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Colégio Ítaca

Manuela Costa Pires

MAPEAMENTO E MANIPULAÇÃO DO GENOMA HUMANO, SUA ÉTICA E SEUS


EEITOS PARA A ÁREA DA SAÚDE

São Paulo
Outubro de 2017
Manuela Costa Pires

MAPEAMENTO E MANIPULAÇÃO DO GENOMA HUMANO, SUA ÉTICA E SEUS


EFEITOS PARA A ÁREA DA SAÚDE

Monografia apresentada ao Colégio Ítaca como


exigência do segundo ano do Ensino Médio.

Orientadora: Lúcia Martarello Bon

São Paulo
2017
À minha mãe, por me inspirar a tomar na vida a linha de
frente e recusar o lugar de submissão a mim imposto, me mostrar o
espaço crescente de mulheres na ciência, e por nunca desistir – mesmo
que muitas vezes a custo de seus prazeres pessoais - de me fazer
entender a importância de trazer para minha vida material e
momentânea os meus ideais.
AGRADECIMENTOS

Um trabalho como este, mesmo possuindo uma única autora, não é construído
apenas por uma pessoa. E gostaria, portanto, de agradecer:
Ao meu pai, por me instigar desde sempre a questionar, argumentar e procurar
entender o mundo com meu próprio olhar.
Ao meu irmão João, por, mesmo tendo apenas onze anos, ler meu este trabalho e
me ajudar em tudo que conseguisse.
À minha orientadora, Lúcia Martarello Bon, por me aconselhar sobre este trabalho
desde seu início e fazer-me apaixonar por este tema cada vez mais.
Ao Colégio Ítaca, por me proporcionar a oportunidade de fazer este trabalho, e por
servir como minha segunda casa desde meus sete anos.
À Mercedes, por acolher-me a todo momento, me aconselhando e tranquilizando
em relação à todas as esferas da minha vida.
Aos meus colegas de sala, por serem sempre tão solidários e unidos, passando por
um ano de tanto estresse sempre a meu lado.
À Ana, por ajudar-me sempre a desvendar os infinitos caminhos dentro de mim
mesma.
Ao Allan, por ser um dos indivíduos que mais admiro, não apenas pelo ser
extraordinário que é, mas também por estar sempre atento a todos a sua volta, mantendo a
modéstia e humildade – sempre na medida correta.
Ao Bruno e Danilo, por me darem, mesmo em dias exaustivos, motivos para
gargalhar.
Aos Miguxos V. D. como um todo, por me concederem a graça de suas presenças
sempre que possível.
À Fernanda, Gabriela, Isabella, Júlia e Marina, que mereceriam, cada uma, centenas
de páginas explicitando todas as suas qualidades, por me ouvirem, aconselharem,
aconchegarem, motivarem e amarem todos os dias, estando próximas ou afastadas.
O universo não é apenas mais
excêntrico do que imaginamos, mas mais
excêntrico do que podemos imaginar.
(HALDANE)
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Modelo físico do DNA desenvolvido por Watson e Crick................11

Figura 2 – Representação da obtenção do DNA recombinante...........................16

Figura 3 – Sintetizador de DNA..........................................................................21


LISTA DE SIGLAS

CGC Corporação Celera de Genômica.

CRISPR Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente


Interespaçadas.

DNA Ácido desoxirribonucleico.

HUGO Organização do Genoma Humano.

mRNA Ácido ribonucleico mensageiro.

PGH Projeto Genoma Humano.

RNA Ácido ribonucleico.

RNAi Ácido ribonucleido de interferência.


SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................................8

1.HISTÓRICO...........................................................................................................................10

2.APLICAÇÕES ATUAIS........................................................................................................14

2.1 O ACONSELHAMENTO GENÉTICO................................................................................14

2.2 A TERAPIA GÊNICA..........................................................................................................15

2.2.1 DNA recombinante............................................................................................................15

2.2.2 RNAi..................................................................................................................................17

2.2.3 CRISPR-Cas......................................................................................................................18

2.2.4 Modalidades da terapia gênica...........................................................................................19

2.3 CONCLUSÃO DE CAPÍTULO...........................................................................................20

3. POSSIBILIDADES FUTURAS.........................................................................................21

3.1. HUMANOS GENETICAMENTE PROJETADOS.............................................................21

3.2. SEQUENCIAMENTO INSTANTÂNEO DO DNA............................................................22

4. DILEMAS ÉTICOS RELACIONADOS AOS CONHECIMENTOS E TÉCNICAS


ADQUIRIDAS...........................................................................................................................23

4.1. PRECONCEITO DE BASE GENÉTICA............................................................................23

4.2. EUGENIA............................................................................................................................24

4.2.1 Aborto.................................................................................................................................25

4.2.2 Manipulação genética de embriões humanos.....................................................................25

CONCLUSÃO............................................................................................................................27

REFERÊNCIAS........................................................................................................................29

ANEXO A...................................................................................................................................31
8

INTRODUÇÃO
Desde o início da vida na Terra, aproximadamente quatro bilhões de anos atrás, a
evolução se baseou na seleção natural e em mutações aleatórias. Com os novos conhecimentos
adquiridos e as novas tecnologias desenvolvidas pelos seres humanos, esse processo passa a se
modificar, tendo a possibilidade de ser moldado conscientemente pela espécie humana.
Durante séculos, pesquisadores procuraram por uma maneira de compreender a
hereditariedade das características das espécies. Gregor Mendel, a partir de sua pesquisa
realizada com ervilhas por volta da década de 1860, observando o comportamento de suas cores
com o passar das gerações de seu cultivo, descobriu a existência de fatores responsáveis por
pelas particularidades da espécie humana, fatores esses que hoje são conhecidos como os genes.
Em 1882, Walther Flemming descobriu os cromossomos, filamentos nucleares que observou
durante estudos da divisão celular. Muita pesquisa foi feita, e enfim se criou o conceito de
genoma.
O genoma é o conjunto de moléculas de DNA (ácido desoxirribonucleico) de uma
espécie e carrega a informação química que permite a transmissão exata da informação genética
de uma célula para suas células-filhas de uma geração para a próxima. Na espécie humana, com
exceção das células que desenvolvem os gametas, todas as células do corpo são chamadas de
células somáticas e o genoma contido em seu núcleo consiste em 46 cromossomos, 23 pares.
Destes, 22 pares são semelhantes em homens e mulheres e são denominados autossomos e o
par restante compreende os cromossomos sexuais: dois cromossomos X nas mulheres, e um X
e um Y nos homens. Cada cromossomo carrega um subconjunto de genes que podem ser
definidos como “unidades de informação genética que estão arranjados linearmente ao longo
do DNA.
Apesar de já se ter todos estes dados, até a década de 1990, não se sabia quais eram
as informações contidas em cada um destes genes, quantos deles existiam, e muito menos como
as informações se manifestavam no corpo da espécie humana. Para trazer à tona este
conhecimento, em 1990 criou-se o Projeto Genoma Humano, que envolveu milhares de
cientistas do mundo inteiro, com o intuito de mapear e sequenciar o genoma do ser humano.
Este projeto abriu caminho para a manipulação dos genes visando a escolha das
características que se desejam presentes nos embriões, ou seja, a programação de seres humanos
e a possibilidade de diagnosticar doenças genéticas em estágio pré-sintomático e até mesmo
pré-natal. Entretanto, apesar de todas as vantagens que a leitura do código genético humano
9

