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7:59-73, 1984.
A IGREJA NA SOCIEDADE M O D E R N A
SEGUNDO GRAMSCI
Eli P I M E N T A *
INTRODUÇÃO
dade necessária entre interpretar e trans-
No nosso entender, o 'leit motiv' da formar, entre teoria e prática. Mais do
obra de Gramsci é a formação de uma de- que interpretar o mundo, Gramsci estava
terminada vontade coletiva nacional- preocupado em transformá-lo.
popular para um determinado fim políti- No nosso entender, essas colocações
co. A formação dessa vontade e a conse- preliminarmente s ã o de extrema impor-
cução do seu objetivo último — a con- tância porque só assim julgamos possível
quista e a formação de um novo tipo de compreender os mais diversos temas do
Estado e de um novo homem - só será conhecimento humano tratados por
possível através de um determinado parti- Gramsci.
do político, onde teoria e prática encon- O que une essa diversidade temática
trem uma tal unidade que expressem as encontrada na obra de Gramsci?
necessidades históricas das massas traba- Quando dissemos que Gramsci é um
lhadoras. homem de partido, isso significa que ele
Gramsci foi um homem que dedicou está preocupado com o homem concreto,
todas as suas energias a essa gigantesca ta- e o concreto é por excelência diverso e
refa procurando, com a sua atuação complexo. Daí porque tudo que diz res-
prático-política ou com sua p r o d u ç ã o in- peito ao homem se torna objeto de refle-
telectual 'lato senso', organizar aquela xão em Gramsci, e toda reflexão possui
parte da nação italiana cujas contradições um nexo com um determinado projeto
históricas vividas apontam para a necessi- político de transformação e organização
dade de um novo tipo de organização da da sociedade.
sociedade como um todo. Para nós seria difícil, se n ã o im-
Gramsci foi um homem de partido. possível, compreender a mais singular
Nele, o filósofo, o teórico da política, o problemática encontrada na obra de
político prático, o sociólogo, o a n t r o p ó l o - Gramsci se ela n ã o for vista ligada à sua
go, o historiador, o crítico literário, etc. preocupação geral de organizar a N a ç ã o
constituíam uma unidade própria àqueles Italiana, a partir de um determinado pro-
homens onde a compreensão da realidade jeto político.
se faz um elemento necessário e indisso- O tema que vamos discutir em
ciável de sua transformação. Gramsci — a Religião — é uma questão
A concepção filosófica da história e particular no conjunto da sua obra, mas
da natureza da qual Gramsci se fez é, aos mesmo tempo, uma questão com-
discípulo leva a que se estabeleça essa uni- plexa na medida que a destacamos desse
* Departamento de Ciências Políticas e Econômicas — Faculdade de Educação, Filosofia, Ciências Sociais e da Documenta-
ção — U N E S P — 17.500 — Marília — SP.
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A filosofia está em contradição com ses, não para superar essa divisão mas pa-
o senso comum e, por conseguinte, com a ra perpetuá-la.
religião. É necessário, no entanto, preci- Sendo assim, n ã o é qualquer filosofia
sar o significado dessa contradição. C o n - que é capaz de unir o superior ao inferior,
tradição em Gramsci é contradição dialé- pelo contrário, só a 'Filosofia da Praxis'
tica: a destruição e superação do velho é se p r o p õ e e é capaz de suprir essa separa-
simultaneamente criação do novo. ção entre filosofia e senso-comum, por-
A filosofia é uma forma de conheci- que ela é a única que se p r o p õ e a abolir as
mento superior ao senso comum e à reli- causas dessa separação que é a luta de
gião: " A religião e o senso comum não classes.
podem constituir uma ordem intelectual Sendo ainda medieval a cultura das
porque n ã o podem reduzir-se à unidade e massas, decorrente em grande parte da
à coerência nem mesmo na consciência in- presença da Igreja nas suas vidas, e sendo
dividual, para n ã o falarmos na consciên- necessário efetuar a reforma intelectual e
cia coletiva..."(1:14). O conhecimento fi- moral no seio dessa massa, o Moderno
losófico é superior ao senso comum e à re- Príncipe tem na Igreja um dos obstáculos
ligião porque nele se realiza essa unidade, a ser superado.
