Sei sulla pagina 1di 76

MÉSZÁROS, I. A teoria da alienação em Marx. São Paulo: Boitempo, 2006. 296p.

INTRODUÇÃO

A crítica da alienação vem sendo discutida há um bom tempo e por uma vasta gama de
autores, no entanto, atualmente este interesse de estudo não diminuiu, muito pelo contrário,
intensificou-se, se mostrando como urgência sócio-histórica.
Muito tem se discutido em torno dos Manuscritos econômicos-filosóficos de Marx, no
qual se encontra, dentre muitas reflexões, o conceito de alienação. Sem dúvida, esta foi à obra
filosófica mais trabalhada do século XX, todavia, foi deixado de lado o fato de esta ser uma
das obras filosóficas mais complexas da história da humanidade.
Paradoxalmente, a maestria de Marx em produzir “aforismos citáveis” – porém, inter-
relacionados e multifacetados – criou uma falsa impressão de simplicidade na leitura dos
Manuscritos. Por isso, ler esta obra sem a preocupação de remontar suas conexões complexas
com as demais obras de Marx acarreta, necessariamente, numa interpretação simplificadora,
isolada e errônea dos seus conceitos. De fato, é muito mais fácil abstrair tais conexões – como
fazem muitos comentadores – se focando em algum aspecto isolado da obra de Mar.
Os escritos da juventude de Marx foram classificados por Althusser como
“enigmaticamente claros”, logo, qualquer leitor que procure transcender sua “aparência de
simplicidade” precisa encarar algumas dificuldades:
Em primeiro lugar, precisamos destacar o caráter fragmentário dos Manuscritos de
1844. Tratam-se de comentários e reflexões sobre economia política e sobre a filosofia
hegeliana, os quais, embora possam parecer de simples apreensão, ainda assim, jamais podem
ser compreendidos em sua profundidade, caso não sejam analisadas num sentido mais amplo.
Em segundo lugar, há as complexidades da linguagem, das quais destacamos três
principais (é claro que a primeira não se aplica ao texto original):
A primeira delas expressa-se nas dificuldades da tradução, tendo em vista que
palavras como Aufhebung, por exemplo, têm muitos significados distintos tais como:
transcendência, superação, substituição por algo de maior nível, entre outros.
A segunda delas refere-se à inadequação da estrutura conceitual, ou seja, por causa da
invasão da tradição inglesa de pensamento na filosofia – isto é, a hegemonia do formalismo
empirista e positivista –, os termos e conceitos utilizados por Marx parecem, num primeiro
momento, estranhos e contraditórios em si mesmos. Isso acontece, porque esta filosofia está
habituada com o caráter simplista e linear do positivismo, por isso, não é capaz de
compreender a essência dialética da filosofia marxiana. Por exemplo, o homem em Marx não
é somente um “humano” ou apenas “animal”, mas as duas coisas. “Ou seja, o homem é o ‘ser
universal da natureza’ somente porque ele é o ‘ser especifico da natureza’, cuja especificidade
singular consiste precisamente em sua universalidade singular, em oposição à parcialidade
limitada de todos os outros seres da natureza 1” (MÉSZÁROS, 2006. p. 19). Sem uma
apreensão dialética destes postulados não é possível apreender o significado total e a
consistência das ideias cruciais da filosofia de Marx.
A terceira delas, diz respeito à ambiguidade terminológica, ou seja, como Marx se
dedicou em dialogar com seus contemporâneos, usando os próprios conceitos destes autores
para criticá-los. Isso gerou um certo contraste entre as terminologias dos filósofos criticados
por Marx e o significado que ele mesmo dava para elas – o qual chegava ao ponto de esvaziar
por completo o significado tradicional que estes termos tinham. Por exemplo, a noção de
“auto-estranhamento” de Feuerbach, a noção de “essência humana”, entre outras. Contudo,
uma atenta contextualização histórica destes termos, bem como a explanação da forma como
são utilizados por Marx, facilitam muito o seu entendimento.
Em terceiro lugar, é necessário destacar a complexidade do conceito-chave de
alienação. A noção de alienação em Marx se expressa de quatro maneiras:
1) Alienação do homem em relação à natureza;
2) Alienação do homem em relação a si mesmo;
3) Alienação do homem em relação a seu “ser genérico2”;
4) Alienação do homem em relação aos outros homens.
A primeira dessas quatro situações representa a alienação do trabalhador em
correspondência com o produto do seu próprio trabalho3.
Na segunda circunstância, a alienação manifesta-se dentro do processo de trabalho –
no ato de produção –, ou seja, quando a relação do trabalhador com sua própria atividade
aparece para ele de forma alheia, como se pertencesse a outra pessoa e não lhe oferece mais
1
Para entender tais colocações é preciso de um curso inteiro da Maria Orlanda, mas, a essência do alerta de
Mészáros é muito pertinente, pois, sem um contato próximo com a dialética, torna-se impossível compreender os
principais eixos norteadores do pensamento de Marx, inclusive da sua noção de alienação.
2
O gênero humano não é só mais uma classificação positivista do ser humano enquanto homo sapiens, para além
disso, destaca a capacidade da nossa espécie de produzir suas próprias propriedades, bem como transformar a
natureza e a si mesmo através do seu trabalho. Tudo isso, soma a noção de gênero uma propriedade ontológica,
ou seja, de construção do ser humano enquanto um sujeito histórico em processo de enriquecimento histórico.
3
“Tá vendo aquele edifício moço/Ajudei a levantar…/Hoje depois dele pronto/Olho pra cima e fico tonto/Mas
me vem um cidadão/E me diz desconfiado/ ‘Tu tá aí admirado ou tá querendo roubar’…”.
satisfação – a realização humana então só acontece a partir do momento que o trabalhador se
livra do trabalho por meio da venda. Marx denomina a alienação em relação a natureza de
“estranhamento ante a coisa” e a alienação em relação a si mesmo de “auto-estranhamento”.
O terceiro caso leva em consideração o fato do trabalho objetivar a vida da espécie
humana, isto é, leva em conta a tendência do ser humano enxergar a si mesmo – objetiva e
subjetivamente – num mundo criado por ele mesmo. Entretanto: “O trabalho alienado, porém,
faz ‘do ser genérico do homem, tanto da natureza quanto da faculdade genérica espiritual
dele, um ser estranho a ele, um meio da sua existência individual” (MARX, 2004 apud
MÈSZÀROS, 2006.p. 20).
A quarta característica da alienação desenvolve-se na relação do homem com outros
homens, ou seja:

(…) uma consequência imediata de o homem estar estranhado do


produto do seu trabalho, de sua atividade vital de seu ser genérico é o
estranhamento do homem pelo [próprio] homem… O que é produto
da relação do homem com seu trabalho… vale como… o objeto do
trabalho de outro homem (MARX, 2004 apud MÉSZÁROS, 2006.p.
21).

Em quarto lugar, há uma questão muito importante a ser levada em conta: a


estrutura dos Manuscritos de Paris. Embora não seja uma obra extensa em número de
páginas, representa uma síntese complexa de todo um sistema filosófico em nascimento 4.
Marx está abrindo caminho para a formação de uma “nova ciência humana” em detrimento a
filosofia abstrata e o parcialismo e positivismo das “ciências naturais”, a partir de uma ideia
sintetizadora: a alienação do trabalho.
Todas as ideias presentes nos Manuscritos só fazem sentido quando analisadas no
conjunto da obra marxiana. Além disso, esta obra representa a primeira grande síntese
filosófica e dialética de Marx, na qual cada ponto particular articula-se com o sistema
marxiano como um todo.
Existem dois conjuntos de ideias norteadoras dos Manuscritos econômico-filosóficos.
O primeiro destes questiona o porquê das contradições:
1) Entre diferentes tendências filosóficas;
2) Entre filosofia e ciência;
3) Entre ética e economia política;
4) Entre teoria e prática.

4
É o que Mészáros chama de síntese in status nascendi.
O segundo destes, preocupa-se com as possibilidades de “superação” do sistema
vigente de alienação e estranhamento da vida cotidiana, tanto no aspecto filosófico da
questão, quanto em sua forma concreta e positiva5, ou seja, como é possível fundir os
opostos6, em oposição às tendências antagônicas promovidas pela alienação. O objetivo desta
ciência humana marxiana é muito diferente do da filosofia abstrata, por isso, visa materializar
a união entre teoria e prática na sua manifestação mais abrangente.
Evidentemente, o primeiro e o segundo conjunto de ideias dos Manuscritos estão
interconectados dialeticamente.
Faz-se necessário ressaltar que Marx não foi o primeiro pensador a trabalhar com o
conceito de Aufhebung7 – dentre todos os filósofos que discutiram sobre alienação, Hegel é o
que levou a questão mais adiante, inclusive refletiu sobre a “unidade dos opostos” –, no
entanto, a maioria dos filósofos que antecederam Marx abandonam a discussão sobre a
alienação em seu ponto mais essencial, incidindo sobre uma reflexão abstrata e limitada ao
ponto de vista restrito do capital.
Para Marx, a questão da transcendência da alienação do trabalho é um processo
indissociável do intuito de conquistar a “unidade entre teoria e prática”. Antes dos
Manuscritos de 1844, ou seja, antes da noção de alienação, o intuito de unir homo faber e
homo sapiens, apresentava-se de forma muito abstrata em Marx.
Assim sendo, os Manuscritos econômico-filosóficos representam “uma síntese in
status nascendi”, porque são a primeira tentativa marxiana de trabalhar o conceito
sintetizadora da “alienação do trabalho”. Portanto, tal noção constitui um verdadeiro divisor
de águas no pensamento marxiano. Aliás, esse “elo perdido” na teoria de Marx elucida todos
os aspectos particulares da sua crítica, bem como a comunicação destas com as demais ideias
presentes na totalidade do seu sistema filosófico.
Nesse sentido, é importante destacarmos que a crítica de Marx a Hegel antes da
descoberta do conceito sintetizador da alienação do trabalho, por mais contundente e concisa
que fosse ainda permanecia parcial. Entretanto, a partir da descoberta do conceito de “auto-

5
Graças ao mestrado do Professor Caio Antunes pudemos entender que quando Mészáros menciona o termo
positivo, isto significa na verdade uma “negação da negação”. Sendo mais claros, a realidade alienada na qual
vivemos nos afasta (lê-se nega) da nossa própria condição humana. Nesse sentido, uma atitude verdadeiramente
crítica precisa negar essa “negação alienante”, por isso se torna uma atitude positiva – não confundir com
filosofia positiva conservadora, por favor.
6
Vencer o antagonismo entre fazer e pensar, teoria e prática, ser e ter, público e privado, entre outras.
7
Mészáros vai trabalhar com essa questão mais aprofundadamente, passando pela economia política (tachado de
positivismo acrítico) por Diderot, Rousseau e Hegel.
alienação do trabalho” o sistema hegeliano pode ser apreendido tanto em sua significativa
importância histórica, bem como em suas limitações mistificadoras.
Em suma, a essência estrutural dos Manuscritos é o conceito de “transcendência da
auto-alienação do trabalho”. Além disso, este sistema em nascimento inaugura uma
monumental programa de reflexão promoção de soluções aos mais diversos problemas da
existência social – compreendendo, é claro, as dificuldades e perigos de tal empreitada.
Assim, os Manuscritos permaneceram inacabados e assim devem permanecer, ou seja, não
precisa de revisões, pois, estavam em status nascendi. Entretanto, isso não é motivo para
classificá-lo como uma simples obra juvenil, muito pelo contrário, como já bem vimos,
consiste num programa magistral de síntese crítica, filosófica, histórica e empírica.

***

O conceito de Aufhebung é essencial para a compreensão da teoria da alienação em


Marx. Nosso foco na análise deste conceito divide-se em três motivações:
1) Antes de mais nada, é a chave para o entendimento dos Manuscritos, bem como e o
foco da nossa análise neste trabalho.
2) Essa noção de “transcendência da auto-alienação” é o elo crucial para entender a
totalidade da obra de marxiana – inclusive dos escritos do “velho Marx.
3) Na história do marxismo o tema da “transcendência da auto-alienação” foi muito
negligenciado, no entanto, atualmente essa questão está a “ordem do dia”, haja vista que
vivenciamos inéditas perturbações na estrutura do capitalismo enquanto sistema global –
levando em conta, é claro, que os distúrbios anteriores tiveram apenas um alcance muito
parcial e local. Evidentemente, o programa de “transcendência da alienação” teorizado por
Marx só poderia ser realizado em âmbito mundial, por isso, teve de se manter em segundo
plano na virada do século XIX para o XX. Neste intervalo de tempo, os movimentos
socialistas tornaram o marxismo uma cartilha de aplicação prática no “socialismo num só
país, ou socialismo nacional”. Entretanto, em nosso memento histórico no qual as crises
socioeconômicas atingem consequências globais, é crucial desenvolver soluções igualmente
globais, tais como: o programa marxiano de “transcendência positiva8 da auto-alienação do
trabalho”. É obvio que esse processo não acontece do dia para a noite, bem como o programa
de Marx não pode ser confundido com uma “panaceias messiânicas”, ainda assim, isso não
muda o fato de precisarmos agora, mais do que nunca, pensar em soluções adequadas para os
8
Positiva aqui representa um sinônimo para força real ou necessária na história.
nossos problemas contemporâneos, os quais estão relacionados direta ou indiretamente com o
desafio de superar auto-alienação do trabalho.

***

Nesse livro não procuramos apresentar a teoria de Karl Marx a partir das sínteses
realizadas nos Manuscritos, pois, como já mencionamos, isso não passaria de uma caricatura
da filosofia marxiana, bem como seria uma injustiça com as obras posteriores e com a
compreensão do sistema de Marx como um todo.
Toda análise e interpretação de uma obra filosófica precisa ter em mente que existe
uma diferença temporal significativa entre os períodos históricos do autor e dos seus leitores.
Ignorar isso termina e problemas de interpretação insolúveis. Dito de outra forma, o objeto da
análise não poderá ser compreendido sem que sejam levados a cabo um estudo objetivo dos
conceitos e valores significativos para contemporaneidade histórica. Nesse sentido, a maioria
dos interpretes opositores burgueses de Marx não chegam minimamente a compreendê-lo,
pois a forma como eles se armam para realizar a interpretação da filosofia marxiana afasta-se
de todo e qualquer princípio de “neutralidade e imparcialidade” – garantido, por exemplo, por
meio do estudo dos valores atualmente significativos asseguram.

Em favor de nossa exposição, contudo, é digno de nota que ela pelo


menos não exige a introdução de falsas polaridades no sistema de
Marx, como a suposta oposição entre seus “conceitos científicos” e
seus chamados “conceitos ideológicos”; nem exige o expurgos destes
últimos da concepção filosófica de Marx como um todo
(MÈSZÀROS, 2006.p. 27).

Sem dúvidas, sem os supostos “aspectos ideológicos” a teoria de Marx pareceria mais
científica, no entanto, ela também se tornaria eminentemente mais pobre, bem como não
estaria nem um pouco de acordo com nossas necessidades atuais.
ORIGENS E ESTRUTURA DA TEORIA MARXIANA
I. ORIGENS DO CONCEITO DE ALIENAÇÃO
1. A ABORDAGEM JUDAICO-CRISTÃ

Antes de mais nada precisamos analisar o fato de “sofrermos” por causa da nossa
“alienação com respeito ao deus judaico-cristão”. Dizem que o homem “alienou-se com
relação a Deus”, desvencilhou-se do seu “caminho sagrado”, portanto, o destino messiânico é
a salvação do homem do seu estado imposto por ele mesmo de auto-alienação.
Entretanto a semelhanças dessa problemática com relação a questão da alienação do
trabalho param por aqui, abrindo margem as inúmeras diferenças que surgem. O apóstolo
Paulo ilustra isso quando afirma: “que estáveis sem Cristo, sendo alheios à comunidade de
Israel, e estranhos aos testamentos, não tendo esperança, e sem Deus no mundo. Mas agora
em Cristo Jesus vós, que outrora estáveis longe, fostes aproximados pelo Sangue de Cristo”
(Epístola aos Efésios, capítulo II apud MÉSZÁROS, 2006. p. 32).
Nesse sentido, o cristianismo procura levar a cabo uma solução mística e puramente
fictícia por meio do “sangue ou do mistério de Cristo”, o qual por si só seria capaz de
reconciliar toda a contradição entre os povos “estranhos e inimigos”. A esse respeito Marx
escreve: “O judaísmo é a aplicação prática vulgar do cristianismo. Mas essa aplicação prática
só se poderia tornar universal quando o cristianismo, como religião aperfeiçoada, tivesse
realizado, de maneira teórica, a alienação do homem de si mesmo e da natureza” (MARX,
19639 apud MÉSZÁROS, 2006. p. 32 – 3).
O “realismo sem flores” do judaísmo reflete a realidade de forma mais imediata, por
isso defendem a continuação, por tempo indeterminado, deste estado de coisas – isto é, não
pressa alguma da chegada do seu Messias. Constatemos isso em dois aspectos: 1) procuram
abrandar os conflitos internos de classe. É conhecido o mandamento do livro de
Deuteronômio, “os pobres são abundantes na terra, portanto, abra sua mão ao seu irmão”. 2)
A forma de retomar a “graça de Deus” acontecerá por meio dominação dos “estranhos” a
Judá. Não é difícil encontrar no livro de Isaías sobre o futuro de subserviências “dos povos
estranhos aos judeus”.
O fermento para a materialização dessa dominação prescrita religiosamente era a
“usura” (lê-se juros) – uma arma que ainda precisava de um impulso para alcançar sua
eficiência máxima, isto é, precisava da transformação do judaísmo em cristianismo.

9
Karl Marx. On the question [A questão judaica]. Londres: C.A Watts & Co, 1963. p. 39.
[O] judaísmo atinge seu apogeu com a perfeição da sociedade civil;
mas esta só alcança a perfeição no mundo cristão. Só sob a influência
do cristianismo… poderia a sociedade civil separar-se completamente
da vida do Estado, separar todos os vínculos genéricos do homem,
colocar em seu lugar o egoísmo e a necessidade egoísta, e dissolver o
mundo humano num mundo de indivíduos atomizados, antagônicos.

Tal tendência foi menos influenciada pelo ethos judaico que imaginava ser “o povo
escolhido por Deus”, mas foi muito mais influenciada pelo tabu da aplicação da usura “aos
filhos do Estado de Judá10”. O cristianismo, em contraponto, defendendo a “fraternidade
universal”, condenou a prática da arma usura – e a consequente acumulação de capital dela
proveniente – entre “os escolhidos” e os “estranhos”, logo, tornou-se presa fácil do avança do
“espírito do judaísmo”. No fim das contas, segundo Marx, “o princípio prático judaico”
sobrepujou, sem dificuldades, o “caráter abstratamente teórico do cristianismo”.
É preciso que fique muito claro que a questão em reflexão aqui não é simplesmente a
realidade empírica das comunidades judaicas europeias, mas, para além disso, debruçamo-nos
sobre o “espírito do judaísmo”, um princípio interno do desenrolar histórico europeu,
responsável pela emersão do sistema capitalista. Portanto, se deixarmos isso passar
poderemos incidir no erro terrível do antissemitismo e na busca cega de bodes expiatórios.
Feitos tais ressalvas, podemos analisar objetivamente o desenvolvimento europeu, desde sua
realidade pré-feudal até a ascensão do capitalismo, nas quais cada aspecto particular – tais
como judaísmo e o cristianismo – deve sempre ser considerado uma parte significativa de um
todo complexo e inter-relacionado.

O judaísmo e o cristianismo são aspectos complementares desse


esforços da sociedade para lidar com suas contradições internas.
Representam ambos tentativas de uma transcendência imaginária
dessas contradições, de uma “reapropriação” ilusória da “essência
humana” por meio de uma substituição fictícia do estado de alienação.
O judaísmo e o cristianismo expressam as contradições da
“parcialidade contra a universalidade”, e da “concorrência contra o
monopólio”: isto é, as contradições internas do que dicou conhecido
como “o espírito do capitalismo” (MÉSZÁROS, 2006. p. 34).

10
Nos escritos sagrados judaicos, as restrições com relação a alimentação dizem respeito aos judeus, mas podem
ser vendidos aos “povos estranhos”, a usura, ou seja, a cobrança de juros também não pode ser exercida entre os
judeus, porém quando se trata do empréstimo de dinheiro ao “estranho” a usura é livre.
Em tais condições, o sucesso da parcialidade só acontece com a abolição da
universalidade e vice-versa. O mesmo fenômeno acontece entre a concorrência e o
monopólio. A parcialidade judaica se reflete em seu desejo de conquistar a “nacionalidade
quimérica do judeu” que é a nacionalidade do comerciante e, acima de tudo, do financista.
Por isso Marx afirmou que “a emancipação social é a emancipação da sociedade com
relação ao judaísmo” (MARX, 196311 apud MÉSZÁROS, 2006. p. 34 – 5). “A ‘estreiteza
judaica’ poderia triunfar na ‘sociedade civil’ porque esta última exigia o dinamismo do
‘espírito supremamente prático do judeu’, para o seu desenvolvimento completo”
(MÉSZÁROS, 2006. p. 35). O judeu emancipou-se a sua própria maneira, ou seja, não apenas
por meio do poder do dinheiro, bem como a medida que o próprio dinheiro se tornou uma
força mundial independente dele. “Os judeus emanciparam-se na medida em que os cristãos
se tornaram judeus” (MARX, 196312 apud MÉSZÁROS, 2006. p. 35). O fenômeno da eclosão
do protestantismo em algumas nações cristãs representou uma transição precoce do
“cristianismo teórico-abstrato” ao “cristianismo-judaísmo prático”. Ao mesmo tempo,
crescente incisão do espírito do capitalismo na esfera prática levou a cabo a secularização de
todas as formas ideológicas – inclusive as formas ideológicas de alienação – até chegarem a
máxima da “morte de Deus”.
No final das contas, dentro da sociedade de classes se desenvolve a contradição entre a
aspecto particular e o aspecto universal, entre a “parte” e “todo” entre a parcialidade e
totalidade. Tal antagonismo manifesta-se por meio da tendência dos primeiros sobressaírem-
se sobre os segundos. Dentro destas circunstâncias, as relações de poder existentes garantem a
parcialidade sua expressão como universalidade fictícia, do mesmo modo que, a negação
idealista desse processo tem de se manter igualmente mística, tal como aconteceu com o
cristianismo abstrato antes de se transformar em judaísmo prático.

Pois a “parcialidade” e a “universalidade”, em sua oposição recíproca,


são duas facetas do mesmo estado alienado de coisas. A parcialidade
egoísta dever ser elevada à “universalidade” para a sua realização… É
por isso que não pode haver lugar para universalidade autêntica, mas
apenas para a falsa universalização da mais crua parcialidade,
justamente com um postulado ilusório, teórico-abstrato, da
universalidade como a negação – meramente ideológica – da
parcialidade efetiva, predominante na prática (MÉSZÁROS, 2006. p.
35).

11
Karl Marx. op. cit., p. 40.
12
Ibidem, p. 35.
Nesse sentido, a “nacionalidade quimérica do judeu” é ainda mais fictícia porque
representa a “nacionalidade do comerciante e do financista”, ou seja, um processo de
transformação abstrata de uma parcialidade em universalidade. Desse modo, o antissemitismo
se mostra claramente místico, pois; a partir do momento que ataca a parcialidade do judaísmo
em toda a sua imediaticidade limitada, deixa de lado o aspecto abrangente e real da
parcialidade das aspirações capitalistas se expressarem como universalidade. Por causa disso,
afirma justamente a tendência que deseja atacar, porque se prendeu em ataques místicos.
As reflexões de Marx sobre a questão judaico-cristã pretendiam desenvolver uma
solução para esse impasse aparentemente insolúvel entre parcialidade e universalidade.
Assim, vale ressaltar que sua solução não se expressa por meio de uma simples negação da
manifestação de alguma parcialidade enquanto universalidade – isso é apenas outra
mistificação. A novidade histórica de Marx13 repousava justamente em apresentar o problema
de acordo com uma análise dialética e material da “tendência da parcialidade em se
manifestar como universalidade”, processo que se desenvolve visando ocultar a
universalidade autêntica, a única que pode abarcar os interesses sociais humanos em sua
totalidade e multiplicidade. É por meio dessa perspectiva analítica que Marx é capaz de expor
todas as contradições que fundamenta a sociedade capitalista, bem como elaborar um
programa prático de superação da alienação, através da fusão material de teoria e prática.

2. ALIENAÇÃO COMO “VENDABILIDADE UNIVERSAL”

A mundanização da alienação em seu sentido religioso gira em torna das discussões


obre a “vendabilidade”. Por exemplo, no Melmoth de Balzac, “até o Espírito santo tinha um
espaço na bolsa de valores”. A doutrina da “queda do homem” foi questionada em prol da
“liberdade14”. Na realidade, durante o período de ascensão do capitalismo, todas as
concepções ideológicas precisavam fomentar os raízes dos fundamentos capitalistas
atualmente em desenvolvimento.
Em meio a sociedade feudal, os bloqueios frente ao avanço do “espírito do
capitalismo” eram a proibição do vassalo de alienar-se sem o consentimento do seu superior e
a limitação da alienação das propriedades da comunidade por parte do burguês sem a devida

13
A treta central é que Marx não procura meramente negar as contradições, mas pretende superá-las.
14
Liberdade e todo o seu sentido liberal e burguês, é claro.
permissão do rei. Além do mais, a terra – fenômeno crucial ao domínio sócio-histórico do
feudalismo – deveria ser alienada para que a sociedade mercantil desenvolvesse sem
obstáculos.
A tendência da alienação como vendabilidade englobar também o fenômeno da
reificação já é perceptível antes mesmo do capitalismo ser criticado em sua totalidade. A
apologia mistificadora da “liberdade enquanto contratualmente legitimada” atuou
substancialmente para o atraso da percepção das contradições sociais. Contudo, isso não
impede que a reificação, a alienação e o caráter contraditório da nossa realidade não possa ser
apreendido por pensadores dedicados não em criticá-las, mas, em vez disso, preocupavam-se
em legitimá-las. Kant é o exemplo mais claro que nos vem a mente. A chamada propriedade
morta pode facilmente alienada do seu dono primeiro e passado para um outro dono, no
entanto, quando se trata de uma “propriedade viva” (lê-se um ser humano) é preciso que ela
primeiro seja reificada para depois ser transmitida para a posse de alguém. Na Odiséia de
Homero podemos notar isso: “Estranho, queres tornar-te minha coisa, meu servo?”.