pode gerar, cabem algumas questões: Seria adequado programar indivíduos “superiores”? Em
que circunstâncias deveriam se aplicar testes genéticos? A quem cabe responder estas questões?
O trabalho a seguir tem o intuito de identificar o que se pode fazer hoje com os
avanços da manipulação genética, como ela é possibilitada e o que poderá ser feito no futuro, e
assim, o trabalho discutirá o que, dentre as possibilidades geradas pelos avanços tecnológicos,
deve ou não ser feito, além de responder quais são os caminhos para definir tais limites, por
uma ótica da ética.
É possível, hoje, entender quais as possibilidades atuais e futuras para a
manipulação genética de forma simples e puramente descritiva. Entretanto, compreender e
investigar quais são os efeitos, não apenas científicos do desenvolvimento tecnológico, mas
também as repercussões sociais e legais que ele necessariamente trará, é fundamental para que
toda esta tecnologia possa ser utilizada de forma justa.
O trabalho aqui proposto pretende examinar, a partir de algumas informações, como
a comunidade científica deve se regular para se esquivar de todas as formas possíveis dos
emblemas que traz a manipulação do genoma humano e as aplicações do conhecimento
genético, sem ferir o caráter da essência humana.
A evolução do conhecimento humano na área biológica e o desenvolvimento
tecnológico crescente desencadeou importantes descobertas na área da genética. A partir do
estudo da evolução deste conhecimento será possível entender como chegamos ao momento
atual em que se encontra a genética humana. Neste contexto, será necessário saber o que é
possível fazer hoje para a área da saúde com tudo o que conhecemos e desenvolvemos, e o que
será possível no futuro. Assim, a partir de leituras, pesquisas e entrevistas com profissionais da
área, pretende-se chegar à conclusão de quais, dentre as situações possibilitadas pela tecnologia
e estudadas no trabalho, do ponto de vista da autora, são éticas ou não, e como a comunidade
científica deve prosseguir acerca destas.
10

1. HISTÓRICO

O caráter hereditário de diversas características dos seres vivos sempre intrigou a


humanidade, gerando o questionamento de como isso ocorre. A partir de meados do século XIX
esta pergunta começou a ser respondida.
Foi em 1859 publicada a obra de Charles Darwin “A Origem das Espécies”, na qual
apresentava sua teoria da evolução, aceita até a atualidade. Quase simultaneamente, Gregor
Mendel executava experimentos com ervilhas, testando e observando suas características
hereditárias extensivamente ao longo de anos. Mendel elaborou, a partir de seus experimentos
com ervilhas, uma teoria da hereditariedade publicada em 1866, que o tornaria posteriormente
conhecido como o “Pai da Genética”. Mendel definiu leis da hereditariedade que se tornaram
base para o florescimento da Genética Moderna no século XX. Chegou à conclusão da
existência de fatores dominantes e recessivos passados de uma geração para outra que definem
as características dos indivíduos. Estes fatores correspondem ao que hoje são nomeados como
genes.
Na época, o trabalho de Mendel não se tornou muito conhecido, sendo
“redescoberto” em 1900, após a sua morte. A partir deste momento, uma equipe liderada por
Thomas Hunt Morgan desenvolveu a teoria mendeliana, aplicando-a na explicação mais
profunda da teoria de Darwin. E em 1953 foi publicado por Watson e Crick um artigo na revista
científica Nature, explicando um modelo por eles construído da natureza física do DNA (fig.1
– página seguinte).
11

Figura 1- Modelo físico do DNA desenvolvido por Watson e Crick.1

No início da década de 1970, um grupo de cientistas da Universidade de Ghent


liderado por Walter Fiers sequenciou pela primeira vez na história um gene completo. O
sequenciamento de genes foi se estendendo ao longo dos anos, e em 1998 o primeiro genoma
de um eucariota multicelular (Caenorhabditis elegans) teve sua sequencia completamente
codificada.
Em 1990, bancos de dados de todo o mundo já retinham cerca de 50 milhões de
caracteres associados a diversas moléculas de DNA, sendo aproximadamente 10% sobre o
DNA humano. Neste ano, a Organização do Genoma Humano (HUGO), fundada em 1988,
criou o Projeto Genoma Humano. Inicialmente este era um plano de 15 anos que tinha como
objetivos especificamente identificar a totalidade dos genes do genoma humano, determinar a
sequência deste DNA, colocar estas informações em um banco de dados de acesso público, para
que todos no meio científico pudessem colaborar na criação de instrumentos para análise destes
dados, para que a partir desta análise se pudesse discutir as questões éticas, legais e sociais às
quais o projeto provocaria o surgimento.
O projeto permitiu que houvesse um enorme avanço na compreensão de dados
obtidos na década de 1980 e no acúmulo e organização de dados sobre o DNA humano. Alguns
destes desenvolvimentos são: em maio de 1991, médicos do Centro Infantil Johns Hopkins

