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Resumo
Este artigo tem o objetivo de realizar uma contextualização acerca da traje-
tória das Terapias Cognitivas nas últimas décadas, abordando o caminho
percorrido desde suas origens filosóficas e científicas até o desenvolvimento
de suas terapêuticas. Apresenta questões sobre escolha epistemológica,
aportes teóricos e tecnológicos provenientes dos construtos e conceitos cen-
trais dessa abordagem psicoterápica. Busca ampliar as reflexões sobre as
atuais questões teóricas e tecnológicas que permeiam o cotidiano de pesqui-
sadores e psicoterapeutas cognitivistas.
Descritores: terapias cognitivas; cognição; modelos teóricos e técnicos.
Abstract
The purpose of this article is to contextualize the trajectory of the Cognitive
Therapies in the last decades, approaching the path it has taken since its
philosophical and scientific origins through the development of its therapeutics.
His work also raises the issue of the epistemological choice, theoretical and
technological bases originated from constructs and concepts central to this
psychotherapeutic approach. It aims at expanding the reflection on the current
* Psicóloga / Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Diretora do NEAPC – Núcleo de Estudos e Atendimentos em Psicoterapias Cognitivas, Porto
Alegre (RS), Brasil. Membro Fundador da FBTC – Federação Brasileira de Terapias Cognitivas.
Membro Fundador da ABS – Associação Brasileira de Stress. Professora e Supervisora de Terapias
Cognitivas do Curso de Psicologia da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC).
TERAPIA FAMILIAR – ONTEM E HOJE 243
entre pais e filhos com a presença de todos. Mesmo no caso dos diversos
transtornos psiquiátricos que têm sido objeto de muitos estudos e contam
hoje com a ajuda de grandes avanços terapêuticos medicamentosos, a tera-
pia familiar pode ser de grande valia, como um coadjuvante no tratamento,
através de enfoques psicoeducacionais que ajudem os familiares a compre-
ender melhor a natureza do transtorno que afeta algum membro da família e
ajudem-no a manter-se aderido ao tratamento, além de protegê-lo melhor
em seus momentos de crise.
Felizmente não vivemos mais um tempo em que temos que esco-
lher um enfoque apenas ou uma única maneira de fazer terapia – várias
formas de abordagem podem ser utilizadas ao mesmo tempo ou numa
sequência temporal, para melhor responder aos difíceis desafios das
disfunções individuais e familiares de nossa época. Terapia familiar sistêmica,
na atualidade, não é mais uma forma alternativa de abordagem e sim um
instrumento a mais a ser utilizado, sozinho ou somando-se às diferentes for-
mas de terapia individual ou reforçando as terapêuticas medicamentosas,
tão necessárias em certos transtornos psiquiátricos. Devemos ajudar as fa-
mílias, mesmo com as significativas modificações estruturais que hoje apre-
sentam, a continuarem desempenhando sua importante função: poderem
seguir sendo uma fonte de recursos afetivos para os indivíduos humanos,
uma base segura que possa confortá-los e abastecê-los, fortalecendo-os para
o enfrentamento das dificuldades da vida, nesse mundo em rápidas e gran-
des transformações.
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TERAPIA FAMILIAR – ONTEM E HOJE 241
com dois anos, seguiam todos muito encantados: brincando com ele, aju-
dando a cuidá-lo, sentiam-se bastante próximos ao irmão. A relação com os
filhos melhorou muito, agora estavam todos mais próximos do pai, visitando
sua casa aos finais de semana e participando de churrascos familiares. João
sentia-se muito satisfeito com as mudanças que pôde fazer em sua vida e
com essa maior proximidade com os filhos. Mesmo o pedido de Joana para
que buscasse uma terapia para ela foi interpretado como uma forma de con-
fiança e de proximidade, pois foi a ele que buscou para pedir ajuda. Aceitei,
então, trabalhar com Joana, desde que ambos os pais se comprometessem
a participar do trabalho, quando necessário.
Vemos, nesse breve relato ilustrativo, como um enfoque familiar-
sistêmico possibilita ao terapeuta circular pelos vários subsistemas de uma
família complexa, como o são a maioria das famílias em nosso tempo. Essa
possibilidade de alternarmos sessões individuais com sessões de casal e de
família ou de incluir, em momentos diferentes, a primeira e a segunda espo-
sa, ou mesmo outros familiares, quando necessário, é de uma grande rique-
za e de um enorme potencial terapêutico. Ajudando o paciente a negociar as
complexas mudanças que tem a realizar em sua vida, mediando os conflitos
familiares, intermediando a comunicação entre seus membros, ajudando a
buscar novos caminhos baseado na experiência de muitas outras famílias
semelhantes, o terapeuta familiar pode ser de grande valia nesses casos.
