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Desnos gostaria que isso acontecesse no cinema, mas, no teatro, isso já havia
sido feito, ao menos quanto à estrutura. Vinte e cinco anos antes, em 1898, August
Strindberg publicava a primeira parte de três da peça Rumo a Damasco, que não
retratava um sonho do dramaturgo (um pesadelo, talvez), mas, por meio de alegorias,
ele recriava o período da sua vida que foi chamada pelos estudiosos de sua obra como
“inferno”, um período em que o autor separava-se de sua segunda mulher, passava por
problemas financeiros e passou a ter alucinações. Nesta obra, o Desconhecido,
protagonista da peça, que é uma “representação” do autor neste pesadelo, percorre um
caminho em busca de salvação e/ou redenção, como o título anuncia ao fazer referência
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à conversão de Paulo de Tarso, relatada nos Atos dos Apóstolos. Os cinco atos que
constituem esta parte da trilogia de Damasco não constituem um enredo que se
desenvolve com clareza, as partes parecem antes “recortes” de um enredo maior, no
qual as outras personagens só aparecem em relação ao protagonista, como se fossem
faces do Desconhecido. Esta técnica utilizada por Strindberg foi chamada de “drama de
estação”, no qual “o herói, cuja evolução de descreve, é distinguido com máxima
clareza dos personagens que encontra nas estações de seu caminho. Elas só aparecem na
medida em que encontram com o protagonista, na perspectiva dele em relação com ele”
(SZONDI, p.60, 2001).
Em 1901 Strindberg repete a estrutura da obra de 1898 na peça O Sonho.
Nesta, a filha de Indra, Inês, desce à terra para ver se os lamentos dos homens que
chegam ao céu são verdadeiros. Assim como na saga do Desconhecido, os atos não
possuem uma continuidade, parecem antes “colagens”, esquetes que trazem sempre a
mesma personagem como protagonista em situações diferentes, mas com uma certa
unidade, que é mantida por Inês. No prefácio de O Sonho, o próprio Strindberg explica,
em terceira pessoa, a estrutura destas suas peças: “Em O Sonho, tal como na peça
onírica precedente, A Estrada de Damasco, o autor procurou reproduzir a forma
incoerente, mas aparentemente lógica, do sonho” (STRINDBERG, 1978, p.19). Nesta
estrutura, tempo e espaço se manifestam de uma maneira particular, não linear, que é
somente compreensível ao sonhador. Diz Szondi que
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assume este papel, ora é o filho de uma mãe que está a sua espera, ora é o amante que
espera sua amada Vitória que nunca vem, e ora é o doutor que volta aos bancos
escolares e não sabe a lição.
Apesar da aparente desconexão entre um ato e outro e da, digamos, “mudança
de papéis” das personagens, as peças mantêm uma unidade seja pelo tema seja pela
personagem principal, assim como nos sonhos. Como diz André Breton, “é
verossimilmente a memória consciente que nos apresenta o sonho como descontínuo.
De facto, nada impede de pensar que „segundo todas as aparências, o sonho é contínuo e
traz vestígios de organização‟” (BRETON apud DUROZOI; LECHERBONNIER,
1976, p.137). Podemos dizer que Gombrich complementa aquilo que foi dito por Breton
ao dizer que “nos sonhos, com freqüência experimentamos a estranha sensação de que
pessoas e objetos se fundem e trocam de lugar. Nosso gato pode ser ao mesmo tempo
nossa tia, e o nosso jardim ser a áfrica (1993, p.471).
Esta estrutura e estas “misturas” que acontecem nos sonhos não foram,
entretanto, utilizadas apenas no teatro. Acatando a ideia de Desnos, as teorias de Freud
sobre os sonhos ou influenciados por Strindberg, os surrealistas puseram em prática o
“realismo superior”, do qual falara Robert Desnos, e de fato abriram um novo campo à
poesia e ao sonho. O sonho foi para os surrealistas mais do que uma inspiração, foi um
dos elementos fundadores de suas concepções estéticas e o que permeou tanto a
produção pictórica quanto a literária e a cinematográfica desta escola. Sobre a produção
cinematográfica, Durozoi & Lecherbonnier afirmaram que
No filme Via Láctea (1969), dirigida por Luis Buñuel, a estrutura presente em
Rumo a Damasco e O Sonho se repete. Assim como nas peças de Strindberg, a película
também se desenvolve a partir dos protagonistas Jean e Pierre, que estão rumo à
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Fig.1. Uma das personagens que os peregrinos Jean e Pierre encontram em seu caminho rumo a
Santiago de Compostela.
Os dois passam por acontecimentos que nos remetem à idade média, seguida
pelo iluminismo, época em que temos as discussões mais “acirradas” sobre religião e
razão. Presenciaram situações que se passam com personagens contemporâneas a si, que
discutiam sobre os dogmas da igreja, sem que houvesse muita lógica nestas discussões e
nem em suas ações. Como nas peças de Strindberg, aqui as personagens também
“mudam de papel” no desenrolar da trama. Em uma das cenas em que os peregrinos
estão procurando carona e que surge uma personagem na estrada, vinda de lugar
nenhum (Fig. 1), Pierre relembra de sua juventude quando sua mãe lhe diz para não
cortar a barba. A cena seguinte mostra, pode meio de um flashback, uma cena da vida
de Cristo, que nos remete à crença de que Jesus possa voltar na pede de um
mendigo/peregrino e que se deve recebê-los bem por conta disso. Nesses trechos, tanto
em Rumo a Damasco como em Via Láctea, as personagens, assim como nos sonhos,
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Fig. 2 – Cena que remete à juventude de Pierre, no qual ele aparece como Cristo.
Como diz Strindberg, todos os elementos aparentemente desconexos que
compõe os sonhos (e as peças e a película em questão) se juntam de uma forma que há
conexão entre as partes e uma unidade pode ser compreendida a partir destas. Esta
unidade se dá pelos protagonistas, mas também pelo “sonhador”, que pode ser tanto os
autores quanto as personagens principais. No cinema, no entanto, o papel do sonhador
pode também ser atribuído ao espectador, já que, quando as luzes se apagam,
a noite paulatina que invade a sala equivale a fechar os olhos.
Começa então na tela, e no interior da pessoa, a incursão pela noite
do inconsciente; como no sonho, as imagens aparecem e desaparecem
mediante fusões e escurecimentos; o tempo e o espaço tornam-se
flexíveis, prestando-se a reduções ou distensões voluntárias; a ordem
cronológica e os valores relativos da duração deixam de corresponder
à realidade; a ação transcorre em ciclos que podem abranger minutos
ou séculos; os movimentos se aceleram (Idem, p.336).
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REFERÊNCIAS:
------. O Sonho. Tradução de João da Fonseca Amaral. Lisboa: Editorial Estampa, 1978.
SZONDI, Peter. Teoria do drama moderno (1880 – 1950). Tradução de Luiz Sérgio
Repa. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.
FILMOGRAFIA:
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