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Em sua escrita, Florentino diante de uma escassez sobre o tráfico negreiro do atlântico
sul em relação ao Rio de Janeiro, cita a importância de um balanço inicial de como o comércio
negreiro se insere nos clássicos modelos explicativos, sumariando todo o contexto. O autor faz
uma análise social e econômica sobre as demandas do tráfico de escravos para o Brasil, pondo
em questão as dimensões internas e externas, tratando sobre quem procura, ou seja, sobre
quem é destinada a demanda deste mercado, a lógica empresarial embutida, a questão do
volume e dos desembarques, e claro, evidenciando, com números e porcentagens o número
de escravos que aqui chegavam, pondo até em questão o desequilíbrio etário e sexual dentre
os mesmos. É neste ponto que surge o primeiro estranhamento e desconforto diante da
leitura do livro que irei tratar mais adiante.
Ao que tange a demanda, o autor também discorre sobre a oferta, escrevendo sobre
como os escravos eram vistos, tratados, da onde eram retirados, evidenciando a pluralidade
de povos diferentes contidos na escravidão, abordando sobre as repercussões do processo nas
sociedades da África, e claro, a violência e seu duplo sentido. Manolo também retrata sobre a
lógica do traficante, atribuindo várias partes do livro para entender as formas de circulação
dos escravos, a dominação estabelecida no estado do Rio de Janeiro, a dinâmica usada entre
as empresas nesse comércio e a lucratividade do negócio. Mais a frente do livro o autor
relaciona o tráfico com a sociedade de uma perspectiva econômica, finalmente evidenciando a
questão do tráfico e do poder, relação esta que o autor nos mostra que em resumo, a
estrutura dos negócios negreiros não se pautava apenas na impessoalidade racional
capitalista, mas sim na confiança mútua presente nas relações que perpassavam o âmbito
econômico, mas configuravam a sociedade da época.
Portanto, a falta de uma análise mais profunda e menos superficial sobre a condição
da mulher escrava abre brecha pra uma interpretação rasa da questão levantada, abrindo
lacunas de entendimento que reafirmam imaginários que perpetuam com o silenciamento da
mulher negra na história. Ademais, o autor nesta afirmação ignora o quanto a mulher escrava
também foi submetida a trabalhos que precisavam sim do seu uso da força, como relembra a
filósofa Angela Davis em seu livro “Mulher, raça e classe”, abordando como as mulheres
negras não eram vistas como frágeis e castas, o que vai contra a visão totalmente fragilizada
que o Manolo passa ao suavizar a exploração das mulheres diante dos homens escravos. Davis
ainda salienta em sua escrita o quanto a mulher era posta diante dos mesmo trabalhos que os
homens eram submetidos no que tange a escravidão colonial, pelo diferencial de que as
mulheres escravas além de exploradas pelo trabalho escravo ainda tinham seus corpos
violados pelo estupro. É de suma importância ao abordar as condições em que se eram
submetidos homens e mulheres escravos relatar sobre a relação de colonização e a cultura do
estupro, debate que precisa estar presente diante das análises do período colonial como um
todo.
Já o segundo ponto intrigante no momento de leitura é quando o autor abre o debate
sobre a desigualdade sexual e etária dentre os escravos, apontando que tal desequilíbrio tem
peso de participação por parte dos africanos:
“A simples comparação destes índices é suficiente para demonstrar terem sido os africanos os
principais responsáveis pelos desequilíbrios estruturais anteriormente indicados”
Contudo, o livro é bastante representativo no que tange a questão que ele aborda,
sempre sendo fonte de pesquisa para estudos do tema. É um livro informativo, e que atinge o
objetivo do autor, que é singularizar um fluxo migratório que não cabe apenas ao termo
“compulsório”. Manolo questiona a visão reducionista de Wallerstein, além de conseguir
comprovar que o tráfico era controlado pelo capital mercantil carioca e conclui o livro
estabelecendo três ordens, que ao tratar sobre os traficantes se esta a frente à própria elite
empresarial da colônia levando em conta a adaptação da periferia frente as conjunturas
internacionais, impulsionando o traço da autonomia, e a importância do trafico, pois ele que
pautava as relações sociais básicas.
Manolo Florentino ainda ressalta como seria realizador se esse trabalho todo de
singularização, que veio do manejo de variados documentos, servisse de pelo menos oferecer
subsídios confiáveis a questão do tema, e ainda evidencia que ao que se refere sobre o tráfico
de escravos, o debate na historiografia sempre estará aberto, pois é algo a sempre ser
discutido.
Referencias:
ALGRANTI, Leila Mezan. Honradas e Devotas: Mulheres na colônia. São Paulo: USP, 1998.
RIBEIRO, Djamilla. Cultura do estupro: o que a miscigenação tem a ver com isso?. Carta Capital,
2016.
BÔSCARO, A.P.D. Senhores de poucos escravos: análise de uma área periférica – Alto do Termo
da Borda do Campo/MG, século XIX. Temporalidades: Revista de História, 2015.