A principal função do tão glorificado “contrato” era, portanto, a


introdução – em lugar das relações feudais rigidamente fixas – de uma
nova forma de “fixidez” que garantisse senhor o direito de manipular
os seres humanos supostamente “livres” como coisas, objetos sem
vontade própria, desde que estes “escolhessem livremente” celebrar o
contrato em questão, “alienando voluntariamente aquilo que lhes
pertencia” (MÉSZÁROS, 2006. p. 38).

Portanto, alienação dos homens realiza-se pela transformação do homem numa coisa.

Assim como o homem, enquanto estiver mergulhado na religião, só


pode objetivar sua essência em um ser alheio e fantástico; assim
também, sob o influxo da necessidade egoísta, ele só pode afirmar-se a
si mesmo… subordinando seus produtos e sua atividade à dominação
de uma entidade alheia… ou seja, o dinheiro (MÉSZÁROS, 2006. p.
39).

Em resumo, a reificação do ser humano significa a aceitação voluntária a uma nova


servidão, a qual se manifesta na sociedade civil por meio da hegemonia do dinheiro (lê-se a
subordinação à “necessidade egoísta”).
Por fim, a alienação consiste na expansão da “vendabilidade universal” à tendência de
metamorfização dos homens em “coisas”, as quais aparecem na forma de mercadorias a serem
vendidas no mercado, bem como pela divisão das pessoas em indivíduos isolados, unicamente
mobilizados pela “necessidade egoísta”. Além disso, não é atoa que Goethe tenha advertido
com veemência: “toda particularidade isolada deve ser rejeitada15”. Também não é por acaso
que a preocupação de Goethe tenha permanecido um “postulado utópico”, haja vista que na
sociedade capitalista só se preocupa em transformar todos os âmbitos da vida humana –
inclusive as mais pessoais – em “mercadorias intercambiáveis”.

3. A HISTORICIDADE E A ASCENSÃO DA ANTROPOLOGIA

“Alienação” é um conceito eminentemente histórico. (…) Do


mesmo modo, a “transcendência da alienação” é um conceito
inerentemente histórico, que vislumbra a culminação bem-
sucedida de um processo em direção a um estado de coisas
qualitativamente diferente (MÉSZÁROS, 2006 p. 40).

Contudo, a qualidade histórica dos fenômenos sociais não significa que eles serão
sempre expostos pelos intelectuais de uma maneira histórica, ou seja, muitas vezes as
mistificações impregnam este processo de explicação da realidade. A própria questão da
alienação – quando abstraídas do seu próprio contexto sócio-histórico – frequentemente
adquire uma mera “aparência de historicidade”. A mitologia, por exemplo, tem o principal
papel de deslocar o fundamento histórico dos problemas sociais para um campo abstrato e
atemporal.
É sabido que o desenvolvimento histórico não é linear, por isso, em certos pontos
críticos da história, quando as possibilidades ainda se encontram relativamente abertas –
momento de afloramento de ideologias e utopias novas –, as propriedades concretas do
sistema social em eclosão são mais evidentes do que num período posterior onde suas
necessidades (lê-se a ideologia do “positivismo acrítico”) produzem uma estrutura de
padronização e autoproteção. Da mesma forma, mas muito antigamente, o próprio Aristóteles
já nos apresenta reflexões materiais a respeito do elo entre as crenças religiosas e as relações
políticas e sociais da época que as fundou:

A família é a associação estabelecida pela natureza para o


entendimento das necessidades cotidianas do homem… Mas, quando
várias famílias se unem, e a associação visa a algo mais do que o
atendimento das necessidades diárias, a primeira sociedade a ser
formulada é a da aldeia. (…) os Estados helênicos eram governados
originalmente por reis: porque… toda família é governada pelo mais
15
Johann Wolfgang von Goethe. Dichtung und Wahrheit [Poesia e Verdade]. Berlim: Cottasche Jub Ausg., 1902.
p. 81.
velho… Portanto, os homens dizem que os deuses têm um rei porque
eles mesmo estão, ou estiveram tempos anteriores, sob o domínio de
um rei. Pois imaginam não só as formas dos deuses, mas também a
maneira de vida deles, como sendo iguais às suas próprias
(ARISTÓTELES16 apud MÉSZÁROS, 2006. p. 41)

Muitos séculos tiveram de decorrer para termos contato com reflexões de igual
materialidade e historicidade. Entretanto, as reflexões de Aristóteles não conseguem
fundamentar uma filosofia material da histórica, pois seu pensamento esbarrava, em sua
totalidade, numa perspectiva a-histórica. Isso aconteceu porque as necessidades ideológicas
da época exigiam a justificação da questão da escravidão no âmbito da natureza.
A noção de “escravidão por natureza” é um ponto central de toda a filosofia de
Aristóteles. “O conceito de ‘escravidão por natureza’ carrega consigo a sua contrapartida: a
‘liberdade por natureza’, e assim a ficção da escravidão determinada pela natureza destrói a
historicidade também da esfera da ‘liberdade’ ((MÉSZÁROS, 2006 p. 41). Isso aconteceu,
porque o caráter parcial das classes dominantes hegemoniza-se, apresentando suas
necessidades como se fossem algo superior, estrutural e garantido pela natureza. A
especificidade da mitologia judaica (lê-se a ideia de imaginarem-se como “povo eleito”), por
exemplo, se enquadra nessa tendência, isto é, num processo de negação da própria história.
Em outras palavras, a historicidade metamorfoseai-se em falsa historicidade. Nos deparamos
então, como um princípio de repetição cíclica, ou seja, a sociedade em sua totalidade, mostra
as relações sociais – supostamente “determinadas naturalmente” – como se representassem
necessidades a priori. Portanto, os antagonismos de um período histórico inclinaram até
mesmo um grande filósofo como Aristóteles a incidir em postulados autocontraditórios (lê-se
as noções de “liberdade e escravidão naturais”). Aliás, em seguida, quando o filósofo grego
afirma que o escravo é apenas uma coisa (um instrumento falante) ele recai sobre outra
contradição, pois os instrumentos têm sempre qualidades históricas e não naturais. Desse
modo, a totalidade social escapa da percepção de Aristóteles, na verdade, sua filosofia
transformou ideologicamente a parcialidade em universalidade.
A questão da “natureza humana” é trabalhada ontologicamente quando
necessariamente relaciona a consciência da alienação com o caráter histórico das concepções
filosóficas. Podemos nos perguntar: o que consiste a “natureza humana”? Ou quando ela
acaba e começa o processo de sua alienação? A questão da “natureza humana” pode ser

16
Aristóteles, Política, livro I, capítulo 2.
respondida de forma a-histórica, por meio de explicações abstratas e irracionais, as quais,
sempre lançam mão da solução mistica do argumento da “natureza”.
Toda “concepção antropológica” ausente de historicidade verdadeira representa uma
abstração, independentemente das condições históricas que vieram a constituí-la. Aquela
visão de uma “sociedade orgânica”, na qual cada “órgão” possui sua função pré-determinada
pela “natureza” ou pela providência dos “deuses”, não passa de uma interpretação a-histórica
e invertida da realidade sócio-histórica na qual elas se desenvolveram. (O “funcionalismo”
moderno, mutatis mutandis17, consiste numa tentativa de obliteração da história, mas esta é
uma discussão para outra hora). Nesse sentido, o conceito de alienação se mostra duplamente
significativo; primeiramente orque apresenta uma crítica radical falsa antropologia da Idade
Média; em seguida, garante positivamente uma interpretação mais dinâmica da vida social.
Antes mesmo de Feuerbach constatar a diferença entre “a essência verdadeira (lê-se
antropológica) e a falsa (lê-se teológica) da religião18, a religião já era entendida na qualidade
de evento histórico. Nesta perspectiva, a religião é entendida como um momento específico e
necessário do processo universal de desenvolvimento histórico. Vico chegou a pensar na
existência de três fases distintas dessa marcha: 1) era dos deuses; 2) era dos heróis) e a era dos
homens livres e iguais.
No entanto, foi Diderot que chegou mais longe no radicalismo político quando
afirmou que a crítica “dos céus” logo chegaria aos outros opressores: “o soberano terreno”.
Diderot transcendeu a noção abstrata de Vico da “condição de igualdade entre os homens”,
afirmando que enquanto o trabalhador for miserável, também será a sociedade. Por isso, não é
de se explantar o fato de o iluminista francês ter chegado mais longe na compreensão do
fenômeno da alienação do que seus contemporâneos, quando refletiu sobre as contradições
contidas na oposição: “meu e seu” e “utilidade pessoal e bem comum”. Além disso, constatou
que tais antagonismo produziam “necessidades artificiais” e “desejos imaginários”, porém,
há uma diferença substancial entre Diderot e Marx: enquanto o primeiro teve se contentar
com as soluções utópicas, o segundo encontrou na sociedade e na histórica, “forças materiais”
fundamentadoras do seu programa filosófico. Diderot enxergou que o trabalho realizado em
sua época era tedioso, desumano, empobrecedor e desrealizador, no entanto, suas respostas

17
Mutatis mutandis é uma expressão latina que significa mudando o que tem de ser mudado. Pode ser, grosso
modo, entendida como: “tendo substituído ou levado em conta certos termos” ou “guardadas proporções”.
18
A descoberta de que o homem cria os próprios deuses e não o contrário, mas para além disso, a compreensão
do fato de os primeiros alienarem-se quando criam os deuses e esvaziam toda a sua essência para torná-los
onipotentes.
essas questões eram utópicas, justamente porque ele entendia a razão como uma panaceia, ou
seja, uma força iluminadora capaz de se solucionar todas as contradições sociais.

Como a “força material” que poderia transformar a teoria em prática


social não existe, a teoria deve transformar-se na sua própria solução:
numa defesa utópica do poder da razão. A esta altura, podemos ver
claramente que mesmo o remédio de um Diderot está muito longe das
soluções defendidas e previstas por Marx (MÉSZÁROS, 2006. p. 45).

Nesse ponto, torna-se claro a qualidade radical de Marx perante os demais filósofos
que o antecederam – os quais tiveram, mais cedo ou mais tarde, que abandonar o campo da
história e mergulhar em soluções mistificas dos antagonismos que constatavam. Marx nos
mostra o quão importante é a relação da antropologia com a ontologia. Entretanto, no
desenrolar da história a ontologia vem sendo obscurecida pela antropologia, por isso, os
princípios antropológicos vem sendo expostos parcialmente, como se fossem axiomas
autolegitimados, a tal ponto de obliterarem a própria influência da história. Dessa forma,
Feuerbach dá um passo atrás se for comparado com Hegel que escapa desta tendência de
negligenciar a ontologia – ainda que a sua filosofia tenha um grande teor de abstração.
O que é preciso frisarmos agora é que o caráter antropológico específico do ser
humano não pode ser entendido historicamente, caso não seja levando em conta seu
fundamento na totalidade ontológica histórica na qual ele se desenvolveu. Portanto: “Uma
incapacidade para identificar a relação entre dialética adequada entre a totalidade ontológica e
a especificidade antropológica encera em sei contradições insolúveis” (MÉSZÁROS, 2006. p.
46).
No final das contas, tudo orbita sobre o caráter eminentemente histórico específico da
humanidade. “O ‘princípio antropológico’ deve, portanto, ser colocado em seu lugar
adequado, no interior do quadro geral de uma ontologia histórica ampla. (…) qualquer
princípio semelhante dever ser transcendido na direção de uma ontologia social dialética
complexa (MÉSZÁROS, 2006. p. 47).
Caso não fiçamos isso, também não haverá possibilidade alguma de compreendermos
um processo determinado por suas próprias leis e capaz de impor seus próprios padrões de
funcionamento aos homens – ignorando, é claro, que o homem criou é capaz de destruí-lo.
Assim, ninguém poderá enxergar a alienante “natureza do capital”, expressa na propagação da
imaginária “natureza humana egoísta”, tão cara ao economista político. A função social do
capital é nítida em si mesma, no entanto, só a perspectiva da ontologia pode desmistificar sua
fundamentação, bem como expor suas contradições – desenvolvidas “sem nenhuma
consideração pelo homem”. De fato, o capital apresenta uma dimensão histórica, porém isso é
muito diferente do que ter uma fundamentação ontológica.
O crucial é não confundir a continuidade ontológica com a parcialidade de uma falsa
antropologia. Da sua formulação judaico-cristã até os dias de hoje, o capital sofreu diversas
transformações, agora, se for adotado uma suposta “natureza humana” para interpretar este
processo, seria o mesmo que entendê-lo a priori e, portanto, perder de vista todos os
desdobramentos históricos do capital.

Se, porém, compreendermos que a continuidade ontológica em


questão diz irrespeito à “natureza do capital”, torna-se possível
vislumbrar uma transcendência (Aufhebung) da alienação, desde que a
questão seja formulada como uma radical transformação ontológica da
estrutura social como um todo… (MÉSZÁROS, 2006. p. 47).

A partir do momento que for materializada uma transcendência ontológica, ou seja,


quando acontecer um corte eficiente no desenrolar ontológico do capital, poderemos então
vivenciar uma realidade qualitativamente nova: o início da “verdadeira história da
humanidade”. Distante desta referência analítica, perde-se a possibilidade de levar a diante
uma história consciente, isto é. Incide-se em relativismo históricos vazios e formulações de
programas utópico-messiânicos.
As discussões de Marx sobre a relação dialética entre ontologia e antropologia
representam uma grande conquista histórica, porém, como mencionamos os filósofos que o
antecederam não conseguiram chegar a tais conclusões, nem jamais poderiam. Isso aconteceu
porque o iluminismo esbara num prolema sem solução, pois utiliza-se da razão de uma forma
a-histórica, ou seja, “ri dos absurdos históricos do passado”, porém não permite sere alvo “de
risos no futuro”. Essa sinuca de bico é fruto da contradição entre interesse geral e interesse
parcial de classe.

Assim, tão logo as conquistas do Iluminismo são realizadas, sãos elas


liquidadas. Tudo deve enquadrar-se no modelo, definido de forma
limitada e ambígua, do “Homem Racional”. Somente são
reconhecidos os aspectos da alienação que podem ser classificadas
como “alheios à razão” como toda a arbitrariedade real e potencial
envolvida nesse critério abstrato (MÉSZÁROS, 2006. p. 49).
Marx foi capaz de analisar a história de uma forma qualitativamente mais adequada
por meio de sua dialética materialista, um procedimento que escapava completamente das
possibilidades históricas dos filósofos iluministas, impedidos de tal compreensão por causa
das limitações inerentes a sua classe social. Na realidade, somente o materialismo histórico
dialético19 é capaz de superar as contradições rígidas nas quais esbarrou o Iluminismo; porém,
enquanto esta perspectiva ainda não tinha sido desenvolvida, a história acabou obscurecida na
aparência de pseudo-histórica (lê-se relativismo histórico vazio).

4. O FIM DO “POSITIVISMO ACRÍTICO”

Durante o século XVIII muitas reflexões sobre a alienação foram levadas a cabo.
Nesse momento se destaca o viés de interpretação do “positivismo acrítico”, no entanto a
partir do momento que as contradições sociais emergem de modo evidente, tal explicação
esbara em dificuldades intransponíveis. Anteriormente, a noção de alienação se manifestava
de forma positiva – por exemplo, o quão economicamente viável pode ser a alienação da terra,
do poder político, ou ainda, como positivo pode ser o “lucro sobre a alienação” por meio da
“justa” cobrança do juro por meio do trabalho alheio e da reificação da própria pessoa, etc.
Contudo, essa parcialidade do positivismo não conseguiu se manter intacta por muito tempo,
principalmente porque seus efeitos empobrecedores e degradantes geraram descontentamento
social, organizado com intuito de destruição das máquinas manufatureiras.
Esta crise emergente durante o século XIX, talvez nem precisemos ressaltar, não foi
uma crise de dentro do próprio capitalismo, em vez disso, consistiu mais numa convulsão
social proveniente da transição do feudalismo caduco para o capitalismo em ascensão. Por
isso, as categorias essenciais da sociedade capitalista foram encaradas de forma acrítica, aliás,
conforme a alienação se torna um fenômeno cada vez mais nítido, a tendência da crítica é
recuar. “A burguesia, que nos escritos dos seus melhores representantes submetia alguns
aspectos vitais da sua própria sociedade a uma crítica devastadora, não podia, é claro, ir até o
ponto de estender essa crítica à totalidade da sociedade capitalista” (MÉSZÁROS, 2006. p.
51). A crítica, em contrapartida, necessitava ser radical, porém um século transcorreria até que
ela pudesse novamente realizar-se dessa forma.
Infelizmente não podemos levar acabo aqui uma história detalhada da origem da
crítica social, porém é interessante destacarmos alguns dos principais pensadores que

19
Perspectiva histórico-analítica que não surgiu, de forma alguma, antes da elaboração dos “Manuscritos
econômico-filosóficos” de Mar.
trabalharam o conceito de alienação antes de Marx. Como já mencionamos Diderot, podemos
trabalhar agora com outro importante iluminista francês: Jean-Jacques Rousseau, cujo sistema
filosófico crítico está repleto de contradições. “(Desnecessário dizer que não estamos falando
de contradições lógicas. […] trata-se de contradições necessárias, inerentes à natureza mesma
do ponto de vista social e historicamente limitado de um grande filósofo)” (MÉSZÁROS,
2006. p. 51).
Anteriormente a Marx, não é possível encontrar outros filósofos que foram tão radicais
em sua crítica quanto Rousseau:

Pois ela [a confederação social] proporciona uma poderosa proteção


para as imensas posses dos ricos, e mal deixa ao homem pobre a
simples posse da cabana que ele constrói com suas próprias mãos. (…)
Não são os assaltos, atos de violência, e até mesmo assassinatos
cometidos pelos grandes, questões encobertas em poucos meses e das
quais não se fala mais? (…) Todo esse repeito nada lhe custa: é o
direito do homem rico, e não aquilo que ele compra com sua riqueza.
Como é diferente o caso do homem pobre! Quanto mais a
humanidade lhe deve, mais a sociedade lhe nega […] ele carrega o
ônus que seu vizinho rico tem influência suficiente para evitar […]
toda a assistência gratuita é negada ao pobre quando este dela
necessita, exatamente porque não pode pagar por ela. (…) Os termos
do contrato social entre as duas condições humanas podem ser
resumidos numas poucas palavras: “Precisas de mim porque eu sou
rico e tu és pobre. Vamos, portanto, chega a um acordo. Permitirei que
tenhas a honra de servir-me, sob condições de que me entregues o
pouco que tenhs, em troca do trabalho que terei em te dar ordens”
(ROUSSEAU, 199520 apud MÉSZÁROS, 2006. p. 51 – 2).

Nesse sentido, não é de se estranhar que a noção de revolução esteja presente no


pensamento de Rousseau:

O império da Rússia aspirará conquistar a Europa, e será conquistado.


Os tártaros, seus súditos ou vizinhos, tornar-se-ão os seus senhores e
os senhores nossos, por uma revolução que considero inevitável. Na
verdade, todos os reis da Europa estão trabalhando em conjunto para
apressar sua chegada (ROUSSEAU, 1---21 apud MÉSZÁROS, 2006. p.
52).

Entretanto, o iluminista francês, paradoxalmente, insiste na necessidade de se


preservar as instituições dominantes. Isso fica bem claro quando em “Nova Heloísa”, quando

20
Jean-Jacques Rousseau. Discurso sobre a economia política e Do contrato social. Petrópolis: Vozes, 1995.
21
Jean-Jacques Rousseau. O contrato social ou princípios do direito político. s.l.: s.n.,1--- (na verdade eu que
não localizei no livro essas informações).
percebemos que não existe “educação aos os pobres”, há apenas uma idealização da condição
miserável deles. No final das contas, a ordem estabelecida não é questionada, só aparece de
forma “mais esclarecida”.
Mas essa contração não é meramente fruto da ambiguidade do pensamento
rousseauniano, na realidade, representa uma necessidade contraditória do momento histórico
no qual Rousseau estava inserido. Em outras palavras, o horizonte do filósofo francês estava
preso em soluções imaginárias e estática para os problemas sociais, realizadas por meio do
“dever” moral. “A contradição fundamental do pensamento de Rousseau reside entre sua
percepção incomensuravelmente aguda dos fenômenos da alienação, e a glorificação de sua
causa última. É isso que transforma sua filosofia, no final, em um sermão moral”
(MÉSZÁROS, 2006. p. 53). Na verdade, Rousseau estava antecipando aquilo que viria a
aparecer na filosofia de Immanuel Kant como “primado da razão prática”.
Rousseau critica a alienação em seus inúmeros aspectos:
1) Ele deixa claro que o “homem não pode alienar sua liberdade”, pois alienar
significa vender; porém, o que se ganha vendendo a si mesmo? Além disso, o iluminista
ressalta que, caso uma pessoa aliene sua liberdade ela jamais poderá alienar também a dos
seus filhos, os quais nascem por direito livres e, portanto, não pertencentes a ninguém.
Contudo, Rousseau admite um tipo específico de alienação: “quando se cede a sua liberdade
para todos, na verdade, não entregamos ela a ninguém”, além do mais, “não se perde a
liberdade natural, muito pelo contrário, se recebe a garantia da mesma na forma de liberdade
civil”. Nesse sentido a escravidão do apetite natural (vigente no estado de natureza) e o
egoísmo cego da vontade particular (vigente na sociedade burguesa) são substituídos por um
corpo social, moral e coletivo (“a assembleia”, onde cada um obedece somente as leis criadas
por eles mesmos).

A construção da moral da “assembleia” é necessária precisamente


porque Rousseau não pode imaginar nenhuma solução real (isto é,
efetiva e material) para as contradições subjacentes, a não ser
recorrendo à ideia de “obediência a uma lei que prescrevemos a nós
mesmos” no quadro político geral da “assembleia”, que transcende
radicalmente, de uma maneira ideal, a “má realidade” da ordem
estabelecida, deixando-a ao mesmo tempo intocada na realidade
(MÉSZÁROS, 2006. p. 54).

2) Outra discussão importante para Rousseau é a questão da inalienabilidade da


soberania, a qual para ele significava o exercício da vontade geral, que por sua vez é uma
noção moral supostamente capaz de fazer oposição a “vontade particular” – apenas capaz de
orbitar sobre a particularidade22 –, por causa da sua qualidade de promover a igualdade. A
vontade geral foi criada por Rousseau também porque ele não particular em direção à
unilateralidade é uma realidade ontológica (lê-se criada pelos próprios homens do desenrolar
de sua vida concreta), já a “tendência da vontade geral à igualdade” é, historicamente, uma
contradição entre o “é ontológico” e o “deve ser moral”.
3) Um tema muito caro à Rousseau é a questão da alienação do homem com relação a
natureza. Resumamos então, esta preocupação em alguns aspectos:
a) “Tudo se corrompe nas mãos do homem”, essa tese aparece no “Emílio” a fim de
definir a sociedade como corruptora da humanidade, ou melhor, como a responsável pela
expulsão dos homens do campo da natureza e, logo, a perda da “bondade original do
homem”.
b) A civilização propulsiona um processo de alienação do homem, pois separa a
sociedade da espécie humana.
c) O homem está subjugado pelas instituições a tal ponto que a vida humana se
compara a escravidão.
d) Os vícios e a desigualdade imperam na cidade. Em contraponto, o campo – a única
solução possível para esta degeneração – estava completamente a mercê das grandes cidades.
Portanto, cada vez mais se acentuava a contradição entre campo e cidade.
e) A vida na modernidade se resumi a reprodução de necessidades artificiais e desejos
inúteis. E como se isso não bastasse, as necessidades do Estado geralmente são reflexos
imediatos das vontades individuais. Isso tudo contribui para a construção de um “ser humano
artificial” no lugar do “ser humano original”.
Podemos observar que todos esses elementos anteriormente citados deixam claro a
questão central da filosofia critica de Rousseau: a idealização da natureza.
4) Rousseau entende o dinheiro e a riqueza como os responsáveis pela alienação,
como já discutimos, para ele os homens não podem vender a si mesmos, pois isso significa se
tornar um mercenário. Para o iluminista alienar-se consiste em “dar ou vender”, porém ele
aceita a alienação em situações específicas, por exemplo, dar a vida para seu próprio país em
uma guerra. Rousseau também ressalta que a educação não pode fundamentar-se segundo as
leis do mercado, logo, o professor não pode ser um “homem à venda”, ele não aceita a
tendência hegemônica da educação preparar “mercenários”.
22
Para não ficar muito abstrato basta pensarmos que a vontade particular tende a interesses específicos e
unilaterais de uma pessoa ou um grupo, geralmente realizadas em detrimento dos interesses da maioria da
sociedade ou, pelo menos, da sua classe mais populosa.
Parece ter ficado claro o quanto perspicaz é a reflexão de Rousseau sobre o fenômeno
da alienação, antes das descobertas feitas por Marx, é claro. Contudo o mesmo não pode ser
dito da sua compreensão a respeito das suas causas da alienação.
Já foi mencionamos que a noção de igualdade é muito importante ao iluminismo, pois
atua como base da objetividade histórica e da reflexão sobre a questão da alienação.
Rousseau, por meio do seu “Contrato social”, chegou na definição mias radical de igualdade
da sua época: “Sob maus governos, essa igualdade é apenas aparente e ilusória, serve apenas
para manter o pobre em sua pobreza e o rico na posição que usurpou. (…) o Estado social só
é vantajoso para os homens quando todos têm alguma coisa e ninguém tem demais”
(ROUSSEAU, 1---23 apud MÉSZÁROS, 2006. p. 57). Todavia, o próprio filósofo percebe que
as relações sociais materiais entravam em contradição com seu princípio de igualdade
metamorfoseando-o num postulado moral.

