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Por
Presidente
Dr. Tércio Machado Siqueira
1º Examinador
Dr. José Adhemar Kaefer
2º Examinador
Dr. Antônio Carlos Frizzo
A minha esposa Elciane Braga Duarte Waldhelm,
responsável pela concretização de um grande sonho.
A quem dedico esta obra.
Este texto foi escrito com apoio da CAPES
sob a forma de bolsa de estudos .
Agradecimentos
Aos meus presentes do Eterno, meus filhos, Rhudá e Eloá que souberam
compreender as minhas ausências.
Resumo
Abstract
The book of Job belongs to the wisdom literature of Israel. Its content is a
big debate among scholars. These formed an educated segment of the population:
read and write. Wisdom was too valued and seen as prudent guidance for life. The
Job 1-2 text belongs to the part of the book frame with Chapters 42.12-17. These
frames were not born in the book was probably written in the fifth century BC, in
the post-exilic period, during the rule of the Persians. But probably born in the
tenth century BC Since its greatest value occurred at the junction of its history in
the post-exile since the Persian empire brought profound changes to the lives of the
people in Judah. Despite the apparent tolerance on the part of their leaders, they
They have created very effective methods to achieve their goals on the subject
peoples. Through a strong bureaucracy, fiscal and military controlled and
guaranteed the order and the payment of taxes. The temple became the
intermediary between the empire and the people. The economy and society were
structured as the Persian tax regime. This economic and administrative policy
favored the enrichment of the dominant sectors, and consequently the increasing
impoverishment of the peasantry. The priests were le aders of the people and the
theology of retribution became very strong at that time. It is from experience and
observation of reality that comes from a resistance movement to the theology of
retribution. At that moment stand women who courageously open the ir mouths
and impose themselves in front of an oppressive view of Judah Temple who was
abusing offers so that this form of billing could pass on the taxes owed to the
empire. In chapter 2.9, Job's wife screams against this oppression before an
abusive theology, leaving their mark here for the story that something was wrong
in the post-exilic religion. His intention is to show that text through reality because
they do not agree with the statements of the priests of the temple who hold this
theology, on the infallible punishment for the rich wicked and the suffering of the
poor and of women as punishment indication.
Introdução........................................................................................................................1
INTRODUÇÃO
1
REIMER, Haroldo; SILVA, Valmor da. Hermenêuticas Bíblicas. Contribuições ao I Congresso Brasileiro de
Pesquisa Bíblica. (Sobre o destino da esposa de Jó/ Lorenzo Lago. P161).
2
ANDERSEN, Francis I. Jó, Introdução e Comentário. São Paulo, Vida Nova/Mundo
Cristão, 1989, pp. 89,90.
3
BERGANT, Dianne, & KARRIS, Robert J.(Orgs) - Comentário Bíblico. Volume II. Edições Loyola. São
Paulo/SP. 1999. Página 215 (Sitis).
4
Revista Bíblica Brasileira, Ano 16, 1999 – Números 1-2-3 O Apócrifo de Jó. Nova Jerusalém/Fortaleza.
Páginas 467 a 490.
2
1.1- O livro de Jó
Para um livro que tem sido tão popular e tão útil, quanto o livro de Jó, ele esta cheio
de indagações. Quem escreveu? É para ser encarado como histórico ou fictício, ou, em parte
histórico e em parte fictício? Qual o seu objetivo? Quando foi escrito? Como aconteceu que
uma história estrangeira foi aceita no cânon hebraico?
É evidente desde o início que o Livro de Jó não é um drama da história hebraica. Ele
não está localizado em qualquer lugar em Israel, nem em qualquer um dos países já
habitados pelos Hebreus. Ele é colocado em uma região com a qual eles aparentemente não
tinham conexão. Jó era um morador da terra de Utz, que parece ter sido um pequeno país
numa curta distância a leste de Israel, na fronteira com o deserto árabe, um pouco ao sul de
Palmira, e da rota seguida por Tera, Abraão e Lot em sua migração de Ur dos Caldeus para
Haran em seu caminho para Canaã. Surge no drama os três amigos que vieram a
compadecer-se com Jó, e um intruso debatedor, Elihu, que com nobre superioridade entrou
no debate. Elifaz o temanita era da tribo ou país de Temã, sendo um distrito importante no
norte Edom, beirando o mesmo deserto mais a sul. Bildad o suíta, era de uma tribo árabe na
região do Eufrates, perto da junção do rio com Belik, talvez a terra de Sahu das inscrições
assírias. Sofar o naamatita era de Naamá localidade não identificada, embora os críticos
geralmente concordem que ele deve ter sido algum lugar na Arábia. Elihu, o debatedor final,
foi um buzita, um membro de uma tribo no norte da Arábia. Buz possivelmente responde à
Basu das inscrições assírias. O cenário do drama é, portanto, distintamente não-israelita.
Considerando-se a exclusiva unidade dos israelitas em todos os períodos de sua
história, é notável buscar uma razão para que se fosse introduzido uma história estrangeira
em seu ambiente, ao ponto de até ter sido adotado em seu cânon sagrado. Parece
absolutamente improvável que em algum momento se poderia aceitar um estrangeiro como
um exemplo perfeito de bondade e integridade, do mesmo modo de seus próprios heróis
divinos.
O escritor certamente era um hebreu. Nenhum estrangeiro poderia estar tão
familiarizado com as questões relacionadas com Israel e que fosse capaz de manejar o
hebraico antigo, a menos que de fato fosse um excepcional acadêmico, que dedicara anos
para o estudo dos assuntos que interessassem ao povo israelita. É seguro dizer que não havia
entre os povos pagãos um estudioso que tivesse realizado tal tarefa. A probabilidade é que
4
no momento da aceitação do livro, o autor fosse conhecido por ser um israelita. Embora o
ambiente fosse estrangeiro, a atmosfera do livro é marcadamente Javista. Iahweh domina do
início ao fim. Todos os personagens são adoradores do Deus de Israel. No final os três
amigos de Jó, que eram de origem pagã, aceitaram com uma inquestionável submissão o
arbítrio de Iahweh, que mesmo assim os condenou.
Aqui se encontra a razão instrumental para a aceitação do livro como escritura no
cânon hebraico. O fato de que ele fora escrito por um hebreu garantiu a audiência, além do
fato de que o Senhor nele se manifestou tornou o drama sagrado aos olhos dos israelitas.
Embora Jó fosse um estrangeiro, fora aceito por eles como um homem íntegro e justo,
porque assim ele foi declarado por Iahweh, desde o início e até no final do livro. De acordo
com Ezequiel (14,14-20) Iahweh confirmou Jó juntamente com Noé e Daniel, como um dos
grandes heróis exemplares e santos de Israel. Um livro assim certificado e atestado por
Iahweh possui indubitável autoridade como Ezequiel, fato que não poderia deixar deestar
fora do seu cânon sagrado.
O drama de Jó é ficcional baseado em fatos. A maioria dos dramas é ficcional possui
ligeiramente uma base histórica que dá a eles uma aparente realidade. Parece haver boas
razões para esta teoria. Aqui estão cinco pessoas de vários países pagãos diferentes, todos
falando em uma linguagem aceitável para Israel. Eles são representados como adoradores de
Iahweh. Eles fazem uso dos vários nomes de Deus-El, Eloah, El Shaddai, Iahweh, de modo
familiar como se fossem Israelitas. E ainda não só isso, mas eles estão mais bem informados
do que qualquer outro israelita. Eles falam muitas vezes em hebraico arcaico. Sem
cometerem quaisquer erros que se refiram a fatos, costumes, e doutrinas que
presumivelmente, ou não eram conhecidos, ou pouco conhecidos pelos de fora de Israel.
Para estrangeiros reais isto parece ter sido impossível. Daí a conclusão que eles eram
meras imitações, e que as suas palavras foram colocadas em suas bocas por um erudito
hebraico profundamente versado na história de seu povo. Isso é muito mais crível do que
pensar que ele agiu como um amanuense de personagens estrangeiros neste drama. No
entanto, nem todos os personagens devem ser considerados como imaginários. Esse mesmo
Jó deve ser aceito como verdadeiro, pois, como já foi mencionado ele é citado como uma
pessoa real em Ezequiel, sendo elencando com Noé e Daniel. A famosa paciência de Jó deve
ser considerada talvez como um elogio a certa parte do drama e não como uma afirmação de
sua realidade.
Possivelmente, como muitos sustentam, havia uma lenda nesse sentido, que o autor
dela se apoderou e a reelaborou. O personagem ficcional da narrativa, no entanto, evidência
5
uma precisão matemática, mostrado numa enumeração dos efeitos duplicados no início e no
final. Numa incrivelmente rápida precipitação das calamidades que se abateram sobre ele.
No fato de que, em primeiro lugar, os Sabeus levaram todos os seus bois e jumentos,
matando os servos. Seguidos pelos Caldeus que tomaram todos os seus camelos, e também
matando os servos. E, finalmente, um furacão demoliu a casa em que seus filhos e filhas
estavam festejando, causando a morte de todos eles. Em cada caso, apenas um único servo
escapou para trazer ao seu mestre a notícia angustiante.
Talvez as notícias trazidas não sejam totalmente camufladas para parecerem
enganosamente naturais. Estas calamidades aparentemente foram introduzidas para
aumentar os sofrimentos de Jó ao infinito. A culminação de tantas aflições eram
consideradas na época como uma prova positiva da ira de Deus, e o livro fora escrito para
mostrar a falsidade de tal suposição. O autor pretende estabelecer uma refutação da forma
mais forte possível. Portanto, a doença de pele (Lepra) simplesmente foi combinada com
outras cenas estressantes, para demonstrar tudo em conjunto.
Nota-se que o interesse no drama, está quase totalmente centrado na discussão sobre
a hanseníase de Jó, e que pode ser considerado como tendo sido a base para a história do
livro. Por um longo tempo acreditou-se que o livro de Jó era uma das mais antigas, se não a
mais antiga narrativa dos livros da Bíblia. Essa convicção é agora considerada infundada.
Suas circunstâncias de fato correspondem aos tempos de Abraão, Isaac e Jacó, mas
esse fato não fixa a data, assim como o drama de Shakespeare sobre Júlio César não deva ser
localizado no primeiro século a.C., somente porque seus personagens e acontecimentos
pertençam a esse período. A menção em Ezequiel parece ser suficiente para estabelecer isso.
Se o próprio Jó era real, sua inferência é inevitável com base na representação pelo seu
sofrimento diante de uma doença de grande gravidade.
Que foi escrito mais tarde do que a era patriarcal é manifesto a partir do fato de que o
nome de Iahweh não foi introduzido até o tempo de Moisés (Ex. 6,3). No drama os
sacerdotes são mencionados (12,19), e eles não foram nomeados até depois que os israelitas
saíram do Egito. O ouro de Ofir é referido (22,24; 28,15), e foi introduzido em Israel pela
mineração nos dias de Salomão (I Reis 9,28; 10,11). A maldição invocada sobre si mesmo,
para quem houvesse cometido adultério (31,9-10), está fixada em Dt 22,22. O castigo a
adoração ao sol ou a lua (31,26) está previsto no Dt 4,19; 17,3. E a denúncia da remoção de
marcos (24,2) está de acordo com a maldição pronunciada em Dt 27,17.
Estas correspondências que parecem não serem acidentais foram feitas por famílias
diante das leis deuteronômicas. E é atribuída ao Deuteronômio pelos críticos modernos uma
6
data tardia como o décimo oitavo ano de Josias (620 a.C.). Se esta data for aceita, seria
também uma inferência sobre as normas que estão no livro de Jó, portanto, o drama deve ter
aparecido tardiamente. Nenhum dos livros da Sabedoria, classificados, poderiam ter sidos
escritos mais cedo do que isso, e a maioria deles são datados no pós-exílico. Houve uma
mera suposição por parte da crítica moderna, quando o livro começou a ser estudado, que
favorecia uma datação no exílio.
A principal discussão do livro é se uma aflição extraordinária deve ser considerada
como uma prova da ira de Deus. Era um questionamento corajoso de uma crença que tinha
sido elaborada desde tempos imemoriais. Embora refutada satisfatoriamente, essa crença
nunca foi totalmente erradicada. Ela se mostrou também nos dias de Cristo pela pergunta
feita a ele por seus discípulos: “Quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?” (Jo
9,2). Ainda hoje nós a encontramos, quando as pessoas queixosas declaram que suas
situações são imerecidamente injustas, diante de ocorrências que elas julgam que foram
justas. Esta doutrina é de alguma forma universalmente aceita.
Tanto parece ser verdade e que era geralmente aceita que um aflito inferisse que pela
sua situação deveria ter pecado gravemente, e procurava uma causa. Esse era a realidade de
Jó, que diante de seus amigos que se esforçavam para induzi-lo a arrepender-se para que ele
pudesse ser restaurado por Iahweh. Eles começaram de forma conciliatória, mas quando Jó
persistiu em manter sua inocência, eles se irritaram, diante desta insubordinada teimosia, e
acusaram-no de ser um grande transgressor. Não nos importa se as suas palavras foram ou
não realmente proferidas, eles expressaram as convicções de seu tempo.
Qualquer grupo de homens reunidos para se condoer com um aflito como Jó teriam
sido tão inflexíveis como eles e teriam falado da mesma forma que fizeram. O leitor sabe
desde o início que Jó não era merecedor da punição, pois no início Iahweh afirma duas
vezes: "Não há ninguém como ele em toda a terra, um homem íntegro, que teme a Deus e se
desvia do mal" (1,8; 2,3). Portanto Jó significa um grande número de pessoas que sofrem
aflições dolorosas sem terem consciência de haverem feito alguma transgressão ao ponto de
merecerem um severo castigo.
O livro mostra o absurdo de se supor que grandes aflições e infortúnios são
indicações da ira de Deus. Para os íntegros que são visitados com tribulações imerecidas, é
um grande conforto, pois mostra que Iahweh não é seu inimigo, e é convencido de acreditar
que ele é um amigo. Aliás, que ele é mais do que um amigo, já que é demonstrado no
desenrolar da história em seu final triunfante. Mas, não fica claro como um servo fiel de
Iahweh possui tanta simpatia e amor em suas provações, e que pense ainda que todas as
7
coisas cooperam para o bem dele. Assim, o drama de Jó tem sido chamado o drama da
experiência da humana.
apresentado como um homem íntegro e justo, que não é hebreu, mas morador de um lugar
chamado Hutz (#W[ß - Jó 1,1; Gn 10,235 ; 22,216 ; 36,287 ).
pela raiz by;a' que significa ‘serhostil’8 poderia ecoar como hostilidade. Dentro deste campo
semântico poderia-se pensar que esse Jó tem uma atitude hostil contra Deus, ou, que esse
mesmo Jó sofre uma hostilidade de uma aposta cruel entre Iahweh e Satã/adversário.
A obra literária de Jó continua sendo, do ponto de vista textual, o que oferece a maior
dificuldade de tradução para os estudiosos. Esta assertiva confirma-se devido às diferenças
que existem nas traduções antigas.
O TM é consideravelmente mais longo que a Septuaginta. Esta versão possui 100
versos a menos. Isto não quer dizer que a Septuaginta seja mais antiga que o TM. Existem
muitos απαξλεγομενα, isto é, vocábulos que foram lidos uma única vez. Acredita-se que a
tradução grega considerou desnecessária traduzir partes do livro.
Do ponto de vista da Peshita - hT'v.Pi (significa ‘simples’ em siríaco), por ser uma
tradução do TM, não pode aquinos auxiliar em esclarecer alguns pontos obscuros, p.ex. a
origem da raiz do nome Jó (bAYæai). O Targum - ~Ger.Ti oferece muitas curiosidades, mas em
nada auxilia na compreensão do TM. A Vulgata dever ser utilizada, também, com certos
cuidados. Assim, o TM de todos os testemunhos escritos, embora com dúvidas em muitos
pontos, continua sendo o texto mais confiável.
Dentre o texto canônico a obra de Jó faz parte dos uketuvim (~ybituK.W), isto é, da
5
Gn 10,23 – “Filhos de Aram: Hus, Hul, Geter e Mês”.
6
Gn 22,21 – “... seu primogênito Hus, Buz, seu irmão,Camuel, pai de Aram.”
7
Gn 36,28 – “Eis os filhos de Disã: Hus e Arã”.
8
BDB Hebrew Lexicon (Full) – Bible Works 7
8
bAYëai rm:åa' yKi… è~L'Ku rP:ås.mi étAl[o hl'[ä /h,w> érq,BoB; ~yKiäv.hiw>
bAYàai hf,[î ]y: hk'K'² ~b'b_ 'l.Bi ~yhiÞl{a/ Wkïr]beW yn:ëb' Waåj.x' ‘yl;Wa
p `~ymi(Y"h;-lK'
aAbïY"w: hw"+hy>-l[; bCeÞy:t.hil. ~yhiêl{a/h' ynEåB. ‘Wabo’Y"w: ~AYëh; yhiäy>w:6
`[r"(me rs"ïw> ~yhiÞl{a/ arEîy> rv"±y"w> ~T'ó vyaiä #r<a'êB' ‘Whmo’K' !yaeÛ
`~yhi(l{a/ bAYàai arEîy" ~N"ëxih;( rm:+aYOw: hw"ßhy>-ta, !j"±F'h; ![;Y:ôw: 9
`&'k<)rb] 'y>
wyl'aê e qr:ä ^d<êy"B. ‘Al-rv,a]-lk' hNEÜhi !j'ªF'h;-la, hw"÷hy> rm,aYO“w: 12
9
Bible Works 7.
9
`rAk*B.h;
tAnàtoa]h'w> tAvêr>xo* Wyæh' ‘rq'B'h; rm:+aYOw: bAYàai-la, aB'î %a"±l.m;W 14
`~h,(ydEy>-l[; tA[ïro
hj'ló .M'’aiw") br<x'_-ypil. WKåhi ~yrIß['Nh> ;-ta,w> ~xeêQ'Tiw: ‘ab'v. lPoÜTiw: 15
`WxT'v( .YIw:
hm'v'ê bWvåa' ‘~ro['w> yMiªai !j,B,ämi Îytiac'øy"Ð ¿ytic'y"À ~ro’[' •rm,aYOw: 21
[r"_me rs"åw> ~yhiÞl{a/ arEîy> rv"±y"w> ~T'ó vyaiä #r<a'ªB' WhmoøK' !yae’
`~N")xi A[ïL.b;l. Abß ynItEïysiT.w: AtêM'tuB. qyzIåx]m; ‘WNd<’[ow>
rv<åa] ‘lkow> rA[ª-d[;B. rA[æ rm:+aYOw: hw"ßhy>-ta, !j"±F'h; ![;Y:ôw: 4
[r"ê !yxiäv.Bi ‘bAYai-ta, %Y:Üw: hw"+hy> ynEåP. taeÞme !j'Fê 'h; ‘aceYEw: 7
10
Bible Works 7.
11
v.1. Homem aconteceu11 em terra Utz Jó seu nome e aconteceu12 o homem pio e reto e
temente (a) Elohim e o-que-se-desvia13 desde mal.
v.2. E foram nascidos14 para ele 7 filhos e 3 filhas.
v.3. E aconteceu15 posse dele 7000 ovelhas e 3000 camelos e 500 junta(s)-vaca(s) e 500
jumentas e serva numerosa muita e aconteceu16 o homem o ele grande mais-do-que-todos-
filhos-de-kedem/oriente.
v.4. E andaram17 seus filhos e fizeram18 banquete casa homem o seu dia e estenderam19 e
chamaram20 para 3 irmãs suas para comer21 para beber22 com eles.
v.5. E aconteceu23 que fizeram circular24 dias o banquete e estendia25 Jó e ele os santificava26
e ele levantava diligentemente27 em manhã e diligentemente elevava28 elevações desde
número todos eles pois dizia29 Jó talvez erraram30 filhos meus e abençoem31 a Elohim em
corações seus assim fazia32 Jó todos os dias.
11
hyhser,estar,ter,haver,acontecer - verbokal perf. 3ª. p.m.s.
12
hyh ser,estar,ter,haver,acontecer - verbokal perf. 3ª. p.m.s.
13
rwsdesviar - verbokal part.m.s.
14
dlynascer - verbo nifal imperf.3ª. p.m.p.
15
hyh ser,estar,ter,haver,acontecer - verbokal imperf. 3ª. p.m.s.
16
hyh ser,estar,ter,haver,acontecer - verbokal imperf.3ª. p.m.s.
17
$lh andar – verbo kal perf. 3ª. p.c.p.
18
hf[ fazer - verbo kal perf. 3ª. p.c.p.
19
xlv estender - verbo kal perf. 3ª. p.c.p.
20
arqchamar - verbo kal perf. 3ª. p.c.p.
21
lkacomer - verbo kal inf. construto
22
htvbeber - verbo kal inf. construto
23
hyh ser,estar,ter,haver,acontecer - verbokal imperf.3ª. p.m.s.
24
@qn circular - verbo hifil perf. 3ª. p.c.p.
25
xlv estender - verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
26
vdqsantificar, separar - verbo piel imperf. 3ª. p.m.s. + suf. 3ª.p.m.p.
27
~kvlevantar, colocar nos ombros - verbo hifil perf. 3ª.p.m.s.
28
hl[ elevar - verbo hifil perf. 3ª. p.m.s.
29
rma od izer - verbo kal perf. 3ª. p.m.s.
30
ajxerrar - verbo kal perf. 3ª. p.c.p.
12
v.6. E aconteceu33 o dia e entraram/vieram34 filhos de Elohim para se postar35 sobre Elohim e
entrou/veio36 também o Satan/adversário entre eles.
v.7. E disse37 Iahweh para o Satan/adversário desde onde vens38 e
respondeu39 Satan/adversário (para) Iaweh e disse40 desde rodear41 em terra e desde andar em
círculos42 em ela.
v.8. E disse43 Iahweh para o Satan/adversário porventura colocaste 44 coração teu sobre
escravo meu Jó que não (há) como ele em terra homem pio e reto e temente a Elohim e o-
que-se-desvia45 desde mal.
v.9. E respondeu46 o Satan/adversário (para) Iahweh e disse47 em vão teme48 Jó Elohim.
v.10. Porventura tu cercaste49 em até ele em até casa sua em até tudo-que-para-ele desde
redor obra mãos suas fizeste abençoar50 e desde posse sua rompeu51 em terra.
v.11. E talvez estenda52 -rogo mão tua e toca53 em-tudo-que-para-ele se não sobre-tuas-faces
ele te faça abençoar54 .
v.12. E disse55 Iahweh para o Satan/adversário eis que tudo-que-para-ele em tua mão
somente para ele não-estendas56 tua mão e saiu57 o Satan/adversário desde com faces de
Iahweh.
v.13. E aconteceu58 o dia e filhos seus e filhas suas aqueles-que-comiam59 e os-que-bebiam60
vinho em casa irmão deles o primogênito.
v.14. E mensageiro veio/entrou61 para Jó e disse62 a gado/vaca estavam63 descansando64 e as
jumentas pastando65 sobre suas mãos.
31
$rb abençoar, ajoelhar - verbo piel perf. 3ª. p.c.p.
32
hf[ fazer - verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
33
hyh ser,estar,ter,haver,acontecer - verbokal imperf.3ª. p.m.s.
34
awb vir, entrar - verbo kal imperf. 3ª. p.m.p.
35
bcypostar-se - verbo hitpael inf. construto.
36
awb vir, entrar - verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
37
rmadizer – verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
38
awb vir, entrar - verbokal imperf.2ª. p.m.s.
39
hn[ responder - verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
40
rmadizer – verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
41
jwvrodear - verbo kal inf. construto.
42
$lh andar - verbo hitpael inf. construto.
43
rmadizer – verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
44
~yfpôr, colocar - verbo kal perf. 2ª. p.m.s.
45
rwsdesviar - verbokal part.m.s.
46
hn[ responder - verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
47
rmadizer – verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
48
arytemer - verbo kal perf. 3ª. p.m.s.
49
$wf cercar - verbo kal perf. 2ª. p.m.s.
50
$rb abençoar, ajoelhar - verbo piel perf. 2ª. p.m.s.
51
#rp romper, fender - verbo kal perf. 3ª. p.m.s.
52
xlv estender - verbo kal imperativo m.s.
53
[gn tocar, ferir - verbo kal imperativo m.s.
54
$rb abençoar, ajoelhar - verbo piel imperf. 3a. p.m.s. + suf. 2a.p.m.s.
55
rmadizer – verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
56
xlv estender - verbo kal imperf. 2ª. p.m.s.
57
acysair - verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
58
hyh ser,estar,ter,haver,acontecer - verbokal imperf.3ª. p.m.s.
59
lkacomer - verbo kal part. m.p.abs.
60
htvbeber - verbo kal part.m.p.abs.
61
awbvir, entrar - verbo kal perf. 3ª. p.m.s.
62
rmadizer – verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
13
63
hyh ser,estar,ter,haver,acontecer - verbokal perf.3ª. p.c.p.
64
vrxdescansar - verbo kal part. f.p.
65
h[r pastar - verbo kal part. f.p.
66
lpncair - verbo kal imperf. 3ª. p.f.s.
67
xqltomar - verbo kal imperf. 3ª. p.f.s. + suf. 3ª p.m.p.
68
hknferir - verbo hifil perf. 3ª. p.c.p.
69
jlmfugir - verbo nifal imperf. 1a. p.c.s.
70
dgnanunciar, estar diante - verbo hifil inf. construto.
71
rbd falar - verbo piel part. m.s.
72
awbvir, entrar - verbo kal perf. 3ª. p.m.s.
73
rmadizer – verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
74
lpncair - verbo kal perf. 3ª. p.f.s.
75
r[b queimar - verbo kal imperf. 3ª. p.f.s.
76
lkacomer - verbo kal imperf. 3ª. p.f.s. + suf. 3ª.p.m.p.
77
jlmfugir - verbo nifal imperf. 1ª. p.c.s.
78
dgnanunciar, estar diante - verbo hifil inf. construto.
79
rbd falar - verbo piel part. m.s.
80
awbvir, entrar - verbo kal perf. 3ª. p.m.s.
81
rmadizer – verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
82
~yfpôr, colocar - verbo kal perf. 3ª. p.c.p.
83
jvpespremer - verbo kal imperf. 3ª. p.m.p.
84
xqltomar - verbo kal imperf. 3ª. p.m.p. + suf. 3ª.p.m.p.
85
hknferir - verbo hifil perf. 3ª. p.c.p.
86
jlmfugir - verbo nifal imperf. 1ª. p.c.s.
87
dgnanunciar, estar diante - verbo hifil inf. construto.
88
rbd falar - verbo piel part. m.s.
89
awbvir, entrar - verbo kal perf. 3ª. p.m.s.
90
rmadizer – verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
91
lkacomer - verbo kal part. m.p.
92
htvbeber - verbo kal part. m.p.
93
awbvir, entrar - verbo kal perf. 3ª. p.f.s.
94
[gn tocou, ferir - verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
95
lpncair - verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
96
twmmorrer - verbo kal imperf. 3a. p.m.p.
97
jlmfugir - verbo nifal imperf. 1ª. p.c.s.
98
dgnanunciar, estar diante - verbo hifil inf. construto.
99
~wqlevantar - verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
100
[rq rasgou - verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
14
v.21. E disse104 nu saí105 desde barriga mãe minha e nu voltarei106 ali Iahweh deu107 e
Iahweh tomou108 seja/aconteça109 nome Iahweh é bendito110 .
v.22. Em tudo-isto não errou/pecou111 Jó e não deu112 culpa para Elohim.
Tradução Jó 2.1-13
v.1.E aconteceu113 o dia e entraram/vieram114 filhos de Elohim para se postar115 sobre Elohim
e entrou/veio116 também o Satan/adversário entre eles.
v.2. E disse117 Iahweh para o Satan/adversário desde onde vens118 e
respondeu119 Satan/adversário (para) Iaweh e disse120 desde rodear121 em terra e desde andar
em círculos122 em ela.
v.3. E disse123 Iahweh para o Satan/adversário porventura colocaste 124 coração teu sobre
escravo meu Jó que não (há) como ele em terra homem íntegro e reto e temente Elohim e
que se desvia125 desde mal.
v.4. E respondeu126 o Satan/adversário para o Iahweh e disse 127 pele em até-pele e tudo que
para homem dará128 em até seu fôlego.
v.5. E talvez estenda129 -rogo mão tua e toca130 para osso seu e para carne sua se-porventura-
não para faces tuas faça te abençoar131 .
101
zzgtosquiar - verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
102
lpncair - verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
103
hwxinclinar - verbo hishtafel imperf. 3ª. p.m.s.
104
rmadizer – verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
105
acysair - verbo kal perf. 1ª. p.c.s.
106
bwvvoltar - verbo kal imperf. 1ª. p.c.s.
107
!tndar - verbo kal perf. 3a p.m.s.
108
xqltomar - verbo kal perf. 3ª. p.m.s.
109
hyh ser,estar,ter,haver,acontecer - verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
110
$rb abençoar, ajoelhar - verbo pual part. m.s.
111
ajxerrar, pecar - verbo kal perf. 3ª. p.m.s.
112
!tndar - verbo kal perf. 3ª. p.m.s.
113
hyh ser,estar,ter,haver,acontecer - verbokal imperf.3ª. p.m.s.
114
awb vir, entrar - verbo kal imperf. 3ª. p.m.p.
115
bcypostar-se - verbo hitpael inf. construto.
116
awb vir, entrar - verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
117
rmadizer – verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
118
awb vir, entrar - verbokal imperf.2ª. p.m.s.
119
hn[ responder - verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
120
rmadizer – verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
121
jwvrodear - verbo kal inf. construto.
122
$lh andar - verbo hitpael inf. construto.
123
rmadizer – verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
124
~yfpôr, colocar - verbo kal perf. 2ª. p.m.s.
125
rwsdesviar - verbokal part.m.s.
126
hn[ responder - verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
127
rmadizer – verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
128
!tndar - verbo kal imperf. 3ª.p.m.s.
129
xlv estender - verbo kal imperativo m.s.
130
[gn tocar, ferir - verbo kal imperativo m.s.
131
$rb abençoar, ajoelhar - verbo piel imperf. 3ª. p.m.s. + suf. 2ª.p.m.s.
15
v.6. E disse132 Iahweh para o Satan/adversário ei-lo em mão tua somente para fôlego seu
guarda133 .
v.7. E saiu134 o Satan/adversário desde faces de Iahweh e feriu seriamente 135 Jó em chaga má
desde planta pé seu até o cucoruto.
v.8. E tomou136 para ele caco para raspar-se137 em ele e ele o-que-se-senta138 no-meio-da-
cinza.
v.9. E disse139 para ele mulher sua ainda tu o-que--apoia140 em tua integridade abençoa141 a
Elohim e morre142 .
v.10. E disse143 para ela como fazer falar144 uma(uns) os cadáveres fazes falar145 também o
bem fazemos receber146 e o mal não fazemos receber147 em tudo isto não errou/pecou148 Jó
em seu fôlego.
v.11. E ouviram149 3 amigos Jó todo-mal o isto entrou/veio150 sobre ele e entraram/vieram151
cada homem desde lugar seu Elifaz e o Teimani e Bildad o Shuhi e Tsofar o Naamati e se
fixaram152 juntos para entrar/vir153 para se condoer154 para ele para o consolar155 .
v.12. E levantaram156 olhos deles desde longe e não o reconheceram157 e levantaram158 suas
vozes e choraram159 e rasgaram160 homem veste sua e aspergiram161 pó sobre cabeça deles os
céus.
v.13. E sentaram162 com ele para terra 7 dias e 7 noites e não o-que-fala163 para ele palavra
pois virão164 que grande a dor/angústia muito.
132
rmadizer – verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
133
rmvguardar - verbo kal imperativo m.s.
134
acysair - verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
135
hknferir - verbo hifil imperf. 3ª. p.m.s.
136
xqltomar - verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
137
drgraspar - verbo hitpael infinitivo construto.
138
bvysentar - verbo kal part. m.s.
139
rmadizer - verbo kal imperfeito 3ª. p.f.s.
140
qzxapoiar - verbo hifil part. m.s.
141
$rb oabençoar, ajoelhar - piel imperativo masculino singular.
142
twmmorrer - verbo kal imperativo masculino singular.
