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Desenvolvimento e sustentabilidade:

em busca do equilíbrio
A nova edição da Revista Agroecologia e De- O artigo de Cidonea Machado Deponti e Francis-
senvolvimento Rural Sustentável chega para seus co Emílio Manteze, acerca das “mariazinhas” de Al-
leitores com entrevista, artigos técnico-científicos, fama, realiza uma análise do Grupo Organizado do
textos para reflexão, dicas e resenhas. O entrevis- Lar (Gol) e das ações da Emater/RS-Ascar, investi-
tado deste número é o professor espanhol Fran- gando as relações que estão além das reuniões prota-
cisco Garrido Peña, da Universidade de Jaen, que gonizadas por esses atores sociais, apontando para os
trata dos desafios ambientais impostos pelo modo processos de autonomia, organização e melhoria da
de vida adotado no Ocidente em geral e sobre a autoestima das mulheres participantes desse grupo,
necessidade de se investir em ações que resultem revelando ainda facetas do trabalho de extensão ru-
em um futuro com maior equilíbrio entre as ideias ral que estão além da produção de alimentos.
de desenvolvimento e sustentabilidade. No artigo sobre formação profissional na agricul-
O relato de experiência apresenta o caso de tura familiar, Nelton Dresch realiza uma investiga-
uma cooperativa de agricultores familiares, mos- ção sobre esse outro braço do serviço de assistência
trando que é possível que as organizações de pe- técnica e extensão rural: a capacitação de agriculto-
quenos produtores possam se inserir de forma res nos centros de formação mantidos pela Emater/
diferenciada no mercado, graças às políticas públi- RS-Ascar no Rio Grande do Sul. A análise de Dresch
cas que tornam esse gênero de organização viável é voltada especificamente para o Centro de Forma-
do ponto de vista econômico e social. Assim a expe- ção de Agricultores de Bom Progresso (Cetreb) e para
riência da Coomafit revela-se como um modelo de a proposta de avaliação participativa, enquanto prá-
dinâmica, e inserção não-subordinada ao sistema tica que permite aos participantes dos cursos papel
mercadológico tradicional, figurando como um me- de protagonistas na análise do processo de aprendi-
canismo, até certo ponto, autônomo. zagem, um método salutar tanto para os agricultores
O artigo Colostro: a redescoberta de um alimen- como para os extensionistas que atuam nos centros
to saudável, nutritivo e com potencial probiótico, de de formação que, a partir de então, podem refletir so-
autoria da médica veterinária da Emater/RS-Ascar bre suas atuações enquanto educadores.
Mara Helena Saafeld e de Daniela Pereira, Mariane No artigo de Opinião, a nutricionista da Emater/
Alves, Fábio Leite, Kathleen d Silveira, Laurice Diniz, RS-Ascar Regina Miranda reflete sobre o tema da
Dianini Kringel e Márcia Gularte apresenta um bom alimentação nos dias de hoje, analisando o quanto
exemplo de tecnologia social, cientificamente valida- os alimentos tornaram-se mercadorias muito mais
da, que pode ser facilmente incorporada em nível de do que fontes de nutrientes garantidores de uma
propriedade rural, de fácil aplicação e que cujo grande vida saudável. Em seu ensaio, a autora observa as
investimento é o conhecimento. Além disso, os autores relações consumo/consumidor e produção/produtor
demonstram na pesquisa os potenciais nutricionais que envolvem os alimentos na atualidade, e analisa
das bebidas feitas a partir do leite materno produzido o quanto o poder sobre a produção e o consumo de
pelas vacas nas primeiras horas após o parto e que, ge- alimentos passou a ser um objeto mercadológico, em
ralmente, é descartado pelos produtores. que tanto produtores como consumidores perderam
Em Mapa dos conflitos ambientais: um pouco a soberania, os primeiros sobre o que produzem e os
das contradições socioambientais em Minas Gerais, segundos sobre o que consomem.
os pesquisadores Anna Vasconcelos, Helena Lopes e Consolidando o conjunto de textos da última edi-
Eder Carneiro apresentam uma ferramenta partici- ção de 2012, estão as colunas de Ecodicas e Ecolinks,
pativa para identificação e reconhecimento dos em- além das resenhas de duas obras importantes para
bates ambientais naquele Estado brasileiro, ofere- quem se interessa pelo tema dos sistemas agroflores-
cendo um panorama de alguns eventos em que há o tais e/ou performance dos assentamentos da reforma
que os pesquisadores chamam de ações de “injustiça agrária a partir de dados censitários.
ambiental” no meio rural, identificadas a partir de A todos desejamos uma boa leitura.
sistematizações que verificam ocorrências de risco,
características das populações afetadas e estratégias Gervásio Paulus
de organização e mobilização dos atores envolvidos. Diretor técnico da Emater/RS-Ascar
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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, maio/ago. 2012
Sumário © Emater/RS-Ascar 2012

Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável


Entrevista ........................................................................... 5 v. 5, n. 2, maio/ago., 2012.
Francisco Garrido Peña: “Se desenvolvimento significa aumentar
as taxas de consumo, não há equilíbrio possível.” Coordenação geral: Diretoria Técnica da Emater/RS-Ascar

Relato de Experiência ...................................................... 9 Conselho Editorial: Ari Henrique Uriartt, Carlos Guilherme
COOMAFITT: um dispositivo coletivo em construção e muitas Adalberto Mielitz Netto, Claudio Fioreze, Códula Eckert, Décio
Souza Cotrim, Dulphe Pinheiro Machado Neto, Emma Siliprandi,
possibilidades para o fortalecimento da agricultura familiar do
Fábio Kessler Dal Soglio, Flávia Charão Marques, Francisco Manteze,
Litoral Norte do Rio Grande do Sul Francisco Roberto Caporal, Gervásio Paulus, Ivaldo Gehlen, Jaime
Medeiros, Monique et al. Miguel Weber, José Antônio Costa Beber, José Ernani Schwengber,
Leonardo Melgarejo, Luiz Antonio Rocha Barcellos, Luiz Fernando
Dica Agroecológica ......................................................... 16
Fleck, Maria Virgínia de Almeida Aguiar, Marta Helena Dornelles
Delícias da primavera - Flores comestíveis: alimento que Tejera, Paulo Sérgio Mendes Filho e Pedro Urubatan Neto da Costa.
encanta os olhos e o paladar
Pereira, Sonia Regina de Mello Editora Responsável: Jornalista Marta Helena Dornelles
Tejera – RP 1352
Artigo ............................................................................... 18 Normalização: Bibliotecária Cleusa Alves da Rocha – CRB
Colostro: A redescoberta de um alimento saudável, nutritivo e 10/2127
com potencial probiótico. Projeto Gráfico: Wilmar de Oliveira Marques
Saalfeld, Mara Helena et al. Revisão Textual: Greice Santini Galvão
Fotografia: Kátia Marcon e acervo fotográfico da Emater/RS-
Opinião ............................................................................. 25 Ascar - Capa: “Artesanato kaingang” de Kátia Marcon
Segurança e soberania alimentar - alimento ou mercadoria? Periodicidade: Quadrimestral
Um tema a refletir Tiragem: 1.500 exemplares
Miranda, Regina da Silva Impressão: Gráfica Calabria
Distribuição: Biblioteca da Emater/RS-Ascar
Artigo ............................................................................... 33 Apoio: Fepagro
Mapa dos conflitos ambientais: um pouco das contradições
Emater/RS-Ascar
socioambientais em Minas Gerais Rua Botafogo, 1051
Vasconcelos, Anna et al. Bairro Menino Deus
Econotas ........................................................................... 38 CEP 90150-153
Porto Alegre-RS – Brasil
Artigo ............................................................................... 40 Fone: 51 2125 3144
Interface Social e Autonomia: inter-relações entre o grupo FAX: 51 21253156
organizado do lar (GOL) - “as mariazinhas” e a Emater/RS- Endereço eletrônico da revista:
Ascar http://www.emater.tche.br/hotsite/revista/
Deponti, Cidonea Machado et al.
E-mail: revistaagroecologia@emater.tche.br
Ecolinks ............................................................................ 47
A Revista Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável é uma pu-
Artigo ............................................................................... 49 blicação quadrimestral da Associação Rio-grandense de Empreen-
Avaliação Participativa da formação profissional na Agricultura dimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS) e da
Familiar: uma modalidade de ATER e de Educação de Jovens Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural (Ascar). Os artigos
publicados nesta Revista são de inteira responsabilidade dos autores.
e Adultos Contemporânea no Campo
Dresch, Nelton Luis Cartas
Cartas podem ser endereçadas para a biblioteca da Emater/RS-Ascar,
Resenha ............................................................................ 58 rua Botafogo, 1051, 2º andar, bairro Menino Deus, CEP 90150-053,
Normas para publicação ................................................ 61 Porto Alegre, RS ou para revistaagroecologia@emater.tche.br.

Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência


Técnica e Extensão Rural - EMATER/RS
Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural - ASCAR
Lino De David
Presidente da EMATER/RS e Superintendente Geral da ASCAR
Gervásio Paulus
Diretor Técnico da EMATER/RS e Superintendente Técnico da ASCAR
Silvana Dalmás
Diretora Administrativa da EMATER/RS e Superintendente Administrativa da ASCAR

Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável Porto Alegre v. 5 n. 2 p. 1-62 maio/ago. 2012


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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, maio/ago. 2012
Francisco Garrido Peña: “Se desenvolvimento
significa aumentar as taxas de consumo,
não há equilíbrio possível.”
Em 1980, desertou do exército espanhol,
o que o obrigou a refugiar-se com a esposa
na Bélgica durante dois anos, voltando ao
seu país clandestinamente, com uma nova
identidade. Pôde então dar prosseguimen-
to a sua luta, fundando movimentos como
o coletivo de Ecologia Urbana, a Cidade
Alternativa de Granada, a Federação Eco-
-pacifista Granadina e os Verdes de Anda-
luzia. Dez anos depois, quando prescreveu
seu delito, reassumiu a identidade e enca-
beçou a candidatura a presidente pelo Par-
tido Verde, chegando a ocupar a cadeira
de deputado no parlamento andaluz entre
1994 e 1996, e deputado por Sevilla no Par-
lamento Espanhol até 2008.
Doutor em Filosofia do Direito pela Uni-
versidade de Granada, Garrido continua
divulgando pelo mundo suas ideias a res-
peito do desenvolvimento sustentável, da
democracia participativa e da responsabi-
lidade de governantes e cidadãos sobre a
preservação do meio ambiente. É a respeito
Por Patrícia Strelow desses aspectos que ele fala a seguir, na en-
trevista concedida à Revista Agroecologia e
Professor da Faculdade de Ciências So- Desenvolvimento Rural Sustentável.
ciais e Políticas da universidade espanhola
de Jaen e ex-deputado pelo Partido Verde Revista Agroecologia - Quais são os
espanhol, Francisco Garrido Peña começou principais desafios que a Europa en-
cedo sua atuação política. Aos 15 anos, em frenta hoje do ponto de vista da políti-
1973, quando a Espanha ainda enfrentava ca ambiental?
o regime ditatorial do general Francisco
Franco, foi delegado estudantil do Insti- Garrido - Considerando que a política
tuto São Isidoro de Sevilha. Durante toda ambiental está vinculada à política econô-
a década de 1970, participou ativamente, mica, em primeiro lugar está a mudança
inclusive na condição de fundador, de inú- do modelo energético, já que 54% da dívi-
meros movimentos estudantis que lutavam da externa espanhola - a segunda maior do
pela democracia e pelos direitos humanos. mundo depois dos Estados Unidos - se dá
A atividade o levou à prisão algumas vezes em função da compra de energia. Isso signi-
durante esse período, na Espanha, em Ber- fica 168% do Produto Interno Bruto do país.
lim e em Cuba. Toda a Europa precisa mudar seu modelo
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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 5-8, maio/ago. 2012
que a Espanha está trilhando para re-
solver seu problema energético?

Garrido - A Espanha, em concreto,


dentro da Europa, tem condições de van-
guarda tecnológica em relação a fontes de
energia renováveis. Por exemplo, somos
a primeira produtora de tecnologia para
energia eólica, a terceira para energia fo-
tovoltaica e a quarta em energia biomas-
sa, que se deriva dos produtos florestais.
Nosso desafio então é conseguir que es-
tas três grandes fontes de energia - eólica,
solar e biomassa - alcancem ao menos 50%
da produção total até 2030. É um bom ca-
minho para reduzir as emissões de gases e
atingir uma verdadeira mudança climática.

Agroecologia - Como fazer com que


energético, mas principalmente a Espanha. os pequenos produtores possam to-
Depois está o modelo urbanístico. A mar parte da venda de serviços am-
segunda grande causa do problema eco- bientais?
nômico atual foi a especulação com o au-
mento dos preços. Hoje na Espanha há Garrido - No projeto que aprovei e ne-
quase 2,1 milhões de residências vazias, gociei com o Ministério da Agricultura da
o que implicou um custo em matéria de Espanha - mas que não está sendo cum-
energia, uso do solo e infraestrutura, prido - havia critérios sociais, que têm
nesse modelo insustentável. a ver com o tamanho e com o modelo de
Em terceiro lugar está o modelo agrí- exploração. Por exemplo, as pequenas e
cola. A agricultura europeia foi até ago- as médias propriedades familiares eram
ra muito subvencionada, produtivista, prioridades frente aos supostos serviços
ou seja, buscou o crescimento pelo cres- ambientais que podiam dar as grandes
cimento. Isso tem que mudar e de fato superfícies de monocultivo, que por de-
agora na Espanha e na União Europeia finição não podem ser ecológicas, ainda
está se implementado uma nova Política que não utilizem massivamente produ-
Agrária e Comunitária pela qual, teori- tos químicos. Portanto, devemos priori-
camente, deve-se primar pelos critérios zar dentro dessa perspectiva ambiental
sociais e ambientais, recuperando uma aquele produtor que tem uma rentabili-
ideia fundamental, do agricultor como dade social múltipla, e não apenas a ren-
produtor de serviços ambientais. tabilidade do modelo de emprego, mas
Então esses são os três grandes desa- também a estruturação e o capital social
fios. A conservação da biodiversidade, das familiar, ou a vinculação via cooperativa,
massas florestais, todos esses elementos com o território.
estão relacionados diretamente com estes
três grandes problemas: energia, urba- Agroecologia - Em que medida de-
nismo e agricultura. pendem do governo as mudanças
para um mundo mais sustentável do
Agroecologia - E quais os caminhos ponto de vista ambiental?
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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 5-8, maio/ago. 2012
Garrido - É uma dependência dialética,
ou seja, se não há uma demanda social,
dificilmente um governo democrático vai
atender algo que eleitoralmente não tem
rentabilidade. E se não existem as condi-
ções básicas para favorecer essa conduta
por parte do Governo, dificilmente a so-
ciedade vai consumir e produzir ecológi-
cos. Só um dado: o desenvolvimento da
energia eólica na Espanha é resultado de
uma simples medida fiscal tomada pelo
Governo nos anos 1980, que favoreceu a
investigação nesse setor com uma peque-
na porcentagem de dedução para as gran-
des companhias. Também é verdade que a
consciência social, que as práticas sociais
comunitárias, que as organizações de con-
sumidores, que as estruturas sindicais dos
pequenos e médios agricultores, que todos
esses elementos são também imprescin-
díveis. Uma medida estatal que não tem nomistas usam, quando se calcula um in-
resposta acaba se rompendo. vestimento de futuro. Diz-se: tendo-se em
conta as restrições legais possíveis, no futu-
Agroecologia – Então, o que cabe à ro, terá de haver um marco normativo mui-
população urbana fazer, nessa busca to duro contra a agricultura convencional.
pela sustentabilidade ambiental? Algumas práticas terão que ser proibidas.
Por exemplo, quando as empresas elétricas
Garrido - Duas questões são muito im- alemãs optam por investir em energias re-
portantes: primeiro, que participe de uma nováveis, não é porque tenham mudado sua
maneira ou de outra, comprando e asso- mentalidade, mas porque calculam que o
ciando-se a entidades como cooperativas marco normativo legal vai mudar. Ou seja,
de consumo ecológico. Em segundo lugar, terão que se adaptar, a não ser que se de-
que expresse eleitoral e politicamente suas diquem a um negócio ilegal de eletricida-
demandas. Que não apenas pratique, mas de - o que é impossível. Então, eu diria aos
também vote e se mobilize, por exemplo, produtores que tenham em conta o marco
pela Internet, através de ações virtuais pe- normativo do futuro para saber que aí, e só
las redes sociais, tendo sempre claras essas aí, poderá haver agribusiness.
demandas. Isso obrigará os partidos políti-
cos a incluírem em sua agenda eleitoral e Agroecologia - Como encontrar o
política esses problemas. equilíbrio entre sustentabilidade e de-
senvolvimento?
Agroecologia - Ainda há muita resis-
tência entre os produtores à ideia de Garrido - Acredito que, em primeiro
se investir em uma agricultura de base lugar, temos que ter claro consensual-
ecológica. O que o senhor diria a essas mente o que significa cada coisa, porque
pessoas? se desenvolvimento significa aumentar
as taxas de consumo, não há equilíbrio
Garrido - Há uma expressão que os eco- possível. Mas se desenvolvimento signifi-
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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 5-8, maio/ago. 2012
pela sustentabilidade ambiental?

Garrido - É um sentimento contraditó-


rio. Por um lado, me alegro muito de ver
o avanço proporcionado por algumas medi-
das sociais em relação aos outros anos que
vim ao país. Vejo que as pessoas vivem me-
lhor, principalmente os jovens, os que me-
nos tinham. Existem medidas interessan-
tíssimas no campo da educação, no campo
dos benefícios sociais, da saúde.
Porém, por outro lado, vejo com gran-
de preocupação essa enorme demanda de
matéria-prima, por parte, por exemplo, da
China, que o Brasil está satisfazendo. Eu
não digo que não se venda, a oportunidade
tem que ser aproveitada, mas primeiro tem
que se pôr limite nessa venda. Em segundo
lugar, aproveitar essa oportunidade, esse
ingresso para criar um modelo de desenvol-
vimento diferente, em que haja um equilí-
ca aumentar o bem-estar social, os servi- brio entre egresso e ingresso. As matérias-
ços - sempre comentamos que um agricul- -primas já não são tão baratas, por isso o
tor não quer mais água, mas sim o serviço Ocidente está mal, a Europa está mal. É
que a água dá -, assim se consegue o mes- um equilíbrio utilizar a época de bonança
mo serviço, com menos água, não precisa- em relação aos preços das matérias-primas
rá de mais água. para cimentar um modelo endógeno e sus-
Portanto, se considerarmos o desen- tentável de desenvolvimento.
volvimento de um ponto de vista social
igualitário e qualitativo, o equilíbrio é ab- Agroecologia - Você acredita que es-
soluto - se é que pode haver algum equi- tamos caminhando nesta direção?
líbrio absoluto. Mas se seguirmos vendo o
desenvolvimento como aumento quantita- Garrido - Em alguns aspectos, sim, por
tivo, primeiro a justiça não será possível exemplo, em relação ao investimento que
porque nem todos poderão aumentar. Se vem se fazendo na formação de capital hu-
uns aumentam muito, é porque outros di- mano. É uma ideia muito boa, uma ótima
minuem. O exemplo claro está na energia. forma de se investir bem em capital imate-
Toda a humanidade (sete bilhões de pes- rial, mas em outros sentidos acredito que
soas) pode ter serviço elétrico básico com não, como em relação ao Código Florestal,
energia renovável, solar. Mas nem dois, que me parece ir em um sentido contrário.
três bilhões de pessoas podem ter acesso Mas os erros não são responsabilidade ex-
aos serviços básicos com petróleo. Portan- clusiva do Brasil, também os têm a Bolívia,
to, há uma associação direta entre justiça, a Venezuela... O México quase não os co-
entendida como o direito de todos os indi- mete porque já vendeu tudo, todo seu pe-
víduos a um mínimo, e sustentabilidade. tróleo... Mas a América do Sul, como uma
unidade política mais ampla, poderia dese-
Agroecologia - Como o senhor ava- nhar um modelo de desenvolvimento menos
liaria a posição do Brasil nessa busca dependente das exportações à China.
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COOMAFITT: um dispositivo coletivo em construção
e muitas possibilidades para o fortalecimento da
agricultura familiar do Litoral Norte do Rio Grande do Sul

