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Territorios

ISSN: 0123-8418
editorial@urosario.edu.co
Universidad del Rosario
Colombia

Maricato, Erminia
Globalização e política urbana Na periferia do capitalismo
Territorios, núm. 18-19, enero-diciembre, 2008, pp. 183-205
Universidad del Rosario
Bogotá, Colombia

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=35711626008

Como citar este artigo


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Territorios 18-19 / Bogotá 2008, pp. 183-205
ISSN: 0123-8418

Globalização e política urbana


Na periferia do capitalismo
Globalización y política urbana en la periferia del capitalismo

Globalization and urban policy at the periphery of capitalism

Erminia Maricato*
Pedimos, por favor, não achem
natural o que muito se repete!
A exceção e a regra
Bertold Brecht
*
Profa. Titular da Uni-
versidade de São Paulo. Ex
secretária de Habitação e
Desenvolvimento Urbano
Recibido el 28 de octubre de 2007
da Cidade de São Paulo
Aprobado el 15 de septiembre de 2008 (1989/92). Vice Minis-
tra das Cidades do Brasil
(2003/2005).
erminia@usp.br

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Palabras clave RESUMEN
Globalización, países pe-
riféricos, planeación ur-
Se aborda el tema complejo de la planeación
bana, reforma fundiaria,
planes estratégicos
urbana en el contexto de los cambios fuertes
generados por la reestructuración de la produc-
ción capitalista iniciada a finales del siglo XX, es
decir por la globalización y su impacto en los
países periféricos. Este análisis permite plantear
varias recomendaciones: la visibilización de la
ciudad real y la deconstrucción de la ciudad
virtual promovida por el marketing urbano, la
visibilización de los conflictos, la reforma ad-
ministrativa, la capacitación de los agentes de la
planeación urbana y la reforma fundiaria.

Palavras-chave: ABSTRACT
Globalização, países peri-
féricos, planejamento ur-
Este artigo discute um tema complexo como é
bano, reforma fundiária,
planos estratégicos
o planejamento urbano e que está passando por
uma grande mudança no mundo revolucionado
pela reestruturação da produção capitalista ini-
ciada no final do século XX. Esta análise permite
uma série de recomendações: dar visibilidade
a cidade real ou desconstruir a cidade virtual
edificada pelo marketing urbano e interesses
globais, dar visibilidade aos conflitos, contruir
reforma administrativa, capacitar agentes para
o planejamento da ação, desenvolver reforma
fundiária.

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Algumas perguntas podem nos ajudar a Considere-se ainda que essas mudanças Iremos utilizar o conceito
abordar um tema complexo como é o pla- conhecidas por globalização desabam sobre de globalização para refe-
rir ao conjunto das mu-
nejamento urbano e que está passando por um sistema político que não se moderni- danças (incluindo a ideo-
uma grande mudança no mundo revolu- zou. Pelo contrário, estamos nos referindo logia, a cultura e a políti-
cionado pela reestruturação da produção a sistemas políticos baseados no patrimo- ca) ocorridas no mundo a
capitalista iniciada no final do século XX.1 nialismo, entendido como o uso pessoal da partir do que Harvey cha-
Considerando que uma parte dos Estados esfera pública e o exercício da política do ma de reestruturação pro-
dutiva do capitalismo que
Nacionais são mais frágeis que muitas das favor (ou troca) dominado por uma for- tem início nos anos 1970.
maiores corporações mundiais e que estas te oligarquia nacional. Considere-se ainda
não têm muitos limites para expandir seus que essas mudanças desabam sobre uma
poderes e impor seus modelos, quais são sociedade que não universalizou os direi-
as perspectivas de desenvolvimento de um tos sociais (previdência, saúde, educação)
planejamento territorial inspirado na diver- e mantinha grande parte da população na
sidade cultural, social e ambiental de cada informalidade sem acesso aos direitos tra-
país e cada cidade? balhistas. Qual a possibilidade dessa socie-
Considerando que o ideário neo liberal que dade reverter o rumo do aprofundamento
acompanha a globalização impõe a desre- da desigualdade e da pobreza? Qual a pos-
gulamentação e a privatização dos serviços sibilidade de implementar planos baseados
públicos, eliminando a noção de subsídio, em prioridades sócio-ambientais, índices,
como planejar e implementar políticas vol- indicadores e metas? Como assegurar a par-
tadas para as necessidades da maior parte ticipação democrática e a implementação
das populações dos países da periferia do das decisões decididas democraticamente?
capitalismo, que não fazem parte do mer- Considerando que o novo imperialismo
cado privado? exacerba a importância dos pólos urbanos
Considerando que o capital financeiro in- e metropolitanos que já são importantes e
ternacional, dominante na atualidade, não que o ideário neo liberal trouxe as marcas
pode submeter-se ao ritmo ou incertezas de competição entre cidades e fragmen-
das instituições democráticas nacionais e tação do território, qual a chance de des-
engendra novas instituições que decidem envolver uma política de cooperativismo
mais do que os próprios Parlamentos Na- federativo?
cionais ou Tribunais Superiores (volume
dos superávits, taxa de juros, decisões sobre
o câmbio, taxa de risco...), qual é o espaço Globalização e poder
que existe para o exercício do planejamento
territorial, executado por meio de políticas Assim como o taylorismo e o fordismo mol-
públicas com participação social, que con- daram um novo homem e uma nova socie-
traria interesses do novo imperialismo? dade, a globalização também está produzin-
do um novo homem e uma nova sociedade territorios 18-19
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Gramsci 1949. por meio de transformações nos Estados, desenvolvido passara por uma fase excepcional de
nos mercados, nos processos de trabalho, sua história; Talvez uma fase única. (Hobsbawn,
3
José Luís Fiori nota que 1994 p. 253).
a terminologia que acom-
na estética, nos produtos, nos hábitos, nos
panha a classificação dos valores, na cultura, na subjetividade indi-
países periféricos no mun- vidual e social, na ocupação do território, Como resultado da adequação do proces-
do capitalista mudou - de na produção do ambiente construído e na so de acumulação capitalista ao avanço da
“países subdesenvolvidos”, relação com a natureza. luta dos trabalhadores o Estado combinou
para “países dependentes”,
De fato, a hegemonia do fordismo acarre- controle legal sobre o trabalho com políti-
em seguida para “países
em desenvolvimento”, de- tou grandes mudanças sociais ao disseminar cas que lhe asseguraram elevação do padrão
pois para “países do sul” uma forte disciplina para o trabalho sob o de vida.
e, finalmente, ”mercados ritmo mecanizado e repetitivo da grande in- Essa rápida descrição se refere mais exata-
emergentes” que é como os dústria. Horários rígidos, rotinas rigorosas, mente aos países capitalistas centrais (do-
batizou o capital financei-
os gestos repetidos, a maquinaria impôs um ravante PCC). Nos países periféricos do
ro internacional na era da
globalização (Fiori, 1995). ritmo muito distante da vida rural mediada mundo capitalista (doravante PCP) o for-
A terminologia é revela- pelas estações do ano ou pelas forças da na- dismo e o Welfare State não incluíram to-
dora. Para uma melhor tureza. Até a organização da vida familiar, da a sociedade.3 Os padrões do urbanismo
compreensão dos conceitos a incorporação da mulher no mercado de modernista foram aplicados a uma parte das
de núcleo central, peri-
trabalho, a penetração dos eletrodomésti- cidades formando verdadeiras “ilhas de pri-
feria e semi-periferia ver
Arrighi (1995). Para os cos no ambiente doméstico, a generalização meiro mundo” cercadas de ocupação ilegal
objetivos deste texto não se- do uso individual do automóvel, todo um promovidas pelas favelas, cortiços e lotea-
rá necessário diferenciar os modo de vida foi sendo moldado, não sem mentos clandestinos.
países periféricos dos semi- O fordismo periférico constituiu a trans-
muito conflito, acarretando mudanças na
periféricos.
moradia e na cidade. Produção em massa ferência de indústrias, máquinas, tecnologia
de objetos padronizados para o consumo e produtos (com seus desenhos e portanto
de massa passou a incluir os próprios ope- valores culturais e estéticos a ele incorpo-
rários.2 rados), para alguns grandes centros metro-
A combinação do fordismo com o keyne- politanos, visando, inicialmente, o mercado
sianismo gerou o que Hobsbawn chama de interno dessa periferia capitalista. Em vários
“anos dourados” ou seja, um período de 30 países esse processo de substituição de im-
anos (1940 a 1970) tido como sendo uma portações teve algum controle endógeno,
das maiores e mais importantes construções ganhou caráter nacionalista e ficou conhe-
sociais da humanidade. cido como período desenvolvimentista.