1
Fonte: < http://interna.coceducacao.com.br/ebook/pages/1388.htm>
12

identificaram o estágio no qual o óvulo materno não fertilizado sofre um erro que acarreta na
Síndrome de Down. Ao analisarem um marcador específico, o polimorfismo de DNA, puderam
determinar a origem de um cromossomo extra (cromossomo 21) e identificaram o momento em
que a falha na divisão cromossômica ocorre. Em agosto de 1993, pesquisadores do Centro
Médico da Universidade de Duke descobriram que pessoas nascidas com uma variante do gene
APOe (apolipoproteína E) têm maior propensão a desenvolver o mal de Alzheimer em torno
dos 70 anos do que pessoas com outras versões deste mesmo gene. E em abril de 1996, biólogos
moleculares do Centro Médico da Administração dos Veteranos de Seattle e da Corporação
Molecular Darwin anunciaram ter encontrado um gene humano causador dos sintomas de
envelhecimento. Eles previram que quanto mais conseguirmos entender o funcionamento deste
gene, mais poderemos deter o processo de envelhecimento e modificar sua participação no
surgimento de doenças cardíacas, osteoporose e câncer. Houveram inúmeras outras descobertas
ao longo dos anos em que o Projeto Genoma Humano entrou em andamento, e ainda poderão
haver diversas.
Ainda assim, mesmo com toda a tecnologia já desenvolvida até então, o que se tinha
acesso no momento não permitia que fossem sequenciadas moléculas de DNA do tamanho das
do ser humano, e, portanto, o sequenciamento foi dividido por grupos, que se responsabilizaram
cada um por codificar e analisar um certo cromossomo. Em 1998 o prazo inicial foi reavaliado
pela HUGO e a nova data de término do sequenciamento passou a ser 2003. Ainda neste ano,
a empresa Celera Genomics Corporation (CGC) se manifestou dizendo que sequenciaria o
Genoma Humano a prazo de três anos, terminando antes do consórcio público. A CGC adotou,
para chegar ao objetivo, uma forma alternativa para sequenciar os genes. Eles picotariam todo
o genoma em fragmentos sobrepostos e pequenos, sequenciando-os de forma desordenada. Este
método gerou milhões de pequenas sequencias de aproximadamente 500 a 1000 nucleotídeos.
Todas estas informações desordenadas foram organizadas a partir de um supercomputador, que
utilizava uma tecnologia nomeada shotgun.
Assim como qualquer empresa privada, a Celera nunca teve a intenção de
disponibilizar o sequenciamento por eles feito para o público de forma gratuita, o que acarreta
em problemas para a comunidade científica. Se uma empresa tem acesso a informações
genéticas anteriormente a quaisquer outros pesquisadores, ela poderá patentear genes,
dificultando, e por vezes impedindo, que grupos de pesquisa estudem determinados genes, algo
que atrasa o desenvolvimento científico mundial.
A HUGO, ameaçada de perder sua liderança para a Celera, mudou seu prazo de
término para o final de 2000, e passou a trabalhar de forma menos acadêmica e mais acelerada.
13

Em fevereiro de 2001, o consórcio público divulgou seu esboço da sequencia completa na


revista Nature (v.409, p.860), e concomitantemente, a empresa Celera publicou os próprios
resultados na revista Science (v.291, p.1304). Em abril de 2003 o Projeto Genoma Humano é
declarado como finalizado, e os resultados são publicados pelo consórcio internacional nas
revistas Science e Nature.
Como esperado, a CGC não disponibilizou para o público gratuitamente seus dados.
Entretanto, o consórcio público viabilizou a visualização de todo o genoma no site do Centro
Nacional de Informação de Biotecnologia (NCBI) dos Estados Unidos.
O Departamento de Energia (DOE) e os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos
EUA, devotaram de 3% a 5% de seus orçamentos anuais do PGH no estudo de questões éticas,
legais e sociais levantadas com o sequenciamento do genoma humano e a disponibilização de
informações genéticas. E em 2012, anos após o fim do projeto, a Comissão Presidencial do
Estudo de Questões Bioéticas liberou um relatório - Privacy and Progress in Whole Genome
Sequencing2 - o qual aborda as mais variadas questões éticas em relação ao projeto.
A partir do sequenciamento integral do genoma humano, nasceram diversos
projetos, com variados objetivos. Dentre eles um projeto para identificar todos os elementos
funcionais na sequência do genoma humano, o ENCODE: ENCyclopedia of DNA Elements3 e
um que visa determinar os perfis de expressão gênica de células normais, pré-cancerosas e
cancerosas, levando eventualmente a uma melhor detecção, diagnóstico e tratamento para o
paciente, o Cancer Genome Anatomy Project4.
O desenvolvimento na área, desde Mendel até o Projeto Genoma Humano mostra
o início da história do estudo da genética e é o abridor de portas para um crescimento
exponencial de diferentes prevenções de doenças, diagnósticos pré-sintomáticos, e até mesmo
pré-natais, e consequentemente tratamentos efetivos logo no início da vida dos afetados. O
sequenciamento do genoma humano mudou drasticamente o mundo cientifico e revolucionou
a medicina molecular, dando o primeiro passo para que no futuro sejam feitas escolhas corretas
e se possa aprimorar a vida de pessoas e famílias inteiras com mutações genéticas prejudiciais
à saúde.

2
Tradução livre: Privacidade e Progresso no Sequenciamento Completo do Genoma
3
Tradução livre: Enciclopédia de Elementos do DNA
4
Tradução livre: Projeto de Anatomia do Genoma do Câncer
14

2. APLICAÇÕES ATUAIS

O capítulo a seguir será dedicado à apresentação de usos concretos dos


conhecimentos adquiridos pela ciência em relação ao genoma humano. É necessário o
entendimento da aplicação do conhecimento genético como não apenas algo de um futuro
distante, mas como uma realidade concreta e atual.

2.1. O ACONSELHAMENTO GENÉTICO

Uma aceita definição do Aconselhamento Genético (AG) é a utilizada pela


American Society of Human Genetics5. De acordo com esta, o AG se trata de um processo de
aconselhamento sobre o evento ou a possibilidade do evento de uma doença genética em uma
família.
O processo de orientação se dá a partir de consultas médicas com famílias ou
indivíduos as quais buscam diagnósticos e, assim, possíveis prognósticos para doenças de
origem genética. Além de oferecer respostas para o que é a condição de seus pacientes, o médico
geneticista é incumbido de elucida-los acerca das características hereditárias de sua patologia,
terapias de tratamento e prevenções dos níveis primário, secundário e terciário6.
No Brasil, durante as décadas de 60 e 70 do século XX foram desenvolvidos
serviços de AG, em sua grande maioria ligados a cursos de Pós-Graduação de Genética Médica
e Humana. Serviços com uma maior habilitação de atendimento passaram a ser formados ao
fim da década de 70 e no decorrer da de 80, sendo estes ligados majoritariamente a Universidade
e Hospitais. No início dos anos 2000 a Sociedade Brasileira de Gestão do Conhecimento
(SGBC) realizou uma pesquisa que apontou 64 serviços de AG catalogados. Dentre estes, mais