Exemplo clínico
Para exemplificar as possibilidades que o enfoque sistêmico oferece
em terapia, analisemos um caso bastante recorrente: a situação na qual um
TERAPIA FAMILIAR – ONTEM E HOJE 237
Resumo
O presente trabalho faz uma revisão histórica da terapia familiar desde suas
origens, examinando a evolução de seus principais modelos e conceitos até
os dias atuais. Considera as principais modificações ocorridas nas formas de
abordagem em terapia familiar ao longo dos últimos cinquenta anos, ao mes-
mo tempo em que ressalta as mudanças das configurações familiares nesse
tempo. Utilizando um exemplo clínico, ilustra como a terapia familiar pode
constituir-se em um valioso instrumento para o tratamento das disfunções
familiares – problemas de comunicação, rupturas, conflitos, abusos, perdas
significativas, segredos e crenças disfuncionais que afetam as relações dos
casais e das famílias. Examina também como a terapia familiar pode ser
importante coadjuvante no tratamento dos graves distúrbios psiquiátricos,
tais como os transtornos do humor e as psicoses.
Descritores: terapia familiar; sistemas familiares; disfunção familiar.
Abstract
This paper presents a historical review of family therapy from its early origins,
looking into the evolution of its main patterns and concepts, until today. It
takes into consideration the main changes that have happened in the way
of approaching family therapy throughout the last fifty years; in addition, it
enhances the changes in family profiles along the same period. Through the
use of a clinical example, it shows how family therapy can become a valuable
tool for the treatment of family dysfunctions - communication problems, break-
ups, conflicts, abuses, significant losses, secrets and dysfunctional beliefs
that affect the relationships between couples and families. It also examines
how family therapy can be an important supporting tool in the treatment of
severe psychiatric illness, such as affective disorders and psychosis.
Keywords: family therapy; family systems; family dysfunction.
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Introdução
Ao iniciar minha reflexão na proposição de escrever esse artigo,
imediatamente reporto-me à importância e à amplitude de conceitos que se
fazem necessários para tal tarefa. Pensar em grupos não é tão difícil, uma
vez que o ser humano, caracteristicamente gregário desde que nasce, já
está inserido nos grupos, começando pelo primeiro que é a família. É no
grupo e através do grupo que os seres humanos vivenciam as experiências
emocionais, pessoais, sociais, culturais e profissionais. Para tal, as socie-
dades humanas necessitam dos grupos e de seu funcionamento eficiente.
Por muitos séculos, intrigou-nos o poder que os grupos têm de alte-
rar e afetar pessoas. Os estudiosos sempre pensaram em como os grupos
influenciavam no comportamento dos indivíduos. “Aristóteles, já ponderava
a natureza dos seres humanos como animais sociais”1 (pág. 118). Em 1920,
tanto Gustave LeBon quanto William Mc Dougall examinaram os curiosos
efeitos das multidões sobre as pessoas que as compõem. LeBon dizia que,
“Ao participar de um grupo organizado, o homem pode descer degraus na
escala da civilização; isolado ele pode ser um indivíduo refinado, na multi-
dão, é um bárbaro, isto é, uma criatura que age por instinto”1 (pág. 118). Freud
ao se interessar pelo efeito que o grupo tinha no indivíduo,acrescenta: “nos
grupos, desaparece a superestrutura mental de cada indivíduo e emergem
fundações inconscientes comuns a todos”1 (pág. 22).
Ao comparar os grupos com as multidões, Freud ressalta o contraste
entre ambos, concordando com os aportes de Mc Dougall que apontava a
“multidão como massa sem organização e o grupo como coletivo organiza-
do.”2 Acrescenta que o Grupo “possui características próprias que fazem ces-
sar as desvantagens das formações humanas desorganizadas: certo grau de
continuidade, ideias definidas sobre sua natureza e suas funções, estrutura
igualmente definida, padrões estabelecidos de inter-relação entre seus com-
ponentes e de reação com os outros grupos. Nessa massa organizada, o
indivíduo retomaria as faculdades que havia perdido por sua absorção na
multidão”2 (pág. 47).