Assim, os termos da transcendência são abstratos. Não surge no


horizonte uma força material… Apenas uma vaga referência é feita à
conveniência de um sistema no qual “todos têm alguma coisa e
ninguém tem demais”, mas Rousseau não tem nenhuma ideia de como
ele poderia ser trazido a existência. É por isso que tudo deve ser
deixado ao poder das ideias, à “educação” - acima de tudo: “educação
moral”… (MÉSZÁROS, 2006. p. 57).

Rousseau, como grande filósofo que era, mesmo lhe fugindo as questões fundamentais
ao problema, ainda assim, se questionava – mesmo sem saber a resposta – “como é possível
educar corretamente o educador?”. O iluminista insiste nas soluções morais, pois, para ele, o
educador deve trabalhar as questões mais adequadas a natureza que a sua prática deva
desenvolver.
Os limites do conceito abstrato de igualdade rousseauniano não permitem que ele
desenvolva uma negação social radical da totalidade do sistema desigual, alienante e
desumano no qual ele vive e, ao mesmo tempo, o condena a realização de um radicalismo
moral abstrato.
É preciso deixar claro que o ponto de vista filosófico de Rousseau, tal como os demais
pontos de vista do seu período histórico, enxergavam a propriedade privada como um
elemento divino-fundamentador da sociedade civil, e a “condição média” como a maneira
ideal de distribuição da propriedade. “É certo que o direito de propriedade é o mais sagrado
de todos os direitos da cidadania, e mesmo mais importante, em certos aspectos, do que a
23
Jean-Jacques Rousseau. op. cit., p. 19.
própria liberdade […] a propriedade é a verdadeira base da sociedade civil…” (ROUSSEAU,
199524 apud MÉSZÁROS, 2006. p. 58 – 9).
A defesa de Rousseau a propriedade privada nada mais é do que a velha moralidade
republicana, a qual compreende a realocação de fortuna dos cidadãos como causa de
desordem e confusão, haja vista que “aqueles que nasceram para uma coisa são obrigados a
fazer outra coisa25”.
Rousseau entende que a lei é construída para salvaguardar a propriedade privada, bem
como a “sociedade civil”, no entanto, o limite do seu horizonte histórico o obriga não só a
pensar dessa forma, mas também a sustentar que a propriedade é criada em prol da lei 26.
Dentro de um período histórico delimitado, este pensamento é aceitável, tendo em vista que o
capitalismo jamais admitiria outro tipo de direito senão direito contratual (lê-se poder
metamorfoseado em direito). “Uma vez que a propriedade privada é considerada como a
condição absoluta da vida civilizada… a problemática complexa da alienação não pode ser
apreenda em suas raízes, mas apenas em algumas de suas manifestações” (MÉSZÁROS,
2006. p. 60). Essas manifestações podem ser analisadas, na visão de Rousseau, sob a forma
específica da propriedade provada idealizada por ele.
Dessa forma, ele nos alerta sobre a degeneração, desumanização e alienação
implicados no culto ao dinheiro, porém só enxerga o aspecto subjetivo da questão. O
iluminista não consegue perceber o poder objetivo do dinheiro sob o capitalismo em ascensão,
por isso sua oposição às manifestações alienadas desse poder limitam-se ao âmbito subjetivo,
neutralizados, segundo Rousseau, através da educação moral. A tendência das relações sociais
numa sociedade baseada na “troca” não se expressarem de forma “livre” e “justa” para todos,
mantém-se obscura para o filósofo francês. O que ele considera justo é a garantia de uma
ordem social hierárquica e naturalizada (lê-se “todas as pessoas ocupam as posições que estão
à altura das suas capacidades27”).

Rousseau se opões ao poder alienante do dinheiro e da propriedade


como tais, mas a um modo particular desse poder se exercer, na forma
de concentração da riqueza, e a tudo aquilo que decorre da
mobilidade social produzida pelo dinamismo do capital em expansão

24
Jean-Jacques Rousseau. Discurso sobre a economia… op. cit., p. 254.
25
Ibidem, p. 255.
26
O círculo vicioso da economia política também acontece, de certa forma, no positivismo acrítico.
27
Jean-Jacques Rousseau. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. s.l.:
s.n.,1--- (na verdade eu que não localizei no livro essas informações).
e concentração. Ele rejeito os efeitos, mas dá todo o apoio, mesmo que
inconscientemente, às suas causas (MÉSZÁROS, 2006. p. 60).

As manifestações da alienação enfrentadas pelo iluminista são vencidas apenas no


campo do discurso (lê-se por meio de meros postulados morais). Precisamos deixar claro que
é porque Rousseau elabora sua crítica dentro do ponto de vista da mesma base material da
sociedade que ele deseja delatar, portanto, sua crítica não conseguiu ir além da abstração e do
discurso moralizante. A alienação então em sua interpretação não é compreendida como uma
necessidade histórica, ao contrário, é vista como um acidente, como uma contingência
passível de remédio por meio de postulados radicais morais.
As abstrações morais de Rousseau – enraizadas na idealização de uma “condição
média” em detrimento da sociedade capitalista universalizadora da alienação – são ficções
necessárias. De fato, não poderia ser de outra forma. Quando a crítica procura apenas
remédios aos efeitos nocivos do capitalismo, porém, ao mesmo tempo, mantém seus
pressupostos essenciais intactos, torna-se então impossível promover qualquer tipo de solução
diferente do mero “dever moral28”. Agora, se os sujeitos conseguem levar a diante essas
pretensões já é outra história; o importante é dever fazê-la. (Kant foi aquele que levou às
últimas consequências a filosofia de Rousseau – pelo menos naquilo que diz respeito a
tendência de solucionar as contradições sociais abstratamente –, tanto que para ele “dever
significava poder”). Se realmente pretendermos liberar a crítica da alienação gerada pela
abstração do dever é necessário adotar um ponto de vista radicalmente novo, o qual é
impensável dentro do horizonte sócio-histórico de Rousseau.
Entretanto, embora a filosofia rousseauniana esteja repleta de problemas, ainda assim,
representou o fim do “positivismo acrítico” até então hegemônico. Além do mais, a partir das
suas reflexões sobre a necessidade da “condição média” fomos capazes de compreender as
inúmeras expressões da alienação em todos os âmbitos da vida humana, embora o iluminista
não tenha conseguido encontrar suas causas.
Infelizmente este não é o melhor espaço para estudarmos profundamente a riqueza da
noção de alienação posterior a Rousseau, por isso nos limitamos a pontuar sucintamente esse
percurso:
1) A crítica da alienação por meio de soluções morais (de Rousseau até Schiller).
2) A superação especulativa e fictícia da alienação, deixando de lado seus aspectos materiais e
fundamentais à sociedade (Hegel).
28
“Resistir a corrupção egoísta”, “manter-se moderado às tentações da riqueza” e “evitar a busca do lucro a
qualquer preço” são apenas alguns exemplos desse solução moralizante de Rousseau.
3) A transcendência histórica da alienação por meio do socialismo, caracterizado por
princípios morais associais com a crítica realista das contradições da sociedade capitalista
(socialistas utópicos).
A perspectiva moralizante de trabalho com as consequências nocivas da alienação,
presente em Rousseau (lê-se sua ideia de “educação moral”), alcança o auge na filosofia de
Kant e permanece vigente até o século XVIII. Depois desse período, principalmente a partir
da intensificação das contradições sociais e do desenrolar da “racionalidade” capitalista,
tornou-se muito difícil apelar para a “voz da consciência” - como faziam os adeptos da
“educação moral”. Nesse sentido, entre em cena a importância da “educação estética” de
Schiller.
Já em Hegel nos deparamos com uma visão qualitativamente diferente, pois ele nos
mostra uma visão aprofundada das leis essenciais à sociedade capitalista. Aliás, seu
tratamento com respeito a superação da alienação não se expressa por meio de um “dever”
moral, mas como uma necessidade imanente. Contudo, Hegel transformar as contradições
sócio-históricas em “entidades do pensamento”, limitando-se a pensar na superação delas de
forma puramente conceitual e, portanto, não impacta concretamente a alienação. É por isso
que Marx se refere a filosofia hegeliana enquanto “positivismo acrítico”, ou melhor, enquanto
um ponto de vista essencialmente burguês, o que não significa que Hegel não enxergue as
contradições da sua época.

As contradições desse mundo transparecem por meio de suas


categorias, a despeito de seu caráter “abstrato, lógico, especulativo”, e
a mensagem sobre a necessidade de uma transcendência neutraliza os
termos ilusórios em que essa transcendência vislumbrada pelo próprio
Hegel (MÉSZÁROS, 2006. p. 63).

A filosofia, portanto, se mostrou como um elemento crucial para o entendimento dos


fundamentos da alienação.
O socialismo utópico representa uma tentativa de modificar o ponto de vista da crítica.
O surgimento do proletariado, enquanto uma nova força social e histórica, impulsionou os
socialistas utópicos para a criação de uma crítica à alienação, a qual levasse em conta o olhar
desta força sócio-histórica emergente. Todavia, o socialismo utópico estava preso
objetivamente ao ponto de vista da burguesia – mesmo que cada um dos seus membros negue
subjetivamente o capitalismo. “Eles só podem projetar a substituição da ordem social
estabelecida por… um modelo em grande parte imaginário, ou como um postulado moral, e
não como uma necessidade ontológica inerente às contradições da estrutura da sociedade
existente” (MÉSZÁROS, 2006. P. 63). A importância histórica dos socialistas utópicos se
evidencia em sua crítica às questões materiais e essenciais da sociedade (tais como: a crítica
ao Estado capitalista, a produção de mercadoria e a hegemonia do dinheiro). E, embora não
possam analisar de forma abrangente as estruturas sociais, ainda assim, contribuíram
significativamente para renovação radical do combate à alienação. Contudo, essa crítica se
manteve eminentemente parcial29. Mesmo sendo direcionada “ao trabalhador” o elemento
proletário aparece no socialismo utópico como simples realidade sociológica imediata (lê-se
enquanto mera negação). “Assim, a crítica utópica da alienação capitalista permanece – por
mais paradoxal que isso possa parecer – na órbita da parcialidade capitalista, que ela nega de
um ponto de vista parcial” (MÉSZÁROS, 2006. p. 64).
É justamente aqui que Marx se destaca, pois sua teoria da alienação evidencia a
necessidade da transcendência histórica do capitalismo por meio do socialismo, deixando de
lado toda ao peso dos postulados abstratos e moralizantes vigentes nos autores que o
antecederam nesta discussão. Marx não se ateve somente na análise dos efeitos
desumanizadores da alienação, porém, para além disso, demonstrou o fundamento ontológico
e concreto deste processo. Nos “Grundrisse”, a teoria marxiana da alienação entende “o
processo de objetivação30 como alienação do ponto de vista do trabalho e, ao mesmo tempo,
apropriação do trabalho dos outros, por parte do ponto de vista do capital”. Noutras palavras,
os aspectos essenciais da alienação devem permanecer ocultos para aqueles que, direta ou
indiretamente, compartilham do “ponto de vista do capital”.
“Uma virada radical do ponto de vista da crítica social era uma condição necessária
para o êxito… Tal virada envolveu a adoção crítica do ponto de vista do trabalho, a partir do
qual o processo capitalista de objetivação podia aparecer como um processo de alienação”
(MÉSZÁROS, 2006. p. 64).
Contudo, faz-se necessário ressaltar que a apropriação do ponto de vista do trabalho
precisa ser crítica, ou seja, é preciso escapar das apreensões acríticas 31 que não enxergam a
objetivação contida na própria alienação, bem como ignoram o caráter necessário da forma
alienada da objetivação dentro do desenrolar histórico das condições ontológicas do trabalho.

29
Parcial princialmente porque o ponto de vista crítico apega-se demasiado ao dever e deixa de lado a
compreensão correta das estruturas do capitalismo.
30
Aqui objetivação significa um aspecto importante d trabalho humano, ou seja, representa o “pôr a mão na
massa”, materializando na natureza sua imaginação durante o ato autocriativo do trabalho.
31
Uma apropriação acrítica, neste sentido, significaria uma espécie de subjetivismo e particularismo insolúvel.
A qualidade universal do ponto de vista marxiano só existe, porque ele conseguiu
refletir sobre a questão da alienação a partir de uma análise crítica da perspectiva do trabalho,
ou seja, não entendeu o proletariado apenas como uma força sociológica opositora ao ponto
de vista o capital, mas, para além disso, soube reconhecer nele uma força histórica, a qual,
quando leva a cabo a realização dos seus interesses materiais, simultaneamente, supera a si
mesma, bem como transcende a alienação (em sua formatação historicamente capitalista).
Em resumo, a distinção histórica da teoria da alienação de Marx – em relação as
demais tentativas feitas por seus antecessores – pode ser resumida em três princípios:
1) abandonar as categorias do “dever” moral (Sallen), procurando nortear-se pela noção de
necessidade (lê-se “é”), referente aos fundamentos ontológicos materiais da vida social.
2) deixa de lado o ponto de vista parcial e utópico, a fim de aderir ao ponto de vista universal
do trabalho, compartilhado de modo crítico, é claro.

“3) seu marco de crítica não é uma ‘totalidade especulativa’ abstrata


(hegeliana), mas a totalidade concreta da sociedade em
desenvolvimento dinâmico, vista a partir da base material do
proletariado como uma força histórica necessariamente
autotranscendente (‘universal’)” (MÉSZÁROS, 2006. p. 65).

II. A GÊNESE DA TEORIA DA ALIENAÇÃO EM MARX

1. A TESE DE DOUTORADO DE MARX E SUA CRÍTICA DO ESTADO


MODERNO

Não é necessário fichar.

2. A QUESTÃO JUDAICA E O PROBLEMA DA EMANCIPAÇÃO ALEMÃ

Não é necessário fichar.

3. O ENCONTRO DE MARX COM A ECONOMIA POLÍTICA

Os Manuscritos são obras de um gênico! Por incrível que pareça, tal exclamação não é
contraditória do ponto de vista marxista, pois a genialidade nada mais é do que uma
potencialidade a respeito de um conteúdo específico, desenvolvida em função da satisfação de
necessidades históricas.
O gênio de Marx, expresso no ponto de Arquimedes (lê-se ponto central) de sua
filosofia, isto é, a sua noção de “auto-alienação do trabalho”, não se realizaria sem a chegada
de um determinando momento histórico no qual as contradições sociais estivessem
relativamente amadurecidas. Além disso, sua descoberta também precisaria do aprimoramento
de alguns instrumentos intelectuais, tais como: o método dialético desvelador dos fenômenos
mistificados pela alienação e uma convicção apaixonada pela luta contra os processos de
escravização e empobrecimento do ser humano.
A partir de 1843 Marx iniciou seus estudos referentes a Economia Política, os quais
serviram de base para a elaboração da “Questão judaica” e da “Crítica da filosofia do direito
de Hegel – Introdução”. Ambas as obras pretendiam metamorfosear a crítica da religião na
crítica do direito e da política.
Faz-se necessários ressaltar que o texto “Esboço de uma crítica da economia política”,
publicado nos Anais-Franco Prussianos, publicado em 1844 pelo jovem Fredrich Engels,
influenciaria de uma vez por todas o pensamento de Marx. Neste trabalho Engels afirmou que
o modo de produção capitalista “coloca as relações humanas naturais de cabeça para baixo”,
destacando que a solução para este problema, para “estas condições inconscientes da
humanidade” seria a abolição da propriedade privada.
“Se produzíssemos com consciência, como seres humanos – não como átomos
dispersos sem consciência da nossa espécie – superaremos todas essas antíteses artificiais e
insustentáveis…” (MARX, 200432 apud MÉSZÁROS, 2006. p. 77).
Inspirado por Engels, Marx intensificou seus estudos críticos da economia política e
disso resultou seus Manuscritos econômico-filosóficos. Nesta obra aparecem discussões sobre
a auto-alienação do trabalho, como também outras reflexões da liberdade ao significado da
vida; da origem da sociedade moderna até o “ser comunitário” do homem; do engendro de
“desejos artificias” até a “alienação dos sentidos” e; por fim, trabalha com a questão central
da “transcendência positiva” da alienação do trabalho.
A noção de trabalho presente nos Manuscritos é a de “atividade produtiva”, ou seja,
um fator ontológico fundamental da humanidade.

O ideal de “transcendência positiva” da alienação é formulado como


uma superação sócio-histórica necessária das “mediações”:

32
Karl Marx. Manuscritos econõmico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004. p. 196.
propriedade privada – intercâmbio – divisão do trabalho que se
interpõem entre o homem e sua atividade e o impedem de se realizar
em seu trabalho, no exercício de suas capacidades produtivas
(criativas) e na apropriação humana dos produtos de sua atividade
(MÉSZÁROS, 2006. p. 78).

Assim, a crítica de Marx com respeito a alienação se mostra uma recusa de tais
mediações, porém não nos enganemos pensando que ele negava toda e qualquer tipo de
mediação humana. Fazer isso significaria incidir sobre um misticismo vulgar, idealizando um
“condição perfeita de identidade entre sujeito e objeto”. Em vez disso, Marx luta contra uma
espécie de mediação de segunda ordem (lê-se a propriedade privada, o comércio e a divisão
do trabalho), ou seja:

(…) uma “mediação da mediação” … Esta “mediação de segunda


ordem” só pode nascer com base na ontologicamente necessária
“mediação de primeira ordem” - como forma específica, alienada,
desta última. Mas a própria “Mediação de primeira ordem” – a
atividade produtiva como tal – é um fato ontológico absoluto da
condição humana (MÉSZÁROS, 2006. p. 78).

O trabalho então evidencia seu caráter absoluto, ou seja, o ser humano não pode existir
sem transformar a natureza (lê-se não a vida humana sem atividade produtiva). Entretanto, a
tentativa de superação da alienação não deve apenas levar em conta a expressão absoluta do
trabalho (universal), mas também precisa ter em mente sua forma alienada, isto é: o trabalho
assalariado (particular). Sem ter essa diferenciação nítida em nossas mentes, jamais será
possível a “transcendência positiva da autoalienação do trabalho”. Faz-se necessário ressaltar
que as “medições de segunda ordem” sempre procuram parecer “medições de primeira
ordem”, portanto, a propriedade privada, a divisão do trabalho e o trabalho assalariado
geralmente se expressão como se fossem fatores naturais e inerentes a todo ser humano.
Ao estudar a economia política, Marx consegui compreender a consistência e a
essência da atividade capitalista. Sua crítica contra a alienação em seus escritos anteriores
estava demasiado centrada em relações jurídicas e políticas. Antes de escrever os
Manuscritos, a questão do fator econômico era vagamente descrita por meio de reflexões
sociopolíticas.
Tudo muda em 1844, pois, nesse momento, Marx já tem em mente que o homem faz
parte da natureza, bem como precisa produzir para se manter vivo (lê-se a fim de satisfazer
suas necessidades). Entretanto, ele só consegue contemplar as suas necessidades básicas,
criando, necessariamente, novas e mais complexas necessidades, agora não mais primordiais,
as quais se tornam uma mediação necessária para satisfazer as suas necessidades primárias.
“As atividades humanas de tipo ‘espiritual’ têm, assim, sua base ontológica última na esfera
da produção material como expressões específicas de intercâmbio entre homem e a natureza,
mediado de formar e maneiras complexas” (MÉSZÁROS, 2006. p. 79). “Que a vida físicae
mental do homem está interconectada com a natureza não tem outro sentido senão que a
natureza está interconectada consigo mesma, pois o homem é uma parte da natureza”
(MARX, 200433 apud MÉSZÁROS, 2006. p. 79).
Marx fala muito nesta obra em “corpo inorgânico do homem”, uma expressão usada
para representar tudo aquilo que a natureza fornece ao homem como substrato para a sua
ação/transformação por meio da atividade produtiva. Todavia, por causa do fenômeno da
alienação, o corpo inorgânico do homem aparece como externo em relação a ele,
transformando-se em mera mercadoria. O homem se vê reificado em meio ao “mundo das
coisas”, não tem mais consciência do seu ser genérico ou, numa palavra, sua “essência” não
coincide mais com a sua individualidade.
A atividade humana produtiva dentro do cárcere capitalista – no qual os homens atuam
como átomos desconexos, cuja consciência de espécie desapareceu – não é mais capaz de
realizar sua mediação com a natureza, haja vista que o ser humano “reificou-se” a tal ponto da
sua condição se tornar análoga ao do animal. A consciência de espécie foi impregnada pelo
culto ao princípio privado e ao indivíduo abstrato. “O culto mistificador do indivíduo abstrato,
ao contrário, indica como natureza do homem um atributo – a mera individualidade – que é
uma categoria universal da natureza em geral, e nenhum modo algo especificamente humano”
(MÉSZÁROS, 2006. p. 80).
Em poucas palavras, podemos dizer que a atividade produtiva está alienada quando
deixa de propiciar a mediação do homem com a natureza.
Faz-se necessário ressaltar que Marx jamais propôs a volta a um suposto “estado
natural da humanidade” como a solução para os problemas decorrentes da alienação. Seu
programa foge do sentimentalismo reacionário dos românticos, não “prega o retorno ao
natural”, em vez disso, ressalta a importância de realizar, verdadeiramente, a “natureza do
homem”. Lembremos que “a natureza do homem” significa o ser genérico do homem, algo
muito distinto das noções de natureza em geral. Em síntese, o homem e a natureza se
relacionam em dois aspectos.

33
Karl Marx. op. cit., p. 84.
As mediações de segunda ordem… subordinam a própria atividade
produtiva, sob o domínio de uma “lei natural” cega, às exigências da
produção de mercadorias destinada a assegurar a reprodução do
indivíduo isolado e reificado que não é mais do que um apêndice
desse sistema de “determinações econômicas” (MÉSZÁROS, 2006. p.
81).

Nesse sentido, as mediações de segunda ordem usurpam o lugar que era por direito da
atividade produtiva humana, impregnando-se no meio da relação homem-natureza.
Consequentemente; por um lado, o ser humano defronta-se com a natureza de uma maneira
hostil, tendo em vista que está submetido ao domínio da “lei natural” do mercado, em toda a
sua unilateralidade. Por outro lado, o homem depara-se consigo mesmo de modo hostil, pois
está a mercê do antagonismo entre capital e trabalho. A relação genérica entre homem e
natureza metamorfoseou-se na relação entre trabalho assalariado e capital. “Assim, os
meios se tornam os fins últimos, enquanto os fins humanos são transformados em simples
meios subordinados aos fins reificados desse sistema institucionalizado de mediações de
segunda ordem” (MÉSZÁROS, 2006. p. 82).
Nesse sentido, a superação efetiva da alienação é indissociável da negação das
mediações de segunda ordem capitalistas. Agora, porém se elas forem entendidas como
fenômenos “imutáveis” e “naturais” – tal como a economia política, Hegel e até mesmo
Rousseau fizeram –, a crítica continuará realizando-se de forma parcial e fictícia. O
“positivismo acrítico” dos economistas políticos, no final das contas, foi muito importante
para fundamentar a filosofia marxiana. Rousseau, embora tenha agido como um crítico radical
da alienação, não foi capaz de escapar do círculo vicioso que o sufocava, haja vista que
inverteu a relação ontológica concreta, confundindo as mediações de segunda ordem com as
de primeira34. Em seguida, o filósofo francês desenvolveu uma solução ilusória, fundamentada
numa ideia de “troca justa” oposta às tendências alienantes que criticou. Hegel, por sua vez,
também não pode ir muito longe, principalmente porque reduziu a “objetivação” à
“alienação”, fugindo da solução romântica, porém também passando muito longe de qualquer
pretensão de superar a realidade sócio-histórica capitalista.
A grande contribuição trazida por Marx foi evitar a mistificação das mediações
humanas, destacando a importância das mediações de primeira ordem, em detrimento da
divisão social do trabalho, da propriedade privada e do comércio capitalista. Dessa forma,
ele impulsionou um processo de “desmistificação científica”, mas também abriu os horizontes
34
Em síntese, Rousseau levou a cabo um grande e esclarecedora exposição crítica das mediações de segunda
ordem (lê-se dos princípios da sociedade capitalista da sua época), porém defendeu erroneamente a noção de que
estes princípios fossem naturais aos seres humanos.
da humanidade pra a superação prática e concreta do modo de produção vigente no
capitalismo.