coerência e sistematização. " A filosofia é
a crítica e a superação da religião e do sen- 2. Algumas questões referentes à Prática
so comum e, neste sentido, coincide com Política da Igreja
o 'bom-senso' que se c o n t r a p õ e m ao sen-
2.1. Utopia e Política.
so c o m u m " . (1:14)
C o m o podemos perceber, em Grams- Para Gramsci, o que a Religião se
ci a distinção entre filosofia e senso- propõe realizar é uma grande utopia por-
comum n ã o é uma separação absoluta pe- que ela pretende a unidade de uma ideolo-
lo contrário, o bom-senso, — que é o ele- gia transcendental — idealista — com
mento sadio do senso-comum constitui uma prática transformadora das massas
um elo de ligação com a filosofia. A pró- que nada tem de transcendental — que é
pria filosofia, quando expressão das ne- materialista.
cessidades de uma época, ê incorporada A Religião estabelece um 'homem em
pelas massas e nesta medida tende a se geral', uma 'natureza humana' que está
tornar 'senso-comum'. em contradição com o homem concreto,
Neste momento de união da filosofia não podendo assim equacionar correta-
com a vida das massas, a filosofia se mente as necessidades desse homem con-
transforma em ideologia "...desde que se creto: "Neste sentido, a religião é a mais
dê ao termo 'ideologia' o significado mais gigantesca utopia, isto é, a mais gigantes-
alto de uma concepção do mundo, que se ca 'metafísica' que j á apareceu na histó-
manifesta implicitamente na arte, no di- ria, já que ela é a mais grandiosa tentativa
reito, na atividade econômica, em todas de conciliar, em uma forma mitológica, as
as manifestações de vida individuais e co- contradições reais da vida histórica: ela
letivas..." (1:16), colocando a questão afirma, na verdade, que o homem tem a
fundamental para toda filosofia que se mesma 'natureza', que existe o homem
pretende transformar numa norma de em geral, enquanto criado por Deus, filho
conduta de todo um ambiente cultural, de Deus, sendo por isso irmão dos outros
que é " . . . o problema de conservar a uni- homens, igual aos outros homens, livre
dade ideológica de todo o bloco social, entre os outros e da mesma maneira que
que está cimentado e unificado justamen- os outros; e ele pode se conceber desta
te por aquela determinada ideologia" forma espelhando-se em Deus, 'autocons-
(1:16). ciência' da humanidade; mas afirma tam-
Para Gramsci a filosofia idealista bém que nada disto pertence a este mundo
não foi capaz de conseguir essa unidade e ocorrerá neste mundo, mas em um outro
porque ela se sustenta na divisão de clas- (utópica). Desta maneira, as idéias de
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igualdade, liberdade e fraternidade fer- mo que essa opção se faça por uma ideo-
mentam entre os homens, entre os ho- logia que não atende às necessidades his-
mens que n ã o se vêem nem iguais, nem ir- tóricas dessa massa?
mãos de outros homens, nem livres em fa- Para Gramsci a explicação desta
ce deles" (1:115). questão é complexa, " . . . n ã o pode deixar
Mesmo que uma determinada idéia de ser a expressão de contrastes mais pro-
seja utópica, isso n ã o significa que ela n ã o fundos de natureza histórico-social. Isto
se possa transformar numa determinada significa (a opção por uma ideologia que
prática política, e assim essa utopia se está em oposição a prática) que um grupo
transforma em ideologia e em política. A social, que tem uma concepção própria do
Igreja organiza política e ideologicamente mundo, ainda que embrionária, que se
as massas, partindo desta utopia, "...isto manifesta na ação e, portanto, des-
— o valor utópico — n ã o significa que a contínua e ocasionalmente, isto é, quando
utopia n ã o possa ter um valor filosófico; tal grupo se movimenta como um conjun-
ela tem um valor político, e toda política é to orgânico toma emprestada a outro gru-
implicitamente uma filosofia, ainda que po social, por razões de submissão e su-
desconexa e apenas e s b o ç a d a " (1:115). bordinação intelectual, uma concepção
Esse pressuposto fundamental da re- que lhe é estranha, e aquele (o primeiro)
ligião, por sua decorrência lógica e pela grupo afirma por palavras esta concep-
sua aplicação histórica, n ã o só n ã o permi- ção, e t a m b é m acredita segui-la, j á que a
te a evolução da cultura das massas do segue em 'épocas normais', ou seja, quan-
senso-comum para o bom-senso e para a do a conduta n ã o é independente a u t ô n o -
filosofia, como impede esse desenvolvi- ma, mas sim submissa e subordinada"
mento. (1:15).