Medeiros, Monique 1, Tozzi, Marcelo Xavier 2 distanciam quem produz de quem consome, e
engajados em fatores sociopolíticos mais am-
Resumo plos como a obtenção da soberania alimentar.
Este artigo retrata a experiência da Coopera-
tiva Mista de Agricultores Familiares de Itati, Palavras-chave: Construção Social de
Terra de Areia e Três Forquilhas (COOMA- Mercados. Agricultura Familiar. COOMAFITT.
FITT), apresentando como debate central as
relações entre agricultores familiares e o mer- Abstract
cado institucional abrangendo suas interfaces This article sign the experience of the Coo-
de cooperação e conflitos, e o papel e a influ- perativa Mista de Agricultores Familiares
ência da extensão rural, do Estado e das polí- de Itati, Terra de Areia and Três Forqui-
ticas públicas, com ênfase no PAA e no PNAE lhas (COOMAFITT), presenting as central
na determinação de modelos agroalimentares debate the relationship between farmers
localizados. A análise aponta que esses agri- and the institutional market covering their
cultores familiares, apoiados por projetos de interfaces cooperation and conflict, and the
assistência técnica e políticas públicas, desen- role and influence in rural areas, the State
volvem processos criativos, organizados em and public policies, with emphasis on the
sentido oposto às transações comerciais que PAA and PNAE in determining localized
agri-food models. The analysis shows that
1
Mestre em Desenvolvimento Rural, Agrônoma da
Emater/RS-Ascar, e-mail: mmedeiros@ymail.com
these farmers, supported by technical as-
2
Especialista em Gestão de Agronegócios, Agrônomo da sistance projects and policies, develop crea-
Emater/RS-Ascar, e-mail: tozzi@emater.tche.br tive processes, arranged in the opposite di-
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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 9-15, maio/ago 2012
rection to the business transactions apart balho em grupo que facilitava a utilização de
from those who consume those who produ- ferramentas úteis à atividade, bem como na
ce, and engaged in socio-political broader, troca de experiências relacionadas a especifici-
such as obtaining food sovereignty. dades de produção. Esse trabalho em conjunto
facilitou a esses agricultores familiares conse-
Keywords: Social Construction of Markets. guirem instalações e equipamentos adequados
Family Farms. COOMAFITT. para a extração de mel, localizados na RS 486
- Rota do Sol, utilizando recursos provenientes
1 INTRODUÇÃO do Programa RS Rural.
Diante da necessidade de fortalecer as ini- Esse Programa foi desenvolvido pela Secre-
ciativas da agricultura familiar, por meio da taria da Agricultura, Pecuária e Abastecimen-
união de agricultores marginalizados pelas to do Estado do Rio Grande do Sul (Seapa), com
consequências negativas da modernização recursos provenientes de empréstimo do Ban-
conservadora da agricultura como descapitali- co Mundial (BIRD) e contrapartida do Estado
zação, dificuldades de integração a mercados do Rio Grande do Sul. O foco do RS Rural foi
para comercialização de seus produtos ou mes- promover o desenvolvimento rural direcionan-
mo no acesso a algumas políticas públicas, e do-se aos agricultores familiares e agricultores
frente a algumas lacunas deixadas pelo Esta- assentados, pecuaristas familiares, pescado-
do, foi criada a Cooperativa Mista de Agricul- res profissionais artesanais, povos indígenas
tores Familiares de Itati, Terra de Areia e Três e comunidades remanescentes de quilombos.
Forquilhas (COOMAFITT), cuja sede está si- O Projeto concentrava suas ações na conser-
tuada às margens da RS 486 - Rota do Sol, a vação e no manejo dos recursos naturais, na
qual pode ser visualizada na Figura 1. melhoria da infraestrutura social básica e da
renda familiar, buscando diminuir os níveis de
Figura 1 - Sede da COOMAFITT, situada às margens pobreza e degradação ambiental.
da RS 486 - Rota do Sol. Itati/RS. Outubro/2011
O importante a des-
tacar é que o trabalho
coletivo incentivado
pela construção da
sala de extração aca-
bou por impulsionar
esses agricultores fa-
miliares a buscarem
outras ferramentas
para o enfrentamen-
to das adversidades
de seus cotidianos.
Como a comercializa-
ção sempre foi uma
das grandes dificul-
dades dos agriculto-
res familiares, em
Fonte: Emater/RS-Ascar (2011). particular dos agricultores do Litoral Norte
do Rio Grande do Sul, esses produtores fami-
A história da cooperativa teve início no ano liares começaram a pensar em como construir
de 2004, quando oito agricultores familiares vias que facilitassem a comercialização para
envolvidos com a produção de mel, respalda- seus produtos que não se restringiam ao mel.
dos pela Emater-RS/Ascar, iniciaram um tra- Sendo a região uma tradicional produtora
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de hortaliças e frutíferas como a banana, a A organização desses agricultores, bem como
oportunidade de comercialização para os pro- o incentivo recebido pela assistência técnica,
dutos da agricultura familiar se restringia à abriu portas para uma integração ampliada a
Central de Abastecimento do Rio Grande do outras formas de comercialização para os pro-
Sul (Ceasa/RS), de Porto Alegre, e às cidades dutos da agricultura familiar. Após a aquisição
da região litorânea no verão. Essas vias de do meio de transporte e a ampliação do espaço
comercialização, no caso da Ceasa, contavam da cooperativa, foi facilitado à COOMAFITT
com muitos atravessadores que transporta- integrar o Programa de Aquisição de Alimen-
vam os produtos dos municípios do litoral tos (PAA), implementado pelo Governo federal
até Porto Alegre e angariavam maior parte em 2004, e o Programa Nacional da Alimen-
do dinheiro conseguido com as vendas, e, no tação Escolar (PNAE), implementado pelo Go-
caso da venda no litoral, era centralizada em verno federal, mais tarde, em 2009.
uma única época do ano, pois dependia do O mais relevante é que essas vias de comer-
consumo dos veranistas. cialização acabaram se constituindo nos mais
Esses fatos fizeram com que os agriculto- importantes mercados consumidores para a
res projetassem uma organização destinada venda da produção das famílias cooperadas,
a viabilizar o acesso a diferentes mercados de que hoje totalizam 106 e distribuem-se nos
comercialização para a grande parte dos pro- três municípios.
dutos oriundos de suas unidades de produção. Dessa forma, em meio a relações e proces-
Dessa forma, no dia 5 de setembro de 2006 sos de reação e adaptação, aprendizagem,
foi inaugurada a COOMAFITT, em resposta busca por autonomia e, consequentemente,
à necessidade dos agricultores familiares, as- transformações sociais, econômicas, culturais
sistidos pela Emater/RS-Ascar, de terem uma e ambientais, esses agricultores estão, através
entidade que lhes representasse frente aos de políticas públicas, ação de projetos de apoio
mercados e os auxiliasse na organização e no técnico e, principalmente, intercâmbio de co-
planejamento da produção. nhecimento, buscando melhorias em suas con-
Vale salientar que a visão da cooperativa é dições de vida.
focada na promoção do desenvolvimento por
meio da organização dos agricultores familia- 2 APRENDENDO A DESMITIFICAR OS
res e da comercialização de produtos de quali- MERCADOS
dade com preços justos em busca da melhoria Uma das chaves para o apoio ao desenvolvi-
da qualidade de vida que abrange responsabi- mento rural consiste em identificar e qualificar
lidades sociais e ambientais. diferentes sistemas de produção e abastecimen-
Os agricultores já organizados construíram to, bem como as relações sociais envolvidas em
em um espaço disponível na frente da sala de determinados processos do trabalho agrícola.
extração um ponto de comercialização de suas No Brasil, as feiras locais e o mercado institu-
hortaliças e frutas; o trabalho de venda direta cional proporcionam exemplos de mercados que
ao consumidor não obteve o êxito esperado e produzem vínculos sociais e mobilizam a socie-
resultou em alguns prejuízos que culminaram dade por meio das relações diretas entre produ-
posteriormente, no ano de 2009, com o seu de- tores e consumidores (SABOURIN, 2009), fato
saparecimento. Para tanto, é importante en- que diferencia esses mercados dos mercados
fatizar que um fato significativo ocorreu no conduzidos em sistemas oligopolizados e cen-
ano de 2007, quando a cooperativa recebeu da tralizados de comercialização.
prefeitura do município de Itati um caminhão Como mencionado anteriormente, nos muni-
e a expansão do ponto de comercialização da cípios de Itati, Terra de Areia e Três Forquilhas,
COOMAFITT, obtidos por meio de um repasse são apresentados aos agricultores familiares como
de recursos proveniente do Ministério do De- opções de comercialização, essencialmente, mer-
senvolvimento Agrário (MDA). cados locais específicos como o PAA e o PNAE.
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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 9-15, maio/ago 2012
Instituído pela Lei nº 10.696, de 2 de julho ticas públicas relacionadas à comercialização
de 2003 (e regulamentado pelo Decreto nº de produtos da agricultura familiar, como os
6.447, de 7 de maio de 2008), o PAA adquire dois programas mencionados, é necessário que
alimentos das entidades participantes sem a os agricultores estejam vinculados a uma or-
necessidade de licitação, por preços de refe- ganização social como, por exemplo, uma co-
rência estabelecidos com base em uma média operativa. É essa organização que realizará
daqueles praticados nos mercados regionais. uma mediação entre as possibilidades e as li-
Os alimentos adquiridos pelo Programa são mitações de produção dos agricultores e a de-
destinados à população atendida por progra- manda, os preços e os padrões de qualidades
mas sociais locais, situação que demanda uma exigidos pelos consumidores. Essa mediação
complexa articulação entre os atores envolvi- resultará em uma série de decisões que serão
dos, pois, já na apresentação de propostas de permeadas pelo comprometimento de todos
projetos por parte das organizações locais, é os atores sociais envolvidos no processo. Esse
necessário o ajuste entre os alimentos que comprometimento é materializado em um pla-
serão produzidos e os que são demandados nejamento realizado pela Cooperativa, no qual
pelos programas sociais, envolvendo desde o são previstas a produção, o transporte, o arma-
planejamento da produção até a entrega sis- zenamento, a entrega dos alimentos, e, o mais
temática dos produtos aos beneficiados. Essa importante, a qualidade dos mesmos.
exigência compulsória da articulação coletiva A opção pelos mercados institucionais pos-
compõe uma diferença significativa em rela- sibilitou as condições necessárias para que os
ção aos demais programas destinados à agri- sócios da COOMAFITT conseguissem, com a
cultura familiar (PINHEIRO, 2010). mediação da Emater/RS-Ascar e o apoio de
O PNAE, conhecido como “Merenda Esco- atores sociais como o Sindicato de Trabalha-
lar”, consiste na transferência de recursos fi- dores Rurais, as prefeituras dos três municí-
nanceiros do Governo federal, em caráter su- pios, a Companhia Nacional de Abastecimen-
plementar, aos Estados, ao Distrito Federal e to (CONAB), o MDA, entre outros, elaborar o
aos municípios, para a aquisição de gêneros planejamento de sua produção considerando
alimentícios destinados à alimentação esco- as particularidades de cada unidade de produ-
lar. O Fundo Nacional de Desenvolvimento ção, dos sistemas de produção local e das exi-
da Educação (FNDE), autarquia vinculada ao gências dos consumidores desses produtos.
Ministério da Educação, é o responsável pela Nesses projetos é previsto o fornecimento de
normatização, assistência financeira, coor- diversos alimentos, dentre os quais se desta-
denação, acompanhamento, monitoramento, cam o abacaxi, a abóbora, a abobrinha, o açú-
cooperação técnica e fiscalização da execução car mascavo, o aipim, as alfaces crespa e roxa,
do Programa. As entidades executoras (Esta- o alho, as bananas maçã, prata e caturra, a
dos, Distrito Federal e municípios) não podem batata-doce, a beterraba, o brócoli, a cana-de-
gastar os recursos do Programa com qualquer -açúcar, a cebola, a cenoura, a couve-manteiga,
tipo de gênero alimentício e devem adquirir os a couve-flor, a laranja, o limão, o maracujá, o
alimentos definidos nos cardápios do progra- melado, o milho, o pepino, o pimentão, o repo-
ma de alimentação escolar, que são de respon- lho roxo, a tangerina, o tempero verde, os to-
sabilidade da entidade executora, elaborados mates gaúcho e cereja e a uva.
por nutricionistas, com a participação do con- Atualmente a Cooperativa atende, por meio
selho de alimentação escolar e respeitando os do PAA, os municípios de Caxias do Sul, Terra
hábitos alimentares de cada localidade, sua de Areia e Capão da Canoa fornecendo cestas
vocação agrícola e preferência por produtos de alimentos para 1.025 famílias em situação
básicos, dando prioridade, dentre esses, aos de insegurança alimentar. Por meio da Meren-
semielaborados e aos in natura (FNDE, 2011). da Escolar, a COOMAFITT atende, hoje, os
É válido enfatizar que, para o acesso a polí- municípios de Porto Alegre, Caxias do Sul, São
12
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 9-15, maio/ago. 2012
Leopoldo, Estância Velha, Capão da Canoa, mas que encontram na solução dessas ques-
Tramandaí, Imbé, Terra de Areia (como pode tões. A grande diversidade de produtos, as
ser visualizado na Figura 2, a seguir), Três diferenças climáticas entre as propriedades,
Forquilhas e Itati. os diferentes manejos adotados na produção,
a logística necessária para recolher e distri-
Figura 2 - Distribuição de alimentos da COOMAFITT buir esses produtos, os custos de manutenção
via PAA no município de Terra de Areia. Terra de Areia/
da estrutura e o envolvimento de mão de obra
RS. Agosto/2009.
necessário para a elaboração,
execução e controle desses
projetos são adversidades que
fazem parte do cotidiano dos
produtores envolvidos com a
cooperativa e o mercado insti-
tucional.
A agroindustrialização é
um dos grandes desafios da
COOMAFITT. A região onde
está localizada é tradicional-
mente produtora de deriva-
dos de cana-de-açúcar, como
o açúcar mascavo e o melado,
produtos que juntamente com
a farinha de mandioca, frutas
e hortaliças processadas, ne-
cessitariam de agroindústrias
legalizadas para serem bene-
Fonte: Emater/RS-Ascar (2009). ficiados e então comercializados via mercado
institucional.
No ano de 2011, até o mês de setembro, A legalização aparece como um dos fatores
a Cooperativa já recebeu a quantia de R$ mais críticos que afetam diretamente o fun-
97.429,85 pelas entregas realizadas via cionamento das agroindústrias familiares. As
PAA e R$ 262.355,08 referentes às entre- dificuldades iniciam no simples fato de que
gas via PNAE. muitos desses pequenos empreendimentos,
A entrega de produtos da agricultura fa- ainda que identificados com a introdução de
miliar para os programas institucionais de transformações técnicas, são baseadas em es-
aquisição de alimentos busca uma garantia tratégias dinâmicas, essencialmente familia-
de venda e de preço justo. Nesse processo, res no meio rural, o que determina que esses
surgem diversas questões que abrangem des- “donos” de agroindústrias, ao mesmo tempo
de a programação da produção (para garan- em que são obrigados a se estabelecer como
tir as entregas), a classificação dos produtos microempresários, continuam exercendo suas
(como forma de estimular a qualidade), a di- funções de agricultores familiares, dependen-
versificação (buscando ampliar o mercado), o tes de outras formas de alternativas na su-
processamento (como destino dos produtos de peração dos seus problemas, principalmente
menor valor comercial), até a certificação or- econômicos como, nesse caso, o acesso à apo-
gânica (garantia de acesso a novos mercados sentadoria rural.
e melhores preços). Visando à ampliação do espaço de comer-
Em grande parte das vezes, esses agriculto- cialização de seus produtos, determinados
res familiares deparam-se com novos proble- agricultores familiares estão transformando
13
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 9-15, maio/ago 2012
suas agroindústrias, outrora artesanais, em reconstruções desses mercados, assim como
microempresas, uma vez que passam a ser o estabelecimento de novos e seguros espaços
obrigados a possuir CNPJ, por ser imprescin- de comercialização para esses agricultores.
dível legalmente para a produção, circulação, O reconhecimento público das iniciativas
transporte e comercialização dos produtos fa- de gestão ou de produção de bens comuns pe-
bricados pelas agroindústrias. los grupos de agricultores abre novas pers-
Não contar com o CNPJ restringe o acesso pectivas. Com ele é possível fundar, a partir
desses agricultores a oportunidades de coloca- de práticas locais, por um lado, mecanismos
ção de seus produtos à disposição de consumi- de construção conjunta entre ação coletiva lo-
dores mais distantes dos mercados regionais, cal e poder público, de instrumentos de polí-
o que pode surgir como obstáculo, desencora- ticas públicas. Os apoios públicos podem pro-
jando o agricultor a seguir adiante em seu ob- duzir um efeito alavanca sobre as dinâmicas
jetivo inicial. Abre-se, portanto, uma “janela” locais, graças à concentração dos esforços e
para um debate sobre o duvidoso caminho que dos recursos que fortalecem a constituição, o
esses agricultores familiares devem percorrer funcionamento inicial e a institucionalização
ao almejar a transformação de sua empresa das dinâmicas locais ou de suas estruturas
de caráter artesanal em microempresa. Ou, portadoras, fazendo com que novas conexões
ainda, a discussão de como manter-se “arte- e redes sociais sejam constituídas (SABOU-
sanal”, já que esse é o diferencial e a identida- RIN, 2009).
de dos produtos assim obtidos, porém, com a
tranquilidade de estar cumprindo as exigên- 3 IDENTIFICANDO LIMITAÇÕES E
cias legais necessárias e sem ter de abrir mão SUPERANDO ALGUNS REVESES
do estatuto de agricultor. Um entrave às experiências de integra-
Entre passos e tropeços vinculados a essa ção da agricultura familiar com campa-
problemática, a cooperativa realizou uma nhas de segurança alimentar é o fato de
parceria com um de seus cooperados, mo- que, muitas vezes, elas acabam sendo lo-
rador do município de Itati, que possui um calizadas e descontínuas no tempo. A falta
engenho licenciado para produção de açúcar de continuidade no desenvolvimento des-
mascavo. A matéria prima vinda dos demais sas experiências por governos municipais
agricultores familiares associados é processa- e estaduais faz com que os agricultores
da, transformada em açúcar mascavo, emba- desistam dessa alternativa de mercado de
lada e rotulada com o logotipo da cooperativa um momento para o outro. Uma evidência
nessa propriedade. Essa parceria viabilizou a disto é o atraso nas renovações contratuais
inserção desse produto no mercado institucio- do Programa, que pode ocasionar a perda
nal, o qual representou 14,34% do valor total da produção ou a venda por meio de outras
do projeto da Merenda Escolar de 2010, assim vias diferentes da cooperativa.
como contribuiu para que esse cooperado au- No entanto, como lembram Schmitt e
mentasse sua fonte de renda. Guimarães (2008), a atuação desses agri-
Apesar de esses mercados serem vias mui- cultores familiares em outros circuitos de
to significativas para a reprodução econômi- comercialização, de forma a minimizar a
ca de algumas famílias vinculadas à produ- dependência em relação ao mercado insti-
ção familiar, eles ainda são pouco ampliados, tucional, é extremamente importante.
possuindo restrições com relação ao número O debate sobre a necessidade de acesso a
de agricultores envolvidos, e limitações de outros circuitos de comercialização é sem-
funcionamento, como momentos de baixa pre presente entre os sócios da cooperati-
rentabilidade, que podem fazer com que o va. Os limites de venda anual para cada
agricultor tenha consideráveis prejuízos, o agricultor é de R$ 4.500.00 e R$ 9.000,00
que evidencia a necessidade de adaptações e para o PAA e para o PNAE, respectiva-
14
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 9-15, maio/ago. 2012
mente, e a diversidade e a quantidade da neiras de contornar esses obstáculos, que
produção local são significativas, o que faz muitas vezes aparecem de maneira ines-
com que boa parte da produção individu- perada a esses agricultores, parece ser
al desses agricultores não seja absorvida justamente o que tem os impulsionado a
pela COOMAFITT e, consequentemente, construírem soluções criativas para tais
o leve a buscar outras relações comerciais, limitações.
que na maioria das vezes são firmadas com Fatores intrínsecos à identificação,
atravessadores locais que transportam os compreensão e superação de limitações
produtos desses agricultores familiares até dos Programas por esses agricultores fa-
a Central de Abastecimento do Rio Gran- miliares, como os processos de aprendiza-
de do Sul (Ceasa/RS), cobrando-lhes uma do mútuo, o estabelecimento das relações
grande quantia para tal função. Nesse pro- de reciprocidade, a construção de cone-
cesso, o agricultor tem seu produto desva- xões que levam ao reordenamento no uso
lorizado ao mesmo tempo em que perde a de recursos naturais e sociais e a forma-
autonomia na venda desses alimentos. ção de redes sociais nas transposições de
A mesma garantia conseguida no mo- fronteiras das unidades produtivas, aca-
mento da assinatura dos projetos, em que bam por incorporar diversas iniciativas
são definidos o preço e a quantidade a ser relacionadas à melhoria da qualidade de
comercializada, possibilitando aos sócios vida. Ainda não foram encontradas mui-
a organização das atividades produtivas tas das respostas e soluções aos questio-
dentro de sua propriedade, também gera namentos e às preocupações desses agri-
o debate sobre as dificuldades da adap- cultores, mas é a incansável busca por
tação dessa ferramenta de planejamento elas que nos faz crer que a COOMAFITT
nos outros circuitos de comercialização. Os parece estar criando uma nova dinâmica
agricultores que são direcionados por esses de desenvolvimento rural, mais territo-
Programas a realizarem esse planejamen- rializada e adaptada às especificidades
to de produção e entrega de alimentos pos- locais, dinâmica a qual abrange uma série
suem grande dificuldade quando se veem de iniciativas que emergem da mobiliza-
na necessidade de buscar outros mercados ção dos agricultores em favor da conquis-
mais competitivos. ta da autonomia, mas também associada
A ciência dessas dificuldades existen- a processos de geração de conhecimento e
tes e, principalmente, a busca por ma- a distintas trajetórias de construção.

REFERÊNCIAS

EMATER.RIO GRANDE DO SUL/ASCAR. Escritório PINHEIRO, P. S. Saberes, plantas e caldas: a rede socio-
Municipal de Terra de Areia. [Acervo fotográfico ins- técnica de produção agrícola de base ecológica no sul do Rio
titucional]. 2009. 1 CD-ROM. Grande do Sul. 2010. Dissertação (Mestrado) - Programa
de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural, Universida-
EMATER.RIO GRANDE DO SUL/ASCAR. Escritório de Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
Municipal de Três Forquilhas. [Acervo fotográfico
institucional]. 2011. 1 CD-ROM. SABOURIN, E. Camponeses do Brasil: entre a troca mer-
cantil e a reciprocidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2009. 336 p.
FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA
EDUCAÇÃO. Programa Nacional de Alimentação Es- SCHMITT, Claúdia Job; GUIMARÃES, Leonardo Alon-
colar. Conceito. Disponível em:< http://www.fnde. so. O mercado institucional como instrumento para o
gov.br/index.php/programas-alimentacao-escolar>. fortalecimento da agricultura familiar de base ecológi-
Acesso em: 18 de out. 2011. ca. Revista Agriculturas, v. 5, n. 2, jun., p. 7-13, 2008.

15
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 9-15, maio/ago 2012
DELÍCIAS DA PRIMAVERA
Flores comestíveis: alimento que encanta os olhos e o paladar

PEREIRA, Sonia Regina de Mello 1 contraindicação e emprestam gosto e perfume


suaves, além do visual, a muitos pratos. De ma-
A primavera é a estação do ano na qual ocorre neira geral, as flores comestíveis têm sabor suave
a renovação da folhagem de árvores e arbustos, e comprometem pouco as características dos de-
das cores e dos aromas. É o despertar, o sair para mais ingredientes. São ricas em vitaminas A e C,
a rua, os dias mais longos e o céu azul que simbo- além de minerais como ferro, cálcio e potássio, e
lizam o contato do homem com a natureza. E por pouco calóricas (100 g = 40 kcal, em média). Exis-
que não prestar mais atenção à sua alimentação e tem as flores que possuem substâncias nocivas ao
aproveitar essa época para experimentar as flores homem e por isso é importante a sua correta iden-
comestíveis? tificação, o que começa pelo seu nome botânico,
Um dos principais fatores de crescimento da passando por suas características morfológicas e,
planta é a temperatura, a energia. No seu plano em muitos casos, pela sua procedência comercial.
de desenvolvimento, a planta percebe que a ener- Muitas empresas que comercializam sementes e
gia do sistema está aumentando, e isso ativa sua mudas têm destacado essa propriedade em seus
fisiologia, sua seiva, os tecidos começam a se ex- catálogos de produtos. Pela sua duração efêmera
pandir, instigando a floração e a brotação das flo- e uso alimentar, recomendam-se flores produzi-
res, que é a estrutura reprodutora característica das em cultivo orgânico, livres de agrotóxicos. No
das plantas superiores. entanto, o melhor resultado, pelo seu frescor, é
Diversas flores são comestíveis, porém poucas obtido com aquelas que são cultivadas em casa.
são conhecidas e usadas em nossa alimentação. A Muitas delas são rústicas e podem ser cultivadas
couve-flor, o brócoli e a alcachofra são as flores em terraços onde recebam pelo menos 4 horas
mais comumente utilizadas. É importante notar de sol e regas diárias. Devem ser colhidas pela
que nem sempre se come a flor inteira. O néc- manhã, com o sol fraco, lavadas e secas rapida-
tar é uma secreção adocicada das flores que as mente, podendo ser guardadas na geladeira por,
tornam agradáveis ao paladar; já os óleos essen- em média, até 3 dias.
ciais dão aroma distinto e possuem propriedades Entretanto, algumas exigem certos cuidados,
medicinais. As flores comestíveis não apresentam como a calêndula, por exemplo, da qual são apro-
16
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 16-17, maio/ago. 2012
veitadas apenas as pétalas, pois o talo é muito rígi- REFERÊNCIAS
do. E outro detalhe importante: por serem muito ISLA.COM.BR. Disponível em:<http://
sensíveis, as flores devem ser adicionadas ao prato www.isla.com.br/media/catpro/index.
apenas na hora de servir, pois o calor do alimento html>. Acesso em: 10 jan. 2011.
as faz murchar. JOHNNYSEEDS.com. Disponível em:
A seguir relacionamos algumas das flores mais co- <http://www.johnnyseeds.com/>. Aces-
muns que podem ser cultivadas para uso alimentar. so em: 10 jan. 2011.
CLEMENTE, P.; STTEFFEN, J. Plantas
medicinais: usos populares tradicio-
nais. São Leopoldo: Instituto Anchieta-
no de Pesquisas/UNISINOS, 2010.
PEREIRA, S.R.M.; BOHRER, S.B.; URIARTT,
A.H. Alimentos da biodiversidade: re-
ceitas com plantas alimentícias não conven-
cionais. Porto Alegre, 2011. 55p.
Sites:
www.jardimdeflores.com.br
http://www.ebah.com.br/
http://www.scribd.com/doc/7082439/
Apostila-Ervas-Medicinais
http://correiogourmand.com.br/info_01_
cultura_gastronomica_01_14.htm

Receita de Salada de alface e flores

Ingredientes
200 g de tomate-cereja
1 pé de alface-roxa
1 pé de alface-romana
flores: capuchinha, borago e amor perfeito
Molho
350 g de mussarela ralada grossa
30 ml de azeite de oliva
20 ml de vinagre branco
cebolinha, sal e pimenta a gosto
5 ml de mostarda
Preparo
Rasgar as folhas da alface e dispor alterna-
damente a roxa e a romana em um reci-
piente. Misturar os ingredientes do molho
e colocar por cima, espalhando bem. Por
último, o toque especial das flores, dispon-
do suas pétalas por cima, enfeitando bem.
Servir em seguida, dispondo um pouco da
mostarda.
Rende 4 porções.

