Sei sulla pagina 1di 15

Perspectivas, São Paulo

7:59-73, 1984.

A IGREJA NA SOCIEDADE M O D E R N A
SEGUNDO GRAMSCI
Eli P I M E N T A *

RESUMO: Procuramos apreender o pensamento de Gramsci no que diz respeito as funções da


Igreja na Sociedade Moderna. Essas funções (política, ideológica, cultural e moral) da Igreja são anali-
sadas na perspectiva do funcionamento da sociedade burguesa e do movimento socialista.

UNITERMOS: Religião e sociedade burguesa; religião e socialismo; marxismo e religião.

INTRODUÇÃO
dade necessária entre interpretar e trans-
No nosso entender, o 'leit motiv' da formar, entre teoria e prática. Mais do
obra de Gramsci é a formação de uma de- que interpretar o mundo, Gramsci estava
terminada vontade coletiva nacional- preocupado em transformá-lo.
popular para um determinado fim políti- No nosso entender, essas colocações
co. A formação dessa vontade e a conse- preliminarmente s ã o de extrema impor-
cução do seu objetivo último — a con- tância porque só assim julgamos possível
quista e a formação de um novo tipo de compreender os mais diversos temas do
Estado e de um novo homem - só será conhecimento humano tratados por
possível através de um determinado parti- Gramsci.
do político, onde teoria e prática encon- O que une essa diversidade temática
trem uma tal unidade que expressem as encontrada na obra de Gramsci?
necessidades históricas das massas traba- Quando dissemos que Gramsci é um
lhadoras. homem de partido, isso significa que ele
Gramsci foi um homem que dedicou está preocupado com o homem concreto,
todas as suas energias a essa gigantesca ta- e o concreto é por excelência diverso e
refa procurando, com a sua atuação complexo. Daí porque tudo que diz res-
prático-política ou com sua p r o d u ç ã o in- peito ao homem se torna objeto de refle-
telectual 'lato senso', organizar aquela xão em Gramsci, e toda reflexão possui
parte da nação italiana cujas contradições um nexo com um determinado projeto
históricas vividas apontam para a necessi- político de transformação e organização
dade de um novo tipo de organização da da sociedade.
sociedade como um todo. Para nós seria difícil, se n ã o im-
Gramsci foi um homem de partido. possível, compreender a mais singular
Nele, o filósofo, o teórico da política, o problemática encontrada na obra de
político prático, o sociólogo, o a n t r o p ó l o - Gramsci se ela n ã o for vista ligada à sua
go, o historiador, o crítico literário, etc. preocupação geral de organizar a N a ç ã o
constituíam uma unidade própria àqueles Italiana, a partir de um determinado pro-
homens onde a compreensão da realidade jeto político.
se faz um elemento necessário e indisso- O tema que vamos discutir em
ciável de sua transformação. Gramsci — a Religião — é uma questão
A concepção filosófica da história e particular no conjunto da sua obra, mas
da natureza da qual Gramsci se fez é, aos mesmo tempo, uma questão com-
discípulo leva a que se estabeleça essa uni- plexa na medida que a destacamos desse

* Departamento de Ciências Políticas e Econômicas — Faculdade de Educação, Filosofia, Ciências Sociais e da Documenta-
ção — U N E S P — 17.500 — Marília — SP.

59
P I M E N T A , E . — A igreja na sociedade moderna segundo Gramsci. Perspectivas, S ã o Paulo, 7:59-73,
1984.

conjunto. A Religião é tratada por vontades se p r o p õ e m objetivos imediatos


Gramsci como um elemento concreto, en- e mediato concretos, isto é, uma linha de
volvendo diferentes níveis de relações e, ação coletiva" (3:90).
portanto, de abstrações, e é como tal que C o m o a vontade coletiva é " . . . a
julgamos possível apreendê-la. consciência atuante da necessidade histó-
C o m o bibliografia utilizamos exclu- r i c a . . . " (3:7), se torna necessário conhe-
sivamente textos de Gramsci, dispensando cer o que é 'real' e 'efetivo' no presente
seus comentaristas, porque para apreen- histórico do qual Gramsci é protagonista,
der o pensamento de um pensador t ã o conhecer os indivíduos reais, e " . . . todo
complexo como o é Gramsci, achamos indivíduo é n ã o somente a síntese das rela-
que o melhor caminho é estudar direta- ções existentes, mas t a m b é m da história
mente o autor. Essa sugestão metodológi- destas relações, isto é, o resultado de todo
ca a tiramos do p r ó p r i o Gramsci, na sua o passado" (1:40). Sendo assim, para sa-
sugestão para se estudar M a r x : " N o estu- ber se já existem as condições históricas
do de um pensamento original e necessárias para a formação e o desenvol-
inovador... deve-se buscá-lo principal- vimento de uma determinada vontade co-
mente nas suas obras a u t ê n t i c a s " (1:97). letiva, o Moderno Príncipe — organiza-
dor e expressão ativa e atuante dessa von-
1. O Fundamento da preocupação de tade (3:9) — deve se dedicar a algumas
Gramsci com a Religião questões fundamentais como o jacobinis-
1.1. Organização de uma vontade coletiva mo: as tentativas feitas para se organizar
nacional-popular. essa vontade e as razões dos fracassos.
Bem como a questão da reforma intelec-
Gramsci quer chegar"...a uma justa tual e moral.
análise das forças que atuam na história Para Gramsci, em Maquiavel encon-
de um determinado período e a definição tramos a primeira tentativa de sistemati-
das relações entre elas" (3:45). Para isso é zação teórica e de proposta política con-
necessário movimentar-se no interior da- creta de formação e organização da von-
queles dois princípios contidos na "Intro- tade coletiva nacional-popular na Itália.
dução à Crítica da Economia P o l í t i c a " , " O Príncipe de Maquiavel poderia ser es-
segundo os quais " u m a formação social tudado como uma exemplificação históri-
nunca perece antes que estejam desenvol- ca do 'mito' soreliano, isto é, de uma
vidas todas as forças produtivas para as ideologia política que se apresenta n ã o co-
quais ela é suficientemente desenvolvida, mo fria utopia, nem como raciocínio dou-
e novas relações de p r o d u ç ã o mais adian- trinário, mas como uma criação da fanta-
tadas jamais t o m a r ã o o lugar, antes que sia concreta que atua sobre um povo dis-
suas condições materiais de existência te- perso e pulverizado para despertar e orga-
nham geradas no seio mesmo da velha so- nizar a sua vontade coletiva... Maquiavel
ciedade. É por isso que a humanidade só mostra como deve ser o Príncipe para le-
se p r o p õ e as tarefas que pode resolver, var o povo à fundação do Novo Esta-
pois, se se considera mais atentamente, se d o . . . " . (3:4)
chegará à conclusão de que a própria tare- Por que Maquiavel fracassou? Essa
fa só aparece onde as condições materiais questão é muito importante para Gramsci
de sua solução j á existem, ou, pelo me- porque a formação da vontade coletiva
nos, são captadas no processo de seu de- atual exige que se conheçam as tentativas
venir" (4:130). passadas e as razões do seu fracasso, iden-
Para Gramsci esses princípios colo- tificando as forças sociais que se opuse-
cam diretamente a questão de formação ram à sua realização. H á muitas razões
de uma vontade coletiva: "Analisar criti- que explicam esse fracasso e delas Grams-
camente o significado da proposição, im- ci destaca algumas fundamentais, porque
plica indagar como se formam as vonta- de raízes nacionais profundas e porque
des coletivas permanentes, e como tais ainda persistem, como é o caso da Igreja