Segundo Gramsci, " O homem ativo Para quem se p r o p õ e efetuar uma re-
de massas atua praticamente, mas n ã o forma intelectual e moral nas grandes
tem uma clara consciência teórica desta massas, como é o caso do Moderno Príci-
sua ação, que, n ã o obstante, é um conhe- pe, essas questões são de primeiro plano.
cimento do mundo na medida em que o
transforma. Pode ocorrer, inclusive, que 2.2. A Modernidade e o Historicamente
a sua consciência teórica esteja historica- Superado.
mente em contradição com o seu agir. É Para Gramsci o presente n ã o pode
quase possível dizer que ele tem duas ser pensado através de uma concepção do
consciências teóricas (ou uma consciência mundo fundamentada no passado. "Se is-
contraditória): uma, implícita na sua to ocorre, nós somos ' a n a c r ô n i c o s ' em fa-
ação, e que realmente o une a todos os ce da época em que vivemos, nós somos
seus colaboradores na transformação prá- fósseis e n ã o seres modernos. O u pelo me-
tica da realidade; e outra, superficialmen- nos, somos 'compostos' bizarramente. E
te explícita ou verbal, que ele herdou do ocorre, de fato, que grupos sociais que,
passado e acolheu sem crítica. Todavia, em determinados aspectos, exprimem a
esta concepção 'verbal' n ã o é inconse- mais desenvolvida modernidade, em ou-
qüente: ela liga a um grupo social deter- tros manifestam-se atrasados com relação
minado, influi sobre a conduta moral, so- à sua posição social, sendo, portanto, in-
bre a direção da vontade, de uma maneira capazes de completa autonomia históri-
mais ou menos intensa, que pode inclusi- c a " (1:13).
ve, atingir um ponto no qual a contradito- Essa reforma intelectual e moral visa
riedade da consciência n ã o permite ne- desenvolver a consciência crítica das mas-
nhuma ação, nenhuma escolha e produza sas, para que elas tenham uma 'conduta
um estado de passividade moral e políti- a u t ô n o m a e independente' e adquiram
ca". (1:20-21) uma 'completa autonomia histórica'.
O que leva o homem a optar por uma É necessário que esses grupos subal-
determinada concepção de mundo, mes- ternos adquiram uma consciência atuante
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expressão do seu estágio de desenvolvi- das pela Igreja, j á que a Igreja sucumbiu
mento econômico. Sendo assim, a refor- diante do Estado burguês e dele se tornou
ma intelectual e moral deve conter um um instrumento de d o m i n a ç ã o .
programa de reforma econômica da socie-
dade " . . . uma reforma intelectual e moral 2.4. O Relacionamento Estado e Igreja.
não pode deixar de estar ligada a um pro- A questão singular do relacionamen-
grama de reforma e c o n ô m i c a " (3:9). to Estado/Igreja está contida na questão
O Moderno Príncipe tem um progra- mais geral do relacionamento entre 'socie-
ma de reforma econômica bem definido, dade civil' e 'sociedade política'. N ã o
que é a expropriação da propriedade pri- partilhamos da opinião de que Gramsci é
vada capitalista e sua conseqüente sociali- o teórico da 'sociedade civil' que se o p õ e
zação. ao Estado. A maneira como Gramsci dis-
cute esta questão Sociedade Civil/Socie-
A Igreja Católica n ã o possui um pro- dade Política é como t a m b é m ela aparece
grama de reforma econômica. N o passa- em ' A Ideologia A l e m ã ' .
