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SUMÁRIO

Introdução............................................................................................................ 5
1. Conjuntura....................................................................................................... 7
1.1 Conjuntura Internacional................................................................. 7
1.2. Solidariedade Internacionalista................................................ 11
1.3. Conjuntura Nacional.......................................................................... 14
2. A Situação da Mulher na Sociedade de Classes................ 22
2.1 A Mulher No Mundo Do Trabalho .............................. 22
2.1.1 A Divisão Sexual Do Trabalho....................................... 22
2.1.2 As Mulheres No Mercado De Trabalho................. 25
2.1.3 Creches.......................................................................................... 29
2.1.4 Assédio Moral e Sexual No Trabalho...................... 30
2.2 A Militância Orgânica da Mulher nas Organizações de
Classe........................................................................................................................ 35
2.3. Violência Contra a Mulher......................................................, 39
2.3.1 A Mulher e o Sistema Penitenciário................... 43
2.3.2 Mulheres e Mídia............................................................... 47
2.3.3 Indústria Pornográfica e Dominação Sobre a
Mulher....................................................................................................... ............... 47
2.4. Saúde da Mulher............................................................................ 49
2.4.1 Descriminalização e Legalização do Aborto..;; 51
2.4.2 Violência Obstétrica........................................................ 53
2.4.3. Saúde Mental das Mulheres..................................... 57
3. O Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro e o Movi-
mento LGBT......................................................................................................... 63
4. O Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro e o Mo-
vimento Feminista......................................................................................... 66
4.1. O Feminismo Classista................................................................ 66
5. Organização do Coletivo Feminista Classista Ana Monte-
negro......................................................................................................................... 73
INTRODUÇÃO

Este Caderno de Teses foi elaborado com a participação das militantes


do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro em etapas estaduais
e finalizado na etapa nacional ocorrida, em São Paulo, entre os dias 20
e 22 de novembro de 2015. Seu conteúdo foi elaborado e discutido
exaustivamente por todas que querem a construção de uma sociedade
comunista e feminista.

Sobre a linguagem da presente tese, não cabe ao documento, por se


tratar de um documento de um coletivo feminista, utilizar linguagem
neutra, e sim feminina. Também cuidamos para que a linguagem fos-
se didática e acessível a toda classe trabalhadora, para que conheçam e
lutem conosco.

Mantivemos a utilização do termo raça (que virá sempre acompanha-


do de etnia, categoria teórica que é usada para identificar os diferentes
povos) para problematizar a força política e social do racismo enquan-
to processo de discriminação e violência do povo negro. O uso da
palavra etnia, porém, é o ideal para refletirmos sobre a diversidade
humana, sendo também usado ao longo do documento. Povos tra-
dicionais foram utilizados para se referir às comunidades indígenas,
ribeirinhas, quilombolas e toda etnia e grupo social que possui uma
organização tradicional em seus territórios de origem, mesmo com as
dificuldades impostas pelo capitalismo.

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1. CONJUNTURA

1.1 Conjuntura Internacional

1. A dominação e exploração da mulher não surgem no capitalismo.


Seu início ocorre em conjunto com o surgimento da propriedade pri-
vada e que mais tarde será apropriada por um sistema que aproveita
dessa condição social prévia para seu aprofundamento e contínua re-
produção.

2. O sistema capitalista, como Marx já havia avaliado, passa por suces-


sivas crises que são concernentes à sua própria natureza. Contempora-
neamente, vivenciamos crises de superacumulação que se combinam
com manifestações de superprodução e queda tendencial da taxa de
lucros, o que não significa que o capitalismo esteja recuando ou redu-
zindo suas bases sociais. É justamente o predomínio mundial do capi-
tal que conduz as crises cada vez mais incontroláveis. Tal predomínio
só pode ocorrer expandindo-se a massa de trabalhadores expropriados
que apenas possui sua força de trabalho para sobreviver. A expansão
da concentração de capitais faz expandir sua contradição central, as-
sim a humanidade é progressivamente convertida em trabalhadoras e
trabalhadores assalariados.

3. Esse é um ponto fundamental para a compreensão de nossas lutas,


já que, em algumas correntes do movimento feminista, são predomi-
nantes as ideias de que a luta de classes chegou ao fim e de que a luta
feminista deve-se pautar somente em especificidades socioculturais.
Essa ênfase culturalizada perde de vista a dimensão contraditória da
sociedade capitalista que reproduz, atualiza e modifica as formas de
dominação a partir das suas necessidades e da dinâmica da luta de clas-
ses.

4. A maturação do capitalismo, atingindo sua fase monopolista e im-


perialista, fez esse sistema ganhar nova dinâmica com um aprofun-
damento maior da concentração de capitais e uma maior expansão
externa. A concentração de capitais impulsionou e impulsiona a ex-

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tração de mais valia e a expropriação de populações inteiras, tanto de
suas condições de produção (terra), como também através de novas
formas de expropriações que incidem principalmente na perda de di-
reitos trabalhistas, tornando os trabalhadores plenamente disponíveis
para a exploração no mercado e através da mercantilização de todos os
aspectos da vida - ambientais, biológicos, culturais. As mulheres são
as mais atingidas nessa dinâmica, sendo 70% da população na zona de
pobreza, segundo dados da ONU (2009), e a maioria ocupa as profis-
sões com as menores rendas e os empregos mais precarizados.

5. Enquanto o capital se expande internacionalmente através de suas


multinacionais e do capital financeiro, expropriando e explorando
trabalhadores de forma desigual em diferentes partes do planeta, os
trabalhadores são enclausurados em suas dinâmicas e realidades na-
cionais. Os limites das fronteiras não só impedem os trabalhadores se
deslocarem na fuga dos conflitos armados ou na busca de melhores
condições de trabalho e vida, mas também impõe limites na interna-
cionalização das lutas e na compreensão do caráter internacional da
exploração do capital, ao mesmo tempo em que estimulam a xenofo-
bia e a competição entre os próprios trabalhadores.

6. A retirada de direitos conquistados historicamente possibilita a cria-


ção de novas formas de contratações cada vez mais precarizadas, onde
as trabalhadoras estão submetidas a altas jornadas de trabalho, baixos
salários, sem direitos salariais adicionais e com uma grande facilidade
de demissão, ou seja, aprofunda-se a extração de mais-valia e dificulta
a organização e luta das trabalhadoras devido a sua alta rotatividade,
ameaça constante de demissão ou devido a sua fragmentação através
de diferentes formas de subcontratações: terceirizações, formação de
cooperativas de fachada, trabalho “informal”, “voluntariado”, estágios
e até contratação como “pessoa jurídica”.

7. A necessidade intrínseca contínua de expropriações fez, e faz, os


capitalistas criarem contínuas investidas imperialistas em todo plane-
ta, gerando guerras e invasões, como no Afeganistão, Iraque, Síria,
Iêmen, Sudão e Ruanda. Invasões que são feitas diretamente, ou atra-

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vés do financiamento de grupos terroristas, como é o caso do Estado
Islâmico, e que são responsáveis por miséria, mortes, abusos sexuais,
saque das reservas energéticas e grandes êxodos de refugiados para
países vizinhos. Conforme pesquisa da UNCHR (The UN Refugee
Agency), o número de pessoas deslocadas por guerras se elevou de
37,5 milhões em 2005 para 59,5 milhões em 2014, é o número mais
alto desde a segunda guerra mundial. Destes 59,5 milhões, 19,5 mi-
lhões são refugiadas. O número de apátridas também cresceu e chega
a afetar aproximadamente 10 milhões de pessoas no mundo.

8. Na Síria, a ânsia de derrubar Bashar Al Assad fez com que os EUA


e a União Europeia passassem a fornecer armamentos para grupos de
mercenários. É o caso do Exército Livre da Síria que hoje mantêm
uma guerra de mais de quatro anos contra o governo de Assad, na
tentativa de derrubá-lo. Se por um lado o Exército Livre acredita na
abertura de um processo revolucionário com a queda de Assad, o Es-
tado Islâmico, que também combate o regime Assad com terrorismo,
objetiva impor seus fundamentos religiosos em todo território. Não
nos colocamos nem ao lado do terrorismo islâmico, nem fazemos coro
às intervenções imperialistas por meio do Exército Sírio Livre. Solida-
rizamo-nos com a classe trabalhadora síria que sofre ataques de todos
os lados e com a resistência e luta dos comunistas no país.

9. No contexto do Oriente Médio, destaca-se o combatente exérci-


to de mulheres curdas, organizadas na YPJ - Unidades de Proteção
Popular (composto apenas por mulheres), uma milícia voluntária do
Curdistão. A organização das curdas, de influência marxista-leninista,
expulsou o Estado Islâmico de Rojava, território autônomo que fica
ao norte da Síria. Essas mulheres, ao mesmo tempo que, combatem
os ataques desses terroristas contra seu povo, também lutam contra
a moral machista e misógina que impõe a escravidão doméstica das
mulheres islâmicas e lutam por uma sociedade igualitária e socialista.

10. Na América Latina essas investidas imperialistas tensionam os go-


vernos mais progressistas do continente que se propõe a construir uma
alternativa anticapitalista e anti-imperialista. As diversas tentativas de

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golpe ao governo de Chávez e, mais recentemente, ao governo de
Maduro representam a ofensiva das elites venezuelanas apoiadas e fi-
nanciadas pelos EUA.

11. As recentes tensões nas fronteiras Venezuela - Colômbia tam-


bém são consequência do aguçamento das contradições capitalistas
no continente. O governo de direita e reacionário da Colômbia tem
como estratégia o paramilitarismo, que é responsável pela perseguição
e extermínio de diversos movimentos populares contestatórios nesse
país e pela morte e prisão de várias das lideranças desses movimentos.
São esses mesmos paramilitares que atravessam as fronteiras e contra-
bandeiam comida, gasolina e outros bens básicos da Venezuela, ten-
sionando economicamente o governo Maduro, em uma ação que se
estendeu para todos os departamentos da fronteira, irradiando-se na
forma de ingerência estrangeira na política venezuelana. Prova disso é
que 68,32% dos municípios dirigidos pela oposição estão na fronteira
com a Colômbia.

12. O conflito na Colômbia que envolve paramilitarismo, intervenção


estadunidense, narcotráfico e os exércitos insurgentes e de libertação,
influenciam diretamente no cotidiano do povo colombiano, levando
o país a uma realidade de altos índices de desalojamento. A ocupação
de paramilitares e os desalojomentos trazem riscos específicos para as
mulheres colombianas: violência, exploração e abuso sexual; sequestro
para exploração ou escravização das mulheres para exercerem traba-
lhos domésticos; recrutamento forçado dos filhos e filhas das desaloja-
das para realizar serviços para os paramilitares. O CFCAM deverá for-
talecer a mesa de negociação instaurada em Cuba, chamada “Diálogos
de Paz”, pela paz na Colômbia.

13. A compreensão dessa conjuntura política e econômica interna-


cional é fundamental neste momento em que o imperialismo avança
contra a soberania dos povos em uma forte ofensiva contra a classe
trabalhadora, ditando a política interna de países alinhados ao projeto
capitalista. Para, além disso, ao nos pautarmos no internacionalismo
proletário e ao compreendemos que a revolução socialista deverá se

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estender por todos os cantos do planeta, o Coletivo Feminista Classista
Ana Montenegro coloca-se como instrumento político ativo na luta
internacional. A emancipação de toda a humanidade só se dará com a
emancipação das mulheres!

1.2. Solidariedade Internacionalista

14. Em tempos de agravamento da crise do capitalismo, no qual as


opressões mostram sua face mais cruel e se manifestam de variadas
formas, seja na criminalização da pobreza, nos conflitos internos e
externos, na falência de políticas sociais e principalmente no total des-
prezo aos direitos humanos, fortalecer a solidariedade entre a classe
trabalhadora de todos os povos é imperativo para a própria sobrevi-
vência humana.

15. As ações de solidariedade para com os seres humanos e causas ne-


cessitam estar na ordem do dia das organizações políticas, como tam-
bém nas iniciativas da militância. As comunistas, socialistas e progres-
sistas sempre foram ativas na solidariedade. Um exemplo histórico:
após a eclosão da Primeira Guerra Mundial, Clara Zetkin se torna
dirigente do Socorro Vermelho, que tem um papel fundamental na
solidariedade às vitimas da reação e do fascismo.

16. Uma forte aliada da solidariedade é a comunicação contra hege-


mônic, com sua influência nas redes sociais, possibilitando a circulação
de notícias, de denúncias, de repúdios, de moções de apoio ganham
dimensão incalculável. Também deve-se atuar na ajuda imediata, no
trabalho de campo e na construção de atos e de marchas, a exemplo
das Marchas em Defesa do Povo Palestino e da Marcha Patriótica, em
apoio ao povo colombiano.

17. Muitas mulheres na atual situação de conflito carecem de atenção


em suas causas, como as haitianas, que tiveram suas condições de vida
pioradas em razão da ocupação da Minustah (Missão das Nações Uni-
das para a Estabilização no Haiti criada pelo conselho de segurança

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da ONU, em 2004, devido à insurgência e deposição do presidente
Jean-Bertrand Aristide) e do terremoto de 2010. A miséria, violações
sexuais e de direitos são constantes para as haitianas, e as militantes fe-
ministas comunistas devem se engajar em campanhas pela retirada das
tropas do Haiti, inclusive a brasileira. Isto é prioritário para autode-
terminação da população daquele país. O Coletivo Ana Montenegro
deve lutar pela autodeterminação dos povos, bem como prestar apoio
político e social aos refugiados haitianos no país!

18. As mulheres curdas que lutam contra o EI (Estado Islâmico) que-


rem que essa luta vá além da questão territorial. Projetam uma nova
forma de convívio e dizem “É uma luta para todos nós, uma luta por
liberdade”, rompendo assim com um patriarcado secular. Na mesma
perspectiva revolucionária, as mulheres palestinas comunistas organi-
zadas pela Frente Popular para Libertação Palestina seguem em mar-
cha contra o genocídio promovido pelo governo sionista do Estado
de Israel, na luta pela autonomia socioeconômica e cultural aliada à
luta pela construção do socialismo. A divulgação e apoio às ações das
corajosas curdas e palestinas desmistificam a propaganda burguesa que
as promovem com uma visão meramente sensual, mercantil e sub-
missa das mulheres do Oriente Médio. É importante destacar que a
sexualização das mulheres dessas regiões, principalmente as islâmicas,
contribui para a violência contra elas.

19. As mulheres das Farc-EP, que há mais de cinquenta anos lutam


em armas contra as oligarquias colombianas, o para militarismo e o
imperialismo dos EUA, têm hoje um número expressivo de deslocadas
internamente, de refugiadas espalhadas por diversas partes da América
Latina e Caribe e mais de nove mil presas políticas sem julgamento
legal e direitos preservados. No Brasil, a Marcha Patriótica desenvolve
atuações de divulgação e impulsionam a solidariedade aos lutadores e
lutadoras da Colômbia.

20. A Europa vive uma intensa crise de desemprego em decorrência


das políticas de austeridade aplicadas pela Troika - formada pela União
Europeia, FMI e Banco Central Europeu. A vulnerabilidade que atin-

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ge as mulheres no mercado de trabalho se intensifica em contextos de
crise. Entre os países europeus, o desemprego atinge as mulheres em
uma proporção 20% maior do que os homens (Eurostat/2014).

21. As mobilizações “Ni Una Menos” foram convocadas no Uruguai,


Chile e Argentina para uma multitudinária passeata pelo fim da vio-
lência contra a mulher. Em Buenos Aires, chegou a reunir 300 mil
pessoas em frente ao Congresso da Nação. A principal bandeira foi
o fim do feminicídio. Essas mobilizações merecem todo nosso apoio
pelo importante papel que cumprem na massificação da luta das mu-
lheres.