Doutora em Fitotecnia pela Universidade


1

Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),


Engenheira agrônoma, pesquisadora da Fepagro.
17
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 17-18, maio/ago. 2012
Colostro: A redescoberta de um alimento saudável,
nutritivo e com potencial probiótico.

Foto: Mara Helena Saalfeld


SAALFELD, M.H1; PEREIRA, D.I.B2.; vaca nos primeiros dias pós-parto, que é descartado
SILVEIRA, K.R.K³.; DINIZ, G.L4.; KRINGEL, D.H.5.;
ALVES, M.I.6.; GULARTE, M.A7.; LEITE, F.P.L8.
pelos agricultores. O objetivo deste trabalho foi ava-
liar a composição centesimal do colostro bovino e de-
senvolver bebida láctea e manteiga tendo como base
Resumo
a silagem de colostro verificando a viabilidade de
O panorama nutricional brasileiro evidencia que o
bactérias ácidos lácticas nestes produtos. Neste tra-
potencial nutritivo dos alimentos não é aproveitado
balho concluiu-se que o colostro é um alimento com
na sua totalidade e que muitos deles são descartados
alto valor nutricional, sendo possível a produção de
por desconhecimento e preconceitos. A utilização de
manteiga e bebida láctea da silagem de colostro. A
alimentos pouco tradicionais pode diminuir os des-
manutenção de Lactobacillus spp viáveis em quan-
perdícios, com aproveitamento e transformação em
tidades suficientes sugere que estes alimentos tem
produtos, cujo valor comercial e nutricional seja re-
potencial probiótico.
conhecido. Um exemplo disso é o leite produzido pela
1
SAALFELD, M. H. Medica Veterinária da EMATER/RS-ASCAR, Palavras-chaves: Colostro. Bovino. Nutrição
Mestre em Ciências pela Universidade Federal de Pelotas, RS,
E-mail: msaalfeld@emater.tche.br Animal. Probiótico.
2
PEREIRA, D. I. B. Médica Veterinária, Doutora em Ciências
Veterinárias pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
(2008) Professora Adjunta da Universidade Federal de Pelotas, Abstract
E-mail: danielabrayer@gmail.com The panorama shows that the Brazilian nutri-
3
SILVEIRA, K. R. K. Engenheira Agrícola Pela UNISC,
E-mail: kathleen_kruger@hotmail.com tional potential nutritional value of foods is not
4
DINIZ, G. L. Extensionista da EMATER/RS-ASCAR, Tecnóloga em tapped in its entirety and that many of them are
Agroindústria pela UERGS, E-Mail: lauricediniz@yahoo.com.br
5
KRINGEL, D. H. Acadêmica do Curso de Bacharelado de Química discarded through ignorance and prejudice. The
de Alimentos (UFPEL), E-mail: dianinikringel@hotmail.com use of some traditional foods can reduce the wa-
6
ALVES, M. I. Acadêmica em Química de Alimentos (UFPEL),
Acadêmica do Curso de Bacharelado de Química de Alimentos (UFPEL). ste, with recovery and transformation products,
7
GULARTE, M. A. Doutora em Ciência e Tecnologia Agroindustrial pela whose market value is recognized and nutrition.
Universidade Federal de Pelotas, Brasil (2005), Professor Adjunto da
Universidade Federal de Pelotas, E-mail: gularte@ufpel.edu.br
An example is the milk produced by cows during
8
LEITE, F. P. L. Médico veterinário Doutor em Veterinary Sciences the first days postpartum, which is discarded
pela University of Wisconsin - Madison, Estados Unidos(2002)
Professor Adjunto da Universidade Federal de Pelotas,
by farmers. The objective of this study was to
E-mail: fabio_leite@ufpel.edu.br evaluate the chemical composition of colostrum
18
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 18-24, maio/ago. 2012
and milk drink developing and butter based on centes ao gênero Lactobacillus spp. Não foi iden-
colostrum silage checking the viability of lactic tificado crescimento de outros micro-organismos
acid bacteria in these products. In this work it nas amostras avaliadas (SAALFELD, et al.,
was concluded that the colostrum is a food with 2012). Bactérias pertencentes ao gênero Lacto-
high nutritional value, being possible the pro- bacillus spp são fermentadoras de lactose, sen-
duction of butter and milk drink on colostrum do responsáveis por processos da fermentação e
silage. The maintenance of viable Lactobacillus usados como probióticos em alimentos para uso
spp in sufficient quantities suggests that these de humanos e animais (BURITI, 2007).
foods have the potential probiotic. O colostro é essencial para recém-nascidos,
entretanto, adultos humanos também podem se
Keywords: Colostrum. Bovine. Animal beneficiar (HE, 2001). Além de nutrientes o co-
Nutrition. Probiotic. lostro bovino contém vários componentes bioati-
vos e é uma fonte rica em fatores de crescimento
1 INTRODUÇÃO sendo comercializado como suplemento alimen-
A população mundial pode chegar em 2050 a 9 tar de saúde em vários países (PLAYFORD et
bilhões de habitantes (FAO, 2011). Assim, para al, 1999; URUAKPA, 2002). Quando Albert Sa-
que todos tenham acesso à comida, a oferta de ali- bin fez sua primeira vacina oral contra a polio-
mentos precisa aumentar nos próximos 40 anos mielite, a imunoglobulina que ele utilizou foi de
(MUTEIA, 2011). Segundo Clay (2011), isto é um colostro bovino (SABIN, 1950).
desafio assustador, visto que cerca de 70% da O “Leite Imune” produzido com colostro bovino
terra que é adequada para cultivo de alimentos, hiper-imunizado é usado para combater proble-
já está em uso ou sob alguma forma de proteção. mas gastro intestinal em humanos e a empresa
O maior impacto humano em nosso planeta vem Lifeway Foods Inc. lançou no mercado ameri-
da produção de alimentos. Em 2050 poderemos cano o Basic Plus, uma bebida a base de kefir,
precisar de três planetas Terra para atender as contendo Proventa (colostro) com componentes
demandas do nosso consumo. Precisamos urgente- imunológicos naturais (SOUZA, 2008).
mente encontrar maneiras de fazer mais com menos Em muitos países do mundo o colostro bovino
sem prejudicar a biodiversidade (CLAY, 2011). é usado na alimentação humana. Nos países es-
Um alimento importante para a alimentação candinavos durante centenas de anos era produ-
humana é o leite, sendo o consumo recomenda- zido um pudim de colostro coberto com mel para
do para todas as faixas etárias. Segundo a FAO celebrar o nascimento de herdeiros (OLIVEIRA,
(2011) em 2014 com novos consumidores oriun- 2012). Na Turquia um prato feito com colostro
dos dos países emergentes, haverá um déficit de bovino é chamado de Kelle. O colostro (avuz) é
34 bilhões de litros de leite. Apesar disso o leite colocado em uma panela sendo lentamente aque-
produzido nos quatro primeiros dias pós-parto é cida para tornar-se firme. No Cáucaso este colos-
descartado pelo produtor rural por não ter valor tro solidificado é polvilhado com açúcar sendo
comercial, embora tenha potencial para ser usado conhecido como “Gumus” (KALAFAT 2011).
na alimentação humana (SAALFELD, et al., 2012). Na Finlândia o pudim de colostro bovino é uma
Em 2008, Saalfeld desenvolveu a silagem de sobremesa tradicional, tendo sido adotado por
colostro como forma de aproveitamento do ex- muitos chefs de diferentes partes do mundo, mui-
cesso de colostro produzido nas propriedades tas vezes com pequenas variações (Godin 2011).
rurais, resolvendo problemas citados na litera- Também na Finlândia é produzido o Leipäjuus-
tura em relação à conservação, armazenamento to cheese ou juustoleipä que é um tipo de quei-
e qualidade do colostro (Foley & Otterby, 1978; jo fresco feito tradicionalmente com colostro de
Lanuza et al, 1990). Após 21 dias de fermenta- vaca. Outro produto é o queijo de colostro assado
ção a silagem de colostro mantém característi- chamado de Uunijuusto Ternimaidosta. Na
cas físicas e químicas encontradas no colostro in Noruega é produzido um Pudim de colostro de-
natura (SAALFELD, et al., 2012). As bactérias nominado kyrost, Råmelkspudding ou kalvedans
presentes na silagem de colostro após 21 dias de (dança bezerro). Além do pudim é produzido pan-
fermentação foram identificadas como perten- quecas e waffles que podem ser feitos sem o uso de
19
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 18-24, maio/ago. 2012
ovos (Anne-lise 2010). Imigran-
tes alemães descrevem o uso de
queijo de colostro denominado
Crost, feito com colostro fresco,
sal, açúcar e canela, assado em
forno aquecido.
Segundo Dalton (2012) até
pouco tempo na Nova Zelândia o
colostro não era valorizado. En-
tretanto, com o reconhecimento
do colostro como um alimento
saudável e usado por atletas ho-
mens e mulheres isto começou a
mudar. Nos últimos três anos,

Foto: Mara Helena Saalfeld


empresas de laticínios pagaram
aos agricultores um prêmio pelo
colostro em vez de penalizá-los
como era comum. Dalton (2012)
cita que um mercado de exporta-
ção de alto valor está em desen-
volvimento na Ásia e Japão para comercialização 2.2 Produção de manteiga e bebida láctea
do colostro, inclusive com preços exorbitantes.
Esta revisão demonstrou que existe possibilidade A silagem de colostro foi produzida no Cen-
de desenvolver muitos produtos à base de colos- tro de Treinamento de Agricultores da Emater/
tro. O objetivo deste trabalho foi realizar a análise RS-Ascar-Cetac, Canguçu RS conforme Saalfeld
centesimal do colostro bovino e o desenvolvimen- (2008). Após 21dias de armazenamento a sila-
to de manteiga e bebida láctea tendo como base a gem foi utilizada como base para produção de
silagem de colostro, verificando a viabilidade de manteiga e bebida láctea. A elaboração dos pro-
bactérias ácidos lácticas nestes produtos. dutos foi no CETAC e no Laboratório de Aná-
lise Sensorial de Alimentos do Centro de Ciên-
2 MATERIAL E MÉTODOS cias Químicas, Farmacêuticas e de Alimentos
(CCQFA) da UFPel Campus Capão do Leão.
2.1 Análise centesimal do colostro bovino Nas amostras de silagem de colostro utiliza-
das para elaboração dos produtos foram realiza-
O colostro foi coletado através de ordenha me- das análises de proteína (digestão de Kjeldahl,
cânica de 10 vacas das raças Jersey e Holandesa fator 6,5), pH, acidez (% m/v de ácido lático) e
em propriedades do sul do Rio Grande do Sul, umidade (% m/v) (ADOLFO LUTZ,1985).
Brasil. As amostras foram coletadas em frascos Para obtenção da manteiga a matéria gorda
estéreis (226mL), resfriadas e transportadas ao da silagem de colostro foi desestabilizada através
laboratório. As análises foram realizadas em du- da ação física do liquidificador com água gelada.
plicata segundo metodologia descrita nas Nor- Após 2 minutos ocorreu a expulsão do leitelho
mas Analíticas do Instituto Adolfo Lutz (1985). (soro e água) resultando na manteiga. Após la-
Os parâmetros avaliados foram: pH (medido em vagem e maxalagem foi realizada a salga e refri-
potenciômetro digital - DM 20), acidez (graus geração para aquisição da consistência desejada.
Dórnic), proteína (digestão de Kjeldahl, fator Para elaboração da bebida láctea a porção con-
6,5), extrato seco (determinado pelo método de tendo o soro e caseína da silagem de colostro foi
secagem em estufa à 105ºC), cinzas (determina- liquidificada por quatro minutos. Após repouso
da pelo método de incineração em forno mufla de 2 minutos a bebida foi filtrada. Para cada 500
a 550ºC), gordura (método de Gerber) e lactose ml da bebida foi acrescentado 2% de bicarbonato
(determinada pelo método de Fehling). de sódio, 4% de açúcar e 4% de polpa de morango
20
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ou para bebida sabor chocolate foi acrescentado individualidade, raça, número de parição, ração
6% de achocolatado. pré-parto, duração do período seco e tempo pós-
Uma alíquota de 10μL da manteiga e bebida lác- -parto, estando de acordo com relatos de Kehoe
tea foi semeada nos meios de cultivo: Agar sangue et al (2007). Gonzales (2001) ressaltou que o lei-
(Difco Il, USA), MacConkey (Difco Il, USA), Cha- te bovino é um fluido composto por uma série de
pmann (Difco Il, USA), incubados em aerobiose, nutrientes sintetizados na glândula mamária a
por 24 horas, a 37ºC. As amostras foram avaliadas partir de precursores derivados da alimentação
quanto ao número de células viáveis das bactérias e metabolismo, o mesmo ocorrendo com a com-
ácidos láticas totais através de diluições seriadas posição do colostro.
na base 10 em placas com meio MRS (Man, Rogosa Na tabela 1 está demonstrado que o nutriente
e Sharpe - Biobras, Brasil) incubadas em microae- com maior variação foi a proteína. No momento
rofilia em estufa a 37ºC, por 48 horas. A contagem do parto, os valores observados foram de 16,44%
das unidades formadoras de colônias foi feita atra- diminuindo para 6, 91% com 60 horas pós parto.
vés do contador de colônias, em placas que apre- Estes achados estão de acordo com pesquisas de
sentavam entre 30 e 300 ufc. Kehoe et al (2007). Segundo este autor, um dos
A bebida láctea foi avaliada antes e após a motivos da variação decrescente do percentual
adição do aromatizante e açúcar em relação a de proteínas está relacionado ao percentual de
contagem de fungos filamentosos e leveduras. imunoglobulinas que é de quase 6% no colostro
Para essa enumeração foi empregado ágar Ba- diminuindo para 0,09% no leite. Foi observado
tata Dextrose (BDA), acrescido de 0,2 mL de áci- neste estudo que à medida que transcorrem as
do tartárico (10% p/v), utilizando-se o método de horas pós-parto os nutrientes se modificam, apro-
plaqueamento em superfície, semeando-se com ximando-se a valores encontrados no leite, corro-
alça de Drigalsky, seguido de incubação a 25°C borando resultados de Kehoe et al (2007). Pode-
por 5 dias e visualizado em microscopia óptica. -se observar que o percentual de lactose aumenta
com o número de ordenhas de acordo com os es-
3 RESULTADOS e DISCUSSÃO tudos de Foley E Otterby (1978). Neste estudo os
A composição centesimal das amostras de co- percentuais de matéria seca diminuíram com o
lostro conforme o horário de coleta pós-parto, número de ordenhas pós-parto estando de acordo
apresentadas na tabela 1, evidencia que o colos- com os resultados de Gonzales (2001), este acha-
tro bovino é um alimento rico em constituintes do provavelmente está relacionado à diminuição
nutricionais e apresenta potencial para ser pes- dos percentuais de proteína. Os teores de gordu-
quisado como alimento para humanos. ra, em média 6%, não sofreram alteração até 60
horas pós parto, entretanto sabe-se que os per-
Tabela1 - Avaliação centesimal do colostro con- centuais de gordura diminuem para valores em
forme horas pós-parto torno de 3,7% em leite de vaca Holandesa, e 4,4
% em leite de vaca Jérsei, estando
relacionados à alimentação e à raça
da vaca leiteira (NEITZ, 1995). Foi
observado teores de acidez maiores
no colostro (26 a 48ºD) em relação
ao leite (13 a 17ºD). Provavelmente
esta acidez seja devido aos sólidos
não gordurosos como: albumina, ca-
seínas e fosfatos. As concentrações
de fosfatos e de caseínas são as mais
Neste estudo foram observados diferentes importantes, de maneira que a acidez será maior,
percentuais nutricionais das amostras coleta- quanto maior o conteúdo proteico do colostro.
das entre raças e entre propriedades (dados não Embora o colostro seja um alimento rico em
mostrados). Acredita-se que estas variações são constituintes importantes para alimentação e na
influenciadas pelo manejo, alimentação da vaca, saúde humana (PLAYFORD et al., 1999; URU-
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AKPA, 2002) ainda é pouco utilizado na alimen-
tação humana. Durante a pesquisa foi possível
observar a existência de preconceitos em relação
ao uso do colostro, entretanto não foi possível
identificar a origem deste preconceito. A maio-
ria das pessoas nunca consumiu colostro, mas
tem conceitos estabelecidos de que é algo que
não deve ser consumido. O uso de colostro não é
proibido, visto que muitas indústrias no mundo
utilizam o colostro na forma de leite imune.
Provavelmente os preconceitos e a proibição de
adicionar colostro ao leite que será comercializa-
do (ANVISA, 2012), leva ao senso comum de que
o colostro não pode ser usado em alimentação
humana. Entretanto esta recomendação deve-se

Foto: Vilnei Varzim


a diferença de constituição entre eles que pode
trazer problemas tecnológicos, relacionados com
a instabilidade proteica face ao tratamento tér-
mico durante a pasteurização (Behmer, 1999).
Além do potencial para utilização de colostro de alimentos para pessoas intolerantes à lacto-
in natura, neste experimento ficou demonstra- se, necessitando maiores estudos.
do que a silagem de colostro pode ser utilizada O método de obtenção da manteiga usando a
como base para produção de derivados lácteos. matéria gorda da silagem de colostro está de acor-
Conforme o MAPA (2005) bebida láctea é o do com o que determina a legislação (BRASIL,
produto onde a base láctea represente pelo me- 1996), entretanto o resultado de acidez titulável
nos 51% (cinquenta e um por cento) massa/mas- (em ácido láctico) foi de 3,24% e a umidade foi de
sa (m/m) do total de ingredientes do produto. 52,37% valores superiores ao estabelecido como
Pode também ser caracterizada como um produ- parâmetro de qualidade para manteiga de leite
to fermentado mediante a ação de cultivo de mi- de vaca que é de no máximo 16% para umidade e
crorganismos específicos, e/ou adicionado de leite 3% para a acidez segundo a Resolução nº4 de 28
fermentado e/ou outros produtos lácteos fermen- de junho de 2000 (BRASIL, 2000). Na manteiga
tados, e que não poderá ser submetido a trata- e bebida láctea não foi identificado crescimento
mento térmico após a fermentação. A contagem bacteriano nos meios Ágar sangue, MacConkey
total de bactérias lácticas viáveis deve ser no e Chapmann, indicando qualidade higiênica sa-
mínimo de 106UFC/g, no produto final, para o(s) nitária do produto, conforme estabelecido pela
cultivo(s) láctico(s) específico(s) empregado(s), Resolução nº12 de 02 de janeiro de 2001.
durante todo o prazo de validade. Saalfeld et al Nos dois alimentos foi identificado o cresci-
demonstrou em 2012 que a silagem de colostro mento de Lactobacillus spp em meio MRS. Ba-
tem quantidades de Lactobacillus spp necessá- seado nos estudos de Buriti (2007) possivelmen-
rias para sua classificação como bebida láctea e te haja possibilidade de utilizar o Lactobacillus
não possui micro-organismos patogênicos. spp da silagem de colostro como probióticos,
A Silagem de Colostro é uma bebida fermen- Após a adição de produtos para enriquecimen-
tada que apresenta nutrientes superiores ao lei- to de sabor da bebida láctea houve crescimento
te mantendo valores de proteína, matéria seca, de bolores e leveduras, havendo necessidade de
umidade e gordura observados no colostro in controle de qualidade destes aditivos.
natura, entretanto foi demonstrado que houve Na produção da bebida buscou-se preservar ca-
diminuição dos percentuais de lactose em si- racterísticas físico-químicas naturais do produto
lagem de colostro com 30 dias de fermentação. inicial, proporcionando apresentação, coloração e
(SAALFELD et al., 2012). Este fato sugere que a sabor atrativos a alimentação humana. Na ava-
silagem de colostro seja base para a formulação liação físico-química da silagem de colostro sem
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Foto: Vilnei Varzim
a gordura foram encontrados os valores de 6,36% produtos à base de colostro e silagem de colos-
a 14,45% para proteína, superiores aos encontra- tro, tanto para contagem bacteriana como para
dos no leite relatado por (Kehoe, 2007). A varia- avaliação física e química. Neste trabalho foi
ção observada entre as amostras está relacionada utilizado como parâmetro a legislação existente
ao tempo da ordenha pós-parto, individualidade, para produtos lácteos.
manejo, alimentação, duração do período seco e A pesquisa sensorial realizada com a manteiga
raça da vaca produtora. Artesanalmente, em pro- e dois sabores da bebida mostrou uma boa acei-
priedades rurais a elaboração da bebida com esta tação do produto. Percebemos que tanto a bebida
variação centesimal não é limitante, visto que a láctea de morango quanto a de chocolate seriam
mesma variação é observada no leite. Para a in- adquiridas pelas pessoas que participaram da pes-
dustrialização do produto, deverão ser estabeleci- quisa, sendo que a bebida do sabor morango teve
dos padrões nutricionais, da mesma forma como uma aprovação maior com 85,72% comparado com
acontece no leite pasteurizado. Os resultados de 82,14% do sabor chocolate (dados não mostrados).
pH foram de 3,67 a 4,27 com gosto ácido e a avalia-
ção de ácido láctico apresentou variação de 10,55 4 CONCLUSÃO
a 22,90%. Após a adição do bicarbonato, aroma- O colostro bovino é um alimento com qualidade
tizante e açúcar o pH ficou em média de 4,9 e o nutricional que apresenta percentuais de proteí-
sabor ficou agradável. nas, gorduras, cinzas e sólidos totais superiores ao
Após 21 dias de fermentação a silagem de leite, oferecendo potencialidade para ser estudado
colostro apresentou apenas Lactobacilos spp e beneficiado para uso na dieta humana. Neste
viáveis, com valores superiores ao valor médio trabalho, pode-se concluir que é possível produzir
de 106 UFC/g necessário para um produto final manteiga e bebida láctea tendo como base a sila-
de bebida láctea fermentada. Nossa avaliação é gem de colostro. A manutenção de Lactobacillus
que esta bebida pode ser utilizada como fonte de spp. viáveis em quantidades suficientes sugere que
Lactobacillus spp vivos com potencial probióti- esta bebida tem potencial probiótico. Em relação à
co. Oficinas de preparação destes produtos com legislação microbiológica para lácteos os produtos
agricultores familiares têm despertado interes- estão aptos para consumo, existindo a necessidade
se e adoção pela família rural. de regularizar a legislação de alimentos a base de
Ainda não existe legislação específica para silagem de colostro junto ao MAPA.
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Segurança e soberania alimentar - alimento
ou mercadoria? Um tema a refletir