143
rmadizer - verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
144
rbd falar - verbo piel infinitivo construto.
145
rbd falar - verbo piel imperf. 2ª.p.f.s.
146
lbqreceber - verbo piel imperf. 1ª.p.c.p.
147
lbqreceber - verbo piel imperf. 1ª.p.c.p.
148
ajxerrar, pecar - verbo kal perf. 3ª. p.m.s.
149
[mv ouvir - verbo kal imperf. 3ª. p.m.p.
150
awbentrar, vir - verbo kal perf. 3ª. p.f.s.
151
awb entrar, vir - verbo kal imperf. 3ª. p.m.p.
152
d[y fixar - verb nifal imperf. 3ª. p.m.p.
153
awbentrar, vir - verbo kal infinitivo construto.
154
dwncondoer - verbo kal infinitivo construto.
155
~xnconsolar - verbo piel infinitivo construto.
156
afniçar, levantar - verbo kal imperf. 3ª. p.m.p.
157
rknreconher – verbo hifil perf. 3ª. p.c.p.
158
afniçar, levantar - verbo kal imperf. 3ª. p.m.p.
159
hkb chorar - verbo kal imperf. 3ª. p.m.p.
160
[rqrasgar - verbo kal imperf. 3ª. p.m.p.
161
qrzaspergir - verbo kal imperf. 3ª. p.m.p.
162
bvysentar - verbo kal imperf. 3ª. p.m.p.
163
rbd falar - verbo kal part. m.s.
164
harver - verbo kal perf. 3ª. p.c.p.
16
mas há outra variante – correctio vel euphemismus pro vel Wll.qiw similis etc (Piel – e
amaldiçoaram insistentemente);
1,8 – O vocábulo que surge no texto é yDIb.[;-l[; (sobre escravo meu), mas há outra
variante yDIb.[;-la, (para escravo meu) cf. 2,3; 1,10 – O verbo que surge no texto é T'k.f;
(cercaste), mas há outra variante tks (cercaste); 1,11 – cf 1,5; 1,14 – O vocábulo que surge
no texto é ~h,ydEy>- (mãos deles), mas há outra variante !h,ydEy>- (mãos delas);
1,16 – A expressão que surge no texto é ~yIm;V'h;-!mi hl'p.n" ~yhil{a/ vae rm;aYOw:
(e disse fogo de Elohim caiu desde céus), mas na Septuaginta não aparece “fogo de Elohim”
(kai. ei=p en pro.j Iwb pu/r e;p esen evk tou/o u vr anou / – e disse a Jó fogo caiu do céu);
1,18 – O vocábulo que surge no texto é d[; (até, ainda), mas há outra variante dA[
(até, ainda) cf 1,16-17;
1,21a – O vocábulo que surge no texto é ytic'y" (Ketiv – como se escreve), mas há
outra variante ytiac'øy" (Qerê – como se lê); 1,21b – O vocábulo que surge no texto é hm'v'
(ali), mas há outra variante hMv (ali).
Cap.2,5a – A expressão que surge no texto é ^yn<P'-la,(para tuas faces), mas há outra
variante ^yn<P'-l[ ;(sobre tuas faces) cf 1,11;
2,5b – cf 1,5a; 2,7a – O vocábulo que surge no texto é d[; (Ketiv – como se escreve
– até, ainda), mas há outra variante d[;w>(Qerê – como se lê – e até, e ainda); 1,9a – cf 1,5a.
Concluí-se considerando que a variante mais importante é a do uso do eufemismo
$rb (abençoar) no lugar de llq (amaldiçoar).
17
No quesito da Crítica Literária quanto ao livro de Jó, parece haver uma unanimidade
entre os estudiosos165 . O livro de Jó inicia com prosa, composto pelos capítulos 1-2,
continua em poesia dos capítulos 3-41, e terminaria novamente com a prosa no capítulo 42.
A moldura redacional do livro estaria configurada do prólogo 1-2 e epílogo 42.
São utilizadas as normas da dialética, a proposição, a discussão, a confirmação e a
conclusão. E ainda, a narrativa acontece num relativo arcabouço histórico, já que também
para os semitas a concretude e não a abstração tinha prevalência. Sua origem literária pode
ser encontrada no ambiente sapiencial166 e jurídico.
165
STORNIOLO, Ivo. Como ler o livro de Jó. O desafio da verdadeira religião . Paulus, 1992, p.14. O autor
afirma: “que o Livro contém de um lado uma parte textual em prosa (Jó 1-2; 42.7-17), que serve como moldura
do Livro e, de outro lado, a parte textual em forma de poesia (3.1–42.6), como parte central do Livro. E os
capítulos 28 e 32-37, além de 42,12-17, como acréscimos posteriores. Reforça ser fundamental a distinção do
quadro narrativo (prosa) da parte dos diálogos (poesia) para a interpretação do Livro. Outro ponto importante a
ser destacado é o personagem de Jó que segundo ele, deve ser encarado coletivamente (três quartos da
população israelita), se identifica com os muitos camponeses que perderam seus rebanhos, suas terras e até
mesmo seus filhos e filhas durante a dominação do Império Persa; CHILDS, Brevard S. (Review by: Brevard
S. Childs). Source: Journal of Biblical Literature, Vol. 87, No. 1 (Mar., 1968), pp. 114+116. Published by: The
Society of Biblical Literature Stable URL: http://www.jstor.org/stable/3263435; COHEN, Mordechai Z.
(Review by: Mordechai Z. Cohen). Source: AJS Review, Vol. 27, No. 1 (Apr., 2003), pp. 128-132. Published
by: on behalf of the Cambridge University Press Association for Jewish Studies Stable URL:
http://www.jstor.org/stable/4131783; CRENSHAW, James L. (Review by: James L. Crenshaw). Source:
Journal of Biblical Literature, Vol. 116, No. 2 (Summer, 1997), pp. 342-344. Published by: The Society of
Biblical Literature Stable URL: http://www.jstor.org/stable/3266237; YOUNG, Ian. Is the Prose Tale of Job in
Late Biblical Hebrew? Source: Vetus Testamentum, Vol. 59, Fasc. 4 (2009), pp. 606-629. Published by:
BRILL Stable URL: http://www.jstor.org/stable/20700020; VRIES, Simon J. De. (Review by: Simon J. De
Vries). Source: Journal of Biblical Literature, Vol. 89, No. 1 (Mar., 1970), pp. 99-100. Published by: The
Society of Biblical Literature Stable URL: http://www.jstor.org/stable/3263652
166
BETTERIDGE, Walter R. (Review by: Walter R. Betteridge). Source: The Biblical World, Vol. 24, No. 6,
pp. 473-475. Published by: The University of Chicago Press Stable URL: http://www.jstor.org/stable/3141248;
BEUKEN, W. A. M. (Review by: Katharine J. Dell). The Book of Job.Vetus Testamentum, Vol. 47, Fasc. 2
(Apr., 1997), pp. 265-266. Published by: BRILL Stable URL: http://www.jstor.org/stable/1535342;
BRUEGGEMANN, Walter. (Review by: Walter Brueggemann). Source: Journal of Biblical Literature, Vol.
112, No. 1 (Spring, 1993), pp. 137-139. Published by: The Society of Biblical Literature Stable URL:
http://www.jstor.org/stable/3267878; RENAN, Ernest. The Book of Job. Source: The Crayon, Vol. 6, No. 6, pp.
175-176. Published by: Stable URL: http://www.jstor.org/stable/25527908; Review Source: The Biblical
World, Vol. 42, No. 1, p. 63. Published by: The University of Chicago Press Stable URL:
http://www.jstor.org/stable/3142606; Review Source: The Old Testament Student, Vol. 3, No. 1, pp. 27-28.
Published by: The University of Chicago Press Stable URL: http://www.jstor.org/stable/3156703; Review
Source: The Old Testament Student, Vol. 7, No. 8, p. 270. Published by: The University of Chicago Press
Stable URL: http://www.jstor.org/stable/3156764; ROBERTSON, David. (Review by: David Robertson).
Source: Journal of Biblical Literature, Vol. 93, No. 2 (Jun., 1974), p. 304. Published by: The Society of
Biblical Literature Stable URL: http://www.jstor.org/stable/3263104; ORLINSKY, Harry M. (Review by:
Harry M. Orlinsky). Source: Journal of Biblical Literature, Vol. 62, No. 4 (Dec., 1943), pp. 347-357.
Publishedby: The Society of Biblical Literature Stable URL: http://www.jstor.org/stable/3262241; PATON,
Lewis Bayles. The Oral Sources of the Patriarchal Narratives. Source: The American Journal of Theology,
Vol. 8, No. 4, pp. 658-682. Published by: The University of Chicago Press Stable URL:
http://www.jstor.org/stable/3153773; PFEFFER, Jeremy (Review by: Jason Kalman). Providence in the Book
of Job: The Search for God’s Mind Providence in the Book of Job: The Search for God’s Mind The Journal of
18
Como foi dito anteriormente deve-se aqui levantar a ocorrência de alguns vocábulos
importantes que aparecem no texto, na visão dos homens 167 , vejamos o quadro abaixo:
![;Y:w: (2x)
Pela análise das ocorrências dos substantivos e dos verbos, na visão dos homens,
pode-se perceber que: Jó aparece – 29 vezes; o acusador, Satan168 – 11 vezes; Iahweh - 9
Religion, Vol. 88, No. 1 (January 2008), pp. 125-127. Published by: The University of Chicago Press Stable
URL: http://www.jstor.org/stable/10.1086/526376.
167
KELLE, Brad E.; AMES, Frank Ritchel.Writing and Reading War: Rhetoric, Gender, and Ethics in Biblical
and Modern. Society of Biblical Lit, 2008, 265 pp; KNAUF, E.A. “Hiobs Heimat”, WO 19 (1988), pp. 65-83;
FUCHS, E. “Status and Role of Female Heroines in the Biblical Narrative”, Mankind Quarterly 23/2: 149-
160, 1982; FUCHS, E. “Structure and Patriarchal Functions in the Biblical Betrothal Type -Scene”, JFSR 3:
7-13, 1987; FUCHS, E. “The Literary Characterization of Mothers and Sexual Politics in the Hebrew Bible”,
in Collins: 117-136, 1985; HABEL, N.C. OTI, 1985; HARLAND, P. J. The Value of Human Life: A Study of
the Story of the Flood (Genesis 6-9) (VT.S 64), Leiden et al., 1996.; HIGGINS, J.M. “The Myth of Eve: The
Temptress”, JAAR 44: 639-647, 1976.
168
LÈVÉQUE, J. Job el libro y el mensaje. Editorial Verbo Divino, Estella (Navarra), 1987, pp. 8-9. O autor
em sua obra diz: “A introdução do personagem Satan parece num primeiro momento complicar o esquema
teológico do conto. Deve-se localizá-lo depois do desterro se compararmos ao paralelo encontrado em Zc 3,1
por volta de 520-518 a.C. No Antigo Testamento só ali Satan se apresenta como um dos seres celestiais que
formam a corte de Iahweh. Primitivamente a palavra Satan provêm de uma raiz que significa ‘atacar’, não era
nem um título nem um nome funcional, mas expressava um comportamento hostil. A ideia de um ser
demoníaco e rebelde contra Deus se colocará tardiamente no Judaísmo”; CALDWELL, William. The Doctrine
of Satan: I. In the Old Testament. Source: The Biblical World, Vol. 41, No. 1 (Jan., 1913), pp. 29-33.
19
vezes; Elohim – 5 vezes; a mulher de Jó – 1 vez. Quanto aos verbos: disse – 6 vezes;
entrar/chegar – 6 vezes; colocar-se/postar-se – 2 vezes; raspar-se (απαξ - hapax) – 1 vez;
responder – 2 vezes. Portanto, Jó é o personagem mais importante, e a seguir o
Satan/adversário169 é muito mais importante do que Iahweh e Elohim. E fica por último a
mulher, que para nossos fins, parece questionável e merecerá adiante uma análise mais
aprofundada. O relato privilegia o modelo de perguntas e respostas, pelo fato que os juntos
os verbos – dizer e responder – perfazem a ocorrência de 8 vezes. Os três restantes verbos:
postar-se, rodear-se e raspar-se, são ocorrências particulares do livro de Jó.
Published by: The University of Chicago URL: http://www.jstor.org/stable/3142352. O autor diz: “Não se
pode colocar em dúvida que a doutrina de Satan seria uma assimilação da doutrina Persa de Ahriman”.
169
PURY, A. “Le Dieu qui vient en adversaire”, en KUNTZMANN, R. (ed.). Ce Dieu qui vient: Etudes sur
l’Ancien et le Nouveau Testament offertes au Professeur Bernard Renauld à l’occasion de son s oixante-
cinquième anniversaire (LeDiv 159), Paris, 1995, pp. 45-67; PEAKE, Arthur S. Problem of suffering in the
Old Testament. London: The Epworth Press, 1947; ÈVÉQUE, J. Sagesses de Mésopotamie, augmentées d’un
dossier sur Le “juste souffrant” en Mésopotamie (Supplément au CEv 85), Paris, 1983 (trad. cast.:Sabidurías
de Mesopotamia, Verbo Divino, Estella, 1996). ID.,Job et son Dieu: essai d’exégèse et de théologie biblique, 2
volumes, Paris, 1970; HECKE, Pierre van. "Mas eu quero falar com o Todo-poderoso" (Jó 13,3): Jó e seus
amigos a respeito de Deus. Concilium: Revista Internacional de Teologia, Petrópolis, n.4/307, p.18-27, 2004;
GALLARES, Judette A. Orando com Jó: reflexão e oração sobre o sofrimento humano. Tradução de Kedma
Campos Rix. São Paulo: Paulus, 1995. 111P. ISBN 8534903093; GARCÍA-MAYOL, Doris J. “La comunidad
y Job – Valores en conflicto”, en Oikodomein, México, Comunidad Teológica de México, vol.6, n.7, 2000,
p.9-21; DIETRICH, José Luís. “Jó – Uma espiritualidade para sujeitos históricos”, en Estudos Bíblicos,
vol.30, p. 32-43; CERONETTI, Guido. Il libro de Giobbe. Adelphi Edizioni, 1981, 291 p; CESAR, Elben
Magalhães Lenz. Para (melhor) enfrentar o sofrimento: a resistência de Jó em meio à dor. Viçosa: Ultimato,
2008. 124 p. ISBN 97877790074;DION, P.E. “Un nouvel éclairage sur le context cultured des malheurs de
Job”, VT 34 (1984), pp. 213-215; HERBST, Adrián. “El libro de Job y la madurez religiosa”, en Cuadernos
de Teología, Buenos Aires, Instituto Superior Evangélico de Estudios Teológic os/ISEDET, vol.19, 2000, p.49-
57.
20
Pode-se dizer que o capítulo 1,1-5, funciona como uma introdução geral para os dois
capítulos. No capítulo 2, inicia com novas temáticas estendidas, temos um prólogo (v.1-6) –
Os filhos-de-Elohim e o acusador se apresentam diante de Iahweh; Jó é declarado íntegro e
reto; o acusador consegue a permissão para fazer adoecer Jó, mas não matá-lo. Temos a
seguir um desenvolvimento (v.7-10) – Jó é acometido por uma terrível enfermidade; devido
21
à difícil situação, sua mulher tem um grave entrevero com ele (teologia da retribuição). E
finaliza-se (v.11-13) – Três companheiros de Jó ouviram sobre sua desventura, e se
aproximam dele. Portanto, os versos 1-13, trazem como fio condutor temático uma ideia que
acontecimentos funestos acontecem a um homem justo com a permissão divina, formando
assim uma espécie de moldura. Esse enquadramento esquemático supõe que a perícope 2,1-
13 pode ser estudada como uma unidade autônoma.
Tanto a autoria quanto a datação do livro não parece ser facilmente resolvida. O
redator final ou autoria do livro é uma composição anônima. Analisando pelo viés do uso da
língua, o hebraico apresenta dificuldades, pois muitas palavras são desconhecidas aos
filólogos e a mistura de vocábulos aramaicos na obra de Jó é maior do que nos demais
livros. Assim, há os que defendam que o livro é uma tradução para o hebraico a partir do
aramaico e colocam a obra de Jó no período do florescimento do aramaico na época pós-
exílica170 .
No que tange a cultura o ambiente religioso presente na obra é do tipo primitiva, não
institucionalizada e remonta à época em que não existe sacerdócio e nem santuário. A ira
divina é expiada mediante sacrifícios oferecidos pelo patriarca (Jó 1,5; 42,8; Nm
23,1.14.24). A riqueza mede-se pela quantidade de rebanhos e escravos (Jó 1,3; 42,12; Gn
12,16; 32,5). A longevidade do patriarca Jó (42,17) somente se iguala ou é superada nas
gerações patriarcais.
Os vestígios literários típicos da literatura de Ugarit, em concreto com a ética de
Qirta. Há ainda paralelo com o chamado Jó babilônico conhecido pela escrita cuneiforme do
século VII a.C., mas que possui uma forma mais antiga pelo menos de 1000 anos. O mesmo
se diga do paralelo sumério que remonta mais ou menos ao ano 2000 a.C. Assim, alguns
estudiosos acreditam que o livro de Jó seja uma reinterpretação de antigo épico relativo a
uma personagem chamado Jó.
170
LINDEZ, J.V., Sabedoria e sábios em Israel. São Paulo: Loyola, 1999; TERNAY, H., O livro de Jó: da
provação à conversão, um longo processo. Petrópolis: Vozes, 2001; TERRIEN, S., Jó. Grande comentário
bíblico. São Paulo: Paulus, 1994. p. 49.
22
Que terrível paradoxo é esse Jó, já que ele representa o próprio modelo de rentidão –
“temente de Elohim e se desvia do mal” (1,1; 2,3). E ainda este mesmo Jó que se preocupa
em agradar a Deus, chega a elevar em elevações para expiar erros/pecados possíveis de seus
filhos (1,5). E para agravar mais e mais a situação, não se trata de uma dissimulada rentidão,
já que por vezes o próprio Iahweh dá reconhecimento a ele, chamando-o de meu servo –
“Porventura viste meu servo/escravo Jó, não há ninguém como ele na terra” (1,8; 2,3).
Certamente causa certo espanto ao nos depararmos com uma inteireza tão completa,
parece até ser impossível ser achada numa pessoa em suas plenas faculdades, mas, os
171
“porque ele fez menção de inimigos na tempestade para favorecer os que seguiam o caminho reto”.
23
172
BOTTERWECK, G. Johannes et RINGGREN (ed.), Helmer. Theological Dictionary of the Old Testament,
Volume 14, pp. 73-79. Para melhor esclarecer este vocábulo, traduzimos parcialmente deste importante
dicionário o conteúdo do verbete -!j'f'(stn), como segue: “Etimologia e significado. Em hebraico, satan
significa “adversário, oponente”. A raiz stn é atestada em várias línguas semíticas, incluindo Targumim
Aramaico (stn), o Hebraico Medieval, Siríaco, Mandeano, Etíope e Árabe. Nöldeke enfatiza que no Etiópico a
raiz stn representa uma extensão do hebraico que em seguida passou para o Árabe. A raiz stn ainda não foi
atestada em Acadiano. Ela supos tamente ocorre com o significado de “rivalidade com, ataque”, como epíteto
ane para Negal e Ishtar, enquanto outros a explicam ... como particípio de uma raiz diferente ... Alguns
estudiosos têm tentado derivar satan da raiz sut (por exemplo Torczyner, que postula uma relação entre o árabe
de saitan e sut). A conexão entre satan e sut (“vagar”), no entanto, deve ser vista como uma etimologia
popular, (cf. Jo 1,7 e 2,2) onde satan fala sobre “indo para cá e para lá na terra”, aqui o autor pretende
provavelmente apenas incorporar um jogo de palavras. O substantivo satan provavelmente deriva do vb. satan.
Uma forma secundária, stn, também é atestada em Aramaico Judaico. A raiz stn é a fonte não só do vb. satan e
24
do nome satan, mas também com o nome Sitna. A forma secundária stm compõe o nome Mastema... III.
Adversário Sobre-humano (Super-homem). A raiz stn/stm ocorre com mais freqüência no livro de Jó (16
vezes), incluindo 14 vezes no prólogo e 2 vezes nos diálogos. Somente o nomesatan com artigo ‘o’(hassatan)
ocorre no prólogo, e apenas o vb. satam nos diálogos. Em Jó 1,6 hassatan faz parte do habene elohim. Alguns
interpretam que se entenda hassatan como um denominativo de função; Horst sugere que este nome com artigo
definido mostra que hassatan refere-se a uma função de satan, ele identifica hassatan como um opositor no
tribunal de Deus. Intérpretes anteriores (por exemplo, Duhm, Kaupel) classificam hassatan de uma forma geral
entre os demônios. Brock-Utne apresentou as circunstâncias políticas nas cortes da entronização dos reis no
Próximo Oriente como o pano de fundo para a figura de satan. Os governantes menores palestinos eram
dependentes do grande rei e temiam que qualquer um pudesse difamá -los no tribunal. Esta hipótese deu origem
à opinião de que na corte de Iahweh também existia um caluniador (cf. Jó 1-2; Zc 3). Torczyner acredita que
hassatan é um funcionário na corte celestial. Assim como os antigos reis do Oriente Próximo tinham seus
próprios assistentes, assim também o Senhor tem satan - como “olhos de Deus” - vagando no mundo
verificando a lealdade das pessoas. Lords também vê na figura de satan como um oficial celestial. Neste
sentido hassatan funcionaria como um agente da polícia divina, pensa-se também ocasionalmente como um
acusador (Zc 3;Von Rad também entendeu hassatan como um acusador perante um tribunal, e mais
especificamente como uma espécie de ministro público celestial e de forma nenhuma como um ser
demoníaco).”
25
173
Não compartilhamos desta interpretação, como demonstraremos mais adiante ao analisarmos essa Mulher de
Jó no capítulo 3.
26
Diante do anúncio da primeira série de desastres ocorrida sobre Jó, ele –“se levantou,
rasgou seu manto, rapou sua cabeça, caiu por terra, inclinou-se no chão” (1,20). Não são
atitudes de arrependimento, mas, sinais de uma dor silenciosa. Ela é entrecorta com uma fala
– “e disse: Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei para lá. Iahweh o deu, Iahweh o
tirou, bendito seja o nome de Iahweh” (1,21).
A nudez de Jó o arremete a fragilidade do dia de seu nascimento, ameaçado, diante
de um futuro incerto174 . Sem dúvida, se encontra dependente, vulnerável, e ao mesmo tempo
mais humano do que nunca, já que se tem libertado de toda alienação das coisas. Ele
experimenta que a vida é mais do que as suas vestimentas (corpo + veste) 175 .
Muito primitivo é o tema do binômio ‘terra-mãe’, onde os nossos ancestrais
sepultavam seus mortos em posição fetal, aludindo a uma nova e misteriosa gestação. Parece
que algumas outras passagens podem fazer ecos a esta crença, em Gn 3,19 – “Com o suor de
teu rosto comerás teu pão até que retornes ao solo, pois dele foste tirado. Pois tu és pó e ao
pó tornarás”, em Sl 139, 13-16 – “Pois tu formaste os meus rins, tu me teceste no seio
materno. Eu te celebro por tanto prodígio, e me maravilho com as tuas maravilhas.
Conhecias até o fundo do meu ser: meus ossos não te foram escondidos quando eu era feito,
em segredo, tecido na terra mais profunda. Teus olhos viam o meu embrião. No teu livro
estão todos inscritos os dias que foram fixados e cada um deles nele figura”.
A vida do homem na terra é, portanto, uma passagem de uma mãe para outra, e que
se comunicam entre si transmitindo ao ser humano segurança, com a ausência de perigos e
de necessidades. Portanto, o homem pode viver nu, sem recursos já que “Iahweh deu e
Iahweh tomou” (1,21).
174
Mais a frente em nosso trabalho há outra interpretação sofre essa tema da nudez.
175
CAESAR, Lael O. Job: Another New Thesis. Source: Vetus Testamentum, Vol. 49, Fasc. 4 (Oct., 1999), pp.
435-447. Published by: BRILL Stable URL: http://www.jstor.org/stable/1585409
27
mulher a uma loucura de impiedade, por isso tenta fazê-la voltar ao tino – “se recebemos de
Elohim os bens, não deveríamos receber também os males?” (2,10b).
Essa resposta tem um longo alcance, pois, esse “nós”, vai além de Jó e de sua Mulher,
simboliza toda a humanidade que sofre a dialética benção/maldição. Jó responde que vem de
Deus a benção e a maldição, e o homem não pode ficar placidamente passivo diante dessas
situações.
O leitor deve pensar nos diálogos celestiais e considerar que Iahweh não quer
gratuitamente a manifestação do mal pelo mal, mas, como uma prova de fidelidade. No
entanto, Jó não está inteirado desses segredos e aceita a situação. Defende sua liberdade
diante de Deus, mas, admite que não tenha nenhum direito de exigir a felicidade, e que a
benção não é algo em débito, o homem não tem um poder absoluto sobre seu futuro, sua
liberdade não tem um motivo em si mesmo. Não pode ser causa de nada, já que se baseia em
uma condição de respeito e adoração incondicionais, este era o sentido do estado de
humilhação de Jó – “Então Jó se levantou, rasgou seu manto, rapou sua cabeça, caiu por
terra, inclinou-se no chão” (1,20).
A chegada dos 3amigos de Jó, Elifaz, Bildad e Tsofar, garante uma segura transição
entre o prólogo, onde mostra um Jó estabelecido, e os diálogos oscilantes em que a poesia
apresenta uma visão própria das coisas. Mas, a transição se prolonga – “Quando levantaram
os olhos, a certa distância, não o reconheceram mais. Levantando a voz, romperam em
prantos; rasgaram seus mantos e, a seguir, espalharam pó sobre a cabeça. Sentaram-se no
chão ao lado dele, sete dias e sete noites, sem dizer-lhe uma palavra, vendo como era atroz
seu sofrimento” (2,12-13).
Os 7 dias e 7 noites introduzem simbolicamente a duração no sofrimento, e é então
quando Jó se assemelha conosco em nossos próprios sofrimentos. Então, surge um homem
que sofrendo o peso da mão de Deus se atreve a gritar diante do desconcerto e da rebeldia de
uma humanidade sofredora.
29
176
FISHBANE, M. “Jer. iv 23-26 and Job iii 1-13: a recovered use of the creation pattern” (Um uso recuperado
do padrão criacional), VT 21, 1971, pp. 151-167.
177
HABEL, N. C. The Book of Job.London and Philadelphia, 1985 , p. 86.
30
edomita horeu (36,28; veja vs. 20-1). A localidade geográfica exata não é certa, o que pode
sugerir que o termo foi usado para evocar “uma terra vaga no longínquo Oriente, como a
morada de um antigo herói”178 .
A conexão que há entre Genesis e Utz com as localizações ao leste de Israel, é
atestada nos versos de abertura Jó: ele é “o maior de todos os povos do leste179 ” (v.3).
Mesmo que não seja suficiente para identificar o leste como o lugar para a sabedoria no
antigo Israel (1Rs 4,30180 ), poderia ainda assim ser um cenário natural para uma disputa
desse tipo. Certo é que o leste orienta na direção em certas tradições181 .
Pode-se apontar não só a deliberada orientação do tabernáculo bíblico e o templo de
Salomão182 , considerando um importante valor no pensamento antigo para os pontos
cardeais, como também nas tradições preservadas em Gênesis onde encontramos o leste
como referência de alta importância183 .
Muito significativo, é que o jardim único e primitivo de Iahweh foi plantado nessa
direção184 (Gn 2,8 - E plantou Iahweh Elohim um jardim no Éden, da banda do Oriente, e pôs
ali o homem que tinha formado - rc")y" rv<ïa ~d"Þa'h'(-ta, ~v'ê ~f,Y"åw: ~d<Q<+mi !d<[eÞB.-!G:
~yhi²l{a/ hw"ôhy> [J;úYIw:). Este impulso criacional como o lugar da sabedoria, é atestado
explicitamente onde não há nenhuma razão para que se perceba as tradições das origens
primitivas, bem como uma explosão de sabedoria humana, e o domínio dos sábios
Deus/deuses185 .
A imediata configuração geográfica prepara o cenário para um drama como que
aconteceu na madrugada primitiva. Um terceiro elemento de aproximação dos contextos
surge ao leitor, rapidamente Jó é apresentado (v.1. Jó seu nome - Am=v. bAYæai), a seguir sua
178
KRAMER, S. N. In the World of Sumer. Detroit, 1986, pp. 182-202.
179
~d<q<)-ynEB.-lK'mi lAdßG" aWhêh; vyaiäh' ‘yhiy>w: dao+m. hB'rä :
180
1Rs 4,30 – “E era a sabedoria de Salomão maior do que a sabedoria de todos os do oriente e do que toda a
sabedoria dos egípcios”.
181
HURTIVZ, A. “The Date of the Prose-Tale of Job Linguistically Reconsidered”. HTR 67, 1974.
182
1Rs 7,25 –“E firmava-se sobre doze bois, três que olhavam para o norte, e três que o lhavam para o ocidente,
e três que olhavam para o sul, e três que olhavam para o oriente; e o mar em cima estava sobre eles, e todas as
suas partes posteriores, para a banda de dentro”.
~Y"ïh;w> hx'r"êz>mi ~ynIåPo ‘hv'l{vW. hB'g>n<© ~ynIåPo Ÿhv'lä {vW. hM'y "÷ Ÿ~ynI“po hv'l{vW. hn"Ap‡c' Ÿ~ynIåpo hv'lä {v. rq'ªB' rf"å[' ynEôv.-
l[; dmeú[o
`ht'y>B") ~h,ÞyrExo)a]-lk'w> hl'[.ml'_ .mi ~h,Þyle[]
183
O Querubim guarda a leste a entrada do jardim (3,24); Caim foge para leste do Eden (4,16); foi a leste que os
filhos de Shem se estabeleceram (3,30); a torre de Babel foi edificada no leste (12,2); Lot preferiu se
movimentar para o leste (13,11); Abraham caminhou com seu filho e concubinas para o leste (25,6) Jacó partiu
para o leste (24,1).
184
HURVITZ, A. “The Date of the Prose-Tale of Job Linguistically Reconsidered”, HTR 67, 1974.
185
É digno de nota a característica conexão entre El e a sabedoria de Ugarit (CTA 3.5.37-9; 4.4.40-2; 4.5.63-5;
16.4.3).
31
singularidade moral apresenta-se como uma qualidade essencial como preocupação para o
contador de histórias: “que o homem era íntegro e reto, aquele que temia a Deus e se
desviava do mal” (v.1).
Como Adão, Jó é um ser humano único, um ponto que Iahweh faz questão de
reiterar: “não há ninguém como ele na terra” (1,8; 2,3). A natureza sem mácula de Jó pode
afrontar os teólogos, mas os superlativos não determinados não podem ser diminuídos em
intensidade. O epíteto final aplicado aqui descreve como “aquele que se afasta do mal”, ecoa
com a condição fundamental que permitira com que o homem permanecesse no Jardim do
Éden: o aviso de prevenção sobre a árvore do conhecimento do bem e do mal.
Assim, o primeiro versículo de Jó pode ser conectado com as tradições em Genesis, a
fim de preparar o terreno para um segundo Adão, como uma repetição, um homem único em
um ambiente primitivo que está prestes a ser confrontado com um teste da parte de Iahweh.
Tão logo tenha a plataforma sido definida, os atores começam a andar gradualmente das
sombras à luz de Gen. 1-2186 .
Os próximos dois versos correspondem com a vida idílica de Gênesis 1, colocado
como uma ordem pela boca de Iahweh. No texto de Jó 1,2-3 se lê: “Nasceram-lhe sete filhos
e três filhas. Ele tinha sete mil ovelhas areia, três mil camelos, quinhentas juntas de bois e
quinhentas jumentas, e muito muitos servos, de modo que este homem era o maior de todos
os filhos do Oriente”. Todos os imperativos aos quais Elohim falara na primeira semana da
criação são cumpridos em presença destehomem (Gn 1,22a – frutificai e multiplicai e enchei
- WaÜl.miW Wbªr>W WråP.).