22. É fundamental que os partidos políticos e organizações contra he-


gemônicas que lutam por direitos humanos participem de maneira
militante na causa de solidariedade internacionalista. Por exemplo, na
Nigéria há quase dois anos, cerca de 2.000 mulheres e meninas ni-
gerianas foram vítimas de sequestros pelo grupo sanguinário Boko
Haram e um número significativo das sequestradas foram estupradas.
Uma prática rotineira nos ataques, ocasionando gravidezes não con-
sentidas, agravando a miséria e exploração da força de trabalho dessas
mulheres já existentes na região.

23. As mulheres nigerianas, bem como as de outras nacionalidades/


territórios africanos em guerra civil oficial ou não oficial, as mulheres
indígenas, as palestinas, as guatemaltecas, as negras, as presidiárias, as
prostituídas e tantas outras em todo o território global têm perdido
o direito a suas vidas e seus corpos. A exemplo disso, as gestações
não desejadas e os abortos enquanto forma de segregação ou arma de
guerra, e outras formas de agravamento da miséria nas áreas em que
ocorrem. Essas ações demonstram que, em nível mundial, o genocídio
étnico é utilizado como mais uma forma de se obter territórios para
negócios lucrativos.

24. A mutilação genital de mulheres é um ato de extrema violência


física e psicológica que precisa ser combatida a nível internacional.
A prática, ritualizada em 27 países africanos, alguns locais do Oriente

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Médio e da Ásia, alicerça-se na ideia de que a sexualidade das mulheres
deve servir exclusivamente para o prazer do homem ou para a repro-
dução.

25. A solidariedade precisa ser praticada com constância, principal-


mente a solidariedade internacionalista, um compromisso de todas as
comunistas. Todas as ações de repúdio e denúncias precisam ganhar
mais combatentes contra essa cruel e dura realidade. As lutadoras de-
verão estar em solidariedade contra todas as formas de violência que
são exercidas contra as classes exploradas e oprimidas nesta terra, par-
ticularmente contra as mulheres. Mas, nenhuma forma de violência
pode finalmente ser removida sem a libertação da sociedade de classes.
Só a superação revolucionária desse modelo social existente possibili-
tará a abolição da exploração humana

1.3. Conjuntura Nacional

26. No período pós-segunda guerra mundial, momento de supera-


cumulação de capitais, as burguesias de países imperialistas passam a
exportar cada vez mais seus negócios para diversos locais do planeta,
aprofundando e generalizando, principalmente nas periferias do capi-
tal, relações de superexploração.

27. Os sucessivos golpes civis e/ou militares em diversos países fo-


ram uma amostra da ampliação do impulso explorador do capital, que
patrocinou várias derrubadas de governo e imposição de ditaduras.
O golpe empresarial-militar no Brasil foi um momento de injeção
de recursos externos e de um desenvolvimento mais acelerado da in-
dústria nacional, possibilitando a criação de um diversificado parque
industrial, uma expropriação/assalariamento massivo de trabalhadores,
um crescimento do mercado interno e a consolidação do bloco hege-
mônico burguês.

28. As burguesias nacionais e internacionais estão interligadas, de for-


ma ainda dependente e desigual, mas se colocando do mesmo lado nas

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lutas de classes e no aprofundamento das expropriações e exploração
dos trabalhadores. No caso do Brasil, o capitalismo já se comporta de
forma imperialista, ao exportar suas indústrias e capitais para explorar
recursos e força de trabalho em países da África e América Latina.

29. Apesar de se intitular Partido dos Trabalhadores, o governo do


PT, deu continuidade às políticas de desenvolvimento do capitalismo
nacional e internacional iniciada nos governos anteriores. Por exem-
plo, foram adotadas políticas de financiamento do agronegócio e de
empresas privadas - empreiteiras, universidades e hospitais privados
- com o dinheiro público. O agronegócio e as grandes empreiteiras
avançam sobre as terras dos povos tradicionais e de pequenos agricul-
tores; ao mesmo tempo, direitos básicos como educação e saúde são
mercantilizados e repassados para a exploração do capital.

30. A conta da crise econômica capitalista está sendo paga pelos traba-
lhadores em todo o mundo. No Brasil não é diferente. Para enfrentar a
crise salvando o lucro dos empresários e garantindo os pagamentos da
dívida interna e externa para os bancos e para os países imperialistas,
o governo propõe um “ajuste fiscal”. Este Ajuste Fiscal nada mais é do
que a retirada de direitos, o fim de vários projetos sociais, a precari-
zação, com o objetivo de redução e/ou privatização dos serviços pú-
blicos oferecidos à população, aumento do desemprego e do arrocho
salarial, que têm atingido mais diretamente as mulheres.

31. No que diz respeito aos projetos sociais que vinham sendo im-
plementados pelo governo federal nos últimos anos - bolsa família,
auxílio reclusão etc. - embora sua aplicação ampliada visasse o bene-
ficiamento do consumo doméstico, uma das prerrogativas para resta-
belecer o equilíbrio produtivo, comercial e de serviços no país, estes
projetos viabilizavam maior independência financeira das mulheres, o
que lhes garantia acesso aos estudos e, principalmente, ruptura com a
condição de subalternidade em relação aos maridos e companheiros
nos casos em que se verificavam esses formatos de relações socioafeti-
vas. É fundamental, no entanto, ressaltar que essas políticas se inserem
no contexto de um amplo avanço da estratégia neoliberal de concilia-

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ção de classes, para a manutenção da exploração do trabalho.

32. Quanto aos índices de desemprego e desocupação, os últimos da-


dos da PNAD/IBGE para os meses de abril, maio e junho de 2015
mostram que a taxa de desocupação entre as pessoas em idade de tra-
balhar, mas que estão sem emprego formal, é maior entre as mulheres
em todas as regiões do Brasil. No 2º trimestre de 2015, a taxa total de
8,3% foi estimada em 7,1%, para os homens, e 9,8%, para as mulheres.
Sendo que entre a população jovem esta taxa mais que duplica em
relação ao total da população desocupada chegando a 18,6%. No mes-
mo período, ainda segundo o IBGE, o nível da ocupação dos homens,
no Brasil, foi estimado em 67,1% e o das mulheres, em 46,2%, este
fato foi constatado em todas as regiões do Brasil.

33. Estes dados mostram claramente como o desemprego em todo


país, atinge mais às mulheres, a exemplo das trabalhadoras gestantes
e mães, que sofrem discriminação durante a busca de empregos e/ou
durante o exercício de suas funções. Quando feito um recorte racial, o
desemprego entre as mulheres negras é ainda maior. Nos momentos
de crise econômica, como o que vivemos, os setores oprimidos e pre-
carizados são os mais afetados pela falta de renda e emprego.

34. Em muitos lugares do país, a falta de acesso a creches e escolas gra-


tuitas em período integral e próxima aos lares é um impeditivo para
mães trabalharem. O investimento em creches públicas e laicas que já
era deficitário face à demanda das trabalhadoras, não será retomado
na medida da real necessidade, mantendo as condições que impedem
um maior avanço da participação feminina na vida política e pública
como um todo e que impõe múltiplas jornadas de trabalho para as
mulheres.

35. Outro aspecto a ser considerado é o aumento da terceirização atra-


vés do PL4330/2004, que permite a terceirização de todas as atividades
de uma empresa, e que atingirão mais as mulheres, principalmente
negras, pois os serviços que mais empregam mulheres, como limpeza
e alimentação, são aqueles em que a terceirização avançou a passos

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largos na última década, pagando os menores salários e com as piores
condições de trabalho.

36. Junto ao aumento da terceirização, outra tendência que se apro-


funda é o aumento da rotatividade do trabalho e da instabilidade no
emprego. As mulheres são novamente as que mais sofrem, pois, o seu
trabalho ainda é visto como complementar ao do homem, ignorando
suas múltiplas jornadas. E ainda tem o impeditivo do fato das mulheres
serem vistas como as únicas responsáveis pelos cuidados das crianças.
Esta situação se agrava com o aumento do período mínimo trabalhado
para a obtenção do seguro-desemprego de 6 para 18 meses, uma me-
dida que faz parte da MP 665.

37. Acompanha essa tendência de precarização do trabalho as medidas


em discussão no Congresso Federal, a partir da Câmara dos Deputa-
dos que na última legislatura, em vigor no período de 2015 até 2019,
teve um aumento quantitativo de deputados conservadores - organi-
zados nas bancadas fundamentalistas, do agronegócio e da indústria
armamentista - além de ter estagnado a participação parlamentar de
mulheres.

38. As discussões dentro da política institucional brasileira, encabeça-


das por comissões de direitos humanos, da família e do código penal,
trazem à tona a realidade da conjuntura nacional sobre a violência
contra a mulher em diversos âmbitos. As mudanças na atual legisla-
ção, propostas por tais comissões, põe em risco as conquistas e avanços
políticos obtidos pelas lutas feministas ao longo de mais de um século
no país. O que reitera o caráter opressivo e subjugador do capital em
momentos de crise, principalmente em momentos de crise sistêmica.

39. Vimos acompanhando o estabelecimento de uma lógica que visa


eliminar as discussões de gênero nos planos educacionais nacionais.
O estabelecimento da formalização do formato ideal de família, que
considera a heteronormatividade e mantém o patriarcado como orga-
nização imediata da sociedade brasileira e que perpetua as condições
da violência doméstica e diminui os direitos das mulheres em casos

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de divórcio. Uma educação desde a infância que vise romper com as
imposições para as meninas e os meninos, a cultura machista e toda a
estrutura patriarcal que inferioriza as mulheres é urgente e necessária.
Uma educação sexual popular também deve ser possibilitada nas esco-
las, centros de saúde e casas comunitárias para homens e mulheres de
todas as idades para que as informações, prevenção de DSTs e gravi-
dez indesejada e a métodos anticoncepcionais sejam de fato acessíveis
e de responsabilidade do Estado, em gratuitamente fornecê-los, e que
a preocupação sobre tais temas não recaia sempre sobre as mulheres. O
PL 5059/2013 é um exemplo dos retrocessos que vivemos atualmente,
no qual pune as profissionais da saúde que auxiliarem na interrupção
da gravidez das mulheres vítimas de estupro e dificulta o acesso à in-
formação e aos direitos das mulheres vítima dessa violência.

40. Essa tendência conservadora e retrógrada das classes dominantes,


observada na sociedade brasileira e protagonizada por vereadores, de-
putados, senadores, poder judiciário e pelos administradores diretos
do país, vem refletindo a moralização de uma crise econômica que
não é gerada pela classe trabalhadora.

41. As trabalhadoras precisam se organizar para enfrentar nas ruas


esse ataque aos seus direitos. É tarefa do Coletivo Feminista Classista
Ana Montenegro participar ativamente dessa organização. E levar as
principais bandeiras, históricas e atuais, da mulher trabalhadora, tendo
como horizonte a superação do capital e construção de uma sociedade
emancipada:

• As trabalhadoras não devem pagar pela crise do capitalismo; Por


equiparação salarial;

• Por lavanderias e restaurantes públicos e pelo fim da múltipla jor-


nada de trabalho da mulher;

• Pela melhoria urgente das condições das penitenciárias femininas


e pelo fim da revista vexatória;

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• Contra a privatização dos presídios e pelo fim do encarceramento
em massa da classe trabalhadora;

• Contra o genocídio da classe trabalhadora negra que vive majori-


tariamente nas periferias, bem como a discriminação racial;

• Pela redução da jornada de trabalho sem diminuição de salários;

• Creches, educação infantil e educação integral no local de trabalho


e estudo, em todos os períodos, públicas, estatais, laicas, gratuitas e de
qualidade;

• Pelo fim à violência contra a mulher;

• Contra qualquer forma de precarização das relações de trabalho e


contra o PL 4330 que legaliza a terceirização em todas as atividades.

• Pelo fim da perseguição e ataque aos povos tradicionais;

• Pela descriminalização e legalização do aborto garantindo o aten-


dimento na rede pública de saúde, com acesso a equipe multidiscipli-
nar devidamente capacitada;

• Contra a discriminação por orientação sexual e identidade de gê-


nero que justifica a superexploração dessa parcela de classe;

• Pela ampliação da licença maternidade e do período de estabilida-


de até a criança completar dois anos;

• Pela regulamentação da licença paternidade, que poderá contri-


buir na responsabilidade partilhada do cuidado da criança;

• Pela garantia às mulheres de amamentação no local de trabalho,


atestada por lei;
• Por melhores condições de vida e organização trabalhista para mu-
lheres trabalhadores do sexo;

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 19


• Fortalecer a inserção do CFCAM junto às mulheres rurais e cam-
ponesas; Abaixo ao agronegócio, ao latifúndio e pela reforma agrária
radical;

• Nenhum direito a menos para as trabalhadoras;

• Contra o assédio moral e sexual no local de trabalho;

• Luta conjunta com as mulheres transsexuais, travestis e homens


trans pelo nome social e retificação do nome civil;

• Apoiar as atingidas e atingidos por barragens;

• Em defesa dos povos tradicionais e seus territórios; Em defesa da


educação do campo;

• Valorização do conhecimento e da cultura dos sujeitos do campo;


Contra o genocídio indígena;

• Socialização dos meios de comunicação com atenção especial à


questão da imagem da mulher na mídia.

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2. A SITUAÇÃO DA MULHER NA SOCIEDADE DE CLASSES

2.1 A Mulher No Mundo Do Trabalho

2.1.1 A Divisão Sexual Do Trabalho

42. A primeira forma de organização social da humanidade era gregá-


ria. Todos viviam em bandos por absoluta necessidade de sobrevivên-
cia. Em grupos podiam se proteger e se alimentar melhor. Foi assim
que surgiu o trabalho, possibilitando tirar da natureza o necessário à
vida. Com a evolução, passaram a produzir instrumentos que os aju-
davam na coleta de vegetais e na caça de pequenos animais. Tudo
que era produzido no grupo era dividido igualmente por todos, não
havendo produção excedente nessas sociedades. Não havia a divisão
entre o trabalho intelectual e o trabalho manual, ou seja, não havia a
divisão das tarefas daqueles que planejam e daqueles que executam,
com a desvalorização significativa do trabalho manual.

43. A tarefa de criar os filhos também era coletiva. Os pais eram todos
os homens da tribo, as crianças eram todas primas e primos, apenas a
mãe era individualizada. Se uma mãe morresse, a criança era assumi-
da por outra mulher. Nenhuma criança era abandonada, cada uma
era protegida por todos. As tarefas de criação dos filhos, preparação
de alimentos etc., não eram femininas ou masculinas: eram atividades
coletivas que envolviam pessoas de ambos os sexos e de todas as idades.

44. Quando havia alguma divisão de trabalho por necessidade bioló-


gica, mulheres amamentando, por exemplo, isso não significava ne-
nhum tipo de hierarquia. Da mesma forma, se alguém por caracte-
rísticas próprias conseguisse mais alimentos, todos iriam se alimentar
melhor.

45. Com a complexificação das relações sociais, a quantidade de pes-


soas nas comunidades aumentou, assim como a produção de alimen-
tos, e os instrumentos de trabalho foram aprimorados. Com o desen-
volvimento da agricultura e da pecuária, esse processo se acelerou.

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As sociedades primitivas passaram a produzir excedentes. As relações
sociais foram se tornando mais complexas. E nesse processo, aqui sim-
plificado, surgem os primeiros proprietários, aqueles que se apropriam
do excedente produzido. Com o trabalho excedente tem início a ex-
ploração do homem pelo homem.

46. O surgimento da propriedade privada é a gênese de uma nova


relação social, de uma nova forma de organizar a vida coletiva. As
sociedades passam a ter pelo menos duas classes sociais ou estratifica-
ções, a dos proprietários e a dos que trabalham para estes. Essa nova
organização vai afetar a constituição das famílias e a vida das mulheres.

47. Os laços primitivos que faziam de cada indivíduo a condição ne-


cessária para sobrevivência de toda a comunidade são destruídos. Com
o objetivo de controlar a resistência contra a exploração tornou-se
necessário que os escravos, servos, proletários buscassem a sua sobre-
vivência de modo individual, não coletivo.

48. Neste sentido, a criação das crianças, a preparação dos alimentos,


os cuidados com a sobrevivência deixam de ser atividades coletivas e
passam a ser atividades privadas. As famílias se descolaram do coletivo
e tornaram-se núcleos privados, desenvolvendo assim a família nucle-
ar e o patriarcado.

