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Sumário:
1. Introdução
O direito falencial tem principiologia própria, que o difere do direito civil comum, notadamente no
que tange às irregularidades dos atos praticados pelo empresário, dos quais podem advir prejuízos
para a massa falida.
Exemplo disso são os atos praticados em fraude contra credores, que no direito civil são anuláveis
e que no direito falencial são ineficazes.
Segundo o sistema do direito civil brasileiro, os atos anuláveis produzem efeitos no mundo jurídico,
até que se lhes retire a eficácia, por intermédio de sentença judicial desconstitutiva do mesmo
ato. Portanto, é necessário que se ajuíze ação pauliana (anulatória de ato e/ou de negócio
jurídico havido em fraude contra credores) para que seja reconhecida a invalidade do ato e, por
conseqüência, sua ineficácia.
No direito privado tradicional, os atos ineficazes não dependem de ação judicial para que se
reconheça a ineficácia: basta mera petição dirigida ao juiz da causa onde se quer ver declarada a
ineficácia, para que, por exemplo, o juiz ordene se faça penhora sobre o bem objeto do ato.
Dissemos que o direito falencial tem principiologia própria porque nele os atos ineficazes, como os
descritos na LF 52 e 53, necessitam de reconhecimento judicial para que a ineficácia seja
reconhecida. Esse reconhecimento judicial se faz por intermédio da denominada ação revocatória
falimentar. Sem a propositura da ação revocatória falimentar, não se pode tratar um ato ou
negócio jurídico como ineficaz, ainda que caracterizada a hipótese de haver sido praticado nos
termos da LF 52 e 53. A ação judicial é imprescindível para que se alcance a ineficácia de que
trata a LF 52 e 53.
Há dois tipos de ineficácia dos negócios jurídicos no direito falencial: a da LF 52 e a da LF 53.
As causas de ineficácia que vêm arroladas na LF 52 podem ser reconhecidas judicialmente por
meio de ação desconstitutiva de eficácia, ao passo que as mencionadas na LF 53, por intermédio
de ação revocatória falimentar. Entretanto, a doutrina majoritária denomina o meio processual
para o reconhecimento de ambas as ineficácias, de ação revocatória, não fazendo a distinção aqui
apontada. Esse posicionamento doutrinário resultou conseqüência na praxe forense, que chama
ambas as medidas, para o reconhecimento das ineficácias da LF 52 e 53, de ação revocatória
falimentar.
A ação de reconhecimento de ineficácia não é meramente declaratória, mas sim constitutiva
negativa (desconstitutiva). 1 Trata-se de peculiaridade do direito falencial, pois, como já dissemos,
a ineficácia seria reconhecível independentemente de ação judicial ou, caso ajuizada demanda,
seria de natureza declaratória.
Entretanto, as pretensões de direito material que se exercem mediante ação declaratória são
perpétuas,2 isto é, imprescritíveis, razão pela qual não se podem qualificar as hipóteses da LF 52
como sendo caso de ação declaratória, pois elas são suscetíveis de extinção.
Pelo regime jurídico da ação de reconhecimento de ineficácia (desconstitutiva) e da ação
revocatória falimentar (desconstitutiva), dado pela LF 52 e LF 53, respectivamente, há previsão
de extinção dessa pretensão pela ocorrência da decadência do direito à revogação, como se pode
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É tão singular a noção de estabelecimento comercial, que a doutrina batizou-o com o nome de
propriedade comercial,14 no que foi seguida pela jurisprudência de nosso Pretório Excelso, 15para
distinguir da propriedade em sentido lato.
É preciso distinguir-se, portanto, o ativo civil do ativo comercial, pois somente este último é que
seria capaz de integrar o conceito de estabelecimento comercial. 16
De outra parte, o conceito de estabelecimento comercial ou industrial deve ser definido segundo
os critérios do direito positivo. 17É à lei vigente, portanto, que cabe determinar o que é e quais os
elementos caracterizadores do estabelecimento. 18Daí a razão por que passamos a definir o
instituto de acordo com o Código Civil brasileiro (Lei 10.406/2002), que entrará em vigor em
12.01.2003. 19
Não se podem confundir os conceitos de empresa e de estabelecimento comercial ou industrial.
Empresa é a "atividade organizada, de natureza privada, com o objetivo de produção ou de
circulação de bens e serviços no mercado", 20que tem como características a habitualidade no
exercício dessa mesma atividade negocial, o escopo de lucro ou de resultado econômico e a
organização ou estrutura estável dessa mesma atividade. 21Substituiu a velha terminologia do
vetusto Código Comercial brasileiro, que falava em ato de comércio.
Estabelecimento comercial ou industrial é "todo complexo de bens organizado, para exercício da
empresa, por empresário, ou por sociedade empresária", na definição do novo Código Civil
brasileiro. 22Substituiu a noção de fundo de comércio, que nós haurimos do direito francês. 23
O Código Comercial brasileiro, cuja primeira parte permanece em vigor até 11.01.2003, usa a
expressão casa comercial que parece dar idéia assemelhada à de estabelecimento comercial (arts.