60
P I M E N T A , E . — A igreja na sociedade moderna segundo Gramsci. Perspectivas, São Paulo, 7:59-73,
1984.

Católica na Itália. A religião, e aqui que- O homem para sobreviver necessita


remos dizer Igreja Católica, aparece na ter uma explicação dos fenômenos natu-
obra de Gramsci como um dos principais rais e de suas relações sociais contraídas.
obstáculos, tanto no passado como no É mister descobrir uma determinada ra-
presente, que dificultou e dificulta a for- cionalidade na natureza e na história e,
mação de uma vontade coletiva nacional- assim fazendo, esses elementos se tornam
popular, e é enquanto tal que a ' q u e s t ã o ' cognoscíveis e assimiláveis pela prática
religiosa é discutida por Gramsci. humana.
Gramsci pergunta " P o r que n ã o hou- Nesta medida, enquanto conhecedor
ve a monarquia absolutista na Itália no de leis objetivas, mesmo que este conheci-
tempo de Maquiavel? É necessário re- mento seja eminentemente prático e n ã o
montar ao Império Romano (questão da sistematizado, o homem é um 'filósofo'.
língua, dos intelectuais etc), compreen- Mas, essa sua 'filosofia', essa sua concep-
der a função das comunas medievais, 'o ção de mundo, é constituída de elementos
significado do catolicismo etc...". (3:7) conflitantes, convivendo nas mentes indi-
viduais e nas ações práticas, elementos de
Além desse balanço histórico, o M o - diferentes épocas históricas. E , "Quando
derno Príncipe deve ser a " . . . expressão a concepção do mundo n ã o ê crítica e coe-
ativa e atuante de uma reforma intelectual rente, mas ocasional e desagregada, per-
e moral... o Moderno Príncipe, tencemos simultaneamente a uma multi-
desenvolvendo-se, subverte todo o siste- plicidade de homens-massa, nossa própria
ma de relações intelectuais e morais... o personalidade é composta de uma manei-
Príncipe toma o lugar, nas consciências, ra bizarra, nela se encontram elementos
da divindade ou do imperativo categóri- dos homens das cavernas e princípios da
co, torna-se a base de um laicismo moder- ciência mais moderna e progressista, pre-
no e de uma laicização completa de toda a conceitos de todas as fases históricas pas-
vida e de todas as relações de costumes". sadas, grosseiramente localistas, e intui-
(3:9) ção de uma futura filosofia que será pró-
Nesse processo de realização da re- pria do gênero humano mundialmente
forma intelectual e moral o Moderno unificado". (1:12)
Príncipe se defronta com o obstáculo da Isto é o que podemos chamar de sen-
religião, uma vez que as massas populares so comum. Ademais, senso comum " . . .
possuem uma cultura medieval (1:104) e, não é uma concepção única... é um nome
conforme veremos noutra parte deste tra- coletivo: não existe um único senso co-
balho, medieval aqui tem o significado de mum, pois t a m b é m ele é um produto e um
uma concepção religiosa do mundo e da devenir h i s t ó r i c o " , (1:14).
vida e cujo sustentáculo ideológico e Para Gramsci, " . . . 'a Religião é um
político está na Igreja Católica. Essa é elemento do senso comum,' desagragado"
uma das dificuldades encontradas no pro- (1:14) e, sendo assim, conforme o que de-
cesso de formação e desenvolvimento de finimos por senso comum, " . . . t o d a reli-
uma cultura moderna pelas massas. gião, inclusive a católica (ou antes, nota-
1.2. Religião, Senso Comum e Filosofia. damente a católica, precisamente pelos
O destaque dado a estas questões por seus esforços de permanecer 'superficial-
Gramsci se justifica pelo fato de que a re- mente' unitária, a fim de n ã o fragmentar-
forma intelectual e moral, a que o Moder- se em igrejas nacionais e em estratifica-
no Príncipe se p r o p õ e realizar, deve partir ções sociais), é na realidade uma multipli-
do conhecimento da concepção do mun- cidade de religiões distintas, freqüente-
do das grandes massas. A 'Filosofia da mente contraditórias: há um catolicismo
Praxis', para se difundir entre as massas, dos camponeses, um catolicismo dos
deve partir desse substrato cultural já pequeno-burgueses e dos operários urba-
existente para superá-lo. nos, um catolicismo das mulheres e um
Qual é o nexo existente entre esses catolicismo dos intelectuais, t a m b é m este
três elementos? variado e desconexo". (1:144)
61
P I M E N T A , E . — A igreja na sociedade moderna segundo Gramsci. Perspectivas, São Paulo, 7:59-73,
1984.

A filosofia está em contradição com ses, não para superar essa divisão mas pa-
o senso comum e, por conseguinte, com a ra perpetuá-la.
religião. É necessário, no entanto, preci- Sendo assim, n ã o é qualquer filosofia
sar o significado dessa contradição. C o n - que é capaz de unir o superior ao inferior,
tradição em Gramsci é contradição dialé- pelo contrário, só a 'Filosofia da Praxis'
tica: a destruição e superação do velho é se p r o p õ e e é capaz de suprir essa separa-
simultaneamente criação do novo. ção entre filosofia e senso-comum, por-
A filosofia é uma forma de conheci- que ela é a única que se p r o p õ e a abolir as
mento superior ao senso comum e à reli- causas dessa separação que é a luta de
gião: " A religião e o senso comum não classes.
podem constituir uma ordem intelectual Sendo ainda medieval a cultura das
porque n ã o podem reduzir-se à unidade e massas, decorrente em grande parte da
à coerência nem mesmo na consciência in- presença da Igreja nas suas vidas, e sendo
dividual, para n ã o falarmos na consciên- necessário efetuar a reforma intelectual e
cia coletiva..."(1:14). O conhecimento fi- moral no seio dessa massa, o Moderno
losófico é superior ao senso comum e à re- Príncipe tem na Igreja um dos obstáculos
ligião porque nele se realiza essa unidade, a ser superado.
coerência e sistematização. " A filosofia é
a crítica e a superação da religião e do sen- 2. Algumas questões referentes à Prática
so comum e, neste sentido, coincide com Política da Igreja
o 'bom-senso' que se c o n t r a p õ e m ao sen-
2.1. Utopia e Política.
so c o m u m " . (1:14)
C o m o podemos perceber, em Grams- Para Gramsci, o que a Religião se
ci a distinção entre filosofia e senso- propõe realizar é uma grande utopia por-
comum n ã o é uma separação absoluta pe- que ela pretende a unidade de uma ideolo-
lo contrário, o bom-senso, — que é o ele- gia transcendental — idealista — com
mento sadio do senso-comum constitui uma prática transformadora das massas
um elo de ligação com a filosofia. A pró- que nada tem de transcendental — que é
pria filosofia, quando expressão das ne- materialista.
cessidades de uma época, ê incorporada A Religião estabelece um 'homem em
pelas massas e nesta medida tende a se geral', uma 'natureza humana' que está
tornar 'senso-comum'. em contradição com o homem concreto,
Neste momento de união da filosofia não podendo assim equacionar correta-
com a vida das massas, a filosofia se mente as necessidades desse homem con-
transforma em ideologia "...desde que se creto: "Neste sentido, a religião é a mais
dê ao termo 'ideologia' o significado mais gigantesca utopia, isto é, a mais gigantes-
alto de uma concepção do mundo, que se ca 'metafísica' que j á apareceu na histó-
manifesta implicitamente na arte, no di- ria, já que ela é a mais grandiosa tentativa
reito, na atividade econômica, em todas de conciliar, em uma forma mitológica, as
as manifestações de vida individuais e co- contradições reais da vida histórica: ela
letivas..." (1:16), colocando a questão afirma, na verdade, que o homem tem a
fundamental para toda filosofia que se mesma 'natureza', que existe o homem
pretende transformar numa norma de em geral, enquanto criado por Deus, filho
conduta de todo um ambiente cultural, de Deus, sendo por isso irmão dos outros
que é " . . . o problema de conservar a uni- homens, igual aos outros homens, livre
dade ideológica de todo o bloco social, entre os outros e da mesma maneira que
que está cimentado e unificado justamen- os outros; e ele pode se conceber desta
te por aquela determinada ideologia" forma espelhando-se em Deus, 'autocons-
(1:16). ciência' da humanidade; mas afirma tam-
Para Gramsci a filosofia idealista bém que nada disto pertence a este mundo
não foi capaz de conseguir essa unidade e ocorrerá neste mundo, mas em um outro
porque ela se sustenta na divisão de clas- (utópica). Desta maneira, as idéias de