49. A divisão sexual do trabalho passou por profundas transformações.


Se na sociedade primitiva não havia hierarquia na divisão do trabalho,
na sociedade de classes a exploração hierarquiza esta relação. Existe o
trabalho que produz riquezas para os proprietários, a partir da explo-
ração dos trabalhadores e o trabalho privado de cuidar da casa, da ali-
mentação e dos filhos. Este último é destinado às mulheres, em função
de suas características biológicas, como gravidez e amamentação, e
por terem sempre se ocupado de tarefas mais próximas da aldeia, como
a agricultura e a pecuária, por exemplo.

50. Nessa nova divisão sexual do trabalho, o que diz respeito à coleti-
vidade é tarefa masculina e o que diz respeito à vida privada, à família,

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 23


a cuidar dos filhos é tarefa feminina. Para garantir a hereditariedade da
prole, a mulher passa a ser cerceada, submetida a uma série de opres-
sões. É estabelecida, assim, a exploração da mulher pelo homem.

51. Durante séculos, as mulheres viveram em opressão e submissão


ao homem. Às mulheres eram negados alguns trabalhos, considerados
masculinos. Para elas eram relegados trabalhos como escravas, servas,
camponesas, prostitutas ou serviços domésticos.

52. Só muito mais tarde, esta realidade começa a se modificar. No sé-


culo XVIII, no contexto de avanço do modo de produção capitalista,
durante a Revolução Industrial, as mulheres e as crianças da classe tra-
balhadora são empurradas a trabalhar nas fábricas, vindo a ser cada vez
mais constante e complexo o uso dessas forças de trabalho. Enquanto
as mulheres da classe trabalhadora viviam num regime de intensa ex-
ploração no trabalho, as mulheres da classe dominante lutavam para
sair de casa e poder trabalhar.

53. No final do século XIX ocorrem grandes transformações. Enquan-


to as mulheres da classe trabalhadora lutavam por menores jornadas de
trabalho, as mulheres da burguesia começaram a ir às ruas pelo direito
de trabalhar e estudar. No século XXI é difícil encontrar mulheres
que não vendam sua força de trabalho, além de dedicá-la ao trabalho
doméstico, o que sempre fizeram sem remuneração - com exceção das
mulheres burguesas que possuíam e possuem empregadas domésticas.

54. No caso de vários países colonizados e onde houve uso da escravi-


dão do povo negro, a exploração da força de trabalho da mulher teve
outras características. No Brasil, por exemplo, as mulheres negras e in-
dígenas (estas eram minorias, porque o sistema escravocrata substituiu
a mão de obra indígena pela negra) não realizavam apenas trabalhos
domésticos, mas também trabalhavam nos engenhos e nas fazendas,
servindo diretamente na produção de riquezas para as classes domi-
nantes dos países colonizadores.

55. Neste contexto muitas mulheres negras foram impedidas de ama-

24 COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS


mentar seus próprios filhos para servir de ama de leite aos seus donos,
às vezes eram deslocadas para outras propriedades e passava de ama
de leite a babá ou governanta, cozinheira, passadeira, enfim, qualquer
atividade que cuidasse de servir aos seus senhores brancos.

2.1.2 As Mulheres No Mercado De Trabalho

56. Apesar das lutas constantes de mulheres em vários espaços, a divi-


são sexual do trabalho, mesmo ganhando novas características, ainda
reflete socialmente as marcas do patriarcado. As mulheres continuam
ganhando menos que os homens – sendo que as mulheres negras ga-
nham menos que as brancas - realizando múltiplas jornadas, trabalham
fora e ainda cuidam da casa, do marido e dos filhos. Quando estudam e
se organizam politicamente essa jornada é ainda mais ampliada.

57. Segundo pesquisa do Dieese (2013), as mulheres hoje representam


cerca de 50% da força de trabalho, no Brasil. Deste contingente, 40%
das mulheres trabalham em situação precária. Das que trabalham em
situação precária, 70% são negras e 15% são trabalhadoras domésticas.
A massa salarial das mulheres corresponde a 60% dos ganhos obtidos
pelos homens.

58. Existe uma participação crescente das mulheres no mercado de


trabalho, tanto no setor formal quanto nas atividades informais, bem
como um novo incremento dos empregos no setor dos serviços. Se
na época da Revolução Industrial e nos períodos de guerras do sé-
culo XX, um grande contingente de mulheres trabalhava nas indús-
trias, atualmente estas constituem a minoria da classe operária fabril.
A maioria trabalha no setor de comércio e de serviços, sendo estes os
mais precarizados.

59. Se por um lado algumas profissões majoritariamente ocupadas por


homens têm agora sido ocupadas por mulheres - em áreas como me-
dicina, direito, arquitetura, engenharia, jornalismo e meio acadêmico,
por outro, isso não implicou em acesso ao mesmo salário, nem ao

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 25


mesmo prestígio. Ademais, as atividades típicas femininas, por se as-
semelhar ao serviço doméstico, nas áreas da saúde e educação, como
professoras primárias, auxiliares de enfermagem, cuidadoras e uma sé-
rie de atividades do trabalho informal, de setores terceirizados e traba-
lhos temporários são ocupados, majoritariamente, por mulheres.

60. Não obstante, dentro do mundo do trabalho enquanto as mulhe-


res brancas estão ocupando setores como enfermagem e pedagogia,
as mulheres negras são maioria em profissões domésticas – atividades
realizadas na casa de outra pessoa/família.

61. Esta dicotomia entre mulheres ocupando profissões altamente in-


telectualizadas e a maioria das mulheres ocupando funções subalternas
e precárias só aumenta a desigualdade social e a distância entre os dois
grupos. Percebe-se que há uma marcada divisão sexual dentro da pre-
cariedade do trabalho. Pesquisas recentes confirmam que as mulheres
são a maioria no trabalho precarizado.

62. Os principais indicadores da precariedade do trabalho são a ausên-


cia de proteção social e direitos trabalhistas. A maioria das mulheres
ocupam profissões pouco qualificadas, com baixa remuneração e pou-
co valorizadas socialmente.

63. Outro aspecto a ser considerado é a intensificação do trabalho, que


atinge as trabalhadoras precarizadas, submetidas a aceitar condições de
trabalho mais difíceis, mais penosas e salários mais baixos.

64. Um exemplo disso são os empregos em telemarketing e call cen-


ters, que têm uma grande rotatividade de empregados, pois oferecem
trabalhos temporários, com intensificação de trabalho, excesso de ho-
ras trabalhadas, baixos salários e precarização do emprego. Esses traba-
lhos são desenvolvidos em cabines isoladas, sob um rigoroso controle
e cobrança intensa por metas e resultados entre as trabalhadoras, com
a consequente perda do sentido de solidariedade na intersubjetividade
com as outras trabalhadoras e, portanto, numa relação social brutali-
zante, ou seja, a cara do capital na sua luta contra a inevitabilidade de

26 COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS


suas crises.
65. A rotatividade, a impressão e o sentimento de grande oportuni-
dade que têm essas trabalhadoras sobre tais empregos implicam em
grandes dificuldades para a organização política dessas. É um desafio
para o ANA MONTENEGRO trabalhar politicamente com elas, o
mesmo ocorrendo com a segunda fonte de trabalho dessas mulheres,
que é o emprego doméstico.

66. Apesar das atividades domésticas se encaixarem no conceito de


trabalho improdutivo, por não gerar valor, são trabalhos essenciais
para que se realize o processo produtivo: é um trabalho que subordina
de maneira funcional os trabalhadores à produção capitalista, sobre-
tudo porque tais atividades dizem respeito à sobrevivência. Assim, o
trabalho doméstico está inserido na dinâmica de acumulação de ca-
pital (e aqui não importa se produtivo ou improdutivo), sujeitando
milhares de trabalhadoras, principalmente as mulheres negras, à sua
reprodução.

67. Problemas como gravidez na adolescência, problemas domésticos


ou abusos sexuais, bem como a necessidade de garantir o seu próprio
sustento e o de familiares desencadeia a aceitação de péssimas condi-
ções de trabalho nesse setor.

68. Atualmente a “economia do cuidado” tem sustentado 35,3% das


famílias que têm alguém nesta categoria. Contudo a profissão é tão
precarizada que somente em 2013, após a 189ª Convenção da Orga-
nização Internacional do Trabalho, teve pagamento garantido por lei,
regulamentação da jornada de trabalho e das horas, recebimento de
salário mínimo entre outras coisas básicas que as demais profissões já
tinham regulamentada pela CLT. Ainda assim, só em novembro de
2015 a categoria teve a regulamentação do auxílio-creche e pré-es-
cola, salário família, seguro-desemprego, adicional noturno, seguro
contra acidentes de trabalho, recolhimento do FGTS pelo emprega-
dor e indenização em casos de demissão sem justa causa.

69. Dessa forma, é necessário encabeçarmos lutas pela garantia dos

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 27


direitos trabalhistas conquistados pelas trabalhadoras domésticas, bem
como por medidas públicas que garantam a socialização desses traba-
lhos, como creches, lavanderias e restaurantes públicos para o acesso
da classe trabalhadora. Da mesma forma, o Coletivo Feminista Clas-
sista Ana Montenegro deve traçar táticas de aproximação e organiza-
ção dessas trabalhadoras.

70. As trabalhadoras da educação do ensino público e privado enfren-


tam técnicas de gestão arbitrárias às quais sofrem com perda de auto-
nomia pedagógica, ameaças de demissão ou transferência para outra
escola distante de suas residências, salários rebaixados, falta de plano
concreto de carreira e salário. As professoras do ensino privado têm de
dar aulas dentro de empresas (saindo das salas de aulas), sofrem com a
superexploração e responsabilização pelos riscos do capital; tudo em
um clima de terror de demissão. As docentes do Estado, com a maioria
esmagadora de mulheres, não têm melhor sorte, com salários rebaixa-
dos, sem planos concretos de carreira, com cerca de 1/3 da categoria
indo já para a aposentadoria irreversivelmente doentes.

71. Nas comunidades pesqueiras, ao homem cabe ser o pescador ou


náutico e as mulheres historicamente passaram a ser reconhecidas ape-
nas como marisqueiras. Ainda que na prática essas mulheres exerçam
também a arte da pesca. O Estado tem sido responsável por legitimar
essa segregação nas comunidades pesqueiras quando não reconhece
essas mulheres como pescadoras, realizando o cadastro apenas como
marisqueiras no Registro Geral da Atividade Pesqueira do Ministério
da Pesca e Agricultura, o que as impede de receber recursos governa-
mentais que estimulam as atividades pesqueiras.

72. O capital, na sua ânsia de exploração e expropriação, é capaz de


impor condições de trabalho tão exploratórias, que são consideradas
situações análogas ao trabalho escravo. São esses trabalhos que são im-
postos à juventude do norte do país, às mulheres africanas e bolivianas
na cidade de São Paulo, na indústria e comércio de roupas, na indús-
tria do sexo, nos canteiros de obras, nas hidroelétricas, nas cidades, nos
ribeirinhos e no campo em propriedade do latifúndio assassino.

28 COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS


2.1.3
Creches

73. Embora a CLT determine que qualquer empresa em que traba-


lhem pelo menos 30 mulheres, maiores de 16 anos, tem que ter um es-
paço destinado ao cuidado das crianças e ao aleitamento, apenas 10%
das trabalhadoras têm acesso a creches para seus filhos.

74. A Portaria 3296/1986, do Ministério do Trabalho e Emprego,


criou a possibilidade de empresas pagarem o auxílio-creche ao invés
de manterem creches no local de trabalho. Muitas vezes o auxílio é in-
suficiente para pagar uma instituição privada o que obriga às famílias
a completar as mensalidades. A falta de instituições públicas de edu-
cação infantil agrava a situação para as famílias mais pobres que não
têm como pagar as instituições privadas. Há uma enorme carência de
vagas para crianças de zero a três anos, além da inexistência de atendi-
mento no período noturno.

75. Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Diretrizes e Base


da Educação definem que é um direito da criança frequentar a creche,
tendo em vista a importância da educação infantil para o desenvol-
vimento cognitivo e a socialização na infância. Entretanto, o Estado
falha na garantia desse direito.

76. Indicadores do IBGE, de 2012, apontam que somente 21,9% das


crianças, situadas entre as 20% mais pobres, tinham acesso a creches.
Enquanto, entre os 20% mais ricos, 63% tinham acesso. Também há
uma grande desigualdade regional. Em Santa Catarina, por exemplo,
35% das crianças de zero a três anos estavam em creches. No Amazo-
nas e no Acre este percentual cai para 5%.

77. As famílias mais pobres acabam recorrendo a familiares ou cuida-


doras muito precárias, na maioria mulheres, que continuam cumprin-
do o papel histórico feminino de cuidar das crianças.

78. Reconhecendo essas diferentes realidades nacionais, faz-se neces-


sário adotar políticas nacionais que garantam acesso às creches públi-

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 29


cas de período integral e com um sistema educacional para as crianças
que efetive a laicidade do Estado, formando, desde a primeira infância,
seres sociais que respeitem a diversidade cultural do país, bem como os
mais diversos formatos de família.

79. É necessário um Estado que garanta a qualidade de vida da crian-


ça estendendo as responsabilidades compartilhadas entre mães e pais,
reconhecendo que a vida da mulher não se prende, única e exclusiva-
mente, à criação, formação e educação das filhas e filhos, rompendo
a tradição de infantilização da mulher quando a ela é direcionado o
trabalho de cuidadora.

80. Para além de creches para as mulheres trabalhadoras, é necessário


que sejam implantadas creches nas universidades e nos cursinhos pré-
-vestibulares, visando que essas mulheres não continuem carregando
a preocupação sobre onde e com quem deixar seus filhos para estudar.
É importante que nós, militantes do Coletivo Feminista Classista Ana
Montenegro incentivemos a criação de creches nos locais de estudo;
ou que minimamente sejam implantadas brinquedotecas nos cursi-
nhos pré-vestibulares, considerando que nestes locais geralmente as
estudantes não ficam mais que um turno.

2.1.4 Assédio Moral e Sexual No Trabalho

81. As mulheres da classe trabalhadora, principalmente as negras, sem-


pre realizaram tarefas para o sustento da família, ao contrário das bur-
guesas, que se dedicavam à vida doméstica. Contudo, a inserção das
mulheres no mercado de trabalho formal se deu apenas a partir do
século XX, ocupando os postos de trabalho mais precarizados, além
de sofrerem assédios de cunho moral e sexual e serem discriminadas
quando inseridas nas profissões ditas masculinas, a exemplo das enge-
nharias.

82. A inferiorização da mulher se expressa em comentários que vul-


garizam a participação da mulher na construção da sociedade, repro-

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duzindo o discurso em forma de piadinhas como “lugar de mulher é
na cozinha”, perpetuando as discriminações no ambiente de trabalho,
dificultando seu acesso a cargos de maior responsabilidade e tomada
de decisões, mantendo a diferença salarial em relação ao salário dos
homens, etc. Muitas empresas resistem em contratar mulheres alegan-
do que as mesmas produzem menos devido a possibilidade de gravi-
dez e licença maternidade. As formas mais cruéis desse preconceito e
discriminação são o assédio moral e o assédio sexual no ambiente de
trabalho.

83. Entendendo que a licença maternidade é uma forma de opressão


e segregação da mulher do mundo do trabalho, atribuindo à mesma
uma exclusividade nos cuidados com a criança nos primeiros meses de
vida, as militantes do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro
devem pautar a equidade entre os dois responsáveis pela criança - in-
cluindo os casais homoafetivos -, dessa forma a licença seria parental,
como já ocorre em países com Canadá e Suécia. Isso implicaria no
estabelecimento na quantidade de dias da licença pelo Governo e o
casal decidiria como dividir o período.