A história tem nos mostrado a veracidade desses estudos. Muitas
vezes nos encontramos em sociedades que, mesmo organizadas e evo-
luídas, surpreendem pelo grau de regressão e primitivismo que reagem
frente à alguns fatos: violência, barbáries, ideologias promovendo condutas
irracionais, fanatismos, fundamentalismos e tantos outros exemplos que nos
fazem ficar perplexos quando percebemos que, mesmo com a evolução e o
aprimoramento da tecnologia e cientificidade, esses fenômenos são muito
atuais e frequentes.
Não podemos deixar de introduzir uma reflexão sobre a importância
dos grupos no mundo contemporâneo, pautado por uma sociedade em que
Psicoterapia de grupo
Psychotherapy group
Resumo
O artigo busca fazer um retrospecto histórico - evolutivo da psicoterapia de
grupo, desde suas origens. Os conceitos apresentados procuram delinear
algumas das principais contribuições dos diversos autores que de alguma
forma construíram o referencial teórico da psicoterapia de grupo. A autora
faz uma reflexão dos princípios teóricos existentes, contextualizando-os à
contemporaneidade. Ressalta a importância do trabalho principalmente no
que se refere à construção de modelos de atendimento que levem ao estabe-
lecimento de vínculos mais saudáveis e fortes, contrapondo-se aos laços
superficiais e efêmeros que caracterizam nosso contexto social.
Descritores: psicoterapia de grupo; artigo histórico; vínculos.
Abstract
The purpose of this article is to make an evolutionary and historical
retrospection of group therapy, from its origins up to the present time. From
the concepts presented, it is intended to outline some of the main contributions
made by different authors who have taken part in the construction of the
literature review of group therapy. The author of the present work reflects on
the existing theoretical principles from a contemporary perspective. The
importance of work, mainly in relation to the creation of consultation models
aimed at establishing healthier and stronger bonds opposed to the superficial
and ephemeral ones, which are common in our social context, is emphasized.
Keywords: psychotherapy, group; historical article ; attachment.
Referencias
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en la Argentina” en Revue de Psycotérapie Psychanalytique de Groupe .
Francia 1988.
Abstract
In this article I go through some Psychodrama and Psychoanalitic Psycho-
drama typical subjects. I briefly refer about dramatic and theatre performance
as a therapy and about Psychodrama history. I explain according to me the
scene value in clinic and other relationships. With 3 small vignettes I illustrate
the shape Psychodrama takes in different practices.
Keywords: psychodrama; psychodrama history; psychodrama technique;
group psychotherapy.
Hace casi cien años, el médico rumano Jacobo Levy Moreno (1889-
1974), comenzó a desarrollar sus pensamientos y experiencias en el campo
comunitario, valiéndose de una idea acerca de la riqueza de la representación
dramática, para explorar, elaborar y transformar situaciones vinculares.
Ya sean estos vínculos: consigo mismo, con otros o con la sociedad.
Es así como explora con diversos grupos en diferentes ámbitos.
Sus primeras experiencias, a partir de 1911, entre las que hay relato
escrito son: grupos de prostitutas en la Asociación de prostitutas vienesas
(1914), grupos de niños, de temas políticos y sociales: representaciones dra-
máticas en plazas y lugares públicos de Viena1.
Fue en esa ciudad que comenzó sus experiencias y desarrollos
teóricos, que sistematizó cuando fue a vivir a EEUU en 1925, también el
lugar donde conoció a Sigmund Freud (1856-1939), quien lo impresionó con
sus descubrimientos, creándose en Moreno una fuerte rivalidad hacia Freud
que lo acompañó toda su vida.
Mucho menor que Freud, Moreno terminaba la universidad cuando
Freud ya era conocido por sus teorías.
Moreno desarrolló sus ideas, sostenido en la Filosofía del Momen-
to, en la religión jasídica (movimiento religioso del judaísmo originado en
el siglo XVIII. La elevación del hombre a Dios, a través del canto, el baile y
la alegría. Su fundador, Rabi Israel Baal Shem Tov decía: “No se puede
servir a Dios en un estado de depresión”…) y en una enorme valoración y
amor por lo teatral.
En estos cien años, muchos han sido los cambios y derivaciones
del psicodrama, ampliándose el abanico de experiencias y teorías a través
de las diferentes integraciones teórico-técnicas que han realizado los
psicodra-matistas de todo el mundo.