301 e 457, do CCo). 24
A revogada Lei de Luvas, que estabelecia regras para a renovação do contrato de locação
comercial (Decreto 24.150/34), referia-se a fundo de comércio para significar o estabelecimento
comercial, sem, contudo, explicitar-lhe o conceito e conteúdo (art. 20).
O mesmo pode-se dizer do revogado Código de Processo Civil de 1939, que falava em fundo de
comércio nos arts. 358, 359 e 362.
Nada obstante a ausência de definição legal do fundo de comércio, à doutrina coube a tarefa de
fazê-lo, conceituando-o como sendo a mesma coisa de estabelecimento comercial ou industrial,
isto é, "o complexo de meios idôneos, materiais e imateriais, pelos quais o comerciante explora
determinada espécie de comércio. (...) As locuções fundo de comércio e estabelecimento
comercial servem, em direito brasileiro, para exprimir a mesma idéia". 25
Entre empresa e estabelecimento há uma relação de meio e fim, 26significando que por meio do
estabelecimento (complexo de bens ligados funcionalmente, sem os quais não se pode exercer a
empresa) se dá o exercício da atividade empresária-fim (empresa).
No comércio, o estabelecimento seria o imóvel onde se localiza a sociedade empresária (material),
o ponto comercial (imaterial), a clientela (imaterial), o estoque de mercadorias, as máquinas
necessárias à atividade comercial (balcão frigorífico, freezer, computadores, linhas telefônicas
etc.), o aviamento (capacidade de gerar lucros e resultados), o crédito junto às instituições
financeiras, a imagem junto ao consumidor, a marca e sinais distintivos, depósitos bancários para
capital de giro etc. Não seriam bens integrantes do estabelecimento os imóveis que a sociedade
empresária possui, mas que não sejam necessários para o exercício da empresa, as aplicações
financeiras etc. Estes últimos fazem parte do patrimônio da sociedade empresária, integrando o
seu ativo, mas não são imprescindíveis para o exercício da empresa.
3. Termo legal da falência
Os atos e negócios jurídicos ineficazes com relação à massa falida, quer com fundamento na LF
52, quer na LF 53, têm sido investigados tendo como base o termo legal da falência, fixado pelo
juiz em regra na sentença declaratória da falência.
A LF 14 III estabelece que o juiz, na sentença que declara a falência, deve fixar o termo legal, a
partir do primeiro protesto por falta de pagamento ou do despacho que receber a petição inicial do
pedido de falência.
Evidentemente que esse primeiro protesto por falta de pagamento tem de ser o protesto válido,
ainda a descoberto, que tenha alguma ligação com o estado de impontualidade ou mesmo de
falência em que incorreu a sociedade empresária. O nexo de causalidade entre esse primeiro
protesto e a declaração de falência é imprescindível para que seja fixado, validamente, como
termo legal referido primeiro protesto. Aliás, a doutrina costuma definir o termo legal como sendo
"a data em que se caracterizou o estado de falência", 27ou o "reconhecer da ocasião exata em
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"Art. 1.145. Se ao alienante não restarem bens suficientes para solver o seu passivo, a eficácia da
alienação do estabelecimento depende do pagamento de todos os credores, ou do consentimento
destes, de modo expresso ou tácito, em trinta dias a partir de sua notificação."
5. Decadência do direito à declaração de ineficácia
O direito de revogar os atos ineficazes (LF 52) bem como os praticados em fraude à massa (LF
53) se extingue, pela decadência, em um ano, contado a partir da publicação do aviso a que se
refere a LF 114, conforme determina a LF 56 § 1.º, ou, se este não tiver sido expedido, a partir de
quando deveria ter sido expedido ou a falência encerrada. 54
A decadência é instituto que foi criado em benefício da segurança das relações jurídicas, de sorte
que atende à ordem pública. O que não se pode permitir é que o síndico seja o único senhor
plenipotenciário da ação revocatória, podendo promovê-la quando bem quiser. E isso fatalmente
ocorrerá se não for expedido o aviso da LF 114, referido pela LF 56 § 1.º. 55
Não se pode conceber a condição potestativa de deixar-se ao alvedrio do síndico o prazo, que é
de ordem pública, para a propositura da ação revocatória. Não se compatibilizam prazo de ordem
pública e condição potestativa.
Essa é a razão pela qual o STF emitiu o Enunciado 147 da súmula de sua jurisprudência
predominante, no sentido de fixar-se um dies a quo para a prescrição dos crimes falimentares. Não
fosse assim, os prazos falimentares em geral não prescreveriam por falta de termo inicial,
conforme advertência feita pela doutrina. 56
É de aplicar-se, pois, a todos os prazos extintivos previstos no estatuto falencial, a LF 132 § 1.º:
"Salvo caso de força maior, devidamente provado, o processo da falência deverá estar encerrado
dois anos depois do dia da declaração".