do, porque a igreja era diretamente pro-
Para Gramsci a distinção entre 'so-
prietária fundiária, " . . . a categoria dos
ciedade política' e 'sociedade civil' é uma
eclesiásticos pode ser considerada como a
distinção metódica e n ã o orgânica (3:32),
categoria intelectual organicamente ligada
não ver assim é cometer o erro teórico do
à aristocracia latifundiária: era juridica-
movimento da livre troca j á que no libera-
mente equiparada à aristocracia, 'com a
lismo "...afirma-se que a atividade eco-
qual dividia o exercício da propriedade
nômica é própria da sociedade civil e que
feudal da terra e o uso dos privilégios es-
o Estado n ã o deve intervir na sua regula-
tatais ligados à propriedade' (2:5), no pre-
mentação. Mas, como na realidade fatual
sente — na sociedade moderna —, porque
sociedade civil e Estado se identificam..."
ela defende os interesses da 'ordem' eco-
(3:32).
nômica estabelecida: assim, ela pode de-
Procuraremos trazer essa discussão
fender os seu próprios interesses econômi-
para um nível menos abstrato e menos ge-
cos". N a realidade, a Igreja j á n ã o quer
ral, enfocando algumas questões mais
comprometer-se na vida prática econômi-
concretas, historicamente determinadas, e
ca e não se empenha a fundo, nem por
a partir daí discutir t a m b é m alguns pon-
aplicar os princípios sociais que defende e
tos que julgamos relevantes para se com-
que não são aplicados, nem para defen-
preender a questão da relação Estado/I-
der, manter ou restaurar aquelas situações
greja em Gramsci.
em que uma parte dos seus princípios já
fora aplicada e que foram destruídas... As Concordatas aparecem com des-
ela está disposta a lutar só para defender taque em Gramsci, porque através delas
as suas liberdades corporativas particula- se redefine o relacionamento entre Estado
res (de Igreja como Igreja, organização e Igreja nos tempos modernos, quando o
eclesiástica), os privilégios que proclama Vaticano e outros Estados — a Alemanha
como ligados à própria essência divina; e a Itália do pós-guerra de 1914 — estabe
para a defesa destes privilégios a Igreja lecem novos termos do relacionamento.
não exclui nenhum meio, nem a insurrei- As Concordatas significaram a capitula-
ção armada, nem o atentado individual, ção do Estado moderno diante da Igreja
nem o apelo à invasão estrangeira. Todo o (3:303) por várias razões. C o m as Concor-
resto é relativamente transcurável, a me- datas o Estado moderno admite uma du-
nos que n ã o esteja ligado às suas condi- pla soberania sobre os seus cidadãos " . . .
ções existenciais" (3:289). com a concordata verifica-se, de fato,
uma interferência de soberania num 'úni-
As relações fundamentais — econô- co' território estatal, pois todos os artigos
micas — da sociedade moderna, as rela- de uma concordata referem-se aos 'cida-
ções de p r o d u ç ã o capitalista, a exploração dãos de apenas u m ' dos Estados contra-
do trabalho pelo capital, são sacramenta- tantes, sobre os quais o poder soberano de
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Igreja esse papel de organizar a cultura. ção e t c , do que como cardeais ou bispos"
Mais do que isso, o Estado destrói qual- (3:308).
quer opositor da Igreja (3:308). Procurando dimensionar esse confli-
N ã o fosse essa ajuda estatal a Igreja to entre Estado e Igreja num tempo histó-
se exauria. Gramsci relata uma crise pro- rico mais amplo, Gramsci o caracteriza
funda que atravessava a Igreja no período como categoria eterna histórica pois,
pré-guerra e mesmo durante a guerra, "poder-se-ia acrescentar que, num deter-
quando a Igreja estava com seríssimas di- minado sentido, o conflito entre 'Estado e
ficuldades par arregimentar novos qua- Igreja' simboliza o conflito entre qual-
dros, diante da concorrência de outras quer sistema de idéias cristalizadas, que
profissões ligadas à indústria. "Portanto, apresentam uma fase ultrapassada da His-
a organização eclesiástica sofria uma crise tória, e as necessidades práticas atuais.
