípio de incerteza, 106
106, 109, 112, 113, 114, Proust (Joseph), 26
115 Pullmann (Bernard), 63
Millikan (Robert), 42, 43 quantum de acção, 49, 58,
momento angular, 59, 62, 90, 91, 92, 93, 99, 100, 101,
63 103, 104, 105, 106, 107,
Moseley (Henry), 64, 67 108, 112, 119,121, 122
movimento, 14, 15, 17, 18, quantum de luz, 91, 92, 93
22, 43, 45, 46, 47, 65, 70, quarks, 107, 124, 125
73, 75, 91, 92, 94, 97, 98, quatro elementos, 20, 24,
99, 100, 101, 103, 105, 106, 87,96
107, 108, 113, 119, 124, 126
radiação alfa, 51
neutrino, 88, 107, 124, 125 raízes (teoria das quatro),
Newton (Isaac), 25, 48, 54, 20,25
124
Nicholson (John), 59, 61, 62, Richter (Jeremias), 26
63, 64, 65, 66, 67 Ritz (Walter), 57, 58, 60, 76,
números quânticos, 65, 66, 78, 80
67, 69, 74, 78, 95 Rubens (Heinrich), 48
Rutherford (Ernest, lord),
Parménides, 14 50, 51, 52
Paschen (Friedrich), 57
Pauli (Wolfgang), 69, 70, 77, saltos quânticos, 59, 63
78 São Tomás de Aquino, 22
Pauling (Linus), 34, 35 Schrõdinger (Erwin), 72, 73,
Perrin (Jean), 31, 32, 33, 41, 75,95
42, 43, 52 Sócrates, 9, 16, 18 135
Sommerfeld (Arnold), 65, Thomson (sir joseph), 41
66, 68, 69, 70, 76, 92, 95 transmutação, 21, 88, 125
spin, 69, 71, 74, 79, 100, 106,
107, 123, 126 vácuo, 9, 14, 15, 18, 20, 44,
Stark (Johannes), 69, 91, 92 95, 96, 99, 100, 101, 105,
Stewart (Balfour), 48 106, 107, 112, 123
Stoney (George Johnstone), valência, 31, 32, 33, 77, 126
41 Van't Hoff (Jacobus), 21
substância dos corpos
(teoria da), 19 xon, 101

Tales, 19, 37 Zeeman (Pieter), 69


Thomas (Llewellyn), 88 Zurech (Wojciech), 109

136
Índice

Prefácio............. ...... .... .... .. ..... .. ... ...... ..... ................. ... 9

Uma exposição para compreender

ABC DO ÁTOMO .. .................... ................ .............. 11


A tomos idea ........ .... .. .. .. .. ........... ........ .. .. ............. .. .. 13
O átomo dos químicos .. ............... ....... ............ .... 19
O poder misterioso do âmbar amarelo............ 37
Quatro grandes ideias da física .. . .. .. .... ..... .. .. .. .. 45
O átomo dos físicos ... .. ....................... ......... ....... . 53

Um ensaio para reflectir

REPENSAR O ÁTOMO... ....................... .............. .. 83


A matéria............................ .. ................................ 87
O vácuo ........ ........... ....... .. .............. .. .................... . 95
O quantum de acção ...... ....................... ... .... .. .... .. 103

Anexos ... .. .... ..... ......... .. ..... ............. .. .......................... 117 137

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