5 Tradução livre: Sociedade Americana de Genética Humana


6
Prevenções primárias consistem em quaisquer atos destinados a diminuir a incidência de uma doença numa
população, reduzindo o risco de surgimento de casos novos; prevenções secundárias são atos com a intenção
de diminuir a prevalência de uma doença numa população reduzindo sua evolução e duração; prevenções
terciárias são atos com o propósito de diminuir a prevalência das incapacidades crônicas numa população,
reduzindo ao mínimo as deficiências funcionais consecutivas à doença.
15

de 50% se localizavam nos estados de SP e RJ, e 85% em meio do total nas regiões Sul e
Sudeste.
Entretanto, apesar da criação e ação das clínicas brasileiras, a grande maioria dos
portadores de patologias genéticas no país não participa do processo de Aconselhamento
Genético, e sendo assim, não são diagnosticados, informados sobre suas condições ou tratados.
Segundo pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde, em parceria com o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 71% dos brasileiros procura atendimento
em unidades públicas ao apresentar problemas de saúde. Portanto, para que a situação precária
do diagnóstico e tratamento de disfunções genéticas no país seja revertida, é necessária a
implementação de políticas públicas as quais qualifiquem profissionais da área da saúde em
diversas regiões para praticar o AG no Sistema Assistencial Público de Saúde no Brasil (SUS).

2.2. A TERAPIA GÊNICA

A terapia gênica é o tratamento genético que se baseia na inserção de genes sadios


em organismos portadores de doenças genéticas utilizando técnicas de DNA recombinante.

2.2.1. DNA recombinante

O DNA recombinante consiste em moléculas de DNA que possuem genes


derivados de duas ou mais fontes, geralmente de espécies diferentes. Ele é obtido (Fig. 2 –
página seguinte) através do “recorte” de um fragmento de DNA humano, o qual contém o gene
de interesse, utilizando enzimas de restrição7. O fragmento em questão é multiplicado para ser
então inserido no plasmídeo bacteriano8, o qual foi também clivado pela mesma enzima de
restrição utilizada no DNA humano. Já clivados, os dois materiais são misturados um com o
outro e com a enzima ligase, a qual os “cola”, formando assim o DNA recombinante. Este é
então introduzido em uma bactéria hospedeira, que produzirá a proteína codificada no
fragmento de DNA humano por ela recebido, assim como as gerações herdeiras do material
genético da bactéria hospedeira original e após algumas gerações, é possível retirar da bactéria
a proteína humana.

7
Enzimas de restrição “recortam” o DNA em determinados pontos, o que leva à criação de pontas adesivas
nos locais de corte, que se ligam com outras pontas de DNA também “recortado” pela mesma enzima.
8 Os plasmídeos são pequenas moléculas circulares de DNA bacteriano.
16

Figura 2 - Representação da obtenção do DNA recombinante9.

É importante a compreensão da importância da técnica de DNA recombinante para


a manipulação genética. Ela permite, por exemplo, a produção de proteínas artificiais,
auxiliando no tratamento de diversas doenças. Hoje, o uso desta técnica pode ser observado na
obtenção de insulina artificial para o combate à Diabetes, doença ligada à insuficiência na
produção de insulina pelo pâncreas, além de ser elemento essencial para o desenvolvimento da
terapia gênica e edição do DNA de plantas e animais.

9
Fonte: <http://www.sobiologia.com.br/conteudos/Biotecnologia/recombinante.php>
17

2.2.2. RNAi

O ácido ribonucleico de interferência (RNAi) é, concisamente, um mecanismo


silenciador pós-transcricional, ou seja, é um inibidor da expressão genética de certos genes e
impede, a partir da clivagem da parte externa de moléculas de DNA, a tradução de um RNA-
alvo em proteína. Este processo é executado por RNAs de fita dupla e ocorre em diversos
organismos eucariontes10 como defesa antiviral.
Desde 2004, vêm ocorrendo ensaios clínicos visando a utilização destes
mecanismos para fins terapêuticos em humanos, apesar de ter tido seu desenvolvimento
primário em 1998. As aplicações médicas deste fenômeno são inúmeras e algumas serão
brevemente apresentadas a seguir.
Inicialmente, o combate a tumores foi o foco dos experimentos com o RNAi, e é
possível entender esta origem, sendo que tumores são causados por uma grande série de
mutações genéticas, as quais causam uma proliferação descontrolada de células. Assim, o RNAi
pode silenciar genes de diversos “setores”, responsáveis por diferentes processos, como o de
metástase ou o controle da proliferação.
Apesar de esse ser o uso principal originalmente, há, além deste, o tratamento de
doenças genéticas, as quais são por muitos e foram consideradas pela ciência por muito tempo
incuráveis e até mesmo intratáveis. O silenciamento não pode tratar enfermidades genéticas em
sua maioria, tendo que são causadas por perda de funções. Entretanto, há dois casos de mutação
nos quais ela tem uso: mutações causadas pelo ganho de funções e as com efeito dominante
negativo.
No primeiro caso, das mutações de ganho de função, o alelo11 mutante apresenta
uma superexpressão genética ou uma performance acentuada. Já no segundo, o alelo mutante
é inativo, entretanto, através de variados mecanismos, impede que o alelo normal exerça suas
atividades, como ocorre na doença de Alzheimer. Nestes quadros, o RNAi pode ser utilizado
para silenciar o alelo mutante e assim, permitir que o alelo funcional se exprima normalmente.

10
Organismos eucariontes são possuidores de células do tipo que leva o mesmo nome, estas de diferenciam
de células procariontes por serem mais complexas. Diferentemente das procariotas, possuem membrana
nuclear individualizada e vários tipos de organelas.
11 Na genética, alelos são as diversas formas de um certo gene que ocupam o mesmo loco em

cromossomos homólogos, sendo estes cromossomos que formam pares, apresentando formato e tamanho
similares.
18

Outrossim, tem-se o uso da interferência por RNA no combate a patógenos 12,


tratamento de doenças complexas, modulação do comportamento e da dor, entre outros. Além
dos diversos usos previstos para o futuro.