de organização que podia ser fatal para o Luta entre conservadorismo e revolução
seu poder, se o Estado tivesse mantido in- e t c , entre o que foi pensado e o novo pen-
tegralmente a sua posição laica, mesmo samento, entre o velho que n ã o quer mor-
prescindindo de uma luta ativa. N a luta rer e o novo que quer viver etc." (3:315).
entre as formas de vida, a Igreja estava
para desaparecer automaticamente, por 3. A Função Intelectual, Política e Ideoló-
exaustão própria. ' O Estado salvou a gica da Igreja na Sociedade Moderna
Igreja' "(3:307).
U m a vez que a Igreja ' n ã o quer
Segundo Gramsci " A Igreja é um comprometer-se na vida prática econômi-
Shylok ainda mais implacável que o ca' e assume a função de ser 'a muleta do
Shylok Shakesperiano: exigirá a sua libra Estado moderno' ela passa a ter funções
de carne mesmo a custo do dessangramen- intelectuais, políticas e ideológicas bem
to da sua v í t i m a " (3:309). definidas de defesa do Estado moderno e
Assim, o apoio que a Igreja dá ao Es- das relações econômicas que constituem o
tado é ao mesmo tempo um meio da Igre- seu conteúdo material. Discutiremos ago-
ja fortalecer o seu próprio poder " . . . o ra algumas dessas funções.
Estado Fascista decidiu que a religião ca- A burguesia, para exercer o seu papel
tólica, base da unidade intelectual e moral de classe dominante, além do poder do
do nosso povo, fosse ensinada n ã o so- Estado, necessita de outros meios de do-
mente nas escolas para crianças, mas tam- minação menos diretos, mas nem por isso
bém nas escolas para jovens" (3:313). menos importantes. A constante criação
Diante desses novos privilégios as de uma camada de intelectuais ligados aos
'condições econômicas do clero melhora- mais diferentes ramos da cultura é um
ram muitas vezes' (3:307), e a Igreja pro- desses elementos importantes.
curou cada vez mais e cada vez com maior Para Gramsci " O s intelectuais são os
sucesso infiltrar-se no aparelho estatal na 'comissários' do grupo dominante para o
medida em que forma dentro do espírito exercício das funções subalternas da hege-
cristão os quadros dirigentes do aparelho monia social e do governo políti-
estatal. " A Igreja na sua fase atual, em co..."(2:11).
virtude do impulso proporcionado pelo Como que esse 'grupo dominante'
Papa à Ação Católica, n ã o pode cria os seus intelectuais?
contentar-se apenas em formar padres: Segundo Gramsci há, fundamental-
ela almeja permear o Estado (recordar a mente, duas categorias de intelectuais:
teoria do governo indireto elaborada por uma é aquela categoria de intelectuais
Belarmino) e para isso são necessários os criada por um grupo social fundamental,
leigos, é necessária uma concentração de direta e simultaneamente ligada à criação
cultura católica representada por leigos. da nova ordem econômica criada por esse
Muitas personalidades podem-se tornar grupo fundamental. Esse tipo de intelec-
auxiliares mais preciosos da administra- tual é o que Gramsci chama de 'intelectual
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orgânico' (2:3-4). Esse novo grupo social, 'fiéis', ruptura que n ã o pode ser elimina-
expressão de novas relações econômicas, da pela elevação dos 'simplórios' ao nível
encontra no seu desenvolvimento históri- dos intelectuais (a Igreja nem sequer se
co, uma categoria de intelectuais que ex- propõe esta tarefa ideal e economicamen-
pressavam relações econômicas superadas te desproporcionada em relação as suas
— mas nem por isso inexistentes —: são forças atuais), mas, sim, com uma disci-
os intelectuais tradicionais. plina de ferro sobre os intelectuais, impe-
A burguesia, na medida que criava os dindo que eles ultrapassem certos limites
seus próprios intelectuais orgânicos, ne- nesta separação, tornando-a catastrófica
cessitava t a m b é m 'conquistar' os intelec- e i r r e p a r á v e l " ( l : 19).