62
P I M E N T A , E . — A. igreja na sociedade moderna segundo Gramsci. Perspectivas, S ã o Paulo, 7:59-73,
1984.

igualdade, liberdade e fraternidade fer- mo que essa opção se faça por uma ideo-
mentam entre os homens, entre os ho- logia que não atende às necessidades his-
mens que n ã o se vêem nem iguais, nem ir- tóricas dessa massa?
mãos de outros homens, nem livres em fa- Para Gramsci a explicação desta
ce deles" (1:115). questão é complexa, " . . . n ã o pode deixar
Mesmo que uma determinada idéia de ser a expressão de contrastes mais pro-
seja utópica, isso n ã o significa que ela n ã o fundos de natureza histórico-social. Isto
se possa transformar numa determinada significa (a opção por uma ideologia que
prática política, e assim essa utopia se está em oposição a prática) que um grupo
transforma em ideologia e em política. A social, que tem uma concepção própria do
Igreja organiza política e ideologicamente mundo, ainda que embrionária, que se
as massas, partindo desta utopia, "...isto manifesta na ação e, portanto, des-
— o valor utópico — n ã o significa que a contínua e ocasionalmente, isto é, quando
utopia n ã o possa ter um valor filosófico; tal grupo se movimenta como um conjun-
ela tem um valor político, e toda política é to orgânico toma emprestada a outro gru-
implicitamente uma filosofia, ainda que po social, por razões de submissão e su-
desconexa e apenas e s b o ç a d a " (1:115). bordinação intelectual, uma concepção
Esse pressuposto fundamental da re- que lhe é estranha, e aquele (o primeiro)
ligião, por sua decorrência lógica e pela grupo afirma por palavras esta concep-
sua aplicação histórica, n ã o só n ã o permi- ção, e t a m b é m acredita segui-la, j á que a
te a evolução da cultura das massas do segue em 'épocas normais', ou seja, quan-
senso-comum para o bom-senso e para a do a conduta n ã o é independente a u t ô n o -
filosofia, como impede esse desenvolvi- ma, mas sim submissa e subordinada"
mento. (1:15).
Segundo Gramsci, " O homem ativo Para quem se p r o p õ e efetuar uma re-
de massas atua praticamente, mas n ã o forma intelectual e moral nas grandes
tem uma clara consciência teórica desta massas, como é o caso do Moderno Príci-
sua ação, que, n ã o obstante, é um conhe- pe, essas questões são de primeiro plano.
cimento do mundo na medida em que o
transforma. Pode ocorrer, inclusive, que 2.2. A Modernidade e o Historicamente
a sua consciência teórica esteja historica- Superado.
mente em contradição com o seu agir. É Para Gramsci o presente n ã o pode
quase possível dizer que ele tem duas ser pensado através de uma concepção do
consciências teóricas (ou uma consciência mundo fundamentada no passado. "Se is-
contraditória): uma, implícita na sua to ocorre, nós somos ' a n a c r ô n i c o s ' em fa-
ação, e que realmente o une a todos os ce da época em que vivemos, nós somos
seus colaboradores na transformação prá- fósseis e n ã o seres modernos. O u pelo me-
tica da realidade; e outra, superficialmen- nos, somos 'compostos' bizarramente. E
te explícita ou verbal, que ele herdou do ocorre, de fato, que grupos sociais que,
passado e acolheu sem crítica. Todavia, em determinados aspectos, exprimem a
esta concepção 'verbal' n ã o é inconse- mais desenvolvida modernidade, em ou-
qüente: ela liga a um grupo social deter- tros manifestam-se atrasados com relação
minado, influi sobre a conduta moral, so- à sua posição social, sendo, portanto, in-
bre a direção da vontade, de uma maneira capazes de completa autonomia históri-
mais ou menos intensa, que pode inclusi- c a " (1:13).
ve, atingir um ponto no qual a contradito- Essa reforma intelectual e moral visa
riedade da consciência n ã o permite ne- desenvolver a consciência crítica das mas-
nhuma ação, nenhuma escolha e produza sas, para que elas tenham uma 'conduta
um estado de passividade moral e políti- a u t ô n o m a e independente' e adquiram
ca". (1:20-21) uma 'completa autonomia histórica'.
O que leva o homem a optar por uma É necessário que esses grupos subal-
determinada concepção de mundo, mes- ternos adquiram uma consciência atuante
63
P I M E N T A , E . — A igreja na sociedade moderna segundo Gramsci. Perspectivas, S ã o Paulo, 7:59-73,
1984.

da sua 'modernidade'. Para Gramsci as duas maiores organizações culturais em


massas trabalhadoras n ã o possuem uma todos os países, graças ao n ú m e r o do pes-
cultura 'moderna' — por moderna en- soal que utilizam" (1:29). Essa presença
tendemos uma cultura baseada nas rela- marcante da Igreja na organização da cul-
ções de p r o d u ç ã o capitalista mas "medie- tura é um dos obstáculos que impede que
val' , expressão de relações de p r o d u ç ã o as massas superem sua "cultura medie-
historicamente superadas, mas que persis- v a l " e assimilem a cultura moderna.
tem nas consciências individuais e coleti- Essa questão da luta de duas cultu-
vas. ras, uma medieval, outra moderna, con-
A cultura moderna tem sua expressão forme j á assinalamos, é de fundamental
mais elaborada na Filosofia Clássica Ale- importância para Gramsci, porque a 're-
mã — principalmente em Hegel —, na forma intelectual e moral' que o Moder-
Economia Inglesa e no Socialismo Fran- no Príncipe deve realizar tem como centro
cês. Esses três pilares da cultura moderna exatamente essa passagem da cultura me-
foram expressões de profundos movimen- dieval para a cultura moderna. Aí se con-
tos revolucionários que destruíram o frontam duas concepções, duas práticas,
mundo feudal e criaram a sociedade bur- com propostas e objetivos diferentes e ex-
guesa. cludentes: a Filosofia da Praxis, cujo ins-
Esses elementos culturais que em si trumento de realização é o Moderno
mesmos representam sínteses profundas Príncipe, e as filosofias tradicionais, que
— Reforma, Calvinismo, Revolução encontram na Igreja um dos seus meios de
Francesa, Revolução Industrial etc. — fo- difusão mais organizado.
ram novamente sintetizados à luz de co- Para Gramsci " A Filosofia da 'Pra-
nhecimentos de um novo conteúdo, no xis' tinha duas tarefas: combater as ideo-
que Gramsci chama de 'Filosofia da Pra- logias modernas em sua forma mais refi-
xis'. " A Filosofia da Praxis pressupõe nada, a fim de poder construir o próprio
todo esse passado cultural... o que está na grupo de intelectuais, e educar as massas
base de toda a 'concepção moderna' da populares, cuja cultura é medieval... a no-
vida. A Filosofia da Praxis é o coroamen- va filosofia nascera precisamente para su-
to de todo este movimento de reforma in- perar a mais alta manifestação cultural da
telectual e moral, dialetizando no contras- época, a filosofia clássica alemã, e para
te entre cultura popular e alta cultura" criar um grupo de intelectuais próprios do
(1:106). novo grupo social ao qual pertencia a con-
2.3 A Igreja e a Organização da Cultura. cepção do m u n d o " (1:104).
Gramsci empreende t a m b é m essa
Quando Gramsci diz que a cultura 'tarefa', que aparece ao longo de sua
das massas populares é medieval (1:104), obra, principalmente nos 'Cadernos do
significa que ela está atrasada em relação Cárcere', onde ele discute a questão da
ao desenvolvimento capitalista e mais ain- cultura das massas, e do posicionamento
da, em relação ao socialismo, à Filosofia da Igreja relativamente a essa cultura, já
da Praxis, que é a crítica e a superação da que a Igreja procura " . . . a hegemonia na
cultura burguesa. educação popular..." (2:49) por um lado,
Para Gramsci, " . . . a ideologia mais e da Filosofia da Praxis que " . . . subverte
difundida nas massas populares, é o as relações intelectuais e morais..." (3:8),
transcendentalismo religioso..." (1:101), por outro lado.
e o papel desempenhado pela Igreja para Procuraremos reproduzir algumas
que assim o seja, impedindo que as mas- dessas questões que julgamos as mais sig-
sas populares adquiram a cultura moder- nificativas, onde Gramsci relaciona a cul-
na tal como a colocamos, n ã o é nada pe- tura italiana com a presença da Igreja e do
queno. Papado na Itália.
Segundo Gramsci " A escola — em Para Gramsci, o estágio de desenvol-
todos os seus níveis — e a Igreja são as vimento cultural de determinado povo é