2.2.3. CRISPR-Cas

Assim como a interferência por RNA, Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas


e Regularmente Interespaçadas (CRISPR) é uma técnica de edição genética – é importante,
entretanto, ressaltar que esta pode ser usada para outros fins, como a marcação de DNA,
clivagem de RNA, mapeamento de genes, entre outros – vinda de um mecanismo de defesa
antiviral. Entretanto, diferentemente da RNAi, ela é usada naturalmente por organismos
procariontes. Apesar disto, é aplicável em eucariotos.
CRISPR é um loco13 da bactéria responsável pela codificação de RNAs capazes de
guiar proteínas (Cas) para a clivagem e decorrente eliminação de DNAs invasores. Baseando-
se neste processo biológico, foi possível desenvolver a técnica nomeada de CRISPR-Cas9. Na
técnica, um RNA-guia direciona a proteína Cas9, classificada como enzima de clivagem interna
do ácido nucleico, a um alvo específico.
Um exemplo da aplicação deste mecanismo para a área da saúde como terapia
gênica é no tratamento da Distrofia Muscular de Duchenne (DMD). Na DMD, o gene
codificador de uma proteína essencial ao músculo esquelético14, localizado no cromossomo X,
tem mutação com fenótipo prejudicial ao organismo entre os éxons15 45 e 55 causadora de
problemas na expressão do mRNA. Tendo isto em vista, pesquisadores utilizaram RNAs-guia
da proteína Cas9 para a região entre estes específicos éxons, removendo o segmento afetado.
Assim, o mRNA pôde ser expresso, assim como a proteína codificada neste gene.
Assim como a RNAi, CRISPR tem aplicações diversas, como no combate ao
câncer, a patógenos, entre outros, sobre os quais não se entrará em detalhes neste trabalho.

12
Patógenos são organismos capazes de causar doença em um hospedeiro, sendo estes: bactérias, vírus,
fungos, protozoários, entre outros.
13 Loco é o lugar de um cromossomo onde se localiza um gene.
14 Músculos esqueléticos são os responsáveis pelos movimentos voluntários.
15 Cada gene de um genoma é formado por diversos nucleotídeos. Assim, éxons são segmentos de

nucleotídeos de um gene.
19

2.2.4. Modalidades da terapia gênica

Originalmente, a terapia gênica tem a proposta de tratar doenças causadas por


apenas um gene (doenças monogênicas). Nestes casos, os genes disfuncionais são substituídos
ou suplementados por uma ou mais cópias de um gene saudável (chamado de gene terapêutico).
Um exemplo de doença tratada através deste método com êxito é a imunodeficiência combinada
grave (SCID-ADA). A condição é causada por deficiência da enzima adenosina desaminase
(ADA), proteína de extrema importância para o desenvolvimento do sistema imunológico,
tornando indivíduos nascidos com SCID vulneráveis a infecções. O tratamento desta doença a
partir da terapia gênica teve seu primeiro teste bem-sucedido em 1989, feito pelo médico
William French Anderson, da Universidade do Sul da Califórnia, com uma paciente de quatro
anos.
Porém, não são apenas as patologias monogênicas o alvo da terapia gênica. Há hoje,
doenças complexas, multifatoriais e/ou adquiridas, como a Aids, as quais podem, em alguns
casos, ter sua progressão impedida ou reduzida a partir desta terapia, alterando a fisiologia ou
mecanismos essenciais de células dos sistemas ou órgãos afetados. O aumento da resistência
celular, o estimulo de sistemas de reparo e regeneração e a recomposição de certas
características de funcionamento em determinados sistemas orgânicos são algumas das
estratégias de ação neste tipo de doença.
Tumores malignos podem também ser tratados com a terapia gênica. Seu
tratamento consiste principalmente na indução de morte celular em seletos grupos celulares
proliferativos.
Tem-se, por fim, a vacina de DNA. Diferentemente de vacinas tradicionais, nas
quais os pacientes recebem um vírus ou proteína desativados, a vacina de DNA utiliza
sequências de material genético do agente que se quer combater. A proteína codificada na
sequência usada na vacina passa a ser produzida pelo corpo receptor, ativando, assim, o sistema
imune do paciente. A vacina pode ter finalidades preventivas, como as vacinas tradicionais, ou
finalidades curativas, induzindo o organismo a atacar os agentes já presentes em si, sendo que
no segundo caso, não poderia ser nomeada “vacina”, na medida que não possui qualidades
preservativas.
20

2.3 CONCLUSÃO DE CAPÍTULO

As técnicas e aplicações do conhecimento expostas instigam, dentre muitas, a


pergunta: se em pouquíssimos anos do sequenciamento do genoma humano foi possível chegar-
se a um nível como este de desenvolvimento técnico, o que se pode esperar a curto e a longo
prazo, indo, no caso, além do facilmente imaginável?
21

3. POSSIBILIDADES FUTURAS

Com o avanço rápido da biotecnologia na área da genética, se impossibilita uma


clara previsão das próximas técnicas a serem desenvolvidas. Entretanto, o ser humano possui
desejos centenários, os quais podem ser, definitivamente atendidos no futuro, a partir de
técnicas já existentes ou do avanço destas. O capítulo a seguir conterá algumas das
possibilidades futuras do sequenciamento e manipulação genética.

3.1. HUMANOS GENETICAMENTE PROJETADOS

É clássico o pensamento de que a primeira forma de criação artificial da vida seria


algo como o apresentado por Mary Shelley em seu romance gótico, Frankenstein ou o Moderno
Prometeu, do século XIX. Entretanto, este não é o caso. Em 2010, Craig Venter criou, por meio
de um sintetizador de DNA (fig. 3), um genoma artificial e o inseriu em uma célula, que se
tornou, portanto, o primeiro organismo sintético.

Figura 3 - Sintetizador de DNA.16

Com novas tecnologias como CRISPR, ou o sintetizador de DNA, muitos


pesquisadores conseguem prever para um futuro próximo a possibilidade de bebês
geneticamente modificados om a intenção de fazê-los “melhores” no sentido de mais saudáveis,

16Fonte: <https://www.ted.com/talks/paul_knoepfler_the_ethical_dilemma_of_designer_babies?language=pt-
br#t-641740>
22

mais atléticos, inteligentes, bonitos17 e mais adequados à sociedade em um sentido geral. Hoje,
muitos países possuem leis as quais não permitem que as técnicas de manipulação do DNA
sejam usadas em embriões humanos, apesar de pesquisadores de grandes potências tecnológicas
como a China, e mais recentemente, em julho de 2017, os Estados Unidos18.
Mesmo que nos casos de edição em embriões humanos citados acima, os
modificados não conseguiram se desenvolver por mais de alguns dias – além de nunca ter
havido a intenção de inseri-los em um útero por parte dos cientistas –, testes como estes
mostram a progressiva aceitação da modificação genética em humanos na comunidade
científica de países pioneiros, dando, assim, abertura para o desenvolvimento de tais técnicas e
seus usos como forma de projetar ou ao menos interferir minimamente no genoma das futuras
gerações humanas.