El psicodrama: aperturas teóricas
y campos de aplicación
Resumén
En este artículo recorro algunos temas propios del Psicodrama y el Psicodrama
Psicoanalítico. Hago una sucinta referencia a la historia de la representación
teatral y dramática como terapéutica y a la historia del psicodrama. Explico a
mí entender, cual es el valor de la escena en la clínica y en otros dispositivos
Vinculares. Ilustro con tres pequeñas viñetas, forma que adquiere el psico-
drama en diferentes prácticas.
Descriptores: psicodrama; tecnica del psicodrama; historia del psicodrama;
psicoterapia de grupo.
Resumo
Neste artigo percorro alguns dos temas próprios do Psicodrama e do Psi-
codrama Psicanalítico. Faço uma breve referência à história da representação
teatral e dramática do ponto de vista terapêutico e a história do psicodrama.
Explico, da maneira como a compreendo, qual é o valor da encenação na
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Especificando
E nesses mais de trinta anos de trabalho como psicoterapeutas de
orientação analítica, depois também como psicanalistas, o que mudou e o
que não mudou em nossa concepção do que fazemos?
Formadas numa tradição de estudo e trabalho em psicoterapia de
orientação analítica, mantemos nossa concepção de serem princípios bási-
cos desse tratamento a convicção do inconsciente ser constantemente ativo
e influenciando a vida mental consciente; de que as experiências infantis
aliadas aos fatores genéticos formam o adulto que se deparará com os acon-
tecimentos de sua vida; de que a transferência é fonte essencial de acesso
ao inconsciente do paciente e modelo das dificuldades de relação que o trou-
xeram a tratamento; de que a contratransferência possibilita escutar o incons-
ciente do paciente; de que os sintomas e comportamentos cumprem múlti-
plas funções e são determinados por forças complexas, conscientes e incons-
cientes; de que a concepção da possibilidade de, através da palavra, via
interpretação, produzir mudanças pela obtenção de insight sobre os conflitos
inconscientes que geram o problema que trouxe o paciente até nós.
Continuamos acreditando que os pacientes nos procuram com um
problema que não puderam resolver com seus recursos habituais e, impedi-
dos de encontrar solução para isso, em grande dor. Daí que nos parece indis-
pensável uma construção diagnóstica: saber com que tipo de problemas
estamos lidando, identificar a existência ou não de um fator desencadeante
porque isto nos dá uma indicação da natureza do problema. Continuamos
acreditando que é essencial para isso obtermos uma história de vida do pa-
ciente, suas circunstâncias familiares, profissionais e sociais, buscando co-
nhecer seus fatores de saúde e de doença para, com isso, podermos estabe-
lecer hipóteses dinâmicas e fazer um planejamento terapêutico que atenda
às necessidades e possibilidades do paciente, não a nossos desejos para
ele. Ou seja, identificarmos a motivação do nosso paciente, o que ele está
procurando, o que deseja melhorar, como acredita que poderá fazer isso são
tarefas nossas não só na avaliação, mas a cada momento do processo, pois
o paciente nos procura buscando aliviar seu sofrimento.
A partir dessas noções, seguimos pensando que nessa técnica de
tratamento faz-se necessário, a partir de todo esse entendimento, estabele-
PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA HOJE: REFLETINDO A PARTIR DE NOSSA EXPERIÊNCIA 201
Contextualizando
A psicoterapia de orientação analítica pode ser considerada o extre-
mo compreensivo do espectro das psicoterapias que vai desde aquelas em
que predomina o apoio até aquelas em que predomina o insight que é uma
capacidade de qualquer ser humano7 (p.19), uma função de sua subjetivida-
de. Diz Malan7 que a psicoterapia de orientação analítica é o “método de
provisão de insights e de sua respectiva utilização nas relações interpessoais
– inclusive com o terapeuta, no contexto de um relacionamento bipessoal.”
“Levar ao insight através da interpretação, a qual constitui um dos instrumen-
tos essenciais à disposição do terapeuta” 7 (p. 20) é a meta principal dessa
psicoterapia. “O oferecimento desse insight tem por finalidade capacitar o
paciente a encarar o que na realidade sente, para que se dê conta de que
seus sentimentos não implicam tanto sofrimento ou perigo quanto ele teme,
para que consiga elaborá-los através de um relacionamento transferencial e,
finalmente, que seja capaz de utilizar seus sentimentos reais dentro das rela-
ções interpessoais de forma construtiva (...). Objetiva-se, também, fazer com
que os efeitos dessa aprendizagem se tornem permanentes, isto é, o pacien-
te deveria tornar-se capaz de lidar não apenas com a situação imediata, mas
com situações similares no futuro7 (p. 20). Essa conceituação de Malan7 aponta
para alguns aspectos essenciais nessa técnica: auxiliar o paciente a com-
preender com qual versão do que lhe acontece está funcionando e, a partir
daí, poder questionar essa perspectiva. Em outras palavras, (re)conhecer o
conflito que está vivendo inconscientemente e, assim, abrir novas possibi-
lidades em seu viver.