84. O assédio moral e sexual no trabalho caracteriza-se pela exposi-


ção das trabalhadoras e trabalhadores a situações humilhantes e cons-
trangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho
e relativas ao exercício de suas funções. Embora os homens também
possam ser vítimas do assédio, estatísticas do Ministério do Trabalho e
Emprego revelam que 73% do assédio moral é sofrido por mulheres,
na sua maioria negras. Quanto ao assédio sexual, 99% dos casos de-
nunciados são de mulheres assediadas por homens.

85. Estudos sobre o tema confirmam que a humilhação constitui um


risco “invisível”, porém concreto, nas relações de trabalho e que com-
promete, sobretudo, a saúde das trabalhadoras. Esses atos visam humi-
lhar, desqualificar e desestabilizar emocionalmente a vítima, o que põe
em risco a saúde, a própria vida da vítima e seu emprego.

86. O ambiente de trabalho é ainda mais perverso com as mulheres

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 31


negras. Muitas vezes, o assédio moral praticado contra elas é precedido
de uma negativa ao assédio sexual. Em alguns casos, os constrangi-
mentos começam na procura do emprego, a partir da apresentação
estética e de requisitos como “boa aparência” que funcionam como
uma espécie de filtro, operando com o padrão de beleza do capital. Por
outro lado, a mulher negra é vítima do assédio sexual pela forma como
o capital objetifica e hipersexualiza seu corpo.

87. Algumas atitudes caracterizam o assédio moral contra as mulheres,


tais como ameaça de demissão, insulto, isolamento, revista vexatória
e restrição ao uso do banheiro. O assédio também é materializado na
demissão em virtude da gravidez, casamento e filhos ou mesmo na
restrição das mulheres em cursos de aperfeiçoamento interno do tra-
balho priorizando a participação dos homens.

88. A orientação sexual vitimiza homens e mulheres por assédio mo-


ral. A LGBTfobia presente na maioria dos locais de trabalho cria situ-
ações vexatórias, constrangedoras e humilhantes para os trabalhadores.
Sobretudo a população T – travestis e transexuais – que tem muita di-
ficuldade de arrumar emprego formal, devido aos preconceitos, tendo
encontrando na prostituição uma alternativa de trabalho; segundo a
Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), 90% dessa
população está na prostituição.

89. O assédio sexual no ambiente de trabalho consiste em constranger


colegas por meio de cantadas e insinuações constantes com o objetivo
de obter vantagens ou favorecimento sexual. Essa atitude pode ser
clara ou sutil; pode ser falada ou apenas insinuada; pode ser escrita ou
explicitada em gestos; pode vir em forma de coação, quando alguém
promete promoção para a mulher, desde que ela ceda; ou, ainda, em
forma de chantagem, caso não ceda perde o emprego. Para a popu-
lação T–travestis e transexuais – a violência começa ainda na procura
do emprego. Ao se candidatar para a entrevista, a pessoa transexual já
sofre transfobia com os diferentes tipos de assédio moral. Assim tendo
sua identidade deslegitimada e sua transexualidade exposta aos mais
diversos tipos de humilhação e discriminação. Uma vez conseguindo

32 COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS


a vaga, a pessoa transexual ou travesti também experimenta dificulda-
des com a restrição ao banheiro a hostilização pelos colegas e demais
efeitos a transfobia no ambiente de trabalho.

90. Recente modificação no Código Penal introduziu a tipificação


do crime de assédio sexual, dando a seguinte redação ao art. 216-A:
“Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favoreci-
mento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição se superior
hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício, emprego, cargo ou
função”. A pena prevista é de detenção, de um a dois anos. Entretan-
to, cabe à vítima provar que houve assédio sexual, o que é difícil na
maioria dos casos por conta do despreparo dos agentes públicos, pela
estigmatização social e pela real possibilidade da perda do emprego,
sofrendo ainda mais retaliações, discriminações e violências psicológi-
cas. Desse modo, a lei inibe a denúncia e perpetua a violência contra
as mulheres.

91. A violência contra a mulher no Brasil está enraizada de tal forma


que se tornou comum a tolerância e o incentivo da mesma. A cultura
do estupro é baseada na culpabilização da vítima pelo abuso sofrido,
atribuindo à mulher o merecimento do estupro ou legitimação vio-
lência por outros fatores, ao exemplo de ser forçada a ter uma relação
sexual com o seu companheiro ou por estar com uma roupa curta. Se-
gundo dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em
uma pesquisa aplicada em 2014, 26% dos entrevistados acreditam que
uma mulher merecia ser atacada se estivesse usando uma roupa curta.

92. A hiperssexualização dos corpos femininos como objeto para aten-


der as necessidades masculinas é outro fator que está historicamente
firmado no país. Nós do Coletivo Feminista Classista Ana Montene-
gro defendemos que a vítima nunca deve ser culpabilizada pelo es-
tupro e entendemos que isso é um dos primeiros passos para que o
estupro seja entendido como um crime e deixe de ser algo cultural do
cotidiano dessa sociedade misógina e opressora.

93. Como em outros casos de violência sexual, é comum que a mulher

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 33


seja considerada culpada por ter provocado a situação. Por conta da
sua roupa, muito curta ou decotada, por participar de certas brincadei-
ras com os colegas etc., a mulher passa de vítima a ré. A própria vítima,
muitas vezes, questiona-se sobre o que pode ter feito para contribuir
com o assédio. O assédio sexual costuma causar uma situação de pro-
fundo constrangimento, gerando na mulher ou no homem, quando
vítima, um sentimento de isolamento, culpa, de ameaça e de medo de
perder o emprego.

94. A sociedade impõe que para combater o assédio sexual a mulher


deve dizer NÃO com todas as letras, de preferência com testemunhas.
Entendemos que para combater o assédio sexual é preciso construir
uma contracultura em que a mulher exerça o direito de dizer não, que
rompa com o isolamento, comunicando aos colegas o que se passa.
Procurando ajuda, tanto na própria empresa, através do departamento
pessoal ou de recursos humanos, quanto no seu sindicato ou entidade
de classe.

95. Cabe ao movimento feminista classista denunciar todas as formas


de assédio moral e sexual que cheguem ao seu conhecimento, como
estar presente nas diversas entidades de trabalhadoras, sindicatos, en-
tidades de classe, associações, para acolher e auxiliar as mulheres neste
enfrentamento. E organizar as trabalhadoras para que se contrapo-
nham a mais essa violência que elas enfrentam no seu dia a dia. A edu-
cação, a informação e o esclarecimento através de cartilhas, palestras e
debates são algumas armas contra o assédio moral e sexual nos locais
de trabalho.

96. Nas universidades a estrutura social patriarcal e opressora também


se perpetua. São docentes que tipificam as alunas pelas roupas que
usam ou tentam se relacionar com as mesmas através da sua posição de
superioridade acadêmica; Reitorias e administrações departamentais
que fingem minimizam as ocorrências que são denúncias ou agem de
maneira pontual, sem incitar o processo de consciência na instituição;
são colegas de turma que ao falarmos sobre machismo e opressão nos
silenciam alegando que estamos inventando coisas.

34 COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS


97. É importante salientar o crescimento das denúncias de casos de
estupros nas universidades em todo o país. As denúncias ocorrem por-
que, atualmente e minimamente, há um conjunto de pequenos fatores
que encorajam as universitárias a falarem: os coletivos feministas têm
aumentado nas universidades, as redes sociais têm auxiliado na de-
núncia e as denúncias feitas por outras meninas encorajam as demais.
Outro fator que estimula as denúncias é a percepção de que outras
passaram pelo mesmo e o silêncio ajuda na manutenção dos estupra-
dores no espaço universitário.

98. Enquanto militantes do Coletivo Feminista Classista Ana Mon-


tenegro precisamos nos posicionar combativamente diante da repro-
dução do patriarcado nos espaços de educação também. De forma a
apoiar as vítimas, cobrar medidas práticas da Reitoria e criar espaços
de formação de consciência para todos os setores da Universidade.

2.2 A Militância Orgânica Da Mulher Nas Organiza-


ções De Classe

99. A divisão sexual do trabalho estabelecida após o surgimento da


propriedade privada determinou que os espaços públicos eram mascu-
linos e os espaços privados, femininos. Aos homens cabiam as decisões
políticas, as decisões sobre os destinos das cidades, da pólis, enquanto
à mulher cabia o cuidado da casa e das crianças. Na democracia parti-
cipativa ateniense, todos os cidadãos se reuniam na Ágora para tomar
decisões, com exceção das mulheres, dos escravos e dos estrangeiros.

100. Esse afastamento da mulher da vida pública reflete-se até o dia de


hoje. Mesmo a mulher sendo inserida no mercado de trabalho, tendo
conquistado alguns direitos e uma

relativa igualdade com os homens, pelo menos nas leis, sua participa-
ção nos espaços políticos ainda é muito pequena.

101. Segundo dados do relatório “As mulheres nas eleições de 2014”,

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 35


feito pela extinta Secretaria de Política para as Mulheres do Governo
Federal, as mulheres ocupam 11% dos cargos eleitos, mesmo mulhe-
res sendo a maioria da população brasileira. A maior representação é
entre deputados distritais na qual as mulheres correspondem a 20%
dos parlamentares eleitos. Já no senado 13,6% das vagas são ocupadas
por mulheres, fazendo o recorte racial 80% são brancas e 20% pardas,
nenhuma se declara negras. Mas estes dados são só uma constatação do
fato, já que não acreditamos que simplesmente ocupar cargos dentro
desta democracia indireta burguesa trará mudanças para a vida das
mulheres.

102. A passividade é incorporada às meninas desde o berço, assim


como, a cisão sexista entre valores e comportamentos de meninas e de
meninos, a condição de objeto privado concretiza-se como condição
fundamental para a vida em sociedade nos moldes do capitalismo.

103. A opressão de classe se estende à opressão de sexo. As mulheres


neste conjunto moral burguês são apresentadas como fruto da fra-
gilidade e de tudo o que pode ser apontado como degenerador, fal-
so, dissimulado. Do mesmo modo como a classe trabalhadora deve
se sujeitar, as mulheres devem ficar passivas e restritas às atividades
domésticas, aos trabalhos mais precarizados e às necessidades sexuais
dos homens.

104. Historicamente, a luta das mulheres esteve diretamente ligada à


luta das trabalhadoras, tais como as resistências das mulheres escraviza-
das, abolicionistas, anarquistas e comunistas. Entretanto, esta presença
feminina é quase invisível, já que os registros históricos que dominam
foram redigidos pelos homens da burguesia – somente aparecendo a
luta das sufragistas e não a luta das trabalhadoras. Frisando que a luta
sufragista se inicia de forma excludente já que a mulher pobre e negra
só lutará em defesa do sufrágio anos depois quando de fato estiver in-
serida na vida pública.

105. Os poucos registros da luta das mulheres negras, indígenas, tran-


sexuais, comunistas etc. são uma forma de silenciar a história dessas

36 COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS


lutadoras e funciona como mais uma forma de alienação. Muitas des-
sas mulheres estavam na construção, organização e no protagonismo
das lutas desses povos e em sindicatos e organizações de trabalhado-
res e trabalhadoras, inclusive na União Soviética. Apesar disso, foram
apagadas da história oficial ou muitas vezes silenciadas e escondidas
por seus próprios companheiros, absorvidas nas tarefas burocráticas e
organizacionais. Silenciamento esse que também se expressa na não
valoração dos espaços onde as mulheres estão presentes e/ou protago-
nizando.

106. No Brasil, as mulheres negras, que estavam sendo escravizadas


pelos brancos e pela ideologia destes, já protagonizavam as lutas pela
abolição da escravidão. Mulheres como Dandara já participavam dos
processos de resistência e lutavam de acordo com que podiam para
a libertação das negras e negros. Dandara lutou contra o sistema es-
cravocrata, era contrária ao acordo de paz assinado entre Zumbi e o
governo português e foi morta no dia 6 de fevereiro de 1964 na des-
truição da Cerca Real dos Macacos (parte do Quilombo dos Palmares).
Apesar de seu histórico de lutas seu rosto foi apagado dos registros
históricos, com o intuito de inviabilizar a sua trajetória e impedir que
novas lutadoras se reconhecessem nas suas batalhas e enfrentamentos
à ordem escravista.

107. Na década de 1940, foram criadas várias entidades femininas e


feministas, dando um impulso à luta pela emancipação das mulheres.
Adalgisa Cavalcante elegeu-se a primeira deputada estadual de Per-
nambuco em janeiro de 1947, assim como, tantas outras em diversos
cargos: Zuleika Alambert, na Assembleia Legislativa de São Paulo,
Arcelina Mochel elegeu-se no antigo Distrito Federal como vereado-
ra, entre várias outras. Mas as direções continuaram majoritariamente
masculinas.

108. No final da ditadura empresarial-militar no Brasil, quando houve


a retomada de muitos sindicatos da mão dos interventores, foram cria-
dos departamentos femininos, secretarias de mulheres ou de gênero
em vários sindicatos com o objetivo de viabilizar e estimular a partici-

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 37


pação feminina no movimento sindical.

109. Por ser um meio muito masculino, o movimento sindical repro-


duz, mesmo que de forma velada, preconceitos machistas contra as
militantes. Até em sindicatos em que a categoria é predominantemen-
te feminina, é comum ter uma diretoria de maioria masculina.

110. A falta de mulheres organizadas se configura como um atraso


para a superação das relações capitalistas de produção. Não cabe afir-
mar que só no socialismo será resolvida a questão da opressão de sexo.
É tarefa para a construção do processo revolucionário exercitar novas
relações em um movimento dialético de busca coerente entre conte-
údo e forma.

111. A predominância dos homens na luta revolucionária também


está atrelada às dificuldades de inserção das mulheres nos espaços de
direção política e de formulação teórica, mesmo que se tenha avança-
do um pouco. Ainda persiste no interior das organizações valores fun-
dados na sexualidade burguesa, mostrando como é essencial a reflexão
sobre uma nova moral sexual, como a experiência soviética, como a
desenvolvida por Alexandra Kollontai.

112. A opressão de classe estendida à opressão de sexo, na constitui-


ção moral das práticas individuais e coletivas, na imposição da relação
sujeito e objeto, cria no imaginário social a sexualização da mulher
como um objeto a ser visto e usado conforme seu desejo. Essa singu-
laridade da formação subjetiva sob a moral burguesa impõe uma série
de resultados nocivos à moral revolucionária e exige um constante
exercício de crítica e autocrítica para romper com esta objetificação
dos corpos femininos.

113. A luta não é contra os homens, nem contra um indivíduo sin-


gular, no entanto, são nas práticas individuais cotidianas de nossos
camaradas que se manifestam comportamentos opressores e até vio-
lentos. Cabe-nos identificar, alertar e combater. O Coletivo Feminista
Classista Ana Montenegro tem um grande desafio, o da educação co-

38 COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS


munista como um instrumento a serviço da revolução, como um dos
mediadores para a reconstrução revolucionária do PCB.

114. Ao mesmo tempo entendemos que devemos aprofundar cada vez


mais nossa formação sobre as questões de classe, gênero e raça não
voltando atenção apenas sobre ações machistas e sexistas, propondo
somente punição aos que as praticam, e deixando de avaliar outros
aspectos da construção sociocultural que tem moldado os sujeitos. Essa
atitude restritiva quanto às questões que tocam especificamente pode
causar a divisão da luta e de nossas pautas, isolando a mulher como
única responsável por combater as violências a que está cotidianamen-
te submetida, deixando de problematizar o fato de que também cabe
aos homens trabalhar para romper com o sistema patriarcal, machista e
desigual dentro do qual todas e todos estão inseridos, agindo, portan-
to, para que os homens também assumam o feminismo classista como
bandeira de luta universal.

115. Para além disso, o Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro


deverá estimular toda militante feminista trabalhadora e/ou estudan-
te a atuar em seu sindicato e entidades representativas. Paralelamente
ocorrerão atividades de formação para ofertar às mulheres condições
para o enfrentamento da estrutura patriarcal que cerca a militância
orgânica na vida política. Lutaremos constantemente pela construção
do poder popular, para que as mulheres se reconheçam como sujeitos
de mudança de sua própria história e no seu papel fundamental na luta
de classes.