MIRANDA, Regina da Silva 1 tos nos quais a racionalidade de mercado


estabelece nova lógica, exigindo tempos
Na modernidade, os alimentos adquirem de exposição, estoque e disposição em
características singulares que não estive- prateleiras, características de padroniza-
ram presentes ao longo de quase toda a his- ção e normatização que permitam contro-
tória da humanidade, e que se prendem ao le e rastreabilidade automatizados, defi-
objetivo principal do mercado: gerar lucros. nindo novo contexto para o planejamento
Nesse sentido, observam-se característi- da questão alimentar, em escala global.
cas distintas daquelas que predominaram Associada a isso, temos a apropriação
ao longo de milênios, em que o fundamento privada das tecnologias envolvidas na
da alimentação estava em garantir a vida produção, na transformação, nos proces-
e todas as conexões que dela derivam, con- sos de embalagem e transporte e até mes-
templando inclusive dimensões que não mo na comercialização de alimentos. Na
se ajustam às condições de mercado, como modernidade, a concentração de contro-
aquelas associadas às funções prazerosas, les privados sobre todos os passos que le-
sociabilizantes, afetivas e integradoras. vam desde a geração de novas necessida-
Esta nova realidade, imposta aos ali- des de consumo através de campanhas de
mentos por sua condição de mercadoria marketing até a distribuição de produtos
destinada a gerar lucros, determina pas- que são concebidos e produzidos por in-
sos e exige funcionalidades que contra- termédio de complexos processos de enge-
riam necessidades fundamentais comuns nharia agronômica, industrial e logística
a toda humanidade. Os alimentos, como coloca aquela função básica relacionada à
mercadorias, passam a incorporar circui- garantia da vida e suas conexões como se-
1
Nutricionista, gerente adjunta da Gerência
cundária, e transforma os indivíduos em
Técnica Estadual da Emater-RS/Ascar, consumidores de escassa ou quase nula
E-mail: regimira@emater.tche.br autonomia decisória.
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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 25-32, maio/ago. 2012
Um alimento que tem por missão gerar lu- cumprir seu objetivo, considerando ainda
cro em um processo no qual se insere como que dados os interesses de seu dono, aqueles
mercadoria terá um dono que exigirá segu- produtos são mercadorias, algo que nesse
rança quanto à realização desse objetivo. contexto passa a ser considerado “mais do
Assim, a concentração de poder e a inge- que” simplesmente alimentos.
rência sobre o conjunto de fases envolvidas Assim, os produtos são justificadamente
nos procedimentos associados à produção e manipulados, e têm sua bioquímica reconfi-
distribuição, ao envolverem todo o espectro gurada considerando essa lógica. Em conse-
de tecnologias associadas, destinam-se a as- quência, todas as fases da cadeia produtiva
segurar a lucratividade, atendendo aos inte- adotam procedimentos coerentes, buscando
resses daquele dono que, seguramente, nem ampliar a lucratividade final e por esse mo-
sempre terá preocupações coincidentes com tivo passam a orientar a produção utilizando
os interesses dos consumidores. os instrumentos disponíveis, seja com adição
Desde a perspectiva dos controladores de agrotóxicos, seja interferindo na base gené-
desse processo, os alimentos não podem tica, ou incorporando aditivos que interferem
ficar à mercê de fenômenos naturais, pois no transporte, na industrialização, no proces-
o mercado exige constância de oferta inde- so de embalagem e nas características das
pendentemente dos eventos climáticos, das próprias embalagens.
vocações produtivas dos diversos biomas, Com isso, reduz-se a diversidade oferta-
da sazonalidade e mesmo dos ciclos bioló- da, ao mesmo tempo em que se padronizam
gicos. Por isso, é do interesse dos mercados modelos de cadeias produtivas, engessando
ampliar o controle sobre os processos natu- a criatividade e a variabilidade de oferta e
rais. Como condições adicionais, os gestores mesmo de itens historicamente associados à
de mercados também devem garantir pro- alimentação e às características das culturas
dutos cujo tempo de exposição em pratelei- alimentares estabelecidas de forma ajustada
ra mostre-se suficiente para sua comercia- aos diferentes biomas.
lização, considerando os mecanismos e as Acelera-se e amplia-se a oferta de alimen-
possibilidades de conservação. tos processados, enfatizando que sua ne-
Nesse sentido, quanto maior o tempo de cessidade é crescente, que os controles são
vida útil nas gôndolas de supermercados, adequados e que os produtos são, fundamen-
maior a chance de um alimento-mercadoria talmente, mais baratos, afirmando que essa

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é a principal motivação do progresso, no se- a serem consideradas, pois os componen-
tor alimentar. tes adicionados também incorporam efeitos
Dessa forma, os itens industrializados são inesperados e ainda pouco conhecidos para
planejados e manipulados através de proce- a saúde humana. Seria ingenuidade pensar
dimentos que permitem ampliar ao máximo o que aqueles elementos não interferem tam-
controle sobre a atividade enzimática, função bém na bioquímica digestiva e na realização
natural que dita o tempo hábil para o consu- das funções nutritivas como um todo, quan-
mo de qualquer alimento. Para dominar essa do ingeridos pelos consumidores. As ativida-
função natural, os alimentos-mercadorias re- des biológicas daqueles redutores de funções
cebem cargas planejadas de componentes que metabólicas, bem como dos outros elemen-
lhes são alheios e que atuam no sentido de es- tos estranhos à biologia dos alimentos, não
tabilizá-la ou mesmo desativá-la, alterando o se restringem somente aos produtos em si,
ciclo de vida que determina sua utilidade para repercutindo nos corpos dos seres que conso-
o consumo humano. mem aquelas mercadorias.
Isso se dá em respeito a características Nessa perspectiva, é possível afirmar que
da mercadoria que contrariam as condições tanto os agrotóxicos como os conservantes e
fundamentais do alimento, pois quanto mais todo um leque de componentes químicos e al-
inativo na sua função metabólica, tanto me- terações biológicas adicionados nos produtos
nos nutritivo ele será. A contradição entre industrializados constituem no mínimo in-
os interesses do dono, expresso na busca do cógnitas alimentares.
lucro, e as necessidades do cidadão consumi- Irônico é perceber que ao mesmo tempo
dor, expressas na qualidade do alimento, não em que a indústria de alimentos trabalha na
é considerada pelos instrumentos de contro- contramão da atividade biológica, ela busca
le como merecedora de maior cautela, a pon- reconfigurar esse mesmo produto, libertan-
to de que a essência da nutrição metabólica, do-o de seus atributos originais, como a cor,
que decorre das trocas enzimáticas, torna-se o sabor, a consistência, o cheiro e o paladar.
irrelevante aos processos de manipulação Então, adicionando aromatizantes, edulco-
com vistas ao mercado. rantes, corantes, estabilizantes, saborizantes
Ora, um alimento reduzido em sua função etc, pretende-se criar novos produtos, que são
metabólica é, sem dúvida, menos nutriti- apresentados como similares aos originais,
vo. Mas essa é apenas uma das dimensões porém “melhores”, porque são artificialmente

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mais duráveis, mais bonitos, mais resistentes carbono simples) colorido, aromatizado e sabo-
ao transporte ou mais perfumados. Trata-se, rizado artificialmente, acrescido de sal de cozi-
claramente, de condições que atendem ao in- nha (cloreto de sódio) em excesso, adicionado
teresse dos negócios e justificam preocupações de um outro sal que provoca ingestão ilimitada
e temores dos consumidores, pois não conhe- (glutamato-monossádico), evidentemente será
cemos as consequências daquelas transforma- necessária uma contraordem biológica. Qual o
ções sobre as funções orgânicas dos indivíduos reflexo dessas contradições, em situações con-
que vierem a ingerir os produtos modificados. tinuadas? Não temos resposta.
Bom lembrar que essas funções orgânicas
sensoriais receptoras de cor, sabor, cheiro e “Isso é mercadoria, não é alimento.”
consistência são a base das trocas nutriti- “Uma base tecnológica intolerante com
vas. Nossos sentidos captam esses estímu- o princípio da precaução: quem quer ter
los externos e os transformam em respostas lucros tem pressa”.
metabólicas internas, preparando-nos para
receber determinados princípios nutritivos Podemos refletir que o fato de uma matriz
dos alimentos e transformá-los em nutrição tecnológica possibilitar o aumento no volume de
celular. Como as condições naturais e seus produção de um alimento, e manipulando sua
reflexos biológicos são afetados quando os es- condição natural, expandir sua vida útil de for-
tímulos são falsos? Não temos respostas para ma a provocar barateamento, não valida o pres-
essa pergunta. suposto de que aquele alimento corresponda a
Entretanto, sabemos que se aquilo que tem um veículo de segurança alimentar. Conside-
sabor de queijo não é queijo (proteína de ori- rando que a base bioquímica alimentar é alte-
gem animal, qualificada com vitamina A e rada pela adição de substâncias de natureza no
ácidos graxos essenciais), o organismo defla- mínimo duvidosa para a saúde humana, e que
grará processos para desdobrar um produto, seus princípios nutritivos podem estar diminu-
liberando enzimas ajustadas ao mesmo, mas ídos ou mesmo indisponíveis, podemos dizer,
talvez inadequadas para outras atividades, contrariando aquele pressuposto, que se dá o
necessárias na medida em que o organismo es- contrário: uma matriz tecnológica que expande
pera queijo, mas se deparará com algo diferen- a oferta e reduz os preços transformando a con-
te. Se, ao invés de queijo, o metabolismo tenha dição biológica do alimento corresponde, na ver-
que lidar com processados de milho (hidrato de dade, a uma proposta tecnológica insegura.

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Ainda há que considerar o fato de que a sim- comprometem a segurança biológica, essas
ples disponibilização de acesso amplo a ali- ameaças também alcançam a base genética
mentos de baixo valor nutritivo, impondo um dos principais grãos de consumo humano.
padrão alimentar precário, monótono do pon- Na prática, os processos de patenteamento
to de vista da qualidade dos alimentos, revela genético reforçam essa tendência de transfor-
presença de uma base produtiva geradora mação dos alimentos em mercadorias, negan-
de insegurança alimentar. do o direito de controle, dos povos, sobre as
Já uma reflexão mais ampla, no nível inter- sementes em que se baseiam suas próprias
nacional, mostra que os códigos de conduta, culturas. Forçando uma uniformização que
a normatização, a padronização e os regra- contraria a trajetória histórica dos diferentes
mentos a que se subordinam a produção e a grupos sociais, nas várias regiões do planeta,
comercialização dos alimentos (Codex, OMC esse modelo que constrange as possibilidades
etc.) são motivados antes pelas garantias de de autonomia e desenvolvimento autogerido
controle e reserva de mercado, do que pela para grandes massas populacionais é impul-
promoção do direito humano à alimen- sionado por (e reforça) as tendências de con-
tação adequada e saudável. Essas ferra- centração de capital, impactando sobre as
mentas constituem-se mais em armadilhas regulamentações e acordos internacionais.
que interferem sobre a liberdade de autode- Repete-se, dessa forma, no plano dos direitos
terminação dos povos, com relação a sua pro- internacionais o que já ocorre no contexto das
dução e ao abastecimento de alimentos, do possibilidades de acesso à terra e aos demais
que contribuem para a promoção da sobera- meios de produção, reduzindo mais ainda as
nia alimentar, conforme se autoatribuem. perspectivas de garantia de alimentos sadios,
Os mecanismos internacionais de regulamen- como direito humano universal.
tação, na medida em que focalizam apenas Portanto, as relações entre o modo moderno
a sanidade biológica considerada a partir de de alimentação e os problemas de saúde emer-
aspectos de higiene e atribuem pouco valor à gentes não são irrelevantes nem aleatórias.
efetiva qualificação dos alimentos, permitem Este é um fenômeno complexo: “a emergên-
ameaças ao desenvolvimento humano. Con- cia do comportamento alimentar moderno”
substanciadas na erosão do potencial nutri- que conjuga o uso de agrotóxicos e dos demais
cional dos alimentos e traduzidas pelo uso aditivos aos alimentos, desde sua produção
generalizado de ingredientes e processos que até o consumo, incluído o estilo de embalagens

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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 25-32, maio/ago. 2012
que fazem trocas bioquímicas inseguras com envolve sua produção e distribuição, orien-
os alimentos (plásticos), somado ao padrão tou os equipamentos sociais de acesso dos
comportamental imposto pela mídia alimen- mesmos e as informações de amplo alcance
tar que amplia a oferta de alimentos indus- das massas, dessa forma redefiniu uma nova
trializados e a crescente onda apelativa de relação ser humano-alimento, redefiniu o
acesso a redes altamente capitalizadas de es- próprio perfil daquele que vai se alimentar,
tabelecimentos alimentares do tipo fast food, redefiniu o ser humano.
ambos cada vez mais baratos. Ainda esses ali- O novo usuário do alimento tem uma única
mentos caracterizam-se pela alta concentra- função, estritamente de consumo, impesso-
ção de sal, de gorduras de baixa qualidade e/ al, desprovida de saberes e afetos sob a qual,
ou açúcar. Alia-se a isso um estilo de vida no nessa nova relação, não tem poder nem auto-
qual o tempo para a produção do alimento no nomia, contrariando conquistas cumulativas
domicílio é escasso e a atividade física é di- que a humanidade havia galgado tradicional-
minuída ou nula. Tudo isso junto não é uma mente. O único poder que necessariamente
simples soma e sim um fenômeno que se po- deve ter é o de compra.
tencializa em escala geométrica produzindo, Já existem comprovações da repercussão
inegavelmente, mudanças nos corpos moder- desse modelo na saúde humana, que articu-
nos. Não seria diferente, pois o genoma huma- la a composição insegura dos alimentos, bai-
no é um resultado ancestral das trocas entre xa realização de atividade física, estresse e o
o ser e a natureza, a mais de 50.000 anos, na comportamento alimentar inadequado, o dito
busca de sua sobrevivência, em que a alimen- “estilo de vida moderno”. A carcinogênese, a
tação, beber água, a respiração e a atividade depressão, as deficiências de micronutrientes,
física desempenharam função primordial. o crescimento de doenças crônico-degenerati-
Ora, na modernidade alimentar nossos corpos vas, a prevalência da obesidade, os desvios no
continuam receptando os estímulos e emitin- comportamento alimentar, a hipoespermia e
do respostas, reagindo e agindo com relação, e outras conexões inquietantes são somente as
esses padrões são imposto pelo ambiente. primeiras respostas do organismo humano a
Ainda para refletirmos: esse modelo pro- tantas mudanças em tão pouco tempo. O que
dutivo reorientou a qualidade do alimento, mais nos aguarda?
restringiu sua variedade, padronizou, con- Mesmo que haja recomendações dos Mi-
centrou e globalizou toda a tecnologia que nistérios da Saúde e da Agricultura para

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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 25-32, maio/ago. 2012
os níveis aceitáveis de utilização de resídu- aditivos por si só não são alimentos e nem
os, é preocupante o fato óbvio de que uma mesmo suplementos, pois nosso corpo não os
mesma pessoa consome quantidade variada recebe como tal. São remédios, drogas, estimu-
de alimentos com diferentes cargas desses lantes, e é assim que nosso organismo os per-
aditivos, em um mesmo dia, e que esses ali- cebe. Logo o resultado da ingestão daqueles
mentos ainda podem interagir com consequ- suplementos não é coerente com o prometido.
ências desconhecidas. Aqueles produtos não suprirão lacunas nutri-
Também é interessante observar que a cionais abertas pelos alimentos da moder-
própria indústria de alimentos reconhece o nidade. Alguns daqueles aditivos, ao contrá-
fato de que os processados resultam desqua- rio, vêm se constituindo como agentes tóxicos,
lificados do ponto de vista nutricional, e que a exemplo dos suplementos de vitaminas A e
o impacto é tão relevante que, quanto mais E encapsuladas. Como nosso organismo não
processado, menor será o valor nutritivo de consegue excretar os excessos imprevisíveis
qualquer alimento. daquelas megadoses, as conexões metabólicas
Então, para recuperar o prejuízo, essa mes- deflagradas interferem em diversos sistemas,
ma indústria propõe suplementos alimentares resultando em problemas.
para corrigir perdas nutricionais, vitaminas, Esses suplementos também são mercado-
sais minerais, cápsulas de alho, cápsulas de rias prontas para serem consumidas e gera-
berinjela, antioxidantes, combatentes de ra- rem lucros, sem preocupações com garantias
dicais livres etc. Mais uma vez Frankens- de segurança relativamente a seus resulta-
tein alimentares. dos nutricionais.
A questão fundamental é que na biodinâ- Muito embora, os investimentos em pesqui-
mica orgânica os alimentos agem em conexão sas nessa área mostrem-se escassos, tímidos
com o microecossistema alimentar e metabóli- e inconstantes, devido à relevância do assun-
co. Funcionam em sinergismo com outros nu- to, é possível afirmar que eles já apontam a
trientes, a biota própria, em dadas condições urgência de cautela e de maior conhecimento
de temperatura e pressão, em um determina- sobre esses produtos e suas atividades no or-
do pH, em uma dada consistência, combinados ganismo humano. Entretanto, a maior parte
com determinados pigmentos, tudo somado a dos investimentos aplicados na geração de
uma ação digestiva alimentar singular por ela informações sobre esse assunto provém da
desencadeada. Portanto cápsulas e demais iniciativa privada, sendo direcionados para a

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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 25-32, maio/ago. 2012
validação do modelo tecnológico atual. Essas Elas aparentemente não se propõem a ga-
pesquisas focalizam principalmente a combi- rantir segurança e soberania alimentar dos
nação dos aditivos e os alimentos, e atribuem povos, em perspectiva de longo prazo. Em re-
pouca atenção a suas repercussões para saúde alidade, aqueles mecanismos e instrumentos
dos corpos vivos. vêm se constituindo em elemento de bloqueio
É verdadeiramente um grande atrevimento à livre determinação dos povos quanto à so-
“científico” sustentar a hipótese de que pode- berania alimentar.
mos produzir algo mais perfeito que o ato de se É urgente estabelecermos instâncias para
alimentar, acreditando que em menos de 200 defesa organizada de interesses da humanida-
anos poderemos reformar (e paradoxalmente, de, que vem sendo desprezados nesse processo
para pior) toda uma base genético-metabólica globalizado de mercantilização dos alimentos.
construída há mais de 50.000 anos. A necessidade atual exige a fundação de uma
Existem outras possibilidades, caminhos nova ética, que se imponha e modifique a atu-
diferentes, metodologias investigatórias al lógica de produção de alimentos, redefinin-
pautadas no princípio da observação de evi- do seus objetivos e bases tecnológicas, desde
dências do ato de alimentar-se, que é histori- a produção, industrialização e abastecimento
camente construído, observar suas conexões até a distribuição e consumo.
sociais, ambientais e emocionais que ainda Há necessidade de todo um complexo
estão por serem decodificadas. Acaso não é novo, que seja facilitador da emergência
suficientemente intrigante do ponto de vista de novos sistemas agroalimentares. Eles
científico a diversidade de comportamentos devem ser centrados na soberania e na se-
alimentares estratégicos em diferentes par- gurança alimentar, tendo como princípio a
tes do planeta? Suas relações com a dispo- garantia dos direitos humanos no campo da
nibilidade local de alimentos? As conexões alimentação, que deve ser necessariamente
fisiológicas que dela derivam? adequada e saudável.
Há atitudes alimentares, observadas em Carecemos de modelos de produção e consumo
comunidades tradicionais, que são verdadei- comprometidos com a sustentabilidade ambien-
ros comportamentos gastronômicos de resis- tal, pautados pela justiça social, valorizadores
tência, isso ainda está por ser revelado, tan- da diversidade social, cultural e étnica. Funda-
to em seus aspectos antropológicos e sociais mentalmente isso só será possível com redis-
quanto no seu correspondente nutricional e tribuição da terra, dos meios necessários para
metabólico. Construir uma nova ética inves- a produção e com investimentos financeiros e
tigativa baseada na lógica do respeito aos di- técnicos que priorizem as pequenas agricultoras
reitos humanos e no pleno desenvolvimento e possibilitem a inclusão produtiva e, da mesma
das potencialidades fisiológicas, anatômicas e forma, com outros segmentos de pequeno porte,
funcionais para que, assim, reordenemos nos- envolvendo redes e cadeias de agroindústrias e
so capital biológico, social, ambiental e cultu- de varejo, articulando esses elementos a proces-
ral no sentido de propiciar o pleno desenvol- sos de organização dos destinatários finais, em
vimento físico, social, emocional e espiritual cooperativas e mercados de consumo solidário.
do ser humano, conforme propõe a Organi- Finalmente, outro desafio é o de construir, de
zação Mundial de Saúde (OMS) quando forma dialógica, a qualificação dos indivíduos
conceitua SAÚDE. para o consumo consciente e ético de alimentos
As convenções internacionais relacionadas saudáveis e adequados.
ao modelo de conduta de sanidade alimen-
tar, bem como as regras de comercialização,
A autora agradece a contribuição do enge-
funcionam mais como mediadoras de gran-
nheiro agrônomo Leonardo Melgarejo na com-
des interesses no macrossistema do que pro-
posição deste ensaio.
priamente como defensoras da humanidade.
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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 25-32, maio/ago. 2012
Mapa dos conflitos ambientais: um pouco das
contradições socioambientais em Minas Gerais

VASCONCELOS, Anna 1, LOPES, Helena 2, perspectiva, como uma ferramenta crítica do