A ordem para ser frutífero e se multiplicar (Gn 1,22-28), é dirigida para ambos,
homem e animais, e encontra o seu cumprimento nestes versos. A relação de 7 e 3 e 3, que
somados perfazem 10, marca o cenário como uma dinâmica perfeição. Além disso, este
segundo Adão cumpriu o segundo imperativo dirigido exclusivamente para o homem (Gn
1,28b - e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre todo
o animal que se move sobre a terra), assim ele exerce o seu domínio sobre os animais, pois é
em sua presença e como sua propriedade que os animais cumprem o seu papel na
multiplicação (Jó 1,10 – Porventura, não o cercaste tu de bens a ele, e a sua casa, e a tudo
quanto tem? A(s) obra(s) de suas mãos abençoaste, e o seu gado está aumentado na terra 187 ).
186
EISSFELDT, O. The Old Testament – An Introduction (Oxford and New York, 1965), p. 157 = Einleitung in das
Alte Testament (3rd edn, Tübingen, 1964), p. 617, and R. H. Pfeiffer, Introduction to the Old Testament (New
York, 1941), pp. 668-669.
187
`#r<aB'( ' #r:îP' WhnEßq.miW T'k.r:êB e ‘wyd"y" hfeÛ[]m;b ybi_S'mi Alß -rv,a]-lK' d[;îb .W At±yBe-d[;b .W Adô[]b ; T'k.f;ä ÎhT'a;ûÐ ¿T.a;À-al{)h ]
32
Como o adversário mais tarde observa, “os seus bens se multiplicam na terra” (Jó
1,10). Como no relato de P da criação, tal fecundidade se baseia mediante apenas da bênção
de Deus: daí o adversário alega que a prosperidade de Jó resulta somente porque Iahweh
abençoou (abençoaste - T'k.rB:ê e) a obra das suas mãos” (1,10), de modo que em Gn 1,22-28
“Deus os abençoou (E abençoou-os – ~t'²ao %r<b'yó >w:)”. O uso de números em Jó 1,2-3 é
Após o término do ciclo de sete dias, Jó é tão meticulosamente piedoso que ele imita
a ação de Deus na semana da criação (Gn 2,2-3): “E no sétimo dia Deus terminou seu
trabalho que tinha feito, e ele descansou no sétimo dia de toda a obra que tinha feito. E
abençoou Deus o dia sétimo e o santificou” (At+ao vDEÞq;y>w:).
A presença do nome de Iahweh no prólogo (ao contrário da maior parte poética do
livro) vem explicitamente revelada a orientação judaica do autor. Sua reverência ao sábado
188
CLINES, D. “False Naivety in the Prologue to Job” (Uma falsa ingenuidade no Prólogo de Jó), Hebrew
Annual Review 9, 1985, p. 134.
33
também está presente, mas, Ele não é retratado como ativo no sétimo dia. E é somente
depois que o sétimo dia tinha passado (“quando os dias da festa tinham o seu curso”), e que
“ele iria subir no início da manhã e oferecer holocaustos segundo o número de todos eles”
(Jó 1,5).
A partir daí a cena do trabalho na terra não é mais considerado. Surge a cena do céu,
onde o conselho de Iahweh é deliberado. Voltaremos a comentar sobre esta vista celestial.
Enquanto isso se segue a história onde Jó só percebe as coisas fora desta visão celestial. O
que acontece a seguir é uma espécie de “descriação”, invertendo o processo das tradições em
Genesis. Onde a história de Jó abre um movimento ao caos, diferentemente do “muito bom”
dito ao cosmos em Gênesis. Então, inevitavelmente se estabelece um contraste com a
deterioração que caracteriza o prólogo de Jó, o seu mundo perfeito se desintegra. Mas a
notável característica é que esta “descriação” parece ser inserida em termos deliberados que
fazem lembrar as tradições em Genesis.
A fecundidade que floresceu diante de Jó é completamente invertida. Não é algum de
seus bens que desaparece, mas tudo se foi. A ironia é que no primeiro dia do ciclo de sete
dias, com seus filhos é celebrada “na casa do irmão mais velho” (v.13). Isto é, quando a
criação deve começar. Em vez disso, tudo o que foi feito perfeito no mundo de trabalho é
quebrado. A lista de 1,2-3, agora passa a ser transposto para trás (2-3.14-19) – 7 filhos e 3
filhas, bois e jumentos, 7000 ovelhas e 3000 camelos 500 bois e 500 jumentas, filhos e filhas
Os animais, como na semana da criação, são tratados em primeiro lugar, e, como na
semana da criação, a humanidade é a última a ser incluída: todos os filhos de Jó estão
mortos. Pode não ser acidental que o golpe fatal que traz o caos ao mundo do trabalho seja
tratado por um “grande vento” (1,19 - hl'øAdG> x:Wr’). É precisamente um grande vento tal
qual (Gn 1,2 -~yhiêl{a/ x:Wråw>) o ruah Elohim, que demarcava a fronteira entre o caos e a
ordem, quando Deus começou a criar o cosmos. Infelizmente para o mundo do trabalho, o
mesmo limite demarcou um movimento na direção oposta, o cosmos de Jó entra em colapso.
É neste ponto que o autor do prólogo pôde empregar o que parece ser a primeira
conexão possível com o relato da criação (J) como está preservado em Gênesis. Quando o
mundo de Jó desmorona, ele ainda está presente. O trabalho é relacionado em termos de
criação e maldição do primeiro homem, como ele diz: “Nu saí do ventre de minha mãe e nu
voltarei” (1,21). É surpreendente ouvir Jó se vendo nu, já que no verso anterior ele vestia
uma roupa que ele rasgou em sinal do costumeiro luto da época. Mas, ele não está realmente
nu e pode se considerar o fato apenas em um sentido metafórico.
34
novamente os pés firmes na terra, a influência dos capítulos iniciais de Gênesis se faz
presente.
Como a mulher de Adão, a de Jó só aparece tardiamente na narrativa. Já na cena
celestial sua aparência física é mencionada em primeiro plano, onde um dos conselhos do
adversário é que Deus toque “nos ossos e na carne” de Jó (2,5 -Ar+fB
' .-la,w> Amàc.[;-la, [g:ïw>).
Há um duplo sentido no uso desta frase, pois no nível literal, o adversário faz o corpo de Jó
sofrer uma dor intensa. Mas, o adversário também toca na mulher de Jó, que é “ossos e
carne” de Jó em outro nível.
Foi Adão que saudou sua recém formada cônjuge com estas palavras: “Esta é
realmente osso dos meus ossos e carne da minha carne” (Gn 2,23 - yrI+f'B.mi rf"ßb'W ym;êc'[]me(
~c,[,… ~[;P;ªh; tazOæ ), articulando a relação de marido e mulher. Interessante notar que com a
exceção de uma palavra, as únicas palavras que ela pronuncia são aquelas mesmas que
foram ouvidas no conselho secreto de Deus pelo adversário. Ela começa por questionar a
observação de Deus: AtêM'tuB. qyzIåx]m; ‘WNd<’[ow>- Ele ainda mantém a sua integridade (2,3);
^t<+M'tuB. qyzIåx]m; ^ßd>[o - Você ainda vai manter firme sua integridade? (2,9). Ela então
pergunta a Jó, fazendo exatamente o que o adversário previu que Jó faria: &'k<)rb ] 'y> ^yn<ßP'-la,
al{ï-~ai - Se não para tuas faces te abençoe/amaldiçoa (2,5).
Adão. Um eco final em Gênesis soa em parte na boca da mulher, que não reflete exatamente
o discurso do céu: “Você ainda está apegado a sua integridade abençoa a Iahweh e morre."
(Jó 2,9).
O efeito que aconteceu pelo conselho de Eva em Gênesis foi precisamente a expulsão
do jardim e separação da árvore da vida (Gn 2,22). Morte vem ao comer do fruto proibido,
“porque no dia em que dela comeres, morrerás" (Gn 2,17 - tWm)T' tAmï WNM,Þmi ^ïl.k'a] ~Ay°B.
yK). Esta também é a destinação para o qual a mulher de Jó aconselha seu marido.
adversário (Jó 1,7 – 2,2 - %LEßh;t.hime(W ). Em qualquer caso, mesmo que as comparações não
sejam conclusivas, a narrativa de Jó sobre a terra poderia se desenvolver muito bem sem os
interlúdios celestiais. No entanto este recurso é notável na medida em que outros têm
sugerido que as cenas celestiais são de fato secundários e não façam originalmente parte
original do prólogo.
É bom ressaltar esta diferença significativa entre Gn 2-3 e Jó 1-2 na medida em que
se pode apresentar um maior desenvolvimento na tradição do Éden. A ênfase sobre o papel
do adversário em Jó possui uma oposição menos explícita na serpente do Éden, sem dúvida
marca uma preocupação midráshica no texto de Jó que não está presente em Genesis.
Na verdade, o texto contido em Gênesis fornece um solo fértil para a criação e
crescimento de tais midrashes. Em Gn 3, a serpente surge do nada, com a capacidade não só
de um discurso eloquente e sutil, como possuidora de uma mente sofisticada para iniciar um
diálogo (v.1 - “o mais astuto de todos os animais”). Mais ainda a serpente também sabe o
que Deus ordenou aos primeiros seres humanos: “Deus disse: Você não deve comer de
qualquer árvore do jardim?” (v.1). De onde vem esse conhecimento? O texto do Gênesis fica
36
em silêncio. É surpreendente que em seguida, depois que a fruta é consumida, a serpente não
mais participa do diálogo que segue entre Deus e a humanidade.
A serpente não foge, pois parece que ela não pensa ter feito algo de errado ou a
espera ser punida por Deus. Uma lacuna adicional em Gênesis que requer uma explicação
está relacionada ao fato de que antes de Deus castigar o homem desobediente, ele pede
primeiro uma explicação de seu comportamento. Quando o homem acusa sua mulher,
também a ela é concedida a oportunidade de se explicar. Quando ela, que por sua vez acusa
a serpente, Deus aceita a sua palavra e sem pedir uma explicação da serpente, e a condena
imediatamente. Nem o homem nem a mulher são punidos sem antes receberem uma chance
de se explicarem diante de Deus. No entanto, a serpente é condenada sumariamente, sem ter
uma oportunidade de falar.
É uma característica importante da narrativa em Gênesis, o escritor não responde a
todas as perguntas feitas. O organizador deste material, ou não sabe, ou não deseja especular
sobre a serpente, e o seu conhecimento da ordem de Deus para a humanidade, ou do por que
Deus não pede nenhuma explicação de seu comportamento. Essas lacunas narrativas são
sugestivas, e nada mais do que isso. No entanto, o prólogo de Jó trabalha em procurar
responder a estas perguntas como um midrashe, tendo Gn 3 como seu ponto de partida.
O texto de Jó 1-2 torna-se um midrashe em torno das lacunas de Gn 3. Do ponto de
vista do escritor no prólogo de Jó, a serpente teria sido enviada pelo próprio Deus para testar
a humanidade. O conhecimento secreto da serpente a respeito do mandamento de Deus teria
vindo do próprio Deus.
A serpente provavelmente não poderia ter se sentida compelida a fugir de Deus, pois
ela teria sido comissionada por Deus. Deus não interrogara a serpente, já que sabia do seu
papel. Essa releitura do Gn 3 através dos óculos do escritor ao trabalhar o prólogo pode ser
corroborada por outras tradições bíblicas. Em 1 Reis 22,19-23189 , por exemplo, é uma outra
narrativa que trata com os mesmos problemas que Gn 3 e Jó 1-2.
Ao contrário do Gn 3 que nem sequer tenta resolver as tensões, ambos os textos de 1
Reis 22 e Jó 1-2, a imagem é que Deus deliberadamente usa seres intermediários na tentativa
de enganar ou testar os homens. Os dois últimos textos apresentam uma resposta explícita às
189
“Miquéias retrucou: "Escuta a palavra de Iahweh: Eu vi Iahweh assentado sobre seutrono; todo o exército do
céu estava diante dele, à sua direita e à sua esquerda. Iahwehperguntou: 'Quem enganará Acab, para que ele
suba contra Ramot de Galaad e lápereça?' Este dizia uma coisa e aquele outra. Então o Espírito se aproximou
ecolocou-se diante de Iahweh: Sou eu que o enganarei, disse ele. Iahweh lhe perguntou: E de que modo?
Respondeu: Partirei e serei um espírito de mentira na boca de todosos seus profetas. Iahweh disse: Tu o
enganarás, serás bem sucedido. Vai e faze assim. Eis, pois, q ue Iahweh infundiu um espírito de mentira na
boca de todos esses teusprofetas, mas Iahweh pronunciou contra ti a desgraça ”.
37
Em torno do sexto século surge uma influente interpretação sobre a doença. Pode ser
entendida como uma justa expressão da vontade punitiva de Iahweh diante da desobediência
humana, frente uma nova confrontação onde aparentemente Deus não se utiliza mais
somente do mecanismo da retribuição. Como explicar a enfermidade e os diversos males que
acomete “um homem íntegro e reto como Jó o fiel servidor de Iahweh e que teme a Deus e
se guarda do mal” (Jó 2,3)? Pouco a pouco se vê uma explicação dentro da intervenção de
novos atores: as entidades maléficas.
O protótipo deles é – o Satan/adversário, que surge no prólogo do livro de Jó. Onde
se entende que sua margem de atuação é limitada, na medida em que ele age com a
autorização de Iahweh. O redator apresenta este Satan/adversário como um personagem que
dentre outras coisas retorna diante de Iahweh depois de rodear a terra e circular livremente
sobre ela (Jó 1,7 e 2,2), sem dúvida o título “enviado” de Iahweh e o mesmo que de outras
entidades, isso não exclui de modo nenhum a complicada afronta diante da vontade Iahweh,
a exemplo de outros instrumentos que foram Nabucodonosor e Ciro. É apresentado como
um inquisidor das motivações humanas dentro da relação a Deus, não obstante com uma
restrição, a saber, a respeito da vida de Jó (2,6), que o Satan/adversário tem autoridade para
dispor dele, e isso se expressa ao infligir-lhe uma doença “desde a planta dos pés até o alto
38
intervenção. Contudo, existe uma forte possibilidade que dentro da caminhada do exílio da
Babilônia, o grupo de entidades maléficas incluiu o personagem Satan/adversário.
Pode-se concluir dizendo que estudos atestam190 que certamente as malvadas
divindades, conhecidas em Ugarit e dentro de outras cidades cananeias, atualizaram estas
novas contribuições dentro da explicação da doença em Israel. Com efeito, se no TM (Texto
Massorético) habita a existência de entidades abertamente hostis aos homens, certos termos
hebraicos deixam entender que o povo reconhece oficiosamente que certas entidades são
causadoras destas doenças. Assim, p. ex. a menção de um vocábulo Reshef
(febre/destruição) se repete 7 vezes dentro do TM. Sua interpretação está sujeita a discussão,
mas, o termo sempre é tratado como estando associado a outras duas palavras que se referem
a uma terrível doença – déber (peste) e Qéthéb (praga). A luz de tais indícios, é pertinente
considerar a interpretação da doença em Ugarit que deixou influências em Israel, uma
cultura politeísta onipresente.
190
CACQUOT, A. Os textos cananeus. In: BARUCQ, A. e outros. Escritos do Oriente Antigo e fonts bíblicas.
São Paulo: Paulinas, 1992.
40
Iahweh, o sucesso estaria sempre garantido. Mas, há outros elementos no texto que irão
traçar outra teologia com considerações dualistas.
Na apresentação da teologia anterior foi deixado de fora partes dos textos em Jó 1-2,
que agora aqui farão maior sentido. Deixemos que o próprio texto nos posicione quanto a
uma possível Teologia do Templo Dualista.
Em Jó 1,4-5, surge uma informação importante, os filhos e filhas banqueteavam, mas
quando a festança acabava o pai deles (Jó) tinha a preocupação de santificá-los e oferecer
sacrifícios. Talvez ele fazia uma ‘expiação’ por eles (Jó 1,5 - étAl[o hl'[ä /h,w>)
191
, já que havia
Parece que por causa deste fato as coisas foram de mal a pior. Em Jó 1,14-15, os
sabeus mataram os servos e rapinaram os bois e as mulas; em Jó 1,16, o fogo de Iahweh
queimou as ovelhas e os pastores, em Jó 1,17, os caldeus surrupiaram os camelos e mataram
o restante dos servos; e para finalizar essa primeira seção de horrores, em Jó 1,18-19, um
furacão fez desabar a casa em que todos os filhos estavam banqueteando, a conclusão foi
que todos morreram. A segunda parte do massacre ficou descrita em Jó 2,7, ele é acometido
por uma doença terrível.
Entende-se que os filhos-de-Elohim/oriente e Satã que surgem em Jó 1,6 – 2,1, nos
parece ser as figuras dos Babilônicos, Persas e Assírios, os primeiros mais tolerantes e os
segundos extremamente carniceiros. Mas, não nos ocuparemos com eles.
Assim, alguns (bem entendido) dos pós-exilados, pertencentes ao templo passaram a
ver o mundo, numa possível Teologia Dualista, numa aparente confusão. Ora estaremos
bem, ora mal, levados pela sorte, mesmo fazendo o bem. Para isso ser esclarecido, será
preciso estudar agora o que era a Teologia da Retribuição.
191
LXX - kai. prose,feren peri. auvtw/n qusi,aj
192
LXX -peri. a`marti,aj
41
Em 539 a.C., Ciro era rei dos persas e medos; depois de 539 a.C. também se tornou
rei da Suméria, de Acade, da Babilônia e das quatro regiões do mundo. Donner 193 afirma que
Ciro não conquistou o Egito, porque ele faleceu antes, e o Egito foi anexado posteriormente.
193
DONNER, Herbert, História de Israel e dos povos vizinhos – Da época da divisão do reino até Alexandre
Magno, São Leopoldo, Petrópolis, Sinodal/Vozes, vol.2, 2000, p.449-450.
42
Com isso, os persas reinavam desde a primeira catarata do Nilo até a Ásia Menor Ocidental
e até o Indo.
Ao pesquisar o ano 539 a.C., descobriu-se que aconteceu a batalha decisiva que
culminou com a queda da Babilônia. Esta batalha deu-se em Opis, sobre o Tigre. Ciro, que
desde o ano 549 a.C. tornara-se rei dos medos e persas, entra triunfalmente na cidade e é
recebido como um libertador. Depois dos horrores praticados durante séculos pelos assírios
e babilônicos, os persas surgiram como uma nova esperança para os povos subjugados. Os
judaítas festejaram Ciro como “ungido” de Yahweh (Is 45). Realmente a tolerância, passou
para a história como uma de suas principais características. Ciro procurou respeitar os
costumes, as tradições e a religiosidade dos povos dominados. Então, para demonstrar essa
posição, o próprio Ciro apresentou-se na Babilônia como o eleito de Marduc, em Ur como o
enviado de Sin, como executor das ordens de Yahweh.
Os sucessores de Ciro procuraram manter essa forma de se fazer política. Não
queriam repetir os mesmos erros dos assírios e babilônicos que dominavam através de
saques, destruições, deportações enfim, um duro regime que visava eliminar os costumes e
as tradições dos povos dominados. Estes buscaram basear sua política na tolerância e não na
violência. Também não almejavam conseguir a unidade do império por meio de devoção
num deus protetor.
Logo no primeiro ano de seu reinado (538 a.C.), Ciro decretou a restauração do culto
e da comunidade Judaica. Autorizou a volta dos exilados judaístas e a reconstrução do
templo (Esd 1,2-4), com despesas pagas pelo tesouro real. Mandou devolver todos os
objetos do Templo (Esd 1,9-11) que haviam sido levados por Nabucodonozor. Estes objetos
foram trazidos por Sasabassar, príncipe de Judá (Esd 1,8), também chamado de Senasser (I
Cr 3,18), considerado descendente davídico.
Ciro reinou de 539 a 529 a.C., com ele teve inicio a dominação persa sob a direção
dos Aquemênidas. Fundou Pasárgada para sua capital e lá construiu imensos palácios,
morreu em campanha junto ao Mar de Aral.
Seu filho e sucessor Cambises (529-522 a.C.), volta-se para a expansão do império
em direção do Ocidente. Conquista o Egito e é acusado de ter desrespeitado os santuários
locais, embora alguns autores pensem que essas acusações sejam exageradas, pois o Templo
43
dos judaístas em Elefantina foi ocupado. Cambises morreu perto de Carmel, quando voltava
para a Babilônia.
Dessa época, podem-se encontrar informações sobre Judá na terceira parte do livro
de Isaías (Is 56,8; 57,5.11; 64,9; 65,3.4). a região da Judéia, depois de 17 anos, continuava
praticamente abandonada.
Com a morte de Cambises, quem ocupa o trono é Dario I (522-485 a.C.), filho de
Histaspe. Cazelles194 vai afirmar que ele pertencia a um segundo ramo dos Aquemênidas e
havia acompanhado Cambises no Egito. Durante o seu reinado ocorreram muitas revoltas
por quase todo o império. Dario passou uma grande parte de seu governo em campanha,
mesmo assim, construiu grandes obras, tais como: seus monumentos em Persépolis e em
outras localidades, o canal unindo o Nilo ao Mar Vermelho, o complexo rodoviário, amplas
reformas legais, o aperfeiçoamento de um sistema padronizado de moedas, entre outras. Mas
fracassou na sua campanha mais ambiciosa, a conquista da Grécia.
Em 520 a.C., Zorobabel é enviado a Judá com missão de aplicar o decreto de Ciro,
acrescidos de disposições de Dario (Esd 6,6-12). O templo só seria concluído em 515 a.C.,
no vigésimo terceiro dia do mês de Adar (Esd 6,15). Mas, já não há citação de Zoroabel, este
é mencionado até o ano de 518 a.C.
O sucessor de Dario foi seu filho Xerxes (486-465 a.C.), que não foi considerado um
bom governante, se comparado a seu pai. Logo de inicio teve de enfrentar uma revolta no
Egito que havia começado antes da morte do pai. Tratou com severidade a babilônia, depois
que esta tentou revoltar-se. Depois disso, voltou-se para a invasão da Grécia. Inicialmente,
obteve sucesso, mas com o tempo foi derrotado. Xerxes foi assassinado em 465 a.C.
Artaxerxes I Longimanus, filho mais jovem de Xerxes, afastou o legitimo herdeiro e
assumiu o poder do império. Governou durante quarenta e um anos (465-424 a.C.), em meio
a muitas revoltas. Já em 460 a.C. ele teve de enfrentar uma rebelião no Egito, sob comando
de Inaros, talvez fosse descendente dos reis saitas da 26ª dinastia. Donner 195 revela que este
recebeu auxilio da frota ateniense, que estava ancorada em Chipre. Logo o Baixo Egito
estava livre das tropas persas, que se concentraram em Mênfis. Em 456 a.C., o exército
persa, sob o comando de Megabizos, sátrapa de Abar-Nahara entra no Egito e ainda enfrenta
a resistência até 454 a.C., quando derrota e expulsa os atenienses, prende Inaros, que levado
para a Pérsia foi crucificado. Megabizos tornou-se sátrapa de Transeufrates, mas em 448
194
CAZELLES, HENRI, História Politica de Israel: desde as origens até Alexandre Magno, São Paulo, Paulus,
1986, p215.
195
Cf DONNER, Op cit, p.452.
44
a.C., revoltou-se contra o poder central. Não se tem muito claro as razões e por quanto
tempo se deu essa revolta. O resultado foi um acordo entre Megabizos e Artaxerxes.
Em 431 a.C., iniciou-se a guerra entre Atenas e Esparta; tanto uma quanto outra
pediram ajuda à Pérsia. O império persa, com o propósito de enfraquecer ambos os lados,
ora ajudava Atenas, ora Esparta, conseguindo sair ileso na Ásia. Firmando um documento de
paz em Cálias (449 a.C.).
A partir do século V a.C. já se percebia as consequências das politicas impostas aos
povos subjugados, embora o fim do império ainda estivesse distante, as relações entre as
diversas regiões haviam piorado substancialmente.
Quanto à situação de Judá nesse período, haverá mais detalhes a seguir. Mas vale
dizer que, sob o reinado de Artaxerxes, começaram a aparecer nomes judaicos em contratos,
especialmente os arquivos dos Murachu de Nipur, a partir de 455 a.C. Cazelles 196 ainda
afirma que os arquivos dão testemunho da instalação de judaístas em 27 localidades dos
distritos da região.
Após a morte de Artaxerxes I, seu filho Xerxes II sobe ao trono em 423 a.C., mas é
assassinado após 45 dias de reinado e quem assume o poder é Dario II (423-404 a.C.), e
aproveitando-se da rivalidade entre Atenas e Esparta, conseguiu firmar ainda mais seu
domínio sobre a Ásia Menor.
Com a morte de Dario II, o novo rei é Artaxerxes II (404-358 a.C.). O império passa
por uma grave crise. O Egito revolta-se e se torna independente. Do lado ocidental acontece
a “Revolta dos Sátrapas”, que estavam descontentes com o pesado tributo imposto pela
coroa.
Sob o governo de Artaxerxes III ( 358-338 a.C.), o império parecia estar se
reerguendo novamente. Sufocou as revoltas em todas as partes e reconquistou o Egito.
Artaxerxes III morreu envenenado. Foi sucedido por seu filho, Arses (338-336 a.C.), que
como seus irmãos, também foi assassinado.
Seu sucessor foi Dario III (336-331 a.C.), foi assassinado pelo sátrapa Besso, que
assumiu o trono com nome de Artaxerxes IV. Com a morte de Dario III e a ascensão de
Alexandre, da Macedônia, o império persa se desintegra. Em 330 a.C. foi aniquilado pelos
exércitos gregos.
196
Cf CAZELLES, Op. cit, p.222.
45
Havia uma estratificação social em Judá nessa época. É importante verificar como
estava organizada a sociedade em Judá nos meados do século V a.C., e como se davam as
relações entre as classes sociais. Antes, porém, é bom lembrar que o exílio babilônico foi
responsável por uma grande diminuição da população em Judá. Muitos foram levados para o
cativeiro na Babilônia, outros fugiram para o Egito ou se dispersaram pelas terras da
Transjordânia, Síria e Fenícia. Os que ficaram na terra foram denominados pelos
historiadores deuteronimistas como “o povo pobre da terra” (2 Rs 24,14; 25,12). Os
babilônios não introduziram populações estrangeiras em Judá, como fizeram os assírios no
norte. Mas, as terras vazias eram um convite para outros povos vizinhos, como os edomitas,
amonitas, moabitas e até mesmo samaritanos. Aqui já se podem distinguir dois grupos. Os
judaístas, remanescentes da deportação, e os povos estrangeiros que viviam próximos ou
mesmo integrados aos judaítas.
Sabe-se que grande parte dos exilados não retornaram após o decreto de Ciro,
regressaram aos poucos, os primeiros vieram com Sesbazar em 538 a.C., outros retornaram
com Zorobabel em 520 a.C., e mais tarde regressaram outros com Neemias. Como já foi dito
anteriormente, Neemias tem como missão reconstruir os muros de Jerusalém, povoar a
cidade e tomar medidas necessárias para organizar e assegurar o domínio do corredor siro-
palestinense. Para tanto, não recebeu apenas aval politico, mas também incentivos
econômicos, o império persa injetou dinheiro na economia da região. Houve nessa época um
aquecimento econômico, o que pode ter colaborado para o aparecimento de uma elite em
Jerusalém.
Em Neemias (5,10) pode-se ver que ele estava cercado por homens que possuíam
riquezas, e que a exemplo do próprio Neemias emprestavam dinheiro aos pobres. Essa elite
governava e controlava a economia. Enquanto que o estado de pobreza em que se
encontravam a maior parte da população levava ao endividamento e a escravidão. O capítulo
5 de Neemias é um bom exemplo de como era a relação entre as classes sociais, também se
pode concluir que havia dois grandes grupos conflitantes, os que representavam a elite de
Jerusalém e os camponeses. De um lado estava o povo e do outro os judeus, isso quer dizer
que o termo “judeu” neste livro, não se refere a qualquer judaísta, mas a alguém que
pertence a uma elite, que provavelmente estava ligado ao governo, em Neemias (2,16) fica
claro que os judeus, nobres, magistrados e sacerdotes faziam parte de uma elite que se
organizava em torno do governador. Todos eles interessados em manter o sistema; o
46
governador, porque representava o poder persa, o sumo-sacerdote porque era indicado pelo
rei, os funcionários do Templo porque serviam lealmente ao império e os ricos porque se
beneficiavam cada vez mais com essa politica econômica.
Ao império persa interessava integrar a região na estrutura imperial, para isso era
necessário um aumento na produção e o desenvolvimento do comércio. Essa mudança na
economia voltada para o mercado externo, fez com que a produção se concentrasse em
algumas culturas, em detrimento de alimentos voltados para a subsistência da população.
Esta por sua vez além de ter de produzir, visando entrar no mercado e conseguir moeda para
o pagamento do tributo, também tem de se preocupar em ganhar para comprar alimentos.
Os tributos eram muito altos, por exemplo, a midah era uma taxa per capta no valor
de 40 siclos de prata, cerca de 460 gramas de prata: pouca coisa para quem era rico, mas
altamente empobrecedora para quem já era pobre. Gallazzi197 mostra que somente o grupo
sacerdotal estava isento de qualquer imposto (Esd 7,24).
O próprio estabelecimento de um governo e funcionários significava mais um
encargo para os camponeses, pois é sobre eles que recai a obrigação de sustenta-los. Pode-se
dizer que havia uma barreira física entre essas duas classes, além da barreira social, pois o
muro de Jerusalém permitiu a criação de uma capital e possibilitou a ascensão de uma
província, nessa cidade ficavam protegidos os que faziam parte da elite e do lado de fora,
sem proteção, ficavam os camponeses. Também por estar situada numa região que servia
como caminho para o Egito, certamente o exército buscou em Judá suprimentos para suas
tropas.
O conflito econômico estava tão grave que atingiu até a desestruturação da família.
Pode-se verificar essa situação em Neemias (5). Os versos de 1-5 expõem a situação de crise
na comunidade. A queixa não é de uma dominação externa, mas entre os próprios judaístas.
A opressão interna através de três grupos de locutores. O primeiro afirma que suas famílias
são numerosas e não tem o que comer (v2). O segundo teve que penhorar suas casas, bem
como os meios de produção, campos e parreiras, para conseguir alimentos (v3). O terceiro,
foi obrigado a pedir dinheiro emprestado para o imposto do rei (v4). Este estado de pobreza
e endividamento mostrava que socialmente Judá estava enfrentando uma desintegração das
famílias, pois os endividados eram obrigados a entregar seus filhos e filhas a escravidão.
197
GALLAZZI, Sandro, Nunca descuidaremos da casa do nosso Deus (Ne 10,40). Aspectos da economia do
segundo templo, em Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana, n.30, Petrópolis, 1998, p.127.
47
simplesmente desaparece da história. Dessa forma, Judá fica sob a autoridade do sumo
sacerdote Josué e seus sucessores até a vinda de Neemias.
Nessa época, o rei era Artaxerxes I, que governou durante 41 anos (465-424 a.C.).
Neemias era copeiro do grande rei, quando recebeu péssimas notícias de Judá, trazido por
um de seus irmãos, o nome Hanani. Este o informou que o povo passava por grande miséria,
que os muros de Jerusalém ainda estavam em ruinas e suas portas queimadas. Preocupado
com tal situação, e gozando da confiança de Artaxerxes I, Neemias consegue ser enviado a
Jerusalém, com uma missão bastante difícil. Deveria reconstruir os muros de Jerusalém,
povoar a cidade e tomar medidas necessárias para organizar e assegurar o domínio do
corredor siro-palestinense, em especial a parte meridional da Palestina, que era o corredor de
passagem entre a Mesopotâmia e o Egito.
Diante do poder recebido por Neemias e levando-se em consideração o tempo que
permaneceu em Jerusalém, vários autores chegam a conclusão que ele não era apenas um
comissário persa de reconstrução, mas foi o governador de uma nova província. Judá com
sua própria administração separa-se da Samaria, tornando-se uma província ligada
diretamente ao império. Kippenberg198 se refere a Judá, como a província da Judéia no reino
persa.
O período imediatamente posterior ao exilio parece ter sido, em alguns aspectos
quanto à situação das mulheres, semelhante à época pré-estatal, mais a frente discorreremos
sobre esse assunto no capítulo 3.