tuais tradiconais para a sua causa (2:9), e Essa 'ruptura na comunidade dos
" A mais típica destas categorias de inte- fiéis' ocorre porque a Religião do alto cle-
lectuais é a dos eclesiásticos... " (2:5). ro não é a mesma das massas populares,
C o m o j á foi dito, a Igreja busca ser o "Sobre o senso-comum... influem n ã o só
intelectual das grandes massas, difundin- as formas mais toscas e menos elaboradas
do uma determinada concepção de mun- destes vários catolicismos, atualmente
do e organizando seus fiéis de acordo com existentes, como influíram t a m b é m sendo
essa concepção de mundo. Mas essa fun- componentes do atual senso-comum as re-
ção intelectual-organizadora apresenta ligiões precedentes e as formas preceden-
muitas dificuldades e problemas insolú- tes do atual catolicismo, os movimentos
veis mas que nem por isso deixam de ser heréticos populares, as superstições
enfrentados pela Igreja. científicas ligadas às religiões passadas,
Agindo como sustentáculo ideológi- etc. Predominam, no senso-comum, os
co de um Estado calcado na luta de classes elementos 'realistas', materialistas, isto
mas que procura ofuscar esse conteúdo, é, o produto imediato da sensação bru-
como se porta a Igreja junto às massas ta..." (1:144), há, portanto, uma defasa-
diante dos problemas colocados por essa gem entre catolicismo popular e catolicis-
mesma massa que expressem a luta de mo teológico ou dos intelectuais (1:254).
classes? A existência de um catolicismo de in-
Segundo Gramsci um dos problemas telectual e um catolicismo de subalterno
fundamentais que enfrenta uma determi- nos remete à questão da teoria e prática;
nada concepção de mundo que pretende de dirigente e dirigido. A existência de di-
se transformar em um movimento cultu- rigente e dirigido é um dado elementar da
ral, em uma 'ideologia' das massas — ciência política (3:18-19) cujas origens
'desde que se dê ao termo ideologia o sig- não discutiremos por fugir do nosso tema.
nificado mais alto de uma concepção do Para Gramsci " A o formar-se o diri-
mundo, que se manifesta implicitamente gente (e os intelectuais da Igreja são diri-
na arte, no direito, na atividade econômi- gentes) é fundamental a premissa:
ca, em todas as manifestações de vida in- pretende-se que existam sempre governa-
dividuais e coletivas, " . . . é o problema de dos e governantes, ou pretende-se criar as
conservar a unidade ideológica de todo o condições em que a necessidade dessa di-
bloco social, que está cimentado e unifica- visão d e s a p a r e ç a ? " (3:19).
do justamente por aquela determinada A Igreja 'nem sequer se propõe essa
ideologia" (1:16). Essa 'unidade ideológi- tarefa ideal e economicamente despropor-
ca' coloca diretamente a questão do rela- cionada em relação às suas forças atuais'
cionamento intelectual e massa, do supe- de eliminar essa divisão entre dirigente e
rior e do inferior, enfim, da teoria e da dirigido.
prática. Para manter essa unidade entre diri-
Para Gramsci " . . . o fato de que a gente e dirigido a Igreja submete os seus
Igreja deva enfrentar o problema dos intelectuais a uma disciplina de ferro, im-
'simplórios' significa, justamente, que pedindo que eles ultrapassem certos limi-
existiu uma ruptura na comunidade dos tes nesta separação, tornando-a catastró-
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fica e irreparável. " A Igreja Romana foi diante de Maquiavel. Gramsci considera a
sempre a mais tenaz na luta para impedir obra de Maquiavel a primeira tentativa de
que se formassem 'oficialmente' duas reli- sistematizar as vontades das massas e das
giões, a dos 'intelectuais' e a das 'almas forças sociais italianas mais progressistas:
simples' (1:16) pois, "Todas as vezes em Maquiavel teorizou sobre a necessidade
que a continuidade das relações entre da criação do 'Terceiro Estado' na Itália,
Igreja e fiéis foi interrompida... as perdas ele pretendia criar uma força 'Jacobina'
sofridas pela Igreja foram incalculá- italiana. "Maquiavel é inteiramente um
veis...(1:27). Nessa medida, " A religião homem da sua época; e a sua ciência re-
— ou uma Igreja determinada — mantém presenta a filosofia do seu tempo, que
a sua comunidade de fiéis...na medida em tende à organização das monarquias na-
que mantém permanente e organizada- cionais absolutistas, a forma política que
mente a própria fé, repetindo infatigavel- permite e facilita um desenvolvimento das
mente a sua apologética, lutando sempre e forças produtivas burguesas" (3:15).