CARNEIRO, Eder 3 modelo de acumulação capitalista, utilizan-
do cartografia participativa, realização de
Resumo oficinas com atingidos e visitas a lugares de
Diante de valores voltados a padrões consu- possíveis conflitos.
mistas, desigualdades sociais e “crise am-
biental”, na qual florestas dão lugar à de- Palavras-chaves: Injustiça Ambiental.
gradação ambiental, é necessário repensar Mapa dos Conflitos Ambientais. Oficina.
os modos de produção em todos os sentidos.
Elaborar e executar trabalhos que visem à Abstract
compreensão da natureza como campo de Facing values related to consumerist pat-
disputa, que fortaleçam a relação entre as terns, social inequality, “environmental cri-
pessoas através de ações coletivas, é uma sis”, in which forests are replaced by environ-
maneira de gerar ideias alternativas que ment degradation, it is necessary to think over
busquem a proteção da natureza e a qualida- the ways of production in all senses. Prepare
de de vida da sociedade. O Mapa dos Confli- and execute works that aim the understan-
tos Ambientais de Minas Gerais surge, nessa ding nature as a field of dispute, that streng-
1
Graduanda em Ciências Biológicas na Universidade thens the relation between people, through
Federal de São João del-Rei. Rua Benedito L. Agostini, collective actions, is one way to generate al-
383, Jardim América, São João del-Rei, CEP: 36301-832, ternatives ideas that aim the protection of the
E-Mail: barcelosannacarolina@yahoo.com.
nature and quality of life of society. Environ-
2
Graduanda em Ciências Biológicas na Universidade
Federal de São João del-Rei. Rua Bezamate de Souza, 22, mental Conflicts Map of Minas Gerais arises,
Dom Bosco, São João del-Rei, CEP 36301-032, in that perspective, as a way critical tool of
E-Mail: helenalopes771@hotmail.com. model of capitalist accumulation, using par-
3
Professor de Sociologia da Universidade Federal de ticipatory cartography, making workshops
São João del-Rei. Rua Doutor Vicente Albergaria, 62 - A.
Segredo, São João del-Rei, CEP 36307-376, with reached people and visits to places of
E-Mail: eder@ufsj.edu.br. possible conflicts.
33
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 33-37, maio/ago. 2012
Keywords: Environmental Injustice. o histórico da evidenciação pública do confli-
Environmental Conflicts Map. Workshops. to, as condições de organização e estratégias
mobilizadas pelos atores envolvidos. Para
1 INTRODUÇÃO tanto, foram previstas e executadas as se-
O Mapa de Conflitos Ambientais no Estado guintes tarefas:
de Minas Gerais resultou de extensa pesquisa
desenvolvida pelo Núcleo de Investigações em a) pesquisa preliminar em arquivos das
Justiça Ambiental (Ninja) da Universidade atas das reuniões das Câmaras Técnicas do
Federal de São João del-Rei (UFSJ), em par- Conselho de Política Ambiental para uma
ceria com a Universidade Federal de Minas triagem inicial de indicativos de conflito
Gerais (UFMG), pesquisadores da Universi- ambiental, realizada pela equipe da UFMG.
dade Estadual de Montes Claros (Unimontes) A partir dessa pesquisa, elaboramos um re-
e da Universidade Federal de Viçosa (UFV). O latório analítico dos casos relativos às me-
mapa é uma ferramenta que auxilia compre- sorregiões Campo das Vertentes e Zona da
ender onde estão e como acontecem situações Mata. Esse relatório serviu como um dos
de injustiça ambiental no Estado de Minas conjuntos de diretrizes que orientaram a
Gerais e as tensões por ela produzidas. Nes- pesquisa de campo;
sas situações, estratos sociais mais carentes
são obrigados a arcar com grande parte dos b) pesquisa em arquivos institucionais
problemas ambientais resultantes do modelo do Ministério Público Estadual e das Su-
de acumulação vigente. Trata-se, entre ou- perintendências Regionais do Conselho de
tras, de pessoas de baixa renda que habitam Política Ambiental. A análise da documen-
“áreas de risco”, como encostas, regiões próxi- tação permitiu a identificação dos casos de
mas a lixões e indústrias poluentes. denúncia que tiveram encaminhamento
Uma das características mais importantes jurídico, sob a forma de ações judiciais e
deste trabalho é a maneira pela qual o mapa procedimentos administrativos. Os dados
foi construído, isto é, a cartografia participa- provenientes da pesquisa foram organiza-
tiva, a qual garante que os atores do próprio dos em fichas específicas contendo: caracte-
conflito possam mapear sua história. Essa rização das condições técnicas do risco; des-
participação dos atingidos foi possibilitada crição das condições socioeconômicas das
por visitas feitas pelos pesquisadores às cida- populações afetadas; histórico da eviden-
des mineiras e pela realização de oficinas com ciação pública do evento; identificação dos
os movimentos sociais envolvidos em conflitos atores envolvidos; descrição das condições
ambientais em cada mesorregião pesquisada. de organização/mobilização e das estraté-
gias articuladas por esses atores;
2 DESENVOLVIMENTO
A composição do Mapa dos Conflitos Am- c) consultas aos movimentos sociais e às
bientais de Minas Gerais baseia-se na rea- entidades da sociedade civil, de forma que
lização de um amplo levantamento sobre se pudesse proceder à identificação dos ca-
situações e processos em que o uso desigual sos em que houve risco ou dano ambiental,
do ambiente e dos territórios enseja a orga- mesmo sem um encaminhamento jurídico,
nização de formas distintas de expressão e mas que apresentam sinais de mobilização
resistência. O objetivo central da pesquisa política efetuada pelas populações afetadas.
é proceder ao registro e à classificação dos Essas consultas foram feitas por meio de
casos identificados, sistematizando-os sob a oficinas, realizadas junto aos movimentos
forma de fichas que contenham informações sociais para a construção do mapa social dos
sobre as condições técnicas da ocorrência de conflitos, o qual visa a contribuir para o em-
risco, a caracterização da população afetada, poderamento e para a capacitação político-
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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 33-37, maio/ago. 2012
-participativa dos grupos que se mobilizam ção material e simbólica dos territórios e suas
em função da defesa de seus territórios; condições naturais. Então, quando se fala de
conflitos ambientais, trata-se, em grande par-
d) visitas às localidades onde foram iden- te, de ações de contestação e resistência pro-
tificados casos de conflito e realização de tagonizadas por grupos sociais subalternos,
entrevistas qualitativas junto aos atores tais como proprietários de pequenas exten-
locais. sões de terra ou residentes em áreas perifé-
ricas urbanas.
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES Dessa forma, o Mapa dos Conflitos Ambien-
No Brasil, a década de 1960 caracteriza-se tais de Minas Gerais possibilita conhecer os
pelo processo de modernização da agricultura conflitos presentes no Estado de Minas Ge-
e da pecuária. O modelo incorporado intensa- rais, de uma forma que garanta a participa-
mente foi o químico-mecânico, marcado pelo ção das comunidades, para que os atingidos
uso de fertilizantes contendo nitrogênio, fós- possam relatar suas histórias e lutas. A cons-
foro e potássio, e pelo uso de máquinas em trução participativa aconteceu através de
substituição à mão de obra. Como consequên- oficinas com os movimentos sociais em cada
cia, esse processo de expansão gerou também mesorregião do Estado. Esses espaços contri-
vários tipos de conflitos ambientais, já que os buíram para trocas de informações entre pes-
recursos naturais foram utilizados de acordo soas distintas que, muitas vezes, enfrentam
com os interesses econômicos dominantes e os as mesmas injustiças. O trabalho encontra-
danos ambientais do desenvolvimento foram -se disponível na Internet, com livre acesso
transferidos às populações de baixa renda, (http://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br),
marginais e vulneráveis (ACSELRAD, 2004). para que o mapa funcione como uma ferra-
Designamos conflitos ambientais os conflitos menta de transformação da realidade, de
que opõem atores sociais que, em condições acumulação de experiências e valorização da
assimétricas de poder, lutam pela apropria- cultura popular.
Figura 1 - Mapa dos Conflitos Ambientais de Minas Gerais

Fonte: MAPA DOS CONFLITOS AMBIENTAIS DE MINAS GERAIS (2012).


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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 33-37, maio/ago. 2012
Muitos casos pesquisados relacionam-se a disso, argumenta, os agrotóxicos agridem o
conflitos envolvendo áreas rurais. Moradores meio ambiente e provocam desequilíbrios eco-
do campo, tribos indígenas e quilombolas são lógicos, já que o veneno utilizado para elimi-
os principais atingidos, devido à expansão nar as pragas acaba eliminando também os
da fronteira agrícola, quase exclusivamente inimigos naturais das mesmas, fazendo com
por meio de monoculturas, como o eucalipto, que, para sobreviver, a planta dependa cada
e também enfrentam o avanço da mineração vez mais dos produtos químicos, aumentan-
e da chegada de usinas hidrelétricas. Essas do, com isso, também o custo de produção.
mudanças no cenário do campo representam Na mesma oficina, o presidente do Sindica-
a consolidação de um modelo que não garante to dos Trabalhadores Rurais (STR) de Muriaé
o bem-estar das populações locais e seu meio relata um conflito relacionado às atividades
ambiente, pois, além de destruir casas, cida- de mineração das empresas Companhia Bra-
des e florestas inteiras, acabam com as re- sileira de Alumínio (CBA), do Grupo Votoran-
lações culturais e simbólicas que as pessoas tim, e Mineração Rio Pomba. Segundo o entre-
cultivam durante gerações. Nota-se que esse vistado, muitos proprietários estão vendendo
tipo de apropriação dos recursos naturais não suas terras, por medo de que elas se desvalo-
se preocupa com a complexa rede de intera- rizem em razão da degradação ambiental pro-
ções que constitui qualquer sistema social. O vocada pelas mineradoras. Em contraposição,
uso expansivo e intensivo das condições na- o sindicato tem procurado desenvolver proje-
turais em busca de resultados imediatos não tos de agricultura familiar como alternativa
se importa em preservar, manter a saúde e o ao emprego nas minerações e ao êxodo rural.
equilíbrio ecológico do solo e garantir a justiça Outro caso de conflito envolve o movimento
no acesso a práticas sustentáveis (ZAMBER- de resistência à expansão do cultivo de euca-
LAM; FRONCHETI, 2007). lipto no Vale do Jequitinhonha. Na década de
Serão aqui apresentados alguns dos casos 1970, o eucalipto passou a ocupar “cerca de
de conflitos ambientais de Minas Gerais. Na 126 mil hectares das terras antes ocupadas
mesorregião Zona da Mata, nos municípios de por quilombolas, indígenas e pequenos agri-
Acaiaca, Divino, Espera Feliz, Lajinha e Ma- cultores” (Processo de aperfeiçoamento e di-
nhuaçu, foi identificado um caso de intoxica- álogo, 2009: 17). No município de Capelinha
ção por agrotóxicos. Alguns fatores específicos as pessoas enfrentaram diversos conflitos re-
da região contribuem para o uso intensivo de lacionados à monocultura de eucalipto. Um
agrotóxicos na cafeicultura, além, é claro, da deles refere-se à grande extensão de terra
necessidade objetiva de aumento contínuo da que foi destinada para o plantio do eucalipto
produtividade e de diminuição do tempo de pela empresa atualmente designada, Arcelor
rotação do capital, imperativos intrínsecos às Mittal. Essas terras que antes eram utiliza-
relações de produção capitalistas. Na oficina das pelos moradores da área para extração de
“Cidadania e Justiça Ambiental Microrregião lenha, pequenos plantios e coletas de frutos
Zona da Mata”, o tema dos agrotóxicos foi típicos como a mangaba e a cagaita foram
trazido ao debate pelo representante da Fe- transformadas em grandes desertos de euca-
deração dos Trabalhadores Rurais de Minas lipto, ocasionando também a extinção de lago-
Gerais (Fetae/MG), Regional Leste, sediada as naturais e o assoreamento. Segue o relato
em Manhuaçu. Em entrevista, o depoente diz de uma moradora do município:
que, devido à necessidade de aumento con-
tínuo da produtividade, os agricultores vêm Antes nós plantava era meio de agosto. Em
utilizando cada vez mais agrotóxicos em suas setembro a terra já tava preparada. Hoje
lavouras, sem levar em conta os riscos que nós planta só a partir de janeiro. Não tem
podem causar à saúde humana, dos agricul- mais água pra criação. O plantio de cana
não sai mais. Acabou a umidade da terra,
tores e de quem consome os alimentos. Além
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parece que a terra morreu. Não sei o que e são prejudiciais ao ser humano) estão loca-
é que ta acontecendo... só a tecnologia pra lizados nas áreas periféricas das cidades, ge-
poder ta dizendo pra gente. (Representante ralmente abandonadas pelo poder público. De
do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de outro lado, há a consolidação de um sistema de
Capelinha). produção baseado na exploração humana e da
natureza, sistema este que se desenvolve con-
4 CONCLUSÕES tra a cidadania e a justiça.
O Mapa dos Conflitos Ambientais de Minas Dessa forma, a partir da investigação e da
Gerais traz uma representação da distribuição compreensão de como acontecem esses confli-
de casos de injustiça ambiental e dos conflitos tos e como se distribuem as injustiças ambien-
resultantes. É possível perceber que o con- tais, o mapa busca colaborar na construção de
ceito de justiça ambiental rompe com a ideia alternativas e políticas públicas para a recupe-
primeira dos movimentos ambientais, de um ração de áreas degradadas e na utilização de
ambiente homogêneo e quantitativo, à medida práticas que garantam alimentos saudáveis,
que retrata a heterogeneidade das formas de acesso à terra, preservação da diversidade na-
apropriação material simbólica das condições tural e cultural.
naturais e remete a ações que visam a uma dis-
tribuição equitativa do acesso aos territórios e 4
Em Barbacena, há numerosos casos de intoxicação
condições naturais (ACSELRAD, 2004). de trabalhadores relacionados aos grandes monoculti-
A consolidação de inúmeras injustiças am- vos de rosas para exportação. Destacam-se, nesse as-
pecto, as ocorrências envolvendo a multinacional alemã
bientais faz reconhecer claramente a natureza
de plantio e exportação de rosas denominada Brasil
como um objeto de disputa subordinada à lógi- Flowers, que, em 1995, após quinze anos de atividades
ca do mercado capitalista. De um lado, popula- em Barbacena, decretou falência, deixando mais de 500
ções marginalizadas arcam com a distribuição trabalhadores sem indenização. O atual presidente da
desigual e o mau uso do meio ambiente, sendo Comissão de Segurança Ambiental e Saúde do Campo
das Vertentes estima que “cerca de 85% dos trabalha-
expostas a produtos contaminantes, tanto no dores rurais de Barbacena estavam com algum tipo de
trabalho 4 quanto em casa, já que os depósitos contaminação”. Disponível em: http://conflitosambien-
dessas substâncias (que poluem a água, o solo taismg.lcc.ufmg.br.

REFERÊNCIAS

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Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2004. GERAIS. Disponível em: <http://conflitosambientais-
mg.lcc.ufmg.br>. Acesso em: 2 mar. 2012.
CAPRA, F. A teia da vida: uma nova compreensão
científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1996. MARICATO, E. Brasil, cidades: alternativas para a
crise urbana. Petrópolis: Vozes, 2008.
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bientais no Estado de Minas Gerais - etapa 3: O IMPACTO dos grandes projetos e a violação dos
mesorregiões Zona da Mata e Campo das Vertentes. Dhesca: estudos de caso PAD Brasil. Rio de Janeiro:
Relatório Final de Pesquisa enviado à Fundação de PAD, 2009. Disponível em: <http://www.fase.org.
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pemig) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento vro-%20O%20Impacto%20dos%20Grandes%20
Tecnológico (CNPq). São João del-Rei, 2010. Projetos.pdf>. Acesso em: 23 ago. 2011.

GLIESSMAN, S. R. Agroecologia: procesos ecológi- ZANBERLAM, J. ; FRONCHETI, A. Agricultura eco-


cos en agricultura Sostenible. Impresiones LITOLAT, lógica: preservação do pequeno agricultor e do meio
Turrialba, Costa Rica, 2002. ambiente. 3. ed. Editora Vozes Petrópolis, 2007.
37
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 33-37, maio/ago. 2012
Política Nacional de Agroecologia e Manual da IFOAM disponível na
Produção Orgânica Internet
Esperada por diversos movimentos sociais, a Po- Já está disponível a versão 2012 do manual da Fe-
lítica Nacional de Agroecologia e Produção Or- deração Internacional dos Movimentos da Agri-
gânica foi instituída pelo decreto 7.794 no dia 21 cultura Orgânica (IFOAM), com normas para a
de agosto. Prevista para sair em junho, durante a produção orgânica e processamento. As normas
Cúpula dos Povos, sua publicação foi adiada por são compostas por três documentos, Objetivos
quase três meses. e Requerimentos Comuns do Modelo Orgânico,
Com o objetivo de integrar, articular e adequar Modelo da IFOAM para a Produção Orgânica e
políticas, programas e ações da produção agroe- Processamento, e Requerimentos de Credencia-
cológica e orgânica, a política tem como diretrizes mento da IFOAM para Organismos de Certifica-
a promoção da soberania e segurança alimentar ção de Produção Orgânica e Processamento. O
e nutricional, o uso sustentável dos recursos na- manual conta com normas e sistema de garantia
turais, a conservação dos ecossistemas naturais e orgânica da IFOAM, o qual incentiva, no mundo
a recomposição dos ecossistemas modificados, a inteiro, a adoção de um sistema, economicamen-
valorização da agrobiodiversidade e dos produtos te, socialmente e ambientalmente, baseado nos
da sociobiodiversidade e estímulo às experiências princípios da agricultura orgânica. O sistema de
locais, além das questões da participação da juven- garantia orgânica da IFOAM facilita o comércio,
tude e da redução das desigualdades de gênero. defende a integridade orgânica, e assegura inter-
No entanto, questões consideradas fundamen- nacionalmente os consumidores. O manual, em
tais para a Articulação Nacional de Agroecolo- inglês, pode ser acessado em http://www.orga-
gia (ANA), o Conselho Nacional de Segurança nicsnet.com.br/wp-content/uploads/IFOAM-
Alimentar (Consea) e a Associação Brasileira de NormsVersionAugust2012withcover.pdf
Saúde Coletiva (Abrasco) foram deixadas de lado
como, por exemplo, o plano de redução de uso
de agrotóxicos no Brasil com banimento das subs-
tâncias já proibidas em diversos países, a definição
de áreas contínuas de produção agroecológica,
além de apoio à pesquisa e assistência técnica
deste modelo.

Roupa de algodão orgânico é


socialmente sustentável
Depois dos produtos orgânicos terem conquis-
tado muitos consumidores na hora de colocar
comida na mesa, agora é a vez de escolher, com
mais consciência, as peças de roupa que vão para
o armário. Quase metade da produção têxtil
mundial contém algodão. E a produção desse al-
godão consome cerca de 25% dos inseticidas e
10% dos pesticidas usados no mundo, segundo
dados da ONG Organic Exchange.
No caso do algodão orgânico, como sua produção
não usa pesticidas, fertilizantes, adubos químicos
e sementes transgênicas e segue outros princípios
técnicos, ambientais e sociais, ele contribui para
a biodiversidade, além de evitar mortes e outras
doenças entre agricultores.
38
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 38-39, maio/ago. 2012
Abrasco tem dossiê sobre o consumo permanente (café, cítricos, frutas, eucaliptos),
de agrotóxicos no Brasil o que corresponde a cerca de 853 milhões de
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva litros de agrotóxicos pulverizados nessas lavou-
(Abrasco), em dossiê lançado durante o primei- ras, principalmente de herbicidas, fungicidas e
ro congresso mundial de nutrição no Rio de Ja- inseticidas. O consumo em média por hectare
neiro, o World Nutrition Rio 2012, alertou que nas lavouras é de 12 litros por hectare e expo-
o Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking de sição média ambiental de 4,5 litros de agrotóxi-
consumo de agrotóxicos no mundo. Um terço cos por habitante, segundo o Instituo Brasileiro
dos alimentos consumidos cotidianamente pelos de Geografia e Estatística (IBGE).
brasileiros está contaminado pelos agrotóxicos, Segundo o dossiê, a soja foi o cultivo que mais
indica a Abrasco. O documento destacou que, demandou agrotóxico – 40% do volume total
enquanto nos últimos dez anos o mercado mun- de herbicidas, inseticidas, fungicidas e acaricidas.
dial de agrotóxicos cresceu 93%, o brasileiro au- Em segundo lugar no ranking de consumo está o
mentou 190%. Em 2008, o Brasil ultrapassou os milho com 15%, a cana e o algodão com 10%,
Estados Unidos e assumiu o posto de liderança, depois os cítricos com 7%, e o café, trigo e ar-
representando uma fatia de quase 20% do con- roz com 3% cada.
sumo mundial de agrotóxicos e movimentando,
só em 2010, cerca de US$ 7,3 bilhões – mais que MDA firma parceria entre agricultura
os EUA e a Europa. familiar e alta gastronomia
A primeira parte do dossiê da Abrasco faz um O Ministério do Desenvolvimento Agrário
alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na (MDA) assinou um protocolo de intenções com
saúde e na segurança alimentar. A segunda par- o chef de cozinha Alex Atala para promover o
te enfoca o desenvolvimento e os impactos no fortalecimento da comercialização de produtos
meio ambiente. Segundo Fernando Carneiro, da agricultura familiar. Atala vai ajudar o minis-
chefe do departamento de Saúde Coletiva da tério a ampliar a participação desses produtos
Universidade de Brasília (UnB), e um dos coor- no mercado gastronômico nacional. A parceria
denadores do estudo, “o dossiê é uma síntese deve aumentar também a comercialização dos
de evidências científicas e recomendações po- itens da agricultura familiar na rede varejista.
líticas”. A intenção, conforme o ministro do Desenvol-
vimento Agrário, Pepe Vargas, é mostrar para o
Cultivo da soja é o que mais registra mercado gastronômico que a agricultura familiar
uso de agrotóxicos tem excelentes produtos a preços acessíveis.
Segundo dados da Agência Nacional de Vigilân- “Um chef de cozinha poderá comprar de seu
cia Sanitária (Anvisa) e da Universidade Fede- entorno, ou até de lugares mais distantes, e terá
ral do Paraná (UFPR) compilados pelo dossiê acesso a produtos com qualidade, certificados.
divulgado pela Abrasco, na safra 2010/2011, Faremos a aproximação entre o produtor e o
o mercado brasileiro de venda de agrotóxi- consumidor. A proposta vai dinamizar a econo-
cos movimentou 936 mil toneladas de produ- mia local”, afirmou.
tos, sendo 246 mil toneladas importadas. Em Cerca de 500 cooperativas e associações ca-
2011 houve um aumento de 16% no consumo dastradas na Rede Brasil Rural podem ser favo-
que alcançou uma receita de US$ 8,5 bilhões. recidas pela parceria. Ao total, mais de 200 mil
As lavouras de soja, milho, algodão e cana-de- agricultores familiares participam da rede. Pepe
-açúcar representam juntas 80% do total das Vargas destacou que a parceria vai dar escala à
vendas do setor. Na safra de 2011 no Brasil, produção da agricultura familiar. Esta parceria
foram plantados 71 milhões de hectares de la- não prevê repasse de recursos para nenhuma das
voura temporária (soja, milho, cana, algodão) e partes, mas um protocolo de ações conjuntas.
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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 38-39, maio/ago. 2012
Interface Social e Autonomia: inter-relações entre
o grupo organizado do lar (GOL) - “as mariazinhas”
e a Emater/RS-Ascar