O colapso da monarquia e do templo reabre, por um breve tempo, espaços de
liberdade. Papeis sociais precisam ser definidos de modo novo e diferente. A volta dos/das
exilados/as da Babilônia, possibilitada pelo decreto de Ciro, causa problemas que em alguns
aspectos não devem ter sido diferentes daqueles depois da reunificação das duas Alemanhas.
As situações de propriedade precisam ser ordenadas novamente; os/as repatriados/as,
legitimados/as por genealogias (cf. Ne 7), reclamam sua casa e sua terra, onde há muito
tempo vivem outras famílias. Novas casas precisam ser construídas. Uma seca em 520 a.C.
agrava a situação dramaticamente. Além disso, existe um desnível social entre os/as
remanescentes e os/as israelitas da golah (grupo do desterro),que não voltaram de mãos
vazias. É possível que as descrições dramáticas de miséria e desabrigo dos/das pobres em Jó
198
KIPPENBERG, Hans G. Religião e formação de classes na antiga Judéia: estudo sociorreligioso sobre a
relação entre tradição e evolução social. São Paulo, Edições Paulinas, 1998, p42.
49
(24.2-14 e 30.2-8) descrevam essa situação depois do exilio199 . A terra esta sob a dominação
persa; as duas províncias Judá e Samaria, administradas por governadores.
199
SCHROER, Silvia, SCHOTTROFF, Luise, WACKER, Marie-Theres, Exegese Feminista. Resultados de
pesquisas bíblicas a partir da perspectiva de mulheres. Tradução de Monika Ottermann. São Leopoldo/São
Paulo.Sinodal/ASTE. 2008. p126.
200
Cf. SCHROER, p126.
50
Só que por trás dessa aparente bondade, respeito e até incentivo à restauração e
manutenção dos cultos locais, está uma eficiente politica de dominação. Através da
ocupação das zonas rurais, do desenvolvimento comercial, da militarização, da codificação
das leis nativas e da manutenção dos cultos dos povos subjugados, exerciam o poder com
austeridade.
O tributo era o mecanismo através do qual o império sugava uma parte da vida do
povo. Mas a relação entre o império e o povo era intermediada pelo Templo de Jerusalém. O
Templo arrecadava os produtos agropecuários dos camponeses, ficava com uma parte para si
e vendia a outra parte para pagar o Tributo aos persas. O estabelecimento de uma dupla
tributação: Tributo ao império persa e Tributo para o Templo de Jerusalém foi a principal
causa do empobrecimento do povo nessa época 201 .
201
DIETRICH, Luiz José. O Grito de Jó. Ed. Paulinas – 1996/SP, p19-20.
202
DE VAUX, R., Instituições de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Teológica, 2003, p425.
203
Ibdem, p425.
51
Deve-se notar aqui que são, “sobretudo as mulheres” que protestam. Um pouco
mais adiante no outro capítulo, esse fato será comentado. O povo que clama pode ser
separado em três grupos. O primeiro grupo teve de penhorar os próprios filhos e filhas para
obter alimentos. O segundo teve de hipotecar suas terras para escapar da fome e o terceiro é
o grupo daqueles que por não terem conseguido obter moedas para o tributo foram obrigados
204
Ibdem, p436.
52
a vender suas filhas e seus filhos como escravos. A Teologia do Templo (Retribuição) queria
que eles tivessem a paciência de Jó, aceitassem tudo e ficassem calados.
Com relação ao império Persa, pode-se dizer que houve uma nova ideologia de
dominação, a tolerância e a liberdade com que tratavam a religião dos povos dominados.
Com esta tática de dominação, eles teriam vassalos agradecidos. Tratando-se de Judá, havia
pelo menos dois interesses, além da cobrança de tributos. O primeiro era a posição
estratégica de Judá, pois os Persas tinham um grande interesse no Egito. O segundo, era a
reconstrução do templo de Jerusalém, para eles muito mais interessante do que a da cidade
(2 Cr 36,23; Esd 1,3), pois era através do templo que seriam canalizados todos os tributos
para o império. E como o templo pertencia ao povo, deveria ser mantido diretamente pelo
povo. A solução encontrada para manter a unidade do povo em torno do templo e de seus
interesses, foi a Torá, a vida de todos se ligaria à lei. No pós-exílio, a classe sacerdotal
regulamentou todos os setores da vida a partir da Lei.
Segundo Gallazzi205 , “no centro de tudo estava o sumo sacerdote, como novo
“príncipe” político; a terra será “reservada para Deus” e administrada pelo templo e o altar
será a justificativa teológica de uma nova forma de tributarismo”.
Ao redor do altar, cria-se um complexo processo para conseguir ofertas, garantindo
assim o constante abastecimento da mesa dos sacerdotes e do armazém central. A lei da
“pureza e do impuro” foi uma das principais responsáveis pela manutenção do templo. A lei
do “puro e do impuro”, como também se pode chamá-la, é que determinava quem estava
perto ou longe de Deus. Quanto aos alimentos puros e impuros podemos encontrar
informações em Levítico (11) ou Deuteronômio (14,3-21); sobre a lepra (Lv 13-14), sobre a
impureza dos mortos (Nm 19,13-16), quanto à atividade sexual (Lv 12), menstruação,
hemorragias, doenças venéreas e relações sexuais (Lv 15), sobre adultério (Lv 18,20) e sobre
relações com animais (Lv 18,23).
Quem mais sofria com a rigorosa aplicação dessa lei, eram as mulheres, pois a lei da
pureza considerava a mulher impura pelo simples fato de ser mulher (Lv 15,19-30), por ser
mãe (Lv 12,1-8), por ser esposa (Lv 15,18) e por ser filha (Lv 12,1-8). Só as mulheres,
garantiam ao templo através dos ritos de purificação uma arrecadação regular desde os doze
anos até a sua menopausa.
O sacerdote assume para si o poder de controlar as consciências, sujeitando-as e
usando o “pecado por inadvertência” como instrumento de dominação. Não precisa ser um
205
GALLAZZI, Sandro, Nunca descuidaremos da casa do nosso Deus (Ne 10,40). Aspectos da economia do
segundo templo, em Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana, n.30, Petrópolis, 1998, p.59.
53
pecado grave, basta ser uma transgressão contra qualquer um dos mandamentos de Yahweh
(Lv 4,2.13.22.27). Basta tocar “qualquer coisa impura” (Lv 5,2) ou “qualquer impureza
humana” (Lv 5,3), basta esquecer-se de um juramento (voto/promessa?) feito (Lv 5,4)206 .
O perdão passa a ser coisificado, não passa por um processo de conversão. Paraobter
o perdão e se purificar basta oferecer o sacrifício, celebrar corretamente o ritual e pronto,
num passe de mágica todos os pecados estariam perdoados. Assim, quem tem mais dinheiro,
sempre estava numa situação privilegiada, podendo contar com o perdão divino através dos
sacrifícios. Sendo assim, ao pecado e à sua expiação está ligado o interesse imediato da
classe sacerdotal dominante. O sistema de pureza e de impureza era o sustentáculo de toda a
sociedade do segundo templo.
Depois do exílio na babilônia, Israel já não tinha reis. Quem governava o povo eram
os sacerdotes, que com Neemias e Esdras receberam dinheiro e poder dos persas para
reconstruir e repovoar Jerusalém. Dietrich afirma que os sacerdotes reorganizaram o país a
partir da reconstrução do Templo. É também a partir do Templo que os sacerdotes vão
exercer e legitimar a concentração do poder em suas mãos. Em Ezequiel (44,5-31) há toda
uma “mística dos sacerdotes” que foi desenvolvida nesta época. Esses sacerdotes ficarão no
poder por mais de 500 anos.
A partir desse momento, se fortalece a crença de que a riqueza era um sinal da
benção de Deus. Esta crença manteve-se até os tempos de Jesus. Seus discípulos ficaram
muito espantados quando ele lhes disse que era muito difícil um rico entrar no Reino de
Deus. E atordoados, com esta afirmação de Jesus, perguntaram: “mas se os ricos não entram,
então quem é que vai entrar”? (Mc 10,23-27). Para eles, influenciados pelos sacerdotes do
pós-exílio, os mais puros eram os mais ricos. Os impuros eram os pobres e doentes. Antes o
sinal da benção de Deus era a terra (Gn 12,1), agora o sinal da bênção de Deus é a riqueza.
Consolidava-se assim a “Teologia da Retribuição”.
2.1.6 - Conclusão
207
ALBERTZ, Rainer. Historia de la religión de Israel en tiempos del Antiguo Testamento, volumen II, Desde el exilio
hasta la época de los Macabeos. Traducción de Dionisio M ínguez. Editorial Trotta, 1999, pp. 567-588.
55
homem sábio juntamente com Noé e Daniel (Ez 14,14). Ninguém mais sabia direito desde
quando ela era contada. Dietrich208 afirma que talvez esta história nem tenha nascido na
Palestina, pois Jó é apresentado como sendo estrangeiro, de Hus (1,1). Aliás todas as
localidades citadas no livro são de difícil localização, o que lhe dá um caráter universal e
ecumênico. Histórias semelhantes a essa faziam parte da cultura e sociologia do Egito,
Edom, e dos Árabes. Afinal de contas a experiência do sofrimento é uma experiência de
todos os povos.
A Teologia da Retribuição tem sua base numa lógica de causa e efeito. A lógica que
a anima não é exclusivamente hebraica ou própria do pensamento bíblico, mas tem lançado
suas raízes nas mais antigas iniciativas do ser humano de autocompreensão e de
compreensão do mundo que o cerca e das suas angústias quanto à morte e ao futuro.
Lindez209 vai afirmar que essa lógica é identificada já nas civilizações antigas, ao se deterem
seus sábios na observação da natureza para entender como funcionam os elementos que
compõem o universo. A partir da compreensão do esquema de causa e efeito, interpretava-se
o mundo e o ser humano – suas ações e respectivas conseqüências – e as intervenções do
sagrado na história.
Os primeiros indícios da chamada Teologia da Retribuição podem ser identificados
no âmbito da sabedoria antiga, desde sua fase oral ou pré-literária, presente nas sociedades
mais antigas da humanidade. Algumas formas mais sistematizadas ganharam corpo no
âmbito das antigas escolas, como fruto das experiências e intercâmbios com outros povos.
Tal sabedoria desenvolveu-se e se impôs como tradição sapiencial no Oriente Antigo 210 .
Posteriormente, será assumida e teologizada em Israel, sob a égide da fé em Yahweh.
A aplicação indiscriminada da regra de causa e efeito produziu um esquema rígido
que, ao ser referido à questão da forma como ocorre a distribuição da justiça divina,
condicionou a relação Deus-homem-Deus a um mecanicismo invariável, a ponto de esse
esquema tomar refém o próprio Deus. Por força de tal condicionamento, as ações divinas
208
DIETRICH, José Luiz, O Grito de Jó. Editora Paulinas.São Paulo/Sp.1986. p11.
209
Povos dos Orientes Próximo e Médio incluindo-se, obviamente, a Palestina, cf. LINDEZ, J.V. Sabedoria e
sábios em Israel. São Paulo: Loyola, 1999. p.59.
210
Cf. Ibidem. p. 32-36.
56
Ziener211 mostra que antes de ser denominada Teologia da Retribuição, ela era
conhecida como a doutrina da retribuição que antes mesmo de ser assumida pela teologia de
Israel como forma de explicar a distribuição da justiça divina, já estava presente na
sabedoria das civilizações antigas do Crescente Fértil. Pode-se, assim, inferir que a
sabedoria antiga foi o útero no qual se gerou a doutrina da retribuição e seu
desenvolvimento pode ser traçado desde a literatura egípcia e mesopotâmia antigas até a
bíblica.
Para se ter idéia de como a doutrina da retribuição chegou a se constituir categoria
teologal, alguns teólogos212 propõem-se aqui acompanhar seu percurso, desde o nascedouro
211
“Sabedoria, como ciência adquirida mediante acurada observação e reflexão sobre os dados da experiência,
cujo objeto são as leis divinas que governam o mundo, às quais o homem deve se submeter se quiser ter
sucesso e felicidade na vida” (Cf. ZIENER, G., A sabedoria do Oriente Antigo como ciência da vida. Nova
compreensão e crítica de Israel à sabedoria in: SCHREINER, J. (ed.). Palavra e mensagem do Antigo
Testamento. São Paulo: Teológica – Paulus, 2004. p.381).
212
NARDONI, E. “La justicia en el Egipto Antiguo”, Revista Bíblica, 56, Nueva Época 53, 1994. p.193-217;
DE VAUX, R. Instituições de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Teológica, 2003. p.198; ZIENER, G., A
57
na visão de mundo egípcia do ma’at (direito, retidão, ordem), passando pela transposição
para o contexto de Israel e conseqüente teologização, até sua refutação em Jó. Tal percurso
pretende ainda explicitar a intensidade da influência que essa doutrina exerce na teologia
cristã, até hoje.
extra-bíblica
Como sujeito histórico, o povo de Israel não se construiu isolado em seu tempo e, por
isso, é preciso que pergunte pelos traços da Teologia da Retribuição presentes na cultura e
na tradição religiosa e sapiencial de outros povos de tradições mais antigas, fora de Israel.
Civilizações surgidas nas e entre as duas extremidades da chamada Meia Lua do Crescente
Fértil que construíram um poderoso círculo civilizatório ao redor do deserto da Arábia,
abrangendo a Palestina e a Síria mediterrânea. Babilônios e egípcios, principalmente, estão
dentre os povos circunvizinhos ou anteriores à instalação dos israelitas em Canaã e que
exerceram forte influência na cultura e sabedoria popular do povo de Yahweh.
Tais civilizações produziram farta literatura, datada do II e III milênios a.C. São
documentos ricos em conteúdo sapiencial, dentre outros assuntos, sobretudo aquele que
interessa a este estudo: a presença da doutrina da retribuição, ou seja, a compreensão da
forma de punição ou recompensa por parte dos deuses aos seus servos humanos. Pode-se
denominar essa fase de primeiro estágio, no qual a doutrina se apresenta plasmada na forma
de sabedoria primitiva, que visa à aplicabilidade direta à realidade, de forma exclusivamente
pragmática. Passa a um segundo estágio, quando sua aplicabilidade se estende a questões de
ética e moralidade à luz da teologia.
No primeiro estágio, caracteriza-se pelo desinteresse em relação ao conhecimento
especulativo e, antes, volta-se para as questões da vida prática, resultado de observações e
experiências que oferecem a compreensão de uma ordem intrínseca existente no mundo. São
as experiências que, de alguma forma, iluminam as questões práticas e do cotidiano, e são
catalogadas para servir de roteiro para a vida, em forma de enunciado. Sinalizam o caminho
(o melhor caminho) que se deve tomar para se afastar dos perigos que ameaçam a vida (o
sabedoria do Oriente Antigo como ciência da vida. Nova compreensão e crítica de Israel à sabedoria in:
SCHREINER, J. (ed.), Palavra e mensagem do Antigo Testamento. São Paulo: Teológica – Paulus, 2004.
p.193-215.
58
mais temível de todos, a morte)213 , e encontrar a direção unívoca para a vida realizada: “O
ensinamento do sábio é fonte de vida, para evitar as ciladas da morte” (Pr 13.14) e “O
caminho da vida leva o homem prudente para o alto, desviando-o do Sheol, embaixo” (Pr
15.24).
No segundo estágio, sob o influxo da fé em Iahweh, a compreensão da ordem
intrínseca existente no mundo cresce no sentido ético-religioso214 . A literatura sapiencial
deixa de ser exclusivamente antropocêntrica para ser sabedoria de conhecimento e de
215
comportamento caracterizado pela justiça e pelo temor a Iahweh . Sobretudo no período
do pós-exílio, fé e sabedoria se abraçam:
213
Cf. ZIENER, G. op. cit., p.363.
214
Cf. Ibid. p.370.
215
Cf. Ibid. p.370.
216
Cf Ibid. p.371.
217
PRITCHARD, J. B., Ancient near eastern texts: relatingto the Old testament. Princeton: Princeton
University Press, 1974. pp. 412-414 (ANET); CORDERO, M. G., La Bíblia y el legado Del Antiguo Testament
– El entorno cultural de la história de salvación. Madrid: BAC, 1977. pp. 583-587 (BLAT); LÉVÊQUE, J.,
“Sabidurias del Antiguo Egipto”- Documentos em torno del la Bíblia.10, Estela, 1984. p. 13-22 (SAE).
218
Cf. LINDEZ, J.V. op.cit., p.23.
219
Cf. CORDERO, M. G., op. cit. p.625.
59
Dessas culturas tão antigas e variadas se nutriram os israelitas durante sua longa
história221 , construindo o ethos israelita.
Em Israel, o ma’at foi substituído pela presença e ação direta de Deus, Senhor da
criação, ou, simplesmente pela sabedoria que a tudo invade e penetra (cf. Sr 1.9;
Sb 1.7). Por isso, o homem pode descobrir através de sua atividade sapiencial essa
presença ativa de Deus no mundo (cf. Sb 13.1-9), mesmo reconhecendo o mistério
que a oculta e as fronteiras ou limites da sabedoria 225 .
220
Cf. PRITCHARD, J.B., op. cit. p.604.
221
Cf. LINDEZ, J. V., op. cit. p.27.
222
Cf. De VAUX, R., op. cit. p.178.
223
Cf. NARDONI, E.,op. cit. p.195.
224
Cf Ibidem, p.196.
225
Cf. LINDEZ, J.V., op. cit. p.62.
60
No Sl 19.1, por exemplo, ao dizer que “os céus proclamam a glória de Deus, e o
firmamento anuncia as obras das suas mãos”, o salmista transmite a idéia de que a criação
compõe o cenário através do qual Deus revela sua grandeza. A criação, na perspectiva da
revelação, constitui-se o campo privilegiado, por assim dizer, para o surgimento do ethos
israelita, que observa a ordem que Iahweh estabelece para os seres criados, no contexto
bíblico (cf. Gn 2).
A adequação decorrente dessa ordem (ma’at) existente no universo faz com que o ser
humano passe a ordenar moralmente sua vida, seguindo o modelo observado na criação.
Desprezar tal ordem tornaria a vida insuportável. É o que narra o texto de Gênesis 3, com
Adão e Eva, no Jardim do Éden. A desobediência e desprezo à ordem de Iahweh, ordem que
se faz passar pela criação, “De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do
conhecimento do bem e do mal não comerás (...)” (Gn 2.16 e 17a), trouxe punição em forma
de castigo à mulher (sofrimento nos trabalhos e sofrimento na gravidez, cf. v.16), ao homem
(fadiga e suor para ganhar o pão, v.17), à serpente e a terra (“maldita a terra por tua causa”,
v.17).
Assim, o princípio do ma’at e a estrutura da sabedoria egípcia, que harmonizava o
comportamento humano à ordem da criação, são absorvidos e re-interpretados na
perspectiva teológico-religiosa em Israel, e serão, mais tarde, codificados como doutrina da
retribuição pela escola deuteronomista.
Existem semelhanças e diferenças entre as literaturas egípcias e mesopotâmicas
antigas, principalmente, e a literatura sapiencial bíblica. No que tange às semelhanças,
destaca-se o uso de provérbios, comuns aos israelitas e aos povos antigos; no que tange às
diferenças, à forma específica da revelação divina e à fé de Israel.
Assemelhanças podem ser percebidas em textos como Pr 22.17-23.11. Nestes se
percebe similaridades com o texto da Sabedoria de Amenemope226 , obra escrita
provavelmente por um sábio egípcio. A identificação da interdependência entre os dois
textos é motivo de divergência entre os pesquisadores quanto a textos como O homem e
Deus227 , que parece ter como temática uma variante do tema do justo sofredor de Jó, e no
qual constam ensinamentos e doutrinas em que as desgraças são resultantes dos pecados e
maldades dos seres humanos. Há uma espécie de determinismo ou fatalismo, presente
também no esquema religioso sumério-acádico que destitui a humanidade de qualquer
autonomia e responsabilidade, sujeitando-a, quanto às ações e futuro, às forças superiores,
226
Cf. CHAMPLIN, op. cit. v. 5. 2001. p.484.
227
Cf. PRITCHARD, J. B., op.cit. p.589.
61
228
Cf. CORDERO, M. G., op. cit. p.625.
229
Cf. Ibid.
230
Cf. ZIENER, G., op. cit. p.381.
231
Cf. CORDERO, M. G., op. cit. p.625.
62
povos vizinhos (ou não) para que tais reflexões sejam produzidas. A experiência de cada
povo e de cada pessoa, particularmente, torna-se sua própria fonte de reflexão.
Os diálogos do livro bíblico de Jó são um exemplo disso. Sua originalidade pode ser
explicitada pela dimensão que essa história de sofrimento adquire. Não há paralelos, pois em
relação aos demais relatos sobre o tema, é muito mais vívida e de uma expressividade
superior mesmo ao relato mesopotâmico 232 .
Além de semelhanças e diferenças, a literatura sapiencial de Israel possui elemento
singular que a difere dos demais testemunhos da sabedoria dos povos antigos. A
originalidade de Israel em relação aos demais povos está na Revelação divina que recebeu.
Não só a história de Jó está marcada por essa originalidade, como toda a história do povo de
Israel é reconhecida pela força de sua fé, pois “embora tenha assimilado toda espécie de
influxos oriundos de culturas vizinhas, jamais perdeu seus traços essenciais”233 .
A problematização das questões existenciais é comum a todos os povos,
indistintamente. Todavia, existe em favor da sabedoria israelita esse elemento de distinção
essencial, que se demonstra no processo da revelação 234 de Iahweh ao povo. Assim, “o
Primeiro Testamento não só pressupõe que Deus pode ser conhecido; também afirma
claramente que ele se faz conhecido”235 , como se pode perceber em perícopes como:
Manifestou os seus caminhos a Moisés e os seus caminhos aos filhos de Israel (Sl
103.7).
Apareci a Abraão, a Isaque e a Jacó como Deus Todo -Poderoso; mas pelo meu
nome, o Senhor, não lhes fui conhecido (Ex 6.3).
Então, disse: Ouvi, agora, as minhas palavras; se entre vós há profeta, eu, o
Senhor, em visão a ele, me faço conhecer ou falo com ele em sonhos. Não é assim
com o meu servo Moisés, que é fiel em toda a minha casa. Boca a boca falo com
ele, claramente e não por enigmas; pois ele vê a forma do Senhor (Nm 12. 6-8).
No dia em que escolhi a Israel, levantando a mão, jurei à descendência da casa de
Jacó e me dei a conhecer a eles na terra do Egito (Ez 20.5).
232
Cf. PRITCHARD, J. B., op. cit. p.589-591.
233
Cf. LINDEZ, J.V., op. cit.p.18.
234
Considera-se revelação aqui no sentido de autocomunicação divina, processual e aberta na história: 1) Deus
revelando-se em eventos e no ambiente da história do Primeiro Testamento; 2) Eventos, experiências e
encontros reveladores ocorrendo num longo período, e; 3) O conhecimento de Deus no Primeiro Testamento
como conhecimento mediato, ninguém pode ver a Deus e viver (Ex 33.20). Cf. SMITH, R.L., Teologia do
Antigo Testamento. História, método e mensagem. São Paulo: Vida Nova, 2001.p. 104-105.
235
Cf. SMITH, R.L., Ibid..p.93.
63
Logo que Salomão reestruturou o Estado de Israel pelo modelo dos reinos do
Oriente Antigo, o interesse pela sabedoria se manifestou também em Israel. Causa
disso teriam sido não só a imitação e a aceitação de uma cultura estrangeira e
superior, mas também a necessidade de formar um corpo de escribas e,
principalmente, a influência pessoal do “sábio” Salomão.
Ceresko237 afirma que estudos apontam alguns dos primeiros salmos postos por
escrito provinham dos “círculos dos escribas ligados ao Templo de Salomão”. Mas, ainda
antes da chegada dos hebreus à terra de Canaã, pesquisas mais recentes apontam já existir
algo como uma classe de escribas, o que pode ser demonstrado através das Cartas de
Amarna238 e da existência de uma cidade com o nome de Debir, que significa cidade do
livro ou cidade dos escribas (cf. Js 15.15,49)239 .
Os reis de Israel teriam adotado os modelos administrativos das nações de Canaã,
“importando também escribas egípcios para preencher os quadros administrativos da corte,
ou treinar candidatos nativos”240 . A sabedoria era cultivada na corte. Uma seleção de
provérbios parece comprovar a assertiva, pois se tratam de textos transcritos pelos homens
de Ezequiel, rei de Judá (cf. Pr 25), assim como 2 Samuel, em que se lê: “Então, disse
Absalão a Aitofel: dai o vosso conselho sobre o que devemos fazer” (2 Sm 16.20). Esses
textos explicitam que os reis necessitavam de conselheiros sábios e foi nesse ambiente de
escribas na corte que se cultivou a sabedoria formal em Israel.
A sabedoria surge da observação da criação e da dinâmica da realidade e se estende à
sociedade humana e às relações entre Deus, os seres humanos e o mundo. Seguindo tal
trajetória, “a sabedoria chegou a ser reconhecida como importante componente da religião e
236
Cf. LINDEZ, J.V., op. cit., p.368,369.
237
Cf. CERESKO, A.R., Introdução ao Antigo Testamento: Numa perspectiva libertadora. São Paulo: Paulus,
1996.p.289.
238
As Cartas de Amarna são missivas do séc. XV a.C. enviadas ao Faraó pelos reis e príncipes de cidades da
Ásia Menor. – Cf. CHAMPLIN, R. N., Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. São Paulo: Agnos, 5.ed. v.
6. p. 335.
239
Cf. ZIENER, G., op. cit. p. 368.
240
Cf. CERESKO, A.R., op. cit. p. 289.
64
241
Cf. CERESKO, A.Rop.cit.,p. 290.
242
Cf. Ibid. p.290.
243
STORNIOLO, I.,Como ler os livros dos Reis – da glória à ruína. São Paulo: Paulus, 1992.p.63.
65
244
Cf. RAD, Gerhard von, Sabiduria em Israel: Provérbios, Jó, Eclesiastes, Eclesiástico, Sabiduria. Madrid:
Cristandad, p.248.
245
Cf. BAUER, J. B., Dicionário de teologia bíblica. São Paulo: Loyola, 1973,p. 987.
66
246
Cf. MARTINS TERRA, João Evangelista. Jó. Revista de Cultura Bíblica. São Paulo. V. 25. n. 103-104.
2002. p.19.
247
Cf. LÉVÊQUE, J. et al. “O ensinamento dos sábios – O livro de Jó” (J. Levêque) in: Os salmos e os outros
Escritos. São Paulo: Paulus, 1996. p. 104; LINDEZ, J.V. op. cit. p.138;
248
Cf. LÉVÊQUE, J. et al. op. cit..p. 104.
249
Cf. HABEL, Norman C., The Book of Job. Filadélfia: The Westminster Press, 1985. p.9.
67
Vós dizeis: Os perversos são levados rapidamente na superfície das águas; maldita
é a porção dos tais na terra; já não andam pelo caminho das vinhas [...] Não! Pelo
contrário, Deus por sua força prolonga os dias dos valentes [...] depois, passam,
colhidos como todos os mais (...) (Jó 24.18- 24).
250
Cf. MACKENZIE, R., op. cit. p. 9[1057].
68
254
Cf. POZZO, A. D., “Releitura popular da Bíblia para um mundo possível”: o mundo que Jó não viu.
Estudos Bíblicos. Petrópolis. N. 75. 2002, p.39.
70
econômica e a opressão fizeram parte (presente e constante) da vida tanto das elites, quanto
das pessoas das mais variadas classes sociais, semelhantes à situação encontrada no capítulo
5 de Neemias. As idas e vindas, os altos e baixos cotidianos como experiências de vida
foram abalando os fundamentos rígidos e dogmáticos da doutrina da retribuição como a
única regra possível para se compreender a distribuição da justiça de Iahweh.
A doutrina evoluiu do conceito de retribuição do bem e do mal, cuja aplicação
passou por três estágios: 1) a aplicação terrestre e temporal em termos de coletividade (cf.
Ex 20. 5-6; Nm 16.31-33; Js 7.1-5; 2 Sm 3.2; 21. 1-5; 24. 11-17 etc); 2) a aplicação terrestre
e temporal em termos individuais (cf. Dt 24.16; cf. 2 Rs 14.1-6; Ez 18.33) até os últimos
séculos do período do Segundo Templo; 3) a aplicação espiritual e eterna coletiva e
individual (cf. Dn 12. 1-3; 2). Os dois primeiros estágios já foram mencionados
anteriormente e o último situa-se na primeira metade do séc II a.C., com a crença de que as
sanções ultrapassariam a vida terrena.
Pouco a pouco as experiências da vida, à luz da Revelação, desbarataram a antiga
regra de causa e efeito como forma de explicar o sofrimento ou a felicidade do ser humano.
Constatou-se na prática que nem sempre o ímpio sofre e o justo é recompensado.
Sobretudo, tais questionamentos ofereceram espaço para que Iahweh pudesse se revelar de
maneira mais completa, agora que havia maturidade e capacidade de resposta por parte de
seu povo. No apogeu do desconforto causado pela improcedência e incapacidade da doutrina
da retribuição em dar conta dos desencontros e sofrimentos da vida, mais especificamente,
entre o retorno do cativeiro (início em 538 a.C. – Edito de Ciro) e a invasão grega (330
a.C.), “numa época em que a retribuição individual e terrestre se chocava com insolúveis
dificuldades de ordem experimental”255 , o livro de Jó foi escrito.
Em Jó, a doutrina da retribuição, incorporada pela teologia tradicional, promulgadora
da mensagem de que Iahweh premia ou pune os homens de acordo com o seu
comportamento, será veementemente questionada e mostrará sua face sombria, como uma
teologia que esconde o verdadeiro rosto de Deus.
Numa empreitada nada fácil, o autor (es) de Jó tenta desvendar a verdadeira imagem
de Iahweh, colocando em contraposição personagens distintos: o Jó da moldura do livro
255
MARTINS TERRA, J. E. Op. Cit.,p. 20.
71
(prólogo: caps 1,2 e epílogo: cap 42.7-17), que aceita seu sofrimento submisso a Deus (o Jó
sofredor), “(...) que não é um pecador e não tem necessidade da misericórdia de Deus (...)”
256
, e o Jó do poema, que parece ter entendido o grito de sua mulher (2.9-10) e na seção de
diálogos, se revolta contra o sofrimento, se queixa e desafia Iahweh que lhe dê resposta e
justifique todo aquele sofrimento (o Jó rebelde). Na contraposição entre esses dois Jó (o
primeiro, representando a teologia tradicional da retribuição, e o segundo, representando a
reação à teologia tradicional), surge o que Schwienhorst-Schönberger denomina de tensão
teológica257 , que se desenrola numa novela dramática.
Tudo começa num cenário celestial, quando Iahweh e Satanás resolvem apurar a
integridade religiosa de Jó: se, de fato, sua religião é de pura gratuidade ou não. De um
lado, está Iahweh, que garante não existir quem se assemelhe a Jó: “Porque ninguém há na
terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal” (1.8).
Do outro, está Satã (hassatan), questionando e duvidando da fidelidade de Jó a Deus:
“Porventura Jó debalde teme a Deus?” (1.9). Ocorre uma espécie de aposta entre Iahweh e
Satã. Jó, na terra, é então vitimado com toda sorte de desgraças, que o atingem em todas as
áreas da sua vida. Prostrado e adoecido, ensimesmado num silêncio de reflexão, não sabia a
razão ou a origem de tanta tragédia. Suas forças haviam sido imobilizadas pela dor e pelo
sofrimento. Sobraram-lhe apenas a resignação e a fé, fortemente abaladas, mas guardadas
dentro de si.
Até essa altura da narrativa do trecho em prosa não há nenhuma tensão teológica,
nenhuma crise de fé. No silêncio, Jó se encontrava a sós com Iahweh. A adoração era o seu
alento: “(...) Lançou-se em terra e adorou; e disse: Nu sai do ventre de minha mãe e nu
voltarei; o Senhor o deu e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor! Em tudo isto
Jó não pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma” (Jó 1. 20b-22).