2.3. Violência Contra a Mulher

116. Um dos grandes equívocos que se comete quando falamos sobre


violência é tentar defini-la de forma a-histórica, atemporal e descola-
da de qualquer processo cultural no qual ela está inserida. Se cairmos
na armadilha de definir a violência como um conceito fechado em si
mesmo ignoraremos a obviedade das mudanças de comportamento
ocorridas ao longo do processo histórico das civilizações, bem como,

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 39


ignoraremos as transformações de “certo” e “errado”, socialmente
construídas.

117. A análise do fenômeno da violência deve ser feita a partir do re-


conhecimento de sua complexidade, abarcando, entre outras coisas, a
existência de múltiplas expressões da violência; os diferentes níveis de
significação atribuídos a ela ao longo do processo histórico de desen-
volvimento da humanidade; e os seus diversos efeitos históricos. Logo,
a violência é determinada por valores sociais, culturais, econômicos,
políticos e morais de uma sociedade, por isso, parece-nos impossível
compreender esse fenômeno multicausal, sem nos interrogarmos so-
bre os valores e crenças que estruturam e presidem a vida social e quais
sãos os conteúdos por excelência das representações sociais.

118. O fenômeno da violência contra a mulher é antigo e se faz pre-


sente nas diferentes sociedades, estando presente em todas as classes
sociais, atingindo com mais força a classe trabalhadora e são agravados
conforme as questões de raça/etnia, escolaridade, religião, nacionali-
dade, orientação sexual, etc.

119. No início da colonização do Brasil, além do massacre dos índios


houve estupros e exploração sexual das indígenas que residiam no ter-
ritório nacional brasileiro. Dessa forma, no Brasil, a etnia indígena
foi a primeira a ter seu corpo explorado como objeto para uso sexual
dos homens brancos/dominantes. Em seguida foi a mulher negra, de
modo que a miscigenação que gerou o mito da democracia racial,
disseminado principalmente por Gilberto Freyre, resultou da explo-
ração sexual e dos constantes estupros a índias e negras, não de forma
voluntária como tenta-se propagar.

120. Em algumas culturas, a violência contra mulher é exemplifica-


da a partir de atos que vão desde os cometidos antes do nascimento
(aborto seletivo por sexo), ou na infância (infanticídio feminino, aces-
so diferencial a comida e cuidados médicos, iniciação sexual forçada,
mutilação genital), até estupro sistemático durante guerras e conflitos
sociais e étnicos, tráfico (trabalho escravo e sexual e manutenção em

40 COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS


cativeiro), prostituição forçada e violência urbana.

121. Na sociedade capitalista, as mulheres sofrem vários tipos de vio-


lência, como agressões ou abuso de ordem verbal, física, sexual e pa-
trimonial. No Brasil, estima-se que cinco mulheres são espancadas a
cada 2 minutos. Na maioria das vezes, tais atos violentos são praticados
por parceiros ou ex-parceiros, familiares, amigos, conhecidos ou es-
tranhos, e até por instituições públicas, privadas e pelo Estado contra
meninas e mulheres adultas, inclusive durante a gravidez, no parto
e pós-parto e na terceira idade. Sendo assim, podemos dizer que a
violência contra a mulher acontece tanto no espaço privado como no
espaço público.

122. Das violências classe/gênero/raça praticadas pelo Estado, pode-


mos listar:

• As praticadas nos postos de saúde, hospitais, prontos socorros pú-


blicos como a violência obstétrica;

• A precarização no atendimento das mulheres vítimas de violência


sexual;

• As exercidas pela falta de moradia e/ou moradias precárias, em


situações de remoção de povos tradicionais, favelas, movimentos de
moradia no campo e na cidade;

• A precarização e o mau funcionamento da rede de serviços de


atendimento às mulheres vítimas de violência;

• As ocorrências de falta de creches públicas e/ou vagas tanto no


período comercial, quanto fora dele, de falta de vagas nos ensinos fun-
damentais, sejam para as crianças, ou para jovens e adultos;

• A permissividade dos meios de comunicação massivos, que incen-


tiva e naturaliza a violência contra a mulher;

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 41


123. Além disso, as mulheres também são submetidas à violência do-
méstica e familiar. Esta é recorrente e presente no mundo todo, mo-
tivando crimes hediondos e graves violações de direitos humanos. A
violência conjugal pode assumir diversas formas, incluindo violência
física (em vários graus de severidade, desde empurrões e tapas até ame-
aças com armas e homicídio) e sexual (estupro ou participação forçada
em atividades sexuais degradantes ou humilhantes), e é comumente
acompanhada por outros comportamentos abusivos, como restrições
financeiras, proibição do convívio familiar e ocupacional da mulher e
frequentes atos de intimidação e humilhação.

124. Tanto a violência doméstica, quanto a familiar acontecem no


ambiente doméstico, porém a violência doméstica não engloba so-
mente a residência familiar, mas também os lugares públicos. Por ou-
tro lado, a violência familiar não necessita que haja a coabitação dos
pares para que seja configurada, basta uma relação íntima.

125. O feminicídio ocorre quando uma mulher é assassinada por ser


mulher. No Brasil, a violência de gênero não só aumenta em quanti-
dade, como também, em formato. O número de mulheres vítimas de
homicídios no Brasil cresceu 21% em dez anos, período em que foram
assassinadas 46.186 mulheres no país, segundo pesquisa do Mapa da
Violência – Homicídio de Mulheres.

126. Temos uma visão crítica sobre leis como Maria da Penha e Lei
do Feminicídio, pois além de serem mais simbólicas que efetivas no
combate à violência de gênero, a defesa acrítica das políticas de encar-
ceramento gera contradições e conflitos entre movimentos que visam
à emancipação humana, considerando que o sistema penitenciário
funciona a serviço da burguesia e tem caráter racista.

127. Desde o período colonial, cujo trabalho era escravo e exerci-


do pela população negra, as polícias atuam de forma racista e para a
manutenção da ordem e do estado vigente, perseguindo, capturando,
torturando, desmobilizando e matando trabalhadores, em sua maioria,
jovens negros. Por isso, somos contra qualquer política de encarcera-

42 COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS


mento em massa.

128. Milhares de mulheres, principalmente negras, perdem seus filhos


devido a uma falsa política de combate as drogas, que justifica social-
mente o extermínio massivo da juventude pobre e negra e periférica
e de ocupações urbanas. Mães perdem seus filhos e maridos cotidia-
namente, vítimas das práticas truculentas e de extermínio da polícia
militar. A criminalização de jovens negros é mais uma forma de le-
gitimar o extermínio e de controlar a juventude que está à margem
dessa sociedade e que se coloca, de alguma forma, fora dos padrões do
capital.

129. O Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro apoia todos os


movimentos de familiares que lutam pela Verdade, pela Memória e
por Justiça para todas as vítimas da violência do Estado contra a po-
pulação pobre, negra, indígena e os movimentos sociais brasileiros, de
ontem e de hoje.

130. Defendemos o fim da Polícia Militar, a ampliação da rede de


atendimento às mulheres em situação de violência, bem como a re-
estruturação desmilitarizada das Delegacias da Mulher, pois os aten-
dimentos são vexatórios e humilhantes, levando inúmeras mulheres a
não buscarem apoio institucional quando estão em situação de vio-
lência.

2.3.1 A Mulher e o Sistema Penitenciário

131. As encarceradas são o reflexo de uma estrutura social, política,


histórica e econômica do atual modelo da sociedade. Portanto, es-
ses pontos devem ser analisados como reprodutores das mais diversas
formas de exploração, subjugação e dominação, pautados a partir da
divisão social de classes. É preciso ressaltar a seletividade racial presen-
te no sistema penitenciário brasileiro, resultado da função repressora,
opressiva, política e histórica da política em todo o país.

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 43


132. Dentro do sistema penitenciário, identificam-se violências de
gênero e racial praticadas pelo Estado. Nos presídios masculinos, há
revistas vexatórias e humilhações praticadas por agentes penitenciários
contra as mulheres. O acolhimento das famílias em dias de visita é
muito ruim. As famílias geralmente são de regiões afastadas dos pre-
sídios e acampam nas calçadas do entorno: crianças, mães, avós, tias,
namoradas, esposas, em sua maioria mulheres que ficam expostas em
via pública, quase sempre em situação precária de higiene.

133. Existe um aumento da população carcerária feminina nos últimos


anos em todo o país, com um crescimento anual de 11,99%. Se com-
parado com o aumento da população carcerária masculina, o aumen-
to proporcional da população feminina tem sido maior nos últimos
tempos. Sendo que, de acordo com relatório do Ministério da Justiça,
20.541 mulheres estão em situação de cárcere (INFOPEN, 2015).

134. Há um abandono do Estado no que diz respeito ás necessidades


básicas das mulheres presidiárias. Atualmente, os itens de higiene pes-
soal são de responsabilidade dos familiares das detentas, apesar de ser
comum o abandono pelos companheiros e parentes dessas mulheres
quando encarceradas, sendo assim duplamente excluídas e esquecidas,
seja pelo Estado que não lhe fornece as condições básicas de sobrevi-
vência no período de reclusão, seja pela família, que em maioria não
aceitarão de volta essas mulheres ao seio familiar, mesmo que venham
a cumprir totalmente a pena.

135. A maioria das mulheres presas cumpre penas por tráfico de dro-
gas e pequenos furtos, revelando por um lado aspectos da pobreza
extrema e por outro, uma política de combate às drogas, que tem
clara função de controle social através da criminalização da pobreza.
Segundo o Ifopen 2015, 63% das mulheres em situação de cárcere
respondem por crimes relacionados ao tráfico de drogas: 5.096 são
acusadas de tráfico, 421 por tráfico internacional e 832 mulheres, por
associação com o tráfico.

136. Após a instauração da Lei 607.431, de 2006 - tornou as puni-

44 COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS


ções para o tráfico de drogas mais severas - o encarceramento devido
ao tráfico dobrou. Ao estabelecer novos critérios que não esclarecem
quem deve ser considerado usuário e quem deve ser traficante, a lei
abre margem para interpretações que contribuíram para o encarcera-
mento pelo tráfico. Muitas dessas mulheres são presas ao levar drogas
em seus corpos para seus maridos presos ou no tráfico internacional
- que violenta milhares de mulheres.

137. Quando as mulheres engravidam e dão a luz durante o perío-


do de reclusão, muitas vezes têm de cuidar de seus filhos dentro das
celas, sem mínimas condições de higiene. Mas uma das piores faces
da realidade dessas mulheres é a pena de ter seus filhos levados para a
adoção por ordem judicial, sendo negado a essas mulheres seu direito
à maternidade. Vale lembrar que esses casos de adoção só acontecem
quando essas mulheres não têm familiares ou quem assuma a guarda
dessas crianças.

138. Dentre os diversos aspectos da realidade das mulheres presas, um


deles é a saúde mental. O aumento da frequência de suicídio em pri-
sões, pessoas com sofrimento psíquico que cometeram crimes são al-
guns dos fatores que contribuem para que o assunto ganhe cada vez
mais importância dentro da realidade prisional.

139. A população carcerária possui taxas maiores de problemas men-


tais que a população geral. A prevalência de transtornos mentais na
comunidade gira em torno de 15%, enquanto que na população pri-
sional essa taxa salta para cerca de 42%.

140. Quando é considerada apenas a população feminina encarcerada,


a prevalência de transtornos mentais é maior do que na população
masculina. De um a dois terços das mulheres presas necessitam de
acompanhamento psicológico ou psiquiátrico e cerca um quinto tem
história de uso de medicação psicotrópica. A prevalência de abuso e
dependência de substância varia de 10% a 48% entre homens presos,
e de 30% a 60% nas mulheres presas.

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 45


141. Há também alta prevalência de sintomas depressivos, uso, abuso
e dependência de drogas entre mulheres presas, uso de álcool e de-
pendência química. 58,2% fazem uso de drogas lícitas (cigarros, ál-
cool, remédio para dormir ou emagrecer); 44% das mulheres presas
entrevistadas fazem uso de psicotrópicos; 33 % têm ideação suicida e
história prévia de tentativa de suicídio.

142. Em vista de tal quadro, foram estabelecidas orientações para assis-


tência em saúde mental das mulheres presas: implantação de protoco-
los para atendimento psicossocial à mulher presa visando diminuir os
agravos do confinamento (atendimento à saúde mental, sobretudo aos
transtornos mentais na situação de confinamento); atenção a situações
de graves prejuízos à saúde decorrentes de uso de álcool e drogas na
perspectiva da redução de danos.

143. O quadro brutal que as mulheres enfrentam nas penitenciárias


brasileiras é a soma dessa sociedade de classes, que excluem os seres
humanos de direitos básicos e os encarcera quando precisam realizar
atividades tidas como ilegais para a sobrevivência junto a uma socie-
dade machista, na qual as mulheres são abandonadas quando presas e
violentadas cotidianamente na vida e nesse sistema prisional.

144. Durante o trabalho de parto as mulheres são mantidas na pe-


nitenciária até o último momento, havendo uma resistência quanto
à necessidade destas serem direcionadas ao hospital imediatamente,
resultando em alguns partos dentro da cela sem nenhuma estrutura,
muitas vezes.

145. As penitenciárias femininas falham no direito das mulheres pri-


vadas de sua liberdade de um espaço de convivência para a mãe e seu
filho durante a amamentação, período permitido durante os primeiros
seis meses de vida da criança. Sendo este um direito garantido legal-
mente à criança e não necessariamente à mãe e, ainda assim, um direi-
to, na maioria das vezes, falho por falta de estrutura da penitenciária.
Nesta situação, a guarda da criança é decidida por uma juíza ou juiz
sem que a mãe possa influenciar no futuro de seu filho. Vale lembrar

46 COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS


que esses casos de adoção só acontecem quando essas mulheres não
têm familiares ou quem assuma a guarda dessas crianças.

2.3.2 Mulheres e Mídia

146. Cabe ao movimento feminista classista se colocar contra a ex-


ploração e o reforço de estereótipos da mulher na produção midiá-
tica. Sejam eles os papéis sociais tradicionais de subserviência; ideais
românticos sobre a sensibilidade feminina; a competitividade entre
mulheres; a hipersexualização do corpo da mulher negra e sua margi-
nalização.

147. Quanto aos papéis criados pela apropriação capitalista de movi-


mentos sociais, como o próprio feminismo, o objetivo é a criação de
nicho de mercado e ampliação do consumo. Nesses papéis, aparente-
mente progressistas, é reforçado que a mulher independente exerça
tripla jornada de trabalho e entre no mercado de forma consumista e
competitiva.

148. Acreditamos na democratização e socialização dos meios de co-


municação. Lutar contra a imagem da mulher veiculada na mídia.

2.3.3 Indústria Pornográfica e Dominação


Sobre a Mulher

149. A indústria pornográfica movimenta, segundo dados da Trea-


sures de 2015 (organização que resgata mulheres do tráfico sexual e
levanta dados sobre pornografia), cerca de 100 bilhões de dólares ao
ano, alcançando assim o segundo lugar no ranking de lucratividade
para crime organizado, ficando atrás somente do tráfico de armas. O
Brasil está atualmente entre os quatro países com maior produção por-
nográfica. O seguimento mais procurado nas pesquisas por material
pornográfico, hoje, é o chamado gonzo porn. Este tipo de pornogra-
fia tem como objetivo o escárnio, desprezo e submissão absoluta da

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 47


mulher. As cenas de gonzo porn estimulam a violência e humilha-
ção, além de conterem diversas cenas nos filmes do gênero em que
a mulher oferece resistência ao sexo. Frente à resistência, o homem
continua e torna mais íntima suas investidas, até a mulher se submeter
ao ato.

150. Entender a consolidação da indústria pornográfica é crucial para


a compreensão de como se constitui a masculinidade. Em pesquisas,
foi constatado que mais de 95% dos homens consomem ou já consu-
miram pornografia. A idade em que os acessos à internet começam
é por volta dos doze anos, momento importante no processo de so-
cialização do adolescente e também de seu amadurecimento sexual.
Meninos jovens, sem referência, crescem orientados por uma sexua-
lidade nada saudável e de total desrespeito às mulheres. Tal situação
encontra-se naturalizada, sem ser problematizada no amadurecimento
sexual desses homens e na perpetuação da cultura do estupro.