3.2. SEQUENCIAMENTO INSTANTÂNEO DO DNA

Desde o primeiro método de sequenciamento do DNA, desenvolvido por Frederick


Sanger em 1977, houve uma grande evolução em relação a esta técnica, a qual, apesar de
demorada e trabalhosa, ainda é utilizada atualmente. A partir de 2005, surgiu o Sequenciamento
de Nova Geração (Next Generation Sequencing – NGS). As novas técnicas, desenvolvidas a
partir de diversas metodologias - tais como o Pirosequenciamento, o sequenciamento por
ligação, o de moléculas únicas, entre outros – possibilitaram o sequenciamento em larga escala,
sendo significativamente menos laboriosas, custosas e demoradas.
A exponencial automatização observada das tecnologias sequenciadoras nos
últimos trinta anos permite previsões de um desenvolvimento de técnicas com poder
instantâneo de sequenciamento até mesmo de um Genoma extenso como é o humano. Diversas
áreas da medicina poderão ser beneficiadas por estes avanços. Um exemplo destes benefícios
pode ser observado em artigo publicado pela revista science19 (A research roadmap for next-
generation sequencing informatics)20, no qual pesquisadores explicitam como o NGS vem
ajudando e ajudará progressivamente a medicina de precisão, a qual se trata de tratamentos e
prevenção de doenças baseando-se nas variedades individuais de genes, estilo de vida e meio
ambiente.

17
Utilizado no sentido de beleza ocidental e tradicionalmente padronizada.
18
Disponível em: <https://www.technologyreview.com/s/608350/first-human-embryos-edited-in-us/>.
Acesso em: 3 out. 2017.
19 Disponível em: <http://stm.sciencemag.org/content/8/335/335ps10.full>. Acesso em: 5 out. 2017.
20 Tradução livre: Um roteiro de pesquisa para informáticas de sequenciamento de próxima geração.
23

4. DILEMAS ÉTICOS RELACIONADOS AOS CONHECIMENTOS E


TÉCNICAS ADQUIRIDAS

É, de certa forma, consenso na comunidade científica mundial o caráter


transformador do mapeamento e da, assim possibilitada, manipulação genética do ser humano.
Entretanto, assim como todas as descobertas científicas, e talvez até mesmo especialmente,
levando em conta que estas tecnologias dizem respeito à própria essência do que, para alguns,
é a vida, estes desenvolvimentos geram questões de cunho ético, colocando em discussão como
deverá se dar a procedência do uso destes conhecimentos e tecnologias.
No capítulo a seguir, algumas questões serão levantadas a partir dos pontos de vista
de especialistas, adquiridos através de pesquisas na internet, livros e uma entrevista com Lygia
da Veiga Pereira, Professora Titular e Chefe do Laboratório Nacional de Células-Tronco
Embrionárias (LaNCE), Chefe do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva da
Universidade de São Paulo, e integrante do Centro de Terapia Celular - CEDIP - Fapesp.

4.1. PRECONCEITO DE BASE GENÉTICA

Assim como a leitura e interpretação do código genético de uma pessoa pode levar
à diversas vantagens, tentativas de remediar suas fraquezas e um estilo de vida mais saudável,
adequando-se com suas suscetibilidades genéticas em mente, ela pode também ser vista de outra
forma: como precedente para discriminação e preconceito.
Atualmente, são feitos testes até mesmo para a admissão de crianças em colégios,
sendo estes, de forma geral, baseados na capacidade intelectual do aluno. Identificando genes
indicadores das tendências comportamentais, e permitindo o acesso aos genomas por terceiros,
escolas poderão passar a aceitar crianças baseadas em suas informações genéticas. É, entretanto,
importante ressaltar a ainda não estabelecida relação entre os genes que dizem respeito ao
comportamento humano – como de agressividade, inteligência, déficit de atenção, entre outros
– e suas manifestações concretas:
Uma criança que tem o gene da agressividade vai
necessariamente bater nos colegas, ser descontrolado? Qual é realmente o
poder da genética no comportamento? Até que ponto os genes influenciam o
comportamento e até que ponto isso pode ser moldado pelo meio ambiente?
(VEIGA, 2017)
24

Da mesma forma, empresas de seguros – as quais se apoiam hoje em questionários


a respeito da saúde, estilo de vida e histórico familiar de um futuro cliente para determinar o
quanto ele deverá pagar pelos serviços – poderão cobrar mais dependendo das suscetibilidades
genéticas de um indivíduo, ou até mesmo impor restrições em relação à certas doenças.
Podem utilizar de forma discriminatória a informação genética também os
contratantes, os quais conseguirão, baseando-se em seu genoma, selecionar funcionários com
menores chances de adquirirem doenças, ou com propensão à terem características de interesse
para a empresa. Sempre visando, nestas seleções, o caminho maior gerador de lucro e com
empregados menos “custosos”.
Todas as possíveis situações mencionadas anteriormente se relacionam à questão
da privacidade do código genético. Torna-se, assim, importante refletir a respeito do assunto,
definir a quem pode ser concedido o acesso de um genoma, sendo que a discriminação pode
apenas ocorrer caso as informações genéticas sejam públicas. Além de se fazer válido o
questionamento acerca da necessidade até mesmo de sequenciar e interpretar um genoma sem
que o indivíduo apresente sintomas ou possua histórico familiar indicativo de possíveis
mutações .

4.2. EUGENIA

Segundo o dicionário Michaelis da língua portuguesa, a palavra eugenia pode ser


definida por “teoria que defende o aprimoramento da espécie humana por meio de uma seleção
tendo como base as leis genéticas”. Inicialmente, este termo não possuía no meio comum uma
conotação negativa. Entretanto, durante a Segunda Guerra Mundial, se associou ao nazismo e
seus objetivos de erradicação dos “impuros”, além de “imperfeitos”. A partir disto, é possível
questionar: como delimitar quem são os indivíduos “perfeitos”, ou até mesmo, o que seria um
“aprimoramento” da raça humana?
Com o sequenciamento e interpretação do genoma humano, passa a ser possível e
mais fácil a prevenção do nascimento de indivíduos com determinadas características genéticas.
Esta seleção, entretanto, pode ser feita de diversas formas. Desde o aborto de crianças com
graves doenças genéticas, até a edição do genoma de embriões com características indesejadas
por parte dos pais.
25

4.2.1. Aborto

Tendo em vista que muitos países, incluindo grandes potências mundiais, possuem
uma legislação a qual permite a terminação de gravidezes mesmo sem a apresentação de um
motivo21, o aborto de crianças com graves doenças genéticas, ou até mesmo com características
genéticas não prejudiciais à suas saúdes, mas indesejadas pelos pais, pode ser permitido no
futuro por grande parte dos países.
Assim como o tópico no geral é hoje, o aborto de embriões com patologias genéticas
provavelmente causará polêmica e discussão acerca da ética e moral em terminar o que, com
discordâncias de alguns grupos, é chamado de vida. Entretanto, os países se mostram hoje, de
modo geral, progressivamente mais abertos à descriminalização da terminação de gravidezes.
Os movimentos defensores da descriminalização do aborto argumentam que, sendo
o corpo afetado pela gravidez o da mulher grávida, ela é quem deve decidir se vai prosseguir
ou não com a gestação. Entretanto, seria ético alguém que quer ter filhos abortar por não
considerar o embrião que carrega “perfeito”?
A grande questão a ser levantada a partir desta situação é: quem e como se pode
definir quem deve ou não viver?