A partir dessa cena do capítulo 1 e 2 se estabelece uma tensão teológica entre o que
se esperava do Jó resignado e o Jó rebelde, que vai ressurgir na figura de sua mulher que
criticou a Teologia da Retribuição (2.9-10), passando assim a ser um homem
inesperadamente consciente, inconcebivelmente crente em Iahweh e reivindicador. O leitor
de Jó vai testemunhar que guardar a fé não significa perder o direito de lamentar, questionar
e reivindicar. Jó resolve abrir sua boca e amaldiçoa o seu nascimento (cf. Jó 3), agindo como
a mulher havia pedido no capítulo 2,9. Assustados com essa lamentação atrevida, seus
256
Cf. STORNIOLO, I.,Como ler o livro de Jó. op. cit. p. 13.
257
Cf. SCHWIENHORST-SCHÖNBERGER, Ludger, "O livro de Jó", in ZENGER, E. et al, Introdução do
Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2003, p.298.
72
amigos, que há sete dias e sete noites faziam-lhe companhia, também em silêncio, reagem
com discursos e réplicas que circulam entre os vértices do triângulo teológico tradicional: a
sorte dos ímpios, a felicidade dos justos e o fato de que nada é puro diante de Deus. Serão
através dos discursos dos amigos que se delinearão os contornos teológicos a respeito de
Iahweh como um Deus que Jó não conhece e rechaça.
Durante o debate poético entre Jó e seus três amigos, por três vezes, eles, Elifaz,
Baldade e Sofar, tomam a palavra, sempre na mesma ordem, e cada um recebe a resposta de
Jó, resultando em três ciclos de discursos que podem ser assim identificados no texto bíblico
canônico: a) ciclo I: Jó 4-14;b) ciclo II: Jó 15-21; e, c) ciclo III: Jó 22-27.
Os discursos dos amigos de Jó fornecem a resposta-padrão que está sendo posta em
dúvida em Jó: O sofrimento é a prova cabal de que há impiedade, pois Deus castiga os
ímpios com o sofrimento e os justos com prosperidade. Para os amigos de Jó, a retribuição
divina é a única resposta. Há também o discurso de Eliú (cf. os capítulos 32-37). Além de
repetir diversas vezes as idéias dos três primeiros amigos de Jó, apresenta a opinião de que
Deus fala ao homem por meio de sonhos admoestadores (cf. Jó 33.15) e por meio de
sofrimento (cf. Jó 33.19). São formas que Deus usa para disciplinar e educar; uma espécie de
pedagogia divina. Enquanto os amigos de Jó representam a linha da culpa, Eliú representa a
linha da educação pelo sofrimento258 . A abertura de Eliú para o mistério da pedagogia divina
se constitui na sua contribuição mais pessoal e mais duradoura para a teologia do
sofrimento259 de Jó.
Neste momento, serão referidos os discursos desses três amigos, considerando
apenas algumas falas de Jó e de Deus. Interessa aqui apenas perceber nesses discursos a
silhueta teológica conceitual de Iahweh que os três amigos desenham através de sua fonte
teológica tradicional: a doutrina da retribuição.
258
Cf. STORNIOLO, I., Como ler o livro de Jó. op. cit. p. 84.
259
Cf. LÉVÊQUE, J.,op.Cit. p. 116.
73
Para Elifaz, Iahweh destrói o culpado, não o inocente: “Lembra-te: acaso já pereceu
algum inocente?” (cf Jó 4.7). Mas, ninguém é irrepreensível diante dele. A distância moral
entre Iahweh e o ser humano é tão grande que este último jamais poderá se justificar diante
daquele: “Seria, porventura, o mortal justo diante de Deus? Seria, acaso, o homem puro
diante do seu Criador? Eis que Deus não confia nos seus servos e aos seus anjos atribuem
imperfeições; quanto mais àqueles que habitam em casas de barro, cujo fundamento está no
pó, e são esmagados como a traça!” (cf Jó 4.17-19).
Inevitavelmente, o sofrimento faz parte da vida, por isso, a melhor atitude é se voltar
para Deus e se aproximar dele, humildemente: “Mas o homem nasce para o enfado, como as
faíscas das brasas voam para cima. Quanto a mim, eu buscaria a Deus e a ele entregaria a
minha vida” (cf Jó 5.7,8). Através das desgraças, Iahweh prova e corrige. É preciso aceitar
sua repreensão e aguardar seu favor: “Bem-aventurado é o homem a quem Deus disciplina:
não desprezes, pois, a disciplina do Todo-Poderoso” (cf Jó 5.17).
Para Baldade, Jó cometeu algum pecado para sofrer tanto. Uma vez que Iahweh é
justo, somente o pecado explicaria a miséria de Jó:
Ele insiste sobre as sortes opostas que tocam aos justos e ímpios (cf . Jó 8.11-22) e se
ampara na tradição dos pais para realçar a importância da doutrina reinante:
As palavras de Sofar são as mais duras. Para ele, Jó deve renegar seu pecado para
que Iahweh o restaure: “Se dispuseres o coração e estenderes as mãos para Deus; se lançares
para longe a iniqüidade da tua mão e não permitires habitar na tua tenda a injustiça (...)” (cf.
74
Jó 11. 13-14). Chega a admitir falhas inconscientes em Jó (cf. Jó 11.5-12) e considera que
somente a conversão poderá promover uma reviravolta na vida de Jó (cf. Jó 11.13-20).
No terceiro e último ciclo de discursos dos três amigos, não se encontra explicitada a
fala de Sofar. Não há participação dele nesse ciclo de discursos. Pensa-se que o discurso em
Jó 7.3-23 pertence a outro interlocutor, pela semelhança com o argumento apresentado por
seus amigos (talvez seja o terceiro discurso de Sofar, que está faltando!) 260 . Mas, dando
continuidade ao diálogo, tem-se a fala explícita de Elifaz e Baldade, como se segue.
Para Elifaz, Jó está enganado, são muitos os seus pecados (cf. Jó 22.5-9). Insiste em
que Jó deve se voltar para Iahweh, renegar o mal e tudo será de novo como antes.
Baldade limita-se a repetir a constatação óbvia de que nenhum homem é perfeito aos
olhos de Deus. Mas isso não ajuda Jó. Que motivo há para se viver bem, se depois Deus
pune de igual modo, bons e maus, pergunta Jó (cf. cap. 25).
260
Cf. SANTOS, J. M., Atualidade de Jó. Revista de Cultura Bíblica. São Paulo. v.25. n. 103-104. 2002. p. 58.
75
Todos os conceitos contidos nos discursos dos três amigos de Jó, de que Deus
recompensa o ser humano por sua boa conduta, ao passo que o sofrimento representa juízo
divino sobre pecados cometidos, são corretos quando vistos como regra geral261 . Só que os
amigos de Jó transformaram esses conceitos em regra rígida e invariável, válida e aplicável
ao ser humano sem levar em conta a pessoa de Jó e seu contexto de sofrimento. Uma
teologia, que não leva em consideração a pessoa em sua condição humana, torna-se
inaplicável:
Se Jó está sofrendo, quer dizer que ele é uma pessoa má. Mas ele sabe que isso não
é verdade. Assim a discussão vai de uma a outra posição, sem que nenhuma das
duas partes modifique o próprio ponto de vista, chegando a um impasse. Então o
próprio Deus intervém. Ele não responde às perguntas de Jó, mas este, vendo a
Deus, fica satisfeito. Se a teologia de seus amigos era muito limitada, seu conceito
de Deus era demasiado mesquinho 262 .
261
Cf. Ibid. p.52.
262Cf.
Ibid. p.52.
263
Cf. TERRIEN, S., Jó. Grande comentário bíblico. São Paulo: Paulus, 1994. p. 49.
76
264
Cf. ZIENER, G., op. cit. p. 377
265
Cf. MARTINS, T., op. cit. p. 47.
266
Cf. TERRIEN, S., op. cit. p. 49.
267
Cf. STORNIOLO, I.,Como ler o livro de Jó. op. cit. p.23.
268
Cf. STORNIOLO, I., Como ler o livro de Jó. op. cit. p. 50.
269
Cf. ZIENER, G. op. cit. p.378
77
O desejo de manipular Deus é uma forma de vaidade presente na humanidade desde épocas antigas,
principalmente naqueles que querem exercer domínio sobre os mais fracos. Tal desejo se constitui no pano de
fundo da Teologia da Retribuição que, em Jó, é questionada e combatida.
Sabe-se que, para compreender a ordem do mundo, a sabedoria antiga tinha como
ponto de partida e de chegada o ser humano, em um mundo criado por uma ou mais
divindades. Esse ser humano observava e refletia acerca do mundo à sua volta, sem,
271
contudo, questionar a existência e a soberania dos deuses . Mais adiante, com a crise da
sabedoria (a de Jó e de Qohelet), já se questiona a intervenção de Deus na história.
270
Cf. GUTIERREZ, G., Falar de Deus. op.cit. p.42.
271
Cf. LINDEZ, J.V., op. cit. p. 60.
78
Por volta do século IV a.C., surge, entre os sofistas, uma nova concepção de mundo:
“O homem passa a ser a medida de todas as coisas” – o antropocentrismo de Protágoras272 .
Nessa concepção filosófica o ser humano abandona a Deus e passa a ser o centro do
universo.
Constata-se, no caminhar das gerações, que o ser humano será o ponto de referência
de tudo, inclusive das relações com Deus: é o chamado antropocentrismo religioso, sem que
com isso “ele [o ser humano] seja proclamado o ser absoluto e supremo em aberta disputa
com Deus”273 (essa percepção já faz parte da virada antropocêntrica) e que o mundo foi feito
à medida e ao alcance do humano. É bem possível que o limite dessa compreensão tenha
sido ultrapassado pela Teologia da Retribuição na forma de controle sobre Deus, através de
méritos ou deméritos pessoais.
O desejo que o ser humano tem de ser igual a Deus, ou, no mínimo, controlá-lo, pode
ser visto, de alguma forma, na figura de Eva, como representante da raça humana, que diante
da proposta da Serpente, cede à tentação de comer do fruto da árvore proibida (cf. Gn 3.1 e
seguintes). O germe desse desejo estava presente na insinuação da Serpente - representando
o mal presente no mundo: “[...] no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como
Deus, sereis conhecedores do bem e do mal” (v.5, grifo meu). A ilusão de que o ser humano
possa ser como Deus foi a causa da queda da raça humana é a interpretação agostiniana
tradicional da narrativa bíblica. Diante da possibilidade de galgar um status sobre-humano
ou, quem sabe, pelo menos manipular e controlar a Deus, Eva prontamente acedeu àquela
insinuação que, depois de consumada, desencadeou a queda da raça humana no pecado (cf.
Gn 3).
Voltando os olhos, mais uma vez, para as culturas antigas e suas crenças, pode-se ver
na pessoa do Faraó do Egito as raízes dessa relação de controle ou manipulação do humano
sobre o divino. Nardoni274 afirma que o rei do Egito era considerado um deus, o qual reinava
através do poder do ma’at que, no fundo, era também um dever cultual275 . Essa prática
cultual assegurava-lhe o direito à proteção divina sobre a terra e o privilégio da vida eterna.
272
Cf. Ibid.
273
Cf. Ibid.
274
Cf. NARDONI, op.cit. p.195.
275
Uma oferenda aos deuses.
79
A concentração do poder de justiça na pessoa do Faraó implicava riscos, pois o rei poderia
se exceder na auto-atribuição do poder divino, deixando sua prerrogativa de deus para ser
manipulado pelos poderosos, os quais buscavam vantagens pessoais em lugar dos valores
morais da justiça social276 .
As duas informações dadas, tanto a bíblica quanto a egípcia sobre o desejo que o ser
humano tem de usurpar o lugar de Deus, não são únicas, mas, para os efeitos desejados nesta
dissertação, são suficientes para se entender o pano de fundo antropológico da Teologia da
Retribuição. As raízes dessa antropologia que apóia o ser humano no movimento de usurpar
o lugar de Deus alimentam aquilo que se denomina aqui como lógica casuística, ou seja, a
compreensão de que toda ação, boa ou má, desencadeia um determinado resultado para a
pessoa que a praticou.
O desejo de manipular Deus, ainda que tal pareça absurdo, é uma forma de vaidade
que se manifesta com intensidades diferentes ao longo da história do ser humano. Se levado
a cabo, resulta em um excessivo e danoso autocentrismo humano que afronta à soberania de
Deus e à compreensão de seu caráter e atributos.
É indiscutível que o ser humano jamais poderá manipular Deus. No entanto,
enquanto desejo, tal pode acontecer por outro viés, quando alguém, em nome da religião,
esconde-se atrás da imagem de um Deus implacável e punitivo a fim de transmitir a sua
própria intolerância para com os mais fracos. Como representantes divinos, assumem o
papel de juízes dos demais, sentindo-se no direito de ditar as regras, como o fizeram os
amigos de Jó.
Esses, falando em nome de um Iahweh implacável e muito zeloso com a distribuição
da justiça, não disseram o que era reto acerca de Deus (Jó 42.7b). Erraram ao falar de
Iahweh como um Deus que só age em resposta ao comportamento humano, em função de
uma antropologia dualista que divide os humanos em privilegiados e desgraçados. Nesse
caso, a forte imagem de tais mensageiros como titereiros277 , manipulando a Deus como a um
boneco através dos cordéis da causa e efeito, parece pertinente.
276
Cf. NARDONI, op.cit. p. 196-197.
277
Pessoa que por meio de cordéis faz mover e gesticular bonecos (fantoches) presos às cordas.
80
Finalmente, pode-se dizer que uma teologia que defende o antropocentrismo e, por
conexão, uma ética comportamental que obrigue Deus a recompensar ou punir uma pessoa,
nada mais é do que roupagem religiosa que, em nome de Deus, camufla interesses
individualistas em prejuízo dos mais fracos. Contra esses interesses individualistas, somente
a “noção de justiça como a busca comunitária de uma vida melhor supera a ideia de que o
ser humano é o centro do mundo”279 .
278
FELICIANO, D., Um amigo no livro de Jó: o autor. Revista de Cultura Bíblica. São Paulo. V.25. n. 143-
149. 2002. p. 148-149.
279
Cf. DIETRICH, J. L., O grito de Jó. São Paulo: Paulinas. 1996. pp. 94-95.
81
280
Cf. Ibid. p. 43
281
Cf. MACKENZIE, R., op. cit. p. 9[1057]
82
A ética que resulta de uma teologia mecanicista de causa e efeito, em que a realidade
da vida é pensada de forma esquemática, privilegia os que tiveram sorte na vida e despreza
os desafortunados. É uma ética classista porque não contempla a pessoa humana na sua mais
ampla complexidade; não resulta do ethos, masvem pronta, pré-fabricada; não conta com o
imprevisível, porque tem que dar respostas calculadas e adequadas ao status quo daqueles
que controlam o saber.
Os amigos de Jó, em nome da sabedoria, discursavam fundamentados em uma ética
de cartilha, aprendida e decorada na escola tradicional da ortodoxia, enquanto Jó procurava
respostas em meio ao sofrimento que havia se juntado ao da sua dor física: o do conflito
gerado entre sua fé, sua ética e Iahweh. Da experiência, Jó aprende uma nova ética, a da
gratuidade, e sua fé é provada e aprovada até poder contemplar Iahweh diretamente: “(..)
mas agora os meus olhos te vêem” (Jó 42.5). Seus amigos teólogos não vivem nenhuma
experiência, nada aprendem, apenas trazem consigo uma teologia acadêmica, uma teologia
de gabinete. Eles, que se percebiam superiores, capazes da dar respostas a qualquer situação,
arrogantes, foram desmascarados, humilhados e socorridos pela oração de Jó (cf. Jó 42.7-9).
Os amigos realmente falam sobre Iahweh e sua justiça, mas sabem quase nada a respeito do
282
Cf. GUTIERREZ, G., Falar de Deus. op.cit. p. 119.
283
Cf. Ibid.
284
Cf. Ibid.
83
viver com Iahweh e do agir de seu Deus, e poucos dizem ou parecem saber sobre o ser
humano e suas carências. Configuram um discurso ético capenga, unilateral e injusto. Não
fosse a fala da sua mulher (2.9) com suas inquirições e coragem para contestar, não
prevaleceria finalmente a ética na qual a solidariedade, o amor a Deus e a dignidade humana
tornam-se os fundamentos para se ter algo a dizer que faça sentido para o justo sofredor.
De fato, a Teologia da Retribuição tem uma lógica no seu método e pensar, quando
vista em seu aspecto de consequência possível, não, porém, no sentido de uma verdade
absoluta285 .
Mesmo a conhecida afirmação do apóstolo Paulo, de que “(...) aquilo que o homem
semear, isso também ceifará” (Gl 6.7), não se remete a uma lei rígida de causa e efeito.
Senão, como explicar suas prisões, açoites, apedrejamentos, naufrágio, fome, sede, nudez,
etc (cf 2Co 11.16-33)? Seriam tais acontecimentos de sua vida consequências de algum
pecado não confessado? Certamente, não. O próprio apóstolo entende tudo isso como
fraquezas, através das quais Deus aperfeiçoa nele o seu poder, e conclui: “(...) Porque o
poder se aperfeiçoa na fraqueza [...] Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte” (2 Co
12. 9,10). A graça de Deus era o seu alento (v.9).
Há um detalhe no princípio da semeadura286 que não pode ser esquecido quando
aplicado à distribuição da justiça: o que se planta será colhido de volta pela força da natureza
da semente plantada. Mas, não é verdade que tudo o que se colhe foi plantado um dia.
Principalmente, quando se entra no âmbito das relações humanas, não se pode aplicar
cegamente a lei de causa e feito, como peso e medida pré-estabelecidos, a fim de fazer a
distribuição da justiça; nem através dela tirar certas conclusões, partindo do que se observa
nas experiências dos outros. É preciso considerar cada caso no seu contexto e perceber o ser
humano em seu contexto histórico, social, psicológico e religioso específico. Coisa que os
amigos de Jó não fizeram.
Devido ao fato de que a Teologia da Retribuição não pondera suas reflexões a partir
do ser humano e em seu contexto de vida, mas, sim, a partir de um esquema teológico já
pronto, chegou-se à cristalização de uma concepção mecanicista de causa e efeito. Isso
contribuiu para a construção de uma teologia maniqueísta, porque trata de um Deus
previsível, cujas ações estão condicionadas por dois princípios que se digladiam: o bem e o
285
Comparar Gl 6.6-10 com Ez 18; Jo 9.2,3.
286
O apóstolo Paulo usa o Princípio da Semeadura em seus ensinamentos para transmitir a idéia de
investimento e retorno no reino de Deus (cf. 1 Co 9.11; 15.42; 2 Co 9.6,10 e Gl 6.7).
84
mal; de uma antropologia simoníaca (um ser humano que pode controlar Deus) e de uma
ética mecanicista (um agir humano a partir de uma lei causal rigorosa).
Este tripé – o Deus previsível, o ser humano todo-poderoso e lei causal rigorosa –
sobre o qual a Teologia da Retribuição desenvolveu sua doutrina, foi combatido pelas
mulheres no pós-exílio. É o que se pretende abordar no próximo capítulo.
85
Neste último capítulo será apresentado o resultado dessa pesquisa afirmando que a
mulher no pós-exilio realmente gritou contra a Teologia da Retribuição. Será analisada
também a vida social da mulher no pós-exílio, a vida da mulher na sociedade de Judá, a
influência das Deusas, a vida da mulher do pós-exílio na comunidade de Elefantina, sua
religiosidade, tempo e lugar, as mulheres de Jó, o paralelo com as mulheres em Gênesis e o
grito contra a Teologia da Retribuição.
Um dos autores bem conceituados sobre esse período pós-exílico foi o Albertz287 ,
que produziu um material monográfico sobre Jeremias, Salmos, Daniel e apocalíptica, além
de estudos sobre o livro de Jó, do qual há maior interesse devido ao tema de pesquisa. Para
a formulação de seu caminho metodológico 288 , ele reflete sobre um conjunto de proposições
que considera importante. Segundo ele, uma história da religião de Israel: deve colocar
numa perspectiva histórica, sem levar em conta nenhum princípio dogmático; deve
apresentar como um processo aberto que conduz a estágios posteriores do judaísmo e
cristianismo; não deve apresentar como uma mera história das idéias ou como uma história
do espírito; deverá incluir além da história política, também a história social do povo; deverá
apresentar a multiforme riqueza de expressões religiosas e concepções teológicas em seu
contexto histórico e histórico-social, como colocá-las em mútua comunicação teológica;
deverá estar orientada em uma linha de comparação religiosa e conceder ao período pós-
exílico toda a importância que realmente lhe corresponde.
O período imediatamente posterior ao exílio parece ter sido, em alguns aspectos
quanto à situação das mulheres, semelhante à época pré-estatal, pois o colapso da monarquia
e do templo reabriu, por um breve tempo, espaços de liberdade para a mulher. E isso
aconteceu até o pós-exílio onde os papéis sociais precisaram ser definidos de modo novo e
diferente.
287
ALBERTZ, Rainer. Historia de la religión de Israel en tiempos del Antiguo Testamento, volumen II, Desde el exilio
hasta la época de los Macabeos. Traducción de Dionisio M ínguez. Editorial Trotta, 1999, pp. 567-588.
288
ALBERTZ, Rainer. Historia de la religión de Israel en tiempos del Antiguo Testamento, volumen I, De los comienzos
hasta el final de la Monarquía. Traducción de Dionisio M ínguez. Editorial Trotta, 1999,pp. 37-38.
86
289
SCHROER, Silvia, SCHOTTROFF, Luise, WACKER, Marie-Theres, Exegese Feminista. Resultados de
pesquisas bíblicas a partir da perspectiva de mulheres. Tradução de Monika Ottermann. São Leopoldo/São
Paulo.Sinodal/ASTE. 2008, p126
87
Essa notícia deve ser vista em relação com as leis do Escrito Sacerdotal sobre a lei da
herança em Números (27 e 36), onde é registrado que Macla, Noa e Hogla, Milca e Tirza, as
filhas de Zelofeade, entregam uma reinvindicação ao Supremo Tribunal, exigindo ser
reconhecidas como herdeiras, uma vez que seu pai não tivera filhos. A reinvindicação é
aceita. Mas numa posterior reedição da lei acrescenta-se a limitação social de que tais
mulheres com direito a herança podem casar somente com homens da própria tribo, para que
não se perca a terra de herança.
As relações sociais continuam marcadas por graves injustiças. Em Neemias (5),
principalmente as mulheres do campesinato pobre reclamam junto ao governador. Elas
precisam penhorar seus filhos e suas filhas, roças, vinhas e casas para poder comer ou pagar
os impostos. Os judaítas abastados tiram proveito da miséria e acumulam riqueza.
290
Ibdem, p 137.
88
empresa familiar (Is 7,3; Jr 19,1; 37,21; Ne 3,31s), quando não funcionava em manufaturas
reais. Não é possível definir se uma profissão como a de cortar sinetes estava reservada
somente a homens. Embora imagens egípcias mostrem apenas homens nesse trabalho, o uso
genérico da língua hebraica abre a possibilidade de que também mulheres cortavam sinetes
(Êx 28,11; 39,30).
Reservada as mulheres é, sobretudo, a profissão de parteiras e de amas-de-leite.
Mulheres sábias, profetisas, necromantes, videntes e carpideiras ofereciam seus serviços em
parte gratuitos e em parte remunerados.
Um texto tardio de Pv 31, 10-31, descreve uma mulher como chefe de uma economia
doméstica com criadas/os e que ganha dinheiro com a confecção e o comércio têxtil. A
cidade de Tiro era famosa por seus tecidos; portanto mulheres podem ter se orientado pelo
modelo fenício.
291
ALBERTZ, Rainer. História de la Religião de Israel em Tiempos del Antiguo Testamento. Volume I e II.
Editorial Trotta. Biblioteca de Ciências Bíblicas yOrientales. 1999. Sagasta. Espanha, Madrid, 694-700.
89
292
Cf ALBERTZ, Rainer, ibdem, p 39.
293
O. H. Steck,F. Crüsemann,J. Blenkinsopp (temple-community – templo-comunidade),J. P. Weinberg
(Bürger-Tempel-Gemeinde – Cidade-Templo-Comunidade), H. Donner (Comunidade submetida a Lei)
PLOGER, O. Theokratie und Eschatologie, WM ANT 2, 31968 – Deve-se entender que a teologia teocrática como uma
294
corrente tradicional, que considerava a reconstrução do templo como realização da restauração salvífica. Enquanto que a
escatológica esperava a restauração em um lugar futuro.
295
Cf SCHROER, Silvia, op cit, p127.
90
296
Ibdem p127.
297
Ibdem, p128.
91
298
Ibdem, p128.
92
Deus e a hokmah, moldada na imagem da Deusa egípcia Maat (Jó 28), estão distantes e
inacessíveis, a ordem justa não pode ser percebida.
A África, de modo especial Egito, Cuch (Etiópia) e Put (Somália?), sempre estiveram
no horizonte – geográfico, comercial, militar e até cosmológico – de Judá e de Israel. É
importante considerar que a Africa sempre esteve, também, no “sangue” do povo de Israel.
A semente africana, desde cedo, é elemento essencial da “semente santa, da raça eleita, do
povo escolhido”.
Gallazzi299 afirma que para aprofundar essa relação é importante conhecer a memória
do único templo de Iahweh fora de Israel, que foi erguido na África, por uma colônia militar
judaíta, na ilha de Elefantina, ou ilha de Ieb ( elefante ou marfim), como diziam os egípcios,
ou ilha das flores, como foi chamada, posteriormente, pelos árabes. É bom ressaltar que
outro templo, posterior, será construído em Leontópolis, sempre no Egito, pelo sadocita
Onias IV, que fugiu do confronto com o Império Grego, depois do assassinato do pai, Onias
III, logo antes da revolta dos macabeus.
Também, de acordo com Gallazzi300 , o papiro 22 da edição de Cowley, datado de
419 a.C., traz a lista das oferendas em dinheiro feitas pelos membros da colônia militar em
Elefantina no Egito. O primeiro nome é o de uma mulher e é acompanhado por 123 outros
nomes, na maioria de homens. A oferta era bem maior do que o meio siclo exigido por Ex
30,15 e do que o terço de siclo cobrado por Ne 10,33.
Gallazzi ainda afirma que301 :
É culto de mulheres para a Rainha dos Céus, culto não sacrificial, feito de incenso,
de comida e de bebidas, culto para a fartura e a fertilidade, culto popular, que
dispensa sacerdotes e templos, celebrado na cidade e no campo. Em muitas
escavações feitas na terra de Israel foram encontradas estatuetas que representam
uma mulher nua, de seios fartos e rico penteado. A data das estatuetas é do inicio
do primeiro milênio a.C. Trata-se de uma deusa feminina da fecundidade muito
cultuada na religião popular hebreia. Esta descoberta confirma que, na religião
popular, Yahweh poderia ter uma companheira. A religião popular israelita seria
parecida com a dos cananeus. Vale lembrarque em Kuntillat Ajrud, posto
299
GALLAZZI, Sandro. Raízes Afro-asiáticas no mundo bíblico.. Revista de Interpretação
Bíblica Latino-Americana/Ribla, 54, Petrópolis: Vozes, p84. 2006.
300
Ibdem,p84.
301
Ibdem, p85.
93
Rainha dos Céus era um dos nomes com que era chamada a deusa Anat, cultuada, em
Elefantina, junto com Yahweh. No Egito era considerada a filha de Ra e nos textos
ugaríticos era chamada de filha de El, esposa de Ba’al.
Anat era a deusa do orvalho, da fertilidade, do amor sexual, da caça e da guerra. Seu
culto era originário da região da Síria e de Canaã, desde o terceiro milênio a.C., e seu nome
aparece em textos ugaríticos, acádicos, aramaicos e hebreus.
Seu culto foi levado ao Egito antes da invasão dos hicsos e tinha seu centro de culto
em Mênfis e em Tânis. Alcançou grande prestígio durante o reino de Ramssés II, que adotou
a deusa guerreira ‘Anat como sua guardiã pessoal durante as batalhas.
No Libano, na Síria e na Palestina o culto a ‘Anat continuava persistindo nos meios
populares, mesmo em época cristã.
É compreensível que, na ilha de Elefantina, ‘Anat, a deusa da guerra e da fertilidade,
encontrasse seu lugar de culto como rainha dos céus, junto com Yhw, conforme os “votos”
feitos pelos judeus ao profeta Jeremias (Jr 44,25).
Elefantina é memória de uma religiosidade não excludente e de um javismo ainda
não monoteísta, do qual o pessoal de Elefantina fala livremente em suas correspondências
com a comunidade de Jerusalém.
Em 419 a.C., após Esdras e Neemias, quando a Torá recebia sua redação final
monoteísta, pelas mãos dos sacerdotes do segundo Templo, no pós-exílio, um papiro de
Elefantina ainda testemunha esta realidade, quando invoca “os deuses” para que concedam a
paz a seus irmãos. Trata-se do chamado “papiro pascal” (o papiro 21 da edição Cowley) de
15,5cm por 28, contendo 11 linhas escritas em aramaico, que Hananiah enviou de Yedaniah
na fortaleza militar de Ieb, informando que uma ordem de Dario II para Arsames, sátrapa do
Egito.
Segundo Vaux302 , nessa mesma época, um grupo de mulheres preferem ir para a
colônia de Elefantina, no Egito, do que ter que voltar para Judá. E sob influencias
estrangeiras, a mulher judia havia adquirido certos direitos civis. Podia se divorciar. Podia
ser proprietária e, por essa razão, estava sujeita aos impostos, pois uma lista grande de
contribuintes foi achada contendo 32 nomes de mulheres. Há recibos de compra e venda, de
doação etc., nos quais aparecem mulheres como contratantes. Enquanto isso, em Judá as
302
DE VAUX, R., Instituições de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Teológica, 2003.p 63.
94
mulheres não tinham liberdade para viver dignamente e adorar aquilo que sempre adoraram
antes do exílio, as Deusas e a Iahweh, pois os sacerdotes haviam mudado o culto
implantando uma nova teologia monoteísta e retribuitiva.
Já no confronto entre Jeremias e os/as judaitas no exílio egípcio (Jr 44) fica claro que
essas pessoas de jeito nenhum estavam dispostas a abandonar o culto da Deusa em favor do
culto a Iahweh.
A colônia militar judaita em Elefantina construiu um templo de Jahu, mas cultuava
Iahweh e Anate como casal divino. Essa abertura a relações interculturais e formas religiosas
politeístas permanece característica para o futuro desenvolvimento de judaítas em chão
egípcio. Ainda no século 1 a.C., o Livro da Sabedoria faz uma tentativa de falar do Deus de
Israel e de sua paredros (companheira de trono), a Sofia. Schroer303 relata que uma escrava
de descendência egípcia podia assumir um cargo no templo de Jahu em Elefantina. 60% dos
nomes femininos, uma percentagem alta em comparação com as outras em textos
exílicos/pós-exílicos, são nomes religiosos.
O desenvolvimento da religião de Iahweh até um monoteísmo exclusivo e patriarcal é
um processo muito complicado, que é continuamente objeto da pesquisa exegética e
teológica. Os textos bíblicos oferecem apenas uma imagem insuficientemente clara desse
processo. Por isso, fontes extrabíblicas são de grande valor. Assim, existem em Israel,
mesmo depois do exílio, grupos diferentes com conceitos diferentes daquilo que seja a fé
autêntica em Iahweh.
É improvável que mulheres que cultuavam outras divindades se desligassem
completamente do culto estatal de Iahweh. Além disso, no momento em que mulheres
israelitas que cultuavam, por exemplo, a Rainha dos Céus não são mais consideradas adeptas
a religião de Iahweh, estamos adotando conceitos de ortodoxia, heresia ou sincretismo, que
certamente correspondem, em grande medida, à historiografia profética e deuteronomistica,
mas não necessariamente à auto-avaliação dessas mulheres ou à perspectiva de outros
agrupamentos contemporâneos.
Quando se trata de heróis bíblicos, os detalhes de suas vidas podem ser vistos de
duas maneiras. Por um lado, em geral há poucos detalhes fornecidos explicitamente pelo
303
Cf SCHROER, Silvia , op cit, p123.
95
texto bíblico. Por outro lado, existem os diversos fatos, episódios e eventos que podem ser
deduzidos a partir desses detalhes explicitados. No caso de Jó, sua biografia é essencial para
sua importância na tradição religiosa bíblica, ou seja, ele e sua história de vida, tomadas em
conjunto se tornaram importantes. Então com Jó o interesse pelos detalhes biográficos
parece significar muito mais.