151. O desenvolvimento dessa indústria dentro do sistema capitalis-


ta tem os mesmos objetivos como o de qualquer outro seguimento
industrial, almejando única e exclusivamente o aumento dos lucros.
Nesse contexto, seu principal produto, a mulher, entra em um siste-
ma de absurda exploração de seu corpo. Atrizes sofrem diariamente
a opressão e exploração de sua condição de mulher trabalhadora do
sexo. São colocadas para filmar muitas cenas seguidas, com muitos
homens, sem respeito aos limites do corpo.

152. Outra questão destacada é o fato de que essa indústria também


faz uso de mulheres traficadas. O tráfico de mulheres tem por objetivo
colocá-las a disposição. Estima-se que 1,4 milhões de mulheres este-
jam pelo mundo, presas pelo tráfico. Há mulheres que são traficadas
para fazerem trabalhos fotográficos como modelos, prostitutas e atri-
zes pornográficas.

153. A situação como o feminino é tratado na indústria pornográfica,


tanto no âmbito fantasioso da personagem, em que a violência e o
abuso aparecem como uma relação sexual e não como crime, tanto na

48 COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS


vida real em que essas atrizes são submetidas a condições degradantes
ou forçadas ao trabalho são alarmantes. A sexualidade masculina tem
se construído à custa da saúde sexual da mulher. O prazer da mulher
no sexo, ainda tabu social, é ainda mais desmerecido e tido como sem
nenhuma importância. O que a pornografia faz é salientar a submissão
da mulher sobre o homem, sendo fornecedora de diversos mimos e
prazeres, inclusive o sexual. A reafirmação da inferioridade feminina e
da misoginia é tema importante e que deve ser debatido e combatido
pelo feminismo.

154. Infelizmente, não existem muitas organizações como a Treasures


que buscam a defesa das mulheres que trabalham nesta indústria, o que
pode ser visto como um reflexo da nossa sociedade patriarcal, que ne-
gligencia o sofrimento dessas mulheres, julgando este trabalho “contra
a moral e bons costumes” sem julgar aqueles que o consome, focando
apenas nos lucros desta indústria.

155. Por fim, não há como não destacar a intensa incitação à explora-
ção sexual infantil feita pelos materiais pornográficos desse seguimen-
to. Há milhares de filmes que fazem uso da pornografia infantil lega-
lizada, termo usado para se referir a filmes feitos com atrizes maiores
de dezoito anos, mas que aparentam muito menos. São cenas em que
as vestimentas e trejeitos dessas atrizes são bastante infantilizados e os
homens com quem se relacionam vão desde professores, treinadores e
até pais e padrastos.

156. A indústria pornográfica explora pessoas, sobretudo as mulheres,


e lança mão de estereótipos que são construídos historicamente sobre
negras, indígenas, asiáticas, gordas, travestis, entre outras, reprodu-
zindo estigmas sociais com a fetichização e a hipersexualização delas.

2.4. Saúde da Mulher

157. As condições de saúde das mulheres, como a de todos os seres hu-


manos, estão intrinsecamente ligadas às condições sociais, econômicas

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 49


e políticas que estas vivenciam. Essa condição se estrutura dentro de
uma sociedade patriarcal que se organiza a partir da exploração do
trabalho, levando as mulheres a estarem expostas a milhares de formas
de adoecimento, além de agravamentos de saúde que recaem especifi-
camente sobre a vida das mulheres.

158. A violência tem sido identificada como um fator de risco para


vários agravos à saúde da mulher, tanto física como mental e repro-
dutiva, e tem se mostrado associada a pior qualidade de vida, maior
procura por serviços de saúde, maior exposição a comportamentos de
risco (sexo desprotegido, tabagismo, abuso de álcool e outras drogas)
e maiores taxas de suicídio e de tentativas de suicídio.

159. A maior parte dos atos de violência contra a mulher resulta em


problemas físicos, sociais e psicológicos, não necessariamente causan-
do lesões, incapacitação ou morte, e, suas consequências podem ser
imediatas ou latentes, manifestando-se tardiamente ou estendendo-se
por muito tempo depois de a violência ter cessado. Quanto mais grave
a forma de violência sofrida e mais longa a sua duração, maior impacto
terá na saúde física e mental, e a exposição a múltiplos tipos de violên-
cia parece ter um efeito deletério cumulativo.

160. Os programas de saúde da mulher são focados na vida reprodu-


tiva destas, legitimando o papel que a mulher cumpre de reprodutora
no sistema capitalista - tanto ao gerar novos filhos da classe trabalha-
dora para serem explorados pelo capital, quanto ao cumprir o papel de
cuidadora da família e do lar. Frutos desta focalização, da negação ao
direito ao aborto, da violência obstétrica, da privatização e precariza-
ção do Sistema Único de Saúde (SUS) é negado à mulher o direito ao
atendimento universal e integral à saúde.

161. A laqueadura é um processo de esterilização definitivo, que con-


siste no fechamento das tubas uterinas para impedir a descida do óvulo
e a subida do espermatozoide. Em 1997, foi aprovada pelo Congresso
Nacional a lei do planejamento familiar, que obriga os governos a
oferecerem todos os tipos de métodos contraceptivos, inclusive laque-

50 COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS


adura e vasectomia, criando condições para que se realize a esterili-
zação de homens e de mulheres com 18 anos e dois filhos ou 25 anos
independente do número de filhos. Entretanto, existem entraves à sua
regulamentação: por parte dos profissionais médicos, há uma recusa à
autonomia da paciente, reforçando a ideia de que o papel da mulher
é o de reprodutora, além de uma mercantilização do procedimento,
que é cobrado e realizado fora do SUS, impedindo, deste modo, o
acesso de mulheres que não podem bancá-lo; há também, por parte
das religiões, forte pressão contrária à disponibilização do método, em
consonância com o ideário capitalista de reprodução da subordinação
e da exploração feminina e apropriação do seu corpo. É importante
salientar também que se deve ter cuidado ao abordar este tema, tendo
em vista que a esterilização em massa de mulheres negras e periféricas
já vem sendo feito pelo estado.

162. Posicionamo-nos a favor de que todas as informações necessárias


para escolha do método contraceptivo sejam oferecidas às mulheres e
aos homens, no entanto somos contrárias a políticas natalistas e anti-
natalistas destinadas às populações segundo sua classe/etnia, fantasia-
das de “planejamento familiar”. As mulheres devem decidir sobre sua
contracepção e essas decisões devem ser respeitadas pelo Estado.

163. O Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro luta pela criação


de políticas públicas voltadas para a mulher lésbica e bissexual, assim
como para as trans e travestis. Uma vez que, atualmente, no Brasil não
há nenhuma política pública e/ou programa focado na saúde destas.

2.4.1. Descriminalização e Legalização do


Aborto

164. Atualmente o Código Penal Brasileiro considera o aborto como


conduta criminosa, punível com reclusão de um a quatro anos, nos
casos de autoaborto, e de três a dez anos, para os casos realizados por
terceiros com ou sem consentimento da gestante. Somente é permiti-
da a interrupção da gravidez quando esta resulta de um estupro, cons-
titui ameaça à vida da mulher ou nos casos de anencefalia do feto.

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 51


Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca
de 1 milhão de abortos ocorrem por ano no país, ou seja, mesmo sen-
do proibido, as mulheres não deixam de recorrer ao procedimento, e
se expõem a este tipo de situação. A grande maioria dos abortos são
realizados em clínicas clandestinas de forma precarizada, arriscada e
insegura. De acordo com o Data SUS, o aborto inseguro é a quinta
causa de morte materna no Brasil.

165. Tratar o aborto como uma questão criminal e não como saúde
pública, leva as mulheres que precisam recorrer a esta medida cada vez
mais para o campo da marginalidade. Estima-se que pelo menos dois
abortos são realizados por minuto no Brasil (IPAS Brasil), muitas des-
sas mulheres acabam morrendo todos os anos em decorrência de abor-
tos que não deram certo. Apesar desses dados, atualmente o Estado,
que deveria se portar com laicidade sobre essa discussão, segue uma
massa religiosa fundamentalista e retrocede em relação aos direitos das
mulheres e do ser humano.

166. A criminalização do aborto não é uma defesa à vida, como é


afirmado por aqueles que são contra sua realização. Essa é mais uma
forma de controle sobre a vida e a reprodução das mulheres e de ma-
nutenção desse sistema patriarcal. A defesa do Estatuto do Nascituro
pela bancada religiosa do Congresso prova isso. A partir desse Estatuto
se retrocederia nos direitos já conquistados e as mulheres deveriam
manter a gravidez mesmo resultante de estupro, quando há risco de
vida ou inviabilidade do concepto.

167. O Projeto de Lei 5069/2013, do deputado Eduardo Cunha, ti-


pifica como Crime Contra a Vida o anúncio de meios abortivos e
prevê penas específicas que vão de quatro a oito anos para quem in-
duz, orienta ou auxilia a gestante na pratica do aborto. Além disso, a
PL nega a “Norma Técnica: Atenção Humanizada ao Abortamento”
publicada em 2005 e repassada aos profissionais e serviços de saúde,
como subsídio para o cuidado das mulheres, no intuito de redução da
quantidade de mortes maternas por abortamento. Esta ofensiva con-
servadora manifesta-se contra os direitos reprodutivos das mulheres,

52 COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS


servindo a interesses de uma classe dominante reacionária com vistas à
manutenção do patriarcado.

168. Diante do constante conservadorismo apresentado pelo poder


legislativo, precisamos prezar pela manutenção das conquistas da Lei
nº12.845/2013, que permite a vítima de estupro amparo médico, psi-
cológico e social pelo SUS (incluindo no atendimento teste de gravi-
dez, pílula do dia seguinte, teste de Doença Sexualmente Transmissível
e exame de HIV), e combater todas as medidas que sejam retrocessos
para o direito a vida da mulher e a propriedade do seu corpo.

169. Defender a descriminalização do aborto é lutar pelo direito das


mulheres decidirem sobre seus próprios corpos e pela defesa intransi-
gente das suas vidas. O que perpassa pela luta pelo direito integral ao
sistema de saúde e por um sistema e sociedade em que seja eliminada
a dominação de gênero. A prevenção da concepção não deve ficar
somente aos cuidados das mulheres, tem que ser responsabilidade do
casal e de toda a sociedade. E acontecendo a concepção, a mulher deve
ter o direito de decidir se levará ou não adiante a gravidez.

170. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, há 5,5 milhões de


crianças brasileiras sem o nome do pai na certidão de nascimento.
Esse número se mostra tão elevado, pois ainda existe uma aceitação
e/ou legitimação da sociedade no abandono do homem em relação
a seus filhos, decorrente da responsabilização da mulher sobre o cui-
dado contraceptivo e da não atribuição de um “instinto paterno” aos
homens, tal como acontece com as mulheres.

2.4.2
Violência Obstétrica

171. Ainda dentro do campo da reprodução da mulher a violência


obstétrica também se mostra como mais uma forma de reprodução do
machismo e de dominação das mulheres. Essa forma de violência ainda
tem grande dificuldade de ser reconhecida como tal, já que é legitima-
da a partir de uma ciência que carrega grande prestígio social devido a

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 53


sua funcionalidade para o capital – a medicina e devido à naturalidade
que é vista toda forma de violência patriarcal. No Brasil, não existem
leis que tipifiquem e reconheçam a violência obstétrica, mesmo exis-
tindo um forte movimento dentro do campo das lutas feministas que
vem atuando contra essa forma de maus tratos às mulheres.

172. As leis da Venezuela e Argentina conceituam a violência obs-


tétrica como conduta, ação ou omissão, realizada por profissional da
saúde que de maneira direta ou indireta, afete o corpo e os processos
reprodutivos das mulheres, expressada em um trato desumanizado,
um abuso de medicalização e patologização dos processos naturais,
sendo que ela pode se manifestar sob diversas formas: física, psicoló-
gica, sexual e simbólica. Assim, tanto o descaso com as parturientes,
quanto o uso abusivo de tecnologias podem se configurar como prá-
ticas de violência.

173. A condenação da sexualidade da mulher e a obrigatoriedade da


maternidade, visões ainda difundidas por várias religiões, são deter-
minantes nas práticas violentas dentro da obstetrícia. Isso fica eviden-
te em algumas condutas: o abandono da mulher no leito durante o
trabalho de parto e a negação do acompanhante; a criminalização do
aborto; a verbalização de frases que culpabilizam a sexualidade da mu-
lher e legitimam seu sofrimento, como “na hora de fazer não gritou”.
Para algumas religiões de base cristã, o momento do parto seria o mo-
mento que a mulher poderia se redimir de seus “pecados originais” e
que por isso deveria sofrer nesse processo.

174. Ao mesmo tempo, a obstetrícia despontou como ciência num


momento, em que a moral conservadora necessitava legitimar a na-
turalização do papel social da mulher, já que movimentos contesta-
tórios de mulheres surgiram questionando a ordem dominante. Era
necessária uma ciência que se apropriasse do corpo e sexualidade da
mulher e provasse sua inferioridade e sujeição. Nesse mesmo período
também entrou na engrenagem da história a revolução industrial e a
necessidade de controle demográfico e higienização social, sendo que
o controle da reprodução e da vida das mulheres foram essenciais nes-

54 COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS


se processo e legitimados pela ciência médica.

175. Existe um conjunto de práticas que surgiram com a necessidade


da obstetrícia se legitimar como ciência e adentrar o espaço antes ocu-
pado pelas parteiras. Tais práticas são impostas à mulher, que perdem
qualquer autonomia que tinham durante o parto. Apesar de já prova-
das obsoletas por inúmeros estudos randomizados, ainda são extrema-
mente difundidas pelas escolas médicas e tornam o parto natural um
momento de extremo sofrimento.

176. A episiotomia é um corte cirúrgico, com cerca de cinco a seis


centímetros, realizado na região do períneo, (área muscular entre a
vagina e o ânus) a partir da vagina e que pretende ampliar o canal
do parto para facilitar a passagem do bebê na última fase do expulsi-
vo, evitando uma possível laceração irregular durante a passagem do
bebê. Procedimento é feito em 53,5% dos partos no Brasil, sendo que
a OMS recomenda seu uso em 10% dos casos. A episiotomia é uma
prática que, embora ainda usada na maioria dos hospitais, não apre-
senta indicações reais, tampouco benefícios para as mulheres.

177. Outras práticas também provocam sofrimento como: a privação


de alimentos; a posição obrigatória de litotomia – deitada ao leito; os
exames de toque repetitivos; a manobra de Kristeller – força feita no
fundo do útero para apressar o trabalho de parto, que pode levar a
lesão em órgãos da mulher ou no feto; o uso rotineiro de ocitocina –
o famoso sorinho; a privação da mulher ao leito; o ponto do marido
– ponto dado na vagina da mulher para deixá-la mais apertada e dar
mais prazer ao homem, que muitas vezes leva a morte desse tecido
ou intensas dores no ato sexual. O atraso da obstetrícia em relação às
outras áreas médicas e a manutenção dessas práticas defasadas, não é
puro acaso, mas sim expressão das relações de poder e de dominação,
frutos de uma realidade social na qual a prática obstétrica surge como
legitimadora da ordem patriarcal.

178. Dessa forma a assistência ao parto normal é tornada mais dolorosa


e sofrida, enquanto as cirurgias cesáreas são apresentadas como a al-

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 55


ternativa de salvação. As mulheres atendidas no setor público, maioria
preta e parda, serão obrigadas a passar por todas essas rotinas e técnicas
desnecessárias. Enquanto as mulheres nos setores particulares têm “au-
tonomia”, para escolher a via de parto.