Muitas críticas ao modelo fordista keyne-
... só depois que passou o grande boom, nos per- siano somaram-se às determinações que es-
turbados anos 70, à espera dos traumáticos 80, os tão na esfera da produção e da acumulação
observadores - sobretudo, para início de conver- de capitais (crise de fundos, de mercados,
de lucratividade, e fiscal que se somaram
territorios 18-19 sa, os economistas – começaram a perceber que o
mundo , em particular o mundo do capitalismo à crise do petróleo) para definir seu declí-
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nio. Harvey lembra a emergência da luta grande e poderoso sindicato de trabalhado-
das mulheres, o movimento contra-cultural res e do grande capital produtivo fordista.
e anti consumo (conhecido pelo apareci- Mas acima de tudo ela significou o primado
mento dos hyppies na cena mundial, em do mercado.
especial americana), a crítica à pobreza do Com ela também os tradicionais partidos
funcionalismo modernista (Jacobs, 1961 e políticos foram atingidos o que foi fatal
Berman, 1982), os insatisfeitos do tercei- para as forças de esquerda. Novos atores
ro mundo que lutaram pela independência, entraram em cena: ONGs, ambientalistas,
dentre outras manifestações. mulheres, entidades de luta pela igualda-
Rigidez é a marca que, contraditoriamente, de racial, entidades de luta pelos direitos
caracteriza esse período de relativo bem es- dos homossexuais, direito das etnias, etc.
tar social: rigidez nos investimentos em ca- A democracia burguesa ou representativa
pital fixo, larga escala e longo tempo; rigidez também passa a ser contestada assim como
no mercado de trabalho, contratos, direitos os partidos são esvaziados.
trabalhistas; rigidez na estrutura e ação do O tratamento glamouroso que a mídia e
Estado. Flexibilização é uma das marcas da muitos intelectuais atribuíram à globa-
mudança que se inicia nos anos 70 visando lização e às chamadas cidades globais foi
acelerar o tempo de giro do capital: flexi- dando lugar, com o passar do tempo e com
bilização da estrutura produtiva em relação a apropriação capitalista das novas tecno-
ao território, flexibilização da organização logias, a uma realidade cruel: aumento do
da unidade de produção (que se fragmen- desemprego, precarização das relações de
ta), flexibilização nas relações de trabalho, trabalho, recuo nas políticas sociais, pri-
flexibilização e diversificação dos produtos, vatizações e mercantilização de serviços
flexibilização dos mercados. A informação, públicos, aumento da desigualdade social.
o conhecimento, a marca, a mídia, ganham Diferentemente da desigualdade social ou
mais importância em um mundo impactado inserção social precária existentes anterior-
pela velocidade, pelo efêmero, pelo espetá- mente à globalização após sua dominação
culo, tudo isso alimentado por significativos hegemônica, ganha destaque uma marca, a
avanços tecnológicos. da exclusão social : bairros são esquecidos,
A flexibilização chegou também ao Esta- cidades são esquecidas, regiões são esque-
do e seu papel regulador. O liberalismo cidas e isso acontece até mesmo com países,
renasceu com a nova condição. À crise fis- que são ignorados já que não contam para
cal a primeira Ministra inglesa Margareth a nova ordem.
Tatcher (1979) e o presidente americano Uma nova dinâmica regional é construída
Ronald Reagan (1980) responderam com sob forte determinação por meio de ações
ataque aos salários reais e aos sindicatos. que desrespeitam culturas locais ou nacio-
A hegemonia da globalização significou o nais, ignoram a ética, etnias, raças, religiões
desmonte do grande Estado provedor, do ou a sustentabilidade ambiental. (Harvey, territorios 18-19
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Cf. website http://www. 2003; Stiglitz, 2002; Ocampo e Martin, marcadas pela padronização e alta densi-
etcgroup.org. 2003). Para quem não é o império ou seu dade, com forte subsídio estatal. O inves-
5
Apesar da sensível dife-
rença, para os objetivos des-
aliado, a globalização é uma grande tsuna- timento na extensão da infra-estrutura ur-
te texto não faremos uma mi que varre o que encontra pela frente. A bana combinou-se ao planejamento urbano
distinção entre os países ofensividade utilizada para a disseminação e ao controle fundiário. Grandes empresas
periféricos dos semi-peri- da semente transgênica e a “terminator” de construção e grandes sindicatos (com
féricos. Devido à nossa ex- (impossível de ser replantada, o que garan- participação significativa de força de trabal-
periência profissional, aca-
dêmica e política a Amé-
tiria, no caso de sua generalização, às cor- ho imigrante) participaram dessa extensa
rica Latina é usada como porações globais, o controle total sobre a construção.
referência privilegiada. produção de alimentos no mundo) revela a Após 1975 diminui o investimento estatal,
falta de limites éticos das forças globais.4 aumentam os preços, aumenta a ativida-
A certeza de segurança pessoal e familiar de especulativa e aumenta a complexida-
no futuro, a tranqüilidade, a esperança deu de com a flexibilidade na promoção e na
lugar à incerteza que acompanha agora as produção. Segundo os mesmos autores
novas gerações. Mesmo nos Estados Uni- aumentam ainda as atividades de subcon-
dos onde a paz social continua a ser manti- tratação ao lado da queda no investimento
da por um exagerado padrão de consumo em capital fixo. Toda essa mudança é acom-
a pobreza aumentou como revela Harvey panhada do declínio do poder sindical (Ball
(2003). e outros, 1988).
Os Estados não foram diminuídos como fez A palavra subsídio é praticamente varrida
crer o ideário neo liberal, mas adaptaram-se dos documentos oficiais.
às exigências das grandes corporações e do
capital financeiro. Enfraqueceram-se apenas
em relação às políticas sociais. Naquilo que O impacto da globalização nos
interessa às grandes corporações e ao capi- países periféricos5
tal financeiro os Estados foram fortalecidos
com a ajuda midiática. As suspeitas ações de Se o impacto da globalização sobre o mun-
privatização de empresas públicas no Brasil, do desenvolvido foi forte que não dizer do
largamente financiadas pelo próprio Esta- impacto que sofreram e sofrem nações onde
do, no início dos anos 90, foram precedi- a maior parte da população nunca conheceu
das de uma ampla campanha na mídia en- os direitos universais: emprego, previdên-
volvendo inclusive os comunicadores mais cia, saúde, educação, habitação.
populares encarregados em desmoralizar o A desigualdade trazida pela globalização
Estado e exaltar a capacidade da iniciativa aprofunda e diversifica a desigualdade nu-
privada (Biondi, 1999). ma sociedade historicamente e tradicional-
Segundo Ball e outros (1988), uma im- mente desigual. Faz muita diferença iniciar
portante característica do welfare state nos o processo de reestruturação produtiva a
territorios 18-19 PCCs foi a produção massiva de moradias, partir de uma base de pleno emprego ou de
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direitos universais relativamente extensivos, e absoluta objetividade. Seu papel ideoló- Com base no documento
ao invés de uma base na qual os direitos são gico é claro e mal disfarçam as orientações Washington Consensus de
John Williamson foi colo-
privilégios de alguns. que podem ser encontradas no texto resul- cada em prática uma am-
Para os PCCs a globalização significou a tante do Consenso de Washington. Exer- pla estratégia de formação
quebra do contrato social e para os PCPs cem seu poder sobre os demais ministérios de quadros voltados para
significa uma nova relação de dominação e e demais entes federativos com o máximo a tarefa de implementar
exploração. Um bem engendrado modelo de rigor.7 o ajustamento das econo-
mias periféricas (Cf. WI-
de construção de hegemonia foi colocado A metodologia utilizada para o cálculo dos LLIAMSON, John. What
em prática por meio do Consenso de Was- gastos públicos constitui um capítulo à par- Washington Means by
hington.6 te. Investimentos são contabilizados como Policy Reform. In: J. Wi-
Como foi mencionado acima, as forças glo- gastos (por exemplo: recursos dirigidos pa- lliamson, ed. Latin Ame-
bais têm dificuldade de convivência com ra obras de infra-estrutura voltadas para a rican Adjustment: How
Much Has Happened?