Uma figura obscurecida, mas especialmente importante é a mulher de Jó. Ela aparece
rapidamente em Jó uma única vez em 2,9a para pronunciar uma pergunta – “Você ainda está
firme em sua integridade?", e ainda oferecer um conselho (“Maldiga a Deus e morra”).
Além disso, a presença de uma mulher (o que se poderia esperar dela) a partir de Jó
e de sua família (Jó 42,12-17) nunca é explicada, quando muito apenas implícita. Como
resposta a essa escassez de informação, uma série de interpretações nas tradições cresceram
em torno das figuras de Jó e de sua mulher. Havia, entre antigos intérpretes, duas tradições
bastante divergentes sobre a identidade da mulher de Jó. Uma tradição conhecida pelos
comentários rabínicos, o Targum de Jó 304 , e Pseudo-Filo305 , identificam a mulher de Jó com
Diná, filha de Jacó. A segunda tradição, testemunhada principalmente na Septuaginta,
identifica mulher de Jó com uma miserável mulher árabe.
O autor do testamento de Jó uma composição judaica do primeiro século a.C. 306 ,
criativamente combinou ambas as tradições em uma tentativa de oferecer uma compreensão
mais clara de seu pano de fundo, para tentar fornecer várias soluções de persistentes dúvidas
a respeito de sua relação com o Israel étnico, e de elaborar temas do livro de Jó de uma
forma a reivindicar com certa dificuldade o papel moral das mulheres em Jó.
Qual foi em última análise, o destino de Diná, filha de Jacó? Depois da história de
seu encontro com Shequém ben Hamor e a subsequente mortandade de todos os homens na
cidade de Shequém (Gn 34). Diná não é ouvida nunca mais. Ao contrário os seus doze
irmãos, cujas vidas naqueles dias dominaram o imaginário pelo restante do Gênesis, e cujas
304
STEC, David M. The Text of the Targum of Job: An Introduction and Critical Edition (AGJU 20; Leiden: Brill,
1994).
305
HARRINGTON, Daniel J. “Pseudo-Philo”, OTP 2:314.
306
JACOBS, Irving. “Literary Motifs in the Testament of Job”, JJS 21, 1970:8.
96
fortunas são preditas por Jacó em uma cena dramática em seu leito de morte (Gn 49), Diná
desapareceu do texto bíblico.
A questão do destino de Diná só é ressaltada pelo fato de que seus irmãos prosperam
após o incidente com Shequém: pois contaminou uma mulher (Gn 34,13), a partir daí as
perspectivas conjugais dela devem ter sido muito diminuídas. Um rabino, ao abordar esta
questão, coloca as palavras de Tamar, a filha de Davi na boca de Diná (“Onde vou levar a
minha vergonha?” e postula que Simeon, em resposta a este grito de desespero, casa-se com
Diná. Seus descendentes, o que inclui Saul, foi então referido como o filho de uma “mulher
Cananéia” (Gn 46,10), porque Diná tinha sido contaminada por um Cananita.
Os resultados são bastante diferentes, embora não totalmente incompatíveis com o
que foi imaginado por aqueles interessados na identidade de Asenateesposa de José.Um
estudioso analisou o complexo de tradições posteriores (século IV d.C.) que fazem de Diná,
a mãe de Asenate307 .De acordo com este estudo, Asenate era filha de um egípciosacerdote
pagão, e por isso seu distintivo lugar na tradição bíblica pode ser explicado; outra solução
foi demonstrar que ela era, na verdade, uma descendente de Jacó. Assim, em muitas fontes
rabínicas afirmam que Asenate era da descendência de Diná e Shequém que fora
divinamente protegido.
Uma terceira tradição, e uma das mais relevantes aqui, é que Jó se casou com Diná.
Nós encontramos um claro testemunho desta tradição no Targum de Jó. Na sua apresentação
em Jó 2,9, o Targum lê: “E Diná sua esposa lhe disse: Você está firme em sua integridade
até agora, amaldiçoa (lit., “abençoa”) a palavra do Senhor e morre”.
Outra testemunha mais enfática da tradição diz que: “Diná, esposa de Jó”, pode ser
encontrado no século I d.C.308 E ainda nela pode-se ler: “Jacó habitou na terra de Canaã, e
Shequém, filho de Hamor o Hurrita estuprou Diná sua filha e a humilhou. E os filhos de
Jacó, Simeão e Levi, entraram e mataram toda a cidade deles pela espada; e tomaram Diná,
sua irmã e foram embora de lá. E depois Jó tomou-a como esposa e foi pai de seus quatorze
filhos e seis filhas; ou seja, sete filhos e três filhas, antes que ele fora atingido pelo
sofrimento, e depois sete filhos e três filhas, quando ele fora curado. E assim como tinham
sido os nomes dos primeiros, também foram os dos últimos”.
307
APTOWITZER, Victor. “Asenath, the Wife of Joseph: A Haggadic Literary-Historical Study”, HUCA 1,
239-306. LEGASPI, Michael C. Job's Wives in the “Testament of Job”: A Note on the Synthesis of Two
Traditions. Source: Journal of Biblical Literature, Vol. 127, No. 1 (Spring, 2008), pp. 71-79. Published by: The
Society of Biblical Literature Stable URL: http://www.jstor.org/stable/25610107
308
Liber Antiquitatum biblicarum de Pseudo-Filo.
97
309
B. B. Bat 15b.
98
qual pendurou a associação entre Jó e Diná. Associação que os primeiros intérpretes, por
estas razões têm sugerido.
310
RAHLFS, Alfred. Septuaginta (Stuttgart: Württembergische Bibelanstalt, 1935).
311
LXX 42,17b-c.
312
EPSTEIN, I. (London: Soncino, 1935), 75-76. 11. Esta tradição é atestada em Jó 1,1 (“Jó, primeiro foi
chamado de Jobab”) and in a fragment of Aristeas's wor k of the Jews, which is preserved in the Praeparatio
Evangelica of Eusebius (9.25.1-4: “Jó, primeiro foi chamado de Jobab”).
99
criando assim a impressão de que essa tradição era amplamente conhecida entre os
intérpretes judaicos313 . No entanto, é apenas o Testamento de Jó que traz juntos de “Diná,
mulher de Jó” e as tradições “Jó-Jobab”.
Como e por que o autor do testamento de Jó traz as duas tradições juntas? Um breve
resumo do Testamento: Reunindo sua família ao seu redor em seu leito de morte, Jó oferece
conselhos aos seus filhos e divide a herança. Ele também analisa o seu sofrimento pelo qual
ficou famoso. Na sua versão os seus sofrimentos são provocados por Satã/adversário, que
por sua vez retaliou a Jó por ter destruído um templo idólatra.
No Testamento de Jó, ele é caracterizado como um homem integralmente moral, a
própria encarnação da u`πομονή (lit. permanência abaixo, resistência, paciência), que resiste
às provocações de Satã/adversário, e mantendo-se firme, em última análise, ele alcança a
vitória. A mulher, de Jó é identificada como uma mulher chamada Sitis, que passa por uma
provação paralela a sua própria e os amigos de Jó vem para lamentar-se com Jó e questionar
sua sanidade? Mas, essas coisas não mudam Jó de sua firme esperança no reino celestial.
Ele é restaurado, vê a herança de seus filhos (incluindo objetos mágicos para suas
filhas), morre, e ascende (mas não fisicamente) para o céu. O Testamento de Jó inicia com
os seguintes detalhes: “ O livro de Jó, o chamado Jobab. Eu sou o pai de Jó, estou
estabelecido neste lugar, e você é um escolhido e honrado da raça da semente de Jacó, suas
mães e pais. Eu sou um dos filhos de Esaú, irmão de Jacó, mas sua mãe é Diná, de quem te
gerou. Minha ex-esposa morreu uma morte amarga junto com os outros dez filhos”. (1,1, 5-
6).
Em primeiro lugar, deve-se dizer que o Testamento de Jó está claramente dependente
da LXX. Assim, não é de se surpreender que o autor do Testamento conhecia e utilizou a
tradição Jó-Jobab da LXX 42,17a-e, como ele fez. O que é notável é o uso da tradição de
Diná, uma vez que parece que ela estava fora do âmbito das tradições da LXX, e uma vez
que ela exista, deve-se valorizar a ligação exegética entre Diná e este rei Edomita.
A adoção da tradição de Diná se torna muito interessante (e também mais provável)
quando se considera que o autor do testamento de Jó conhecia e usara um discurso
tradicional que já fora construído na LXX 2: 9a-e: “Depois de um longo tempo sua esposa
disse a ele: “Quanto tempo ainda você vai resistir, dizendo: Olha, eu continuarei por um
pouco mais de tempo, aguardar a esperança de minha salvação. Bem, sua memória já está
313
GINZBERG, Louis. The Legends of the Jews[7 vols.; Philadelphia: Jewish Publication Society, 1968], 5:382
n. 3).
100
apagada da face da terra. Os seus filhos e filhas, as dores e os trabalhos de meu ventre? Eu
que trabalhei para criá-los resultou em nada. No entanto, o senhor senta-se entre a podridão
dos vermes, passa a noite ao ar livre, enquanto eu vago como um trabalhador errante, de
casa em casa, à espera do sol para que eu possa descansar das fadigas e dores que agora me
oprimem. Vamos dizer uma palavra contra o Senhor e morrer”.
As tradições refletidas na versão da LXX de Jó mostra um retrato bastante completo
da mulher de Jó: ela era uma mulher árabe e uma rainha Edomita (LXX 42,17b-c) que sai
errante depois da queda de Jó, a fim de gritar de fadiga e exasperação (“Quanto tempo ainda
você vai suportar?... dize alguma palavra contra o Senhor e morra”. LXX 2,9d). O
Testamento de Jó usa este retrato da mulher de Jó, e desenvolve-o ainda mais, ao ponto de
dar-lhe um nome (Sitis) e descrevendo como ela pediu e trabalhou como escrava durante
muitos anos, a fim de fornecer pão para Jó e para ela mesma.
O Testamento diz que exaustivamente Sitis vendera seus cabelos a Satã/adversário
em troca de pão, e foi enganada por Satã/adversário, e assim disse a Jó para desistir de sua
luta. No final, porém, o Testamento de Jó descreve Sitis fazendo um pedido final: a ela é
concedida a visão de seus filhos sendo coroados com esplendor no céu (Targum de Jó 39-
40) antes de morrer em paz e enterrada perto de sua antiga casa. Tudo isso, é claro, não tem
nada a ver com Diná.
Lembre-se da simplória identificação de Diná com a mulher de Jó, que foi atestada
no Targum de Jó 2,9. Lembre-se também que o Pseudo-Filo fez um grande esforço para
mostrar que Diná era a única esposa de Jó. O autor do Testamento de Jó conhece essas ideias
e as usa para dizer que “Diná, era a mulher de Jó” e as inclui na tradição, como vimos, mas
ele também esteve dependendo de um corpus bastante diferente de tradição sobre essa
mulher de Jó, os que foram atestados na LXX. Então, a mudança fundamental no
Testamento é a união de ambas as tradições, a tradição Diná e a tradição de Sitis. A fim de
conciliar as duas, o autor do Testamento apresenta uma solução criativa e talvez única: ele
de Diná a segunda mulher de um Jó.
O TM não menciona qualquer indicação de que Jó tinha duas esposas. Não menciona
a esposa até o capítulo 42, nem se a mãe das novas crianças em Jó 42,13 deva ser
identificada com a mulher de 2,9. Ao mesmo tempo nada há no texto bíblico que se oponha
a que ele tenha tido duas esposas. O autor do Testamento de Jó explora justamente essa
possibilidade, e é capaz de incorporar e utilizar as duas tradições distintas sobre a mulher de
Jó.
101
Enquanto, esta vinculação de tradições veneráveis possa ser para alguns intérpretes,
muito prematura, uma coisa interessante há em si mesma, que é a de perguntar de maneira
nova – “Diná, é a segunda mulher de Jó”, motivo esse que foi especialmente útil. Resolve-se
uma série de dificuldades relacionadas com o livro de Jó, considerando que “Diná, é a
mulher de Jó” pela tradição. Em primeiro lugar, livra a Diná certo constrangimento. Ela não
é, nem a amarga e desleal mulher de 2,9 do TM, nem a exasperada e humilhada mulher da
LXX 2,9 a-e.
A identificação de Diná como a segunda mulher de Jó, pode esclarecer dois detalhes
notáveis do epílogo do livro: a extraordinária beleza das filhas Jó e sua herança incomum ao
lado de seus irmãos. Com relação ao primeiro detalhe, parece haver um motivo exegético
circunscrito - “Diná, a bela”314 . Ou seja, Diná se tornou um objeto de desejo de Shequém,
porque ela era especialmente bonita, e isso ajudaria a explicar a beleza lendária das filhas Jó
(42,15). Quanto à herança incomum, parece que nos capítulos. 46-53 o autor do Testamento
de Jó tem um projeto bastante diferente para a explicação da herança das filhas, mostrando
que são com objetos mágicos que permitem uma glossolalia angelical que transformam os
corações para as coisas celestiais.
O exemplo de Jobab na herança feminina mesmo quando os herdeiros do sexo
masculino estavam disponíveis (Jó 42,15) é única na Bíblia Hebraica. Talvez, então, o
resgate de Diná está à vista, ela que foi privada de seus direitos conjugais (h'N)[
< ;y>w: - Gn 34,2)
vive para ver suas próprias filhas abençoadas, além de toda razoável expectativa. Assim, a
bem-aventurança da vida Jó vem tardiamente a incluir, não apenas a sua própria super-
restauração como também a de sua mulher. Casando-se com Diná, Jó recebe o que é crido
pelo autor do Testamento como uma recompensa de valor inestimável: ele e seus filhos estão
unidos a raça “escolhida e honrada” dos judeus (Targum de Jó 1,5).
Jó provou o seu mérito para se juntar aos Judeus, e seu casamento com Diná é a
maneira de realizar sua entrada na comunidade da aliança. A revisão da tradição mais velha -
“Diná, mulher de Jó” permite, uma contextualização étnica e religiosa de Jó o resistente
(u`πομονή). Demonstrado o conteúdo moral do livro de Jó em uma única virtude, u`πομονή, o
Testamento de Jó mostra precisamente que tipo de u`πομονή é digno de ser imitada. No
314
MACHNIST, Peter. “Job’s Daughters and Their Inheritance in the Testament of Job and Its Biblical
Congeners," in The Echoes of Many Texts: Reflections on Jewish and Christian Traditions; Lou H. Silberman
[ed. William G. Dever and J. Edward Wright; BJS 313; Atlanta: Scholars Press, 1997], 76).
102
315
HORST, Pieter W. van der. “Images of Women in the Testament of Job”, in Studies on the Testament of Job
(ed. Michael A. Knibb and Pieter W van der Horst; SNTSMS 66; Cambridge: Cambridge University Press, 1989),
97.
103
árabe é obscura, parece ter servido apenas para fazer a possível conexão das duas esposas.
Se for levada a sério, exclui-se a possibilidade de que Diná fora a primeira mulher.
E se a “Diná, a mulher de Jó” é importante para a tradição, em seu conjunto, é apenas
o início para postular as duas esposas, em vez de uma. Uma distinta progressão é evidente.
A mulher de Jó no TM é uma companheira sem nome e amarga cujo objetivo principal é
intensificar o sofrimento de Jó e potencializar o drama.
A LXX oferece uma característica ligeiramente mais positiva: a mulher de Jó,
reconhe-o como um sofredor em seu próprio direito. Mas no Testamento de Jó316 , ela torna-
se uma (embora falha) completa heroína: ela recebe um nome, e seu sofrimento se torna
explicitamente redentor. Tanto ela quanto seus filhos alcançam a glória celestial. Ao fazer
“Diná, a segunda mulher de Jó”, o Testamento de Jó também se baseia em uma tradição
anterior, onde a própria Diná reivindica a si mesma.
Ela, que foi violada e humilhada por Shequém não o agiu como o TM sugere,
simplesmente concorda e desaparece da cena; em vez disso, Diná sobrevive a sua
humilhação e persevera. Ela casa com Jó, e vem eventualmente para compartilhar a
restauração de seus últimos dias, o que todas as fontes concordam, e foram ainda mais
abençoados do que no início. Dito isto, será analisado agora a Mulher de Jó com outras
mulheres que dizem/gritam no livro de Gênesis.
Para que se possa delinear essa outra possível Teologia das Mulheres que gritam317 ,
deve-se entender as análises com relação ao campo semântico pela visão das mulheres
comparando com as mesmas expressões em Gênesis.
No primeiro texto em Gn 3,2, temos uma mulher chamada Havah318 que diz/grita319
para serpente, que se pode comer de toda árvore do jardim. Tanto a serpente 320 quanto a
árvore321 , são no oriente o símbolo da fertilidade.
316
KRAFT, Robert A., Harold Attridge, Russell Spittler, and Janet Timbie.The Testament of Job According to the
SV Text [SBLTT 5; Pseudepigrapha Series 4; Missoula, MT: Scholars Press, 1974).
317
GALLAZZI, Sandro. O grito de Jó e de sua mulher. Revista de Interpretação BíblicaLatino-
Americana/Ribla, 52, Petrópolis: Vozes, p.39-65, 2005.
318
PATON, Lewis Bayles. The Oral Sources of the Patriarchal Narratives. Source: The American Journal of
Theology, Vol. 8, No. 4, pp. 658-682. Published by: The University of Chicago Press Stable URL:
http://www.jstor.org/stable/3153773.
319
Sabemos que não se trata propriamente de uma mulher individual. No entanto entendemos que ela pode
representar um grupo de mulheres com a habilidade de produzir vida (Gn 3,20a -hW"åx;), em seu maior espectro de
entendimento; AULD, A. Graeme. Review: [untitled]. Reviewed work(s): The Deuteronomistic History by
104
Em Gn 16,5a, a mulher Sarai322 diz/grita para Abram que a afronta dela estará sobre
ele, um motivo para entendermos tal grito seria a sua momentânea infertilidade (e/ou de
Abraham), frente à fertilidade de Hagar323 . Já em Gn 21,6a, a mulher Sarah diz/grita para
Elohim, que agora ela é fértil.
Em Gn 24,24a, a mulher Rebeca324 diz/grita para o servo de Abraham, que é da
família de Betuel. O que posteriormente virá a ser a mulher de Itshak, e gerará os gêmeos.
Na continuação em 27,13a, ela (Rebeca) diz/grita para Iakov que a maldição de Itshak recaía
sobre ela.
Em Gn 30,1b, a mulher Raquel325 diz/grita para Iakov, que ele a faça gerar filhos,
pois ela (e/ou Iakov) era infértil. O que desencadeia uma reação em Iakov. Já em Gn 30,6a,
essa mulher Raquel diz/grita que Elohim a julgou e deu-lhe a habilidade de ser fértil.
Em Gn 30,18a, a mulher Lea326 diz/grita que Elohim havia lhe propiciado o dom de
ser fértil por um salário. Ainda em Gn 30,20a, essa mulher Lea diz/grita que Elohim a
presenteou novamente com a fertilidade.
E por último em Gn 38,25a, a mulher Tamar327 diz/grita contra o cruel Iehudah, que ele
reconheça os instrumentos daquele que a tinha fertilizado.
A seguir será apresentado um quadro comparativo dos elementos encontrados da
mulher de Jó em 2,9a, e nos textos elencados acima em Gênesis.
Martin Noth, Source: Journal of Biblical Literature, Vol. 102, No. 3 (Sep., 1983), pp. 451-454, Published by:
The Society of Biblical Literature Stable URL: http://www.jstor.org/stable/3261025
320
REIMER, Haroldo. A serpente e o monoteísmo. In: Congresso Brasileiro de Pesquisa Bíblica (1.:2006:
GOIÂNIA GO); REIMER, Haroldo; SILVA, Valmor da (Org.). Hermenêuticas Bíblicas: contribuições ao I
Congresso Brasileiro de Pesquisa Bíblica. São Leopoldo: Oikos/Goiânia : UCG, 2006. 252 p. ISBN 8589732487.
p.115-120.
321
STRAUMANN, Schüngel. Sobre a criação do homem e a mulher em Gênesis 1-3: reconsiderando a história e
a recepção dos textos. A feminist companion Genesis, Paulinas, 2000, p. 62-72.
322
MOISES, Elvira. Ribla 68. A construção identitária e religiosa das mulheres em Gn 29 -31; Ex 1, p. 23.
323
TEUBAL, S. J. Sarah the Priestess: The First Matriarch of Genesis (Athens, OH: Swallow Press); Hagar the
Egyptian: The Lost Traditions of the Matriarchs (San Francisco: Harper & Row).
324
BRENNER, Athalya. Comportamento social feminino: dois modelos descritivos dentro do paradigma d o
“nascimento do herói”. A feminist companion Genesis, Paulinas, 2000, p. 234.
325
HAWK, L. Daniel.Cast Out and Cast Off: Hagar, Leah, and the God Who Sees. PRISCILLA PAPERS • Vol.
25, No. 1 • Winter 2011.
326
MILNE, Pamela J. A matriz patriarcal da escritura: as implicações da análise estrutural para a
hermenêutica feminista. A feminist companion Genesis, Paulinas, 2000, p. 207.
327
BASS, D.“Women’s Studies and Biblical Studies: Na Historial Perspective”, JSOT 22:6-12, 1982.
105
O grito da mulher de Jó 2,9b, parece ser uma tradição entre as diversas mulheres. Ela
grita contra Jó como: Havah328 a Serpente; Sarah329 a Abraham e a Elohim; Rebeca ao servo
de Abraham e a maldição de Itzhak; Raquel a Iakov e a Elohim; Lea a Elohim, e Tamar 330
ao cruel Iehudah. Um motivo comum para toda essa contestação é a manutenção da família
que se dá através das condições prósperas de fertilidade. Na verdade elas não estão
diretamente interessadas em nenhuma teologia 331 , mas na vida de sua parentela.
328
PFEIFFER, H. “Der Baum in der Mitte des Gartens. Zum überlieferungsgeschichtlichen Ursprung der
Paradieserzählung (Gen 2,4b – 3,24)”, ZAW 112 (2000), pp. 487-500.
329
TEUBAL, S. J. Sarah the Priestess: The First Matriarch of Genesis (Athens, OH: Swallow Press); Hagar
the Egyptian: The Lost Traditions of the Matriarchs (San Francisco: Harper & Row); TERRIEN, S. CAT 13,
1963; UEHLINGER, C. Weltreich und “ein Rede”. Eine neue Deutung der sog. Turmbauerzählung (Gen 11,1 -
9) (OBO 101), Friburgo (CH), Göttingen, 1991; TAMEZ, Elsa. “De silencios y gritos: Job y Qohélet en los
noventa”, en Pasos, San José, Departamento Ecuménico de Investigaciones/Editorial DEI, vol.82, 1999, p.1-6.
330
DREHER, Isolde Ruth. A história de Dina: e de outras mulheres Gênesis 12-38. São Leopoldo: CEBI, 2010. 74
p. Bibliografia.ISBN 9788577330843; DRIVER, S. R.The Book of Genesis (London: Methuen), 1904; CHWARTS,
Suzana. Uma visão da esterilidade na Bíblia Hebraica. – São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2004. 242
p.
331
CAESAR, Lael O. Job: Another New Thesis. Source: Vetus Testamentum, Vol. 49, Fasc. 4 (Oct., 1999), pp.
435-447. Published by: BRILL Stable URL: http://www.jstor.org/stable/1585409; GALLAZZI, Sandro. El grito de
Job y de su mujer. Ribla 52, pp. 2. O autor diz: “Todos nós, seres humanos estamos condenados a pensar em
Deus a partir das pequenas categorias de nossa mente. Não há como falar de Deus sem projetá -lo em nossa
vida, nossa experiência, nosso imaginário e por isso, nossas limitações, confinados em nossa h istória”.
106
Certamente a Mulher de Jó grita contra a teologia 332 apresentada já que ela não pode
dar conta da realidade. Não há nenhuma causalidade envolvida, o que há para elas é uma
falta de solidariedade que esteve presente tanto em tempos prósperos quanto em tempos
difíceis. Pois elas sabiam que os acontecimentos ocorrem de todas as maneiras sem nenhuma
lógica elaborada. Em última instância essa questão do sofrimento não pode ser equacionada
adequadamente, é algo misterioso. E partindo daí elas pensaram em proposições para
denunciar o que estava no alcance das pessoas nesta situação.
O relato é complexo já que de repente essa Mulher grita e desaparece formalmente da
cena. Esse personagem Jó333 deve representar um determinado grupo de pessoas, depois da
catástrofe: os filhos e filhas são cativos enquanto banqueteavam, e todas as riquezas são
levadas, que ainda culminou na incineração do próprio templo no pós-exílio (caiu fogo do
céu). Propomos que ele representa os cativos da ruína, que ainda mesmo contraindo uma
terrível doença334 de pele sobrevive (seria a lepra da Pérsia?).
É bom pensar em outras palavras que a discussão dessa teologia da retribuição 335 que
o texto pode se referir não está na pauta de preocupação da Mulher de Jó. Assim como
Havah não estava fundamentalmente preocupada em nomear coisas, mas em ter uma família
332
PIXLEY, Jorge. El libro de Job. Comentário bíblico latinoamericano. Ediciones SEBILA, San José (Costa Rica)
1982, p. 14. O autor diz: “o livro de Jó é uma crítica fundamental ao método da teologia, crítica feita no
exercício do questionamento da doutrina da universal providência divina”.
333
LLANCO Z.,Efraín. ...Y Yavé respondió desde la desencadena tempestad: Estudio sobre el dolor y sufrimiento
en Job. Revista Bíblica Andina, Quito, n. 5, p.33-48, mar. 1999; LUGINBÜHL, M. Menschenschöpfungsmythen.
Ein Vergleich zwischen Griechenland und dem Alten Orient (EHS 15/58), Berne et al., 1992; NEGRI, Antonio. Jó,
a força do escravo. Tradução de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Record, 2007. 172 p. Bibliografia. ISBN
9788501071316; POZZO, Aldo Dal. “Releitura popular da Bíblia para um outro mundo possível – O mundo que
Jó não viu”, en Estudos Bíblicos, Petrópolis, Editora Vozes, vol.75, 2002, p.38 -47;RESISTÊNCIA de Jó frente à
dor e ao sofrimento. Ultimato, Viçosa,v.40,n.308,p.30-33, set./out. 2007; SOELE,
Dorothee. Sofrimento. Tradução de Antonio Estevao Allgayer. Petrópolis: Vozes, 1996. 189 p. ISBN 85 -326-
1568-6; PEGORINI, Nilson y OLIVEIRA, Quiquita. Proposta de roteiro para estudo do livro de Jó. São Leopoldo,
Centro de Estudos Bíblicos, 1996, 28p.;PERDUE, Leo G. and GILPIN, W. Clark. The Voice from the whirlwind:
interpreting the book of Job. Abingdon Press, Nashville, 1991, 263 pp.; MAIER, C., SCHROER, S. “Das Buch Ijob.
Anfragen das Buch von leitenden Gerechten”, enSCHOTTROFF, L., WACKER, M.-T. (eds.). Kompedium
Feministische Bibelauslegung, Gütersloh, 1998, pp. 192-207.
334
BASSON, Alec. Just Skin and Bones: The Longing for Wholeness of the Body in the Book of Job . Source: Vetus
Testamentum, Vol. 58, Fasc. 3 (2008), pp. 287-299. Published by: BRILL Stable URL:
http://www.jstor.org/stable/20504389.
335
DALDOCE JÚNIOR, Dilson. Teologia e Antiteologia: o Livro de Jó e a defesa da vida. Texto apresentado ao
Programa de Pós-Graduação em Teologia da Pontifícia Uni versidade Católica do Paraná, 2011-2012, pp. 8. O
autor diz: “A antiteologia constitui o discurso, também sobre Deus, sobre a relação do ser humano com o
Sagrado, sobre a fé do ser humano no Divino, mas que, ao invés de fornecer como
consequência de seu discurso a defesa dos vulneráveis, termina por criar brechas doutrinárias que excluem,
oprimem, segregam e matam os seres humanos. E qualquer antiteologia é demasiado perigosa, uma vez que
confunde os sujeitos de fé e fornece uma falsa imagem de Deus e da religião, sendo possível de ser encontrada
“no posicionamento daqueles que traem o sentido puro ou correto da fé, isto é, quando se introduzem
entendimentos espúrios capazes de inviabilizarem, inclusive, o diálogo teológico doutrinal sobre a fé em
questão”.
107
fértil (serpente) e com alimento (árvore). E Sarah não estava preocupada em construir
altares, mas, chegou a ‘amaldiçoar’ a Abraham por ele não saber resolver uma questão
familiar que envolvia os filhos, e riu com Elohim pela sua fertilidade. E Rebeca não ficou
propriamente fixada nos presentes que lhe trouxe o servo interesseiro de Abraham, mas, se
posicionou como capaz de produzir fertilidade, e enfrentar os outros três homens (Itzhak,
Esav e Iakov). E Raquel, a ovelha, não está preocupada com os Terafins, antes quer ter
filhos para poder sobreviver no dia futuro, gritando contra Iakov Elohim e depois contra
Lavan. A sua irmã Lea336 , quer ter filhos, usa até artifícios vegetais para tê-los, ser
desprezada se tornou uma preocupação secundária. E Tamar, queria ter uma descendência
para poder ter amparo, segurança, um lugar e alguém para enterrá-la, e com coragem se
protege vitoriosa, contra as convenções machistas da sua época e contra o cruel Iehudah.
336
HAWK, L. Daniel.Cast Out and Cast Off: Hagar, Leah, and the God Who Sees. PRISCILLA PAPERS • Vol.
25, No. 1 • Winter 2011.
337
MEIER, Sam. Job I-II: A Reflection of Genesis I-III. Source: Vetus Testamentum, Vol. 39, Fasc. 2 (Apr.,
1989), pp. 183-193. Published by: BRILL Stable URL: http://www.jstor.org/stable/1519575.
338
HIGGINS, J.M. “The Myth of Eve: The Temptress”, JAAR 44: 639-647, 1976; MEYERS, Carol L. Papéis de
Gênero e Gênesis 3,16 revisitado. A feminist companion Genesis, Paulinas, 2000, p. 143.; BECHTEL, Lyn M.
Repensando a interpretação de Gênesis 2,4b-3,24. A feminist companion Genesis, Paulinas, 2000, p.
114.;GEBARA, Ivone, Mulheres femininas e feministas fazendo teologia. In: Contexto Pastoral, CBEP/Rio de
Janeiro: CEDI, ano III, nº1 (maio/junho), 1993.pp.6 -7. GIDDENS, Anthony. Modernidade e Identidade. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002; FIORENZA, Elisabeth Schüssler. Discipulado de Iguais: uma ekkesialogia
feminista crítica da libertação. Petrópolis: Editora Vozes, 1995; LAURETIS, Teresa de. A tecnologia de gênero.
in: HOLANDA, Eloísa Buarque de (org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de
Janeiro, Rocco, 1994, pp. 206-242.
108
relacionado a partir dessa mulher (2,9-10) com outras mulheres, e também com outras
referências a outros temas em Jó 1-2339 .
Além dessas relações de Jó 1-2, com os textos em Gênesis, outra metodologia
complementar para essa análise será levantado, que levará em consideração que o resultado
de convenções escolhidas pelo leitor pode incorrer na restrição de significado à tradição de
interpretação à qual pertence o leitor. No caso dos estudos bíblicos, pode significar que a
tradição de interpretação pelo qual se lê nos textos é o resultado de um processo seletivo
praticamente realizado pelo mundo dos homens.
Essa contribuição foi elaborada por várias exegetas340 que descobriram nos textos
tradições das mulheres dentro de mundo masculino, seguindo três passos metodológicos:
1. Devem-se alterar aquelas tradições interpretativas atuais que são direcionadas por leituras
convencionais. Isto pode ser feito mudando nossa perspectiva para as situações não-
dominantes e marginalizadas. Neste sentido deve-se ler o texto a partir de um corpo de
escritos de mulheres; 2. Esta alteração é seguida por levantar do gênero do autor a
possibilidade de que um texto bíblico tenha uma autora, abrindo novos caminhos de
interpretação. Isto afeta a atitude da pessoa como leitor, na medida em que traz outros
paradigmas interpretativos para relacionar com o texto. Pode-se tentar ler sinais de mulheres
em textos bíblicos; 3. Estabelecer convenções de final em aberto, quer dizer criar um espaço
aberto, no qual as convenções que ainda são alheias ao leitor possam ser elaboradas.