em cada momento contra argumentos si- Uma das exigências que Maquiavel via co-
milares, e mantendo uma hierarquia de locada por sua época estava a necessidade
intelectuais que emprestem à fé pelo me- de superar as"...lutas entre os Estados
nos a aparência de dignidade do pensa- italianos por um equilíbrio no â m b i t o ita-
mento" (1:27). liano, que era dificultada pela existência
Para Gramsci as heresias foram uma do Papado e de outros resíduos feu-
manifestação radical dessa separação en- dais..." (3:15).
tre intelectual e massas: " O s movimentos As forças sociais interessadas na for-
heréticos da Idade Média — que surgiram mação da Nação italiana encontravam
como reação simultânea à politicagem da opositores poderosos, interessados em
Igreja e à filosofia escolástica que foi a que forças internacionais subjugassem es-
sua expressão, e que se baseavam nos con- sas forças nacionais " . . . u m a condição de
flitos sociais determinados pelo nascimen- atraso da história política e social italiana
to das comunas — foram uma ruptura en- de 1500 a 1700; condição que se devia em
tre massa e intelectuais no interior da grande parte à p r e d o m i n â n c i a das rela-
Igreja, ruptura, 'corrigida' pelo nasci- ções internacionais sobre as relações inter-
mento de movimentos populares religio- nas, paralisadas e entorpecidas" (3: 17)...
sos reabsorvidos pela Igreja, através da essas forças eram algumas potências es-
formação das ordens mendicantes e de trangeiras e o Vaticano.
uma nova unidade religiosa" (1:19). Para Maquiavel atingir as forças so-
ciais que julgava interessadas na criação
4. Catolicismo na Itália da Nação italiana ele entrou em luta, ele
4.1. A Igreja e Maquiavel estava"...em contradição com a ideologia
difundida na época: a Religião" (3: 11).
N ã o bastasse a força da Igreja en- Essa luta de Maquiavel contra o poder da
quanto organizadora da cultura das gran- Igreja levou que esta considerasse
des massas, na Itália, a sua força é ainda que"...Maquiavel nada mais é do que
maior por abrigar a Igreja enquanto Esta- uma aparição d i a b ó l i c a " (3: 10).
do: o Vaticano.
4.2. A Igreja e a Comuna.
Os movimentos sociais que criaram a
sociedade moderna - notadamente as Re- Outro movimento social cujo desenvolvi-
voluções Burguesas — encontraram na mento levaria à formação da N a ç ã o italia-
Itália um obstáculo muito forte na Rele- na, mas que foi derrotado na sua infân-
gião e no Vaticano. A formação da Nação cia, e um dos vitoriosos foi a Igreja, trata-
italiana só se fez travando uma ferrenha se do movimento das Comunas.
luta contra essas forças e em vários emba- O fracasso da Comuna, 'este floresci-
tes o Vaticano saiu vitorioso. mento burguês', se deveu às debilidades
É significativa a posição da Igreja próprias à burguesia italiana e entre elas,
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ABSTRACT: We try to learn the thinking of Gramsci about the function of the church in the Mo-
dern Society. These functions (political, ideológica/, cultural and moral) of the church are analtzed in
the perspective of the bourgeois performance and socialist movement.
KEY- WORDS; Religion and bourgeois society; religion andsocialism; marxism and religion.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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