as instituições democráticas de cada país. produção) deprimindo a capacidade de gas- Washington: Institute for
Forjaram a ferro e a fogo, com a ajuda de tos do Estado. Da metodologia contábil à International Economics,
uma certa mídia bem paga, instituições que terminologia utilizada, todos os detalhes 1990). Sua fórmula resul-
mandam mais do que os congressos nacio- obedecem à lógica da dominação e dos in- tou de uma reunião rea-
nais. Senão vejamos: os Bancos Centrais in- teresses globais. lizada em 1989 na qual
tomaram parte o governo
terferem profundamente na vida dos países É surpreendente o sucesso da estratégia de americano, representan-
e não prestam contas a ninguém. Seus dire- formar formuladores de políticas para os tes das organizações fi-
tores são ilustres desconhecidos e suas re- PCPs. BIRD, BID, OCDE são algumas nanceiras internacionais
uniões, inacessíveis, geram atas burocráticas das entidades que se organizaram para es- e representantes dos países
“emergentes”. Para estes a
e indecifráveis até para muitos economistas. sa tarefa de “capacity building”. Todo em-
receita era uma só: estabi-
Ninguém ali foi eleito democraticamente. préstimo feito pelas agências multilaterais lização macro econômica
Não é por outro motivo que um dos pon- (quealiás os oferecem como se fossem uma com superávit fiscal pri-
tos da agenda neo liberal é a autonomia dos benesse) exige a contrapartida da aplicação mário, reestruturação dos
Bancos Centrais em relação aos governos ou dos itens previstos no Consenso de Was- sistemas de previdência,
liberalização financeira e
qualquer outra instituição nacional. hington. Em outras palavras, tratava-se de
comercial e privatizações.
O “risco país” é um indicador que tem mais “fazer a cabeça” dos quadros locais. Após isso tudo a receita
prestígio do que a distribuição de renda. Para o sucesso dessa tarefa eles contaram previa a retomada dos in-
Paira como uma espada sobre a cabeça de com a ajuda de uma tradição nos países pe- vestimentos e o crescimento
cada país. Como é definido? Quem define? riféricos: a do mimetismo intelectual, ou econômico, o que não oco-
rreu. O documento “In
Quais os critérios para sua definição? seja, a valorização das propostas de origem
search of a Manual of Te-
Nos Ministérios da Fazenda há um con- externa e o desprestígio das propostas de chnopols” do mesmo autor
junto de profissionais que podem não con- origem endógena. (Williamson, John, ed. The
hecer profundamente a realidade social e A memória intelectual e profissional en- ➙
territorial de seu próprio país mas foram dógena, nos PCPs, é constantemente so-
preparados e organizados para uma missão lapada ao longo da história. A convivência
e a cumprem com muito profissionalismo secular com idéias provenientes do exte- territorios 18-19
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➙ rior freqüentemente os coloca diante de “boas” nada têm de benéfico para os países em
Political Economy of Policy uma matriz histórica postiça ou virtual. Em desenvolvimento, pelo contrário, na verdade é
Reform. Washington, DC: especial no campo da cultura vivem-se as provável que as políticas “ruins” lhes façam bem
Institute for International quando efetivamente implementadas (Chang,
Economics, 1994), visava
“idéias fora do lugar”: um conjunto de va-
dar uma orientação polí- lores, idéias, símbolos e formas deslocados 2002, p. 214)
tica complementar para o da base produtiva. Problemas importantes
exército de ativistas do neo são trazidos à baila recorrentemente, mas
liberalismo. permanecem sem solução. De tempos em O legado do patrimonialismo
7
Como integrante da
tempos seu enfrentamento é retomado sem
equipe que criou o Ministé- considerar o acúmulo do conhecimento Mas não são apenas os recentes processos
rio das Cidades e Vice- Mi- desenvolvido pelas gerações anteriores. O desencadeados pela globalização que difi-
nistra do governo Lula, a glamour de prestigiadas universidades es- cultam o planejamento urbano nos PCPs.
autora pode acompanhar, trangeiras é irresistível.8 Com uma tal tra- Refiro-me aqui mais exatamente aos latino-
por 3 anos (2003/2005), a
dição acadêmica e profissional, não é de se americanos que passaram pela colonização
prática desses ativistas do
neo liberalismo no interior estranhar que essa proposta tenha formado ibérica.
da máquina governamen- um verdadeiro exército de ativistas em todo Na América Latina a desigualdade social é
tal do Brasil. o mundo. resultado de uma herança de cinco séculos
8
Discorrendo sobre a pressão que os paí- de dominação externa que se combina, in-
Alguns brilhantes inte-
ses ricos fazem sobre os países pobres para ternamente, a elites que têm forte acento
lectuais brasileiros refleti-
ram sobre esse assunto como que estes adotem “boas políticas” e “boas patrimonialista. As características do pa-
Roberto Schwarz (autor instituições”, Chang apresenta evidências trimonialismo poderiam ser sucintamente
da expressão “as idéias fora empíricas sobre os resultados negativos des- descritas como as seguintes: a) a relação de
do lugar”), Florestan Fer- sa influência. Os países pobres cresceram favor ou de troca é central no exercício do
nandes e Celso Furtado.
9 mais quando não seguiram as receitas neo poder; b) a esfera pública é tratada como
Parte dessa descrição pode
ser encontrada em Faoro liberais do “establishment internacional da coisa privada e pessoal; c) existe correspon-
(1989). política de desenvolvimento”. A China e a dência entre detenção de patrimônio e po-
Índia que apresentam alto crescimento não der político e econômico.9
seguem essa receita. Clientelismo, coronelismo, oligarquia ou
caudilhismo são os conceitos estreitamente
Assim, parece que estamos diante de um “para- ligados ao patrimonialismo.
doxo”- pelo menos para quem não é economista A corrupção generalizada e notável na AL é
neo liberal. Todos os países, mas principalmente um subproduto do exercício de poder que
os países em desenvolvimento, cresceram mui- passa pela esfera pessoal mantendo, no sis-
to mais rapidamente no período que aplicaram tema político e no judiciário características
políticas “ruins”, entre 1960 e 1980, do que de atraso e de pré-modernidade. As relações
nas duas décadas seguintes, quando passaram a pré-modernas sobrevivem durante os pro-
cessos de modernização, industrialização e
territorios 18-19 adotar as “boas”. A resposta óbvia para tal para-
doxo é reconhecer que as políticas supostamente urbanização dos países.
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Nesse ambiente a aplicação da lei segue moderno do atraso”. Várias são as análises Ver a respeito as obras
caminhos imprevisíveis quando se trata que constatam a persistente preservação das do ficcionista brasileiro do
século XIX, Machado de
de contrariar interesses dominantes. Leis oligarquias durante o processo de moder- Assis e as críticas de Ro-
progressistas podem resultar em decisões nização.11 berto Schwarz à sua obra
conservadoras já que os julgamentos não Não está suficientemente claro e nem exis- em Schwarz (2005).
ignoram as relações pessoais ou de compa- tem suficientes trabalhos que tratem do
11
drio. Isso ocorre com os proprietários de impacto da globalização sobre essas forças Vários desses autores estão
repensando acerca do signi-
terra como veremos em seguida. E sempre do atraso. Por outro lado, no Brasil é possí- ficado das forças do atraso
é importante lembrar que a terra ocupa uma vel observar um recrudescimento (ou pelo sob a globalização. Ver por
posição chave na formação das sociedades menos a manutenção) do clientelismo e da exemplo a reformulação da
latino americanas. corrupção envolvendo o sistema político marca do “desigual combi-
Outras características das forças do atraso após os anos de ditadura e em especial após nado” atribuída aos países
da AL em 1972. Oliveira,
a serem lembradas aqui são o papel do dis- os anos 90. Nossa hipótese é de que a perda F. Crítica à razão dualis-
curso ou da retórica para o exercício do de poder real dos parlamentos para os exe- ta: o ornitorrinco. São Pau-
mando e a distância que separa a retórica cutivos e para as instituições comandadas lo: Boitempo, 2003.