O quadro a seguir revela essa comparação das mulheres que gritam:
339
CURTIS, E. L. (Review by: E. L. Curtis). Source: The Biblical World, Vol. 29, No. 2, pp. 157-158.
Published by: The University of Chicago Press Stable URL: http://www.jstor.org/stable/3140629; DELL,
Katharine J. (Review by: Tryggve N. D. Mettinger). The Book of Job as Sceptical Literature.Vetus
Testamentum, Vol. 42, Fasc. 3 (Jul., 1992), pp. 415-420. Published by: BRILL Stable URL:
http://www.jstor.org/stable/1518734; DION, Paul-E. Un nouvele clairage sur le contexteculturel des malheurs
de Job. Source: Vetus Testamentum, Vol. 34, Fasc. 2 (Apr., 1984), pp. 213-215. Published by: BRILL Stable
URL: http://www.jstor.org/stable/1518146. O autor diz que: “A lenda de Jó faz parte da cultura acadiana, como uma
literatura do Justo Sofredor e também nos textos médicos babilônicos BAM 234,9”.
340
ROSADO, Maria José. O Impacto do feminismo sobre o estudo das Religiões. In: Cadernos Pagu. Campinas,
nº 16, 2001, pp.79-96; ROSADO, Maria José. Teologia feminista e a crítica da razão religiosa patriarcal:
entrevista com Ivone Gebara. In: Revista de Estudos Feministas. Florianópolis, vol.14 (1), (Jan./ Abr) 2006,
pp.294-304; JOBLING, D. “Structuralism, Hermeneutics and Exegesis”, USQR 34, 1974; The Myth
Semantics of Gen 2.4b-3,24. Semeia 18: 41-49, 1980; The Sense of Biblical Narrative. I.Structural Analysis in
the Hebrew Bible (Sheffield: JSOT Press), 1986a; “Myth and Limits in Genesis 2,4b -3,24”, in The Sense of
Biblical Narrative. II Structural Analysis in the Hebrew Bible (Sheffield: JSOT Press): 17-43, 1986b; LEACH,
E. “Lévi-Strauss in the Garden of Eden: An Examination of some Recent Developments in the Analysis of
Myth”, Transactions of the New York Academy of Sciences II. 23/4: 386-396, 1961; Genesis as Myth and
Other Essays (Suffolk, England: Richard Clay), 1971; Culture and Communication: The Logic by which
Symbols are Constructed (Cambridge: Cambridge University Press), 1976; “Anthropological Approache s to
the Study of the Bible during the Twentieth Century”, in E. Leach e D. A. Aycock (eds.), Structuralist
Interpretations of Biblical Myth (Cambridge: Cambridge University Press), 1983; OLIVEIRA, Ivone Brandão
de. A questão da terra no livro de Jó: um estudo exegético de Jó 15. 2007. 188 f. Dissertação - Faculdade de
Filosofia e Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo. Disponível
em: <http://ibict.metodista.br/tedeSimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=506>.
109
Jó 1-2 Gênesis
1,1b - Irv'y"w> ~T' aWhh; vyaih' hy"h'w> 6,9 - ~ymiîT' qyDI²c; vyaiî x:nO©
e aconteceu o homem ele inteiro e reto Noah homem justo inteiro(s)
2,3a - rv"±y"w> ~T'ó vyaiä
homem inteiro e reto
1,2-tAnB' vAlv'w> ~ynIb' h['b.vi Al± dl.W"ïYIw: 35,22b - rf")[' ~ynEïv. bqoß[]y:-ynE)b. Wyðh.YI)w:
E foram gerados para ele 7 filhos e 3 filhas e aconteceram filhos de Iakov 2+10
30,21- hn")y DI Hm'v
Þ .-ta, ar"îq.Tiw: tB;_ hd"l.y"å rx:ßa;w>
E outra gerou filha e (ela) chamou o nome dela Dinah
110
Nota-se aqui possíveis similitudes, entre os homens Jó e Noah341 , ambos são justos e
inteiros; e as famílias de Jó e Iakov (Jacó) são semelhantemente numerosas. Os homens Jó e
Abraham (Abraão) possuem muitas riquezas, apreciam levantar cedo e se preocupam com as
questões de bênçãos e maldições. O erro/pecado 342 de Kain (Caim) ecoa na preocupação de
341
WOLDE, Ellen Van. A Text-Semantic Study of the Hebrew Bible, Illustrated with Noah and Job. Source:
Journal of Biblical Literature, Vol. 113, No. 1 (Spring, 1994), pp. 19 -35. Published by: The Society of Biblical
Literature Stable URL: http://www.jstor.org/stable/3266308
342
GALLAZZI, Sandro. El grito de Job y de su mujer. Ribla 52, pp. 6. O autor diz: “O ponto de partida: a teologia
da prosperidade. Jó está vivendo uma situação de grande prosperidade: uma riqueza incomensurável
111
acompanha a retidão e integridade de quem teme a Deus e se aparta do mal. Dos sete filhos e três filhas de Jó,
só se lembram dos numerosos banquetes e dias de festa. Eles de nada necessitam, já que o pai Jó têm escravos
em grande número”.
343
LÈVÉQUE, J. Job el libro y el mensaje. Editorial Verbo Divino, Estella (Navarra), 1987, pp. 9. O autor em
sua obra diz: “Na Bíblia, esse tema está esboçado em Gn 3,19, e ressurge em paralelo no Sl 139,13-15, onde se
identifica a terra e a mãe, e mais claramente surge em Eclo 40,1”.
344
PATTE, D. & J. F. Parker. “A Structural Exegesis of Gen. 2-3”, Semeia 18: 141-159, 1980; KEIL, C. F.
Genesis und Exodus (Giessen/Basel), 1983.; KRAUSS, Henrich; KUCHLER, Max. As origens: um estudo de
Gênesis 1-11. Tradução de Paulo Ferreira Valerio. São Paulo: Paulinas, 2007. 248 p., il.;HÖLSCHER, G. HAT
I/7, 1952; GERSTENBERGER, Erhard S. The Paternal Face and the Maternal Mind of Yahweh . Copyright ©
1997 by Word & World, Luther Seminary, St. Paul, MN, p. 365-375; DERRETT, J. D. M. “Speaking of
Believing in Genesis 2-3”, Semeia 41: 135-139, 1988; DESROUSSEAUX, L. (ed.). La creation dans l’Orient
ancient: congrès de l’ACFEB, Lille (1985) (LeDiv 127), Paris, 1987; DHORME, E. EtB, 1926; BAL, M.
Femmes imaginaires: L’Ancien Testament au risqué d’une narratologie critique (Utrecht: HES; Montreal:
HMH; Paris: Nizet), 1986b; BAL, M. “Sexuality, Sin and Sorrow: The Emergency of Female Character (A
Reading of Genesis 2-3)”, Poetics Today 6:21-42, 1985b; BAUMGARTEN, N.C. Die Umkehr des
Schöpfergottes. Zu Komposition und religiongeschichtlichen Hintergrund von Gen 5-9 (HBS 22), Friburgo i.
Br., 1999; CASTEL, F. Commencements.Les onze premiers chapitres de la Genèse, Paris, 1987; MOREIRA,
Gilvander L. Gênesis 1-3: Recriação. CEBI-MG, 2007, p. 7-32; MÜLLER, H-P.Das Hiobproblem: seine
Stellung und Entstehung im Alten Welt Orient und im Alten Testament (EdF 84) , Darmstadt, 1995; MÜLLER,
H-P. Der Welt- und Kulturentstehungsmythos des Philon Byblios und die biblische Urgeschichte, ZAW 112
(2000), pp. 161-179; REIMER, Haroldo. “Criação: complexo espaço-planetário – Uma leitura de Jó em
perspectiva ecológica”, en Fragmentos de Cultura, Goiania, Instituto de filosofia e teologia de Goiás/IFITEG,
Vol. 12, n.4, 2002, p. 643-657; PURY, A. Le chant de la creation. L’homme et l’univers selon le récit de
Genèse I (Cahiers bibique 1), Aubonne, 1986.
345
Op cit, Schroer, Silvia. Pg 135
112
“mulher-queda”. A exegese feminista – mas ela não foi a primeira e nem a única – refutou
algumas interpretações tradicionais e errôneas a partir de uma leitura mais atenta do texto.
A data exata do surgimento de Gn 2-3 não pode ser definida, uma vez que vários
motivos narrativos entrelaçados apontam para um processo mais longo. Provavelmente, a
parte principal da narrativa foi fixada por escrito na época da monarquia. Algumas relações
temáticas não foram esclarecidas até hoje. Desde a Idade do Bronze Tardio, a serpente tem
na iconografia uma relação estreita com a Deusa (Qudshu, que segura duas serpentes),
porém o simbolismo da serpente no Antigo Oriente é tão polivalente que o pano de fundo da
relação mulher-serpente não fica claro. Na Palestina, foi atribuída desde sempre à Deusa
uma àrvore sagrada que, aqui, porém, é submetida a um tabu.
Na narrativa bíblica, porém, mulher e homem abrem mão da ordem estabelecida. A
tentação da àrvore está – aqui há um acúmulo de motivos – em suas frutas desejáveis e no
fato de ela prometer vida sem morte, conhecimento do bem e mal, ser como Deus e ter
sabedoria (cf. ainda em Eclesiástico 24 o enraizamento da hokmah em diversas àrvores).
A mulher não é uma criação secundária, porque um ish - “homem”- recebe sua
identidade sexual apenas pela criação de uma ishah, enquanto se fala antes apenas do Adam,
“terrestre”, sem qualquer definição sexual. A mulher é levada ao homem como seu
semelhante e auxiliar e como o ser mais intimamente aparentado. Gn 2,24 explica esse
parentesco dizendo que todo homem negligenciará (não abandonará) seus pais algum dia
para ficar com sua mulher. O texto não apresenta indícios para antigas organizações
matrilineares, nas quais o homem passou a morar com a família da mulher.
Havah (”mãe de tudo o que é vivo”/ fertilidade) está com certeza na tradição de uma
antiga Deusa-mãe, mas agora é substituída pela mulher israelita. A posição destacada de Gn
2-3 na história javista das origens e no Pentateuco insinua que Adão e Eva significam
personagens corporativos, homem e mulher em Israel como tais. Schroer 346 ainda diz que os
personagens corporativos aparecem várias vezes nas tradições bíblicas (Moisés como
representante do Supremo Tribunal de Jerusalém, Aarão como representante da classe
sacerdotal, Miriã talvez como representante da mulher israelita que depois do segundo
êxodo de Israel questiona autoridades, Sifrá e Puá como representantes da categoria das
parteiras, etc.). Adão representa o camponês israelita que, com sofrimento, tira o fruto da
terra. Eva (Havah) representa a mulher israelita cuja vida é marcada e também ameaçada por
gravidezes. O texto silencia que Eva, na sociedade aldeã agrícola, também deve ter
trabalhado na roça como camponesa. Assim, torna invisível o trabalho de mulheres.
346
Ibdem, pg 136
113
Homem e mulher não são atingidos com a mesma dureza na luta pela existência fora
do paraíso. A mulher é atingida duplamente. A relação entre homem e mulher em Israel é
cacacterizada , por um lado, por vínculo e afeto, mas, por outro, pela dominação do homem.
Nessa narrativa, mítica, a mulher assume o papel de conselheira. Ela é ativa; o homem reage
a seus estímulos. Ela se interessa por aquilo que é proibido, por coisas que vão além da mera
sobrevivência: vida sem morte e sabedoria. Ela toma suas decisões. De fato, o papel da
conselheira do marido é a tarefa provavelmente mais importante da esposa israelita, mais
importante do que seu papel de dona de casa importante da esposa israelita, mais importante
do que seu papel de dona de casa. É uma regra fixa que o homem segue o conselho da
mulher e aceita seu ensinamento e a única exceção é Jó com Sitis.
Essa posição poderosa da mulher na casa e também o papel de conselheira
desempenhado pelas rainhas-mães foram com certeza também hostilizados pelos homens
israelitas. Em Gn 3, Havah é apresentada claramente no papel tradicional, mas como má
conselheira, cujo conselho não leva à salvação, mas à desgraça para todos, assim como Sitis
estava sendo julgada pela teologia do templo.
O contexto faz supor que se trata aqui da influencia das mulheres em questões
religiosas, de sua preferência por àrvores e serpentes, sua busca de sabedoria (Hokmah)
autônoma, capacidade de inteligência e vitalidade (vida sem morte). Com isso elas se tornam
concorrentes do Deus de Israel e entram numa tensão com o culto do templo a Iahweh.
Conclusivamente, há uma distinção importante (uma novidade) que move todo o
prólogo de Jó e que o separa de Gn 1-2. Este segundo Adam nãosucumbiu à tentação. De
acordo com o prólogo de Jó a sentença que fora pronunciada no Éden é reversível. E apesar
de Jó não ter sido um ‘homem eterno’, mesmo assim, há uma afirmação de que a queda não
é a palavra final sobre a condição humana. Na verdade, o prólogo de Jó implica que embora
Jó não seja um ‘homem eterno’, cada homem pode ser um Jó e cada mulher uma Sitis.
5,12 (2x); 9,10 (2x), portanto com forte inferência ao estafe sacerdotal. E ainda a sinalização
de ‘fazer elevar elevação’, isto é, sacrificar sacrifícios que surge em Jó em com Noah, pode
estar associado a atividade no templo. Finalmente, esse filhos-do-oriente podem estar
associados aos pós-exilados.
Veja o quadro abaixo:
Jó Gênesis
1,4b - Am=Ay vyaiä tyBeÞ
casa homem em seu dia 43,33a-At=r"[ic.Ki ry[iÞC'h;w> Atêr"koåb.Ki rkoB.h;'
1,13b - rAk*B.h; ~h,îyxia] tybeÞB. o primogênito como sua primogenitura e o menor
como sua menoridade
em casa (do) irmão deles o primogênito
2,11b - AmêqoM.mi vyaiä ‘Wabo’Y"w:
e entraram (cada) homem desde seu lugar
1,3b-~d<q<)-ynEB.-lK'mi lAdßG" aWhêh; 29,1-~d<q<)-ynEb. hc'ra> :ï %l,YEßw: wyl'g_ >r:
vyaiäh' ‘yhiy>w: bqoß[]y: aF'îYIw:
e aconteceu o homem ele era grande desde todos e alçou Iakov seus pés e andou para terra filhos -do-
filhos-do-oriente (Kedem) oriente (Kedem)
30,43a - dao+m. daoåm. vyaiÞh' #roïp.YIw:
E (Iakov) rompeu o homem muito muito
Pode-se concluir dizendo que não há no texto menção explícita de templo, altares e
sacerdotes. Mas os vestígios acima apresentados podem apontar para esta hipótese de
lugar347 . Mas, parece que há uma consideração que se deve refletir de posse desse
acontecimento dramático, e assim poderá perguntar: porque será que os filhos morrem, a sua
mulher desaparece e Jó continua bem vivo na narrativa? Na análise exegética do capítulo 1
foi respondido.
347
VARGON, Shmuel. The Date of Composition of the Book of Job in the Context of S. D. Luzzatto's Attitu de
to Biblical Criticism. Source: The Jewish Quarterly Review, New Series, Vol. 91, No. 3/4 (Jan. - Apr., 2001),
pp.377-394. Published by: University of Pennsylvania Press Stable URL: http://www.jstor.org/stable/1455552;
SEOW, C. L. Orthography, Textual Criticism, and the Poetry of Job . Source: Journal of Biblical Literature,
Vol. 130, No. 1 (SPRING 2011), pp. 63-85. Published by: The Society of Biblical Literature Stable URL:
http://www.jstor.org/stable/41304188; SMITH, John Merlin Powis. (Review by: John Merlin Powis Smith).
Source: The American Journal of Theology, Vol. 23, No. 3, p. 396. Published by: The University of Chicago
Press Stable URL: http://www.jstor.org/stable/3155313; The Book of Job. Source: The Old and New Testament
Student, Vol. 10, No. 2, p. 123 Published by: The University of Chicago Press Stable URL:
http://www.jstor.org/stable/3157692; The Book of Job. Source: The Soil, Vol. 1, No. 1, pp. 1-2. Published by:
Stable URL: http://www.jstor.org/stable/20542229
115
entendido como Wll.qi (amaldiçoa), que por sua vez poderia, talvez, ter o sentido de tornar-
se leve/irrelevante359 . Diante disto propõe-se uma livre tradução alternativa: “e disse
continua se esforçando em situações que não se encontra sentido, abençoar ou amaldiçoar
Elohim tanto faz o jeito mesmo é morrer”. Não é a intenção isentar ninguém, tanto o autor e
o texto, quanto à mulher ou o leitor, de uma interpretação que incomoda, afirmando uma
situação de crise entre a humanidade e Elohim. Mas, mostrar que é compreensivelmente
348
ANDERSEN, Francis I. op cit.Os pais da igreja cristã tiveram suas posições teológicas sobre essa
mulherbaseando-se nessa nova maneira de se fazer teologia em Israel no pós -exílio, levando Santo Agostinho
considerar a mulher de Jó como diaboli adjutrix (assistente do diabo), Crisóstomo: o melhor flagelo de
Satanás, Calvino: organi Satani (órgão de Satanás), e ainda nesse período pós -moderno ela ainda é humilhada
por muitos teólogos e musicistas cristãos que a consideram profana e indelicada ao sofrimento de seu esposo
Jó.
349
rmadizer - verbo kal imperfeito 3ª. pessoa feminino singular.
350
qzxapoiar - verbo hifil part. m.s.
351
$rb oabençoar, ajoelhar - piel imperativo masculino singular.
352
twmmorrer - verbo kal imperativo masculino singular.
353
rmadizer - verbo kal imperf. 3ª. p.m.s.
354
rbd falar - verbo piel infinitivo construto.
355
rbd falar - verbo piel imperf. 2ª.p.f.s.
356
lbqreceber - verbo piel imperf. 1ª.p.c.p.
357
lbqreceber - verbo piel imperf. 1ª.p.c.p.
358
ajxerrar, pecar - verbo kal perf. 3ª. p.m.s.
359
WILHELM, Gesenius. Hebrew and Chaldee Lexicon to the Old Testament Scriptures, p. 733. – informa que
essa raiz verbal não está atestada no tronco Kal. E ainda que tanto em Árabe como em Etíope têm o sentido de
iluminar.
116
humano não entender, questionar, e até se revoltar diante das adversidades, quando se pensa
numa ideia de causa e efeito360 .
Todo o povo simples, para poder participar normalmente das cerimônias religiosas,
era obrigado a fazer sacrifícios e levar ofertas no Templo (Ne 10,29-40).Os sacrifícios
tradicionais eram o holocausto e o sacrificio de comunhão, em que eram oferecidos bois ou
ovelhas, e a oblação, oferta de um tipo de pão de farinha de trigo. O Templo arrecadava seus
tributos através deles.
Por isso, com a necessidade do Templo arrecadar também o tributo para os persas,
será instituída a lei do puro x impuro, que já falamos, e um novo sacrifício, o de expiação
pelo pecado, um sacrifício de purificação ( Lv 4,27-7,38). O pecado não é mais uma
transgressão voluntária de algum aspectoda lei de Deus, agora pecado é viver em uma
situação de impureza. Doenças (Lv 13-14), profissões ou serviços que causavam contato
com animais mortos ou impuros (Lv 11), ou com coisas consideradas impuras ( Lv 15,1-18),
deixam a pessoa em estado de pecado, isto é, impura. Praticamente todos os trabalhadores e
trabalhadoras estavam em contato com alguma coisa ou pessoa impura.
Os sacerdotes é que definiam o que ou quem era puro e o que ou quem era impuro
(Ez 44,23). E a sociedade ficou dividida em pessoas e raças puras e pessoas e raças impuras.
Só aqueles que eram considerados puros tinham acesso ao sacerdócio e, através do
sacerdócio, aos principais cargos públicos e religiosos. Os impuros são afastados do
convívio com os outros, para que não transmita sua impureza a toda a congregação (Nm 5,1-
3).
O Templo vai se tornando o centro econômico, político e religioso do país. Os
sumos sacerdotes, que controlavam o Templo, vão ficando cada vez mais ricos e poderosos.
360
SACKS, R.The Book of Job with Commentary: A Translation for Our Time (South Florida Studies in the
History of Judaism 197), Atlanta (Ga), 1999; WEINBERG, J. “Was Elihu, the Son of Barachel, the Author of
the Book of Job?”, Trans 16 (1998), pp. 149-166; SETERS, J. van. “The Primeval Histories of Israel and
Greece Compared”, ZAW 100 (1988), pp. 1-22; VAAGE, Leif.“Do meio da tempestade a resposta de Deus a
Jó – Sabedoria bíblica, ecologia moderna, vida marginal – Uma lectura de Jó 38,1-42,6”, en RIBLA,
Petrópolis, Editora Vozes, vol.21, 1995, p.62-77; VOGELS, W. Job. L’Homme que a bien parlé de Dieu (Lire
la Bible 104), Paris, 1995; WHARTON, J.A. Job (Westminster Bible Companion), Westminster, 1999; VOX
SCRIPTURAE - REVISTA TEOLÓGICA BRASILEIRA. São Bento do Sul: FLT-MEUC. Semestral.
Faculdade Luterana de Teologia/União Cristã Ed. e Ceteo l - editores. ISSN 01040073; ZENGER, E. Gottes
Bogen in den Wolken.Untersuchungen zu Komposition und Theologie der priesterschriftlichen Urgeschichte
(SBS 112), Stuttgart, 1987.
117
Eram eles que executavam na Judéia a política do império Persa. E foi contra eles que Sitis
protestou.
Seguindo a Teologia da Retribuição, os mestres e doutores da religião pediam
paciência aos justos que estivessem sofrendo. As injustiças que lhes causavam sofrimentos
seriam passageiras, e sua fidelidade e paciência seriam recompendados.
A partir das casas as mulheres não ficam caladas. Quem se relacionava mais de perto
com essa situação no dia-a-dia eram as mulheres. Eram elas que todo o dia repartiam as
migalhas na hora de comer, tinham de esconder suas próprias lágrimas para poder enxugar
as lagrimas dos seus. Como poderão ficar caladas quando falta comida, quando filhos e
filhas passam fome? Quando filhos e filhas são escravizados? Por isso, como se nota, são
elas “as mulheres” que clamam. E protestam profeticamente (Ne 5,1), contra a Teologia da
Retribuição. Deviam ficar caladas esperando que Deus fizesse justiça. Protestar contra a
injustiça era não confiar na justiça de Deus, era ser rebelde e não aceitar o plano de Deus, o
mesmo que “amaldiçoar a Deus”. Por isso a mulher de Jó (Sítis) é introduzida no texto e na
história com um comportamento muito negativo, com o propósito de difamar as mulheres
que protestam.
Ternay361 afirmou que quando Jó chama sua esposa de “doida”, ele apenas compara
a linguagem dela aquela dos homens cujo sofrimento os tornam loucos. E a mulher de Jó
revela a pessoa que estava sofrendo muito para tentar ajudar a si mesma e ao marido diante
de tamanha dor e de perdas na vida. Por isso, Sítis ganha vida nesse texto (2.9,10) ao se
colocar contra a Teologia da Retribuição.
A proposta de Albertz362 com referência a Mulher de Jó, é pensar que ela estivesse
justamente dentro dessa dialética entre divisão/reconciliação teológica tão típica do período
pós-exílico, e que chegou justamente a uma “religiosidade pessoal de pobres”, composta de
um dos pequenos grupos da qual poderia fazer parte. Possivelmente gritando frente à
teologia teocrática e sapiencial da classe alta.
A voz profética da mulher de Jó sem dúvida alguma teve a atenção dos sacerdotes do
Templo, pois segundo Albertz, na reconstrução do templo no pós-exílio, foi feito um estreito
espaço para que as mulheres pudessem entrar também. Logo, essas mulheres estavam
próximas dos sacerdotes para que seus manifestos proféticos pudessem ser ouvidos pelos
sacerdotes:
361
TERNAY, Henri de. O livro de Jó: da provação à conversão, um longo processo. (pág 1 a 45)
Petrópolis,RJ: Vozes, 2001.
362
ALBERTZ, Rainer. História de la Religião de Israel em Tiempos del Antiguo Testamento . Volume I e II.
Editorial Trotta. Biblioteca de Ciências Bíblicas yOrientales. 1999. Sagasta. Espanha, Madrid ,600-601.
118
Frente ao vestuário estava o átrio dos sacerdotes com o altar dos holocaustos, e
diante deste, separado por uma barreira, se abriram o átrio dos israelitas, em que
mais tarde se estreitou um espaço para acolher as mulheres. Tudo ao redor, foi
preenchido artificialmente num aterro para construir ali um grande átrio
acessível a todos os visitantes. (p 600-601).
As mulheres tiveram direito de ter um espaço, estreito, separado por uma barreira,
mas mesmo assim ainda estavam no templo frente o átrio dos sacerdotes com o altar dos
holocaustos, onde havia o átrio dos israelitas, de modo que elas poderiam ser ouvidas pelo
sacerdote ao gritarem contra o que estavam fazendo a elas com essa nova teologia (Ne 5; Jó
2,9; 24).
Mas, para desautorizá-la ainda mais, o Templo continua declarando que a mulher era
impura. Depois do exílio na Babilônia, Israel já não tinha reis, quem governava o povo eram
os sacerdotes, que com Neemias e Esdras recebiam dinheiro e poder dos Persas para
reconstruir e repovoar Jerusalém. Os sacerdotes reorganizaram o país a partir do Templo que
os sacerdotes vão exercer e legitimar a concentração do poder em suas mãos. Em Ez 44,5-31
há toda uma “mística dos sacerdotes” que foi desenvolvida nesta época, que levaram esses
sacerdotes a ficar no poder por mais de 500 anos.
Isso tem várias conseqüências. Dietrich363 vai dizer que a profecia é desautorizada.
Deus só fala com o povo através do sumo sacerdote agora. Os profetas passam a ser
considerados hereges, como falam o nome de Deus se não tem acesso à “Palavra de Deus”
depositada na arca? Não se pode mais escutar Deus na vida. O nome Javé só será
pronunciado uma vez por ano, na grande festa da purificação de todo o povo (Lv 16), pelo
sumo sacerdote. A pronúncia do nome de Deus, que no êxodo diz que desceu para junto do
seu povo (Ex 3,8), é proibida. Deus será recolocado nos céus. E de lá de cima ficará
vigiando para retribuir cada um conforme a lei.
A questão persiste, quem pode ser afinal de contas essa mulher que grita contra essa
teologia? A própria frase demonstra que é uma pessoa que enfrentou Jó e a Elohim, e propôs
um veredito para ambos. Aqui nos parece que Jó, representa certo grupo de homens, e
Elohim, as divindades. Então, não está perguntando, ela afirma que se deve
abençoar/amaldiçoar as divindades, e depois disso que esse grupo de homens morra.
363
Op Cit, pg 29.
119
364
ROSSI, Luiz Alexandre Solano. A falsa religião e a amizade enganadora: o livro de Jó .
São Paulo: Paulus, 2005.p16.
365
Op cit, p127.
120
que morre! O filho não sofre o castigo da iniqüidade do pai, como o pai não sofre o castigo
da iniqüidade do filho: a justiça será imputada a ele, exatamente como a impiedade do ímpio
será imputada a ele”. As palavras de Ezequiel enfocavam o indivíduo. A partir do pós-exílio
essa doutrina da retribuição é aplicada então ao indivíduo e não mais com relação à
coletividade. A relação com Deus, baseada na doutrina da retribuição, se comparada à
realidade dos homens não tem mais nenhum sentido.
Sítis (2,9) questiona os sacerdotes abertamente diante desse modo de pensar e
explicar os sofrimentos humanos. Se Deus é bom e justo, é o autor da vida, como pode ser
ao mesmo tempo o autor do mal? Se todas as desgraças são enviadas por Deus como castigo,
por que muitos não conseguem conhecer a razão de sua punição? Que Deus é esse que tem
prazer em ver o justo sofrendo? É melhor amaldiçoar/abençoar esse “deus” (teologia da
retribuição) e morrer, pois ele é pequeno demais!
Schroer366 relata que os sacerdotes ainda passam a vigiar a fidelidade matrimonial
das esposas e a realizar uma humilhante prova de ordálio já no caso de uma mera suspeita de
adultério (Nm 5). Essa lei anula parcialmente a legislação social deuteronomista, por
exemplo, nas leis sobre o perdão das dividas e a libertação de escravos/as (Lv 25). No
entanto, a lei dirige-se, por cauxsa da nova situação, não apenas aos proprietários livres da
terra, mas a todos os israelitas.
A questão persiste, quem pode ser afinal de contas essa mulher? A própria frase
demonstra que é uma pessoa que enfrentou Jó e a Elohim, e propôs um veredito para ambos.
Aqui nos parece que Jó, representa certo grupo de homens, e Elohim, as divindades. Então,
não está perguntando, ela afirma que se deve abençoar/amaldiçoar as divindades (teologia
vigente), e depois disso que esse grupo de homens morra.
Pode-se então encontrar essas mulheres (que mais nos interessam), esse grupo de
homens e essas divindades, em outros textos das Escrituras para que melhor seja
compreendido qual era de fato o ambiente que se encontravam.
A atitude da mulher de Jó é atribuída como a de “qualquer doida” (Jó 2.10a). A
leitura dessa frase, sem considerar o contexto em que o livro está inserido, produz uma
interpretação equivocada da intenção real do autor (es). Numa análise semântica, percebe-se
que este vocábulo ‘tAlb'Nh> ; (os cadáveres) que surge em Jó 2,10a, merece uma atenção,
primeiro pelo motivo que nessa forma aparece uma única vez; e também numa outra forma
hl'b'n>(cadáver) surge em Jó 42,8. No entanto, consideram-se também outras ocorrências em
366
Cf SCHROER, Silvia , op cit 125
121
que ele aparece como em: Lv 7,24 – 17,15 – 22,8; Dt 14,21 – 22,21; Js 7,15; Is 9,16 – 24,4
(2x) – 32,6; Jr 29,23 e Ez 44,31.
O quadro a seguir mostra um pouco a respeito do que já estudamos fornecendo um
exemplo comparativo de Jó com Gênesis:
Jó Gênesis
Pode-se concluir que em geral nesses textos o vocábulo hl'b'n>(cadáver) possui uma
conotação que se refere ao tema do puro e impuro. Então a fala de Jó para a sua mulher
(Sitis) foi sacerdotal, para colocá-la no lugar que queriam que as mulheres ficassem: Caladas
diante da opressão, pois elas eram agora “impuras” diante da teologia da retribuição e se
sofriam era porque mereciam.
De acordo com o Testamento de Jó, um livro apócrifo de Jó produzido no I século
d.C., no capítulo 24,1-10 revela o sofrimento dessa mulher “Sitis” a ponto de revelar que ela
precisou vender seu corpo a noite para ter alimento de dia para dar a seu marido Jó. Sítis
chega ao fundo do poço tendo que vender seus cabelos para o padeiro (Satã) a fim de que
tivesse pão para comer:
“Minha mulher se aproximou de mim e exclamou, chorando: Jó, Jó, quanto
tempo ficarás, sentado no teu monturo fora da cidade? Tu te imaginas que é só
por um curto tempo, aguardando a esperança de tua salvação. Quanto a mim,
ando de lugar em lugar, como uma empregada vagabunda. Teu memorial foi
apagado da terra, a saber, os filhos e filhas que te gerei nas dores do parto, para
nada. Tu mesmo sentado dia e noite ao relento, fedorento e cheio de vermes.
Quanto a mim, desgraçada, trabalhando de dia, e sofrendo de noite, para te trazer
um pedaço de pão. É muito difícil conseguir pão para mim mesma, e ainda o
divido contigo. Pois estimo que não esteja certo que sejas arrasado pelo
sofrimento e ainda nada ter para comer. Por isso, eu engoli a minha vergonha e
fui para a feira (pedir esmola). Quando o padeiro me disse: coloca aqui teu
dinheiro e toma o pão. Falei-lhe de nossa pobreza, e o ouvi dizendo: Se não tens
dinheiro, mulher, dá-me teu cabelo e tomará três pães. Talvez vivereis por mais
três dias. Perdi coragem e disse-lhe: Pois não, corta-o. E assim fui-me embora,
desonrada tendo o cabelo cortado de tesoura no mercado [...] 367
Sitis precisou trocar seus cabelos por pão, pois no mundo dos pobres que vivia agora
deveria ter força para acompanhar e ajudar o seu esposo. Provavelmente Sitis precisou se
367
O Testamento de Jó. Revista Bíblica Brasileira. Nova Jerusalém. Fortalez. Ano 16. 1999. No 1-2-3,p476.