Ao propósito, é conveniente citarmos a lição de Wald: "b) os demais prazos da lei falimentar
devem ser considerados em relação à data em que, pela lei e de acordo com ela, deveriam ter
acontecido, e não na data em que efetivamente aconteceram, aplicando-se por analogia a
jurisprudência do STF consagrada na Súmula 147 (MIX\2010\1872) . (...) A tese do STF referente
ao início do prazo de prescrição do crime falimentar também deve ser aplicada à ação revocatória,
a fim de não impor uma insegurança jurídica, que decorreria da ausência de previsão do dies a
quo, passando o mesmo a depender exclusivamente do síndico e tornando-se assim condição
potestativa, que repugna à lei e à segurança das partes". 57
Essa mesma preocupação é externada por Valverde, que partilha do mesmo entendimento daquele
constante do STF 147: "um processo de falências pode facilmente durar, por motivos de força
maior, oito ou dez anos. Basta que o síndico tenha, extrafalência, duas ou três demandas,
movidas por ele ou contra a massa. Por dez ou doze anos, fica o autor do crime falimentar, cuja
pena máxima é de quatro anos, a aguardar a ação penal para se defender. A iniqüidade é
manifesta". 58
Aliás, foi o próprio STF quem fez a primeira analogia, pois acatou a lição de Miranda Valverde,
aplicando a LF 132 § 1.º - dispositivo legal genérico - ao crime falimentar. 59
Assim, a fortiori, deve o mesmo dispositivo legal genérico ser aplicado à ação revocatória
falimentar, em suas duas modalidades (LF 52 e 53), pois o fundamento para uma e outra
incidência é o mesmo.
6. Questões processuais diversas - Bibliografia
A ação revocatória pressupõe falência já decretada, sem o quê não há interesse processual no
reconhecimento da ineficácia. Antes da declaração da falência pode o credor ajuizar, em tese,
ação pauliana com fundamento na lei civil.
Além disso, o ato ou negócio jurídico objeto do pedido de reconhecimento de ineficácia tem de
estar previsto numa das hipóteses taxativamente enumeradas na LF 52 ou subsumir-se no caso
genérico e subsidiário da LF 53.
Sendo fundada na LF 52, a ineficácia é de aferição objetiva, prescindindo do exame da fraude
para caracterizar-se; ajuizada com fundamento na LF 53, o reconhecimento da ineficácia tem
natureza subjetiva, exigindo-se a prova da fraude (má-fé, consilium fraudis) e do dano (eventus
damni).
O ônus de provar, tanto os requisitos objetivos quanto os subjetivos dos casos legais de ineficácia
do ato ou negócio jurídico, é sempre do autor da revocatória, ou seja, do síndico ou do credor
(art. 333, I, do CPC).
Têm legitimidade para figurar no pólo ativo da ação o síndico, substituto processual da massa
falida e dos credores (art. 6.º, do CPC e LF 55, caput), 60 ou qualquer credor habilitado, ainda
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que tardiamente.
No pólo passivo devem figurar todos os que participaram e os que se beneficiaram do ato ou
negócio jurídico, já que poderão ter sua esfera jurídica atingida pela sentença. Nada obstante a LF
55 par. ún. diga que a ação pode ser proposta contra as pessoas que enumera, na verdade trata-
se de hipótese de litisconsórcio necessário-unitário, pela natureza da relação jurídica (art. 47, do
CPC): a sentença só poderá ser proferida validamente se o litisconsórcio estiver íntegro. Faltando
um dos litisconsortes necessários no pólo passivo da revocatória, a sentença que eventualmente
vier a ser proferida terá sido inutiliter dada (dada inutilmente), vale dizer, não terá eficácia no
mundo jurídico, prescindindo de recurso e mesmo de ação rescisória para desconstituir-se, pois a
coisa julgada material não chega a formar-se.
Há intervenção obrigatória do Ministério Público na ação revocatória, qualquer que seja a causa do
pedido de ineficácia (LF 52 ou 53), por força do comando obrigatório da LF 210, conjugado com a
art. 127, caput, da CF/1988 e art. 82, III, do CPC.
O procedimento a ser adotado na ação revocatória é o comum ordinário (art. 282, do CPC), e a
competência para processá-la é do juízo universal da falência (LF 56).
A pretensão de ineficácia tem prazo para ser exercida, razão pela qual não pode ser de natureza
meramente declaratória, como apregoa parte da doutrina. Tanto a ineficácia prevista na LF 52,
quanto a anunciada na LF 53 ensejam a desconstituição do ato ou negócio jurídico, de sorte que
ambas as pretensões têm natureza constitutiva negativa (desconstitutiva). Portanto, o prazo
previsto na lei para seu exercício (LF 56) é de decadência, insuscetível de suspensão ou de
prorrogação (art. 207, do CC/2002).
Das decisões interlocutórias proferidas no curso do processo da ação revocatória cabe o recurso
de agravo (arts. 522 e 162, § 2.º, do CPC). A apelação é o recurso cabível contra a sentença
(art. 162, § 1.º, do CPC), que deve ser recebida apenas no efeito devolutivo, quando se tratar da
revocatória ajuizada com base na LF 52 e em ambos os efeitos quando se tratar de revocatória
promovida com fundamento na LF 53 (LF 56 § 2.º).
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