(representada por uma lei, um plano, um pelo figurino global reforça as relações ba-
12
projeto) da prática.10 Nos parlamentos lati- seadas na troca e reforça o papel da retórica Não vamos nos deter nos
dados quantitativos que
no-americanos dificilmente um parlamentar e do marketing na atividade parlamentar. A mostram a tragédia ur-
reconhece-se como conservador. A esmaga- hipótese explicitada aqui é que esse patri- bana mundial em especial
dora maioria declara-se de centro esquerda. monialismo é funcional para a globalização, nos PCPs, nem na evidente
As academias também não deixam de apre- e quando não é, seus representantes são piora do impacto que a glo-
balização tem acarretado
sentar essas características que fazem parte simplesmente marginalizados das decisões
em um processo de urbani-
da alma latino-americana. importantes. Mas essa questão deve ser zação crescente no mundo.
Vários autores se detiveram em analisar as desvendada por mãos mais competentes Ver a respeito abundantes
características específicas desse capitalismo do que as de uma urbanista. dados quantitativos em
“sui generis” que subordina toda a socie- Davis, 2006. Ver ainda e
os documentos de Un Ha-
dade mas se alimenta de relações não capi-
bitat, Eclac, Global Urban
talistas. Citando as “discrepâncias internas” Os paradoxos das cidades Observatory, citados na bi-
das sociedades latino-americanas Canclini periféricas12 bliografia.
(1990) lembra que “diferentes temporali-
dades históricas convivem em um mesmo As cidades, e em especial nas metrópoles
presente”. Celso Furtado (1995) referiu-se dos PCPs, constituem uma fonte excelente
às características de “defasagem e contem- para evidenciar os contrastes e contradições
poraneidade”. Francisco de Oliveira em- referidos anteriormente.
prestou de Trotsky a referencia ao “desigual Uma proporção maior ou menor da popu-
combinado” (1972). Florestan Fernandes lação urbana, dependendo de cada país, é
(1975) lembra que se trata de “moderni- excluída do direito à cidade e busca aces-
zação com atraso” ou “desenvolvimento so à moradia por meio de seus próprios e territorios 18-19
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precários recursos. Mesmo sem contar com Por outro lado, o Estado tem práticas de
levantamentos rigorosos (desconhecemos investimento regressivo definidas por inte-
um país do mundo periférico que tenha resses diversos. Queremos lembrar aqui três
contabilidade rigorosa sobre a moradia dos linhas de orientação do investimento públi-
excluídos), podemos dizer que a maior par- co urbano: a. aquela orientada pelos inte-
te da população urbana constrói suas casas resses do mercado imobiliário, cujo motor é
sem o concurso de conhecimento técnico a valorização imobiliária, b. aquela definida
(de engenharia e arquitetura), sem finan- pelo marketing urbano, cujo motor é a vi-
ciamento formal e sem respeito à legislação sibilidade, e c. aquela definida pela relação
fundiária, urbanística e edilícia. Essa prática clientelista que responde a interesses eleito-
dita de autoconstrução foi central para o rais. Essa última pode até implicar em inves-
barateamento da força de trabalho nacional timentos em áreas pobres, mas subvertem
(o custo da moradia não estava incluído uma orientação de investimento que pode-
no salário) especialmente durante o perío- ria ser dada pelo planejamento urbano.
do desenvolvimentista quando a indústria As alternativas de habitação, que incluem
fordista se instalou nos PCPs em busca de infra-estrutura e serviços urbanos, deman-
seus mercados internos. Ela continua como dadas pela maior parte da população não
aspecto central na globalização. Apesar de são encontráveis nem no mercado e nem
incluído no sistema produtivo capitalista o nas políticas públicas.
trabalhador (parte da População Econo- As áreas ambientalmente frágeis – beira de
micamente Ativa) é excluído do mercado córregos, rios e reservatórios, encostas ín-
residencial capitalista. gremes, mangues, áreas alagáveis, fundos
O mercado residencial privado, tal como se de vale -, que, por essa condição, merecem
apresenta na AL, contribui para a carência legislação específica e não interessam ao
generalizada de moradias. Se nos PCCs o mercado legal, são as que “sobram” para a
mercado privado atende 80 por cento da moradia de grande parte da população. As
população, em média, sendo que 20 por conseqüências dessas gigantescas invasões
cento depende do subsídio público, nos são muitas: poluição dos recursos hídricos
PCPs o mercado privado tem alcance res- e dos mananciais, banalização de mortes
trito, é socialmente excludente e altamen- por desmoramentos, enchentes, epidemias,
te especulativo. No Brasil, assim como em etc.
muitos países da AL, estima-se que 30 por Essa dinâmica é cada vez mais insustentável
cento apenas da população tenha acesso à devido ao nível de comprometimento am-
moradia no mercado privado. Nem mesmo biental urbano, mas ela é cada vez mais
aquilo que poderia ser classificado como acentuada a partir dos anos 40, pelo proces-
classe média (5 a 10 salários mínimos) tem so de urbanização intenso, que fornece mão
acesso à moradia por meio do mercado pri- de obra barata para a industrialização.
territorios 18-19 vado.
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A urbanização dispersa nas cidades dos empreendimentos imobiliários são crescen- Sobre a questão fundiária
PCPs, decorrente da expulsão da população temente mais fechados ou constituem es- e imobiliária urbana na AL
ver trabalhos e eventos pro-
pobre para a periferia, são causas de outro paços crescentemente fragmentados (clus- movidos pelo Lincoln Insti-
conjunto de sérias conseqüências sociais ters, guetos e cidadelas ou citadels). Se a tute of Land Policy em par-
e ambientais. A urbanização dispersa que mobilidade do capital aumentou a mobili- ceria com entidades latino-
ocorre por exemplo, nos Estados Unidos e dade entre as classes sociais declinou. Os ex- americanas. Site: http:www/
Canadá tem conseqüências ambientalmen- cluídos, lembra Marcuse são diferentes dos lincolinst.edu.
te insustentáveis, mas não submete a popu- informais. As áreas de chegada na cidade
lação dos subúrbios, que tem automóveis, foram esquecidas e atualmente temos mais
ao sacrifício de vencer longas distâncias a de uma geração convivendo com a falta de
pé como acontece nos PCPs. Nestes, as perspectivas de acesso ao emprego e à pre-
viagens a pé para vencer longas distâncias vidência. Enfim aumenta a separação entre
têm aumentado significativamente como classes e a segmentação no espaco (Marcu-
evidenciou o Fórum das ONGs da área de se, 1997).
transporte na Conferência Habitat II (Is- A representação da cidade é uma ardilosa
tambul, 1996). construção ideológica na qual parte dela,
Ninguém desconhece o papel que a pro- a “cidade” da elite, toma o lugar do todo.
priedade da terra ocupa no exercício histó- Guy Debord lembra que a sociedade do es-
rico do mando na AL, até mesmo em países petáculo é a sociedade do monólogo, verda-
que fizeram uma reforma agrária no começo deira fábrica de alienação (Debord, 1992).
do século XX como foi o caso do México, Essa constatação não é nova, mas ganha
ou como foi o caso do Peru e Bolívia mais radicalidade sob a globalização. Lembre-
tarde. Nesses países o que se nota é um mos que um ano após a tragédia que fez
completo recuo nas reformas nacionalistas. submergir os bairros pobres de New Or-
Noutros países como o Brasil, a industriali- leans eles ainda se encontravam em ruínas
zação tardia conviveu o tempo todo com a enquanto que as área mais ricas já estavam
manutenção do latifúndio improdutivo. A recuperadas.
retenção de terras improdutivas é uma das Se nas cidades dos países centrais os pobres
características do patrimonialismo e um dos têm pouca visibilidade nos PCPs eles são
maiores problemas do campo e das cidades praticamente invisíveis. A nova fragmen-
latino-americanas, pois dificulta a ocupação tação convive com a manutenção da velha
sustentável e justa do território.13 segregação cujas conotações de gênero,
Marcuse destaca que a globalização afeta raça e etnia têm se aprofundado. O mel-
todas as cidades, em todo o mundo, sejam hor exemplo disso talvez não seja latino-
elas ganhadoras, perdedoras ou outsiders. americano, embora a AL esteja plena desses
O espraiamento crescente de usos urbanos exemplos, mas sul-africanos.