122
prostituir, pois diz o texto apócrifo: “quanto a mim, desgraçada, trabalhando de dia, e
sofrendo de noite, para te trazer um pedaço de pão”.E no texto bíblico (Jó 31,10) podemos
pensar que essa Mulher foi alvo de exploração sexual368 . É bom ressaltar que os homens
israelitas procuravam prostitutas (zonah/zonot), o que era muito menos perigoso do que
uma relação com uma moça não-casada, uma noiva ou uma mulher casada, e no caso de
Sitis, uma quase viúva. Prostitutas eram pagas com produtos alimentícios ou com dinheiro.
Portanto, não é saudável e justoeliminar a compreensão positiva em relação a mulher
de Jó (Sitis), pois após o retorno do cativeiro na Babilônia, os judaítas viram-se
empobrecidos como Jó, enfraquecidos e doentes. Foi nesse estado de total abandono e
endividados pelos impostos altíssimos devidos aos conquistadores persas e a ricos
comerciantes (cf. Ne 5; Jó 24), que surgiram questionamentos da parte das mulheres
inclusive de Sítis. Num esforço de imaginação, pode-se mesmo ouvi-las se questionando:
Valeu a pena servir a Iahweh? Onde está Iahweh nessa hora de espoliação e sofrimento? O
que foi feito de suas promessas de conquistas e livramento? Afinal, qual é a verdadeira
religião: a dos deuses pagãos que venceram o povo de Iahweh, ou a religião dos nossos pais
Abraão, Isaque e Jacó? O que, agora enfraquecidos, podemos dizer sobre o nosso Deus? (cf.
Sl 73; 79; Jr 2.5-8; Ml 2.17).
Esse era o momento em que as mulheres da terra teriam que lidar com os recém-
chegados do exílio369 , teriam agora que reconstruir suas vidas e refletirem sua fé a partir de
uma teologia com “outro rosto”, sem aquela liberdade do passado diante das deusas, porque
essa nova teologia retribuitiva não mais restauraria os seus valores e bens perdidos. Teriam
que recomeçar a vida, agora, através de uma fé com “obras” para receber em troca algo
desse único Deus importado pelo Templo ao povo judaita.
Dessa forma, o livro de Jó em sua moldura (1,1-22-2,13; 42.12-17) representa a
tradição transmitida por um lado corrupto do sacerdotalismo pós-exílico que oprimia o povo
e afirmava ser essa a vontade de Deus se utilizando de textos antigos como em Miquéias
(3:11). Os filhos eram vendidos, os campos eram tomados, as fazendas eram desapropriadas,
as famílias eram escravizadas e ao perguntar sobre Deus, esses sacerdotes corruptos
368
Jó 31,10 - que minha mulher gire a mó para outrem e outros se debrucem sobre ela ( !yrI)xea] !W[ïr>k.yI
h'yl,ª['w>÷ yTi_v.ai rxEåa;l. !x:åj.Ti); LXX -avre,sai a;ra kai. h` gunh, mou e`te,rw| ta. de. nh,pia, mou tapeinwqei,h
369
Não se pode perder de vista que durante os anos de cativeiro, uma grande população campesina permaneceu
na terra, e, tudo leva a crer que foi desenvolvida uma sociedade de camponeses (literalmente, o povo da terra,
cf. Ed 3.3). É natural supor que essa sociedade já estivesse organizada e politicamente estruturada, com sua
liderança formalizada e seu sistema religioso funcionando. Além dos seus antigos ídolos, adotaram o culto do
Senhor (cf. 2 Rs 17.24-41). Porém, interessa, aqui, saber quem era o povo da Golah, vindo da Babilônia.
123
pregavam a história de Jó, que também sofreu, mas como suportou calado e sem
murmuração recebeu tudo em dobro no final, uma verdadeira manipulação religiosa!
Na primeira geração de repatriados/as atuavam grupos fortemente restaurativos em
torno de Zorobabel e do sumo sacerdote Josué, para os quais a ortodoxia cultual e
principalmente a reconstrução do templo são as preocupações prioritárias (Ageu, Zacarias 1-
8). Desde o inicio, os/as remanescentes, que não estavam no exílio, e as pessoas do antigo
Reino do Norte (província de Samaria) são excluídos da reconstrução do templo (Ag 2.10-
14;Ed 4.3). Portanto, todas as pessoas que se levantassem contra essa reconstrução do
templo e essa formatação cúltica estabelecida pelos sacerdotes seriam desprezadas,
principalmente as mulheres.
É aqui que se compreende que a forma como a mulher de Jó é pintada na história
fornece uma imagem que tem por objetivo difamar a mulher que protestava (Jó 24) sendo
que sua atitude inicial se tornou mais evidente em Jó (2.9). Mas o Jó dos 40 capítulos
restantes reflete a fala dessa mulher (2.9) que não se cala diante da opressão. Sua fala revela
um líder do povo, um profeta que vê a opressão sacerdotal da classe alta e aponta os
verdadeiros problemas a que se dirige o livro (Jó 24:2-11). Os verdadeiros problemas que
produziam o sofrimento de Jó não eram aflições por causas naturais, mas por causa da
opressão dos poderosos sobre os fracos (Jó 3:11-20). Pelo menos, essa mulher, pela tradição,
tem um nome: Sitis.
Aqui está o quesito de uma provável situação em que o texto se encontra, ou seja,
parece que está na profecia371 . Vejamos uma comparação em Jó 1,16c com um texto que não
está em Gênesis, mas em 1 Rs 18,38a.
370
BRUEGGEMANN, Walter. The Prophetic Imaginatio, 2001.Um resumo do pensamento de nosso teólogo
seria que todo o mundo vive através de uma codificação, e por ela somos codificados pelo aspecto biológico e
social. Essa codificação dominante da nossa sociedade abrange os aspectos: consumista-militarista-
tecnológico-terapêutico, que nos promete segurança e felicidade, mas tem falhado. A saúde de nossa sociedade
depende da nossa capacidade de sair desta codificação, mas nós resistimos. O minis tério deve decodificar esta
codificação dominante, propondo codificações alternativas, ou contra -imaginativas. Conclui-se, apontando que
a maioria de nós se mostra ambíguos sobre esta codificação alternativa, espaço de ambivalência entre
codificações que é o campo de batalha do Espírito, no entanto o ministério é gestor desta ambivalência.
371
FERRY, J. Les récits de vocation prophétique, EstB 60 (2002), pp. 221-224; HARVEY, J. Le plaidoyer
prophétique contre Israël après la rupture de l’alliance (Studia 22), Bruges et al.; RAMLOT, L. Prophétisme II.
La prophétie biblique. 3. Les moyens d’expression des prophètes, en DBS 8 (1972), col. 943-973;
WESTERMANN, C. Grundformen prophetischer Rede, Mündchen. Basic Forms of Prophetic Speech,
Filadelfia (Pa).in, Prophetische Heilworte im Alten Testament (FRLANT 145), Göttingen, 1987. Prophetic
Oracles of Salvation in the Old Testament, Louisville (Ky), 1991.
124
Jó 1 Reis
1,16c - ~yIm;êV'h;-!mi hl'p.n") ~yhiªl{a/ vaeä: 18,38a- ‘hl'[oh'(-ta, lk;aToÜw: hw"©hy>-vae lPoTå iw:
fogo Elohim caiu desde céus E caiu fogo-Iahweh e consumiu a elevação
propriamente não textual que deveríamos considerar seria em dizer que a própria descrição
de denúncia do ambiente hostil em que a mulher de Jó se encontra, por si só já caracterizaria
a profecia.
ATêv.ai). Esta mudança é justificada pelo fato de que não somente Jó tenha sofrido perdas,
372
OLIVA, José Raimundo. Jó, sabio profeta – Exegese do capitulo 24. São Leopoldo, Centro de Estudos
Bíblicos, 2000, 74p.
373
Então, Gunkel é considerado o pai intelectual do maior seguimento dos eruditos bíblicos. A ele estão ligados
os conceitos de: “Gattungen” (gêneros), “Sitz-im-Leben” (lugar vivencial), “Formgeschichte” (história da
forma), “Religionsgeschichte” (história da religião), e “sympathetic imagination” (imaginação solidária), que
se tornaram termos aplicados a ciência Bíblica.
374
GALLAZZI, Sandro. El grito de Job y de de su mujer. Ribla 52, pp. 7. O autor diz: “Sua mulher já havia
entendido: Deus prefere derrotar a Satan através da fé de Jó, que cuidar do mesmo Jó – Abençoe/Amaldiçoe a
Deus e morra (2,9). O que a mulher ganha por ter intuído a realidade de um Deus que faz o que quer, quando
quer, e como quer, é ser chamada de “louca”. O texto grego dos LXX apresenta também um grito bem
diferente que talvez nos ajude a entender a irritação dessa mulher – “Depois de muito tempo, sua mulher disse:
até quando continuarás dizendo: vou esperar um pouco mais de tempo, aguardando a esperança da minha
salvação. E aqui desapareceu da terra tua memória: os filhos e as filhas, dor e trabalho de meu ventre, pelos
quais eu sofri em vão. Tu mesmo estás turbado, cheio de feridas e passas as noites ao relento, enquanto eu sou
uma mulher sem casa e dia após dia, vou de lugar em lugar, de casa em casa, esperando o pôr do sol, para
descansar das fadigas e das dores que agora me atormentam. Mas, diz uma palavra (ao) contra o Senhor e
morre (2,9)”; LUGT, Pieter van der. Speech-Cycles in the Book of Job: A Response to James E. Patrick .
Source: Vetus Testamentum, Vol. 56, Fasc. 4 (Oct., 2006), pp. 554-557. Published by: BRILL Stable URL:
http://www.jstor.org/stable/20504086
125
mas ela também perdeu. Talvez para ela fora mais difícil, se entendermos que primariamente
sápatra Satan377 (!j"ßF '). Resolveram que deveriam continuar dominando o mundo, e agora eles
iriam assombrar uma mulher muito rica (Jó 1,3b - lK'mi lAdßG) que vivia próxima do
menos valiosas (Jó 1,16d - ~le_k.aTow:). E para consolidar e finalizar o plano nefasto,
queimariam tudo inclusive a casa da mulher rica com os seus filhos (Jó 1,16c - ~yhiªl{a/ vaeä),
e assim varreriam do mapa como um furacão seu nome e sua família (Jó 1,19a - hl'øAdG>
x:Wr’).
Passado pouco tempo o plano elaborado foi concluído com parcial sucesso, um único
detalhe escapou-lhes, a mulher rica não fora encontrada em canto nenhum, não se soube de
375
SCHWARZBAUM, Haim. The Overcrowded Earth. Source: Numen, Vol. 4, Fasc. 1, pp. 59-74. Published
by: BRILL Stable URL: http://www.jstor.org/stable/3269292; McLAUGHLIN, John L. (Review by: John L.
McLaughlin). Source: Journal of Biblical Literature, Vol. 117, No. 2 (Summer, 1998), pp. 344-346. Published
by: The Society of Biblical Literature Stable URL: http://www.jstor.org/stable/3266992
376
Revista Bíblica Brasileira, Ano 16, 1999 – Números 1-2-3 O Apócrifo de Jó. Nova Jerusalém/Fortaleza.
Páginas 467 a 490.
377
GIRARDI, R. La route antique des homes pervers, Paris, 1985 (trad. cast.: La ruta antigua de los hombres
perversos, Anagrama, Barcelona, 1989); GONÇALVES, Humberto Maiztegui. “Jó 1-2 y 42,7-17 – A pessoa
humana manipulada por Deus e Satanás ou sujeito da história junto ao Deus da vida”, en Estudos Bíblicos,
Petrópolis, Editora Vozes, vol.74, 2002, p.79-87.
126
sua localização. Mas, para garantir o intento eles espalharam uma terrível doença de pele (Jó
2,7b - [r"ê!yxiäv.Bi) pelo território, assim se ela não morresse de fome, sede ou desgosto,
morreria de peste378 .
Apesar de ter reconstruído imaginativa e parcialmente o texto acima, a idéia foi
destacar alguns elementos, pelo ponto de vista da Mulher de Jó, que são importantes. Na
verdade, essa família descrita no relato causou uma profunda crise nas mães. Ela pode
representar toda uma comunidade que viveu uma transição entre a opulência e a derrocada.
O reforço nesta ideia, ou seja, na teologia da retribuição/opulência 379 poderia ser
entendida como pré-exílica380 , porém aliado há uma preocupação por parte dos homens com
o erro/pecado que pudesse a ser cometido, demonstra um sinal de que uma nova situação
mudou parte de uma ideia simplista de causa-e-efeito381 . Certamente estamos no fenômeno
de transição teológica do exílio para o pós-exílio382 .
378
GALLAZZI, Sandro. El grito de Job y de su mujer. Ribla 52, pp. 7. O autor diz: “Este é o outro lado
perverso da teologia da prosperidade. Se não há prosperidade é porque Deus está provando até quanto resiste à
fé do pobre”.
379
ASENSIO, Víctor Morla. Formación Permanente del Clero. Diócesis de Calahorra y La Calzada-Logroño,
2008, pp. 1-8. O autor diz: “As críticas s e centram fundamentalmente nadoutrina da retribuição.No AT
seouvem vozes que colocam em dúvida, ou abertamente negam a validade da teoria social e religiosa, ao
descobrir em suas vidas ou em experiências de outros uma flagrante inadequação entre causa e efeito. Há uma
plêiade de personagens que com maior ou menor opinião crítica, se voltam contra a suposta justiça divina.
Como seria possível que o justo sofra ou que o ímpio prospere? Afinal a adequação entre causa e efeito
encontra-se inscrita numa ordem supostamente aceita por Iahweh? Referente a esse assunto uma voz mais
ácida do AT é Jó. Ele se aborrece da vida, pois tudo se finaliza na mesma ideia: Deus trata igual o inocente
como o culpado. Segundo o autor desse incomparável livro, teorias como as da ordem justa estabelecida por
Deus ou da justa retribuição dos pios e ímpios são à primeira vista, piedosas mentiras. Não existe tal ordem
nem Iahweh possui alguma vontade de premiar a virtude e castigar os vícios. Entretanto o justo sofre, ele
mesmo é o caso concreto e nada pode desmentir o fato, e os criminosos prosperam: “terminam felizes seus
dias, e em paz descem ao sheol” (21,33).
380
J. DELL, Katharine (Review by: Tryggve N. D. Mettinger). The Book of Job as Sceptical.Literature Vetus
Testamentum, Vol. 42, Fasc. 3 (Jul., 1992), pp. 415-420. Published by: BRILL Stable URL:
http://www.jstor.org/stable/1518734.
381
KAHN, Victoria. Job's Complaint in "Paradise Regained". Source: ELH, Vol. 76, No. 3 (Fall, 2009), pp.
625-660. Published by: The Johns Hopkins University Press Stable URL:
http://www.jstor.org/stable/27742953; LAMB, Jonathan. (Review by: Jeffrey Smitten). The Rhetoric of
Suffering: Reading the Book of Job in the Eighteenth Century. The Review of English Studies, New Series,
Vol. 48, No. 192 (Nov., 1997), pp. 542-544. Published by: Oxford University Press Stable URL:
http://www.jstor.org/stable/518524.
382
MARIANNO, Lília Dias. Aguas que nunca faltan, escombros reconstruidos y jardines regados: El culto que
Yahvé espera de su pueblo. Revista de Interpretación Bíblica Latino americana, Quito, n. 61, p.80-87, 2008;
MARIANNO, Lilia Dias. A ameaça que vem de dentro: um estudo sobre as relações entre judaístas e
estrangeiros no pós-exílio em perspectiva de gênero. 2007. 182p. Dissertação (Mestrado em Ciências da
Religião) Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo
do Campo; MARIANNO, Lília Dias. "Manda quem pode; obedece, quem tem juízo!": apontamentos sobre as
relações de poder nas famílias dos patriarcas (Gn 16,1-16; 21,8-21 e 38,1-30). Estudos Bíblicos, Petrópolis, n.
85, p.11-21, jan. 2005; MARIANNO, Lília Dias. ¡ Qué alegría!:la palabra de Yahweh también vino a la mujer
- un análisis ecofeminista de Génesis 16. Revista de Interpretación Bíblica Latinoamericana, Quito, n. 50, p.49-
52, 2005; MILNE, Pamela J. A matriz patriarcal da escritura: as implicações da análise estrutural para a
hermenêutica feminista. A feminist companion Genesis, Paulinas, 2000, p. 207; MOISES, Elvira. Ribla 68. A
construção identitária e religiosa das mulheres em Gn 29 -31; Ex 1, p. 23.
127
companheiros).
O tema de pesquisa – A Mulher em Jó: Um Grito Contra a Teologia da Retribuição.
Uma análise exegética de Jó 1 e 2 possibilitou refletir não somente nas questões insolúveis
da teologia da retribuição384 , mas que essa Mulher e as outras Mulheres que gritaram para
denunciar as questões que são solúveis: a violência da guerra, a crueldade dos poderosos, a
morte de filhos e filhas, a rapinagem dos bens fundamentais para a manutenção da vida, o
amparo frente os desastres naturais. E provavelmente elas pensaram que depois de haver
resolvido esses problemas concretos, aí então se poderá discutir os problemas da teologia.
383
LEGASPI, Michael C. Job's Wives in the "Testament of Job": A Note on the Synthesis of Two Traditions.
Source: Journal of Biblical Literature, Vol. 127, No. 1 (Spring, 2008), pp. 71-79. Published by: The Society of
Biblical Literature. Stable URL: http://www.jstor.org/stable/25610107.
384
ASENSIO, Víctor Morla. Formación Permanente del Clero. Diócesis de Calahorra y La Calzada-Logroño,
2008, pp. 1-8. O autor diz: “O livro de Jó ao mesmo tempo que desconfia do valor da configuração s ocial,
criticando de modo ácido a teologia da retribuição, oferece a tradição sapiencial como pedra de esquina de uma
dimensão teológica inovadora. De nada serve a sabedoria humana convencional sem a abertura da dimensão
transcendente sem o temor do Senhor”.
128
Conclusão
Aqui está uma pesquisa sobre uma mulher sem filhos, isto é, sem descendência, uma
mulher sem esperança de futuro. Quem dará prosseguimento ao seu nome? Quem fará a
oração quando ela estiver que enfrentar a morte? Uma mulher sem animais, isto é, sem
sustento para sua família, está condenada a ver sua prole minguar de fome, sede, frio e
doenças. Um quadro de miséria total. Uma mulher sem abrigo, isto é, onde o fogo e as
ventanias consumiram e varreram o lugar sagrado da convivência familiar, seria o golpe de
misericórdia para sua existência. E finalmente depois de tudo isso seu esposo ser acometido
por uma doença terrível, que simplesmente a sua presença causasse repugnância 385 , seria o
fim do fim.
Daí decorre que deva ler o texto em relação a essa Mulher não como uma louca, mas
realmente como um cadáver, ou melhor, como cadáveres 386 (Jó 2,10a - ‘tAlb'Nh> ;), talvez uma
denúncia de todos os cadáveres das pessoas e animais que povoam o texto. Neste sentido, se
estivermos certos ao demonstrarmos que o relato dessa Mulher em Jó estaria ligado as
Mulheres em Gênesis, a ocorrência similar deste vocábulo aponta para uma impropriedade
sexual que ocorrera contra Dinah (Gn 34,1a -‘hn"ydI) a filha de Lea em relação ao assédio e
violência sexual de Shᵉquem (Gn 34,2a -yWIßxih;¥ rAm°x]-!B, ~k,óv.). Sabemos disso quando os
irmãos dela dizem que esse Shᵉquem cometeu/fez um cadáver em Israel (Gn 34,7b -
laeªr"fy. Ib. hf'ä[' hl'úb'n>-yKi(). Diante disso podemos pensar que essa Mulher de Jó foi alvo de
exploração sexual387 . O grito dessa Mulher não seria propriamente de vítima, mas uma
manifestação de revolta contra as violências que ela e sua família receberam.
Pelos vocábulos que aqui foi observado - Jó (Jó 1,1a - bAYæai) 388
, Satan (Jó 1,6b -
!j"ßF'h;)389, filhos-do-oriente (Jó 1,3c - ~d<q<)-ynEB.)390, Elohim (Jó 2,10a - ~yhiêl{a/h)391, filhos-
385
Jó 19,17 - À minha mulher repugna meu hálito, e meu mau cheiro, aos meus próprios irmãos ( ynI)j.bi ynEïb.li
ytiªNOx;w>÷ yTi_v.ail. hr'z"å yxi(Wrâ)
386
WILHELM, Gesenius. Hebrew and Chaldee Lexicon to the Old Testament Scriptures, p. 529.
387
Jó 31,10 - que minha mulher gire a mó para outrem e outros se debrucem sobre ela ( !yrI)xea] !W[ïr>k.yI
h'yl,ª['w>÷ yTi_v.ai rxEåa;l. !x:åj.Ti); LXX -avre,sai a;ra kai. h` gunh, mou e`te,rw| ta. de. nh,pia, mou tapeinwqei,h
388
LXX - Iwb
389
LXX - o` dia,boloj
390
LXX - kai. h=n o` a;nqrwpoj evkei/noj euvgenh.j tw/n avfV h`li,ou avnatolw/n
391
LXX - ku,rion
129
de-Elohim (Jó 1,6b - ~yhiêl{a/h'( ynEåB.)392, grande desde todos (Jó 1,3c - lK'mi lAdßG)393, fogo
de Elohim (Jó 1,16b - ~yhiªl{a/ vaeä)
394
, vento grande (Jó 1,19a - hl'øAdG> x:Wr’)
395
, em chaga má (Jó
2,7b - [r"ê!yxiäv.Bi)396, cadáveres (Jó 2,10a - ‘tAlb'Nh> ;)397 e terminaram dias (Jó 1,5a -
yme’y> •Wp)yQihi)398, são possivelmente pós-exílicos. E ainda, não obstante percebe-se no texto
várias teologias que foi tratado, parece que essa Mulher de Jó questiona não somente as suas
existências, mas exige uma resposta ao que deveríamos fazer diante das situações difíceis
que surgem na vida.
Asensio399 afirma que o livro de Jó ao mesmo tempo em que desconfia do valor da
configuração social, criticando de modo ácido a teologia da retribuição, oferece a tradição
sapiencial como pedra de esquina de uma dimensão teológica inovadora. De nada serve a
sabedoria humana convencional sem a abertura da dimensão transcendente sem o temor do
Senhor.
Portanto, como foi falado no final do capítulo 3, a mulher de Jó e as outras Mulheres
gritaram para denunciar as questões que são solúveis: a violência da guerra, a crueldade dos
poderosos, a morte de filhos e filhas, a rapinagem dos bens fundamentais para a manutenção
da vida, o amparo frente os desastres naturais. E provavelmente elas pensaram que depois de
haver resolvido esses problemas concretos, aí então poderemos discutir os problemas da
teologia.
392
LXX -oi` a;ggeloi tou/ qeou/
393
LXX - kai. e;rga mega,la h=n auvtw/| evpi. th/j gh/j
394
Já foi comentado na Crítica Textual.
395
LXX - evx ai,fnhj pneu/ma me,ga
396
LXX - e[lkei ponhrw/|
397
LXX - w[sper mi,a tw/n avfro,nwn
398
LXX -kai. w`j a'n sunetele,sqhsan ai` h`me,rai
399
ASENSIO, Víctor Morla. Formación Permanente del Clero. Diócesis de Calahorra y La Calzada-Logroño,
2008, pp. 1-8.
130
Se olhar para o prólogo perceberá que o autor do livro não acreditava que os
castigos eram enviados por Deus, pois ele coloca Satã diante de Deus pedindo permissão
para castigar o Justo.
Na conclusão do livro, Deus repreende os amigos de Jó por seus discursos
impróprios e alienantes. Falta a eles uma visão profética da história, uma consciência e um
discernimento dos males que se abatem sobre a sociedade, sobre os justos, sobre os
inocentes. Esses amigos representam aqueles que se dizem fieis a Deus, mas distorcem
sempre a verdade.
É importante dizer que a intenção do grito dessa mulher é propor uma profunda
reflexão, em tom profético, sobre a posição do ser humano com relação a Deus e a injustiça.
Ou se aceita a religião formalista, cheia de dogmas e moralismos, que abafa o clamor do
pobre e o grito do inocente, ou, como a mulher de Jó, parte da realidade e desmascara toda
uma teologia elaborada para manter um conformismo e uma alienação, a fim de manter
privilégios de uma minoria.
Enfrentar o Deus oficial possibilitou aos camponeses endividados, empobrecidos e
espoliados em julgamentos injustos, que emprestaram sua vida ao personagem Jó, uma nova
experiência de Deus: o encontro com o Deus da vida. Ao se apresentarem diante do Deus do
Templo e dos rituais como sujeitos, reinvidincando por um Deus mais justo, estão ao mesmo
tempo se apresentando como sujeitos de transformação na sociedade. Denunciando a
iniquidade dos processos sociais que os empobreciam, a cumplicidade da explicação
teológica e a conivência dos chefes com estes processos, querendo mais justiça, passam a
conhecer Deus, “não só de ouvir”, mas por experiência própria.
Eram os oprimidos que tinham na cabeça o Deus dos opressores. Pelo ouvido
conheciam o Deus da Teologia da Retribuição, mas a partir da experiência dos pobres
chegaram ao Deus da vida. Ele estava antes na vida que nos rituais, nos dogmas e no
Templo. Foi por isso que Jó fez uma descoberta ao dizer: “Agora porém meus olhos te
vêem” (42,5).
O que precisa é redescobrir o sagrado no cotidiano, integrar o cotidiano dentro da
grande corrente da vida. Recosntruir a comunidade na prática da solidariedade, em torno dos
pobres, a partir da sintonia com a vida. Entender o movimento de geração e fortalecimento
da vida para dentro de nossas relações e para dentro de nossa história. Isso dará forças e a
coragem para que possam como Sitis, ser sujeito não somente na sociedade, lutando pela
cidadania plena, mas também nas igrejas, construindo uma igreja mais sensível aos clamores
dos excluídos /as e mais coerente com o Deus da vida.
131
Certamente a Mulher de Jó grita contra a teologia 400 apresentada já que ela não pode
dar conta da realidade. Não há nenhuma causalidade envolvida, o que há para elas é uma
falta de solidariedade que esteve presente tanto em tempos prósperos quanto em tempos
difíceis. Pois elas sabiam que os acontecimentos ocorrem de todas as maneiras sem nenhuma
lógica elaborada. Em última instância essa questão do sofrimento não pode ser equacionada
adequadamente, é algo misterioso. E partindo daí elas pensaram em proposições para
denunciar o que estava no alcance das pessoas nesta situação.
É agindo desta forma que estarão ouvindo, ainda hoje, o grito da mulher Sitis. O
grito de aflição lançado corajosamente por ela alcançou sua forma mais pungente no grito de
Jesus inocente na cruz, através do seu Espírito, ressoa na história dentro do imenso clamor
da vida sendo massacrada na natureza e da vida sendo massacrada nas milhares de crianças,
mulheres e homens excluídos que vivem em nossas ruas, vilas, bairros e cidades. Portanto,
tenham um coração aberto a esse grito.
400
PIXLEY, Jorge. El libro de Job. Comentário bíblico latinoamericano. Ediciones SEBILA, San José (Costa
Rica) 1982, p. 14. O autor diz: “o livro de Jó é uma crítica fundamental ao método da teologia, crítica feita no
exercício do questionamento da doutrina da universal providência divina”.
132
APÊNDICE
Woman’s Bible, 120 anos de mulheres e bíblia: uma retrospectiva feita por
Silvia Schroer401.
Em 1995 fazia exatamente cem anos desde que foi publicado, em Nova Iorque, o
primeiro volume de uma obra que imediatamente provocou emoção e indignação: a
Woman’s Bible (Bíblia das Mulheres). Tanto nos círculos oficiais da igreja como da parte de
movimentos organizados de mulheres, as pessoas procuravam se distanciar desse projeto que
parecia a umas como uma obra satânica, a outras como um sectarismo prejudicial aos
esforços de emancipação. Para muitas mulheres, porém, a Woman’s Bible foi uma expressão
apropriada de seus sofrimentos com as estruturas de opressão das mulheres, estruturas
eclesiais e de comunidades, e estruturas políticas e do Estado. Ao mesmo tempo, ela foi a
expressão de sua nova autoconsciência e auto-estima como sujeitos que tomavam seus
interesses em suas próprias mãos.
A Woman’s Bible foi principalmente a obra de uma mulher, Elizabeth Cady Stanton
(Metodista Wesleyana), já na casa dos setenta, cuja obra de vida era a luta contra a
discriminação sancionada pela lei. Junto com seu marido, engajou-se como abolicionista.
Nesse contexto da abolição da escravatura, ela também chegou a conhecer mulheres que, à
diferença dela, travaram essa luta por motivos primariamente religiosos, em especial as
irmãs Angelina e Sarah Grimké, membros da comunidade quacre. Essas pregadoras tinham
percebido rapidamente o vínculo entre a libertação de escravos/as e das mulheres,
401
Op cit, pg 11-14
133
especialmente porque homens “fiéis à Bíblia” sempre de novo as impediam de dirigir seus
discursos públicos a uma audiência mista (“Não permito que a mulher ensine!” I Timóteo
2.12). já em 1837, Sarah Grimké defendeu a hipótese de que a interpretação da Escritura
feita por homens estava a serviço da submissão de mulheres e convocou mulheres a estudar
as línguas sagradas e a tomar a interpretação da Bíblia em suas próprias mãos. A
participação num congresso internacional de abolucionistas em Londres, em 1840, tornou-se
para Elizabeth Cady Stanton uma experiência chave para articular a luta pela libertação de
escravos/as com a luta pela libertação das mulheres. Foi negado a ela e a outras mulheres o
status oficial como delegadas, por serem mulheres, e lhes foi dado um lugar na galeria (É
notável lembrar que no pós-exílio as mesmas coisas aconteceram as mulheres, quando foi
feito um espaço separado para as mulheres no templo).
A partir desse momento, Elizabeth Cady Stanton começa a trabalhar no seu próprio
contexto também pela igualdade de mulheres. Ela é uma das “mães” da reunião organizada
nos dias 19 a 20 de julho de 1848 na Igreja Metodista Wesleyana em Seneca Falls, uma
reunião que entrou na história das mulheres. A convenção votada nessa reunião é
considerada a faísca inicial que fez arder o movimento de mulheres norte-americano, na luta
pelo voto de mulheres, pela educação de mulheres e pela independencia legal da tutela de
seus pais e maridos. Por sua vez, também mulheres negras libertas perceberam a
necessidade de elas mesmas lutarem pelos direitos das mulheres; a mais conhecida é
Sojourner Truth, que, no seu famoso discurso numa conferencia sobre os direitos das
mulheres em Akron, Ohio, em 1852, refutou com a inteligência de quem conhece as
Escrituras os argumentos biblicamente fundamentados contra a igualdade das mulheres
diante da lei.
Sem dúvida, foi precisamente o debate sobre o direito em vigor que fez Elizabeth
Cady Stanton tomar consciência do alto grau em que a Bíblia foi aduzida como autoridade
divina para a legitimação tanto religiosa como política da injustiça inflingida às mulheres.
Conforme sua prórpia convicção, isso contradizia do modo mais profundo possível a fé num
ser divino que, com sabedoria e razão, ordena e governa o mundo e não deve ser pensado
em contradição à sensatez dos direitos humanos. Esse traço do pensamento iluminista, que
parece ter determinado toda a sua vida, motivou-a em 1887, após a morte de seu marido, a
iniciar o projeto da Woman’s Bible e a concluí-lo com a publicação dos dois volumes em
1895 e 1898, antes da sua morte, na idade de 82 anos, em 1902. Ela conseguiu reunir para o
projeto mais ou menos uma dúzia de mulheres: mulheres versadas em literaturas, história e,
como ela mesma, em grego, porém nenhuma mulher formada profissionalemente em
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