64
P I M E N T A . E . — A igreja na sociedade moderna segundo Gramsci. Perspectivas, S ã o Paulo, 7 59-73.
1984

expressão do seu estágio de desenvolvi- das pela Igreja, j á que a Igreja sucumbiu
mento econômico. Sendo assim, a refor- diante do Estado burguês e dele se tornou
ma intelectual e moral deve conter um um instrumento de d o m i n a ç ã o .
programa de reforma econômica da socie-
dade " . . . uma reforma intelectual e moral 2.4. O Relacionamento Estado e Igreja.
não pode deixar de estar ligada a um pro- A questão singular do relacionamen-
grama de reforma e c o n ô m i c a " (3:9). to Estado/Igreja está contida na questão
O Moderno Príncipe tem um progra- mais geral do relacionamento entre 'socie-
ma de reforma econômica bem definido, dade civil' e 'sociedade política'. N ã o
que é a expropriação da propriedade pri- partilhamos da opinião de que Gramsci é
vada capitalista e sua conseqüente sociali- o teórico da 'sociedade civil' que se o p õ e
zação. ao Estado. A maneira como Gramsci dis-
cute esta questão Sociedade Civil/Socie-
A Igreja Católica n ã o possui um pro- dade Política é como t a m b é m ela aparece
grama de reforma econômica. N o passa- em ' A Ideologia A l e m ã ' .
do, porque a igreja era diretamente pro-
Para Gramsci a distinção entre 'so-
prietária fundiária, " . . . a categoria dos
ciedade política' e 'sociedade civil' é uma
eclesiásticos pode ser considerada como a
distinção metódica e n ã o orgânica (3:32),
categoria intelectual organicamente ligada
não ver assim é cometer o erro teórico do
à aristocracia latifundiária: era juridica-
movimento da livre troca j á que no libera-
mente equiparada à aristocracia, 'com a
lismo "...afirma-se que a atividade eco-
qual dividia o exercício da propriedade
nômica é própria da sociedade civil e que
feudal da terra e o uso dos privilégios es-
o Estado n ã o deve intervir na sua regula-
tatais ligados à propriedade' (2:5), no pre-
mentação. Mas, como na realidade fatual
sente — na sociedade moderna —, porque
sociedade civil e Estado se identificam..."
ela defende os interesses da 'ordem' eco-
(3:32).
nômica estabelecida: assim, ela pode de-
Procuraremos trazer essa discussão
fender os seu próprios interesses econômi-
para um nível menos abstrato e menos ge-
cos". N a realidade, a Igreja j á n ã o quer
ral, enfocando algumas questões mais
comprometer-se na vida prática econômi-
concretas, historicamente determinadas, e
ca e não se empenha a fundo, nem por
a partir daí discutir t a m b é m alguns pon-
aplicar os princípios sociais que defende e
tos que julgamos relevantes para se com-
que não são aplicados, nem para defen-
preender a questão da relação Estado/I-
der, manter ou restaurar aquelas situações
greja em Gramsci.
em que uma parte dos seus princípios já
fora aplicada e que foram destruídas... As Concordatas aparecem com des-
ela está disposta a lutar só para defender taque em Gramsci, porque através delas
as suas liberdades corporativas particula- se redefine o relacionamento entre Estado
res (de Igreja como Igreja, organização e Igreja nos tempos modernos, quando o
eclesiástica), os privilégios que proclama Vaticano e outros Estados — a Alemanha
como ligados à própria essência divina; e a Itália do pós-guerra de 1914 — estabe
para a defesa destes privilégios a Igreja lecem novos termos do relacionamento.
não exclui nenhum meio, nem a insurrei- As Concordatas significaram a capitula-
ção armada, nem o atentado individual, ção do Estado moderno diante da Igreja
nem o apelo à invasão estrangeira. Todo o (3:303) por várias razões. C o m as Concor-
resto é relativamente transcurável, a me- datas o Estado moderno admite uma du-
nos que n ã o esteja ligado às suas condi- pla soberania sobre os seus cidadãos " . . .
ções existenciais" (3:289). com a concordata verifica-se, de fato,
uma interferência de soberania num 'úni-
As relações fundamentais — econô- co' território estatal, pois todos os artigos
micas — da sociedade moderna, as rela- de uma concordata referem-se aos 'cida-
ções de p r o d u ç ã o capitalista, a exploração dãos de apenas u m ' dos Estados contra-
do trabalho pelo capital, são sacramenta- tantes, sobre os quais o poder soberano de

65
P I M E N T A , E . — A igreja na sociedade moderna segundo Gramsci. Perspectivas, S ã o Paulo, 7:59-73,
1984.

um Estado estranho justifica e reivindica Deus deveria ocupar no universo físico.