pelo território desafia conceitos tradicionais A África do Sul é um país medianamente
sobre o que é urbano e o que é rural. Os industrializado, onde a dominação imperia- territorios 18-19
GLOBALIZAÇÃO E POLÍTICA URBANA. NA PERIFERIA DO CAPITALISMO 193

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Alexander é a única lista assumiu contornos raciais. Suas cidades negam a “ festa urbana” demandada por
grande favela que fica no impressionam pelo luxo a alto padrão dos Lefebvre em sua clássica obra “O direito
interior da “cidade” de Jo-
hanesburgo, mas é pratica-
bairros exclusivamente residenciais unifa- à cidade”.15
mente invisível de fora, pois miliares, como é o caso de grande parte Após visitar Pretória adquiri a convicção de
está quase que totalmente de Johanesburgo. Joburg como a chama o a separação física e também visual foi uma
inserida numa micro bacia marketing urbano, faz lembrar as cidades estratégia do apartheid que permanece e
hidrográfica. Townships é o mais ricas do mundo, se não fosse a carga permanecerá por muitas décadas.16 Dadas
nome que se dá aos conjun-
tos habitacionais gigantes-
de anúncios sobre segurança, cercas, cães, as grandes distâncias que separam os es-
cos construídos para a mo- muros, grades, etc. Com exceção do down- paços de moradia dos negros em relação aos
radia dos negros na África town onde há predominância de negros, locais de trabalho e a carência de transpor-
do Sul durante o apartheid. para acessar um bairro negro (Townships ou tes coletivos, os acostamentos das rodovias
A Township mais conhecida favelas) é preciso, freqüentemente, tomar que deixam as “cidades” são ocupados co-
é Soweto, palco principal da
luta contra o apartheid. as rodovias que deixam a “ cidade”14 (Vi- tidianamente por filas enormes de pessoas
llaça, 1995) . (negros) andando a pé ao lado do conges-
15
Ver a respeito infor- Segundo Andrew Boraine (Cape Town City tionado tráfico de automóveis oriundos dos
mação sistematizada em Partnership) a cidade Sul Africana do Ca- clusters dos brancos nos subúrbios.
Harrinson e outros (2003) bo, fascinante pela sua beleza, tem 2/3 de É evidente que a publicidade insistente e
e Mabin (1995).
sua população em favelas e townships. Mas a mídia, de um modo geral, têm um papel
16
Após conviver com a se- excetuando as margens da rodovia que vai especial na construção da representação
paração territorial origi- do aeroporto à “Cidade” do Cabo, esses ideológica da cidade, destacando os espaços
nária de norma jurídica 2/3 são totalmente invisíveis para a maior de distinção. É evidente também que essa
– o apartheid dividiu os
parte da população branca. O que salta aos representação é um instrumento de poder
africanos em 4 raças du-
rante quase meio século - olhos para o visitante é a beleza e o luxo da - dar aparência de “natural” e “geral” a um
a África do Sul encontra cidade praiana. Khayelitsha, a maior Town- aspecto que é parcial e que nas cidades está
dificuldade, no décimo ano ship que fica nos arredores da “Cidade” do associado aos expedientes de valorização
do governo democrático - Cabo, é acessível por rodovia ou ferrovia. imobiliária. Nunca é demais lembrar que a
para vencer a segregação
Ela tem aproximadamente 600.000 mora- proximidade de pobres acarreta a desvalo-
agora reafirmada por
outra “lei”: a do mercado dores segundo o guia, uma liderança local rização imobiliária ou fundiária.
imobiliário. que acompanhou nossa visita. Trata-se de A invisibilidade dessa “não cidade” tem
uma ocupação horizontal extensiva de ca- decisiva influência na formação das cons-
17
Da peça teatral de Ber- sas unifamiliares em pequenos lotes, que ciências. Os excluídos da cidade hegemô-
told Brecht “A exceção e a
conta com infra-estrutura urbana básica, nica são tomados como uma minoria e não
regra”.
parcos equipamentos públicos, e poucas como maioria da população como de fato
edificações destinadas a outros usos que são em muitos PCPs. Repetindo Brecht: “A
não residencial. É um exemplo gigantesco exceção virou regra e a regra, exceção” mas
dos criticados conjuntos habitacionais for- isso é negado pelo que os olhos vêem.17
distas que funcionam mais como depósitos A ocupação ilegal de terras e edifícios parece
territorios 18-19 de gente ou de força de trabalho barata, e estabelecer ou fundamentar a generalização
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da ilegalidade nas relações sociais. Não há nos PCPs resultando no que podemos cha- website http://www.who.
leis, cortes e nenhum tribunal para resol- mar de modernização incompleta. int.
ver disputas entre vizinhos em favelas, ou Como convém a um país onde as leis são
nos chamados loteamentos clandestinos ou aplicadas de acordo com as circunstâncias,
piratas. A ausência do Estado, particular- o chamado Plano Diretor está desvinculado
mente do aparato judicial e institucional, dá da gestão urbana. Discurso pleno de boas
espaço para as novas “leis” que são ditadas intenções, mas distante da prática. Concei-
pelos “chefes locais”. Alguns anos depois, tos reificados, reafirmados em seminários
essa organização local cresce em direção aos internacionais, ignoram a maioria da popu-
anéis regionais e internacionais do crime lação. A habitação social, o transporte pú-
organizado. Nossa hipótese é que nessas blico, o saneamento e a drenagem não têm
áreas ou regiões “esquecidas”, a ilegalidade o status de temas importantes (ou centrais,
urbana, e não somente a exclusão social, como deveria ser) para tal urbanismo.
contribue para o expressivo aumento da O resultado é: planejamento urbano para
violência no mundo inteiro, e particular- alguns, mercado para alguns, lei para al-
mente nos PCPs.18 guns, cidadania para alguns... Não se tratam
A crescente violência urbana é o sinalizador de direitos universais mas de privilégios para
mais visível da cidade real ao extravasar os poucos. (Castro e Silva, 1997)
espaços da pobreza e da segregação (evi- O planejamento urbano modernista fun-
dentemente mais violentos) e buscar os es- cionalista, importante instrumento de do-
paços distinguidores da riqueza. Mas ela é minação ideológica contribuiu para a con-
por demais evidente em nossas cidades para solidação de sociedade desiguais ao ocultar
que nos ocupemos dela aqui. a cidade real e preservar condições para a
formação de um mercado imobiliário espe-
culativo e restrito a uma minoria. Abundan-
Planejamento urbano e te aparato regulatório (leis de zoneamento,
globalização código de obras, código visual, leis de par-
celamento do solo inspirado em modelos
Após um século e meio de vida, a matriz estrangeiros) convive com a radical flexibili-
de planejamento urbano modernista, que dade da cidade ilegal, fornecendo o caráter
orientou o crescimento das cidades dos paí- da institucionalização fraturada, mas dissi-
ses centrais do mundo capitalista dá lugar mulada (Maricato 1996). Uma permanente
às propostas neo liberais, que acompanham tensão se estabelece entre a condição legal
as mudanças globais. O modelo modernis- e a condição ilegal e o que elas representam
ta, definidor de padrões holísticos de uso e para as instituições encarregadas do con-
ocupação do solo, apoiado na centralização trole da ocupação do solo, financiamento
e na racionalidade do aparelho de Estado, habitacional, preservação ambiental, entre
foi aplicado a apenas uma parte das cidades outras. As oligarquias locais tiram proveito territorios 18-19
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Durante o 1er Congreso dessa aplicação discriminatória da lei uti- atinge o status de “cidade global”. Alguns
Nacional de Suelo Urba- lizando-a de forma ambígua e arbitrária. poucos centros onde os destinos do mundo
no ocorrido na Cidade do
México vários depoimentos
Inseguras por ocupar uma terra em con- são definidos e que concentram certas ca-
de pesquisadores e autori- dição ilegal as comunidades se submetem racterísticas: sedes das grandes corporações
dades municipais repeti- à proteção de partidos, parlamentares ou empresariais, centros de pesquisa e criação
ram essa constatação da governantes alimentando a relação clien- em informática e comunicação, mão-de-
dificuldade de implemen- telista.19 obra qualificada, centros universitários, ati-
tação dos Planos Diretores
devido à falta de contro-
Não é por falta de Planos Urbanísticos que vidades culturais e artísticas de vanguarda,
le sobre o uso do solo. Ver as cidades periféricas apresentam proble- serviços sofisticados, etc. Não faltam aqueles
UNAM (2005). Depoi- mas graves. Mas porque seu crescimento que oferecem, a preços não tão módicos,
mentos feitos no Congreso se faz ao largo dos planos aprovados nas fórmulas capazes de conduzir qualquer ci-
Nacional de Suelo Urba- Câmaras Municipais, seguindo interesses dade ao podium restrito das fashionable ci-
no comprovam essa relação
freqüente entre os morado- tradicionais que comandam a política local dades globais.