4. MATERIALISMO MONISTA

A tese da “alienação do trabalho” capitalista é o ponto central de toda a filosofia de


Marx. É sabido que sua referência básica foi a noção de “alienação religiosa”, presente nos
escritos de Feuerbach, entretanto, tal teoria é desprovida de materialidade, tendo em vista que
o estranhamento religioso é um fenômeno que gira unicamente em torno do campo da
consciência. Feuerbach estava sinceramente disposto a tratar a questão da alienação em
termos materiais – e, ainda que não conseguisse escapar do dualismo abstrato35, sua busca
pelas soluções concretas lhe garantiu a atenção de Marx –, uma disposição muito distinta de
Hegel, apegado em seu ponto de vista do “homem idealizado”.
Agora, mais do que nunca, evidencia-se a importância crucial dos economistas
políticos no amadurecimento da teoria marxiana, pois eles não abriram os horizontes de Marx
para o aspecto material da sociedade por meio da economia. Além disso, mesmo que não
enxergassem, o auxiliaram na compreensão das “manifestações alienadas” da atividade
humana.
O estudo da economia política foi eminentemente significativo para municiar sua
crítica à Feuerbach e, ao mesmo tempo, o aproximou da filosofia hegeliana. Na realidade, por
mais contraditório que isso pareça ser, existia uma relação muito mais profunda entre o
materialismo de Marx e o idealismo hegeliano, do que entre os materialismos de Marx e
Feuerbach.
A razão de isso acontecer é o caráter monista36 da filosofia hegeliana em oposição ao
dualismo da de Feuerbach. A célebre passagem de Marx sobre a “necessidade de se colocar a
dialética de Hegel novamente de cabeça para cima”, pois ela está de “cabeça para baixo”.
Agora, tal procedimento é inútil no dualismo, pois mesmo invertido ainda continuará do jeito
que estava.
Feuerbach não entendia a atividade humana como um fenômeno prático e concreto, a
atitude teórica era a única considerada por ele como verdadeiramente humana. Assim, seu

35
As limitações dualistas de Feuerbach se manifesta no fato de se opor à solução idealista de Hegel, ao mesmo
tempo que se apega a uma noção abstrata de “homem idealizado”.
36
Grosso modo, monismo/monista refere-se a um sistema filosófico que defende a compreensão da realidade
como uma unidade, como um todo inter-relacionado.
extremo dualismo entre teoria e prática, bem como a ausência de um mediador entre estes
dois princípios tornou o dualismo da sua filosófica insuperável.

É por isso que o sistema de Feuerbach, a despeito da abordagem


materialista do filósofo, e apesar de ele partir “do fato da auto-
alienação religiosa”, não pode estar em concordância duradoura com a
filosofia marxiana. Pois, um tipo de “dualismo materialista” se
manifesta na filosofia de Feuerbach em todos os níveis, com todas as
contradições que isso implica (MÉSZÁROS, p. 84 – 5).

O sucesso da filosofia marxiana em superar os limites do materialismo dualista está na


sua noção dialética da categoria da mediação. De fato, o monismo idealista hegeliano entende
a questão da “atividade” como “mediadora da relação entre sujeito e objeto”. Contudo, a
atividade em Hegel não passa de “atividade teórica abstrata”, assim o caráter mistificador da
filosofia hegeliana se demonstra na consistência contraditória da sua noção de mediação,
principalmente quando entende como absolutas as formas especificamente históricas das
mediações de segunda ordem capitalistas.

Só no materialismo monista de Marx podemos encontrar uma


compreensão coerente da “totalidade objetiva” como “realidade
sensível”, e uma diferenciação correspondentemente válida entre
sujeito e objeto, graças ao seu conceito de mediação como atividade
produtiva ontologicamente fundamentada, e graças à sua compreensão
das mediações de segunda ordem, historicamente específicas, por
intermédio das quais o fundamento ontológico da existência humana é
alienado do homem na ordem capitalista da sociedade (MÉSZÁROS,
p. 85).

5. A TRANSFORMAÇÃO DA IDÉIA DE “ATIVIDADE” DE HEGEL

O termo atividade surgiu com a economia política na qualidade de um fenômeno


material e palpável, no entanto, foi reduzida a uma esfera muito particular da vida humana: o
comércio. Tal noção conquistou sua universalidade a partir da filosofia hegeliana, ainda que
de uma forma demasiadamente abstrata, diga-se de passagem. Todavia, o caráter universal da
atividade, em Hegel, é alcançado à custa da sua materialidade que tinha na economia política
– é claro que uma materialidade parcial, unilateral e a-histórica.
A partir de tais contribuições Marx chega a uma noção de “atividade prática” ou
“atividade produtiva”, tanto em seu sentido positivo – como mediação necessária do homem
com a natureza – quanto em seu sentido negativo – na qualidade de mediação de segunda o
ordem ou alienação.

Assim, o trabalho, em sua ‘forma sensível’, assume sua significação


universal na filosofia de Marx. Ele se torna não só a chave para
entender as determinações inerentes a todas as formas de alienação,
mas também o centro de referência de sua estratégia prática apontada
para a superação real da alienação capitalista (MÉSZÁROS, 2006. p.
86).

Ao tomar consciência do caráter universal do trabalho – mantendo sempre postura


crítica diante dos pressupostos hegelianos – Marx desenvolveu uma perspectiva objetiva
jamais imaginada pela economia política, pois, esta estava demasiadamente presa em sua
visão a-histórica e parcial.

Que a divisão do trabalho e a troca assentam-se sobre a


propriedade privada não é outra coisa senão a afirmação de que o
trabalho é a essência da propriedade privada, uma afirmação que o
economista nacional não pode demonstrar, e que nós queremos
demonstrar para ele. (…) a vida humana necessitou da propriedade
privada… ela agora necessita da dupra-sunção da propriedade
privada (MARX, 200437 apud MÉSZÁROS, 2006. p. 86).

A economia política nunca chegará no cerne do problema da alienação do trabalho,


porque, a sua concepção específica de atividade (lê-se aquela que surge da divisão do trabalho
capitalista) aparece como se fosse algo universal e abstrato. Dessa forma, ignoram a questão
da atividade em si, tendo em vista que consideram absoluta uma forma histórica e
característica de atividade sob as influências do capitalismo, isto é, como esta formação da
atividade fosse a única que importa ou a única que existe.
Consequentemente, os economistas políticos não poderiam entender a atividade de
modo geral, pois isso os impossibilitaria de tornar absoluta um modo particular de atividade.
Em outras palavras, a economia política pretende apresentar a sua noção de atividade como
ela fosse “inerente à natureza humana”. Desse modo, a troca capitalista – entendida enquanto
um fenômeno histórico – é abstratamente imaginada como elemento “natural dos homens”,
por isso, impregnado por essa perspectiva não seria difícil supor que a chamada “sociedade
comercial” – a pautada na divisão do trabalho capitalista – é igualmente “natural” ao ser
humano.
37
Ibidem, p. 155 – 6.
Entretanto, não contentes ainda, os economistas políticos também compreendem a
propriedade privada como um fator absoluta e natural. Por causa disso, esbaram sobre uma
contradição insolúvel entre natureza e humanidade, haja vista que todos os fundamentos
ontológicos do trabalho humano são deixados de lado. Assim, o processo de superação da
alienação jamis poderia ser vislumbrado pelo ponto de vista da economia política – exceto por
meio da defesa fictícia de remédios às consequências nocivas provocadas pela alienação,
entendidas como fenômenos igualmente naturais e inevitáveis. Portanto, não há melhor
definição para esta perspectiva político-econômica com respeito a alienação senão a de
“positivismo acrítico”.
Por um lado, Hegel supera as limitações da economia política quando pressupõem a
atividade de modo geral como uma condição definitiva do princípio histórico. Porém, por
outro lado, remonta a cegueira dos economistas políticos sobre outro aspecto. Nesse sentido,
quando ele define a atividade como condição definitiva do princípio histórico – portanto,
anterior ao fenômeno da sua exteriorização – precisa necessariamente pensar na Aufhebung
(lê-se superação) da alienação – fenômeno que se manifesta em oposição ao movimento do
“Espírito Absoluto” consigo mesmo.

Como, porém, ele não pode distinguir, como já vimos, entre a forma
“externalizada” da atividade e suas manifestações “alienadas”, e como
é inconcebível negar a “externalização” sem negar a condição
absoluta: a própria atividade, o seu conceito de Aufhebung não pode
ser senão uma negação abstrata, imaginária, da alienação como
objetivação (MÉSZÁROS, 2006. p. 88).

No final das contas, Hegel recai sobre o mesmo problema da economia política:
compreender de forma insolúvel e definitiva a alienação da objetivação, como também da
atividade humana e, consequentemente, esteriliza qualquer possibilidade de transcendência
real da alienação. (Vale ressaltar que o fenômeno da exteriorização da objetivação – lê-se
atividade humana – é tão necessário histórica e ontologicamente quanto a própria questão da
atividade, logo, é crucial que exista uma mediação qualquer contida na relação do homem
com a natureza. O importante é conseguirmos distinguir entre as mediações que estão de
acordo com o caráter autocriativo da atividade humana produtiva daquelas que são alheias a
ele – lê-se as mediações de segunda ordem do capital.
Marx diferencia o trabalho enquanto Lebensäusserung (lê-se manifestação de vida) e
enquanto Lebensentäusserung (lê-se alienação da vida). Nesta última definição “eu trabalho
a fim de viver, ou seja, para gerar um meio de vida, porém meu trabalho não é minha própria
vida”, pois minha atividade é imposta “por uma necessidade externa”, em vez de ser
orientada por uma “necessidade interior”.
O filósofo alemão também distingue a mediação do homem com relação ao homem,
da “mediação alienada” do homem intermediada pela coisa, pelo outro. Sob este segundo
aspecto, o homem se manifesta como um “homem desumanizado”, isto é, sua atividade
produtiva está a mercê de um “mediador estanho”, em lugar de ser o “homem seu próprio
mediador”. Dessa forma, o trabalho adquire, igualmente, a qualidade de uma “mediação
alienada” da atividade produtiva dos homens.

Formulada nesses termos a questão da Aufhebung deixar de ser um ato


imaginário do “sujeito” e se torna uma questão concreta, prática, pra o
homem real. Essa concepção vislumbra a superação da alienação por
meio da abolição da “mediação alienada” (isto é da mediação de
segunda ordem institucionalizada de maneira capitalista), por meio da
liberação do trabalho de sua sujeição reificada ao poder das coisas, à
“necessidade externa”, e também pelo estímulo consciente da
“necessidade interior” do homem de ser humanamente ativo e de
encontrar realização para os poderes que lhe são inerentes em sua
própria atividade produtiva, assim como no gozo humano dos
produtos não-alienados de sua atividade (MÉSZÁROS, 2006. p. 88 –
9).

III. ESTRUTURA CONCEITUAL DA TEORIA DA ALIENAÇÃO DE MARX

1. FUNDAMENTOS DO SISTEMA MARXIANO

Não é necessário fichar.

2. QUADRO CONCEITUAL DA TEORIA DA ALIENAÇÃO EM MARX

Segundo Marx, há um abismo muito grande dente a filosofia e as ciências naturais.

(…) quanto mais a ciência natural interveio de modo prático na vida


humana mediante a indústria, reconfigurou-a e preparou a
emancipação da humanidade, tanto mais teve de completar, de
maneira imediata, a desumanização. A indústria é a relação histórica,
efetiva da natureza e, portanto, da ciência natural com o homem; por
isso, se ela é apreendida como relação exotérica das forças essenciais
humanas, então também a essência humana da natureza ou a essência
natural do homem é compreendida dessa forma… (MARX, 200438
apud MÉSZÁROS, 2006. p. 97).

Marx não pretende associar vulgarmente a filosofia com as ciências naturais, em vez
disso, ele critica tanto uma como a outra. A primeira delas, porque é demasiado
38
Ibidem, p. 111 – 2.
“especulativa”; já a segunda, por causa do seu caráter “abstratamente material” ou “idealista”.
Ambas são reflexos do mesmo estranhamento, são “formas alienadas” da base da “vida
humana concreta”, pois as duas estão diretamente ligadas com uma forma alienada de
indústria, correspondendo a um modo de produção específico (lê-se capitalista). Nesse
sentido, Marx desenvolve, em detrimento da “filosofia abstrata”, bem como da “ciência
natural idealista”, sua noção de ciência humana”.
Por “ciência humana”, Marx entende ser uma síntese material em profunda sintonia
com a vida real, sua base analítica é o ideal de homem não-alienado, cujas necessidades
verdadeiramente humanas – em contraponto com as necessidades artificiais, alienadas e
desumanas – organizam o campo de pesquisa.

A estrutura da produção científica é basicamente a mesma da atividade


produtiva fundamental em geral… uma falta de controle do processo
produtivo como um todo; um modo de atividade “inconsistente” e
fragmentado, determinado pela inércia da estrutura institucionalizada
do modo capitalista de produção; o funcionamento da ciência
“abstratamente material” como simples meio para fins
predeterminados, externos, alienados (MÉSZÁROS, 2006. p. 98).

Então, a ciência natural alienada encontra-se entre a “cruz e a espada”, entre a


autonomia e a submissão a meros meios externos. A redução da ciência natural ao simples
meio, é uma consequência necessária do caráter fracionado e “independente” da atividade
produtiva aliena como um todo.
A filosofia, por sua vez, consiste numa dupla alienação: primeiro no âmbito da prática
– inclusive na mais alienada delas, ou seja, as ciências naturais; segundo, no campo da teoria,
por exemplo, em relação à economia política. A filosofia se manifesta na qualidade de um
“fim para e em si mesmo”, adquirindo uma espécie de “universalidade abstrata”. “Como
separação radical de todos os outros modos de atividade, a filosofia parece ser, aos seus
representantes, única forma de ‘atividade da espécie’, isto é, a única forma de atividade digna
do homem como ‘ser universal’” (MÉSZÁROS, 2006. p. 99).
Em resumo, a qualidade “abstratamente material” das ciências naturais está conectada
com a atividade produtiva fracionada e ausente de possibilidades, ao mesmo tempo que a
qualidade “abstratamente contemplativa” da filosofia implica na separação rigorosa entre
teoria e prática. Ambas representam duas faces de um mesmo processo, a saber: a questão da
auto-alienação do trabalho, desenvolvida num modo de produção denominado por Marx e
Engels enquanto “condição inconsciente da humanidade”.
Sendo assim, nem a economia política, muito menos a filosofia especulativa
conseguem ter consciência de fato do dinamismo social proveniente da relação entre
propriedade privada e trabalho. Suas sistematizações acerca do real então se mantém
demasiado estáticas e a-históricas. Na melhor das hipóteses conseguem captar o aspecto
subjetivo da contradição entre capital e trabalho, isto é: a conflito gerados entre os indivíduos
quando a questão é a posse de “bens”, no entanto, tentem a enxergar esse fenômeno como
emergentes da “natureza egoísta do ser humano”, ou mais atualmente, da “falta de diálogo”
entre as classes sociais.
Marx compreende este problema com mais profundidade, pois seu ponto de vista
abarca a dinamicidade objetiva e reciprocidade dialética contida na contradição entre
propriedade e trabalho. O filósofo entende que a propriedade privada foi crucial para a
consolidação da humanidade, assim, a alienação e a reificação expressam-se como fenômenos
sócio-históricos necessários. Aqui fica evidente o “caráter positivo” da auto-alienação do
trabalho.
Contudo, a análise de Marx não se esgota aí, pois, logo em seguida, ele deixa claro o
“caráter negativo” da propriedade privada, manifesto justamente na contradição cada vez mais
violenta entre capital e trabalho – evidentemente impossível de ser percebida pelo ponto de
vista da propriedade privada, ou de seus baluartes, economia política e filosofia especulativa.
Para Marx, o antagonismo gradativamente extremado entre propriedade privada e trabalho,
indica que esta fase ontologicamente necessária está chegando ao fim.
Entretanto, uma necessidade ontológica só pode ser substituída por outra necessidade
ontológica, portanto, entre em cena a importância da transcendência efetiva da alienação do
trabalho, afastando-se das pretensões de superação moral, o programa marxiano pretende ser
eminentemente prático. Ainda assim:

Como, no entanto, a prática social alienada já está integrada, de uma


forma “invertida” e alienada, com a ciência “abstratamente material”,
e com a filosofia especulativa, a transcendência efetiva da alienação
na prática social é inconcebível sem superar ao mesmo tempo também
as alienações dos campos teóricos. Desse modo Marx concebe o
processo efetivo de “Aufhebung” [superação] como um movimento
dialético entre esses dois pólis - o teórico e o prático – no curso de
sua reintegração recíproca (MÉSZÁROS, 2006. p. 108).

3. ALIENAÇÃO E TELEOLOGIA

Até agora descobrimos que a “alienação”, bem como a sua Aufhebung [superação] são
necessidades ontológicas dentro da filosofia marxiana.
Mesmo assim, Marx é injustamente acusado de “determinismo econômico”. Dentro do
ponto de vista marxiano, a “atividade humana produtiva” é um conceito crucial e jamais pode
ser entendido como meramente “produção econômica”. O pensamento marxiano enxerga a
economia ontologicamente, tendo em vista a diversidade de mediações históricas inerentes ao
ser humano. Em síntese, parte do pressuposto de que a diversidade dos campos da atividade
humanatem como substrato a base econômica, porém também a embasam de forma ativa por
meio de sua própria estrutura relativamente autônoma.

Só se conseguimos compreender dialeticamente essa multiplicidade de


mediações específicas, poderemos realmente entender a noção
marxiana de economia. Pois, se esta é “determinante último”, é
também um “determinante determinado”: ela não existe fora do
complexo sempre concreto e historicamente mutável de mediações
concretas, inclusive as mais “espirituais”.

No entanto, dizer que a “desmistificação do caráter fetichizado da sociedade


capitalista” precise partir da crítica econômica não significa, em nenhum sentido, a
transferência acríticas dos resultados dessa reflexão para as outras esferas de vida social. Em
vez disso, sempre precisaremos descobrir mediações específicas que nos permitam alcançar
deduções confiáveis acerca da sociedade capitalista em sua sociedade. Numa palavra, não
seremos capazes de entender o “específico”, caso não analisemos suas inter-relações com um
sistema determinado de mediações complexas. É preciso entender a atemporalidade
(sistematicidade) na temporalidade, ou seja, entender os fatores temporais dos sistemas.
O determinismo econômico não é capaz de enxergar a reciprocidade da relação
dialética entre temporalidade a atemporalidade, entre história e estrutura. Ele contrapõe à
dialética marxiano um sistema mecânico, no qual a atemporalidade predomina. Esta atitude
economicista vulgar, marcada pela negação da historicidade, é característica no “marxismo
estruturalista” e veio a fazer o próprio Marx exclamar: “eu não sou um marxista”.
O determinismo econômico é negação por excelência de toda a história. Quando se
falamos em história, pensamos nela como um fenômeno aberto, isto é, passível a interrupção
de uma série de determinismos econômicos, tais como: o fenômeno da reificação, a
fetichização da mercadoria, entre outros.
Nesse sentido, a herança paradoxal de Hegel é elucidativa.

(…) a extraordinária contribuição intelectual de Hegel consistiu no


fato de ele ter feito a teoria e a história dialeticamente relativas uma à
outra… Em última análise, contudo, sua tentativa foi um fracasso. Ele
nunca pôde chegar até a unidade genuína de teoria e prática; tudo o
que pôde fazer foi preencher a sequência lógica das categorias com o
rico material histórico… (LUKÁCS, 196739 apud MÉSZÁROS, 2006.
p. 110).

Por mais importante que tenha sido a concepção de história de Hegel, como ela se
sustentava mediante a suposições a-históricas, necessitou negar a própria história como um
todo, conferindo-lhe uma “finalidade”, concebida a partir de um “princípio” a priori. Todavia,
faz-se necessário ressaltar que Hegel não teve de abrir mão da história para criar o seu
sistema, na realidade, sua filosofia, antes de qualquer coisa, sempre foi a-histórica. Por causa
disso, precisou racionalizar a história, bem como teve de extrair a história do homem,
subligando-a a partir das categorias do pensamento.

Assim – por mais paradoxal que isso possa parecer – apesar de sua
crítica programática (abstrata) do “imediatismo”, Hegel, acabou
idealizando o imediatismo do fetichismo capitalista, manifestado na
identidade historicamente determinada da objetivação capitalista e da
alienação capitalista (MÉSZÁROS, 2006. p. 110 – 1).

Entretanto, não existe ação humano que possa ser compreendida sem um
embasamento sócio-histórico e, por sua vez, a história dificilmente pode ser entendida sem
uma teleologia. O sistema marxiano, porém, se afasta de todas aquelas “teleologias s
fechadas” (lê-se apriorismos), mostrando ter uma concepção inerentemente histórica e aberta.
Isso se torna evidente quando analisamos dois fatores:
1) Toda necessidade em Marx, é uma necessidade histórica, portanto, uma
“necessidade em desaparecimento” - deixando sempre o horizonte preparado para um
desenvolvimento futuro da humanidade.
2) A “finalidade” da história em Marx é concebida no sentido da imanência do
desenvolvimento humano – em detrimento dos apriorismos da teleologia teológica –, isto é,
enquanto vazão da “essência humana” através da “auto-atividade dos homens”
(primeiramente em seu caráter alienado; em seguida, em sua forma positiva). Dessa forma, a
filosofia marxiana se mostra continuamente aberta – sempre de acordo com as necessidades
ontológicas humanas –, haja vista que sua finalidade é eminentemente histórica e jamais pré-
39
Gerog Lucács: escritos sobre ideologia e política. Çunchterhand: Neuwied & Berlin, 1967. p. 286. Paperback
determinada. Em suma, dentro do ponto de vista de Marx, nunca é possível chegar num
momento no qual a humanidade se tornará plenamente desenvolvida, pois isso significaria a
esterilização do atributo humano mais essencial, a saber: sua potência à
“automediação/autodesenvolvimento”.

ASPECTOS DA ALIENAÇÃO

IV. ASPECTOS ECONÔMICOS

1. A CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA DE MARX

A consistência geral de uma obra é percebida por meio do seu ponto de vista. Sendo
assim, seria interessante nos perguntarmos qual é o ponto de vista de Marx. Além do mais, o
próprio Marx criticou Proudhon por criticar a economia política, a partir do ponto de vista da
própria economia política. O filósofo também afirmou que Hegel tinha a visão da economia
política.
Com relação a alienação, o ponto de vista de Marx visa a sua superação (Aufhenbung),
por isso destacava que o compartilhamento do ponto de vista da economia política
consolidava a impossibilidade de conceber sua superação.
Além disso, Marx foi extremamente cauteloso para não produzir uma crítica utópica
da economia política, tal como fizeram, segundo ele, Proudhon, Fourier, e Saint-Simon.
Segundo Marx, a economia política embasa-se numa “condição primordial fictícia”,
ou seja, os economistas políticos “pressupões enquanto um fato aquilo que deve ser extraído
da análise de uma relação necessária entre dois fenômenos. Desse modo, eles explicam, igual
aos sacerdotes, o mal por meio do pecado original, ou melhor, pressupõe na qualidade de
dado acabado, o que deve ser explicado historicamente.
“Nesse sentido, nenhuma relação ou fato social – que é, por definição, uma relação –
pode ser aceito como dado. Tudo o que é específico, tudo o que tem uma forma… dever ser
explicado em termos do vir-a-ser, e por isso nenhuma condição primordial pode ser suposta”
(MÉSZÁROS, 2006. p. 116). É justamente neste sentido que Marx entende a relação mais
antiga entre homem e natureza como sendo uma relação da natureza consigo mesma, tendo
em vista o fato de o homem ser uma parte específica da natureza.
Marx contrapõe a estrutura lógica de petitio principii40 da economia política a um
princípio econômico real, ou seja: “(…) o trabalho não produz somente mercadorias; ele
produz a si mesmo e ao taralhador como uma mercadoria, e isto na medida em que, produz,
de fato, mercadorias em geral” (MARX, 200441 apud MÉSZÁROS, 2006. p. 117).
Essa compreensão a respeito do trabalho é crucial para entender o problema da
superação. De todos os poderes humanos, é a atividade produtiva orientada por um fim, a qual
possui uma importância relativa na conceitualização do homem. Contudo, se não
conseguirmos explicar historicamente o processo de metamorfização da atividade produtiva
propositada em trabalho assalariado (lê-se alienado), jamais seremos capazes de consolidar a
sua superação.
Marx estuda a economia política justamente porque o seu intuito é a superação dela.
Ele destaca o fato de o “movimento interno da propriedade privada” –expresso na
economia – contém um movimento revolucionário interno, tanto no âmbito empírico, quanto
no teórico.
40
É uma retórica falaciosa, por vezes proposital, por cansaço no debate com um interlocutor persistente como,
por exemplo, uma criança, por exemplo: “eu estou certo porque sou seu pai, e os pais estão sempre certos.
41
Karl Marx. Manuscritos… op. cit., p. 80.
1. Vejamos o que os Manuscritos nos tem a dizer sobre isso:

A propriedade privada material, imediatamente sensível, é a


expressão material-sensível da vida humana estranhada. (...) A
supra-sunção positiva da propriedade privada, enquanto apropriação
da vida humana é, por conseguinte, a supra-sunção positiva de todo o
estranhamento, portanto o retorno do homem a religião, família,
Estado etc., à sua existência humana, isto é, social (MARX, 200442
apud MÉSZÁROS, 2006. p. 118).