determinados direitos e poderes de juris- N a Itália "em 1918 havia uma impor-
dição.., enquanto a concordata limita a tantíssima inovação no nosso direito... o
autoridade estatal de uma das partes con- Estado recomeçava a subvencionar o cul-
tratantes, no seu p r ó p r i o território, e in- to católico, abandonado depois de sessen-
flui e determina a sua legislação e a sua ta e três anos o princípio cavouriano que
administração, nenhuma limitação é assi- fora colocado como base da lei de 29 de
nalada para o território da outra parte" maio de 1895: o Estado n ã o deve subsi-
(3:303). diar nenhum c u l t o " (3:302). E m 1929,
Para Gramsci essa dúplice soberania Hoepker Aschoft, Ministro das Finanças
em um mesmo Estado se n ã o na forma, prussiano, fundamentava a necessidade
mas no seu espírito, é uma continuidade de se conseguir um 'Modus Viventis' com
da " s u z e r a i n i t é " do " A n c i e n Regime" o Vaticano" (3:302).
(3:303). As revoluções burguesas que num
Essa característica das revoluções primeiro momento destruíram as castas,
burguesas, que deram origem aos Estados agora, quando a realidade mostra que L i -
Modernos, de ressuscitar aquilo que num berdade, Igualdade e Fraternidade não
primeiro momento procuraram destruir, são mais do que palavras vazias de con-
discutiremos noutra parte deste trabalho, teúdo pois, sob o domínio da burguesia os
quando falaremos da função intelectual homens n ã o são nem livres, nem iguais e
da Igreja. nem fraternais, recriam estas castas privi-
Podemos perguntar se 'o Estado ob- legiadas para ajudar o Estado a dominar
tém uma contrapartida'? O que o Estado os governados, j á que o Estado n ã o é ca-
obtém de contrapartida diz respeito aos paz de 'obter isto com os seus próprios
'seus' cidadãos, e o seu conteúdo é uma meios'. " A forma n ã o é mais medieval,
demonstração da fraqueza orgânica do mas a substância é a mesma. N o desenvol-
Estado moderno em conseguir a legitimi- vimento da história moderna, fora ataca-
dade dos seus governados: " O Estado do e destruído um m o n o p ó l i o de função
consegue (e neste caso dir-se-ia melhor o social que explicava e justificava a exis-
governo) que a Igreja n ã o dificulte o tência daquelas castas, o m o n o p ó l i o da
exercício do poder, mas favoreça-o e cultura e da educação. A Concordata re-
sustente-o, assim como uma muleta sus- conhece de novo este m o n o p ó l i o , mesmo
tenta um inválido. A Igreja, assim, atenuado e controlado, pois assegura à
compromete-se com uma determinada casta posição e condições preliminares
forma de governo (que é determinada do que com suas forças apenas, com a adesão
exterior, como documenta a própria con- intrínseca de sua concepção do mundo à
cordata) a promover aquele consentimen- realidade fatual, n ã o poderia ter e man-
to de uma parte dos governados que o Es- ter" (3:303).
tado, explicitamente, reconhece n ã o po- Assim, a Igreja se torna a força mais
der obter com os seus meios. Nisto consis- estruturada e capaz para organizar e diri-
te a capitulação do Estado, pois, de fato, gir a cultura, buscando a hegemonia na
ele aceita a tutela de uma soberania exter- educação popular (2:49), detendo a supre-
na da qual reconhece, na prática, a supe- macia absoluta na escola elementar e mé-
rioridade. A própria palavra 'concordata' dia e t a m b é m dirigindo as universidades
é s i n t o m á t i c a . . . " (3:304). católicas. Nesse campo, " . . . n ã o se pode
E m diferentes momentos históricos o nem de longe comparar a eficiência da
Estado necessitou, e n ã o por razões espiri- Igreja, que aparece como um bloco a de-
tuais, ressuscitar a Igreja. N a aurora das fender a sua universidade, com a eficiên-
Monarquias absolutas, quando o 'Ancien cia da cultura leiga" (3:305).
Regime' sofria um seríssimo golpe, 'Paris O Estado moderno reconhece sua in-
valia bem uma missa'. O imperador N a - capacidade de ser um centro ativo de cul-
poleão I preocupava-se com o lugar que tura própria, a u t ô n o m a , delegando à

66
P I M E N T A , E . — A igreja na sociedade moderna segundo Gramsci. Perspectivas, S ã o Paulo. 7:59-73,
1984.

Igreja esse papel de organizar a cultura. ção e t c , do que como cardeais ou bispos"
Mais do que isso, o Estado destrói qual- (3:308).
quer opositor da Igreja (3:308). Procurando dimensionar esse confli-
N ã o fosse essa ajuda estatal a Igreja to entre Estado e Igreja num tempo histó-
se exauria. Gramsci relata uma crise pro- rico mais amplo, Gramsci o caracteriza
funda que atravessava a Igreja no período como categoria eterna histórica pois,
pré-guerra e mesmo durante a guerra, "poder-se-ia acrescentar que, num deter-
quando a Igreja estava com seríssimas di- minado sentido, o conflito entre 'Estado e
ficuldades par arregimentar novos qua- Igreja' simboliza o conflito entre qual-
dros, diante da concorrência de outras quer sistema de idéias cristalizadas, que
profissões ligadas à indústria. "Portanto, apresentam uma fase ultrapassada da His-
a organização eclesiástica sofria uma crise tória, e as necessidades práticas atuais.
de organização que podia ser fatal para o Luta entre conservadorismo e revolução
seu poder, se o Estado tivesse mantido in- e t c , entre o que foi pensado e o novo pen-
tegralmente a sua posição laica, mesmo samento, entre o velho que n ã o quer mor-
prescindindo de uma luta ativa. N a luta rer e o novo que quer viver etc." (3:315).
entre as formas de vida, a Igreja estava
para desaparecer automaticamente, por 3. A Função Intelectual, Política e Ideoló-
exaustão própria. ' O Estado salvou a gica da Igreja na Sociedade Moderna
Igreja' "(3:307).
U m a vez que a Igreja ' n ã o quer
Segundo Gramsci " A Igreja é um comprometer-se na vida prática econômi-
Shylok ainda mais implacável que o ca' e assume a função de ser 'a muleta do
Shylok Shakesperiano: exigirá a sua libra Estado moderno' ela passa a ter funções
de carne mesmo a custo do dessangramen- intelectuais, políticas e ideológicas bem
to da sua v í t i m a " (3:309). definidas de defesa do Estado moderno e
Assim, o apoio que a Igreja dá ao Es- das relações econômicas que constituem o
tado é ao mesmo tempo um meio da Igre- seu conteúdo material. Discutiremos ago-
ja fortalecer o seu próprio poder " . . . o ra algumas dessas funções.
Estado Fascista decidiu que a religião ca- A burguesia, para exercer o seu papel
tólica, base da unidade intelectual e moral de classe dominante, além do poder do
do nosso povo, fosse ensinada n ã o so- Estado, necessita de outros meios de do-
mente nas escolas para crianças, mas tam- minação menos diretos, mas nem por isso
bém nas escolas para jovens" (3:313). menos importantes. A constante criação
Diante desses novos privilégios as de uma camada de intelectuais ligados aos
'condições econômicas do clero melhora- mais diferentes ramos da cultura é um
ram muitas vezes' (3:307), e a Igreja pro- desses elementos importantes.
curou cada vez mais e cada vez com maior Para Gramsci " O s intelectuais são os
sucesso infiltrar-se no aparelho estatal na 'comissários' do grupo dominante para o
medida em que forma dentro do espírito exercício das funções subalternas da hege-
cristão os quadros dirigentes do aparelho monia social e do governo políti-
estatal. " A Igreja na sua fase atual, em co..."(2:11).
virtude do impulso proporcionado pelo Como que esse 'grupo dominante'
Papa à Ação Católica, n ã o pode cria os seus intelectuais?
contentar-se apenas em formar padres: Segundo Gramsci há, fundamental-
ela almeja permear o Estado (recordar a mente, duas categorias de intelectuais:
teoria do governo indireto elaborada por uma é aquela categoria de intelectuais
Belarmino) e para isso são necessários os criada por um grupo social fundamental,
leigos, é necessária uma concentração de direta e simultaneamente ligada à criação
cultura católica representada por leigos. da nova ordem econômica criada por esse
Muitas personalidades podem-se tornar grupo fundamental. Esse tipo de intelec-
auxiliares mais preciosos da administra- tual é o que Gramsci chama de 'intelectual