res ilegais e políticos par- e grupos específicos ligados ao governo de Uma dessas propostas, que recebeu a deno-
lamentares ou governistas plantão. O “plano-discurso” cumpre um minação de Plano Estratégico e inspirou-
(UNAM, 2005). papel ideológico (Villaça, 1995) e ajuda a se no urbanismo da Barcelona dos jogos
20
encobrir o motor que comanda os investi- Olímpicos, foi comprada na América La-
Sobre a tendência do
“Plano Estratégico” ver mentos urbanos. tina como grande salvadora das cidades.
etimologia e a crítica em O que poderia ser uma oportunidade de Apesar da roupagem democrática e par-
Vainer (2000). desenvolvimento de propostas endógenas ticipativa, as propostas dos “planos estra-
mais sensíveis à práxis urbana da cidade tégicos” combinaram-se perfeitamente ao
periférica –o fim do planejamento funcio- ideário neoliberal que orientou o “ajuste”
nalista modernista– dá lugar a um outro das políticas econômicas nacionais por meio
movimento de dominação técnica, cultural, do Consenso de Washington. Uma receita
ideológica e política da periferia do capita- para os países e outra receita para as cidades
lismo: o Plano Estratégico. se adequarem aos novos tempos de rees-
truturação produtiva no mundo, ou mais
exatamente, novos tempos de ajuste da re-
Do “consenso de washington” ao lação de subordinação às novas exigências
“plano estratégico” do processo de acumulação capitalista sob
o império americano.20
As cidades têm um novo papel no mundo Ao nível local, o “Plano Estratégico”, já
globalizado. Essa afirmação tem sido uti- mencionado, cumpre um mesmo papel de
lizada para vários e diferentes propósitos. desregular, privatizar, fragmentar, e dar
Uma prestigiada bibliografia, que levou seus ao mercado um espaço absoluto. Ele re-
autores a uma situação quase hegemônica força a idéia da cidade autônoma, a qual
no mercado da consultoria internacional, necessita instrumentar-se para competir
territorios 18-19 esclarece que não é qualquer cidade que com as demais na disputa por investimen-
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tos, tornando-se uma “máquina urbana de uma vitória sobre as demais que competem Molotch já havia defi-
produzir renda” (Arantes, 2000). A cidade pelos mesmos investimentos. O “Plano Es- nido em 1976 o conceito
de “máquina do cresci-
como “ator político” deve agir corporati- tratégico” deixou de lado ainda os detalhes mento” (que foi retomado
vamente com esse fim (leia-se, minimizan- de um urbanismo burocrático que, de fato, uma década depois por Lo-
do os conflitos internos) para sobreviver freqüentemente engessou as cidades dificul- gan, 1986) para explicar
e vencer. Trata-se da “cidade corporativa” tando soluções diversificadas e específicas, a construção de um pacto
ou da “cidade pátria” que cobra o esforço que levassem em conta as potencialidades social que, minimizando
os conflitos locais, atua em
e o “consenso” de todos em torno dessa e as redes comunitárias e sociais locais. Ao defesa de cada cidade, no
visão abrangente de futuro.21 Para tanto mesmo tempo, ele trouxe a perspectiva de ambiente competitivo.
ela deve preparar-se, e apresentar alguns um novo papel político e econômico para
22
serviços e equipamentos exigidos de todas as prefeituras e para o planejamento urba- Dentre os vários municí-
as cidades globais, tais como hotéis cinco no. Nesse sentido, a nova proposta parecia pios no Brasil que contra-
taram o “Plano Estraté-
estrelas, centros de convenções, pólos de trazer uma saída para os governos munici- gico” no final dos anos 90
pesquisa tecnológica, aeroportos interna- pais que não sabiam o que fazer diante do está a municipalidade de
cionais, mega-projetos culturais, etc., para aumento do desemprego e das demandas Santo André, governada
vender-se com competência. Trata-se agora sociais, da guerra fiscal e da diminuição dos pelo Partido dos Trabal-
da “cidade mercadoria” (deve vender-se) e recursos públicos federais. hadores, o que deu origem
a um debate acirrado sobre
da “cidade-empresa” (que deve ser geren- planejamento urbano. As
ciada como uma empresa privada compe- três maiores cidades da Ar-
tente) ( Vainer, 2000). Que fazer? gentina depois de Buenos
O uso da imagem e da cultura é central no Aires – Córdoba, Rosário
e Bahía Blanca – contra-
Plano Estratégico. A arquitetura-espetáculo Diante das limitações de ordem externa
taram Planos Estratégicos
tem se prestado a esse papel como mostra (globais) e de ordem interna (as forças do com os mesmos consultores
Otília Arantes (2000). Abandona-se a abor- atraso) pergunta-se qual a viabilidade catalães.
dagem holística modernista no planejamen- do planejamento urbano comprometido
to por uma apropriação simbólica de novas com a democracia, a sustentabilidade e a
localizações (ou antigos espaços renovados) justiça social nos PCPs?
que, obviamente, está relacionada com a Que fazer com os bairros ilegais e violen-
valorização imobiliária. tos sobre os quais o Estado não tem con-
Alguns fatores contribuíram para o sucesso trole?
de venda do “Plano Estratégico” até mes- Como enfrentar o mercado imobiliário al-
mo entre municipalidades progressistas.22 A tamente especulativo e excludente garan-
participação democrática é extremamente tindo o direito à cidade para todos? Como
valorizada em suas diretrizes. Mas como implementar a função social da propriedade
demonstra Vainer, o convite à participação, contra os interesses da valorização imobi-
nesse modelo, implica em subordinar os in- liária?
teresses de muitos aos interesses hegemôni- Que fazer com as áreas ambientalmente frá-
cos: unidade para salvar a cidade e levá-la a geis, ocupadas pela moradia pobre? Quan- territorios 18-19
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do remover ou quando e como consolidar biente mais adequado ao planejamento ur-
as ocupações ilegais? Quais são os padrões bano dos PCPs, na sociedade global. Esses
mínimos de habitabilidade para a urbani- pontos não podem ser tomados como uma
zação dessas ocupadas ilegalmente? receita. Assim como rejeita-se a transposição
Como fazer, objetivamente, o controle do acrítica de modelos deve-se ter prevenção
uso do solo (um dos setores mais corruptos contra as receitas. Trata-se de observar al-
das gestões municipais na AL) protegendo guns pontos que podem ser generalizáveis
áreas ambientalmente frágeis e ampliando o embora nunca suficientes.
acesso à moradia legal?
Como ampliar o saneamento e o transporte Dar visibilidade à cidade real
coletivo se grande parte da população não ou desconstruir a cidade virtual
pode pagar por ele? Qual a melhor matriz edificada pelo marketing urbano e
tecnológica a ser usada em cada caso? interesses globais
Não nos esqueçamos que as respostas a esses
problemas não são encontráveis na próxi- Para romper com a representacão ideológi-
ma esquina e muito menos em qualquer ca e hegemônica da cidade construída pelos
grande prestigiosa universidade americana interesses da extração exagerada da renda
ou européia. Isto não que dizer que não imobiliária e da segregação distinguidora
tenhamos o que aprender com os PCCs, é preciso construir a consciência da cida-
mas é importante lembrar que eles nunca de real com suas deficiências e injustiças. A
enfrentaram problemas idênticos decorren- eleição de indicadores pode constituir um
tes de um processo de urbanização avassa- antídoto aos cenários da modernidade (ou
lador (como no caso da América Latina) pós modernidade) que são restritos a algu-
que convive, no mesmo território nacional mas ilhas no oceano das carências.
e freqüentemente, na mesma cidade, com Nessa busca de aumentar a percepção da
realidades pós e pré modernas. As soluções realidade de uma determinada comunida-
encontradas nos PCCs podem e devem de espacialmente localizada, a eleição de
ser aproveitadas já que constituem inves- indicadores é fundamental. Eles podem
timentos em conhecimento acumulado e constituir antídotos contra o marketing
experiências que apresentam lições a serem político que logra transformar o vício em
aprendidas mas também devem merecer, virtude nas campanhas eleitorais televisivas
no mínimo, a mediação do confronto em e também contra os cenários da moderni-
relação às realidades regionais e urbanas dos dade ou pós modernidade restritas a uma
PCPs. O que pode ser uma novidade é a minoria.