4.2.2 Manipulação genética de embriões humanos

Como apresentado no capítulo anterior, é possível prever a manipulação genética


de humanos como algo não tão fora de alcance como se pode pensar comumente. Em palestra,
Paul Knoepfler, professor na Universidade da Califórnia – Davis, e PhD em patologia molecular
pela Universidade da Califórnia – San Diego, estima que, em 15 anos, cientistas usarão a
tecnologia CRISPR para modificar embriões humanos.
As modificações podem se iniciar apenas com o intuito de prevenir doenças
hereditárias, como a distrofia muscular – com afetados possuidores de um curto tempo de vida,
e que se manifesta, em sua maioria, na infância, levando à progressiva degeneração muscular-,
depois progredir para patologias como a doença de Huntington – condição hereditária na qual
as células nervosas do cérebro se rompem ao longo do tempo, manifestando-se a partir dos 30
ou 40 anos. Esta progressiva facção de concessões, pode, entretanto, abrir precedentes para que

21
Segundo pesquisas do Pew Research Center, 58 de 196 países permitem o aborto por motivos quaisquer,
sendo a maioria destes situados no hemisfério Norte.
26

se iniciem manipulações visando eliminar traços não ligados à saúde dos indivíduos, mas a
características como inteligência, altura, padrões comportamentais, cor, sexo, entre outros.
A banalização da manipulação de genomas pode ser usada por empresas privadas
sem o objetivo de aprimoramento da saúde, mas sim o de gerar cada vez mais lucro, não se
importando com a seriedade deste tipo de procedimento. Exemplificando, tem-se a indústria
das cirurgias plásticas, a qual movimenta bilhões de reais por ano no Brasil22, tendo cerca de
1,5 milhões de clientes no país todo ano23. A seriedade e os riscos de uma cirurgia não são
levados em conta, além de serem feitas, em grande parte dos muitos casos, por motivos
desconectados por completo da saúde, por razões apenas estéticas.
Em uma sociedade que apresenta ainda hoje crimes de ódio e discriminação e
indústrias bilionárias que se aproveitam dos avanços tecnológicos visando apenas o lucro, como
garantir que tecnologias possuidoras de um poder como o de modificar toda a estrutura de um
ser vivo serão usadas sensatamente?

22
Fonte: < http://www.jb.com.br/economia/noticias/2008/09/24/mercado-de-estetica-movimenta-us-4-
bilhoes-por-ano-no-brasil/>
23 Fonte: < http://g1.globo.com/profissao-reporter/noticia/2015/06/brasil-e-recordista-mundial-com-15-

milhao-de-cirurgias-plasticas-ao-ano.html>
27

CONCLUSÃO

Com as informações apresentadas ao longo deste trabalho, é possível compreender


algumas das características transformadoras associadas ao mapeamento e à manipulação do
genoma humano. O tema se prolonga de tal forma, que não possibilita uma análise de seu todo.
Entretanto, com os fatos aqui apresentados, possibilita-se o entendimento dos efeitos que as
novas tecnologias e conhecimentos da genética têm sobre a vida não apenas da comunidade
científica, mas de toda a população. Sendo assim, as questões éticas colocadas na dissertação
se tornam de interesse do povo como um todo.
O dicionário Michaelis da língua portuguesa define por ética um “conjunto de
princípios, valores e normas morais e de conduta de um indivíduo ou de grupo social ou de uma
sociedade”. Assim, baseando-se nesta definição e nas questões abordadas nos capítulos
anteriores, encontra-se a resposta da pergunta primária do trabalho, a qual permite responder
todas as outras: quem pode definir quais tecnologias se deve utilizar, além de como elas devem
ser aplicadas? A resolução é a seguinte: cabe à cada sociedade, com seus valores, culturas e
normas próprias delimitar o que, no caso dela, é correto. É importante, entretanto, que estas
delimitações não firam a Declaração Universal dos Direitos Humanos 24, válida aos países em
totalidade. Menciona-se esta, pois é interpretada como a ética da sociedade mundial. E desta
forma, não há decisão feita em certo país que possa negar as normas nela estabelecidas.
Hoje, as populações no geral, cruciais para as decisões relacionadas ao tópico aqui
abordado, não são mantidas informadas a respeito das novas tecnologias, a não ser a partir de
matérias jornalísticas em sua maioria sensacionalistas. Não é possível, sem um público
instruído adequadamente em relação as possíveis aplicações dos conhecimentos genéticos e
suas consequências, atingir uma resposta fundamentada para quais devem ser os limites destes
usos.
Não há sentido em sequenciar e interpretar partes do genoma de uma criança que
indicam prováveis padrões comportamentais. Isto pois não necessariamente o indivíduo
desenvolverá estas características. Já o sequenciamento de partes do genoma referentes à
possíveis problemas de saúde, possui maior fundamento, na medida que ter consciência da
maior probabilidade de uma doença pode ajudar na construção de um estilo de vida voltado
para sua prevenção, diagnóstico e tratamento antecipados. Entretanto, caso se sequencie um
genoma, as informações obtidas não devem ser públicas, apenas devem ter acesso ao código