67
P I M E N T A , E . — A igreja na sociedade moderna segundo Gramsci. Perspectivas, S ã o Paulo, 7:59-73,
1984.

orgânico' (2:3-4). Esse novo grupo social, 'fiéis', ruptura que n ã o pode ser elimina-
expressão de novas relações econômicas, da pela elevação dos 'simplórios' ao nível
encontra no seu desenvolvimento históri- dos intelectuais (a Igreja nem sequer se
co, uma categoria de intelectuais que ex- propõe esta tarefa ideal e economicamen-
pressavam relações econômicas superadas te desproporcionada em relação as suas
— mas nem por isso inexistentes —: são forças atuais), mas, sim, com uma disci-
os intelectuais tradicionais. plina de ferro sobre os intelectuais, impe-
A burguesia, na medida que criava os dindo que eles ultrapassem certos limites
seus próprios intelectuais orgânicos, ne- nesta separação, tornando-a catastrófica
cessitava t a m b é m 'conquistar' os intelec- e i r r e p a r á v e l " ( l : 19).
tuais tradiconais para a sua causa (2:9), e Essa 'ruptura na comunidade dos
" A mais típica destas categorias de inte- fiéis' ocorre porque a Religião do alto cle-
lectuais é a dos eclesiásticos... " (2:5). ro não é a mesma das massas populares,
C o m o j á foi dito, a Igreja busca ser o "Sobre o senso-comum... influem n ã o só
intelectual das grandes massas, difundin- as formas mais toscas e menos elaboradas
do uma determinada concepção de mun- destes vários catolicismos, atualmente
do e organizando seus fiéis de acordo com existentes, como influíram t a m b é m sendo
essa concepção de mundo. Mas essa fun- componentes do atual senso-comum as re-
ção intelectual-organizadora apresenta ligiões precedentes e as formas preceden-
muitas dificuldades e problemas insolú- tes do atual catolicismo, os movimentos
veis mas que nem por isso deixam de ser heréticos populares, as superstições
enfrentados pela Igreja. científicas ligadas às religiões passadas,
Agindo como sustentáculo ideológi- etc. Predominam, no senso-comum, os
co de um Estado calcado na luta de classes elementos 'realistas', materialistas, isto
mas que procura ofuscar esse conteúdo, é, o produto imediato da sensação bru-
como se porta a Igreja junto às massas ta..." (1:144), há, portanto, uma defasa-
diante dos problemas colocados por essa gem entre catolicismo popular e catolicis-
mesma massa que expressem a luta de mo teológico ou dos intelectuais (1:254).
classes? A existência de um catolicismo de in-
Segundo Gramsci um dos problemas telectual e um catolicismo de subalterno
fundamentais que enfrenta uma determi- nos remete à questão da teoria e prática;
nada concepção de mundo que pretende de dirigente e dirigido. A existência de di-
se transformar em um movimento cultu- rigente e dirigido é um dado elementar da
ral, em uma 'ideologia' das massas — ciência política (3:18-19) cujas origens
'desde que se dê ao termo ideologia o sig- não discutiremos por fugir do nosso tema.
nificado mais alto de uma concepção do Para Gramsci " A o formar-se o diri-
mundo, que se manifesta implicitamente gente (e os intelectuais da Igreja são diri-
na arte, no direito, na atividade econômi- gentes) é fundamental a premissa:
ca, em todas as manifestações de vida in- pretende-se que existam sempre governa-
dividuais e coletivas, " . . . é o problema de dos e governantes, ou pretende-se criar as
conservar a unidade ideológica de todo o condições em que a necessidade dessa di-
bloco social, que está cimentado e unifica- visão d e s a p a r e ç a ? " (3:19).
do justamente por aquela determinada A Igreja 'nem sequer se propõe essa
ideologia" (1:16). Essa 'unidade ideológi- tarefa ideal e economicamente despropor-
ca' coloca diretamente a questão do rela- cionada em relação às suas forças atuais'
cionamento intelectual e massa, do supe- de eliminar essa divisão entre dirigente e
rior e do inferior, enfim, da teoria e da dirigido.
prática. Para manter essa unidade entre diri-
Para Gramsci " . . . o fato de que a gente e dirigido a Igreja submete os seus
Igreja deva enfrentar o problema dos intelectuais a uma disciplina de ferro, im-
'simplórios' significa, justamente, que pedindo que eles ultrapassem certos limi-
existiu uma ruptura na comunidade dos tes nesta separação, tornando-a catastró-
68
P I M E N T A , E . — A igreja na sociedade moderna segundo Gramsci. Perspectivas, S ã o Paulo, 7:59-73,
1984.

fica e irreparável. " A Igreja Romana foi diante de Maquiavel. Gramsci considera a
sempre a mais tenaz na luta para impedir obra de Maquiavel a primeira tentativa de
que se formassem 'oficialmente' duas reli- sistematizar as vontades das massas e das
giões, a dos 'intelectuais' e a das 'almas forças sociais italianas mais progressistas:
simples' (1:16) pois, "Todas as vezes em Maquiavel teorizou sobre a necessidade
que a continuidade das relações entre da criação do 'Terceiro Estado' na Itália,
Igreja e fiéis foi interrompida... as perdas ele pretendia criar uma força 'Jacobina'
sofridas pela Igreja foram incalculá- italiana. "Maquiavel é inteiramente um
veis...(1:27). Nessa medida, " A religião homem da sua época; e a sua ciência re-
— ou uma Igreja determinada — mantém presenta a filosofia do seu tempo, que
a sua comunidade de fiéis...na medida em tende à organização das monarquias na-
que mantém permanente e organizada- cionais absolutistas, a forma política que
mente a própria fé, repetindo infatigavel- permite e facilita um desenvolvimento das
mente a sua apologética, lutando sempre e forças produtivas burguesas" (3:15).
em cada momento contra argumentos si- Uma das exigências que Maquiavel via co-
milares, e mantendo uma hierarquia de locada por sua época estava a necessidade
intelectuais que emprestem à fé pelo me- de superar as"...lutas entre os Estados
nos a aparência de dignidade do pensa- italianos por um equilíbrio no â m b i t o ita-
mento" (1:27). liano, que era dificultada pela existência
Para Gramsci as heresias foram uma do Papado e de outros resíduos feu-
manifestação radical dessa separação en- dais..." (3:15).
tre intelectual e massas: " O s movimentos As forças sociais interessadas na for-
heréticos da Idade Média — que surgiram mação da Nação italiana encontravam
como reação simultânea à politicagem da opositores poderosos, interessados em
Igreja e à filosofia escolástica que foi a que forças internacionais subjugassem es-
sua expressão, e que se baseavam nos con- sas forças nacionais " . . . u m a condição de
flitos sociais determinados pelo nascimen- atraso da história política e social italiana
to das comunas — foram uma ruptura en- de 1500 a 1700; condição que se devia em
tre massa e intelectuais no interior da grande parte à p r e d o m i n â n c i a das rela-
Igreja, ruptura, 'corrigida' pelo nasci- ções internacionais sobre as relações inter-
mento de movimentos populares religio- nas, paralisadas e entorpecidas" (3: 17)...
sos reabsorvidos pela Igreja, através da essas forças eram algumas potências es-
formação das ordens mendicantes e de trangeiras e o Vaticano.
uma nova unidade religiosa" (1:19). Para Maquiavel atingir as forças so-
ciais que julgava interessadas na criação
4. Catolicismo na Itália da Nação italiana ele entrou em luta, ele
4.1. A Igreja e Maquiavel estava"...em contradição com a ideologia
difundida na época: a Religião" (3: 11).
N ã o bastasse a força da Igreja en- Essa luta de Maquiavel contra o poder da
quanto organizadora da cultura das gran- Igreja levou que esta considerasse
des massas, na Itália, a sua força é ainda que"...Maquiavel nada mais é do que
maior por abrigar a Igreja enquanto Esta- uma aparição d i a b ó l i c a " (3: 10).
do: o Vaticano.
4.2. A Igreja e a Comuna.
Os movimentos sociais que criaram a
sociedade moderna - notadamente as Re- Outro movimento social cujo desenvolvi-
voluções Burguesas — encontraram na mento levaria à formação da N a ç ã o italia-
Itália um obstáculo muito forte na Rele- na, mas que foi derrotado na sua infân-
gião e no Vaticano. A formação da Nação cia, e um dos vitoriosos foi a Igreja, trata-
italiana só se fez travando uma ferrenha se do movimento das Comunas.
luta contra essas forças e em vários emba- O fracasso da Comuna, 'este floresci-
tes o Vaticano saiu vitorioso. mento burguês', se deveu às debilidades
É significativa a posição da Igreja próprias à burguesia italiana e entre elas,