Dificilmente seria possível lutar contra a alienação da vida humana sem trabalhar
adequadamente com as questões socioeconômicas nelas refletidas. Por outro lado, a
investigação econômica desenvolvida por Marx perderia todo o seu sentido caso fosse
desprovida de toda e qualquer preocupação prática.
Além disso, toda a atitude dos “reformadores graduais” está fada ao fracasso, haja
vista que procuram melhorar a realidade existente, partindo da estrutura desta mesma
realidade, portanto, compartilham as contradições que pretendiam combater.
Os estudos de Marx com relação à economia política não embasavam uma ação
econômica, mas sim uma ação política. O filósofo estava interessado nos estudos econômicos
enquanto eles podiam lhe revelar a estrutura da realidade que ele pretendia transcender.
Assim, Marx não só procurava expor os pontos “fracos” do sistema capitalistas, mas também
seus pontos “fortes”, ou melhor, os fenômenos responsáveis pelo “triunfo civilizado” do
capitalismo sobre o feudalismo.
O problema da transcendência positiva só pode ser realizada em termos políticos, isso
quando se enxerga que a superação concreta da realidade existente está nascendo.
“É uma característica da política… antecipar… a evolução social e econômica futura. A
política poderia ser definida como a mediação… entre o estado presente e o estado futuro da
sociedade” (MÉSÁZOS, 2006. p. 119).
A ciência econômica não tem essa potencialidade mediadora, bem como não opera
com categorias de futuro.
Nesse sentido, quando discutimos sobre o fenômeno da “superação” não podemos nos
restringir apenas em aspectos econômicos, em vez disso, precisamos trabalhar com categorias
econômicas, morais, estéticas, entre outras. O foco de Marx nas questões econômicas se
manifesta quando ele está analisando a formação sócio-histórica da atividade produtiva
humana. Agora, a partir do momento que ele reflete sobre a transcendência da sociedade da
sua época, aí sua reflexão gira em torno da “emancipação de todas as potencialidades
humanas”.
Em resumo, Marx parte da análise econômica, a qual representa a base teórica de uma
ação política determinada. Isso não quer dizer que esta ação política e a “transcendência”
sejam a mesma coisa. Em vez disso, ele tem claro em sua mente que a alienação somente será
superada no campo da produção. Portanto, a ação política não pode materializar de fato a
superação efetiva da alienação, porém atua como uma espécie de fermento necessário para a
sua realização. O verdadeiro processo de superação da alienação localiza-se no futuro,
precisamente depois da ação política – a responsável pela criação das circunstancias
necessárias para o procedimento de transcendências positiva. Entretanto, não podemos dizer
exatamente quando se concretizará este processo, pois muitos elementos influenciam nessa
estimativa – inclusive o desenvolvimento das ciências. Ainda assim, podemos dizer que o
velho Marx pontuou-o ainda mais ao futuro do que havia feito o jovem Marx.
42
Ibidem, p. 106.
Nesse sentido e retomando Proudhon, percebemos que a solução dele carece do elo
intermediário (lê-se ação política) necessário para materialização futura da transcendência
positiva, por isso não passa de uma media utópica.
O filósofo francês defende uma ação econômica direta para combater os aspectos
prejudiciais da realidade existente, e isso, levado às últimas consequências, dilui a ação
política numa ação econômica utópica. Dessa forma, ele precisa pensar na questão da
superação no presente ou num futuro próximo, e tem de compartilhar do ponto de vista da
economia política.
Com respeito à atitude de Proudhon, Marx a taxa de “abolição do estranhamento
político-econômico no interior do estranhamento político-econômico”. Assim, a ideia de
Proudhon de elevação abrupta dos salários é ineficaz, tendo em vista que:

Mesmo a igualdade dos salários, como quer Proudhon, transforma


somente a relação do trabalhador contemporâneo com o seu trabalho
na relação de todos os homens com o trabalho. (…) Salário é uma
consequência imediata do trabalho estranhado, e o trabalho estranhado
é a causa imediata da propriedade privada (MARX, 200443 apud
MÉSZÁROS, 2006. p. 121).

Essa argumentação visa esclarecer o fato de a apropriação do capital pela comunidade


não representar a superação da alienação. Mesmo que a comunidade tomasse o capital e
igualizasse os salários, ainda assim, o estranhamento sobreviveria sobre uma nova roupagem.
Nestas condições o trabalho atinge uma espécie de “universalidade representada”, porém a
dignidade humana não é alcançada, ou seja, o trabalho não se expressa como “um fim em si
mesmo”. Somente a partir da luta contra a exteriorização do trabalho é que podemos pensar
numa superação de fato, numa transcendência positiva da alienação.

2. DA ALIENAÇÃO PARCIAL À ALIENAÇÃO UNIVERSAL

Como já mencionamos, o jovem Marx queria saber o segredo da transição do


feudalismo para o capitalismo. Nesse sentido, a economia política lhe serviu de base, aliás,
por muitas vezes parabeniza os economistas políticas pelo seu intuito de pesquisar as relações
reais de produção da modernidade. No Capital, a economia política é entendida como o
pensamento que simboliza o modo de produção de mercadorias, o modo de produção
capitalista.
Segundo Marx, a contribuição mais significativa dos economistas políticos foi a
concepção do “trabalho enquanto fonte de riqueza”. Faz-se necessário ressaltar que o
desenvolvimento da economia política acontece a partir de um caminho em direção a esta
ideia, chegando em quatro momentos diferentes: 1) Sistema monetário; 2)Sistema Mercantil;
30 Fisiocracia; e 4) Economia política liberal.
Os adeptos do sistema monetários e mercantil eram considerados por Marx como
“veneradores da moeda”. Já os fisiocratas eram o elo entre as duas primeiras etapas e quarta,
pois consolidaram a dissolução da propriedade feudal, adequando-a na linguagem econômica
moderna. Por fim, parafraseando o jovem Engels, na última fase encontramos Adam Smith, o
qual se destaca enquanto Lutero da economia política.
Adam Smith é o primeiro representante da economia política e um grande crítico da
fisiocracia e do metalismo mercantil, pois demonstra o seu caráter fetichista com respeito ao

43
Ibidem, p. 88.
sistema monetário44. Em contraponto aos fisiocratas, Smith desenvolveu a teoria de que o
trabalho era a fonte de toda a riqueza.
Mas qual é a relação desta discussão com o problema da alienação? A resposta gira em
torno do campo do fetichismo, isto é, como a riqueza é entendida como sendo exterior e
independente do próprio homem, na qualidade de um fenômeno absoluto.
Assim se a fonte de toda a riqueza (lê-se a terra) é absoluta, evidentemente ela não
podia ser alienada, entretanto, “o triunfo do capitalismo” jamais seria possível sem a
dissolução dessa ideia. Contudo, a noção de propriedade móvel precisava de certa estabilidade
– longe da “inalienabilidade da terra” –, expressa na apologia da legitimidade do lucro
“ausente de alienação do capital”. Por causa disso, muito “hereges” foram queimados pela
prática do lucro sem a alienação do capital.
A riqueza durante o feudalismo expressava-se como algo exterior às relações humanas,
ou seja, a riqueza adquiria um caráter absoluto e metafísico.

A fisiocracia representa uma fase no desenvolvimento da economia


política, quando essa aparência de absoluto é questionada com
respeito a ambos os lados da relação. A atividade humana é
considerada como a fonte da riqueza, pois admite-se não ter a terra
valor em si e por si mesma, mas apenas em conexão com o trabalho
humano (MÉSZÁROS, 2006. p. 123).

Marx define atividade produtiva e riqueza da seguinte forma:

(…) o trabalho não é ainda apreendido em sua universalidade e


abstração, ainda está ligado a um elemento natural particular como
sua matéria, portanto ele também ainda é reconhecido apenas num
modo de existência particular determinado pela natureza. (…) A
terra ainda é, aqui, reconhecida como uma existência da natureza
independente do homem, ainda não como capital, isto é, como um
momento do trabalho mesmo, O trabalho aparece antes como
momento dela. (MARX, 200445 apud MÉSZÁROS, 2006. p. 123).

A compreensão do trabalho como fonte universal e abstrata da riqueza, não é uma


conquista da fisiocracia, mas sim da economia política.
A fisiocracia não foi capaz de entender a agricultura enquanto uma expressão
específica, necessariamente contida numa forma universal: a indústria, bem como não
enxergou a manifestação histórica do trabalho que decorria desta última: o trabalho
assalariado. No fim das contas, a fisiocracia não conseguiu se libertar do velho fetichismo.
Não é por acaso que os fisiocratas surgiram na França, um país, segundo Marx,
“demasiadamente monetário e ainda em desenvolvimento”, quando comparado, por exemplo,
com a Inglaterra.
Vale ressaltar que o fenômeno da alienação é inseparável à feudalidade, haja vista que
a propriedade da terra é o substrato da propriedade privada. Além disso, só o fato de a terra

44
Fetichista, porque os fisiocratas encontravam na terra e os mercantilistas nos metais preciosos, as únicas
formas de riqueza, como se elas fossem capazes, “magicamente”, de imprimir valor às demais mercadorias, sem
a necessidade da ação do homem.
45
Ibidem. p. 100.
ser monopólio de poucos senhores já é uma prova do estranhamento do solo em relação à
população em geral.
A partir da monopolização da terra, segundo a ótica da indústria emergente, a
alienabilidade da terra se tornou a principal preocupação. Todavia, isso representou a primeira
condição para a reflexão sobre a existência do homem, para o qual a terra é inalienável. Na
realidade, a ideologia feudal jamais admitiria a existência do “homem”, em vez disso,
afirmava apenas a sua própria parcialidade. Noutras palavras, seu monopólio sobre o solo
frente aos demais, era legitimado – ainda que ficticiamente – pelo argumento da sua origem
divina. Nesse sentido, tendo em vista que a justificativa da divindade garantia a hegemonia de
um domínio parcial, não era preciso desenvolver o conceito de “homem” durante o
feudalismo.

O conceito de “homem” foi popularizado por aqueles que combatem o


poder feudal e sua ideologia. O que é paradoxal, contudo, é que nos
escritos desses pensadores antifeudais o conceito de homem não é
apresentado para negar a alienação, mas para afirmá-la e mantê-la,
embora de forma diferente. Eles afirmavam o princípio da alienação e
alienabilidade numa forma universal, estendendo sua esfera a todos os
aspectos da vida humana, inclusive a “auto-alienação” e a “auto-
alienabilidade”. E o fizeram em nome do “homem” (MÉSZÁROS,
2006. p. 125).

Tal universalidade da alienação aparece na forma da noção moderna de igualdade.


Segundo Marx, o conceito de homem do ponto de vista da economia política parte de
uma noção abstrata de igualdade, pois só somos todos porque isso é a condição necessária
para a alienação da terra. Porém, evidentemente, sem tal abstração não seria possível colocar
em cheque a ascendência divina do senhor feudal, muito menos questionar a hierarquia que
dela se sustentava.
Portanto, enquanto esta igualdade é afirmada, ao mesmo tempo, também é negada.
Desse modo, o princípio de igualdade se torna eminentemente formal, expressando-se por
meio dos “Direitos do Homem”, o que nada mais é do que associar a igualdade ao princípio
abstrato de posse. Numa palavra, a igualdade perde seu conteúdo.

Não se trata de uma abstração conceitual que pudesse ser eliminada ou


melhorada. É uma abstração objetivamente necessária, determinada
pelas contradições internas de uma situação histórica concreta. É
impossível “desmistificar” essa estrutura abstrata sem denuncia a
contradição entre o conteúdo parcial efetivo e o apelo ideológico
formalmente universal. Mas para isso é necessário um ponto de vista
sócio-histórico muito diferente do ponto de vista dos defensores
originais dos “Direitos do Homem” (MÉSZÁROS, 2006. p. 126).
3. DA ALIENAÇÃO POLÍTICA À ALIENAÇÃO ECONÔMICA

No feudalismo, a relação entre sujeito e terra não se estabelece no sentido restrito da


riqueza material. “(…) a propriedade individualiza-se com o senhor, ela tem o seu lugar, é
baronal ou condal com ele, tem os seus privilégios, sua jurisdição, sua relação política etc. Ela
aparece na condição de corpo inorgânico de seu senhor” (MÉSZÁROS, 2006. p. 126). Esta
personificação da terra significa também que as relações entre os senhores e seus sevos é
essencialmente política. Portanto, a sua negação necessita igualmente ser política. É apenas
posteriormente que a propriedade feudal é arruinada por um novo modo de produção
econômico.
A economia política desenvolveu-se pautada negação da “nacionalidade”, mesmo
começando com um alcance nacional, almejava a universalidade e bradava que suas leis eram
gerais e não conheciam limites.
Transitando da parcialidade à universalidade, da personificação da terra à
impessoalização dela e; da mediação política à imediação econômica, dessa maneira, a
economia política supera o velho fetichismo, ao mesmo tempo que retira todos os obstáculos
do caminho da alienação. “Assim, a evolução da parcialidade política para a universalidade
econômica significativa que a alienação particular, ou ‘específica’, é transformada em uma
alienação universal” (MÉSZÁROS, 2006. p. 127).
A propriedade feudal deixa oculta a unidade primordial entre homem e natureza,
fragmentando-a, historicamente, em propriedade (P) e trabalho (T). Esse processo é realizado
por meio de mediações políticas.
Marx, comparando a época da individualização da terra com o momento no qual “só o
dinheiro liga o homem a sua propriedade”, percebe que a falsa unidade 46 da propriedade
fundiária é abolida, absorvida em sua totalidade pelo movimento da propriedade privada até
se tornar uma mercadoria; assim, a hegemonia do proprietário se mostra como a hegemonia
do capital, independente da influência da política.
Inicialmente, isto é, quando a terra estava individualizada e os servos (T) pertenciam
ao senhor feudal (P), de forma que parecia haver uma unidade (fictícia, diga-se de passagem)
política e ausente de componente econômico entre eles.
Contudo, quando a força econômica se desenvolve a distância entre P e T acentua-se
cada vez mais.
Quanto mais significativa é esta distância, mais a política perdia seu poder mediador
para o dinheiro. Logo, quanto mais o dinheiro tomava o lugar mediador da política, mais
intensa se tornava o abismo entre trabalho e propriedade, bem como mais a política se
enfraquecia. Dessa forma, a propriedade feudal cede espaço à propriedade móvel, ao mesmo
tempo que sujeitos se livram dos seus laços políticos, adquirindo novas ligações – agora
econômicas – com o capital industrial. Todavia, ainda que a propriedade fundiária ofereça
oposição à propriedade móvel, ambas fazem parte da mesma categoria, isto é, ambas são
momentos distintos do capital. A primeira, consiste numa espécie de capital incompleto,
cheia de “preconceitos locais”; já a segunda representa uma formulação de propriedade mais
próxima da “manifestação pura” do capital.
A questão do surgimento do capital (lê-se da propriedade provada) como consequência
do antagonismo entre propriedade do solo e propriedade móvel não pode ser satisfatoriamente
respondida pelos Manuscritos, porém uma leitura atenta do Capital pode nos fornecer muitas
respostas.
Contudo, o que nos diz respeito nesse momento é:
1) A primeira fase da alienação do trabalho é sua expressão política, as relações feudais, por
exemplo.
46
Falsa unidade, porque o que ligava o homem à terra era a suposta divindade do senhor.
2) “A alienação universal implica logicamente a alienação parcial e, como já vimos,
também historicamente a alienação deve ser primeiro político-parcial antes de se tornar
econômico-universal” (MÉSZÁROS, 2006. p. 129).

4. DIVISÃO E ALIENAÇÃO DO TRABALHO, CONCORRÊNCIA E


REIFICAÇÃO

Não é necessário fichar.

5. TRABALHO ALIENADO E “NATUREZA HUMANA”

Toda a discussão econômica a respeito da alienação orbita sobre a noção de homem,


haja vista que, ao refletir sobre a divisão do trabalho, Marx critica de forma radical o
postulado de natureza humana defendido pela economia política.
Os economistas políticos descobriram, ainda que unilateralmente, que o trabalho era a
fonte de toda a riqueza, bem como associaram a propriedade privada ao homem. Por causa
dessas descobertas, Marx os elogiou, pois isso contribuiu para a superação do “fetichismo da
moeda”. Contudo, a união dos homens com a propriedade privada os submeteu a uma nova
condição de alienação.
A filosofia marxiana não aceita a reificação impulsionada pelos economistas políticos,
os quais entendem o trabalho “de maneira abstrata como uma coisa”, ou seja, ele se nega a
aceitar este novo fetichismo47 mais abstrato e universal.
A economia política enxerga a existência de uma relação recíproca entre divisão do
trabalho e acumulo do capital, mas jamais foram capazes de compreender esta inter-relação
em sua complexidade, tendo em vista que não entendem o trabalhador como um ser humano.
Não conseguem perceber que “o trabalho não produz só mercadorias, mas também transforma
o próprio trabalhador em mercadoria, desvalorizando o mundo dos homens”.
A despreocupação com o caráter humano destas inter-relações humanas acontece,
porque os economistas políticos pressupõe que a propriedade privada é um processo
proveniente da natureza humana. Por isso, escapam da sua compreensão as relações
recíprocas entre propriedade privada e ganância; entre ela e a fragmentação do trabalho, entre
ela e a desvalorização do homem, entre ela e a estranhamento do dinheiro, etc.
Marx fez uma grande descoberta ao perceber que a propriedade privada é um produto
necessário do trabalho alienado. A conclusão marxiana se sustenta no fato de o trabalhador
jamais poder se defrontar estranhamente com o produto do seu próprio trabalho, se, antes de
mais nada, não tivesse sido alienado de si mesmo durante o ato da produção.

A economia política não pode chegar a essa conclusão. Do ponto de


vista da economia como uma ciência especial; o que importa,
naturalmente, não é a avaliação das implicações humanas de um
processo econômico objetivo, mas a análise das condições necessárias
de funcionamento e reprodução sem perturbações do processo dado
(MÉSZÁROS, 2006. p. 136).

O pensamento de Marx é fundamentado no conflito do homem com o trabalho assalariado,


isso só é possível porque a sua concepção de “natureza humana 48” é distinta daquela compartilhada
pela economia política. Sua perspectiva teórica nega toda e qualquer fixidez natural das características

47
Ele faz oposição ao fenômeno do fetichismo da mercadoria, melhor trabalhado nos capítulos iniciais do
Capital.
humanas. “Na visão de Marx, o homem não é, por natureza, nem egoísta nem altruísta. Ele se torna,
por sua própria atividade, aquilo que é num determinado momento. E assim, se essa atividade for
transformada, a natureza hoje egoísta se modificará, de maneira correspondente” (MÉSZÁROS, 2006.
p. 137).
Torna-se nítido que não existe estiticidade na teoria marxiana, todas as miniestações
humanas são trabalhadas de forma dinâmicas por meio da sua noção de atividade humana. No
ponto de vista de Marx, a propriedade privada, bem como todos os fenômenos provenientes
da ação humanas precisam ser explicados historicamente, e nunca supostas como
consequências da “natureza humana”.

A propriedade privada privada nos fez tão cretinos e unilaterais que


um objeto somente é o nosso [objeto] se o temos, portanto, quando
existe para nós como capital ou é por nós imediatamente possuído,
comido, bebido, trazido em nosso corpo, habitado por nós etc., enfim,
usado (MARX, 200449 apud MÉSZÁROS, 2008. p. 137).

A oposição do “ter” e do “ser” foi levantada antes de Marx pelos socialistas utópicos,
porém o que há de novo na reflexão marxiana é o foco nas relações recíprocas humanas,
remontando uma abordagem inaugurada por Engels nos seus “Esboço de uma crítica da
economia política”.
Tal abordagem tem como referência a atividade produtiva ou práxis, isto é, uma
perspectiva analítica pautada na “essência humana” que não é naturalmente egoísta ou
altruísta, em vez disso, gira em torno do campo da socialidade. A socialidade pode ser
entendida como uma espécie de associação consciente, que, ao se livrar do egoismo
naturalizado transcenderá a “reificação”, o “trabalho abstrato”, e os “apetites imaginários”.
Nesse sentido, enquanto a concorrência dominar a produção e a “eficiências dos custos”
hegemonizar dentro da atividade produtiva, o homem jamais se expressará na qualidade de
homem.

V. ASPECTOS POLÍTICOS

1. RELAÇÕES DE PROPRIEDADE

Não é necessário fichar.

2. OBJETIVAÇÃO CAPITALISTA E LIBERDADE

Não é necessário fichar.

3. “NEGAÇÃO DA NEGAÇÃO” POLÍTICA E EMANCIPAÇÃO

Marx estabelece sua crítica dentro de uma sociedade está segregada, na qual os
sujeitos estão empobrecidos. Então como imaginar uma transcendência positiva nestas
condições?

48
A natureza humana no ponto de vista de Marx é eminentemente material e história, portanto, consiste numa
crítica radical à própria noção de natureza.
49
Ibidem. p. 108.
A destruição do Estado capitalista resolveria o problema? Evidentemente não, pois a
anulação do Estado não é o suficiente, haja vista que representa uma superação apenas no
âmbito da política, a qual corre o risco de apenas ressignificar a “abstração da sociedade
frente o individuo”. Em suma, isso significaria apenas dar uma nova roupagem à alienação.
“A grande dificuldade consiste nisso, que a transcendência positiva deve começar com
medidas políticas, porque nunca sociedade alienada não existem agentes sociais que possam
efetivamente restringir, e muito menos superar, a alienação” (MÉSZÁROS, 2006. p. 147).
Contudo, se este agente político propulsor da transcendência for autoconsciente dos
limites históricos dos seus atos, poderá novamente promover a manutenção a condição da
“sociedade sobre o individuo”.
Em resumo, a política precisa ter em mente que o seu papel é, em última instância, a
sua própria destruição, no sentido de cumprir sua missão encantoa momento transitório e
necessário para a transcendência positiva da alienação. É justamente dessa maneira que Marx
define o comunismo como um caráter político, isto é, uma espécie de negação da negação.

Sua posição é a de que o comunismo “de natureza política” ainda é


afetado pelo estranhamento do homem. Como negação da propriedade
privada, é uma forma de mediação. (Isto é, ele sustenta uma posição
mediante a negação de seu oposto) E é a “negação de uma negação”,
porque nega a propriedade privada, que em si é uma “negação da
essência humana” (MÉSZÁROS, 2006. p. 147 – 8).

“(…) o comunismo é o humanismo mediado consigo mesmo mediante


a supra-sunção da propriedade privada. Somente por meio da supra-
sunção desta mediação – que é, um pressuposto necessário – vem a
ser o humanismo positivo, que positivamente parte de si mesmo
(MARX, 200450 apud MÉSZÁROS, 2008. p. 148).

A partir do momento que o comunismo transforma-se no “humanismo positivo


proveniente de si mesmo”, afasta-se da politica, e metamorfoseia-se num comunismo prático
e social em sua totalidade.
Na realidade, toda política resume-se à parcialidade.
A transcendência positiva nunca pode ser limitada à “negação da negação”, em outras
palavras, ao simples campo da política. Sua expressão só é possível dentro da universalidade
da prática social abrangente. Entretanto, a transformação socialista da realidade só é possível
a partir de um elo mediador temporário e necessário, ou seja, um agente político consciente de
suas limitações históricas.

VI. ASPECTOS ONTOLÓGICOS E MORAIS

1. O “SER AUTOMEDIADOR DA NATUREZA”

A questão essencial da teoria moral de Marx é a preocupação em como realizar a


liberdade humana. Isso significa não apenas analisar os obstáculos impostos pelos próprios
homens à liberdade, mas também investigar a natureza das limitações impostas à liberdade
humana.

50
Ibidem. p. 132.
A liberdade humana não pode ser entendido como um princípio abstrato, também não
pode ser visto como uma espécie de transcendência de limites da própria natureza, em vez
disso, é uma convergência com eles. “Em outras palavras, a liberdade humana não é a
negação daquilo que é especificamente natural no ser humano – uma negação em favor do
que parece ser um ideal transcendental – mas, pelo contrário, sua afirmação” (MÉSZÁROS,
2006. p. 149).
As noções transcendentais que partem do pressuposto da necessidade de superação de
alguns elementos inerentemente humanos não têm espaço na filosofia marxiana.
Exemplificando: o economista político fundamenta suas teorias na “natureza humana”
supostamente egoísta, enquanto o filósofo moral supõe o “homem egoísta” como ideal
transcendental – não é por acaso a influência da Adam Smith nos escritos de Kant,
principalmente na “Paz perpétua”, quando o filósofo discute sobre a Handelsgeist [espírito
comercial].
Marx é contrário a esse tipo de abordagem transcendental, ou seja, essa tentativa de
pensar o homem como “naturalmente alguma coisa”. O filósofo tem em mente que só é
possível supor o ser humano como naturalmente egoísta, porque em nossa realidade alienada
ele de fato é. Contudo, entender o homem egoísta (lê-se alienada), específico da nossa
realidade histórica, com o homem em seu sentido geral é uma “falácia ideológica”, ou seja,
significa confundir a parte com o todo.
Em oposição ao transcendentalismo, Marx constrói a ideia de ser humano real, o qual
fundamenta-se tanto em sua efetividade (lê-se o que ele é agora, isto é, “homem mercadoria,
ser alienado”) quanto em sua potencialidade (lê-se o que ele pode ser, ou seja, um “ser
humano enriquecido”).
“O ponto de partida ontológico de Marx é o de que o homem é uma parte específica da
natureza e, portanto, não pode ser identificado com alguma coisa abstratamente espiritual”
(MÉSZÁROS, 2006. p. 150). O homem é, para o filósofo alemão, uma espécie de “ser-por-si-
mesmo da natureza”.
Pressupor que um ser totalmente espiritual criou o homem gera inúmeros
desdobramentos morais, nos quais os homens precisam se livrar da sua “natureza moral”.
Nesse sentido se torna digno negar a natureza humana, inspirando-se no dever e na gratidão
ao suposto ser que concebeu o homem. Dentro destas condições a liberdade não é entendida
como natural ao homem, como humana, ao contrário, apenas como generalidade abstrata.
Para Marx, se nós devemos nossa existência a outro ser então isso não é liberdade, mas
a negação dela. Só um ser independente pose ser considerado livre. Agora, se o homem
“deve” à natureza e a si mesmo (esta é a obscura noção marxiana de ser-por-si-mesmo) sua
existência isso significa que ele é livre, logo, não deve a ninguém. Dever à natureza significa
fazer parte dela.

O “ser-por-si-mesmo da natureza do homem” marxiano – o homem


que não é contrapartida animal de uma série de ideais morais abstratos
– não é, por natureza, nem bom nem mal; nem benevolente, nem
malevolente; bem altruísta nem egoísta; nem sublime nem bestial etc.;
mas simplesmente um ser natural cujo atributo é: a “automediação”.
Isso significa que ele pode fazer com que ele mesmo se torne o que é
em qualquer momento dado – de acordo com as circunstâncias
predominantes –, seja isso egoísta ou o contrário (MÉSZÁROS, 2008.
p. 151).
Seja no egoísmo ou no altruísmo, nenhuma dessas definições pode existir sem sua
contraposição. Portanto, independente do lado da moeda que o filósofo moral escolher sempre
incorrerá num sistema ético dualístico. Não podemos negar que ambos os lados são inerentes
à natureza.