DEPONTI, Cidonea Machado 1, que a compreensão das dinâmicas de interface


MANTEZE, Francisco Emílio 2 social permite chegar ao interior das relações
sociais que se estabelecem entre as associadas
e os técnicos. A partir da participação no grupo
Resumo
organizado do lar, as componentes manifesta-
O presente trabalho objetiva demonstrar a
ram elevação da autoestima e maior indepen-
interface social estabelecida entre o Grupo
dência, além da formação de uma sólida rede
Organizado do Lar (GOL) - “As Mariazinhas”
social.
da localidade de Alfama, Montenegro/RS e a
extensão rural. Esta pesquisa utiliza uma me-
Palavras-chave: Interface Social. Redes de
todologia qualitativa para compreender o
Interface. Extensão Rural. Intervenção para o
processo de autonomia a partir das noções
Desenvolvimento.
teóricas de redes de interface social, obtidas
na Perspectiva Orientada ao Ator, desenvol-
Abstract
vida por Norman Long. Para tanto, foram
The present work objectifies to demonstrate
realizadas entrevistas semiestruturadas e
the social interface established among the Or-
observação participante no GOL. Concluiu-se
ganized Group of Home (GOL) - “The Maria-
1
Doutora em Desenvolvimento Rural no Programa de zinhas” place of Alfama, Montenegro-RS and
Pós-graduação em Desenvolvimento Rural - PGDR - da the rural extension service. This research is
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - e used of a qualitative methodology to unders-
bolsista de Pós-doutorado PDJ/CNPq.
E-mail: cidonea@yahoo.com.br.
tand the autonomy process starting from the
2
Extensionista da Emater/RS-Ascar, engenheiro agrô- theoretical notions of nets of social interface,
nomo. E-mail: manteze@emater.tche.br. obtained in the Actor Oriented Perspective,
40
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 40-46, maio/ago. 2012
developed by Norman Long. For so much, Este artigo utiliza uma metodologia quali-
semi-structured interviews and participant tativa para compreender o processo de inter-
observation were accomplished in the GOL. It face social entre as componentes do grupo e
was ended that the understanding of the dy- a extensão rural, representada por seu técni-
namics of social interface allows to arrive to co. Para tanto, foram realizadas entrevistas
the interior of the social relationships that set- semiestruturadas e observação participan-
tle down between the associated ones and the te no GOL - “As Mariazinhas de Alfama” de
technicians. Starting from the participation in Montenegro/RS. O artigo foi dividido em três
the organized group of the home the compo- seções, além dessa introdução e das conside-
nents manifested elevation of the self-esteem rações finais. A primeira apresenta o GOL
and larger independence, besides the forma- “As Mariazinhas de Alfama”, demonstrando
tion of a solid social net. algumas características, tais como: estatuto,
reuniões, número de associadas e objetivo. A
Keywords: Social Interface. Interface segunda é uma seção mais teórica que busca
Network. Rural Extension Service. esclarecer conceitos e permitir uma apropria-
Intervention for Development. ção das categorias a serem analisadas. Na
terceira seção, trata-se da inter-relação entre
1 INTRODUÇÃO o GOL e a extensão rural: Emater/RS-Ascar e
Refletir sobre um Grupo Organizado do Lar as perspectivas de construção de uma inter-
(GOL) é dar espaço para compreensão sobre face social.
a possibilidade de as manifestações cotidia-
nas de agricultores estarem permeadas de 2 GOL: “AS MARIAZINHAS” DE
algo maior do que uma simples reunião de ALFAMA
grupo, entrando no interior das relações so- O GOL “As Mariazinhas”, da localidade de
ciais que se estabelecem entre as associadas e Alfama, município de Montenegro/RS, fun-
compreendendo os resultados das ações e das dado oficialmente em 02/09/1991, é uma so-
práticas possíveis a partir a existência desses ciedade que visa a congregar um grupo de
grupos. senhoras, jovens e homens para, sob a orien-
Long e Ploeg (1989) mencionam que cada tação e coordenação de uma diretoria, reali-
agricultor ou grupo de agricultores forma zar diversos trabalhos na comunidade para
uma rede de interface que integra o agricultor proporcionar uma maior integração, com
a seu entorno agrícola. A rede está constituí- promoções sociais variadas. Também presta
da por uma série de atores que intervêm nas os mais diversos tipos de trabalhos sociais
atividades rurais relacionadas com insumos às famílias da comunidade, dentro do espíri-
e produção. Tais redes de interface podem se to social, preservando as tradições culturais,
apresentar de diferentes formas, sejam pes- sociais e religiosas, e assim trabalhando pelo
soais e baseadas no compromisso, sejam de aperfeiçoamento da comunidade, sendo o ob-
caráter oficial3 reconhecido implicando a filia- jetivo principal desenvolver a pessoa humana
ção a organizações como cooperativas e asso- com um trabalho dirigido por meio do grupo
ciações, por exemplo. As redes de interface de (Estatuto do GOL, 2001).
caráter pessoal ou baseadas no compromisso Embora o GOL tenha um estatuto social,
podem ser representadas pelos GOL, forma- não figura como uma entidade oficial, pois
dos por agricultoras (não apenas agricultoras) não apresenta registro como CNPJ, configu-
presentes no município de Montenegro/RS. rado assim como uma rede de caráter pessoal
baseado no compromisso. Neste ano (2012),
3
As redes de interface de caráter oficial podem ser exem-
plificadas pelos tradicionais Conselhos de Desenvolvimento
o GOL completará 21 anos de atuação, con-
Rural, sindicatos dos trabalhadores rurais, associações e orga- tando com um quadro social de 22 componen-
nizações dos agricultores. tes que se reúnem mensalmente na primeira
41
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 40-46, maio/ago. 2012
quarta-feira de cada mês e extraordinaria- pos eram propostos, organizados e animados
mente quando convocadas pela presidente. O pelas extensionistas de Bem-Estar Social.
GOL é dirigido por uma diretoria composta No caso do GOL “As Mariazinhas”, embora
por presidente, vice-presidente, secretária, apresente interface com a Emater/RS-Ascar
tesoureira e conselho fiscal. A diretoria é elei- e a prefeitura municipal, o grupo extrapolou
ta pelas sócias e tem um mandato de 2 anos, essas relações, firmando-se de forma indepen-
as sócias são soberanas em todas as decisões. dente, considerando os extensionistas como
Diversas atividades são realizadas pelo mais um componente da reunião, ou seja, de
GOL como festas, bingos, excursões, chás forma igualitária a qualquer uma das sócias.
e confraternizações, e vários assuntos são O GOL representa um espaço de liberda-
tratados nas reuniões, tais como: comporta- de, afirmação, lazer, diversão, troca de expe-
mento e etiqueta, planejamento, hipertensão, riências e de ideias, aprendizagem, diálogo,
nutrição alimentar, prevenção de câncer gi- integração e de ajuda mútua e quebra de
necológico, de próstata, de pele e de mamas, rotina. “O objetivo é fazer parte e aprender,
prevenção de varizes, prevenção de cólera, caso este não seja o objetivo, a pessoa não
higiene íntima, socorros de urgência, pre- fica” (sócia do GOL). O grupo atingiu obje-
venção de acidentes, cuidados com a água e tivos muito maiores do que inicialmente se
limpeza de reservatórios. Além dessas ativi- propunha, pois atuou especificamente na au-
dades, “As Mariazinhas” também discutem toestima das agricultoras.
e tratam sobre horta doméstica, criação de A relação com o técnico da Emater/RS-Ascar
animais, doces caseiros, salgados para festas, é considerada muito boa pela unanimidade
panificação, artesanato em garrafas plásti- das sócias. Essa afirmação pode ser confirma-
cas e caixas, chocolates caseiros, produção de da pela postura democrática e aberta à par-
detergente líquido, amaciante e sabonete, di- ticipação do extensionista e, principalmente,
gestivo caseiro, aproveitamento de alimentos, pelo respeito, pela dedicação, pela atenção e
fabricação de geleias etc. pelo tempo despendidos. Essa postura media-
O surgimento do GOL ocorreu a partir dora permite a autonomia e a independência
das reuniões do Conselho de Pais e Mestres das sócias para traçar as diretrizes do grupo e
(CPM) da Escola Municipal de Ensino Funda- estabelecer interesses prioritários.
mental Dona Clara Camarão. Nessa ocasião, Nesse contexto questiona-se: a) quais as ca-
a professora e as agricultoras trocavam recei- racterísticas que justificam o GOL represen-
tas. O interesse das agricultoras em cursos de tar um espaço de autonomia?; b) as agriculto-
pintura e vinho levou a professora a procurar ras podem ser consideradas agentes?; c) como
a Emater/RS-Ascar local e o contato com a ex- é a relação entre o GOL e a extensão rural?
tensionista de Bem-Estar Social favoreceu a
criação do grupo que se denominou GOL “As 3 A INTERFACE SOCIAL: UM OLHAR
Mariazinhas” através de votação. TEÓRICO
O GOL aproxima-se dos clubes de senhoras A extensão rural pensada a partir de uma
e moças, popularmente chamado de Clube de construção de interfaces vê como as ativida-
Mães, criados pela Emater/RS-Ascar, com o des agrícolas e as práticas são transformadas,
objetivo de desenvolver a capacidade física, repensadas e reconectadas com outros atores,
espiritual e profissional da mulher, valorizar instituições, movimentos sociais, Estado e
os afazeres domésticos, promover a troca de agências. O processo de intervenção deveria
ideias e criar melhores condições de educação ser de interface social.
e recreação, desenvolvendo suas atividades A noção de interface social é relevante para
mediante reuniões regulares, divididas em explorar e entender problemas de heteroge-
três partes: administrativa, técnica e recre- neidade social, de diversidade cultural e de
ativa (EMATER, 2005). Geralmente, os gru- conflitos inerentes aos processos que envol-
42
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 40-46, maio/ago. 2012
vem intervenções externas porque permite
compreender as respostas diferenciais dos
grupos locais, sendo que seus objetivos e inte-
resses na maioria das vezes não conferem com
os propostos pelas intervenções planejadas.
As interfaces cruzam diferentes e, muitas ve-
zes, conflituosos mundos da vida4 ou campos
sociais, ou arenas específicas, em que as inte-
rações giram em torno do processo de negocia-
ção e manobra, da acomodação dos problemas
e da disputa pela legitimação de pontos de
vista, permitindo a desconstrução do conceito
de intervenção e a observação das interações
que devem ser analisadas como parte dos pro-
cessos continuados de negociação, adaptação
e transformação de significado inerente à me- os discursos “dominantes” são endossados,
diação social (LONG, 2001; 2007a). transformados e desafiados; contribuem para
A interface social é um dispositivo metodo- desconstruir o conceito de intervenção.
lógico para analisar os pontos críticos da des- Para a interface social se estabelecer, é
continuidade e, de acordo com Long (2007a, p. necessário construir a negociação, ponto de
142-148), apresenta os seguintes elementos- encontro entre a capacidade de agência5 e os
-chave: centra-se nos vínculos e redes desen- projetos de desenvolvimento, o processo de
volvidos entre os atores; pressupõe a geração negociação, de margem de manobra, de con-
de conflitos, ainda que exista algum grau de flito e de lutas por significados e diferentes
interesse comum, a incompatibilidade e a ne- interesses representará a interface social. As-
gociação; centra-se na produção e transfor- sim, o resultado será um processo inespera-
mação da diferença na forma de ver a vida do, novo, apropriado tanto pelos atores locais
e nos paradigmas culturais; foca-se na cons- quanto pelas agências/agentes de desenvolvi-
trução cognoscitiva e social que resulta das mento. O desenvolvimento será o resultado
experiências, encontros e descontinuidades da interface social.
que surgem nos pontos de intersecção entre
mundos da vida dos diferentes atores, des- 4 A INTERFACE ENTRE UMA REDE
crevendo o conhecimento como fruto de um SOCIAL E A EXTENSÃO RURAL: O
“encontro de horizontes”; verifica o poder não GOL E A EMATER/RS-ASCAR
sendo simplesmente possuído e acumulado, O trabalho da extensão rural coloca seus
mas se refletindo além do controle hegemôni- agentes em interação com o público-meta quase
co, das oportunidades ou restrições ao acesso que diariamente, diferentes relações como as de
de recursos, estando relacionado com as lutas
complexas e negociações sobre autoridade, 5
Segundo Giddens (2009, p. 12), “agência refere-se a
status, reputação, recursos e mobilização de fazer”, capacidade de agir e intervir, os indivíduos têm in-
tenção e são cientes das razões que levam a prática de de-
redes de atores; permite compreender como
terminadas ações, os agentes são reflexivos, ou seja, têm
capacidade de trazer para consciência e refletir sobre suas
4
Mundo da vida são mundos sociais vividos, em grande escolhas. As respostas dadas pelos atores explicam suas prá-
medida centrados em indivíduos particulares. Tais mundos ticas, suas ações e suas intenções. A agência humana não
são um produto de processos constantes de reordenamento e se refere às intenções que as pessoas têm ao fazer as coisas,
reavaliação de relações e experiências por parte dos indivídu- mas à capacidade de elas realizarem essas coisas. Os agen-
os. Os mundos de vida incluem ações, interações e significados tes humanos têm capacidade de entender o que fazem en-
e identificam-se com espaços sociogeográficos específicos, as- quanto fazem, eles sabem tacitamente como continuar, mas
sim como com histórias de vida (LONG, 2007a, p. 443). sem capacidade de dar uma explicação discursiva direta.
43
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 40-46, maio/ago. 2012
poder, de reciprocidade, de confiança, de amiza-
de, de troca, de subordinação, de resistência se
estabelecem.
Conforme Leeuwis (2004), no passado, a
teoria da extensão rural focava no suporte
individual da administração agrícola e na
promoção da inovação em nível de agricultor,
resolvendo questões sobre a decisão individu-
al e o processo de adoção. Entretanto, muitas
das mudanças nos dias de hoje transcendem
o nível individual, apresentando uma dimen-
são coletiva, requerendo prestar mais atenção
na negociação com diversos interesses, nas di-
ferentes perspectivas dos atores e nos confli-
tos. Assim, é mister prestar atenção aos pro-
cessos de resolução de conflitos, de construção observando a reação dos outros e supervisio-
de organizações, de aprendizagem social e de nando suas próprias ações.
negociação. Embora o técnico represente um elemento
Muitos projetos de desenvolvimento refle- de articulação e de mediação muito importan-
tem um tipo de controle orientado. No entan- te para o grupo, as agricultoras dirigem e co-
to, a previsão e o controle desse processo de mandam suas ações, negociando e acordando
intervenção tornam-se difíceis, pois a inte- quando necessário, apresentando margem de
ração entre pessoas apresenta uma dinâmi- manobra. Há espaços para a negociação, des-
ca indeterminada e não previsível ex ante. de que respeitados seus interesses. Quando
Portanto, mais do que receitas prontas, não não há interesse por parte das agricultoras,
existem blueprints para lidar com os novos há resistência, pois as agricultoras percebem-
desafios que o rural apresenta. Diversos pro- -se capazes de manobrar dentro de determi-
blemas vêm à tona: questões demográficas nados contextos ou redes e desenvolver es-
(transição etária no rural, aumento dos idosos tratégias, assim como decidir o caminho a ser
e do celibato), novas dinâmicas espaciais (re- percorrido, criando espaço para seus próprios
lação rural x urbano), estilos/tipos de agricul- interesses e para a mudança.
tura (expressiva diversidade, representando Dessa forma, as agricultoras exercem sua
um mosaico de práticas agrícolas e não agrí- capacidade de agência ou condição de agen-
colas) e questões de gênero. Nesse sentido, as te, pois agem e promovem mudanças de acor-
agências6 de extensão rural, além de identi- do com seus próprios valores e objetivos. No
ficar os problemas acima destacados, têm a entanto, as mesmas agricultoras que apre-
oportunidade de reposicionar algumas ações sentam capacidade de agência e redes de
e práticas extensionistas. interface muitas vezes criam e reforçam a
O caso do GOL “As Mariazinhas”, de Alfa- imagem de uma identidade estereotipada,
ma, é um exemplo de interface social bem su- de subordinação e submissão para conquis-
cedida entre técnicos e agricultoras, permi- tar recursos materiais e alcançar reivindi-
tindo a revelação da capacidade de agência cações. Nas relações de interface social, as
das agricultoras, uma vez que elas adquiri- margens de manobra envolvem um grau de
ram habilidades para resolver seus proble- independência em certas esferas e um grau
mas e intervir nos fluxos de eventos sociais, de dependência em outras. Essa situação en-
6
A palavra “agência” foi utilizada para designar as institui-
volve uma disputa para impor aos outros sig-
ções de Ater, não devendo ser confundida com a capacidade de nificados e representações que, no caso em
agência de Giddens anteriormente analisada. tela, são úteis para os interesses das agri-
44
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 40-46, maio/ago. 2012
cultoras, implicando poder, negociação e con-
sentimento. O poder apresenta-se como uma
negociação de eventos microssociais.
A subordinação implica também uma
condição autoimposta. As agricultoras
aprendem a tratar com as intervenções
externas, contra-argumentando ou mesmo
silenciando; criam espaços para manobrar,
não se comprometendo com os planos elabo-
rados ou improvisados pela parte externa e
aprendendo a encontrar seu caminho, ex-
trair benefícios, ainda quando isso signifi-
que subordinar-se às normas externas, pelo
menos na retórica.
Em algumas situações a resistência das
agricultoras pode ser tão grande que a rela- o que quiserem, tanto dos técnicos, quanto
ção de interface entre elas e o técnico não se da agência e dos próprios maridos. O grupo
estabelece. Os mundos da vida reafirmam-se representa uma rede de sociabilidade, coope-
e mantêm-se à parte. Os técnicos concen- ração, trabalho, troca, diversão e entreteni-
tram seu poder no controle formal do progra- mento, permitindo a formação de uma sólida
ma/projeto, assim perdendo a oportunidade rede social.
de usar o próprio conhecimento e a experiên- Uma situação que não pode se deixar de
cia das agricultoras para transformar o seu analisar é o fato de as agricultoras afirma-
conhecimento de uma maneira significativa. rem que “são outras pessoas” depois da parti-
Por outro lado, as agricultoras focam-se nos cipação no GOL, elas sentem-se fortalecidas
espaços de manobra dentro da normativida- e amparadas. Elas encontram identidade
de do programa, mas aspiram a impedir que umas nas outras e assim empoderam-se pela
os extensionistas tomem o controle que eles aprendizagem, pela troca, pela elevação da
têm de suas próprias vidas. Portanto, de di- autoestima, pelo novo olhar sobre o mundo e
versas maneiras, a relação entre os mundos sobre seu cotidiano.
da vida não se dissolveu nem se transfor- Talvez a característica mais importante
mou, seu resultado final foi uma “coexistên- para um extensionista em processos de inter-
cia incômoda”. face social seja a sensibilidade. A sensibilida-
As reuniões e os encontros com os técnicos de de ver o agricultor, seus interesses, suas
são, ao mesmo tempo, espaço para dialogar e necessidades, suas vontades e suas estraté-
expressar demandas. Essa relação não é in- gias, entrar no mundo da vida dele e não im-
dissociável das práticas materiais e, muitas por sua visão de mundo. Escutar e trabalhar
vezes, as representações de respeito, reve- junto, antes da proposição vem o diálogo, a
rência e admiração são estratégias para con- conversa e a aceitação das diferenças. O como
vencer os técnicos de reivindicações básicas. fazer vai ser construído ao longo do trajeto a
O GOL representa um espaço de liberda- ser percorrido pelo técnico e pelo agricultor.
de das agricultoras, em que a comunicação
é “fora do palco” (offstage); na segurança 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
relativa do GOL, as agricultoras podem fa- Concluiu-se que o GOL representa um es-
lar normalmente o que elas, muitas vezes, paço de liberdade, pois dentro dele ocorrem
têm de sufocar na presença dos técnicos e manifestações e ações que permitem a afir-
maridos. Então, dentro do grupo, elas ex- mação da mulher pela elevação da autoesti-
pressam-se livremente, são livres para falar ma, pela formação de uma sólida rede social,
45
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 40-46, maio/ago. 2012
pela independência proporcionada a par- e culturais, pois sua visão de mundo e seus va-
tir da participação no grupo organizado do lores, em certa medida, são modificados.
lar. As agricultoras podem ser consideradas Os extensionistas enquanto mediadores
agentes (exercem a capacidade de agência), entre as agências de extensão rural e as agri-
pois se tornam mais críticas, conscientes, in- cultoras vislumbram um reposicionamento da
dependentes e determinadas, além de mano- extensão frente aos desafios do paradigma de
brarem através de estratégias de negociação desenvolvimento rural, uma vez que traba-
de interesses. lham com o coletivo, colocam-se na posição de
O espaço de liberdade e de autonomia que o articulador e buscam compreender os diferen-
grupo representa também se amplia fora dele, tes mundos da vida, formando redes de coope-
uma vez que a maior independência e a autoes- ração. A compreensão do processo de interface
tima mais elevada das agricultoras perpassam social poderá colaborar para o reposiciona-
as suas relações com a família e com a comuni- mento da extensão rural, permitindo remode-
dade. Dessa forma, as relações sociais exerci- lar sua ação, valorizar sua prática e promover
das pelo grupo transformam estruturas sociais contextos de desenvolvimento rural.

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46
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 40-46, maio/ago. 2012
http://comunidades.mda.gov.br/ produtos agroecológicos. Entre os temas dessa
Este link está incluído no Portal da Cidadania categoria estão logotipo e etiquetas de certifica-
mantido pelo governo federal. Aqui o internauta ção, inspeção, qualidade dos alimentos e deman-
pode conhecer a Rede Temática de Agroecolo- das do consumidor. Esse último item tem como
gia, que tem a intenção de contribuir para a efe- base pesquisas estatísticas sobre o mercado de
tivação da Agroecologia, além de dar vazão às produtos agroecológicos na EU.
ações públicas de assistência técnica e extensão
rural em todo o Brasil, divulgando ainda a Polí-
tica Nacional de Assistência Técnica e Extensão
Rural. Esta rede é constituída por extensionistas
que atuam como multiplicadores desses temas
nas instituições governamentais ou não, e que in-
tegram o Sistema Brasileiro de Ater. Neste link,
o visitante poderá navegar pelas seguintes cate-
gorias: Agroecologia, biodiversidade, gênero, di-
versidade socioambiental, Agroecologia nas polí-
ticas públicas para a agricultura familiar, impacto
dos agrotóxicos e da biotecnologia agrícola, ma-
nejo dos recursos hídricos, manejo ecológico
dos solos, produção animal, produção agrícola,
manejo ecológico de organismos espontâneos, www.aba-agroecologia.org.br/aba
entre outras. Site da Associação Brasileira de Agroecologia
(ABA), entidade fundada em 2004, durante o II
Congresso Brasileiro de Agroecologia, com o ob-
jetivo de organizar ações em prol de um novo
modelo de desenvolvimento e de agricultura.
Nesse espaço, o internauta pode acessar docu-
mentos como as publicações da Revista Brasileira
de Agroecologia e dos Cadernos de Agroecolo-
gia, bem como ter conhecimento a respeito de
temas atuais, entre eles os temas agrários deba-
tidos na Rio+20.

http://ec.europa.eu/agriculture/organic/
Disponível em vários idiomas, o site sobre agri-
cultura ecológica na União Europeia (EU) ofere-
ce um panorama geral sobre o funcionamento
e as políticas públicas adotadas pelos países que
compõem a EU no que diz respeito à Agroeco-
logia. Interessante observar, por exemplo, a ca-
tegoria “Confiança do Consumidor”, que trata
das regras que devem ser cumpridas pelos pro-
dutores no sentido de atestar a idoneidade dos
47
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 47/48, maio/ago. 2012
www.wwoof.org www.contraosagrotoxicos.org
Interessado em trabalhar como voluntário em uma Site da Campanha Contra os Agrotóxicos e Pela
fazenda de alimentos orgânicos? Então você precisa Vida, com informações sobre essa mobilização
conhecer o World Wide Opportunities on Organic que tem o objetivo de sensibilizar a população
Farms ou Wwoof. Trata-se de uma rede mundial brasileira para os riscos que os agrotóxicos re-
de organizações que liga voluntários a agricultores presentam, e a partir daí tomar medidas para
orgânicos na Europa com a intenção de favorecer conter o uso desses produtos no Brasil. Confor-
o compartilhamento de experiências em Agroeco- me descrito na página, a Campanha Contra os
logia e formas de vida mais sustentáveis. O sistema Agrotóxicos e Pela Vida propõe a luta por um ou-
funciona como uma troca: em troca de ajuda volun- tro modelo de desenvolvimento agrário, basea-
tária nos trabalhos na fazenda, os anfitriões ofere- do na Agroecologia e que aposta na agricultura
cem alojamento, alimentação e a oportunidade de familiar. Nesse site, além dos dados relativos à
aprender sobre estilos de vida associados à produ- campanha, há informações gerais sobre o tema
ção orgânica. Neste site o internauta pode consultar agrotóxicos, notícias sobre o tema e outros as-
as oportunidades espalhadas em todo o mundo. suntos similares, filmes e vídeos.

www.gentequecresce.cnpab.embrapa.br
Para quem tem filhos, a dica é o site criado pela
Embrapa e que simula uma visita em uma pro-
priedade agroecológica a partir do ponto de
vista de um personagem escolhido pela criança. www.fgaia.org.br
Assim, o internauta pode ter informações sobre Espaço virtual da Fundação Gaia, fundada pelo
a horta da propriedade, o pomar, o minhocário, ambientalista José Lutzenberger, e que funciona
a composteira, entre outros espaços. É possível em Porto Alegre. Essa fundação foi criada com
acessar vídeos, fotos e jogos interativos que pro- a proposta de unir esforços na implantação de
põem a familiarização da criança com os animais alternativas capazes de garantir a construção de
e plantas comuns na zona rural. uma sociedade mais sustentável ambiental e so-
cialmente. Nesse sentido, a Fundação Gaia atua
na área de Educação Ambiental e na promoção
de tecnologias, como o que a Fundação Gaia
classifica como agricultura regenerativa, manejo
sustentável dos recursos naturais, medicina na-
tural, alternativas em saneamento e energia. O
site, além de oferecer um panorama das ações
da Fundação Gaia, oferece uma ideia geral do le-
gado de Lutzenberger para os defensores e estu-
diosos da área ambiental.
48
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 47/48, maio/ago. 2012
Avaliação participativa da formação profissional na
agricultura familiar: uma modalidade de ATER e de
educação de jovens e adultos no campo