69
P I M E N T A , E . — A igreja na sociedade moderna segundo Gramsci. Perspectivas, São Paulo, 7:59-73,
1984.

sua incapacidade de absorver" ... as cate- vamente, obrigando a que os intelectuais


gorias tradicionais de intelectuais (nota- que não queriam se submeter à disciplina
damente o clero), as quais, pelo contrário, da Contra-Reforma emigrassem" (2: 47).
mantiveram e acresceram seu caráter cos- Por essas duas razões — submissão
mopolita" (2: 40-41). ou emigração —, " A contra-Reforma su-
A incapacidade da burguesia de assi- foca o desenvolvimento cultural" italia-
milar essa categoria de intelectuais tradi- no. (2:42)
cionais não se explica só pela sua debilida-
de orgânica mas t a m b é m porque a Igreja 5. A Religião e a Modernidade: Séculos
considerava o movimento comunal uma XIX e XX
heresia, " . . . a Comuna era uma heresia 5.1. A Ação Católica e o Partido Católico.
em si mesma, pois devia entrar tendencial-
Mesmo contra os interesses do Vati-
mente em luta com o papado e tornar-se cano, de nações estrangeiras, a Nação ita-
independente dele" (2: 46). A f i n a l , a Igre- liana se formou.
ja prevê sua a t u a ç ã o a médio e a longo
prazo... O conceito de Nação e P á t r i a passam
a ser o mais forte referencial e ordenador
4.3. Humanismo: Renascimento e — 'intelectual e moral' — das grandes^
Contra-Reforma. massas populares, fazendo forte concor-
Com a derrota da Comuna a socieda- rência com a Igreja e a Religião (3:277).
de italiana se torna reacionária, e os movi- "Depois de 1848, em toda Europa (na Itá-
mentos culturais ulteriores — Humanis- lia a crise assume a forma específica e d i -
mo, Renascimento — t a m b é m e por isso reta do anticlericalismo e da luta, inclusi-
se tornam reacionários, porque expressa- ve militar, contra a Igreja) a crise
vam a ruptura entre intelectuais e povo- histórico-político-intelectual é superada
nação (2: 46). com nítida vitória do liberalismo — en-
Para Gramsci o Humanismo era fiel tendido como concepção do mundo, mais
ao cristianismo: " . . . os humanistas se do que como corrente política particular
opunham à ruptura do universalismo me- — sobre a concepção cosmopolita e 'pa-
dieval e feudal que estava implícita nas pal' do catolicismo" (3:276).
Comunas e que foi sufocado" (2: 46). A Igreja foi derrotada mas, confor-
O Renascimento faz Gramsci pensar me mostraremos noutra parte desse traba-
nessa questão importante para a forma- lho, a Igreja sabe 'adaptar-se' aos novos
ção de uma vontade coletiva nacional- tempos. Afinal, existem o velho e o novo
popular que é a unidade entre intelectual e testamento, encíclicas e concílios, etc.
massa, porque o Renascimento foi uma A derrota sofrida pela Igreja diante
mostra cristalina da função cosmopolita do liberalismo fez com que ela criasse no-
do intelectual italiano " . . . o Renascimen- vas formas de a t u a ç ã o . U m a dessas for-
to é a fase culminante moderna da 'fun- mas 'novas' de a t u a ç ã o da Igreja — discu-
ção internacional dos intelectuais italia- tida com profundidade em 'Maquiavel, A
nos'; por isso, ele n ã o teve ressonância na Política e o Estado M o d e r n o ' — que
consciência nacional, que foi e continua a abordaremos alguns pontos, é a A ç ã o C a -
ser dominada pela Contra-Reforma" (2: tólica.
46). A A ç ã o Católica nasceu quando a
Gramsci considera que a Contra- Igreja percebeu que a Restauração n ã o
Reforma deu novo impulso à internacio- restauraria absolutamente nada funda-
nalização dos intelectuais italianos, j á que mental: o 'Ancien Regime' estava histori¬
" A Igreja teria contribuído para a desna- camente morto (3:285) assim, " . . . o cato-
cionalização dos intelectuais italianos de licismo e a Igreja 'devem' ter um partido
duas maneiras: positivamente, enquanto próprio para se defenderem e recuarem o
organismo universal que preparava pes- menos possível; não podem mais falar
soal para todo o mundo católico; e negati- (nem mesmo oficialmente, pois a Igreja
70
P I M E N T A , E . — A igreja na sociedade moderna segundo Gramsci. Perspectivas, S ã o Paulo. 7:59-73,
1984.

jamais confessará a irrevocabilidade de ciária, correspondências clandestinas,


tal estado de coisas) como se fossem a pre- agentes de espionagem, etc" (3:317-318).
missa necessária e universal de todo modo Essas forças antagonistas no interior
de pensar e agir" (3:76). da Igreja m a n t ê m sempre viva esta luta in-
Assim, " . . . de posições integrais e to- testina através de organizações próprias e
talitárias no campo da cultura e da políti- clandestinas, "...que se tornam o canal
ca — a Igreja — torna-se partido em opo- das iras, das vinganças, das denúncias,
sição a outros partidos, e mais, partido das insinuações pérfidas, das mesquinha-
em posição defensiva e conservadora, rias que m a n t ê m sempre viva a luta contra
portanto obrigado a fazer muitas conces- os j e s u í t a s . . . " (3:319).
sões aos adversários para defender-se me- Diante disso, a coesão da Igreja se
lhor" (3:284). torna bastante precária. " T u d o isso de-
Após a derrota do partido católico na monstra que a força de coesão da Igreja é
revolução de 1848, a A ç ã o Católica ficou muito menos do que se pensa, n ã o só pelo
reduzida " . . . a função que ela desempe- fato de que a crescente indiferença da
nhará definitivamente no mundo moder- massa dos fiéis pelas questões puramente
no: função defensiva no essencial, não religiosas e eclesiásticas dá um valor mui-
obstante as profecias apocalípticas dos ca- to relativo à superficial e aparente homo-
tólicos sobre a catástrofe do liberalismo e geneidade ideológica; mas em virtude do
o retorno triunfal do domínio da Igreja fato bem mais grave de que o centro ecle-
sobre as ruínas do Estado liberal e o seu siástico é impotente para aniquilar as for-
antagonista histórico, o Socialismo (por- ças organizadas que lutam consciente-
tanto, abstencionismo clerical e criação mente no seio da Igreja" (3:319).
do exército de reserva católico)" (3:286).
5.3 A Capacidade de A d a p t a ç ã o da Igreja.
Doravante a Igreja a t u a r á como for-
ça política bem definida, tendo inclusive Para Gramsci " n ã o é muito exato'
um partido político próprio para defender que a Igreja católica possui virtudes ines-
os seus interesses: " O modernismo n ã o gotáveis de a d a p t a ç ã o e desenvolvimento,
criou 'ordens religiosas', mas sim um par- o que é demonstrado por três eventos his-
tido político: a democracia c r i s t ã " (1:20). tóricos, dos quais a Igreja n ã o pode
recuperar-se.
5.2. A Luta Intestina. O primeiro foi o grande cisma do
cristianismo entre Ocidente e Oriente, de-
Como j á dissemos, a Igreja n ã o é corrência quase natural da separação geo-
uma organização monolítica, pelo contrá- gráfica.
rio, no seu interior travam-se constantes e O segundo foi a Reforma, envolven-
violentas lutas, tanto no interior de um do especialmente elementos de caráter
mesmo estrato como t a m b é m entre os 'cultural', e a Igreja respondeu com a
seus diferentes estratos afinal, ' h á um ca- "...Contra-reforma e as decisões do C o n -
tolicismo dos camponeses, dos intelec- cilio de Trento, que limitam bastante as
tuais, e t c ' possibilidades de a d a p t a ç ã o da Igreja C a -
A luta entre as diferentes correntes tólica"(3:323).
políticas no interior da Igreja — católicos A Revolução Francesa foi outro
integrais, jesuítas, modernistas, Ação C a - acontecimento histórico ao qual a Igreja
tólica, etc. — mostra que essas forças têm não pôde adaptar-se, a n ã o ser endurecen-
verdadeiras organizações clandestinas no do e mumificando-se " . . . n u m organismo
interior da própria Igreja, como é o caso absolutista e formalista do qual o Papa é
dos católicos 'integrais' que "...haviam o chefe nominal, com poderes teorica-
constituído uma verdadeira associação se- mente ' a u t o c r á t i c o s ' , na verdade muito
creta para controlar, dirigir e 'expurgar' o escassos, pois o sistema, no seu conjunto,
movimento católico em todos os seus es- só se m a n t é m graças ao seu enrijecimento
calões hierárquicos, com fichário, fidu- de paralítico. Toda a sociedade em que a