2. OS LIMITES DA LIBERDADE

Devemos descartar os dois lados da moeda como abstrações vazias? É claro que não. Ora, se
o ser “automidiador” se transforma naquilo que é, sob determinadas circunstâncias, logo, o
importante é questionar quais foram os motivos que levaram o homem a se tornar um “ser
egoísta”.
O intuito objetivo dessa interrogação é a modificar o processo responsável pela
produção de seres egoístas. Contudo, opor ao “homem egoísta por natureza” uma concepção
de “homem benevolente por natureza” não representa nada mais do que atribuir novas
características místicas a noção de homem.

O dualismo é transparente nas concepções utópicas: a solução


idealizada rigidamente à realidade rejeitada. E como a idealidade e a
realidade não são concebidas como membros de uma inter-relação
dialética, o abismo da oposição dualista, não-dialética, tem de ser
atravessado por alguma suposição arbitrária, como, por exemplo, a
suposta natureza benevolente do homem (MÉSZÁROS, 2008. p. 152).

A única maneria de escapar do transcendentalismo e do dualismo é enxergar deixar de


lado as suposições preconceituosas a respeito do homem – deixando de culpá-lo a priori, bem
como não pensando nele como inocente antes de mais nada –, entendendo-o meramente como
um ser natural.
Marx satiriza tanto os teólogos que procuram explicar o mal do homem pelo “pecado
original”, quando os filósofos morais que afirmam ter encontrado a gênese do comportamento
humano, porém associam a natureza humana à características fixas e a prioristicas. Tudo isso
são apenas suposições a-históricas.
O ser humano precisa ser pensado enquanto um ser passível de necessidades e dotado
de poderes – ambos, é claro, sujeitos a transformação e desenvolvimento.
“Assim, se o homem é um ser natural com uma multiplicidade de necessidades, a
plenitude humana – a realização da liberdade humana – não pode se r concebida como uma
abnegação ou subjugação dessas necessidades, mas apenas como sua satisfação propriamente
humana” (MÉSZÁROS, 2006. p. 153).
Todavia, vale ressaltar que o ser humano está condicionado a trabalhar “para sua
própria sobrevivência”, portanto, a liberdade humana não pode ser realizada sem levar isso
em conta.
Nesse sentido, está limitação deve ser afirmada como fonte da liberdade humana – não
como obstáculo como faziam os filósofos transcendentalistas.
Tais conclusões garantem a Marx o título de filósofo antiteológico dentro das
discussões morais. As referências antiteológicas dele são inspiradas em sua leitura da
“Essência do cristianismo” de Feuerbach, bem como da compreensão da sua distância do
pensamento deste filósofo. Marx ingressou na polêmica antiteológica, porque pretendia
compreender o homem enquanto um “ser independente”, um “ser-por-si-mesmo da natureza”.
Numa palavra, queria desenvolver um sistema moral boseado na ontologia monistas,
pretensão que necessitava criticar a teologia dualista para se realizar – esta que, por sua vez,
era a negação do que Marx chamava de “universalidade ou essencialidade” do homem.
Porém:

Definir o homem como um ser essencial negando a teologia e a


propriedade privada, isto é, em termos de referências anticapitalistas e
antiteológicas, é uma negação da negação. Uma tal negação da
negação não é ainda de modo algum “automediadora”, porque ela
afirma a essencialidade e a universalidade do homem por meio de
negar a sua negação, tanto pela teologia quando pela propriedade
privada (MÉSZÁROS, 2008. p. 154).

Contudo, somente vevenciaremos uma moral verdadeiramente natural quando todas as


imagens teológicas e referentes a propriedade privada forem obliteradas da concepção do
homem enquanto ser universal-essencial.

3. ATRIBUTOS HUMANOS

Não é necessário fichar.

4. A ALIENAÇÃO DOS PODERES HUMANOS

Não é necessário fichar.

5. MEIOS E FINS, NECESSIDADE E LIBERDADE: O PROGRAMA


PRÁTICO DA EMANCIPAÇÃO HUMANA

Se a tarefa é prática, as soluções provenientes dela precisa ser também prática. Kant
incidiu em armadilhas autoimpostas pela sua abstrata moralidade transcendental. “Desse
modo, se quisermos evitar uma contradição semelhante, devemos compreender que o único
poder capaz de superar praticamente (‘positivamente’) a alienação da atividade humana é a
própria atividade humana autoconsciente” (MÉSZÁROS, 2006. p. 165).
Parece que caímos num círculo vicioso, pois se a “alienação da consciência” surge do
trabalho alienado, como é possível superá-la através da “atividade humana autoconsciente” - a
qual representa um “fim em si mesmo” e não um “meio para um fim”? Embora tal percepção
desta contradição seja mítica, não passa de aparência e, ao mesmo tempo, surge de um ponto
de vista mecanicistas no que diz respeito a relação entre “meio e finalidade”.
Antes de mais nada, a questão da autoalienação da atividade humana precisa se afastar
das suposições que definem a alienação enquanto um fenômeno estático e homogêneo. Se isso
não for feito, todos os possíveis remédios se tornam vazios e todo movimento é extirpado da
reflexão. Em outras palavras, dentro de uma suposta “totalidade estaticamente alienada” não
há nada que possa ser feito para superá-la. Aliás, não seria possível nem ao menos se ter
consciência do problema da alienação, por isso, “a consciência de uma totalidade
absolutamente estática” é uma contradição em termos.
Portanto: “A alienação é um conceito inerentemente dinâmico: um conceito que
necessariamente implica mudança. A atividade alienada não produz só a ‘consciência
alienada’, mas também a ‘consciência de ser alienado’” (MÉSZÁROS, 2006. p. 166). Isso não
só opõe-se a noção de totalidade estática alienada, bem como deixa em evidencia a
necessidade de transcendência da alienação.
Faz-se necessário ressaltar que o “educador que precisa também ser educado”, está
sujeito a alienação como qualquer outro sujeito.
Max como educador é ao mesmo tempo produto de uma sociedade
alienada: seu ensino expressa uma relação específica com um objeto
alienado específico, historicamente concreto. A posição segundo a
qual “um reflexo alienado da auto-alienação não é autoconsciência,
mas autoconsciência alienada” implica o corolário: “um reflexo
verdadeiro da auto-alienação, por mais verdadeiro que seja, não é a
autoconsciência de um ser não-alienado, mas a autoconsciência de um
ser em estado de alienação” (MÉSZÁROS, 2006. p. 166 – 7).

É nesse sentido que Marx, atuando dentro da densa teia alienada da sociedade,
representa um ser prático que atua praticamente contra o fenômeno da alienação. Contudo,
seu programa não pode ser confundido com uma manifestação não-alienada. Agora, a partir
do momento que a sua proposta se torna realidade, durante o processo prático de superação da
alienação, deixa de ser um mero reflexo desenvolvido dentro da sociedade alienada, ou
utilizando a própria linguagem marxiana: não atua mas como uma negação da negação.

A “verdadeira autoconsciência” de uma realidade da qual a alienação


tenha desaparecido inteiramente não deve ser confundida com o
programa original de Marx, porque este último definiu-se numa
relação específica com a alienação (enquanto sua negação) que falta à
primeira. A verdadeira autoconsciência de uma tal sociedade não pode
ser, então sua consciência como a de uma “sociedade não-alienada”,
mas simplesmente a consciência de uma “sociedade humana”. (…) Se
concebermos, portanto uma sociedade na qual a alienação foi
totalmente superada, não há lugar nela para Marx. Ela não teria, é
claro, nenhuma necessidade de “educadores” (MÉSZÁROS, 2006. p.
167).

Contudo, imaginar a sociedade não-alienada com finalidade última da humanidade


seira muito controverso. Uma alternativa mais interessante para a questão do desenvolvimento
humano é a relação dialética entre a continuidade e a descontinuidade.
A superação da alienação através da prática humana autoconsciente jamais se limitará
a um mero movimento inerte, por exemplo a de um simples relação entre meios e fins.
Também não está apenas sujeita ao mecanicismo inerente às forças que regulam o
deslocamento de duas bolas de bilhar após uma colisão. Muito menos é uma expressão
isolada, ao contrário, depende de um abrangente processo de interações promotoras de
mudanças estruturais em todos os aspectos particulares da vida humana em sua totalidade.
A atividade humana se torna alienada a partir do ponto que começa a segregar “meios”
e “fins”, “vida pública” e “vida privada”, “ser” e “ter”, “fazer” e “pensar”, etc. Nestas
condições, em vez da nossa autoconsciência atingi a “consciência genérica”, metamorfiza-se
em consciência atomizada (lê-se abstrata, alienada e limitada a satisfação privada). Em outras
palavras, aquilo que definia a atividade humana como livre, distinguindo o homem dos
demais animais, a saber: seu caráter “automediador” (lê-se autocriativo e duplamente fruído)
não passa, agora, de um mero meio para realização de um fim abstrato.
A negação da alienação então não é uma negatividade vazia, muito pelo contrário, é
uma afirmação positiva de uma relação na qual os sujeitos estão em oposição efetiva uns com
os outros.
Se obliterarmos um único lado desta oposição nossa atitude ainda seria demasiado
fictícia, haja vista que tornar absoluto qualquer um dos dois lados – isto é, transformar o
homem num “sujeito público abstrato” ou num “consumidor privado” – é privar o ser humano
de sua individualidade, é chegar no “homem-mercadoria”.
Quando Marx fala em “homem rico” ele tem em mente que o ser humano necessita de
uma totalidade de expressões humanas de vida. Esse é provavelmente o critério mais básico
para a análise moral das relações humanas.
Ao falar do “poder de governo” (lê-se poder de compra frente ao qual ninguém pode
se opor) do capital sobre o trabalho, Marx se indigna profundamente, pois ele – afastando-se
de toda e qualquer concepção abstrata de “justiça” – desta que o capitalista monopoliza tal
poder, não por conta das suas qualidades humanas, mas apenas pelo fato de ser o proprietário
do capital.
Para a filosofia marxiana, nada pode ser considerado moral a menos que atue para a
realização da atividade essencial do homem, enquanto sua necessidade interior.
“Em abstração do indivíduo real. Em outras palavras: a ‘apropriação humana sensível’
ou ‘autoconfirmação’ é inconcebível sem o gozo humano individual” (MÉSZÁROS, 2006. p.
169). Só o homem consegue levar a cabo a união de opostos (lê-se a vida pública e a vida
privada, o pensar e o fazer, etc.). Esta união não pode ser unilateral, ou seja, é necessário que
a vida privada serja embasada socialmente, na mesma proporção que a vida pública seja
personalizada. Não basta o nosso consumo passivo se tornar criativo, mas é crucial que a
nossa produção torne-se fruição e; não é suficiente que o pensar pautado na abstração seja
metamorfoseado em pensamento concreto (lê-se que seja pautado em necessidade reais), mas
é igualmente importantíssimo que o “fazer” humano deixe de ser coercitivo e inconsciente,
transformando-se em atividade livre e autoconsciente.
Nesse sentido, nos deparamos com a contradição entre fins e meios ou entre liberdade
e necessidade, a qual, segundo Engels, implica na “reconcilição da humanidade com a
natureza e consigo mesma”. Jamais podemos falar em liberdade quando nossa atividade é um
simples meio para se realizar um fim, pois aquilo que se manifesta nestas condições são
potências exteriores as manifestações humanas. Tal antagonismo jamais será superado
enquanto o trabalho continuar representando um mero meio para se alcançar um fim e não um
fim em si mesmo.
É justamente por isso que Marx compreende a “liberdade como uma ‘necessidade
interior’” e “não exige um ‘reconhecimento da necessidade’ abstrato e conceitual, mas sim
uma necessidade positiva51”.
Portanto, a liberdade se evidencia como uma necessidade positiva (lê-se concreta e
interior) e nestas condições o trabalho se torna fruição, isto é, auto-realização da plenitude
humana. A liberdade não é um elemento estranho e que oferece impedimento aos poderes
humanos. Também não é “imperativo categórico” abstrato e exterior ao homem, muito pelo
contrário, é uma necessidade positiva e efetivamente humana, bem como manifesta-se no
trabalho humano.

6. LEGALIDADE, MORAL E EDUCAÇÃO

O órgão da moral como automediação do homem em sua luta pela


auto-realização é a educação. E a educação é o único órgão possível
de automediação humana, porque a educação – não num limitado
sentido institucional – abarca todas as atividades que podem se tornar
uma necessidade interna para o homem, desde as funções humanas
mais naturais até as mais sofisticadas funções intelectuais. A educação
é uma questão inerentemente pessoal; interna; ninguém pode educar-
nos sem nossa própria participação ativa no processo. O bom
51
Ibidem. p. 170.
educador é alguém que inspira a auto-educação. Apenas nessa relação
pode-se conceber a superação da mera exterioridade na totalidade das
atividades vitais do homem (MÉSZÁROS, 2006. p. 172).

Vale ressaltar que tal superação não é um fenômeno estático dentro da histórica, em
vez disso, consiste num processo perene expresso em inúmeras fases qualitativamente
diferentes.

VII. ASPECTOS ESTÉTICOS

1. SIGNIFICADO, VALOR E NECESSIDADE: UM QUADRO


ANTROPOMÓRFICO DA AVALIAÇÃO

Não é necessário fichar.

2. O CONCEITO DE REALISMO DE MARX

Não é necessário fichar.

3. A “EMANCIPAÇÃO DOS SENTIMENTOS HUMANOS”

Não é necessário fichar.

4. PRODUÇÃO E CONSUMO E SUAS RELAÇÕES COM A ARTE

Não é necessário fichar.

5. A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO ESTÉTICA

Não é necessário fichar.

SIGNIFICAÇÃO CONTEMPORÂNEA DA TEORIA DA ALIENAÇÃO DE


MARX

VIII. A CONTROVÉRSIA SOBRE MARX

Não é necessário fichar.

1. A EVOLUÇÃO INTELECTUAL DE MAX

Evidentemente é impossível tratar aqui todos os conflitos interpretativos presente nas


obras de Marx, por isso nos preocupamos aqui em destacar apenas as mais importantes.
A primeira delas diz respeito ao lugar das primeiras obras do filósofo no sistema
marxiano como um todo. Depois da publicação dos “Manuscritos econômico-filosóficos”
[1844], alguns pensadores defenderam a fragmentação de Marx em dois momentos, isto é: o
da “juventude” (lê-se quando ela refletia sobre a questão da alienação) e o da “maturidade”
(lê-se quando ele se preocupou com o desenvolvimento do socialismo cientifico). O mais
intrigante dessa segregação é que seus próprios partidários tinham pontos de vista distintos.
Havia, por um lado, aqueles que idealizavam as primeiras obras de Marx em detrimento dos
seus últimos escritos; enquanto, por outro lado, existiam os que rejeitavam os primeiros textos
de Marx –taxados de idealista –, considerando apenas a importância das suas obras mais
recentes.
A esse respeito John Macmurray contribuiu significativamente:

Os comunistas tendem a interpretar mal essa primeira fase... Inclinam-


se naturalmente a ler estes escritos a fim de encontrar neles um reflexo
de sua própria teoria… e… rejeitam como aberrações de juventude os
elementos que não se enquadram no resultado final. Isso é altamente
não-dialético, é claro. Seria igualmente uma incompreensão sobre
Marx separar os estágios iniciais de seu pensamento com relação a sua
conclusão… (MACMURRAY, 193552 apud MÉSZÁROS, 2006. p.
198).

Ainda assim, a interpretação não dialética de Marx, criticada por Macmurray, não
perdeu forças, em vez disso, expandiu-se.
Alguns pensadores chegaram a defender que a teoria da alienação de Marx deixava de
existir em suas obras da maturidade. A fim de defender essa tese, tais filósofos se apoiaram
em trechos presentes na “Ideologia alemã” e no “Manifesto do partido comunista”. O
primeiro deles é o seguinte: “Esta ‘alienação’ (para usarmos um termo compreensível aos
filósofos) só pode ser superada, evidentemente, sob dois pressupostos práticos53”. E o
segundo completa: “O processo inteiro foi, então, apreendido como processo de auto-
alienação do ‘Homem’”54. O tradutor para o inglês desta obra afirma que na Ideologia alemã
há uma suposta “opinião final” sobre o conceito de auto-estranhamento, enquanto nos
Manuscritos havia uma espécie de “luta com esse conceito, atribuindo-lhe uma nova
significação”55.
Essa oposição é muito equivocada, pois representa uma interpretação demasiado
dramática dos textos de Marx. Na realidade, não há nenhuma “oposição final” na Ideologia
alemã, muito menos uma “luta conceitual” nos Manuscritos com relação a questão da
alienação, a tal ponto de invalidar a importâncias dos textos escritos por Marx em 1844.

Marx deixou claro, mais de uma vez, em seus Manuscritos


econômico-filosóficos, que toma como ponto de partida a linguagem
da economia política a fim de resgatar suas contribuições, que
permaneciam ocultas aos próprios economistas políticos, bem como
para criticá-los em seus próprios termos. Ele adotou exatamente a
mesma atitude em relação à filosofia idealista [grifos meus]
(MÉSZÁROS, 2006. p. 198 – 9).

52
John Macmurray, The early development of Karl Marx’s thought. IN: Christianity and the social revolution.
Londres: Victor Gollancz, 1935. p. 209 – 10.
53
Karl Marx & Fredrich Engels, The german ideology. Nova York: International Publishers, 1947. p. 24.
54
Ibidem. p. 68.
55
Ibidem. p. 202.
Nesse sentido, Marx não poderia deixa de lado o conceito de alienação, haja vista que
fazer isso seria o mesmo que abdicar um conquista histórica real – cerne da filosofia
hegeliana – ainda que ela estivesse impregnada de mistificação.
Sobre a segunda citação, uma leitura mais atenta do trecho completo nos mostra que
ela também não indica abando da noção de “auto-estranhamento”:

Os indivíduos que estão mais subsumidos à divisão do trabalho foram


representados pelos filósofos como um ideal sob o nome “o Homem”,
e todo este processo que aqui expusemos foi apreendido como o
processo de desenvolvimento “do Homem”, de modo que “o Homem”
foi, em cada fase histórica, furtivamente introduzido por sob os
indivíduos procedentes e apresentados como a força motriz da história.
O processo inteiro foi, então, apreendido como processo de auto-
alienação “do Homem”, e isso ocorreu essencialmente porque o
indivíduo médio da fase posterior [foi] sempre introduzido sub-
repticiamente na fase anterior e a consciência posterior nos indivíduos
da fase anterior. Com essa inversão, que desde o início abstrai as
condições reais, foi possível transformar a história inteira num
processo de desenvolvimento da consciência56.

Visivelmente, o que Marx põe em cheque aqui não é o fenômeno do auto-


estranhamento, mas a mistificação filosófica que obscurece o individuo real (construído
sócio-historicamente) pela ilusão idealista do homem abstrato, assim, o estranhamento efetivo
do homem real (sujeito social) é ofuscada pelo estranhamento da consciência.
A citação do Manifesto é igualmente esclarecedora:

Os literatos alemães… Introduziram suas insanidades filosóficas no


original francês. Por Exemplo, sob a crítica francesa das funções do
dinheiro, escreveram “alienação da essência humana”; sob a crítica
francesa do Estado burguês, escreveram “superação do domínio da
universalidade abstrata”, e assim por diante.
(…) nas mãos dos alemães essa literatura tinha deixado de ser
expressão da luta de uma classe contra a outra, eles se felicitaram
por terem-se elevado acima da “estreiteza francesa”, e terem
defendido não verdadeiras necessidades, mas a “necessidade da
verdade”; não os interesses do proletariado, mas os interesses do
ser humano, do homem em geral, do homem que não pertence a
nenhuma classe nem a realidade alguma e que só existe no céu
brumoso da fantasia filosófica (MARX&ENGELS, 199857 apud
MÉSZÁROS, 2006. p. 199).

Assim, evidencia-se novamente que a crítica marxiana não se aplica à noção de


alienação, mas ao uso idealista desta, responsável pelo velamento do seu conteúdo social e
concreto, bem como da força prática da sua crítica. Em síntese, aquilo que está sendo
refutado não é a noção de homem – enquanto individuo social, histórico e material, presente
nos textos escritos por Marx em 1844 – em vez disso, é a ficção do “ser humano” – enquanto
56
Ibidem p. 68.
57
Karl Marx & Fredrich Engels. Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 1998. p. 62 – 3.
“homem em geral”, defendido pelos seus adversários – a qual só existe no “melhor dos
mundos da fantasia filosófica”. Faz-se necessário ressaltar que estas observações já estão
presentes na Crítica da filosofia do direito de Hegel – Introdução:

Mas o homem não é um ser abstrato, acocorado fora do mundo. O


homem é o mundo do homem, o Estado, a sociedade.
(…)
Onde existe então, na Alemanha, a possibilidade positiva de
emancipação?
Eis a nossa resposta: Na formação de uma classe que tenha cadeias
radicais, de uma classe na sociedade civil que não seja uma classe da
sociedade civil, de um estamento que seja a dissolução de todos os
estamentos […] A dissolução da sociedade, como classe particular, é o
proletariado (MARX&ENGELS, 196358 apud MÉSZÁROS, 2006. p.
200).

Ao ler esse texto é surpreendente a semelhanças dos escritos da juventude de Marx


com seus textos da maturidade.
É demasiado incerto afirmar que até 1845 Marx se interessava pela reflexão sobre a
alienação, porém, depois desse período, tal discussão foi abandonada e sua atenção
concentrou-se somente nas questões referente ao proletariado. Na realidade, a dedicação de
Marx em analisar o proletariado enquanto classe social é a mesma que ele depositou sobre os
seus estudos sobre a questão da “emancipação humana geral” – programa perceptível na
“Crítica da filosofia do direito de Hegel – Introdução”, obra de sua juventude. Aliás, tal
programa é outra forma para se pensar na “transcendência prática da alienação” – discussão
também inaugurada nos seus primeiros escritos.
Prosseguindo com as polêmicas: se a transcendência da alienação continuou no
programa de Marx após suas obras escritas em 1844, por que a “palavra” alienação foi
abandonada? Na realidade, a nem o conceito nem a palavra alienação – bem como todos os
seus sinônimos Enfremdung, Entäusserung, Verselbständigung, Fetichismus, entre outros –
desapareceram das obras e do pensamento marxiano, muito pelo contrário, ele chegou a usá-la
durante toda a sua vida. Sigamos com alguns exemplos:

Na Ideologia alemã

(…) die eigne Tat des Menschen ihm zu einer Fremden,


gegenüberstehenden Macht wird, die ihn unterjocht, statt dass er sie
beherrscht.

(…) a própria ação do homem torna-se um poder que lhe é estranho


e que a ele é contraposto, um poder que subjuga o homem ao invés
de por este ser dominado.

(…) wird dies als ein ihnen “fremdes” und von ihnren
“unabhängiges”, als ein selbst wieder besonderes und eigentümliches
“Allgemein”-Interesse geltend gemacht, oder sie selbst müssen sich in
diesem Zwiespalt bewegen, wie in der Demokratie.

58
Karl Marx. Crítica da filosofia do direito de Hegel – Introdução. IN: Crítica da filosofia do direito de Hegel.
Op. Cit., p. 145, 151 e 155 – 6.
(…) que o interesse coletivo é transformado num interesse “estranho”
aos indivíduos e deles “independentes”, um interesse “geral”
especial e particular, ou então os próprios indivíduos têm de mover-se
em meio a esta discórdia, como na democracia.

Duas observações podem ser extraídas destas citações: Em primeiro lugar, Marx deixa
claro que os interesses particulares e os interesses comuns dos indivíduos não são idênticos,
bem como os sujeitos não devem buscar unicamente a satisfação dos seus interesses privados,
pois isso os impossibilita de fruir seus verdadeiros interesses comuns, o que, por sua vez, os
limita a vivência alienada do “interesse geral” abstrato. Em segundo lugar, a exposição
abstrata dos verdadeiros interesses comuns do ser humano, enquanto expressão de algo
distinto do indivíduo real esconde a verdadeira alienação, a saber: a auto-alienação do
homem na qualidade de u espécie de separação do seu interesse privado do coletivo. E, é
justamente nesse sentido que encontramos os fundamentos da mistificação da alienação por
parte dos filósodos como uma “alienação do Homem”. Contudo:

O homem verdadeiro é o “wirklecher historischen Mensch”, a quem o


interesse comum, na verdade, “pertence” – ou seja, é inseparável de
sua natureza como ser individual – mesmo que numa determinada
situação histórica se lhe contraponha em uma forma alienada. É por
isso que podemos pensar na alienação como algo possível de ser
superado (MÉSZÁROS, 2006. p. 202).

No Manifesto Comunista

“der Macht über fremde Arbet”; Der Kommunismus nimmt keinen


die Macht, sich gesellschftliche Produkte anzueignen, er nimmt nur
die Macht, sich durch diese Aneignung fremde Arbeit zu
unterjochen”.

“o domínio sobre o trabalho alienado”; “O comunismo não priva


ninguém do poder de se apropriar de sua parte dos produtos sociais;
apenas suprime o poder de subjulgar o trabalho de outros por meio
dessa apropriação”.