DRESCH, Nelton Luis 1 Avaliação, organizados em 23 categorias e 04


temáticas distintas constituindo uma Base de
Resumo Dados para o Etnodesenvolvimento local.
O texto relata e analisa aspectos de pesquisa
acadêmica realizada junto a um dos Centros Palavras-Chave: Extensão Rural. Avaliação
de Formação de Agricultores da EMATER- Participativa de ATER. Etnodesenvolvimento.
-ASCAR/RS para desenvolver uma proposta Educação de Jovens e Adultos no Campo.
de Avaliação Participativa das ações de ATER
oferecidas como cursos de formação profissio- Abstract
nal na Agricultura Familiar. A Educação de This report describes and analyzes aspects of
Jovens e Adultos no Campo serviu como base academic research carried out with one of the
teórica para sustentar a proposta de Avalia- Farmers Training Centres of EMATER-AS-
ção Participativa executada e para ressigni- CAR/RS to develop a proposal for Participatory
ficar essas ações de ATER. Foram utilizados Evaluation of the shares offered as ATER pro-
os métodos de Pesquisa-Ação Educadora com fessional training courses in family farming.
uma equipe de extensionistas rurais e de The Youth and Adult Education in the Field ser-
Pesquisa Participante com egressos e egres- ved as a theoretical basis to support the propo-
sas desses cursos. A pesquisa possibilitou a sal for Participatory Assessment performed and
elaboração e validação de 69 Indicadores de reframe these actions ATER. The methods used
were the Action Research Educator with a team
Professor Assistente no Departamento de Ensino e
1
of rural extensionists and participative resear-
Currículo da Faculdade de Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul; Mestre em Educação e
ch with graduates and alumni of these courses.
Doutorando em Desenvolvimento Rural, The research enabled the development and va-
E-Mail: nelton.dresch@ufrgs.br lidation of 69 Evaluation Indicators, organized
49
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 49-57, maio/ago. 2012
into 23 categories and 04 different themes cons- Agricultura Familiar, possuem características
tituting a Base for Ethnodevelopment site. multidimensionais e multirreferenciais que se
configuram nas complexas redes de relações
Keywords: Rural Extension. Participatory familiares e, por conseguinte, nas territoriali-
Evaluation of ATER. Ethnodevelopment. dades culturais das comunidades focalizadas,
Youth and Adults Contemporary Education cujo (re)conhecimento requer a assunção de
in the Field. Métodos Participativos de pesquisa e ação;
b) nos Mundos da Vida Rural, particular-
1 COMEÇO DE CONVERSAS SOBRE mente na Agricultura Familiar, o De-
ATER, EDUCAÇÃO DE JOVENS senvolvimento Rural assume dinâmicas
E ADULTOS NO CAMPO E próprias, endógenas, atravessadas trans-
ETNODESENVOLVIMENTO disciplinarmente por vários aspectos, de
modo a ser ressignificado como Etnode-
[....] o mundo rural é um espaço de vida, isto senvolvimento (STAVENHAGEN, 1985;
é, um lugar onde se vive, onde tem gente! LITTLE, 2002) e impactar os diferentes
No Brasil, cerca de 30 milhões de pessoas processos educativos que os tematizam;
vivem no meio rural. É um lugar de onde se c) um currículo para esta EJA no Campo, que
vê o mundo e de onde se vive o mundo [...]
contemple as complexidades dos Mundos
(WANDERLEY, 2008, p. 1).
da Vida Rural dos envolvidos – agricul-
tores/as e extensionistas rurais – precisa
Os Centros de Formação2 de Agricultores da
romper com a lógica linear de planejamen-
EMATER/RS-ASCAR têm realizado3 cursos de
to e ação, buscando possibilidades de atra-
formação profissional de agricultores e agricul-
vessamentos transdisciplinares mediante
toras jovens, adultos/as e idosos/as com pequena
abordagem multirreferencial (BURNHAM
carga horária (cerca de 20 até 40 horas de ativi-
& FAGUNDES, 2001; MARTINS, 2004);
dades) como modalidade de Assistência Técnica
d) os processos de aprendizagem são compre-
e Extensão Rural-ATER, visando melhorias na
endidos como produção de sentidos a partir
qualidade de vida local e comunitária. Contudo,
da reprodução de significados. Os signifi-
os respectivos currículos têm sido planejados e
cados (conceitos, concepções) abrangem os
executados a partir da mesma base epistemoló-
saberes técnicos e tecnológicos nas Ciências
gica que sustenta tanto a lógica difusionista na
Agrárias representados por signos (letras,
ATER, quanto concepções de Desenvolvimento
números, símbolos) e repassados via princí-
Rural atreladas prioritariamente ao crescimen-
pios difusionistas e tecnologias educacionais
to econômico mediante a implementação de ino-
nas práticas dos extensionistas rurais-ins-
vações tecnológicas para, por exemplo, aumen-
tar a produtividade das lavouras, melhorar os 2
A atual gestão da EMATER-ASCAR/RS modificou a
padrões genéticos dos diferentes rebanhos, oti- denominação para “Centros de Formação de Agriculto-
mizar o gerenciamento rural e controlar o aces- res”, com que concordo, mas manteve as siglas dos mes-
so e gestão aos mercados compradores. mos, inicialmente chamados “Centros de Treinamento
de Agricultores”.
Em outra epistemologia, a Educação de Jo- 3
Embora também existam cursos semelhantes ofere-
vens e Adultos-EJA - no Campo4 traz para essa cidos nas próprias comunidades rurais ou em pequenas
modalidade de ATER possibilidades contrahe- localidades urbanas, tanto pelos extensionistas com lota-
gemônicas acerca das inúmeras atividades ção restrita aos Escritórios Municipais da EMATER-AS-
CAR/RS, quanto pelos de outras instituições de ATER.
que caracterizam a Multifuncionalidade (CA- 4
Não confundir com a “Educação do Campo” (CAL-
ZELLA, BONNAL, MALUF, 2009) na Agricul- DART, 2000; MORIGI, 2003) que refere-se ético-po-
tura Familiar. Para tanto, alguns pressupostos liticamente aos projetos político-pedagógicos de esco-
desta EJA que interessam ao presente texto são: larização regular no meio rural, particularmente em
Assentamentos da Reforma Agrária, mas não reduzidos
a) os Mundos da Vida Rural, particularmente na geograficamente nestes.
50
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 49-57, maio/ago. 2012
trutores. A produção de sentidos configura 2 MÉTODOS PARA AVALIAÇÃO
interpretações sócio-culturais, a polissemia, PARTICIPATIVA DE ATER:
dos signos e significados. Logo, são possibi- PESQUISA-AÇÃO EDUCADORA E
lidades temporais – e não certezas – onde a PESQUISA PARTICIPANTE
aprendizagem, entendida e assumida como
processo sócio-cultural, requer práticas Na pesquisa referida propus a articulação dos
educadoras ético-politicamente diferencia- seguintes métodos qualitativos: certa modali-
das, na qual os princípios da Ação Dialógica dade de Pesquisa-Ação Educadora (ELLIOT,
e demais pedagogias freireanas (FREIRE, 1997) com uma equipe de extensionistas rurais-
1975, 1997, 2011) são fundamentais. -instrutores8 dos Cursos de Formação Profissio-
nal de Fruticultura e Processamento Artesanal
Nesta direção, a perspectiva ético-política de Carne Suína-Embutidos oferecidos no Centro
do Etnodesenvolvimento enunciado há tem- de Formação de Agricultores de Bom Progres-
pos por Rodolfo Stavenhagen (1985) e ressig- so/RS-CETREB e uma Pesquisa Participante
nificado por Paul Little (2002), prioriza: o de- (BRANDÃO, 1984) com quatorze agricultores e
senvolvimento econômico dos grupos étnicos agricultoras familiares egressos dos cursos refe-
e o desenvolvimento da etnicidade dos grupos ridos e suas famílias, cujas propriedades estão
sociais; a satisfação das necessidades das po- distribuídas em nove municípios9 da Região No-
pulações locais – bens essenciais, necessários roeste Colonial do Rio Grande do Sul10.
a elevação dos padrões de vida; visão interna, Considerando a Multifuncionalidade (CA-
endógena dos meios de produção; o aproveita- ZELLA, BONNAL, MALUF, 2009) típica da Agri-
mento das tradições culturais locais, visando a cultura Familiar nestas propriedades, focalizamos
auto-sustentação; o respeito e não-destruição atividades em espaços “fechados” – as microagroin-
do meio ambiente; a utilização de estratégias dústrias familiares – e “abertos” – os pomares.
de desenvolvimento mais participativas e me- Além disso, em ambos os métodos foi funda-
nos tecnocráticas; o reconhecimento e a com- mental o adensamento das percepções e qualifi-
preensão das mulheres e crianças (e idosos)5, cação das informações coletadas (para os deba-
não-visíveis até então, na dinâmica do desen- tes subsequentes) possibilitados pela assunção
volvimento local. Para tanto, o Etnodesenvol- de certa perspectiva etnográfica (MATTOS,
vimento (op.cit) necessita de políticas públicas 2001) em nossas práticas de pesquisa.
voltadas para as pessoas que moram, vivem e
trabalham nos Mundos da Vida Rural.
5
Parênteses acrescentados pelo autor.
6
Referente a minha Tese de Doutorado em fase final
Esse é o contexto tematizado na pesquisa de escrita no PGDR/UFRGS - Programa de Pós-Graduação
“Ações de ATER como EJA: impactos e Indi- em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do
cadores Territoriais de Avaliação para a sus- Rio Grande do Sul.
tentabilidade de famílias de agricultores e for-
7
Currículo-em-ação é aquele que está sendo executado
efetivamente entre educandos e educadores em determinado
mação extensionista” 6, em cujas atividades “de tempo-espaço e configurado pelos saberes envolvidos, as ações
campo” foi desenvolvida e realizada uma pro- ético-político-pedagógicas, os materiais didáticos e de apoio
posta de Avaliação Participativa dos impactos utilizados e as respectivas construções de sentido e concep-
locais e regionais – ou melhor, territoriais – ções de Mundo em debate, bem como suas formas de registro.
das ações de ATER na modalidade de forma-
8
Abel Toquetto, Elaine Maria Schons, Izabel Rosani
Cunha Arbo, Gilberto Bortolini, Gilberto Pozzobon, João
ção profissional de agricultores e agricultoras Schommer, Oldemar Weiler e Rejane Carla Gollo Fornari.
familiares. Contudo, esta Avaliação situa-se 9
Bom Progresso, Campo Novo, Crissiumal, Esperan-
na mesma epistemologia que sustenta a EJA ça do Sul, Humaitá, Miraguaí, Santo Augusto, Tenente
no Campo, de modo a ser considerada como Portela e Três Passos.
10
Esta região apresentava o menor Índice de Desen-
parte dos processos de aprendizagem das pes- volvimento Humano – IDH do estado, o que justifica
soas envolvidas e disseminados, indissociavel- nossa preocupação com o impacto das ações educadoras
mente, nos respectivos Currículos-em-ação7. em ATER junto àquelas pessoas no Campo.
51
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 49-57, maio/ago. 2012
A Pesquisa-Ação Educadora (op.cit) orien- conforme regula a Comissão de Ética da Uni-
tou os encontros iniciais para os debates e versidade Federal do Rio Grande do Sul. Os
elaboração dos primeiros Indicadores Territo- registros em vídeo foram uma ferramenta
riais de Avaliação da ATER – IndicATER/For- importante nas análises realizadas poste-
mação Profissional de Agricultores e Agricul- riormente, devido a quantidade e diversidade
toras Familiares para, posteriormente, serem de informações tornadas visíveis pela postu-
ressignificados ou validados nos momentos da ra dialógica que assumimos.
“pesquisa de campo.” De posse dos dados em- Nestas visitas realizamos, também, certa
píricos, voltávamos a nos reunir para realizar Leitura de Paisagem (VERDEJO, 2006) tanto
as respectivas análises e meta-análises confi- para visualizarmos as possíveis incorporações
gurando, pois, uma formação continuada em cotidianas dos saberes técnico-tecnológicos
serviço dos extensionistas rurais-instrutores. supostamente aprendidos nos cursos em ques-
Por sua vez, a modalidade de Pesquisa Par- tão, quanto para realizarmos um levantamen-
ticipante (BRANDÃO, 1984) definida pela to de demandas manifestadas pelos egressos e
equipe orientou nossas estratégias para a re- egressas ao contrastarem temáticas dos cursos
alização de Entrevistas Semi-Estruturadas com as necessidades cotidianas e demais inte-
com os egressos e suas famílias nas respecti- resses ainda não-contemplados. Nesses mo-
vas propriedades. Nestas, utilizamos um ins- mentos de diálogos interculturais, ocorriam
trumento onde foram sistematizados nossos também, ações específicas de ATER a medi-
IndicATER para criarmos possibilidades de da que os agricultores e agricultoras egressos
perceber, registrar, representar, e analisar aproveitavam a presença dos extensionistas
os significados e os sentidos construídos pe- rurais-instrutores em suas propriedades para
los egressos e egressas dos cursos de forma- questioná-los acerca de diversos aspectos prá-
ção profissional focalizados, bem como pela ticos vistos ou não nos cursos realizados.
própria equipe de pesquisadores e pesquisa- Os IndicATER referidos eram constituídos
doras, durante os diálogos então realizados. por 69 descritores, divididos em 23 catego-
Além disso, fomos autorizados a registrar rias e 04 temáticas diferentes, sendo que es-
as entrevistas em vídeo, mediante Termo de tas últimas estão representadas no Quadro
Consentimento Livre e Esclarecido-TCLE, 1, abaixo.

52
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 49-57, maio/ago. 2012
A Figura 1 abaixo representa as diferen- nova rodada de estudo das informações cole-
tes instâncias que configuraram a Avaliação tadas. O conjunto destas, devidamente ana-
Participativa desenvolvida na pesquisa já re- lisadas constituíam, então, a “Base de Dados
ferida, na seguinte sequência: 1) iniciávamos Territoriais” a partir da qual cruzávamos as
pela elaboração dos IndicATER no CETREB; informações dos diferentes IndicATER para
2) realizávamos as visitas do “Pós-Curso”; 3) definirmos, finalmente, quais seriam aprovei-
de volta ao CETREB, estudávamos as infor- tadas tanto no redesenho dos currículos dos
mações coletadas de modo a replanejar as cursos do CETREB, quanto nas possíveis ade-
próximas visitas, configurando as Bases de quações das respectivas práticas educadoras,
Dados Empírica e Analítica; 4) realizávamos além das implicações para as demais ações de
novas visitas; 5) voltávamos ao CETREB para ATER locais.

É importante destacar que todos os momen- pular, inserindo-se em determinada concep-


tos de Pesquisa-Ação e Pesquisa Participante ção de Currículo devidamente impactada pela
configuraram processos de aprendizagem éti- crítica pós-estruturalista, a partir da qual não
co-politicamente percebidos, planejados e exe- se separa dicotomicamente a “avaliação” dos
cutados como sendo também uma modalidade processos de aprendizagem e das respectivas
de EJA, na busca de tornar visíveis à equipe práticas educadoras (VEIGA-NETO, 1996).
de pesquisa quais são e como ocorrem as dife- Assim, a “avaliação” é considerada, planejada
rentes construções de sentido (e as ações-refle- e executada como processo participativo nas
xões-novas ações) acerca das atividades reali- desejadas aprendizagens tanto pela reprodu-
zadas na formação profissional de agricultores ção de significados selecionados pelos educa-
e agricultoras familiares, mediante o contraste dores, quanto pela produção de novos sentidos
com os respectivos Mundos da Vida Rural. acerca destes, mediante os impactos das terri-
Entretanto, propostas de Avaliação Parti- torialidades culturais das pessoas envolvidas
cipativa são tematizadas há muito tempo na – educandos e educadores, no caso, agriculto-
EJA, enquanto modalidade de Educação Po- res/as e extensionistas rurais-instrutores/as.
53
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 49-57, maio/ago. 2012
3 IMPACTOS DOS MÉTODOS execução das referidas ações – os/as extensio-
PARTICIPATIVOS NA AVALIAÇÃO DA nistas rurais-instrutores/as. Por conseguinte,
ATER/FORMAÇÃO PROFISSIONAL tanto estas opiniões, quanto as análises rea-
NA AGRICULTURA FAMILIAR lizadas pela equipe de pesquisa constituíram
uma Base de Dados para possíveis readequa-
[...] se não tivéssemos feito do jeito que fize- ções dos investimentos públicos ou pessoais12
mos, não teríamos visto tudo o que registra- às necessidades específicas daquelas territo-
mos e o que não registramos [...]11 rialidades culturais.
Isto é corroborado na opinião de alguns ex-
A proposta de Avaliação Participativa de- tensionistas rurais-instrutores da equipe de
senvolvida criou possibilidades de perceber, pesquisa ao serem questionados acerca das
registrar, representar, e analisar os significa- contribuições da Avaliação Participativa nes-
dos e os sentidos construídos pelos egressos e sas ações de ATER.
egressas dos cursos de formação profissional
focalizados, bem como pela própria equipe de [...] tem sido importante ferramenta, permi-
pesquisadores e pesquisadoras e incorpora- tindo identificar o que de fato o curso con-
dos (ou não) nos respectivos cotidianos de tra- seguiu contribuir para o conhecimento dos
balho no Centro de Formação de Agricultores agricultores que fazem o curso e também do
de Bom Progresso/RS - CETREB. próprio agricultor avaliar que aprendizado
Nesta Avaliação Participativa, a partici- foi importante e útil para as atividades que
desenvolve. Desta forma permite um repla-
pação das pessoas não é mera adjetivação ao
nejamento das temáticas, dos conteúdos e
método, de modo que para assumi-las e suas formas de abordagem didático pedagógica
diversidades culturais tanto no desenvolvi- das temáticas propostas pelo curso [...] (Ex-
mento da proposta, quanto na execução, re- tensionista A)
gistro e análise das informações territoriais [...] é uma maneira de se ter uma permanen-
em questão, foi necessário exercitarmos um te forma de avaliação do processo, visto que
conjunto de princípios ético-políticos (que este é dinâmico tanto quanto na sua execu-
também fundamentam esta EJA no Campo) ção, quando realizado junto ao centro, como
na busca de superar tanto o modelo classi- quando isso passa a ser aplicado no dia a dia
ficatório, excludente e linear/unidirecional/ dos agricultores/as [...] (Extensionista B)
[...] todas as capacitações/formações ou mes-
verticalizado de Avaliação constituído na
mo ações de Ater procuramos afinar mais o
esteira da versão brasileira do Difusionismo foco sobre a realidade das famílias conside-
(ROGERS, 2003) e do Ensino Tecnicista (pelo rando os diferentes públicos trabalhados.
menos) desde os idos de 1950, quanto a visão Ajuda a redirecionar formas de exposição/
instrumental ainda utilizada a serviço de de- discussão de conteúdos pelo melhor enten-
terminada concepção de Gestão Pública em dimento das formas de aprendizagem dos
ATER. agricultores/cursandos. Pequenos cuidados
Na direção dessa superação, o método de em abordar conteúdos de forma simples e
Avaliação Participativa realizado investiu com vinculações concretas à vida dos agri-
numa micropolítica de gestão participativa cultores [...] (Extensionista C)
das ações de ATER/formação profissional de
agricultores/as, visto que os/as egressos/as
opinaram diretamente acerca da busca de 11
Frase de um dos extensionistas rurais-instrutores
soluções para algumas situações-problema da equipe de pesquisa em nossa última reunião de deba-
transformadas em IndicATER. Tais opiniões te sobre as atividades realizadas, representando o que
não é “óbvio”: a percepção do aprofundamento reflexivo
configuravam os sentidos produzidos pelos
inerente aos processos participativos vivenciados.
mesmos na respectiva territorialidade cul- 12
Muitos agricultores e agricultoras pagam pessoal-
tural, frente àqueles/as responsáveis pela mente os cursos de formação profissional desejados.
54
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 49-57, maio/ago. 2012
Por sua vez, o contato direto dos/as exten- assumidos pela equipe de pesquisa.
sionista rurais-instrutores/as com os egres- De fato, essa percepção dos processos de
sos/as dos respectivos cursos de formação construção de sentidos emerge em outras fa-
profissional realizados como ações de ATER las dos extensionistas rurais-instrutores en-
possibilitou perceberem-se e assumirem-se trevistados acerca das contribuições da Ava-
como protagonistas nos processos de ação- liação Participativa, desta vez, para suas
-reflexão-nova ação individuais e coletivos, formações em serviço:
por conseguinte, como educadores de jovens
e adultos no Campo, incitando suas reflexivi- [...] sendo a avaliação feita pelos participan-
dades (tanto nos momentos de Pesquisa Par- tes do processo de aprendizagem, podemos
ticipante, quanto nos de Pesquisa-Ação) de identificar as melhorias que precisam ser
feitas na forma de abordagem das temáti-
tal forma que as necessidades de mudanças
cas, nos conteúdos que precisam ser traba-
imediatas nas práticas educadoras e nos pro-
lhados com agricultores. Então a avaliação
jetos curriculares em questão foram assumi- participativa é um processo de formação
das como inéditos viáveis, minimizando, pois, constante como extensionista. [...] (Exten-
possíveis conflitos epistemológicos diante das sionista A)
novidades (PLOEG, 2004) avistadas. [...] para minha postura como instrutor
Contudo, é importante referir que esta junto ao Centro-Cetreb, me impulsiona a
proposta de Avaliação Participativa era refletir sobre a maneira de como estamos
alienígena aos cotidianos dos educadores- atuando junto a um público que é bastante
-extensionistas rurais-instrutores e, por isto, heterogêneo na sua formação e nas suas ap-
tidões. Além do que é possível refletir sobre
poderia ser análoga à idéia de “inovação tec-
o alcance do que esta formação representa
nológica” (ROGERS, 2003). Contudo, tal pos-
para as pessoas envolvidas. [...] (Extensio-
sibilidade não se confirmou na prática, visto nista B)
que a proposta inicial foi completamente re- [...] nós achamos que conhecemos a reali-
configurada a partir dos processos de signifi- dade e, em em razão disso, montamos os
cação pessoal e coletiva, gerando, pois certa conteúdos do curso. Essa aproximação na
novidade local, territorial, endógena, multir- avaliação participativa permite essa melhor
referenciada, complexa e carregada de senti- compreensão da realidade. [...] (Extensio-
dos apreendidos, debatidos reflexivamente e nista C).
55
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 49-57, maio/ago. 2012
Outra característica do nível de participação tuições executoras parecem estar circunscritas,
das pessoas nesta proposta de Avaliação Parti- ainda, ao fornecimento de informações adequa-
cipativa é que nossa postura dialógica junto aos das para o controle regimental das ações defi-
egressos/as possibilitou-lhes assumirem a posi- nidas a priori pelas instituições financiadoras e
ção de interlocutores interessados em aproveitar pelas metas e objetivos das políticas de governo.
a presença dos extensionistas rurais-instrutores De outra forma, na lógica e na ética desta
nas suas propriedades para questioná-los acer- EJA no Campo, é importante mencionar que a
ca das necessárias adequações de seus conheci- maioria das visitas que realizamos produziu o
mentos específicos às realidades encontradas. sentido de mais do que uma “visita de Avaliação
Assim, os diálogos estabelecidos nesta proposta Pós-Curso”, mas sim a grata satisfação dos agri-
de Avaliação Participativa foram ressignifica- cultores e agricultoras, como pessoas no Campo,
dos como, também, uma ação de ATER. em receber nas suas casas outras pessoas que
Por sua vez, outras propostas de Avaliação não viam há tempos. Haja visto que o tempo de-
de ATER que também utilizam “métodos par- corrido entre a realização dos cursos de Embuti-
ticipativos” ou “monitoramento participativo” dos e Fruticultura e as visitas referidas variava
(CULTIVA, 2007; GUIJT, 1999) consideram entre dois a cinco anos, sendo que neste período
os agricultores/as como meros “informantes”, não houve contato semelhante entre egressos/as
buscando a coleta de informações sem que os e os/as respectivos/as extensionistas rurais-ins-
pesquisadores, necessariamente, realizem uma trutores/as. Assim, as recepções sempre foram
visita ás respectivas propriedades. Assim, há o acompanhadas de sorrisos e contação de causos
risco destes manipularem dados que são, tão so- familiares a partir dos cursos realizados no CE-
mente, certa representação discursiva acerca da TREB e/ou via outras instituições de ATER, fa-
territorialidade cultural dos informantes, sem cilitando a busca mútua de informações acerca:
a possibilidade de qualquer contraste via ação da atualização de aspectos técnico-tecnológicos
dialógica dos pesquisadores diretamente no lu- dos cursos em questão, da qualidade de vida das
gar e território à que se referem. Também exis- famílias, das condições de trabalho nas proprie-
tem propostas (INCAPER, 2011) nas quais as dades, dos demais serviços de ATER e políticas
participações das pessoas no Campo e das insti- públicas disponíveis.
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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 49-57, maio/ago. 2012
REFERÊNCIAS