24
Disponível em: < https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133.htm>
28

genético de um indivíduo ele mesmo e quem ele permitir. De outra forma, estas informações
podem ser erroneamente utilizadas como formas de discriminação contra a pessoa.
Ninguém possui o direito de decidir se outro ser humano “merece” ou não nascer.
Entretanto, a terminação de uma gravidez não diz respeito ao embrião, mas sim à mulher que o
carrega, afinal, o aborto é apenas permitido até um ponto em que o bebê não possui sistema
nervoso formado, e, portanto, não sente dor ou possui qualquer tipo de consciência. A pessoa
que terá de arcar com as dores físicas e psicológicas, as mudanças hormonais, e todas as
transformações que ocorrem com a gravidez, é a mulher grávida, e assim, mesmo que seus
motivos não sejam considerados éticos, a decisão final deve ser dela.
Da mesma forma que outras biotecnologias tiveram seu uso deturpado conforme o
tempo, caso a manipulação genética seja permitida de forma irrestrita, as consequências podem
ser desastrosas, como visto no capítulo anterior. A sociedade, hoje, não se mostra pronta para
utilizar tecnologias como esta equilibradamente, sendo que muitos poderão, previsivelmente,
se aproveitar delas para benefício próprio ou atrelando seu uso a ideologias excludentes e
discriminatórias. Restrições bem elaboradas se revelam, assim, novamente, cruciais,
especialmente, apesar de não exclusivamente, para usos não relacionados à saúde.
O ser humano possui sua evolução nas próprias mãos, e em certos aspectos, as
decisões a serem feitas, sobretudo em relação à manipulação de seu genoma, podem ser
irreversíveis na medida em que após modificar um ser, seus genes serão passados de geração
em geração. As escolhas a respeito do tema deverão ser feitas instruída e cautelosamente, tendo
em vista seu cunho primordial e extremamente revolucionário para o futuro da vida humana.
29

REFERÊNCIAS

LIVROS

BRODY, David Eliot, BRODY, Arnold R; tradução MOTTA, Laura Teixeira. As sete maiores
descobertas científicas da história. Página 379 a 410. São Paulo: Companhia das Letras, 1999

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Paulo: Odysseus Editora, 2003

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2001

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Cubo, 2013.

PEREIRA, Tiago Campos et al. (Org.). Introdução à técnica de Interferência por RNA - RNAi.
1. ed. Riberão Preto: Cubo, 2013.

WEB

ALTMAN, R. B. et al. A research roadmap for next-generation sequencing


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30

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nas doenças reumáticas. Rev. Bras. Reumatol., São Paulo , v. 50, n. 6, p. 695-
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2017GENOME Map. Science, [S.l.], v. 291, p. 1218, fev. 2001. Disponível em:
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ZATZ, MAYANA. Projeto genoma humano e ética. São Paulo Perspec., São Paulo , v. 14, n.
3, p. 47-52, jul. 2000 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci
_arttext&pid=S0102-88392000000300009&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 5 out. 2017
31

ANEXO A

ENTREVISTA COM LYGIA DA VEIGA PEREIRA

Entrevistadora (E) - Sabemos que o sequenciamento do genoma humano foi algo


extremamente transformador para a genética, mas isto também veio com alguns
questionamentos éticos. Primeiramente, quais você acha que podem ser os perigos de mapear
o genoma de crianças, ou da criação de um banco de dados dos nascidos, etc?
Lygia (L) - Nós, hoje, ainda não temos o conhecimento acerca do que está exatamente
codificado em cada gene, mas certamente esta hora vai chegar, e em um futuro não tão distante.
Isso pode trazer benefícios muito diversos à medicina, principalmente para um tratamento que
pegue uma fase pouco desenvolvida da doença. Mas... você já viu aquele filme... Gattaca? Ele
ilustra muito bem o que eu vou explicar. O sequenciamento do genoma e a descoberta de o que
cada gene contém pode sim trazer muitos benefícios, mas essas tecnologias e conhecimentos
têm que ser usados com muito cuidado. Hoje em dia, por exemplo, as escolas selecionam seus
alunos a partir de testes de conhecimento. Como podemos garantir que isso não será feito com
o DNA? Barrar crianças com genes de agressividade, déficit de atenção, ou outros ligados ao
comportamento, se um dia nós os encontrarmos. Vamos pensar no exemplo: uma criança que
tem o gene da agressividade vai necessariamente bater nos colegas, ser descontrolada? Qual é
realmente o poder da genética no comportamento? Até que ponto os genes influenciam o
comportamento de alguém e até que ponto isso pode ser mudado pelo ambiente? Uma criança
que cresceu em um bairro com muita violência, sem muita oportunidade de ter uma boa
educação, convivendo com muitos crimes, sem pais presentes tem uma chance muito maior de
canalizar sua agressividade em crimes e violência do que uma criança com o mesmo genoma,
mas criada em condições mais favoráveis, que poderia canalizar essa agressividade em algum
esporte, em competitividade no colégio, ou até em ser um grande empreendedor com fome de
dinheiro! (Risadas) No filme, a lei proíbe uma discriminação desse tipo, mas mesmo assim
encontravam formas de barrar essas pessoas. Então é importante entender essas diferenças para
não “tacharmos” as pessoas.
E – Você acha que essas informações devem ser privadas?
L – Completamente. Acho que os únicos com acesso ao genoma de uma pessoa devem ser ela
e as pessoas com quem ela decidir compartilhar essa informação, pra poder até evitar essa
discriminação.
32

E – Quanto à manipulação do genoma, em sua visão, quais são os dilemas a se enfrentar?


L – É muito importante o desenvolvimento dessa tecnologia para tratamento de doenças e até
mesmo sua prevenção, mas a forma como usamos isso é crucial. Inicialmente, creio que vão
liberar uma manipulação de embriões para doenças hereditárias, mas pense assim: primeiro
temos doenças como a distrofia muscular, hemofilia, que se manifestam desde sempre, depois,
doenças como a de Huntington, que se manifesta só lá pelos 40 anos. Nesse momento já
começamos a pensar: “será que esses 40 anos já não valeriam à pena? Mas tudo bem, depois
desses anos sabemos como os sintomas podem ser graves e extremamente cruéis”. O problema
é que com o tempo vamos abrindo precedentes para: “mas eu não queria que meu filho fosse
baixo, burro, feio...” e por aí vai. Isso é o realmente preocupante, é o que devemos colocar em
questão.
E – Como você imagina que isso pode ser prevenido?
L – Limites devem ser impostos com a legislação.
E – E quem deve definir isso? Quem pode traçar essa linha?
L – Cada sociedade, com seis valores éticos, morais e culturais deve decidir o que melhor
condiz consigo. E veja, ao dizer sociedade não estou me referindo aos cientistas, mas à
população como um todo. O papel dos cientistas é informar o povo sobre o que é possível e
quais são as consequências técnicas, mas a decisão cabe à população. E é por isso que é tão
importante que todos sejam mantidos informados sobre as descobertas científicas e como elas
afetam nossas vidas.

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