No Trabalho assalariado e capital

Je rascher die Arbeiterklasse die ihr feindliche Macht, den fremden, über sie gebietenden
Reichtum vermehrt und vergrössert, unter desto günstigeren bedingungen wird ihr erlaubt,
von neuem an der Vermehrung des bürgerlichen Reichtums…

Dizer que a condição mais favorável para o trabalho assalariado é o crescimento tão rápido
quanto possível do capital produtivo é o mesmo que dizer que quanto mais a classe operária
aumentar e fizer crescer o poder inimigo dela, a riqueza alheia que manda nela, tanto mais
favoráveis se tornarão as circunstâncias em que voltará a trabalhar para o crescimento da
fortuna burguesa…59

No Esboço de uma crítica da economia política (Rohenteurf)


59
Karl Marx. Trabalho assalariado e capital. São Paulo: Global, 1980. P. 37 – 8.
Der Ton wird gelegt nicht auf das Vergegenständlichtseinsondem das
Entfremdet Entäussert, Veräussertsein, das Nicht-dem-Arbeiter,
sondern den personifizierten Produktionsbendingungen, i.e. dem-
Kapital-Zugehören der ungehueren gegenständlichen Macht, die die
gesellschaftliche Arbeit selbst sich als eins ihrer Momente
gegenübergestellt hat. (...) Die bürgerlichen Ökonomen sind so
eingepfercht in den Vorstellungen einer bestimmten historischen
Entwicklungsstufe Mächte der Arbeit ihnen unzertrennbar erscheint
von der Notwendigkeit der Enfremdung derselben gegenüber der
lebendigen Arbeit…

A ênfase não recai no ser objetivado, mas no ser alienado,


externalizado; sobre o fato de que o imenso poder objetivo criado
pelo trabalho social, como um de seus momentos, é usado contra si
próprio, não pertence ao trabalhador, mas às condições personificadas
de produção, isto é, ao capital. (…) Os economistas burgueses estão
de tal modo atados às representações de uma fase histórica
determinada do desenvolvimento social que aos seus olhos a
objetivação necessária dos poderes sociais do trabalho é inseparável
da necessária alienação dessa última, em relação ao trabalho vivo…60

Nas Teorias da mais-valia

Der Zins na sich drückt also grade das Dasein der Arbeitsbedingungen
als Kapital in ihrem gesellschaftlichen Gegensatz und ihrer
Metamorphose als persönliche Mächte gegenüber der Arbeit und über
die Arbeit aus. Er resümiert den entfremdeten Charakter der
Arbeitsbedingungen im Verhältnis zur Tätigkeit des Subjekts. Er stellt
das Eigentum des Kapitals order das close Kapitaleigentum als Mittel
dar, dieProdukte fremder Arbeit sich anzueignen als Herrschaft über
fremde Arbeit.

O juro em si expressa precisamente o estado das condições de


trabalho como capital, em oposição social ao trabalho, e suas
metamorfoses como poderes pessoais, em contraposição ao trabalho.
Resume o caráter alienado das condições de trabalho em relação à
atividade do sujeito – como meio de se apropriar dos produtos do
trabalho alheio, dominar o trabalho alheio.

No Capital

Da vor seinem Eintritt in den Prozess seine eigne Arbeit ihm selbst
entfremdet, dem Kapitalisten angeeignet und dem Kapital einverleibt
ist, vergegenständlicht sie sich während des Prozessses beständig in
fremden Produkt. (…) Der Arbeite selbst produziert daher beständig
den objektiven Reichtum als Kapital, ihn fremde, ihn beherrschende
und ausbeutende Macht…

60
Karl Marx. Rohentwurf. P. 716.
Como, antes de entrar no processo, seu próprio trabalho já lhe foi
alienado pela venda de sua força de trabalho, foi apropriado pelo
capitalista e incorporado ao capital, ele deve, durante o processo, ser
realizado num produto que não lhe pertence. (…) O trabalhador,
portanto, produz constantemente riqueza material, objetiva, mas na
forma de capital, de um poder alheio que o domina…

(…) verstümmeln den Arbeiter in einen Teilmenschen, entwürdigen


ihn zum Anhängsel der maschine,vernichten mit der Qual seiner
Arbeit ihren Inhalt, entfremden ihm die geistigen Potenzen des
Arbeitsprozesses im selben Mass, worin letzterem die Wissenschaft
als selbständige Potenz einverleibt wir…

(…) eles [os métodos de produção] transformam o trabalhador num


homem fragmentado, degradando-o ao nível de apêndice de uma
máquina, destroem todo resto de interesse de seu trabalho e o
transformam num sacrifício odiado; alienam-no do potencial
intelectual do processo de trabalho, na mesma proporção em que a
ciência é incorporada nele como um poder independente…

Das Kapital zeigt sich immer mehr als gesellschaftliche Macht, (…)
aber als enfremdete, verselbständigte gesellschaftliche Macht, die
als Sache, und als Macht des Kapitalisten durch diese Sache, der
Gesellschaft gegenübertritt.

O capital surge, cada vez mais, como uma força social… mas se trata
de uma força social alienada, independente, que se opõe à
sociedade como um objeto (Sache) e como um objeto que é a fonte
de poder do capitalista.

A esse ponto de nossa exposição, isto é, após a leitura destas citações, provavelmente
ficou claro que a noção de alienação presente nos Manuscritos jamais desapareceu do
pensamento e dos escritos de Marx. Na realidade, em vez disso, representa uma espécie de
pilar fundador dentro de toda a teoria marxiana, por isso, abandoná-lo significaria implodir
todo o edifício teórico de Marx, levantando em seu lugar apenas um muro. Muito fizeram esse
processo, tentando erguer suas supostas “teorias científicas” por meio da demolição do
sistema teórico marxiana. Não caiamos nessa armadilha.

2. TEORIA DA ALIENAÇÃO E FILOSOFIA DA HISTÓRIA

Não é necessário fichar.

3. EVOLUÇÃO INTELECTUAL DE MARX

A crítica segregação do “jovem Marx contra o Marx maduro” não representa uma
negação da evolução intelectual de Marx, antes disso, significa a recusa da existência de uma
ruptura radical entre o Marx dos Manuscritos de 1844 e o Marx depois desse tratado.
Evidentemente aqui não é o melhor lugar para discutirmos profundamente o
desenvolvimento intelectual de Marx, por isso nos ateremos em quatro dos principais aspectos
deste.
Em primeiro lugar, a questão da alienação só influenciou substancialmente o
pensamento marxiano a partir de 1843 – mais especificamente entre 1843 – 44, aliás, uma
influência que transcende a discussão vulgarizada do combate entre os “idealismos” contra os
“materialismos”.
Para temos uma ideia basta lermos a Crítica da filosofia do direito de Hegel –
Introdução onde ele diz: “a crítica do céu transforma-se deste modo em crítica da terra, a
crítica da religião em crítica do direito, e a crítica da teologia em crítica da política 61”.
Contudo, essa preocupação com a união da filosofia com a prática permanecia, neste
momento, ainda demasiadamente genérica. Além do mais, se a crítica marxiana permanecesse
neste nível abstrato de generalização dificilmente exerceria grande influência nos processos
sociais e na intelectualidade, tal como conseguiu exercer posteriormente.
Os Manuscritos de 1844 deram um grande passo na reflexão marxiana, pois
reconheceu o fenômeno do “trabalho alienado” (lê-se a forma alienada da atividade humana
prática) como o cerne de todas as demais alienações – religiosa, jurídica, moral, artística,
política, entre outras –, apoiando os fundamentos da sua teoria concretamente. O conceito de
“auto-alienação do trabalho” destacava a importância da crítica à economia como base para
criticar todas as outras formas alienações humanas. Desse modo, a crítica presente na
Introdução de 1843, a qual transitava da crítica da teologia para a da política; agora, nos
Manuscritos de 1844, migrava da crítica à política para a crítica à economia. Portando, a
inicial abstração presente nas ideias marxianas foi superada, haja vista que o filósofo não
precisava mais defender obscuramente a união entre teoria e prática, em vez disso, foi capaz
de evidenciar de modo prático, como realizar esse programa revolucionariamente.
No final das contas, esperamos ter deixado claro o quão central é o conceito de
alienação na teoria de Marx e, igualmente, o quão infundado é o argumento dos que afirmam
que ele abandonou as reflexões sobre a alienação quando passou a se preocupar com a crítica
da economia política. Na verdade, aconteceu justamente o contrário, ou seja, quando Marx
percebeu que a alienação econômica era o fundamento de todas as derivações da alienação,
não foi mais possível ignorar o potencial deste conceito na sua teoria, bem como sua crítica à
economia política foi enriquecida como nunca pela sua crítica filosófica.
Em segundo lugar, precisamos deixar claro a influência de Feuerbach no pensamento
marxiano, principalmente durante o intervalo de 1843 – 44. Posicionamentos muito
exagerados definem Marx, nessa época, como um simples discípulo de Feuerbach.
Entretanto, existem cartas de Marx à Feuerbach que mostram diferenças substanciais
entre estes autores, principalmente na questão da crítica à sociedade que, em Marx, se
manifesta enquanto crítica à política.
É possível que Marx sinceramente almejasse o apoio de Feuerbach em sua crítica da
ordem estabelecida, mas também é provável que procurasse apenas um poderoso aliado, o
qual, pouco a pouco, poderia mobilizar ao radicalismo revolucionário. Contudo, seja como
for, Feuerbach jamais ofereceria aquilo que Marx procurava.

Na verdade, o próprio Marx tinha perfeita consciência da diferença


qualitativa entre suas aspirações e as realizações efetivas de
Feuerbach. Já na “Introdução”, ele deixou claro que a crítica
feuerbachiana era apenas uma preliminar necessária à tarefa
fundamental, à “crítica da terra”, como ele diz (MÉSZÁROS, 2006. p.
216).

Somente quando Marx criticou a filosofia hegeliana foi onde se abriu espaço para as
ideias de Feuerbach no pensamento marxiano.

61
Karl Marx. Op. cit., p. 146.
Todos os elementos críticos presentes nas Teses sobre Feuerbach (1845) já se
encontram, ainda que implicitamente, nos Manuscritos de 1844. Depois que Marx percebeu a
impossibilidade de incentivar Feuerbach a levar a cabo uma crítica radical e prática da
realidade, tornou explicita sua crítica a ele. Marx adotou essa mesma postura frente a outros
dos seus contemporâneos e, mesmo assim, jamais compartilhou de suas ilusões e opiniões.
Feuerbach não poderia apoiar a Marx, pois a noção de um ataque prático à sociedade
era muito parcial em sua filosofia – desconhecia inclusive a existência de relações sociais de
produção. Ainda assim, a fim de conhecer os limites reais da filosofia Feuerbach era
necessário o apoio ativo dele para realizar o ataque prático e radical da ordem social vigente e
de seus defensores como Schelling.

Pode-se argumentar que Marx tenha ilusões sobre Feuerbach em 1844.


Seria, porém, um erro lógico elementar equiparar as ilusões de Marx
sobre Feuerbach às ilusões do próprio Feuerbach. E é precisamente
esse o erro que encontramos, quando lemos que o conceito de
“homem” usado por Marx nos Manuscritos econômico-filosóficos é o
“homem genérico” feuerbachiano (MÉSZÁROS, 2006. p. 218).

Em terceiro lugar, o fenômeno da alienação é uma noção sintética, ou seja, quando


pretendemos explica-la não é obrigatório o uso do termo “alienação”. Isso fica mais claro no
seguinte trecho do Trabalho assalariado e capital:

(…) o trabalho mesmo é a atividade própria do operário, a sua maneira


específica de manifestar a vida. E é essa atividade vital que ele vende
a um terceiro para conseguir os necessários meios de subsistência.
Quer isto dizer que a sua atividade vital não é mais do que um meio
para poder existir. Trabalha para viver. Para ele, o trabalho não é uma
parte da sua vida, é antes um sacrifício da sua vida. É uma mercadoria
que outros utilizarão. Por isso também, o produto da sua atividade não
é o objeto de sua atividade. O que o operário produz para si não é a
seda que tece, não é o ouro que extrai das minas, não é o palácio que
constrói. O que ele produz para si é o salário… (MARX, 198062 apud
MÉSZÁROS, 2006. p. 218 – 19).

Nesta obra encontramos alguns aspectos fundamentais da alienação, os quais, aliás, já


foram trabalhados nos Manuscritos de 1844, a saber: “a perda da atividade vital do homem”,
“a metamorfose da atividade vital em mero meio de existência”, o fenômeno da exteriorização
do trabalho humano, responsável pela apropriação do mundo por meio de “salários” abstratos.
Tudo isso é realizado sem a utilização da palavra “alienação”.
Esse fenômeno acontece por algumas razões, por exemplo: Marx poderia ter escrito
deliberadamente desta forma para não se identificar com o “socialismo verdadeiro”, o qual
tinha usado o termo “alienação” a torto e a direita. Também poderia ter escrito desta maneira,
porque escrevia ao Clube dos Operários em Bruxelas, cujos membros não estavam
acostumados com a abstração da discussão filosófica que girava em torno dos termos
Entfremdung e Entäusserung.
Temos de ter nítido em nossas mentes a distinção entre concepção e apresentação. Em
outras palavras, não é possível conceber a teoria marxiana sem o conceito de alienação,
62
Karl Marx. Trabalho assalariado e capital. Op. cit., p. 18.
porém após a concepção da noção de alienação em linhas gerais – como acontece nos
Manuscritos – é imprescindível deixar que o conceito recue durante a apresentação.

A articulação concreta da visão global não poder ser realizada usando-


se sempre o mesmo termo geral: fazer isso resultaria não só em
repetições intermináveis, mas, em última análise, também numa
tautologia colossal. Assim, o recuo do termo geral no curso da
elaboração concreta da problemática complexa da alienação não deve
ser confundido com um abandono do próprio conceito (MÉSZÁROS,
2006. p. 219).

Nesse sentido, não é de se estranhar que nos escritos elaborados por Marx após os
Manuscritos econômico-filosóficos – até aproximadamente 1856 para sermos mais exatos –, a
palavra “alienação” tenha aparecido com menor frequência em relação a sua recorrência nas
obras anteriores.
Em último lugar, outra característica emblemática das obras de Marx é o seu caráter
inacabado, ainda que ele tenha mobilizado todas as suas forças para a elaboração delas. Isso
aconteceu com os Manuscritos, com as Teorias da mais-valia, com os Grundrisse e inclusive
o Capital. Com efeito, isso não pode ser explicado somente por conta da conturbada condição
da sua vida.
A motivação de Marx é mais profunda e está intimamente ligada com seu intuito de
superar a filosofia hegeliana e a economia política através de uma “ciência do homem” –
integrada em sua totalidade, fundamentada empiricamente e realizada praticamente. A fim de
realizar tal síntese abrangente, Marx se inspirou em Hegel, porém este último formulou uma
síntese filosófica demasiado especulativa, enquanto o objetivo marxiano era radicalmente
distinto, a saber: “elaborar o quadro geral de uma ciência humana unificada que integre todas
as aquisições reais do conhecimento humano com as exigências práticas da vida humana”,
além do mais, esta empreitava exigia “o mais alto grau de desenvolvimento em todos os
campos da ciência63”. Nesse sentido, todas as novas conquistas desenvolvidas em âmbitos
particulares impulsionam a total revisão do panorama em sua totalidade, ampliando os limites
alcançados pelas investigações anteriores.

A tarefa, nesta visão marxiana, está claramente além do poder de


qualquer indivíduo particular, não importa quão grande ele seja. O
caráter inacabado do trabalho de síntese decorre inevitavelmente dessa
nova visão da própria síntese, e nesse sentido pode ser considerado,
subjetivamente, inacabável. Num outro sentido, porém, essa visão
proporciona uma tarefa desafiadora às gerações que se seguem. Uma
tarefa de… integração recíproca da teoria e da prática… por meio de
constantes reformulações e superações de esforços anteriores… sem
nunca realizá-lo definitivamente conceito (MÉSZÁROS, 2006. p.
221).

4. TEORIA DA ALIENAÇÃO E FILOSOFIA DA HISTÓRIA

A teoria da alienação em Marx representa a sua “filosofia da história”.

63
István Mészáros. A teoria da alienação em Marx. São Paulo: Boitempo, 2006. p. 220.
“Alienação” e “transcendência” são dois conceitos indissociáveis, no entanto, o que
diabos eles significam?
Aqui é onde encontramos grandes probabilidades da inocorrência de más
interpretações sobre a teoria marxiana. A quimera da “idade de ouro” humana existe há muito
tempo na história da humanidade, no entanto, seria absurdo supor que Marx resolve
definitivamente o problema da Aufhebung por meio da defesa de uma suposta era de ouro
utópica.

Na visão de Marx – que não pode reconhecer nada como


absolutamente final – não pode haver lugar para uma idade de
ouro utópica, nem “ali na esquina”, nem a uma distância
astronômica. Tal idade de outo seria o fim da história, e com isso
o fim do próprio homem (MÉSZÁROS, 2006. p. 221).

Resumamos a discussão realizada até aqui (páginas 221 – 26):


Em primeiro lugar, não é possível garantir a priori como e quando será realizado a
superação prática da alienação, pois isso depende de questões sócio-históricas em jogo.
Em segundo lugar, há alguns perigos indissociáveis ao caráter reificado de certas
formas de intercâmbio humano.
Em terceiro lugar, nenhum tipo de conquista, por mais radical que seja, pode
representar a superação absoluta de todas as formas de Aufhebung.
Tais perigos, entretanto, são passíveis de controle. Os mistificadores negam isso,
congelando a história na etapa capitalista – caracterizada pela completa falta de controle – e
defendendo que as “objetivações” humanas são, essencialmente, incontroláveis. Os perigos e
os potenciais alienantes são transformados em necessidades metafísicas – isto é, são
enxergados como algo fundamental à história, dito de outra forma, a alienação capitalista
passível de transcendência é metamorfoseada numa necessidade absoluta. Portanto: “Dizer
que a ‘alienação é uma dimensão fundamental da história’ é negar a história como um todo.
Uma ‘ontologia’ baseada nos fundamentos dessa negação é apenas uma projeção
mistificadora da alienação capitalista numa escala ‘atemporal’” (MÉSZÁROS, 2006. p. 227).
A potência alienante inseparável de alguns instrumentos e instituições pode ser
controlada, caso estas sejam conscientemente reconhecidas como produções humanas
orientadas a partir de necessidades humanas. Por isso, não é da natureza “ontológica” destes
instrumentos “escapar do nosso controle”, o que está em jogo não são as mediações humanas
de primeira ordem, mas sim as mediações de segunda ordem capitalistas. Na realidade:

Os instrumentos humanos não são incontroláveis sob o


capitalismo por serem instrumentos… mas porque eles são os
instrumentos – mediações de segunda ordem específicas,
reificadas – do capitalismo. Enquanto tais, eles não podem
funcionar, a não ser de forma “reificada”; isto é, controlando o
homem em lugar de serem controlados por ele. Não é, portanto,
a característica universal de serem instrumentos que está
envolvida diretamente na alienação, mas sua especificidade de
serem instrumentos de um certo tipo (MÉSZÁROS, 2006. p. 227).
Exatamente por serem mediações capitalistas de segunda ordem elas pressupõem o
caráter fetichistas da mercadoria, o trabalho assalariado, o fenômeno da reificação, o Estado
Burguês, etc. Portanto, é crucial superá-los radicalmente, isto é: destruir o Estado Burguês; o
fetichismo da mercadoria; o trabalho assalariado; o mercado; a hegemonia cultural burguesa,
etc. Em resumo, o programa prático de superação da alienação capitalista pode ser entendido
como a trocar os instrumentos incontroláveis e reificados do capitalismo por instrumentos
controláveis associados ao intercâmbio humano. Pois, quando os homens passam a organizar
conscientemente seus instrumentos de acordo com seus próprios fins, assim podemos dizer
que o “seu caráter incontrolável” foi superado.

IX. INDIVÍDUO E SOCIEDADE

1. O DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA E O CULTO AO INDIVÍDUO

Não é necessário fichar.

2. INDIVÍDUO E COLETIVIDADE

Não é necessário fichar.

3. AUTOMEDIAÇÃO DO INDIVÍDUO SOCIAL

Não é necessário fichar.

X. A ALIENAÇÃO E A CRISE EDUCACIONAL

Entender uma sociedade somente analisando somente suas formas de troca e de


produção seria algo muito limitador, por isso, é evidente que não possa existir sociedade que
se sustente sem um sistema educacional próprio. Aliás, as sociedades são sempre provenientes
dos atos individuais – desenvolvidos em busca da satisfação de interesses particulares – logo,
estes não entram em choque com o sistema social dominante. Nesse sentido, a “educação
formal” [aquela que temos na escola] representa apenas a ponta do iceberg, tal como Gramisci
ressalta:

Não há nenhuma atividade humana da qual se possa excluir qualquer


intervenção intelectual – o homo faber não pode ser separado do
Homo sapiens. Além disso, fora do trabalho, todo homem desenvolve
alguma atividade intelectual… portanto, contribui para manter ou
mudar a concepção de mundo… (GRAMISCI, 198964 apud
MÉSZÁROS, 2006. p. 263).

64
COUTINHO, C. N. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1989.
p. 7.
Fora a reprodução das inúmeras habilidades sem as quais a produção dos sujeitos
sociais não podem se materializar, a educação também se encarrega de reproduzir os valores
internamente estruturadores dos fins e intuitos das ações individuais. Além do mais, as
relações sociais reificadas do capitalismo não se perpetuam automaticamente, na realidade, os
indivíduos interiorizam os pressupostos gerais da sociedade de mercadorias, entendendo-as
como indiscutíveis. Assim, os sujeitos sociais atuam para a contração de uma “visão de
mundo e um modo específico de troca social”, os quais estão em consonância com o ponto de
vista do capital.

Assim, a transcendência positiva da alienação é, em última análise,


uma tarefa educacional, exigindo um “revolução cultural”, radical
para a sua realização. (…) É por isso que a tarefa de transcender as
relações sociais de produção alienadas sob o capitalismo deve ser
concebida no quadro global de uma estratégia educacional socialista.
Esta última, porém, não deve ser confundida com nenhuma forma de
utopismo educacional (MÉSZÁROS, 2006. p. 264).

1. UTOPIAS EDUCACIONAIS

A ideia de “educação estética”, encontrada nas Cartas sobre a educação estética do


homem (1793 – 4) de Schiller, procurava resolver o problema da racionalidade capitalista
nociva, no entanto, não passa de uma utópica, incapaz de enquadrar-se na educação vigente.
Segundo Lukács, a proposta educacional schilleriana pretendia trazer para a Alemanha
as conquistas da Revolução Francesa, sem fazer a própria revolução. Além disso, o
neohegeliano se preocupava, acima de qualquer coisa, com a revolução espiritual dos
homens. Com o tempo, sua proposta de transformação do mundo interior individual tornou-se
cada vez mais radical, ao ponto de negar toda e qualquer alternativa de mudança social. Dessa
forma, sua educação estética transforma-se num pessimismo extremo, ou seja, o ser humano
não é mais enxergado como um ser social, em vez disso, assume uma existência puramente
espiritual, como se fosse um “individuo isolado”. Isso pode ser visto em suas “Palavras da
loucura (1799)” de Schiller:

(…) é impossível prender o espírito


Afasta, portanto tua alma das ilusões,
E procura a religião mais alta.

O que o ouvido nunca ouviu, o olho nunca viu,


Continua sendo o que é belo e verdadeiro!
Não é o exterior, como pretende o tolo,
É dentro de ti, que o encontrarás.

Se for ilusão ou loucura solucionar os problemas “de fora” – sempre como base da
análise as relações sociais – qual seria então o significado da educação estética?
Provavelmente ela teria um sentido místico e, de fato, não poderia ser de outra maneira,
quando pensamos a sua expressão dentro da realidade alienada do capitalismo. “O homem
carente, cheio de preocupações, não tem nenhum sentido para o mais belo espetáculo; o
comerciante de minerais vê apenas o valor mercantil, mas não a beleza e a natureza peculiar
do mineral…” (MARX, 201065 apud MÉSZÁROS, 2006. p. 266). Esse “embrutecimento” da
vida não é um fenômeno natural, muito pelo contrário, é artificialmente produzida por meio
do estranhamento de todos os sentidos humanos pelos sentidos do ter. Portanto, a solução
jamais poderia ser abstratamente engendrada no âmbito do “mundo interior”, negligenciando
o mundo concreto dos homens. “(…) a resolução das oposições teóricas só é possível de um
modo prático, só pela energia prática do homem… uma tarefa vital que a filosofia não pode
resolver precisamente porque tomou apenas como tarefa teórica” (MARX, 201066 apud
MÉSZÁROS, 2006. p. 266).
Nesse sentido, a educação estética só faria sentido numa sociedade verdadeiramente
socialista, onde os sujeitos sociais plenamente ricos possam efetivamente existir. Além disso,
tal educação não pode limitar-se ao “mundo interno” e abstrato do individuo.

Sua realização envolve necessariamente a totalidade dos processos


sociais em uma complexa reciprocidade dialética. É por isso que o
programa isolado de uma “educação estética do homem”, como
antídoto para a difusão da “racionalidade” capitalista, está condenado
ao utopismo sem esperança… (MÉSZÁROS, 2006. p. 266).

O fracasso da educação estética de Schiller conecta-se diretamente com uma questão


muito mais essencial: a complexidade do desenvolvimento da educação sobre o capitalismo.
Na realidade, a educação schilleriana é uma tentativa isolada de combater os processos de
desumanização, os quais, por sua vez, são consequência de crises cada vez mais profundas.
No início da modernidade Paracelso afirmou que: “A aprendizagem é a nossa própria
vida, desde a juventude até a velhice, de fato, até quase a morte; ninguém passa dez horas sem

65
MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2010. 110p.
66
Ibdem, p. 108.
nada aprender” (PARACELSO, 19--67 apud MÉSZÁROS, 2006. p. 267). Entretanto, essa
perspectiva muda no século XVIII por meio dos escritos de Adam Smith – um grande
defensor do “espírito comercial” –, nos quais podemos enxergar duas terríveis consequências
do fenômeno da divisão do trabalho. A primeira delas consiste no empobrecimento demasiado
do trabalho humano, ao ponto de ser necessária a influência da educação para reverter essa
tendência. A segunda manifesta-se a partir da extrema simplificação e rotinização do trabalho,
perde-se a necessidade de uma boa e abrangente educação, em vez disso, impulsiona-se um
processo de sucateamento geral da educação. Em outras palavras, o “espírito comercial”, ou
melhor, capitalista:

(…) limita as visões do homem. Na situação em que a divisão do


trabalho é levada à perfeição, todo homem tem apenas uma operação
simples para realizar; a isso se limita toda a sua atenção, e poucas
idéias passam pela sua cabeça… Quando a mente é empregada numa
diversidade de assuntos, ela é de certa forma ampliada e aumentada...
um marceneiro; esse tipo específico de trabalho ocupa todos os seus
pensamentos, e como ele não teve a oportunidade de comparar vários
objetos sua visão das coisas que não estejam relacionadas com seu
trabalho jamais será tão ampla como a do artista. (…) Outra
inconveniência do comércio é que a educação é muito negligenciada
(SMITH, 194868 apud MÉSZÁROS, 2006. p. 267).