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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 49-57, maio/ago. 2012
O CENSO 2006 E A REFORMA sultados apresentados neste documento constituem
AGRÁRIA - Aspectos metodológicos marco zero para análises subsequentes, permitindo
não apenas acompanhar performances regionais como
e primeiros resultados
também propor medidas de qualificação para essa e
outras políticas (a exemplo do Luz Para Todos, do Mi-
nha Casa Minha Vida, do Pronaf, do PAA etc.), inte-
grantes do esforço de desenvolvimento nacional, em
sua inserção rural.
A razão disso está no fato de que esse livro (embora
não se limite a isto) dimensiona, distingue e compara,
a partir do universo verificado pelo IBGE, resultados
obtidos pelos agricultores assentados face aos demais
estabelecimentos rurais, em abordagens regionalizadas
e agregadas nacionalmente, focalizando os parâmetros
mais relevantes para compreensão deste assunto,
quais sejam a utilização de terras, o pessoal ocupado
e o valor da produção gerada (destacando os produtos
mais expressivos) e suas importâncias relativas.
Em que pesem as dificuldades decorrentes de seu ca-
ráter pioneiro e a ausência (pois o Censo não coleta) de
Autores: Vicente P. M. de Azevedo Marques, Mauro
informações relativas à venda de trabalho e à produção
Eduardo del Grossi e Caio Galvão de França. Série
para o autoconsumo (que se revelam de enorme rele-
NEAD Debates N. 25. Publicação do Núcleo de Es-
vância durante a fase de consolidação dos assentamen-
tudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD), Mi-
tos), essa publicação mostra que - na base de dados do
nistério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Brasília,
censo - os agricultores assentados oferecem tamanha
2012. Disponível em www.nead.gov.br
contribuição para a produção de determinados itens
alimentares e para a preservação de áreas florestadas,
Trata-se de documento inédito em termos de re- em algumas regiões, que o crescimento de um ponto
levância e abrangência, capaz de oferecer importante percentual no território ocupado pela reforma agrária
contribuição a avaliações sobre a performance dos as- expandiria em mais de 2% a oferta de vários itens, es-
sentamentos e, portanto, da Política Nacional de Re- pecialmente nas regiões Norte e Nordeste.
forma Agrária (PNRA). Esse fato, que por si só já justificaria a expansão no
Construindo e aplicando metodologia singular, que número de famílias assentadas (na região Norte, con-
permite leitura inovadora dos dados do IBGE, os auto- forme os dados do censo agropecuário, a expansão de
res examinaram o Censo Agropecuário de 2006 e esta- 1% nas áreas reformadas ampliaria em mais de 2% a
beleceram novos paradigmas para a discussão do desen- produção de arroz, de feijão, de frutas, de bovinos de
volvimento rural, alterando uma realidade que até então corte, de suínos caprinos e galináceos, entre outros),
dependia de análises setoriais e de estudos de caso. cresce em relevância quando se percebe que, apesar
Nessa perspectiva, desmascarando e tornando dis- de disporem de terras em que cerca de 21% da área é
pensáveis análises condicionadas por interesses so- inaproveitável (média de 15% no Sul e 25% no Nor-
ciopolíticos, invariavelmente distorcidas por critérios te), os agricultores assentados mantêm, no restante,
amostrais, O CENSO 2006 E A REFORMA AGRÁRIA 31% coberto com matas nativas (13% no Sul, 39% no
constitui-se em leitura obrigatória para os estudiosos Norte) e exploram de forma expressiva a parte apro-
do tema e provavelmente será recordista de citações veitável, 59% com pastagens e criações, 18% com
em publicações especializadas, dissertações e teses ao lavouras, 4% com sistemas agroflorestais (no Norte,
longo dos próximos 5 anos. 6% com agricultura e 65% com pastagens; no Sul,
Após superadas, pelo esforço dos autores, as difi- 57% com agricultura e 32% com pastagens).
culdades associadas à discriminação de informações Ocupando 9% da área (5% no Sul; 8% no Norte;
relativas aos assentamentos dentre a massa de dados 23% no Nordeste), os assentamentos reúnem 12%
coletada pelo Censo, a metodologia proposta e os re- dos estabelecimentos rurais do Brasil, gerando ocupa-
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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 58-60, maio/ago. 2012
ções produtivas para 1,9 milhão de pessoas (11% do economia rural brasileira, que apesar das dificuldades
total de indivíduos nessa condição, em estabelecimen- enfrentadas pelas famílias assentadas a maturidade da
tos rurais brasileiros). Evidentemente esses números PNRA já determina que, em média, os agricultores as-
apresentam enorme flutuação regional, como pode ser sentados mostram-se mais produtivos e mais eficientes
verificado em tabelas que os autores do livro construí- que o conjunto que os cerca.
ram de maneira a facilitar comparações entre diferen- Resta afirmar que esse livro, ao estabelecer novos
tes regiões e Estados do Brasil. parâmetros para discussão da PNRA, também sugere
Os grandes números apresentados desautorizam caminhos para sua qualificação, devendo ser estudado
leituras frequentemente encontradas na grande mídia, por todos aqueles que se preocupam com o tema do
nas quais os assentamentos rurais são interpretados desenvolvimento nacional, desde uma perspectiva in-
como parcela pouco expressiva ou pouco relevante cludente, voltada ao mercado interno, à segurança e
no contexto nacional. Ao contrário, percebe-se que soberania alimentar.
sua participação é fundamental para o desenvolvimen- Finalmente, cabe mencionar o estilo e a clareza com
to do rural brasileiro, para a geração de renda e de que os autores expõem seus argumentos, bem como a
ocupações produtivas, bem como para a preservação contribuição que oferecem para que os leitores com-
ambiental e para a oferta de alimentos, merecendo in- preendam tanto o trabalho do IBGE como as dificulda-
cremento de estímulos, créditos e políticas especiais. des e os equívocos mais frequentemente observados,
A renda média anual, subestimada porque o Cen- em tentativas de extrapolação ou de comparação de
so de 2006 não incorporou valores associados ao au- informações coletadas em bases pouco representati-
toconsumo e à venda de trabalho (responsáveis por vas, com os resultados do Censo.
aproximadamente 40% da renda total), oscilou entre
pouco mais de R$ 10mil e pouco menos de R$ 33 mil Resenha elaborada por Leonardo Melgarejo, engenheiro agrônomo,
Msc Economia Rural, Doutor em Engenharia de Produção. Extensionista
por estabelecimento. Esses valores resultam majorita- Rural da EMATER, no momento atuando junto ao INCRA e como
riamente (69% do total) de explorações agrícolas e, representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio.
em menor escala, de atividades pecuárias (30%), com
variações regionais importantes (no Nordeste, 85%
provêm da pecuária e 14%, da agricultura; no Sul,
73%, da agricultura e 27%, da pecuária). Sistemas Agroflorestais -
Considerando a produção nacional total, mesmo restauração ecológica e agricultura
ocupando apenas 9% do território, os assentados co- sustentável
mercializam 9% do leite de vaca, 9% do arroz, 9%
do feijão-preto, 11% da banana e 15% da mandioca. O livro Sistemas Agroflorestais, de autoria do biólogo
No caso do milho, em 2006, os assentados colheram Geraldo Ceni Coelho, vem suprir uma demanda atual
e venderam mais de 2,5 milhões de toneladas (6% da acerca de alternativas para sistemas de produção e res-
produção nacional). tauração ambiental para técnicos das Ciências Agrárias
No cômputo total, os valores identificados pelo e de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul. A partir da
Censo alcançaram R$ 9,5 bilhões, número que deve experiência de professor universitário e pesquisador, bus-
ser interpretado levando em conta o fato de que a ren- cando intercambiar conhecimentos sobre Sistemas Agro-
da auferida pelos agricultores assentados tende a girar florestais (SAF) com os agricultores, principalmente os das
no micromundo das pequenas comunidades situadas regiões do Médio Uruguai e do Planalto Médio, o autor
no entorno dos assentamentos, com efeitos multiplica- desenvolve um abrangente trabalho sobre conceitos, ti-
dores que animam os pequenos negócios e armazéns pologias, interações ecológicas fundamentais, conservação
de comunidades do interior. e promoção da vida do solo e inserção dos SAF como
Não há de ser pequena a surpresa de muitos lei- alternativa para sistemas de produção no atual contexto
tores, quando confrontados com elementos resul- de mudanças climáticas, além de relatar de forma breve
tantes dos grandes números do Censo que não ape- as experiências mais significativas desenvolvidas no Sul do
nas contrariam o imaginário coletivo construído por Brasil, especialmente no Rio Grande do Sul.
campanhas de desinformação apoiadas por interesses Inicialmente o autor propõe uma classificação para os
contrários à democratização do acesso à terra, como SAF de acordo com o grau de adesão ao processo de
também demonstram, pela primeira vez na história da sucessão ecológica, convencionando três categorias: SAF
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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 58-60, maio/ago. 2012
Concomitantes; Quintais agroflorestais; e SAF
Sucessionais, respectivamente os sistemas que
apresentam menor, intermediária e maior ade-
são ao processo de sucessão ecológica. Tam-
bém apresenta o conceito de sucessão ecoló-
gica, as mudanças nas condições dos solos e as
interações interespecíficas com o avanço desse
processo.
Desenvolve uma abrangente revisão so-
bre os trabalhos de pesquisa sobre seques-
tro de carbono e ciclagem de nutrientes em
florestas tropicais, sistemas convencionais
de cultivo de plantas anuais e pastagens e
SAF no Brasil e no mundo. Demonstra que
os SAF apresentam eficiência intermediária
na acumulação de carbono e ciclagem de
nutrientes, quando comparados às florestas tropicais uma relação de equivalência por área entre culturas em
e aos agroecossistemas convencionais, com monocul- SAF e as culturas em sistemas solteiros (monoculturas),
turas agrícolas e pastagens sem a presença do compo- como forma de avaliar a eficiência econômica de SAF.
nente arbóreo. Finalmente, o autor descreve as experiências de
É abordada no livro a importância da matéria orgâni- SAF mais significativas no Sul do Brasil e no Rio Gran-
ca na manutenção da fertilidade e na promoção da vida de do Sul, especificamente os sistemas com erva-mate
dos solos, com o relevante papel desempenhado pelas sombreada, os sistemas silvipastoris, citricultura som-
árvores nesses sistemas, mostrando que a decompo- breada, fruticultura tropical em área de mata atlântica
sição da serapilheira, com maiores teores de lignina, e SAF sucessionais, desenvolvidos a partir dos conhe-
proporciona uma oferta de compostos orgânicos recal- cimentos e das práticas desenvolvidas por Ernst Göts-
citrantes (húmus) que melhoram a estrutura e a capa- ch. Apresenta os desafios para a implantação de SAF e
cidade de troca de cátions dos solos, além do controle Sistemas Silvipastoris, os quais requerem uma melhor
dos processos erosivos causados por chuva e ventos. compreensão das interações entre as espécies em sis-
O autor também revisa os efeitos microclimáticos temas mais complexos, como forma de ultrapassar os
como o quebra-vento, a otimização da radiação so- sistemas em monocultivos, dependentes de insumos
lar devido à estratificação vertical de plantas em SAF, externos e insensíveis às demandas e condições ob-
absorvendo e filtrando diferentes comprimentos de jetivas de produção e modo de vida dos agricultores
onda, criando efeitos microclimáticos que favorecem o familiares, assentados da reforma agrária e comunida-
desenvolvimento vegetativo e reprodutivo de plantas des e povos tradicionais. Aborda os limites da legisla-
de interesse econômico dos agricultores, como nos ca- ção visando ao uso econômico de espécies nativas e as
sos de cítrus e erva-mate. Quanto às interações entre perspectivas para pesquisas em SAF no Sul do Brasil.
os componentes bióticos dos ecossistemas, apresenta Enfim, é um livro que apresenta uma síntese dos tra-
informações de pesquisas sobre os efeitos sinérgicos balhos científicos e as contribuições derivadas das ex-
de micorrizas e minhocas do solo, relacionados à ab- periências do autor na implantação e no manejo de SAF
sorção de nutrientes pelas plantas e melhoria na estru- no Sul do Brasil, sendo uma importante e rica fonte de
tura dos solos, respectivamente, e mutualismos entre informações técnicas para todos aqueles que acreditam
insetos e predadores no controle de pragas e doenças. na necessidade e na oportunidade da reconversão dos
Apresenta critérios para a seleção de espécies arbó- sistemas de produção, para sistemas mais sustentáveis,
reas, com ênfase nas espécies nativas, descrevendo al- que promovam a biodiversidade e a produção agrope-
gumas espécies arbóreas de uso múltiplo, preferenciais cuária de acordo com os princípios da agroecologia.
para SAF, com aproveitamento para adubação verde,
forragem, lenha, madeira, sombreamento e melíferas. Resenha elaborada por Antonio Carlos Leite de Borba, engenheiro
Mostra a viabilidade de implantação de SAF como Florestal, coordenador da Rede Temática em Sistemas Agroflorestais da
estratégia de restauração ecológica, além de propor Emater/RS-Ascar.
60
Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 58-60, maio/ago. 2012
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO dade e Ambiente, enquadrando-se a abordagem teórica


RURAL SUSTENTÁVEL e a divulgação de experiências práticas nas seguintes ca-
Revista da Associação Rio-grandense de tegorias: desenvolvimento endógeno, desenvolvimento
Empreendimento de Assistência Técnica e local, reforma agrária, agricultura/pecuária de base eco-
Extensão Rural e da Associação Sulina de Crédito e lógica, proteção etnoecológica, conhecimento local, meio
Assistência Rural - Emater/RS-Ascar ambiente, ecologia, economia ecológica, comunicação ru-
ral, extensão rural, organização social, metodologias par-
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO ticipativas, redesenho de agroecossistemas sustentáveis,
tecnologia e sociedade, indicadores de sustentabilidade,
1 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável biodiversidade, balanços energéticos agropecuários, im-
é uma publicação da Emater/RS-Ascar, destinada à divul- pactos ambientais.
gação de trabalhos de agricultores, extensionistas, profes-
sores, pesquisadores e outros profissionais dedicados aos 8 As contribuições devem ter, no máximo, 15 laudas
temas centrais de interesse da Revista. (usando editor de textos Microsoft Word) em formato
A-4, devendo ser utilizada letra Times New Roman, ta-
2 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável manho 12, e espaço 1,5 entre linhas (um espaço entre
é um periódico de publicação quadrimestral que tem como parágrafos). Poderão ser utilizadas notas de pé de página
público referencial todas aquelas pessoas que estão empe- ou notas ao final, devidamente numeradas, devendo ser
nhadas na construção da agricultura e do desenvolvimento escritas em letra Times New Roman, tamanho 10, e es-
rural sustentáveis. paço simples.
Quando for o caso, fotos, mapas, gráficos e figuras de-
3 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável vem ser enviados, obrigatoriamente, em formato digital e
publica artigos científicos, resultados de pesquisa, estudos preparados em softwares compatíveis com a plataforma
de caso, resenhas de teses e livros, assim como experi- Microsoft Windows, de preferência no formato JPG ou TIF.
ências e relatos de trabalhos orientados pelos princípios
da Agroecologia. Além disso, aceita artigos com enfoques 9 Os artigos devem seguir as normas da ABNT (NBR
teóricos e/ou práticos nos campos do desenvolvimento 6022/2003). Recomenda-se que sejam inseridas no corpo
rural sustentável e da agricultura sustentável, esta enten- do texto todas as citações, destacando-se, entre parênte-
dida como toda a forma ou estilo de agricultura de base ses, o sobrenome do autor, o ano de publicação e, se for
ecológica, independentemente da orientação teórica so- o caso, o número da página citada ou letras minúsculas
bre a qual se assenta. quando houver mais de uma citação do mesmo autor e
Como não poderia deixar de ser, a Revista dedica espe- ano. Exemplos: Como já mencionou Silva (1999, p. 42);
cial interesse à agricultura familiar, que constitui o público como já mencionou Souza (1999 a, b); ou, no final da cita-
prioritário da extensão rural gaúcha. Nesse sentido, são ção, usando (Silva, 1999, p. 42).
aceitos para publicação artigos e textos que tratem teori-
camente desse tema e/ou abordem estratégias e práticas 10 As referências devem ser reunidas no fim do texto,
que promovam o fortalecimento da agricultura familiar. seguindo as normas da ABNT (NBR 6023/2002).

4 Os artigos e textos devem ser enviados por e-mail 11 Sobre a estrutura, os artigos técnico-científicos de-
para revistaagroecologia@emater.tche.br. vem conter:
a) título do artigo: em negrito e centrado;
5 Serão aceitos para publicação textos escritos em b) nome(s) do(s) autor(es): iniciando pelo(s)
Português ou Espanhol, assim como tradução de textos sobrenome(s), acompanhado(s) de nota de rodapé em
para esses idiomas. Salienta-se que, no caso das tradu- que conste profissão, titulação, atividade profissional, lo-
ções, deve ser mencionado de forma explícita, em pé de cal de trabalho, endereço e e-mail;
página, “Tradução autorizada e revisada pelo autor” ou c) resumo: no máximo em 10 linhas nos idiomas Portu-
“Tradução autorizada e não revisada pelo autor”, confor- guês e Inglês (para artigos em Língua Portuguesa);
me o caso. d) palavras-chave: no mínimo 3 palavras-chave e no
máximo 5 nos idiomas Português e Inglês (para artigos em
6 Terão prioridade na ordem de publicação os textos Língua Portuguesa);
inéditos, ainda não publicados, assim como aqueles que e) corpo do trabalho: deve contemplar, no mínimo, 4
estejam centrados em temas da atualidade e contemporâ- tópicos, a saber: introdução, desenvolvimento, conclusões
neos ao debate e ao “estado da arte” do campo de estudo e referências. Poderá ainda conter lista de ilustrações, lista
a que se refere. de tabelas e lista de abreviaturas e outros itens julgados im-
portantes para o melhor entendimento do texto.
7 Os textos deverão se enquadrar nos seguintes te-
mas: Desenvolvimento Rural Sustentável, Agricultura 12 Serão enviados 3 exemplares do número da Revista
Sustentável, Agroecologia, Agricultura Familiar, Extensão para todos os autores que tiverem seus artigos ou textos
Rural, Relações Sociais nos Processos de Desenvolvimen- publicados. Em qualquer caso, os textos não aceitos para
to Rural, Manejo Sustentável de Agroecossistemas, Socie- publicação não serão devolvidos aos seus autores.

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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, maio/ago. 2012
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO biente, encuadrándose el abordaje teórico y la divulgaci-


RURAL SUSTENTÁVEL ón de experiencias prácticas en las siguientes categorías:
Revista de la Associação Rio-grandense de desarrollo endógeno, desarrollo local, reforma agraria,
Empreendimento de Assistência Técnica e Extensão agricultura/pecuaria de base ecológica, protección etno-
Rural y de la Associação Sulina de Crédito e ecológica, conocimiento local, medio ambiente, ecología,
Assistência Rural - Emater/RS-Ascar economía ecológica, comunicación rural, extensión rural,
organización social, metodologías participativas, rediseño
NORMAS PARA PUBLICACIÓN de agroecosistemas sustentables, tecnología y sociedad,
indicadores de sustentabilidad, biodiversidad, balances
1 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável energéticos agropecuarios, impactos ambientales.
es una publicación de la Emater/RS-Ascar, destinada a la di-
vulgación de trabajos de agricultores, extensionistas, profe- 8 Las contribuciones deben tener extensión máxima
sores, investigadores y otros profesionales dedicados a los de 15 páginas (utilizándose editor de textos Microsoft
temas centrales de interés de la Revista. Word) en formato A-4, con estilo de letra Times New Ro-
man, tamaño 12, y a un espacio y medio entre líneas (un
2 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável espacio entre párrafos). Será posible utilizar notas al pie
es un periódico de publicación cuatrimestral que tiene de la página o notas finales, debidamente numeradas, de-
como público referencial todas las personas que están em- biendo ser escritas en letra Times New Roman, tamaño
peñadas en la construcción de la agricultura y del desarrollo 10, a un espacio.
rural sustentable. Cuando sea el caso, fotos, mapas, gráficos y figuras se
deben enviar obligatoriamente en formato digital y prepa-
3 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável rados en softwares compatibles con el Microsoft Windo-
publica artículos científicos, resultados de investigaciones, ws, preferentemente en formato JPG o TIF.
estudios de caso, reseñas de tesinas y libros, bien como
experiencias y relatos de trabajos orientados por los prin- 9 Los artículos deben seguir las normas de la Asso-
cipios de la Agroecología. Además, acepta artículos con ciação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) - NBR
enfoques teóricos y/o prácticos en las áreas del desarrollo 6022/2003. Se recomienda que se inserten en el cuerpo
rural sustentable y de la agricultura sustentable, ésta com- del texto todas las citas, destacándose, entre paréntesis,
prendida como toda la forma o estilo de agricultura de el apellido del autor, el año de publicación y, si es el caso,
base ecológica, independientemente de la orientación te- el número de la página citada o letras minúsculas cuando
órica sobre la cual se basa. haya más de una cita del mismo autor y año. Ejemplos:
Como no podría dejar de ser, la Revista dedica especial Como ya se mencionó Silva (1999, p. 42); como ya se
interés a la agricultura familiar, que constituye el público mencionó Souza (1999 a, b); o, al final de la cita, utilizán-
prioritario de la extensión rural gaúcha. En ese sentido, se dose (Silva, 1999, p. 42).
aceptarán para publicación los artículos y textos que tra-
ten teóricamente de ese tema y/o de estrategias y prác- 10 Las referencias se deben reunir al final del texto,
ticas que promuevan el fortalecimiento de la agricultura siguiendo las normas de la ABNT (NBR 6023/2002).
familiar.
11 Sobre la estructura, los artículos técnico-científicos
4 Los artículos y textos se deben enviar por e-mail a deben contener:
revistaagroecologia@emater.tche.br. a) título del artículo: en negrita y centrado;
b) nombre(s) del (de los) autor(es); empezando por
5 Se aceptarán para publicación textos en Lengua Por- el (los) apellido(s), acompañado(s) de nota al pie en que
tuguesa o Española, bien como traducción de textos para conste profesión, titulación, actividad profesional, lugar
esos idiomas. Se llama la atención para que, cuando se de trabajo, dirección y e-mail;
trate de traducción, se mencione expresamente, al pie de c) resumen: no más de 10 líneas en los idiomas Español
la página, la expresión “Traducción autorizada y revisada e Inglés (para artículos en Lengua Española);
por el autor” o “Traducción autorizada y no revisada por d) palabras clave: no menos que 3 palabras clave y no
el autor”, de acuerdo con el caso. más que 5, en los idiomas Español e Inglés (para artículos
en Lengua Española);
6 Tendrán prioridad en el orden de publicación los e) cuerpo del trabajo: debe presentar no menos que
textos inéditos, aún no publicados, así como aquellos que 4 puntos, a saber: introducción, desarrollo, conclusión y
estén centrados en temas de la actualidad y contemporá- referencias. Podrá también contener lista de ilustraciones,
neos al debate y al “estado del arte” del área de estudio lista de tablas y lista de abreviaciones y cualquier otro ítem
a que se refiere. que se juzgue importante para la mejor comprensión del
texto.
7 Los textos se deberán encuadrar en los siguientes
temas: Desarrollo Rural Sustentable, Agricultura Susten- 12 Se enviarán 3 ejemplares de la edición de la Revista
table, Agroecología, Agricultura Familiar, Extensión Rural, a todos los autores que tengan sus artículos o textos pu-
Relaciones Sociales en los Procesos de Desarrollo Rural, blicados. En cualquier caso, no se devolverán a sus auto-
Manejo Sustentable de Agroecosistemas, Sociedad y Am- res los textos no aceptados para publicación.
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Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 2, maio/ago. 2012

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