71
P I M E N T A , E . — A igreja na sociedade moderna segundo Gramsci. Perspectivas, São Paulo, 7:59-73,
1984.

Igreja se movimenta e pode evoluir tende Essa passagem de 'ópio da miséria'


a enrijecer-se, deixando-a com escassas que se referia ao jogo, para 'ópio do po-
possibilidades de a d a p t a ç ã o , em virtude vo' , referindo-se à religião, teria sido au-
da natureza atual da própria Igre- xiliada por Pascal com o seu argumento
ja"(3:323). do ' P a r i ' . Pascal comparava a religião
Assim, as tentativas da Igreja de com o jogo de azar, com o loto. Ele acha-
adaptar-se às novas exigências sociais tra- va vantajoso 'apostar' que a religião era
zem em si esse enrijecimento e essa mumi- verdadeira, que nada t í n h a m o s a perder se
ficação. organizássemos a vida de maneira cristã, e
poderíamos, em troca, ganhar a felicidade
5.4. A s Encíclicas Sociais eterna.
Segundo Gramsci as 'Enciclicas Só- Pascal deu 'forma literária, justifi-
cias' são manifestações dessa necessidade cação lógica e prestígio moral ao argu-
da Igreja de 'adaptar-se' . A s Encíclicas mento da aposta' mas, mostrando 'um
significaram uma nova tentativa da Igreja modo de pensar que envergonha de si pró-
de opor-se ao pensamento moderno: n ã o prio'.
só ao liberalismo mas t a m b é m e principal- Gramsci diz que no pensamento po-
mente ao Socialismo,"... à passagem do pular há uma ligação entre o loto e a Reli-
movimento operário italiano do primiti- gião: quando alguém acerta, sente que foi
vismo para uma fase realista e concre- 'eleito' pelo seu 'protetor'.
ta...(3:304). A s primeiras encíclicas con-
tra o pensamento moderno — que Grams- 6.2. A sua Atualidade.
ci chama 'orgânicas' — são: ' M i r a r i V o s ' ,
de Gregorio X V I em 1832; 'Quanta C u - Uma análise do desenvolvimento do
ra', de P i o I X em 1864 e a 'Pascendi', de cristianismo mostra que " . . . a religião
Pio X . Elas são 'orgânicas' porque com cristã, que — em um certo período histó-
elas se tentou delimitar " . . . as lutas inter- rico e em condições históricas determina-
nas entre integrais, jesuítas e modernis- das — foi e continua a ser uma 'necessi-
tas"(3:336). dade' , uma forma necessária das vonta-
Hâ t a m b é m as encíclicas 'construti- des das massas populares, uma forma de-
vas', "...entre as quais são típicas a 'Re- terminada de racionalidade do mundo e
rum N o v a r u m ' e a 'Quadregésimo A n o ' , da vida, fornecendo quadros gerais para a
que integram as grandes encíclicas teóri- atividade prática geral"(l :24).
cas contra o pensamento moderno e pro- Esses momentos da história do cris-
curam resolver à sua maneira alguns pro- tianismo, quando houve uma estreita
blemas a ele ligados"(3:336). aproximação entre povo e religião, foram
6. Religião: o Ópio do Povo expressões de complexos movimentos re-
volucionários — a transformação do
6.1. A Expressão na História.
mundo clássico e a transformação do
Gramsci retoma essa polêmica dis- mundo medieval —, onde havia um inten-
cussão, abordando-a na perspectiva histó- so pulular de forças populares. O caráter
rica do surgimento da expressão e se posi- mais popular da religião nesses períodos
cionando diante dela. foi determinado pela necessidade das
Balzac foi quem primeiro falou em massas populares expressarem-se de uma
'ópio da miséria', referindo-se à loteria, determinada forma, encontrando na reli-
à roleta, onde se compra a felicidade por gião este veículo, e não por uma prática
alguns dias, livrando-se idealmente das in- consciente e deliberada da Igreja em
felicidades da vida. A expressão 'ópio do aproximar-se do povo.
povo' , utilizada por Marx na 'Crítica à Mas, t ã o logo a Igreja se recompu-
Filosofia do Direito de Hegel', teria, se- nha, ela procurava 'ordenar' essas mo-
gundo Gramsci, derivado da expressão de bilizações populares segundo os seus inte-
Balzac, de quem Marx era admirador. resses: " A Contra-reforma esterilizou este
72
P I M E N T A , E . — A igreja na sociedade moderna segundo Gramsci. Perspectivas, S ã o Paulo, 7:59-73,
1984.

pulular de forças populares: a Companhia se cristianismo ingênuo foi substituído pe-


de Jesus é a última grande ordem religio- lo 'pensamento social dos católi-
sa, de origem reacionária e autoritária, cos' (3:289)."...que é um elemento ideo-
com caráter repressivo e ' d i p l o m á t i c o ' , lógico opiáceo, destinado a manter deter-
que assinalou — com o seu nascimento — minados estados de espírito de expectativa
o endurecimento do organismo católico... passiva de tipo religioso: mas n ã o como
o catolicismo se transformou em jesuitis- elemento de vida política e histórica dire-
mo"(l:20). tamente ativa' (3:290).
Podemos concluir que, para o 'ho-
Assim, o cristianismo ingênuo desa- mem girar em torno de si p r ó p r i o ' , para
parece para dar lugar ao "...cristianismo assimilar consciente e praticamente a
jesuitizado, transformado em simples 'sua' modernidade, ele n ã o pode conti-
ópio para as massas populares"(l:25). Es- nuar 'girando em torno de Deus' .

P I M E N T A , E . — The church in the modern society conformably to Gramsci. Perspectivas, São Paulo,
7:59-73, 1984.

ABSTRACT: We try to learn the thinking of Gramsci about the function of the church in the Mo-
dern Society. These functions (political, ideológica/, cultural and moral) of the church are analtzed in
the perspective of the bourgeois performance and socialist movement.
KEY- WORDS; Religion and bourgeois society; religion andsocialism; marxism and religion.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. G R A M S C I , A . — A concepção dialética da his- 3. G R A M S C I , A . — Maquiavel, a política e o Esta-


tória. R i o de Janeiro, Civilização Brasileira, do moderno. R i o de Janeiro, Civilização Bra-
1966. sileira, 1968.
2. G R A M S C I , A . — Os intelectuais e a organização 4. M A R X , K . — Introdução à crítica da economia
da cultura. R i o de Janeiro, Civilização Brasi- política. S ã o Paulo, A b r i l C u l t u r a l , s.d. (Os
leira, 1968. Pensadores).

73

Potrebbero piacerti anche