Evidentemente Smith reconhece os problemas do seu tempo, porém, não dá conta de


superá-los.

Mas além dessa falta de educação há outra grande perda decorrente


do fato de os jovens serem postos a trabalhar demasiado cedo. Eles
começam a achar que o pai está em dívida para com eles; e, portanto,
não mais se submetem à sua autoridade. Quando o rapaz se torna
adulto, não tem ideias de como possa se divertir. Portanto, quando
estiver fora de seu trabalho é provável que se entregue à embriaguez e
à intemperança (SMITH, 194869 apud MÉSZÁROS, 2006. p. 268).

A noção de educação em Smith significava um simples meio para impedir que os


“jovens entreguem-se a embriaguez e aos demais prazeres mundanos”, ou seja, desperdicem
seu dinheiro, deixando de investi-lo no acúmulo de capital. Numa palavra, a perspectiva da
economia política não foi capaz de entender a realidade, por isso, Smith não conseguiu
67
PARACELSO, Escritos selecionados. s.l.: s.n., 19--. p. 181.
68
SMITH, A. Palestras sobre Justiça, Polícia, Receita e de Armas (1763). In: A filosofia política de Adam
Smith (org. Herbert W. Schneider), Nova York, Hafner, 1948. p. 318 – 19.
69
Ibdem, p. 321.
criticar a estrutura capitalista – da qual compartilhava o ponto de vista –, ao contrário,
defendeu-a por meio de uma solução educacional excessivamente moralista e irreal.
Se Adam Smith acertou em seu diagnóstico, ou seja, caso a negligência da educação
seja mesmo fruto do “espírito comercial”, como seria possível pensar numa solução
educacional meramente no âmbito do “como deveria ser”? Com efeito, justamente por ser
uma contradição central da ótica burguesa, esse suposto remédio aos dilemas educacionais só
poderia expressar-se na forma de “dever” utópico.
Robert Owen nos mostra com tudo é dominado pelo dinheiro: “O homem assim
circunscrito vê todos ao redor dele correndo, em alta velocidade, para adquirir riqueza
individual… que serve apenas para endurecer o coração do homem… O empregador vê o
empregado como um mero instrumento de ganho” (OWEN, 19--70 apud MÉSZÁROS, 2006.
p. 269). Dificilmente encontraríamos uma exposição mais clara do que esta sobre a influência
impessoal do dinheiro, no entanto, nem mesmo o realismo de Owen consegue pensar numa
solução educacional além da crença no caráter regenerador da “razão” e do “esclarecimento”.

(…) todas as medidas [educacionais] agora propostas são apenas uma


transigência com os erros do sistema atual. Mas considerando que
esses erros agora existem quase universalmente, e têm de ser
ultrapassados apenas por meio da força da razão… faz avanços
passo a passo, e… pode-se esperar, racionalmente, ter-se sucesso na
prática. (…) Espera-se, confiantemente, que esteja próximo o tempo
em que o homem, por ignorância, não mais infligira um sofrimento
desnecessário sobre o homem, porque a maioria da humanidade se
tornará esclarecida… (OWEN, 19--71 apud MÉSZÁROS, 2006. p.
269).

A partir desta citação, evidencia-se a tendência do horizonte burguês lançar mão da


ideia de tanto do “gradualismo” – leem-se transformações passo a passo –, quanto da crença
na superação dos problemas educacionais por meio da razão para construir seu “pensamento
crítico”. Entretanto, os dilemas sociais em jogo são muito mais abrangentes, por isso, a
questão global critica e a parcialidade gradual das soluções educacionais – compatíveis com
o ponto de vista do capital – são falsamente alocadas e harmonizadas pelo “dever utópico”.
Nesse sentido, o fenômeno da desumanização – proveniente do “espírito comercial” – quando
observado através do espoco dessas soluções educacionais abstratas, perde seu caráter social,
bem como é simplificado numa ideia vazia e atemporal, como se fossem apenas “erros da
70
OWEN, R. Uma Nova Visão da Sociedade. s.l.: s.n., 19--. p. 124.
71
Ibdem, p. 88 – 9.
ignorância humana”. Desse modo, somos ludibriados a pensar que os dilemas educacionais
podem ser todos resolvidos simplesmente pelo poder da “razão e do esclarecimento72”.
A teoria de Marx foi acusada de ser utópica, no entanto, tal acusação não tem
fundamento, pois, seu pensamento não concentra-se em elementos sociais isolados, em vez
disso, trabalha recíproca e dialiticamente com todos eles. “A utopia é inerente a todas as
tentativas que oferecem remédios meramente parciais para problemas globais – de acordo
com as limitações sócio-históricas do horizonte burguês… antecipando arbitrariamente um
resultado ao seu próprio gosto” (MÉSZÁROS, 2006. p. 270). Não há nada mais utópico do
que pensar na possibilidade da nossa realidade superar os problemas educacionais somente
por meio das soluções passo a passo. O irrealismo por trás desse argumento manifesta-se na
crença nociva, arbitrária e capitalista de que os procedimentos parciais possam atingir o seu
objetivo geral almejado. No final das contas, a apologia do “gradualismo” e do “parcialismo”
não passam de aspectos negativos da normatividade73 – mantendo sempre o poder vigente
vivo – articuladas em detrimento da consolidação do desafio sócio-histórico do socialismo.
Portanto, não é de se estranhar o fato dos ideólogos do capital taxarem a teoria marxiana de
utópica.
É importante evidenciar a diferença entre a “utopia heroica” do período de ascensão da
burguesia – os muitos Rousseuas, Kants, Goethes, Adam Smiths, entre ouros – dos baluartes
recentes do capitalismo, principalmente a “utopia oculta” por detrás das engenharias sociais.
Em outras palavras: “Como as bases da sociedade capitalista devem ser aceitas
axiologicamente, sem discussão, os efeitos desumanizadores do ‘espírito comercial’ só podem
ser ‘transcendidos’ na forma de um ‘dever utópico, que… revela-se invariavelmente um
fracasso…” (MÉSZÁROS, 2006. p. 271). Por isso, a defesa desses utopismos enrijecem mais
ainda as relações alienadas, pois, tal tentativa de transcender a reificação humana age
unicamente pela força da razão, e nós sabemos que esta, por si só, não é o suficiente.
O gradualismo utópico surgiu por causa do medo de uma alternativa histórica ao
capitalismo. Owen supõe a existência de uma tendência dos trabalhadores à: “(…) ferocidade
de caráter que… mais cedo ou mais tarde mergulharão o país num estado de emergência…”
(OWEN, 19--74 apud MÉSZÁROS, 2006. p. 271). Nestas circunstâncias, não é surpresa o fato
das utopias do passado serem incapazes de lutar contra a alienação e a reificação da vida
humana. Além do mais, o ideal – vigente durante o “laissez-faire” – de criar um “indivíduo

72
Atualmente esse argumento retorna nas falácias da engenharia social contemporânea.
73
Ou como Florestan Fernandes diria apenas manifestações dentro da ordem, manifestas contra ela…
74
Ibdem, p. 124.
multilateral” desaparece, abrindo espaço pouco a pouco, aos “indivíduos especialistas” no
trabalho com a máquina burocrática capitalista. Tal processo espalhou-se, atualmente, como
um câncer.
“O ‘espírito comercial’, para sua plena realização exige a fragmentação, a
mecanização e a reificação de todas as relações humanas. (…) O que decidiu a sorte dessas
utopias… foi o fato de pretenderem produzir seus efeitos no lugar das transformações sociais
necessárias, e não por meio delas” (MÉSZÁROS, 2006. p. 272).

2. A CRISE DA EDUCAÇÃO

Ninguém seria louco o suficiente para negar o fato de a educação estar em crise, no
entanto, as opiniões divergem quanto a sua origem. Segundo Chomsky, os ideólogos da guerra
fria estão confusos, se perguntando: “(…) o que levou os estudantes e jovens professores a
‘irem à Esquerda’… sob a administração de um Estado liberal de bem-estar social. (…) Como
esses jovens estão em boa situação, têm bom futuro etc., seu protesto deve ser irracional.”
(CHOMSKY, 1969 apud MÉSZÁROS, 2006. p. 272). Por outro lado, alguns admitem a
existência de conflitos, porém, os associam a um pequeno grupo de supostos “baderneiros”.
Todavia, a recorrência e o crescimento da intensidade dessas crises apontam para outra
conclusão muito diferente: vivenciamos hoje, não uma mera crise institucional, mas sim uma
crise estrutural e global da educação – entendida como sistema de “interiorização” capitalista.
O processo de “interiorização” se expressa juntamente a partir das inúmeras formas de
“falsa consciência”, provenientes das relações sociais de produção alienadas, as quais, por sua
vez, representam os intuitos e desejos dos indivíduos. Em situações “normais de pressão e
temperatura”, a “ideologia do consumidor” – reflexo material e estrutural da sociedade –
procura promover “consenso” em meio a um leque de falsas escolhas, nas quais os indivíduos
são ludibriados a enxergá-las como genuínas. Entretanto, em momentos de crise essa
operação sofre graves complicações. Por exemplo, nos próprios EUA, durante a recessão
econômica todos os meios de comunicação incentivavam a “obrigação patriótica” de comprar
até mesmo o mais supérfluo, independentemente das vontades espontâneas de cada indivíduo
– isso deixa em cheque a ideologia da naturalidade do capitalismo. Em outras palavras, os
estadunidenses eram instigados a comprar “as dívidas patrióticas de guerra” – irresgatáveis,
diga-se de passagem. Além do mais, a guerra do Vietnã impulsionou diretamente a economia
dos EUA, fomentando o apetite do sistema – já os indivíduos estavam saturados há um bom
tempo. A esse respeito Robert Heilbroner nos esclarece: “(…) nosso grande surto de
prosperidade não começou antes do início da Segunda Guerra Mundial; e sua continuação
desde então, esteve sempre ligada a uma procura econômica muito mais militar do que
puramente civil” (HEILBRONER75, 196076 apud MÉSZÁROS, 2006. p. 273).
Nesse sentido, enquanto a indústria estadunidense de consumo não retomava sua
importância significativa, não foram levadas a cabo modificações no pensamento tradicional
consumista. Pois, por um lado, representava uma suposta “superioridade” dos EUA, frente às
demais economias; por outro lado, os argumentos da “defesa do interesse nacional” sempre
fizeram parte crucial da ideologia burguesa. Como se isso não bastasse, à medida que a crise
estrutural intensifica-se surge, de maneira cada vez mais gritante, a necessidade de
“desmaterialização” do sistema de incentivos individuais, bem como o ajuste dos meios de
“interiorização” social. Isso acontece por dois motivos, primeiramente, porque a diferença
tecnológica entre EUA e as demais potências econômicas estava diminuindo, enquanto a
concorrência, consequentemente, aumentava. Em seguida, por causa da impossibilidade da
crise estrutural ser solucionada por meio de uma terceira guerra mundial. Em resumo,
percebemos a importância desses entraves, quando olhamos para as “guerras do passado”, as
quais: 1) “desmaterializaram” o sistema de incentivos e reformularam os métodos de
“interiorização”; 2) impuseram ao povo um padrão de vida extremamente miserável; 3)
intensificaram subitamente o padrão de lucro; 4) racionalizaram e organizaram ao sistema de
mando e, por fim; 5) promoveram um boom tecnológico generalizado. Contudo, mesmo que
hoje o militarismo tenha se massificado indiscriminadamente, ele ainda não é nada perto dos
fatores econômicos e ideológicos, sem os quais o capitalismo mundial jamais poderia existir.
A necessidade de repensar os sistemas de “interiorização” é mais do que nunca
eminente, no entanto, não existe ideologia capaz de defendê-la, pois, a democracia burguesa
atual passa por uma crise estrutural muito mais intensa do que aquela que gerou o nazismo e o
fascismo como garantia de produção de mercadorias. Atualmente, os capitalistas não podem
mais simplesmente se apoiarem nas soluções fascistas, haja vista que, isso acarretaria na
terceira guerra mundial, bem como impossibilitaria a manutenção da lógica do superconsumo
de supérfluos – já que: “Simplesmente não é possível provocar o superconsumo sob a mira de
um revólver” (MÉSZÁROS, 2006. p. 275). Além disso, a burocratização cada vez mais
intensa que assola a nossa sociedade foi extremamente eficaz em esvaziar de sentido todas as

75
Foi um economista socialista estadunidense e historiador do pensamento econômico. Autor de mais de vinte
livros, Heilbroner era mais conhecido por “The worldly philosophers [Os filósofos mundanos]” (1953), uma
pesquisa sobre as vidas e contribuições de economistas famosos, notavelmente Adam Smith, Karl Marx, e John
Maynard Keynes.
76
HEILBRONER, R. O futuro como história. Nova Iorque: Harper&Row, 1960. p. 130.
“instituições democráticas”, tornado até mesmo o Parlamento – tradicional campo da
promoção do consenso – num mero espaço para articulação de conluios. E as hierarquias
sociais – anteriormente essencialmente articuladas para a orientação juvenil – agora não
passam de medidas moralizantes e ineficazes.
A crise da educação precisa ser analisada num contexto mais abrangente – Paracelso já
nos ressaltou que a educação é “toda a nossa vida” – e não apenas ser entendida em suas
particularidades fenomênicas. Pois, a educação está essencialmente ligada com a totalidade
dos processos sociais – a educação formal, então, revela como apenas a ponta do iceberg.

O sistema educacional formal da sociedade não pode funcionar


tranquilidade se não estiver de acordo com a estrutural educacional
geral – isto é, com o sistema específico de “interiorização” efetiva –
da sociedade em questão. A crise das instituições educacionais é então
indicativa do conjunto de processos dos quais a educação formal é
uma parte constitutiva (MÉSZÁROS, 2006. p. 275).

As questões em jogo não são somente o “tamanho das salas de aula”, ou a “qualidade
das pesquisas”. Na realidade, aquilo que devemos nos questionar é se as instituições
educacionais serão elaboradas para os homens ou se continuarão a atuando para a manutenção
da alienação. Dessa forma, a ampla “contestação” da educação do modo como ela está
atualmente estruturada é o maior desafio ao capitalismo, haja vista que, atinge incisivamente
os sistemas de “interiorização” – responsáveis pela hegemonização da alienação e da
reificação na consciência dos sujeitos.
Dentro do sistema capitalista a educação tem duas funções básicas, primeiramente
procura desenvolver elementos cruciais à economia, em seguida, pretende produzir os
métodos específicos de controle político. Portanto, torna-se nítido a manifestação da crise da
educação nos âmbitos político e econômico da sociedade. Owen tentou amenizar isso, por
meio da sua solução: “(...) quando não influenciados por sentimentos partidários ou estreitas
noções errôneas de interesse próprio imediato, mas consideradas apenas no interesse
nacional, mostrar-se-iam benéficas para os filhos, para os pais, para os empregadores, para o
país” (OWEN, 19--77 apud MÉSZÁROS, 2006. p. 276). Evidentemente, a questão do
“interesse nacional” de Owen tem um alcance muito reduzido, temporário e só manifestam-se
enquanto permanecerem de acordo com as aspirações parciais da burguesia. Tal contradição
torna-se complexa quando comparamos o interesse particular do capitalista – mais associado
às necessidades econômicas de produção – com os interesses particulares da burguesia como
77
Ibdem, p. 125.
classe – mais associado às necessidades políticas, ou ao suposto interesse nacional. Quando
Gramsci era vivo, a superprodução de intelectuais foi fomentada pelas necessidades políticas
da classe dominante, hoje a causa dessa superprodução é econômica.
As “aspirações nacionais” – leem-se os interesses globais da classe dominante – estão
sempre sintonizadas os desejos particulares da maioria dos capitalistas individuais – maioria
não numericamente, mas sim os interesses mais poderosos.

Os interesses econômicos imediatos sempre predominam no


capitalismo,… operando com base nos interesses gerais do capital,
transcendendo completamente os interesses particulares dos
capitalistas individuais, implica necessariamente a liquidação efetiva
da burguesia como força social, o que só é concebível com a
derrubada do Estado burguês (MÉSZÁROS, 2006. p. 277).

Em essência, levantou-se a questão da possibilidade de racionalizar o capitalismo a um

nível que todos os desejos individuais burgueses pudessem ser totalmente abarcados pelos

interesses globais da classe burguesa. No entanto, isso não passou de uma quimera.

O Estado burguês zela cuidadosamente por uma estrutura específica


de relações nas quais os interesses econômicos imediatos dos grupos
mais poderosos predominam. Postular uma sociedade capitalista
“amplamente planejada e racionalizada” é, portanto, algo
absolutamente absurdo. (…) Nenhum Estado burguês é compatível
com um sistema de relações desse tipo. Imaginar que a
“universalidade” da racionalização capitalista pode ser conseguida
simplesmente pela eliminação da concorrência entre os capitalistas…
é uma… especulação fantasiosa. Os que a praticam esquecem (o
ignoram) que a contradição básica da sociedade capitalista não é
entre capitalistas e capitalistas, mas entre capital e trabalho
(MÉSZÁROS, 2006. p. 277).

Dessa forma, por mais significativas que possam ser certas tendências remediadoras
do capitalismo, nenhuma solução vinda propriamente dele pode agir de forma radical, ou seja,
“cortar o mal pela raiz”.
A superprodução de intelectuais não pode agir do mesmo modo que a superprodução
de automóveis, por exemplo, cujo limite é o céu, haja vista que, existe a grande limitação das
oportunidades de trabalho. A expansão do capital obriga também a ampliação da produção de
intelectuais – só para manter as engrenagens do capitalismo em movimento –, no entanto, os
pensadores quixotescos convictos na eficácia das reformas políticas ou econômicas, realmente
não conhecem o mundo no qual vivem.
A contradição torna-se ainda mais complexa quando analisamos a questão do “lazer”,
frente aos inimagináveis avanços tecnológicos atuais. Com efeito, o capitalismo é capaz de
abarcar o “tempo livre” e o desemprego, impulsionando-os a agir em benéfico da expansão
econômica. Isso pode ser visto no fenômeno da indústria cultural. Ainda assim, não podemos
esquecer que o avanço tecnológico é caótico, não apenas por causa do fato de os capitalistas
não conseguirem superar as mazelas estruturais da competição, mas também porque o
desenvolvimento saudável do lazer é incompatível com o capitalismo.
A única contagem do tempo que o sistema do capital conhece é a contabilidade
monetária, entretanto, o fenômeno do “tempo livre” necessita de outra noção de
temporalidade, uma contabilidade social, numa realidade que tenha superado a mutilação
promovida pelas mediações de segunda ordem do capital. Como vimos em Adam Smith, o
lazer é reduzido a uma forma de impedir o trabalhador de recair no “desperdício e na
libertinagem”. “A concepção de ‘tempo livre’ como veículo que transcende a oposição entre
trabalho mental e físico, entre teoria e prática, entre criatividade e rotina mecânica, e entre
fines e meios, sempre ficou muito longe do horizonte burguês” (MÉSZÁROS, 2006. p. 278).
Nesse sentido, a perspectiva marxiana, não concorda com uma noção mesquinha de lazer
impregnada pela pretensão de servir a lógica de produção de mercadorias, bem como procura
substituir a contabilidade monetária do tempo pela contabilidade social. Assim, os sujeitos
sociais se apropriam de forma prática da cultura, a partir das tomadas de decisão política,
única maneira de levar a cabo um sentido de finalidade em suas vidas – superando as
hierarquias existentes.
Atualmente, no que diz respeito à crise ideológica da burguesia percebemos o
enrijecimento de uma velha contradição entre especialização e abrangência. A especialização
subsiste na estrutura social capitalista por meio de mecanismos monetários keynesianos e pelo
seu pilar mais importante: a indústria armamentista. Além do mais, sustentam-se por meio de
estratégias de manipulação, tais como “engenharia social”, “indústria da informação”,
“pesquisa de mercado”, etc. Paralelamente, tal culto à especialização atuou como uma forma
de autopublicidade burguesa e, ao mesmo tempo, dirigiu-se incisivamente contra o marxismo.
Os ideólogos do “fim da ideologia” acusaram o marxismo de prometer um novo milênio,
ocultando hipocritamente a decadência e a crise do milênio capitalista.
A principal diferença dos ideólogos atuais da burguesia, com relação aos do passado, é
que hoje eles não podem negar a existência da luta de classes, tal como esses últimos faziam.
Entretanto, recentemente o engrandecimento da especialização por meio da ciência
representou uma tentativa de “engendrar cientificamente” a aparência de que a sociedade
capitalista duraria para sempre.
Entretanto, nos períodos de crise por mais científicas que as técnicas de domínio
pareçam, não são por si só suficientes. Nesse sentido, são desenvolvidos novos esforços, por
exemplo, a Comissão Presidencial sobre as Metas Nacionais e empresas de Estudos
Estratégicos como a Rand Corporation. Além disso; se falou muito no “fim da ideologia” sem
abrir mão do fenômeno da utopia. Isso pode ser muito bem observado na revista de Daniel
Bell:

O fim da ideologia não é – e não deve ser – o fim da utopia, também.


(…) Os problemas que enfrentamos internamente, e no mundo inteiro,
resistem aos velhos do debate ideológico entre “esquerda” e “direita”;
e, se a “ideologia” é hoje, com boas razões, uma palavra
irremediavelmente comprometida, não é necessário que a “utopia”
venha a ter a mesma sorte (BELL, 19-- 78 apud MÉSZÁROS, 2006. p.
280).

Faz-se necessário ressaltar que a utopia que se deseja reavivar é uma espécie de
“utopia empírica do custo-benefício” do capitalismo norte-americano. Essa utopia distingue-
se das “ideológicas”: 1) nega necessidade da revolução; 2) condena as ideologias provenientes
dos Estados africanos; 3) desaprovação dos caminhos trilhados pela revolução cubana.
Todavia, quando se trata de elaborar “teorias gerais” sobre o futuro, os resultados são
demasiadamente limitados. Na realidade, não poderia acontecer de outra forma, haja vista
que, a teoria geral somente é possível quando acompanhada de uma força dedicada em
transformar a sociedade no âmbito prático. Todavia, o limitado ponto de vista burguês jamais
se interessou pela modificação da realidade, somente sendo capaz de promover oscilações
dentro de um campo parcial e estático.
No final das contas, a atual crise da ideologia não passa de um reflexo da crise
estrutural do capital – não é nossa pretensão desenvolver essa ideia agora, atemo-nos agora
em destacar somente alguns elementos cruciais. As instituições capitalistas são essencialmente
violentas, hostis e sempre articuladas pela estratégia de fazer guerra quando os “métodos
diplomáticos” falharem. Aliás, a cegueira das supostas “leis naturais” do mercado tratam
todos os problemas sociais, a fim de jamais solucioná-los, em vez disso, só os adia até certo
ponto de não poder mais suportá-los, transferindo-os para o âmbito militar. Tal tendência de

78
BEEL, Daniel. O fim da ideologia. s.l.: s.n., 19--. p. 405 – 6.
exportação violenta dos problemas estruturais do capitalismo para o âmbito internacional
intensifica e agrava cada vez mais o caráter contraditório da nossa realidade. A aparente
estabilidade das potências capitalistas (Grã-Bretanha, França e Estados Unidos) explica-se por
causa da sua propensão a escoarem suas intempéries violentas pra os polos mais fracos do
sistema internacional – leem-se as periféricas do capital. A partir da Primeira Guerra, países
como Alemanha e Itália entraram numa penosa crise da qual eclodiram inúmeras promessas
fascistas, ou seja, soluções plausíveis à burguesia, ao mesmo tempo que diluíam a opressão e
a violência interna, tendo em vista a promoção de uma nova Guerra. Nessa circunstância, as
nações periféricas do capital geralmente adequavam-se aos interesses das potências mundiais.
Mesmo parecendo demasiadamente “irracional”, essa lógica de funcionamento foi,
naquela época, muito “racional”, caso comparado com nossas condições atuais. Racional
principalmente em dois aspectos; primeiramente, porque estipulava objetivos determinados a
serem atingidos – por mais nefastos que eles fossem –; em seguida, estruturava as instituições
capitalistas dentro de um sistema hierárquico funcional, visando sua expansão. Levando em
conta o de a solução final ter sido extirpada do sistema do capital, percebemos que, por causa
disso, até mesmo o mínimo de racionalidade evanesceu-se, pois, não era mais possível escoar
a violência interna globalmente. Na realidade, tal tendência começou a ser realizada num
âmbito mais restrito – a Guerra do Vietnã, por exemplo –, agravando, portanto, as
contradições sistêmicas internas.

Pela primeira vez na história o capitalismo é confrontado globalmente


por seus próprios problemas, que não podem ser “adiados” por muito
tempo, sem transferidos para o plano militar, a fim de serem
“explorados” na forma de guerras totais. (…) A intensidade e
gravidade da crise educacional-ideológica do capitalismo de hoje é
inseparável desse grande desafio histórico (MÉSZÁROS, 2006. p.
283).

Potrebbero piacerti anche