troca entre experiências desenvolvidas no A desconstrução das representações domi-
interior dos próprios PCPs. nantes devem dar lugar a uma nova simbo-
Queremos lembrar aqui algumas condições logia. Indicadores sociais como a condição
territorios 18-19 que poderiam ajudar a construir um am- habitacional, o acesso ao saneamento e ao
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transporte, a evolução das matrículas nas Há um consenso mundial sobre as virtudes
escolas, o número de leitos per capita nos da participação nas gestões públicas e nos
hospitais, a mortalidade infantil, o número planos urbanos. Agências internacionais co-
de homicídios, a longevidade, etc., consti- mo a ONU, a Habitat, e mesmo o Banco
tuem parâmetros para avaliação de políticas Mundial, o BID, a USAID, a OCDE, todos
públicas e gestões governamentais, ao lado são unânimes em defender a participação
dos indefectíveis indicadores econômicos social nos destinos de uma comunidade.
cujo prestígio é evidenciado pelo quanto a Muito papel foi gasto para discorrer sobre
mídia nacional e internacional, dele se ocu- o “planejamento participativo”. Diante da
pa. A universidade tem aí, importante papel frágil condição de cidadania e participação
a cumprir ao lançar luzes sobre a dimensão que persiste nos PCPs constata-se que é
oculta e ilegal dos espaços urbanos a partir preciso ir além dos discursos que não in-
da leitura científica. corporam as contradições, as controvérsias
e os conflitos.
Criar um espaço de debate
democrático: dar visibilidade aos Reforma administrativa
conflitos
Como já vimos, as estruturas administrati-
As sociedades periféricas têm tradição de vas urbanas são, na grande maioria dos ca-
ignorar, ou melhor, não reconhecer a exis- sos, arcaicas. Elas estão viciadas em procedi-
tência dos conflitos sociais. No lugar do de- mentos tradicionais baseados no privilégio
bate democrático pratica-se a repressão ou a e na troca de favores que dividem o espaço
desmoralização do interlocutor, quando o com os lobbies perenes das empreiteiras,
conflito envolve antagonismos de classe. empresários de transporte, produtores de
Não há a tradição do debate democrático, medicamentos, fornecedores de todos os
ao contrário, há uma tradição da versão úni- insumos, etc.
ca e dominante sobre a realidade. As versões Diante do intenso crescimento urbano,
“do pensamento único”, conceito criado as máquinas administrativas foram se ade-
pelo jornal francês “Le monde Diploma- quando, mas nunca se estruturaram ou se
tique”, a propósito do consenso forçado, modernizaram para enfrentar problemas
construído e disseminado pelos neoliberais decorrentes desse crescimento. Muitas me-
não é novidade nos PCPs. trópoles brasileiras, como é o caso de São
Construir um espaço de participação social, Paulo, uma das maiores do mundo, carece
que dê voz aos que nunca a tiveram, que de uma estrutura administrativa metropoli-
faça emergir os diferentes interesses sociais tana. Convive com sistemas paroquiais que
(para que a elite tome contato com algo que são completamente despreparados para a
nunca admitiu: o contraponto) é uma tarefa dimensão dos desastres decorrentes das de-
difícil, mas altamente transformadora. ficiências de drenagem, esgotos, poluição territorios 18-19
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Charte européenne pour do ar, congestionamento no trânsito, con- sobre cidade também constitui instrumen-
le droit à habiter et la lut- trole do uso e da ocupação do solo, etc. tos fundamentais para uma apreensão mais
te contre l’exclusion. Fon-
dation pour le Progrès de
Em geral, essa máquina pública administra rigorosa e administração mais eficiente.
L’homme. Paris, 1993. e mantém, com padrões satisfatórios, ape-
nas uma parte das cidades. Capacitação de agentes para o
Levar a presença do Estado aos bairros planejamento da ação
ilegais implica em reforma do arcabouço
institucional, incluindo a redefinição de atri- Assim como a disseminação do Consenso
buições operacionais na tentativa de rom- de Washington utilizou uma intensa cam-
per com a distância entre os gabinetes e a panha de capacitação de quadros técnicos e
realidade. políticos o planejamento democrático deve
A fragmentação da ação administrativa en- buscar a formação de um conjunto de ati-
tre secretarias, departamentos, empresas e vistas entre os funcionários públicos, profis-
autarquias é muito funcional para os inte- sionais, políticos, empresários e lideranças
resses arcaicos. Contra a abordagem inte- sociais. O compromisso com a ação trans-
grada dos problemas econômicos, sociais, formadora implica em eliminar a distância
ambientais e urbanísticos, está a tradição de entre planejamento e gestão com a finali-
distribuir cada setor da máquina adminis- dade de tirar os planos das gavetas ou da
trativa a diferentes partidos ou personagens instância de meros discursos. Em especial é
importantes no arco das forças que elege- importante incluir a orientação e o controle
ram o prefeito. dos investimentos no processo de planeja-
O planejamento urbano comprometido mento. A cultura discursiva ou juridicista
com a inclusão social exige abordagem como já foi notado, encobre uma prática
integrada. A urbanização de favelas pode que pode até mesmo contrariar os planos.
resolver problemas de saneamento ambien- Freqüentemente os investimentos públicos
tal, atribuir endereço legal a cada domi- induzem o crescimento urbano para regiões
cílio, melhorar as condições de moradia e e bairros considerados desaconselhados
de segurança urbana, mas não melhora o pelos Planos Diretores. Temos planos sem
nível de escolaridade ou de alfabetização, obras e obras sem planos, configurando
não organiza as mulheres para melhorar o uma situação anárquica e subversiva para
padrão de vida, nem ajuda na organização o crescimento sustentável.
de cooperativas de trabalho, ou no lazer dos A tensão entre planos e os investimentos
jovens. “A exclusão é um todo” – econô- que os contrariam somente pode ser re-
mica, cultural, educacional, social, jurídica, solvida no campo da prática política seja
ambiental, racial e não pode ser combatida ela social, partidária, profissional ou aca-
de forma fragmentada.23 dêmica.
Finalmente a modernização e a divulgação
territorios 18-19 de cadastros, mapeamentos e informações
200 ERMINIA MARICATO

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24
Reforma fundiária Alguns bons exemplos de gestões urbanas Diferentemente do enfo-
que elaboraram e implementaram planos que pontual promovido pe-
las best practices, conceito
Finalmente nunca é demais repetir o que democráticos, enfrentando conflitos e de- disseminado em premiações
é muito óbvio, mas pouco considerado na safios na defesa de prioridades sociais e po- mundiais a partir da Con-
sociedade global, que a ausência de con- líticas podem ser encontradas em muitas ferencia da ONU Habitat
trole público sobre a propriedade da terra prefeituras dos PCPs.24 A partir dos anos II, essas iniciativas visam
contribui para a carência habitacional, se- 80 uma geração de novos prefeitos emergi- a universalização de di-
reitos.
gregação territorial, aumento do custo da ram após ou mesmo no bojo de lutas anti-
infra-estrutura e serviços, além de impor ditatoriais que aconteceram entre os anos
maior sacrifício à população pobre excluí- de 1960 e 1990. Se elas são pouco conhe-
da da cidade. A “desordem” do mercado cidas é devido ao desprestígio das propostas
fundiário e imobiliário (que evidentemente endógenas aos PCPs e dominância massa-
pressupõe uma outra “ordem”) impõem crante da produção técnica e acadêmica dos
custos à administração pública que resultam países centrais.