179. É neste contexto que a “epidemia” de cirurgias cesáreas prevalece


dentro do país.
Esta é uma cirurgia salvadora quando bem empregada e foi essen-
cial quando surgiu para a diminuição da mortalidade materna. Mas
quando ela é indicada de forma desnecessária, como na maioria dos
casos, aumenta bastante o risco de doenças e de morte para a mãe e
para o bebê, se configurando também como uma forma de violência.
Apesar disso, ela é extremamente indicada dentro do serviço público e
principalmente no sistema privado, por ser mais conveniente e lucra-
tivo para os profissionais médicos. A Organização Mundial de Saúde
(OMS) indica que as taxas de cesárea de um país devem estar entre
10-15% dos partos e se passar disso já representa um maior risco de
saúde para a mulher e para o bebê. Apesar disso, no Brasil, 46% dos
partos no setor público e 88% no setor privado são cesáreas (Estudo
Nascer no Brasil).

180. Assim, outro aspecto que se mostra central na reprodução da


violência obstétrica é a mercantilização dos direitos sociais no sistema
capitalista, no qual a saúde é tratada como mercadoria. O trabalho
médico, na atualidade, é concebido num contexto, em que o com-
plexo médico-hospitalar e o complexo financeiro (seguros de saúde)
dominam o setor saúde e hegemonizam as formas de tratar as doenças
e a própria concepção do processo saúde-doença. Isso implica, por
um lado, uso de técnicas e tecnologia de forma desnecessária, a fim de
gerar lucros para o sistema e por outro, a exclusão de grande parte das
trabalhadoras da assistência à saúde, por uso inadequado de recursos
públicos, pelo subfinanciamento ou pelo acesso desigual aos serviços
de saúde.

181. Enquanto isso grande parte das mortes maternas se dão no per-
curso que as mulheres fazem à procura de um serviço, na qual possam

56 COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS


ser atendidas, já que a maioria dos serviços públicos não têm leitos
suficientes para atender as demandas.

182. Dessa forma a luta contra a violência obstétrica perpassa pela luta
pela autonomia da mulher, que deve ser protagonista no seu parto e
deve ter acesso às evidências científicas mais novas para permitir sua
livre escolha dos procedimentos e técnicas que serão utilizados e pela
luta por um sistema único e universal de saúde, no qual a saúde não
seja tratada como mercadoria, mas como direito de todo ser humano e
que disponibilize os recursos e técnicas mais avançadas para o cuidado
à saúde da mulher.

2.4.3. Saúde Mental das Mulheres

183. No campo da saúde mental, as mulheres também têm suas especi-


ficidades. Hoje, 74% das consumidoras de remédios para sofrimentos
psíquicos doenças mentais são mulheres e, de acordo a dados do SUS,
desde 2001, vem aumentando o número de internação de mulheres
com diagnóstico de sofrimento por transtornos de humor, depressão,
bem como por uso de álcool e outras drogas.

184. Historicamente, o rótulo da loucura foi lançado sobre as mulhe-


res como instrumento de dominação e exclusão. Todas as mulheres
que fugiam ao conjunto de normas impostas sejam da heterossexuali-
dade compulsória, da divisão social do trabalho ou da submissão obri-
gatória ao patriarcado, automaticamente sofriam com instrumentos
de repressão. Exemplo disso é o diagnóstico da histeria, amplamente
difundido no início do século XX, além da internação maciça de mu-
lheres nos manicômios, os quais eram divididos em alas de pagantes e
não pagantes, tendo ainda resquícios nos dias atuais, ficando a mulher
pobre, negra, que desviasse de qualquer norma social, enclausurada
em situações desumanas.

185. Hoje, as múltiplas jornadas de trabalho e a violência sistemática


– tanto física e sexual como psicológica, as desigualdades, a discrimi-

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 57


nação, a falta de assistência nos locais de estudo e trabalho, impactam
negativamente na sua saúde mental das mulheres, sendo fatores desen-
cadeantes de doenças mentais.

186. Transtornos de ansiedade, especialmente fóbico-ansiosos, trans-


tornos alimentares e abuso de álcool e de outras substâncias psicoativas
também têm sido mais observados entre mulheres vítimas de violência
doméstica e sexual, assim como disfunções sexuais (dispareunia, vagi-
nismo e transtornos do desejo e da excitação sexual) e doenças físicas
com forte componente psicossomático (como síndrome do intestino
irritável, fibromialgia e dor crônica). Maiores taxas de suicídio e com-
portamentos auto lesivos também têm sido mais identificados entre
mulheres com história de violência.

187. Agravos à saúde reprodutiva, como infertilidade, gravidez in-


desejada, HIV/Aids, associados à violência contra a mulher, têm se
mostrado importantes fatores de risco para transtornos mentais, uso
excessivo de serviços de saúde, baixa qualidade de vida, limitado de-
senvolvimento pessoal e profissional e dificuldade de estabelecer rela-
cionamentos interpessoais e afetivos.

188. A violência psíquica reproduzida cotidianamente nos lares e nos


espaços públicos está ligada a um estereótipo de beleza imposto pela
sociedade do capital, sendo a gordofobia uma de suas mais cruéis ex-
pressões. A mídia impõe um padrão de mulher a ser consumido por
homens e mulheres que se não alcançados, geram angústia e frustra-
ção. O Brasil é um dos países onde as mulheres são mais objetifica-
das pela mídia e onde existe um dos maiores consumos de cirurgias
plásticas. Para as mulheres a sua autoestima é sempre baseada no olhar
masculino, são os homens que determinam o “valor” das mulheres e
dão status, sendo um importante fator no adoecimento mental das
mulheres.

189. As políticas públicas de saúde não contemplam as especificidades


do adoecimento mental das mulheres. Não há nenhuma perspectiva
criação de políticas para a autoestima das mulheres, ou tentativa de

58 COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS


interferência na questão da violência, no autoconhecimento, na tripla
jornada ou na discriminação que as mulheres sofrem. Pelo contrário,
existe uma hipermedicação dessas doenças, baseada na influência da
indústria farmacêutica na área médica e na necessidade de recuperação
rápida dessas doentes.

190. Embora a Reforma Psiquiátrica preveja a implementação de po-


líticas de desinstitucionalização, difundem-se pelo país as instituições
privadas de internação, majoritariamente geridas por grupos religio-
sos. Esses lugares reproduzem a lógica normativa de gênero, reforçam
os papéis sociais patriarcais impostos às mulheres e alimentam a indús-
tria farmacêutica através do controle medicamentoso.

191. Os Centros de Atenção Psicossociais (CAPS) surgem, ainda na


década de 1980, como inovação nas atuais políticas de saúde mental,
para substituir progressivamente o modelo hospitalocêntrico e mani-
comial por um modelo orientado pelos princípios fundamentais do
Sistema Único de Saúde. No que tange à saúde mental das mulheres,
os CAPS ainda sofrem com os limites da recente implementação, mas
carregam a proposta da reinserção respeitando as diversas singulari-
dades.

192. Mesmo nos CAPS prevalece à lógica do diagnóstico para trata-


mento medicamentoso, não apenas alimentando a indústria farma-
cêutica, mas também mantendo os altos índices de produtividade em
que está inserida a sociedade capitalista. As dores de cabeça, por exem-
plo, resultados da exaustão da jornada de trabalho, são imediatamente
tratadas com medicamentos, a fim de que se retorne rapidamente à
rotina.

193. As demais práticas terapêuticas tendem a ser recusadas, por for-


necerem mais custos ao Estado e gerarem resultados menos imediatos,
prejudicando a lógica produtivista naturalizada pelo Estado burguês.

194. Trabalhadoras dos serviços de saúde mental que ocupam profis-


sões diversas, como enfermagem e psicologia, sofrem com o assédio

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 59


moral e verticalidade das equipes de saúde mental, tendo em vista se-
rem os tratamentos centrados no diagnóstico psiquiátrico.

195. O assédio moral ocorre em todas as profissões/locais de trabalho


e, no caso das mulheres trabalhadoras, é um problema majorado pelas
questões classistas e de gênero frente aos patrões. As denúncias tendem
a ser omitidas para proteger o emprego e/ou por ameaças físicas que
sofrem, aumentando o estresse, gerando pânico e prejudicando grave-
mente a saúde mental feminina.

196. O rótulo de loucura ainda afeta a condição social das mulheres


em diferentes escalas e, no caso das mulheres transexuais e travestis,
é um dado explícito. Constando no DSM V (Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais), como “disforia de gênero”, ainda
que se tenha alterado a palavra ‘’transtorno’’, carrega o mesmo caráter
patológico que a anterior. A disforia remete ao sofrimento psíquico e
a angústia que sofre uma pessoa que não se encontra identificada com
o seu sexo masculino ou feminino, sem especificar que esse sofrimento
se dá dentro e somente do campo social através da heteronormativi-
dade, da discriminação e do preconceito. Esse rótulo faz com que as
pessoas trans e travestis continuem a passar por diversas implicações
sociais, como negação de direitos básicos, como saúde, educação e
trabalho.

197. Nesse sentido, nossas principais bandeiras no campo da saúde


mental devem ser:

• Fortalecimento dos CAPS, em defesa de um SUS 100% estatal e


contra a privatização da saúde!;

• Ampliação das políticas de Atenção Integral à Saúde das Mulheres


pelo SUS, com enfoque na saúde mental coletiva;

• Criação de campanhas de luta antimanicomial, para dar fim ao ró-


tulo da loucura como mecanismo de exclusão social;

60 COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS


• Criação de projetos nos sindicatos para escuta-ativa de mulheres
que sofrem assédio moral e violência sexual, como também campa-
nhas que incentivem à denúncia, devido à omissão dos serviços públi-
cos frente às denúncias individuais;

• Incentivo à implementação de forma mais massivas das práticas te-


rapêuticas alternativas, rechaçando os programas governamentais que
simplificam as demandas de saúde mental para atender às lógicas de
mercado;

• A abordagem na promoção de cuidados deve ser multiprofissional


e intersetorial, além de melhorias na capacitação e formação profis-
sional, para o estabelecimento de uma atenção ampliada objetivando
atender as particularidades da mulher;

• Fim do diagnóstico de transtorno mental para mulheres transexu-


ais e travestis;

• Tratar o álcool e outras drogas como questão de saúde e não de


segurança pública! Pelo fortalecimento dos programas como o “De
volta para a casa”, sobretudo para as mulheres que são também mães, a
fim de não gerar isolamento familiar;

• Somar nas fileiras na luta antimanicomial travado pelo MTST –


Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental e sociedade civil.

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 61


3. O COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO
E O MOVIMENTO LGBT

198. Os papéis masculino e feminino são determinados historicamente


numa relação de historicidade e continuidade, o que nega o determi-
nismo. Neste sentido, refutamos a perspectiva que coloca em oposição
às identidades sociais, sexuais e de classe.

199. Compreendemos que a sexualidade (orientação sexual) é parte


da construção social (da divisão social do trabalho). Assim, afirmamos
que as identidades e desejos não partem das vontades individuais, mas
são coletiva e socialmente construídas.

200. A identidade social da mulher, do homem, bem como do ho-


mossexual e heterossexual na sociedade capitalista se constrói através
da atribuição de distintos papéis que a sociedade espera ver cumpridos
pelas diferentes categorias de sexo e gênero. Por isso, quando as crian-
ças nascem, dentro da perspectiva do capitalismo patriarcalista, têm
seu campo de atuação delimitado.

201. A superação dos papéis de gênero deve ser constantemente alvo


de processos socioeducativos no interior do coletivo e do partido, de
modo a desnaturalizar os mitos e estigmas que marginalizam, violam
e criminalizam as mulheres e LGBTs.

202. O Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro reitera não so-


mente o apoio na luta pela visibilidade trans, mas, sobretudo, a ne-
cessidade de mantermos uma articulação em prol de lutas conjuntas
e combativas à transfobia, bem como o combate à superexploração a
qual as trans e travestis estão sujeitas: exploração mais precarizada no
mundo do trabalho; dificuldade de inserção em empregos formais;
exploração sexual etc.

203. A partir da década de 60, o movimento feminista ganha nova


roupagem ao adicionar em seus princípios - e consequentemente em
suas frentes de luta - a necessidade de questionamento e superação

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 63


das raízes culturais da desigualdade entre os sexos, colocando em xe-
que a ideologia machista dominante do “eterno feminino” que afirma
que a mulher está destinada ao lar e à família, por ser o sexo frágil e
inferior ao homem. Deste modo, o movimento feminista pautou por
mudanças nos costumes e pela quebra dessa assimetria que justifica a
dominação masculina.

204. Embora já se tenha passado algumas décadas desse avanço que


foi o surgimento da categoria “gênero” enquanto construção social,
muitos movimentos feministas ainda trazem em suas diretrizes políti-
cas a não aceitação das/os transexuais e das travestis em seus espaços de
auto-organização e atuação política. Para nós do Coletivo Feminista
Classista Ana Montenegro, isso é estéril para a construção de uma luta
de caráter classista contra o patriarcado.

205. Cabe ao Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro, em


conjunto com o Coletivo LGBT Comunista, promover espaços de
formação sobre a temática de gênero e sexualidade, afim de que a
militância em geral também se aproprie desse debate e que sirva no
combate às práticas machistas e/ou LGBTfóbicas no interior do par-
tido e coletivos.

206. Cabe ao Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro conti-


nuar hasteando a bandeira do combate à cultura machista e patriarcal
e, sobretudo, dizer que a luta das mulheres, sem excluir as trans e
travestis, é parte integrante da luta de classes. Só podemos conquistar
a libertação das mulheres e dos homens de toda e qualquer forma de
exploração, seja ela de gênero, etnia ou orientação sexual, se essa luta
for acima de tudo de classe, em direção à revolução socialista. Portan-
to, essa conquista deve ser no sentido de transformações objetivas e
subjetivas que garantam a todas e todos suas diferenças, sem que estas
se traduzam em dominação e subordinação de uma pela outra.

64 COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS


4. O COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENE-
GRO E O MOVIMENTO FEMINISTA

4.1. O Feminismo Classista

207. O Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro é um coletivo


que tem como linha estratégica o feminismo classista, partindo do en-
tendimento de que as relações sociais de classe, gênero, sexualidade e
raça, historicamente interligadas no desenvolvimento do capitalismo,
não podem ser analisadas e compreendidas, separadamente, para a or-
ganização estratégica do socialismo como via de chegada ao comu-
nismo, para uma sociedade sem classes e sem dominação entre sexos e
etnias, na qual a humanidade esteja plenamente emancipada.

208. A dominação entre os sexos não é algo natural, mas construído


socialmente a partir das relações travadas entre os seres humanos em
contato com a natureza ao longo da história da humanidade. As re-
lações que fazem dos seres humanos seres sociais são determinadas e
dependentes da manutenção e reprodução da vida material e são con-
dicionadas por dimensões de tempo, espaço e território as quais estão
circunscritas.

209. Ao produzir e reproduzir sua história, a humanidade objetiva e


concretiza práticas sociais naturalizando as relações construídas, um
processo que tende à alienação da vida ao não reconhecer a própria
vida nas realidades sociais que precederam a existência individual, ou
seja, mulheres e homens, com as características que hoje são apresen-
tadas por cada sexo, são seres históricos e, por isso, agentes da própria
transformação, capazes de superar a dominação e subordinação das
mulheres em relação aos homens.

210. Considerando, portanto, essa naturalização da construção histó-


rica de dominação da mulher pelo homem, é possível dizer que as re-
lações mais íntimas, os desejos, os relacionamentos, os medos e amores
têm raízes no desenvolvimento da práxis humana, não corresponden-
do, assim, a nenhuma essência natural.

66 COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS


211. Nesse fazer da humanidade, alguns acontecimentos e formatos
de organização da vida em sociedade são chaves para entender o ser
social da mulher forjada no capitalismo, pois a partir do surgimento
da propriedade privada e da exploração do trabalho de um ser humano
por outro um novo formato de sociedade é inaugurado, a sociedade
de classes, assentada na família monogâmica, fundamental para a ma-
nutenção desse específico formato social, já que a transmissão e acú-
mulo da propriedade privada só são viabilizados com sua existência.

212. Ou seja, as relações de produção e reprodução da vida, assim


como a transformação objetiva e planejada da natureza que torna os
seres sociais mediante trabalho, foi historicamente forjada pela explo-
ração quando a propriedade privada da terra passou a constituir a vida
coletiva.