em rendas diferenciais apropriadas priva- No Brasil chamam a atenção as experiências
damente. Belém, democratizando a participação com
Segundo Fernanda Furtado o peso da o Congresso da Cidade e modernizando a
arrecadação de IPTU nas cidades latino- administração com o cadastro multifinalitá-
americanas é deprimido em comparação rio urbano, Belo Horizonte com as propos-
com as cidades americanas e européias. tas de abastecimento doméstico que permi-
Há uma rejeição em relação à tributação tiram baratear o preço da comida, Recife
imobiliária que é vista como um direito do com a política de forte afirmação das raízes
proprietário e não como um ganho que multiculturais, em especial da música afro-
lhe é alheio como poderíamos considerar brasileira além das ações de prevenção con-
na percepção de Henri George (George, tra riscos por desmoronamento nas áreas de
1992). E essa é a posição de ricos e po- moradias pobres, Santo André com a polí-
bres segundo a autora. Outros argumentos tica de saneamento e habitação, Diadema
arrolados para explicar o desprestígio do com a política contra a violência, Caxias do
IPTU como instrumento fiscal e de justiça Sul com a inserção até mesmo das crianças
social, segundo a autora são: desconfiança na discussão sobre o futuro da cidade, entre
em relação aos governantes na aplicação outras. Mas foi o orçamento participativo
dos recursos, desinteresse dos governan- de Porto Alegre que constituiu a mudança
tes e vereadores em aplicar uma medida mais notável de rumo nas administrações
considerada impopular, tradição de repasse urbanas e no seu planejamento.
dos recursos federais aos municípios, papel O Orçamento Participativo praticado du-
estável da propriedade imobiliária diante rante quase duas décadas em Porto Alegre
de um futuro sem previdência social (Fur- constituiu uma mudança no padrão dos in-
tado, 1999). vestimentos urbanos. Ele significou a rup- territorios 18-19
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O Ministério das Cida- tura com o investimento público submeti- sionais, empresários, sindicatos e centros
des propôs novas políticas do aos interesses do mercado imobiliário, de pesquisa. O processo teve origem em
setoriais além promover
duas campanhas nacio-
o que por sua vez alimenta a segregação reuniões promovidas pelos municípios, e
nais: a de Planos Diretores territorial e as desigualdades. Outros lob- numa segunda fase, pelos governos esta-
Participativos e a de Re- bies muito bem organizados que indefec- duais. Um texto base foi preparado para
gularização Fundiária, tivelmente atuam junto às Câmaras Muni- alimentar os debates e orientar as propostas.
ambas propostas previstas cipais encontram dificuldades em agir. Os Participaram de cada uma das conferências
pela lei federal Estatuto
da Cidade aprovada em
excluídos passam a sujeitos políticos que mais de 3.000 municípios (num universo
2001. participam diretamente das decisões e de 5.600) e todos os Estados brasileiros
que podem, portanto, exercer algum con- (27) com exceção de um deles, em 2003.
26
Ver a respeito Leitão, Ka- trole sobre o Estado que se torna mais próxi- Participaram dos Encontros Nacionais, na
rina. Gestão participati- mo e mais transparente. Rompe-se também cidade de Brasília, mais de 2.000 mil de-
va e qualificação urbana:
Belém e Montevidéu. São com o indefectível clientelismo político, em- legados eleitos nas conferências estaduais
Paulo, 2003 (dissertação bora isso dependa do grau de democracia representando as instâncias de governo e da
de mestrado apresentada exercida no processo, pois o risco da coop- sociedade, além do governo federal.25
ao Prolam- USP). tação e do clientelismo está sempre presen- Outros exemplos bem sucedidos a serem
27
te. O orçamento participativo muda o lugar lembrados nos PCPs, em especial na Amé-
Ver a respeito Rodrigues.
Roberta. Inovações e limi- e a natureza do planejamento urbano. rica Latina, são os seguintes:
tes da Política Urbana na Outra experiência importante no Brasil Montevidéu, capital do Uruguai, teve
América Latina: teoria e ocorreu em âmbito federal: a criação do três gestões municipais da coligação polí-
prática recente de Gover- Ministério das Cidades com o processo par- tica Frente Ampla que visando a inclusão
nos Locais Democráticos.
ticipativo das Conferências Nacionais das social e política promoveu o Orçamento
Belém (Pará – Brasil) e
Rosário (Santa Fé - Ar- Cidades. Participativo e os Planos Estratégicos de
gentina) como referências. O Ministério das Cidades foi criado pelo Desenvolvimento Zonais (1990/2004).
São Paulo, 2004 (Projeto presidente Luis Inácio Lula da Silva em Os Planos Zonais previram a formulação
de pesquisa de doutorado 2003 para ocupar um vazio institucional: de propostas com a participação social
apresentado ao Prolam-
a falta de uma Política Nacional de Des- de forma descentralizada com a finalidade de
USP).
envolvimento Urbano- PNDU - que inte- melhorar a qualidade de vida em regiões da
grasse as políticas setoriais de planejamento cidade tradicionalmente esquecidas.26 Ro-
urbano e política fundiária, habitação, sa- sário, na Argentina está na terceira gestão
neamento ambiental e transporte. de prefeitos socialistas que, semelhante a
Em 2003 e 2005 o Ministério das Cidades Montevidéu, priorizaram a inclusão social
promoveu as Conferências Nacionais das e política (1995/2007). Saúde e Habitação
Cidades visando definir diretrizes, princí- mereceram atenção especial e o planeja-
pios e prioridades da PNDU. Participaram mento se desenvolveu por meio de pro-
da organização das conferências 45 entida- cessos participativos.27
des nacionais representativas de movimen- Ações de titulação de terra, melhoramento
territorios 18-19 tos sociais, ONGs, universidades, profis- de áreas precárias e provisão de novas habi-
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tações para população de baixa renda estão experiências bem sucedidas de planejamen- A Colômbia tem desde
entre os maiores desafios para conter o cres- to e gestão comprometidos com a ação e a 1997 uma Lei Federal de
Terras , n. 388, que é bas-
cimento de favelas na América Latina. Mas participação social não são suficientemente tante avançada. No Bra-
em relação a esses desafios, essa nova ge- conhecidas e festejadas porque há pouca sil o avançado Estatuto da
ração de prefeitos ainda tem muito conhe- troca de informações entre os PCPs, tendo Cidade, lei federal 10.257,
cimento trocar. Em Bogotá, na Colômbia a em vista o prestígio que gozam os modelos foi aprovado em 2001.
Operación Nuevo Usme é um bom exem- oriundos dos países centrais, como já foi 29
Ver a respeito livro no
plo de como tirar partido dos processos in- destacado aqui. prelo, a ser lançado pelo
formais de produção da cidade para ofere- O estreitamento de relações entre pro- Lincoln Institute of Land
cer moradia formal acessível à população de fissionais, acadêmicos e lideranças sociais Policy, organizado por
baixa renda. Experiências semelhantes estão dos PCPs e a troca mais freqüente de ex- Martim Smolka e Adria-
sendo desenvolvidas em Pereira, na Colôm- periências mais adequadas à sua realidade na de A. Laranjeira.
bia sob a denominação de Macro Projeto poderia funcionar como uma alavanca para
de Pereira e também na Região Metropo- o desenvolvimento urbano. Não estamos
litana de Porto Alegre, Brasil com o nome aqui fazendo um corte pela nacionalidade,
de Urbanizador Social.28 Todas essas expe- o que seria um preconceito odioso, mas
riências desafiam o crescente crescimento pelo caráter endógeno do foco orientador
de favelas e de moradias precárias ilegais nas das formulações e ações.
cidades latino-americanas. O seu desenvol- Em outras palavras trata-se de colocar a pe-
vimento pressupõe um forte conhecimento riferia no centro: nos planos, nos projetos
empírico e engajamento com os processos e nas ações.
locais de produção da moradia. O empre-
endedor informal e a população organiza-
da são importantes agentes que atuam em Referências bibliográficas
parceria com as prefeituras municipais. Ao
invés de atuarem apenas burocraticamente à Arantes, O.B. F. 2000. Uma estratégia fa-
distância fazendo as exigências formais que tal: a cultura nas novas gestões urbanas.
dificultam a legalidade do empreendimento In Arantes, O.B.F., Vainer, C. e Mari-
as prefeituras assumem uma postura nova e cato, E. A cidade do pensamento único.
ativa de regulação e engajamento. A gestão Petrópolis, Vozes.
urbana mostra-se fundamental para o suces- Arrighi,G. 1995. Workers of the world at the
so dessas experiências que se dão em am- century end. Center for Labor Studies
bientes que tradicionalmente os planos, os Occasional Paper Series, University of
discursos, os projetos são divulgados com Washington, Seattle, no. 3, October.
alarde mas raramente implementados.29 Ball, M.; Harloe, M. and Martens, M. 1988.
A lista poderia ser longa, mas conhecê-la Housing and social change in Europe and
exige muito empenho, pois não faz parte USA. London: Rutledge.
dos best sellers do urbanismo. Essas e outras territorios 18-19
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