213. Na família monogâmica, a transmissão da propriedade privada só


é possível com a garantia da fidelidade da mulher, por isso a monoga-
mia, enquanto formato ideal e nuclear da família burguesa, é imposta
para as mulheres. Essa necessidade irá gerar lugares diferenciados para
homens e mulheres, forjando, ao longo dos séculos, esses seres sociais
que hoje conhecemos. À mulher foi destinado o espaço privado do lar
e o trabalho doméstico, enquanto ao homem coube o sustento da casa
e o espaço público, explicitando a divisão sexual do trabalho como um
dos formatos de organização da vida, que se impõe concomitante à
divisão social do trabalho.

214. As modernas relações de trabalho, a cisão entre o trabalho manual


e intelectual, a vida pública e a vida privada, criam em seu âmago as
relações entre sujeito e objeto, no qual a reprodução da vida natural
e social fica subordinada à manutenção da propriedade privada e dos
meios de produzir a vida. Assim, a mulher é tida como a terra, um
objeto de fertilidade a ser dominado e utilizado pelos homens para a
perpetuação de seus privilégios de proprietários, fazendo uso inclusive
da violência para a manutenção dessa propriedade.

215. Essas transformações não se deram de forma homogênea em todo

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 67


o globo, mas as sociedades que mais desenvolveram suas forças pro-
dutivas impuseram – e impõem – seu formato de sociedade aos outros
povos e etnias com um menor grau de desenvolvimento econômico
e bélico.

216. Essa dominação tem diferentes nuances, a depender de múltiplos


fatores, entre eles, o formato de trabalho de cada modo de produção,
as relações subjetivas estabelecidas entre as classes dominantes e domi-
nadas de cada época e os fatores culturais prevalecentes anteriormente
em cada localidade. As lutas travadas entre essas classes foram e são
fundamentais no forjar da história e no grau de exploração e domina-
ção as quais as mulheres estiveram e estão sujeitas.

217. Para a compreensão do feminismo classista é fundamental, ainda,


historicizar outra forma de dominação crucial em nossas lutas, a do-
minação étnica, uma vez que o racismo e a suposta hierarquia étnica
surgem como forma de legitimar a dominação e exploração de outros
povos.

218. Numa sociedade que já era dividida em classes e no qual a explo-


ração do trabalho humano era uma forma de concentração de rique-
zas, a hierarquia estabelecida entre as diferentes etnias era uma forma
de legitimar a escravidão. Isso foi responsável por um dos maiores
genocídios da história, o genocídio do povo negro e indígena, que
ainda continua sendo praticado, porém com outras justificativas. O
racismo e o machismo fazem as trabalhadoras negras e indígenas, se-
rem ainda, mais exploradas, espoliadas e violentadas, com tendência a
um aumento paulatino do acirramento da barbárie contra esses grupos
dentro do capitalismo.

219. Dessa forma, compreendemos que a exploração do trabalho, a


propriedade privada, a sociedade de classes e a dominação sexual e
étnica fazem parte de uma totalidade, na qual é impossível lutar pela
igualdade entre os sexos sem encabeçar uma luta política mais ampla,
que busque romper com esse atual modelo de sociedade.

68 COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS


220. Sem o fim da exploração do trabalho e da propriedade privada
não teremos condições de superar as relações sociais de sexo que são
essenciais para a reprodução do sistema capitalista. Dessa forma, acre-
ditamos que é necessária a tomada do poder político e econômico
pelas pessoas que hoje são exploradas, trabalhadoras e trabalhadores;
a retomada e socialização dos meios de produção com a finalidade de
extinguir o trabalho alienado e a divisão sexual do trabalho. Somente
a partir de uma revolução socialista teremos possibilidade de modificar
plenamente a condição social das mulheres, do povo negro e indíge-
na, da população LGBT e de toda a classe trabalhadora.

221. Ao mesmo tempo, os fatores subjetivos também são determinan-


tes na luta de classes, sendo fatores políticos fundamentais para o an-
damento de uma revolução social, apresentando a luta feminista como
fundamental para a construção do socialismo.

222. O feminismo classista, ao se colocar em luta contra o machismo,


contra a exploração das trabalhadoras e na defesa intransigente da vida
das mulheres, tem como objetivo uma transformação da consciên-
cia desses sujeitos, com a abertura da possibilidade de lutas cotidianas
contra toda a forma de violência, dominação e exploração e a cons-
trução de sujeitos políticos que superem a prisão, o silenciamento e o
isolamento dos espaços do lar e do machismo. Essas mulheres, junto
com sua classe, são fundamentais na condução de um momento re-
volucionário e na transformação de consciência de outros homens e
mulheres de sua própria classe.

223. Nesse atual modelo social, tal condução se torna um aspecto fun-
damental, já que a burguesia conseguiu fazer o que nenhuma outra
classe dominante conseguiu que é apresentar seus interesses parti-
culares como interesses universais e fazer com que seu formato de
vida virasse a regra social. Para a vida das mulheres trabalhadoras, isso
significa a reprodução da família burguesa com todas as suas contra-
dições, além de estarem expostas a todas as demais contradições de
serem mulheres da classe explorada.

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 69


224. Milhares de trabalhadoras ainda vivem sob o julgo da família mo-
nogâmica nuclear burguesa, vivendo sob a violência doméstica e sem
se libertarem dessa condição não somente por questões econômicas,
mas, também, por questões emocionais, psíquicas e religiosas. A moral
monogâmica – para as mulheres – junto ao amor romântico, criado
sob a égide das famílias burguesas, formam um par perfeito para refor-
çar a submissão das mulheres.

225. Esse formato de família e de amor tem, ainda, milhares de outras


repercussões para a vida das mulheres: a sujeição a uma tripla/quá-
drupla jornada de trabalho, o adoecimento mental, já que para essa
moral a felicidade só pode ser encontrada através do amor romântico
e de sua infinitude, o podamento sexual para a pequena burguesia e
para parte das trabalhadoras e a exploração sexual para os setores mais
pauperizados da classe.

226. Para as mulheres lutadoras sociais ainda existem outros aspectos


subjetivos determinantes e que precisam ser desconstruídos. Nós mu-
lheres somos educadas para que as relações amorosas tenham papel es-
sencial em nossas vidas, diferente do que ocorre na educação social dos
homens, isso, muitas vezes, determina de forma negativa os estudos e
a manutenção das mulheres na militância. Assim, a luta por uma outra
moral sexual também deve fazer parte das lutas comunistas e das lutas
pela tomada do poder político por via do socialismo.

227. As condições subjetivas são muito mais perenes e difíceis de se


transformar que a estrutura econômica e, uma vez que estão enraiza-
das ideologicamente, o machismo e racismo se estenderão para além
do momento revolucionário, por isso, essas lutas devem ser engen-
dradas desde já, no combate ao machismo e à violência, em todos os
espaços, inclusive dentro dos nossos espaços organizativos, sendo essa
responsabilidade não somente das mulheres, mas também de todos os
homens comunistas.

228. Em relação aos envolvimentos amorosos, devemos chamar a


atenção às possíveis distorções que as teorias do amor livre podem

70 COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS


causar: muitos camaradas usam dela para desenvolver com suas com-
panheiras uma suposta relação aberta, mas acabam objetificando-as.
Tal comportamento é ainda mais visível e violento quando se trata
de relações com mulheres negras e transexuais. Reafirmamos, assim, a
importância de se tentar construir essa nova moral sexual e amorosa,
porém sabendo que somente de fato se tornarão amores livres quando
houver o rompimento com a sociedade capitalista e suas as relações de
propriedade.

229. Assim, a luta pela tomada do poder político e econômico con-


verge com a luta contra o machismo e todas as formas de dominação,
perpassando por aspectos fundamentais, como:

• A inserção massiva e qualificada das feministas classistas entre as


trabalhadoras, buscando auxiliar no avanço de consciência de classes
dessas;

• A organização dessas trabalhadoras para as lutas revolucionárias;

• O fortalecimento dos instrumentos políticos essenciais para a con-


dução da revolução.

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 71


5. ORGANIZAÇÃO DO COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA
ANA MONTENEGRO

230. O Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro se insere na


estratégia do PCB de construção da revolução socialista no Brasil. En-
tende-se que as demandas de gênero pela emancipação das mulheres
trabalhadoras deverão tensionar o estado burguês visando à ruptu-
ra com o capitalismo e todas suas formas de exploração, dominação,
segregação e subjugação pautadas tanto na divisão social de classes,
quanto na diversidade humana. Deste modo, o campo de alianças po-
líticas possíveis será com organizações identificadas como do campo
da esquerda, constituídas pela classe trabalhadora e a serviço desta.

231. A militância do coletivo é composta por membros do PCB, mi-


litantes de seus coletivos partidários e militantes independentes, não
podendo ser incorporadas ao coletivo, aquelas que são filiadas a outros
partidos ou suas frentes de massa e coletivos internos. Primando pela
militância política orgânica das mulheres trabalhadoras e entendendo
que se trata de um coletivo misto, as coordenações serão compostas
por militantes mulheres que se constituem socialmente com essa iden-
tidade de gênero.

232. Sobre a participação dos homens comunistas no movimento fe-


minista classista, na luta por essa nova moral sexual e no repensar dessa
estrutura monogâmica de família, compreendemos que deve haver
um compromisso constante dos camaradas para uma construção coesa
das lutas. No entanto, deve-se ficar claro o protagonismo das mu-
lheres, bem como o incentivo à participação delas nos debates e lutas
sociais como lideranças.

233. O Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro teve nos últi-


mos anos um expressivo crescimento em todo país, o que torna ne-
cessário garantir a construção de uma estrutura organizativa mais or-
gânica, centrada em núcleos e coordenações, garantindo dessa forma
mapeamento, acompanhamento e registro das ações realizadas pelos
núcleos, em consonância com as linhas políticas do coletivo e do PCB.

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 73


234. Por ser um coletivo partidário e por constituir um importante
instrumento de luta do Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Cole-
tivo Feminista Classista Ana Montenegro possui uma clara linha po-
lítica, sempre coerente com as resoluções e orientações congressuais
do PCB.

235. O modelo organizativo que regem o partido e todos os seus co-


letivos partidários é o Centralismo Democrático. Esse princípio dou-
trinário precisa ser compreendido de maneira dialética e ser praticado
cotidianamente na dinâmica política. Compreendemos que é a demo-
cracia interna que dá base para unidade de ação, democracia está que
não pode ser confundida com o “democratismo vulgar”, sem direção
e anárquico, sendo o CFCAM, uma organização comunista, temos
espaços como congressos, ativos e plenos para avançarmos em certas
questões deliberativas, bem como possuímos instancias organizativas
internas, que são eleitas nos espaços deliberativos.

236. O centralismo democrático é uma ferramenta organizativa que


impele a militância para uma disciplina consciente e coletiva. Princí-
pio que requer maturidade política e que exige a superação constante
de vícios pequenos burgueses por parte das militantes. Sendo o cen-
tralismo democrático um instrumental que forja a consciência da nova
mulher e novo homem da sociedade comunista.

237. Às militantes do Partido Comunista Brasileiro que organizam os


diversos núcleos do Ana cabem sempre a coerência político-ideoló-
gica com o centralismo democrático, buscando a unidade de ação do
Coletivo e o fortalecimento de um debate responsável e qualificado.

238. A organização de cada núcleo possibilitará a ampliação das ações


do coletivo e deve ser realizada a partir de avaliação em reunião ple-
nária, convocada pela Coordenação Estadual, considerando as con-
dições objetivas de cada local. Quando houver aumento expressivo
de militantes do núcleo e segundo a análise do mesmo, pautada em
espaços comuns de atuação, poderão ser constituídos novos núcleos
por área de moradia, local de trabalho, local de estudo, local de atuação

74 COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS


no interior dos movimentos sociais, sejam em espaços urbanos e/ou
do campo, onde exista a possibilidade de contribuir na construção de
pautas feministas e classistas.

239. Consideramos importante que cada nucleação tenha uma assis-


tente militante do CFCAM e integrante da Coordenação Estadual,
garantindo dessa forma alinhamento das ações desenvolvidas, bem
como estudos e debates promovidos pelas militantes, garantindo uma
discussão ampliada entre todos os núcleos do estado, articulada com as
pautas nacionais, através do diálogo permanente com a coordenação
nacional do CFCAM.

240. As coordenações nacional e estadual do CFCAM devem ser elei-


tas nas suas instâncias máximas de deliberação, nos encontros “estadu-
ais” e “nacional”. As coordenações dos núcleos, dos estados e do na-
cional devem indicar nomes para a composição da nova coordenação,
tendo como método de avaliação a trajetória política e mobilizadora
da militante. Todas as camaradas militantes do Ana Montenegro, que
estiverem aptas a participar dos encontros, podem realizar destaques e
indicar alterações da composição proposta, no momento destinado a
eleição dentro dos encontros.

241. Os congressos estaduais e nacional deverão ser realizados de três


em três anos, ou quando as coordenações nacional, dos estados e dos
núcleos entenderem que a situação política exige tal processo de rees-
truturação dos aspectos organizativos, de formulação e de intervenção.

242. As coordenações dos núcleos são divididas entre coordenação


política, de organização e de finanças. Fica facultado às Coordena-
ções Estaduais, junto com os núcleos, criar novas coordenações, como
formação política e de agitação e propaganda. A composição de cada
uma dessas coordenações poderá ser em duplas ou por um membro, a
ser eleita por todas as militantes do núcleo em reunião. A periodicida-
de da composição deverá ser anual, ou quando de modo consensual,
a coordenação atual entender que haja necessidade de reposição ou
reorganização.

COLETIVO FEMINISTA CLASSISTA ANA MONTENEGRO RESOLUÇÕES CONGRESSUAIS 75


243. As militantes independentes poderão compor coordenações de
agitação e propaganda e de finanças em núcleos que apresentam ape-
nas um membro para cada uma das coordenações. As coordenações
compostas por duplas poderão ser formadas por uma militante inde-
pendente em parceria com uma militante de ambas as organizações,
PCB e CFCAM, respeitando as especificidades dos estados onde o
Ana e o PCB estão em construção.

244. A Coordenação Nacional deve ser composta por militantes do


CFCAM que também sejam membras do PCB. Sua função é garantir
a linha política e o cumprimento das resoluções tiradas em Congresso
Nacional e prestar assistência às coordenações estaduais e núcleos. Essa
coordenação deve ser composta por uma coordenadora política, uma
organizativa e uma de finanças, podendo ser criadas novas coordena-
ções conforme necessidade.

245. Sobre as finanças: cada núcleo organizará uma política de finan-


ças para sua atuação e ficará responsável por garantir a presença das
militantes nas reuniões da Coordenação Estadual. Em caso de reunião
nacional, todos os núcleos do estado ficarão responsáveis pelo custeio
da participação das militantes nesta.

246. Quando à Coordenação Estadual e à Coordenação Nacional, fica


estabelecida a quantidade mínima de duas reuniões anuais para cada
coordenação.

247. As coordenações deverão ter o caráter organizativo, de formula-


ção teórica e de alinhamento político. Deverão expressar a construção
coletiva dos núcleos, garantindo o desenvolvimento da organização
como um espaço amplo e democrático, sem a perda da unidade em ní-
vel nacional e estadual. Qualquer militante do coletivo poderá enviar
contribuições, críticas e propostas políticas/organizativas às membras
das coordenações a qualquer momento de sua trajetória militante den-
tro da organização. Em caso de discordância frente aos resultados do
encaminhamento das coordenações dos núcleos, a militante poderá
encaminhar suas contribuições à assistência do núcleo e remetê-las às

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demais instâncias sucessivamente - coordenação estadual e nacional.

248. Para fins de uso do nome do Coletivo em documentos oficiais, e


também para agitação e propaganda, fica estabelecido Coletivo Femi-
nista Classista Ana Montenegro.

249. Para padronização da identidade visual do Coletivo, os elemen-


tos gráficos e visuais serão definidos a nível nacional pela comissão de
agitação e propaganda.

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