Para Karasu8, psicoterapia de orientação analítica é um método de
tratamento baseado em técnicas e formulações dinâmicas derivadas da psi-
canálise com a pretensão de ampliar seu alcance. Já Gabbard9 a conceitua
como “abordagem de diagnóstico e tratamento caracterizada por um modo
de pensar sobre paciente e clínico, que inclui o conflito inconsciente, déficits
e distorções de estruturas intrapsíquicas e relações objetais internas”.
Seja nutrindo-se da teoria psicanalítica, seja construindo saberes pró-
prios, essa psicoterapia é um corpo de conhecimentos vivo em desenvolvi-
mento. É inegável que mesmo Freud, ao longo de sua obra, desde os inícios
do século XX, foi modificando sua técnica e sua teoria, de acordo com a
maior compreensão do funcionamento da mente que foi obtendo a partir da
clínica e da evolução da própria teoria psicanalítica com os seus seguidores.
Assim, é claro que a psicoterapia analítica, derivada das teorias psicanalíti-
cas passou por profundas modificações e teve uma evolução muito grande
nas últimas décadas. E, para nós, um dos pontos de virada, foi a incorpora-
Introdução
A psicoterapia de orientação analítica é hoje um método psicoterápico
reconhecido dentre as “mais de 250 modalidades distintas de psicoterapias”²
(p. 20) existentes. É consagrada a noção de ter essa psicoterapia se desen-
volvido a partir da psicanálise, ainda que se encontrem divergências quanto
às suas coincidências e convergências. Wallerstein³ (p. 44) afirma que “o
desenvolvimento original de uma psicoterapia psicodinâmica foi um fenôme-
no tipicamente americano”. Atribui seu desenvolvimento à chegada a esse
país de vários psicanalistas europeus refugiados do nazismo, o que “captu-
rou”³ (p. 45) a psiquiatria americana, “tornando-se, assim, a voz dominante
dentro das faculdades de medicina, hospitais-escola e clínicas psiquiátricas
do país”³ (p. 45). Com isso, a responsabilidade pelos cuidados dos pacientes
mais doentes que acorriam a essas instituições levou à necessidade de adaptar
os tratamentos psicanalíticos conhecidos às suas necessidades clínicas. Diz
Wallerstein: “A psicoterapia psicodinâmica é, na verdade, a única contribui-
ção caracteristicamente americana para a psiquiatria moderna, embora uma
contribuição gloriosa”³ (p. 44). As modificações na técnica standard da psi-
canálise, em geral decorrentes das necessidades de atendimento dos pa-
cientes, aconteceram em todo o mundo. Na Inglaterra, em torno da década
de 1960, psicanalistas, como Malan, dentre outros, dedicaram-se ao estudo
e aplicação do que chamaram “psicoterapias breves”. No primeiro número
da Revista Brasileira de Psicoterapia, Aguiar 4 salienta como, frente às pro-
fundas transformações socioculturais, aos avanços tecnológicos que ocor-
Eneida Iankilevich*
Jussara S. Dal Zot**
Resumo
A partir da experiência clínica de muitos anos, as autoras procuram refletir
sobre o que mudou e o que não mudou em sua forma de trabalhar em
psicoterapia de orientação analítica. Procuram descrever como concebem
atualmente esse tratamento, levando em conta todos esses anos de trabalho
clínico, de estudo, de trocas com colegas e de experiência de ensino. Con-
cluem afirmando que não abririam mão do exercício dessa técnica.
Descritores: psicoterapia; teoria psicanalítica; processo psicoterapêutico;
técnica psicoterápica.
Abstract
Based on their many years of clinical experience, the authors reflect on what
has changed and what has not changed in their way of working with
psychoanalytic psychotherapy. They seek to describe how to conceive this
treatment currently, taking into consideration all these years of clinical work,
study, exchange with colleagues and also their teaching experience. In their
conclusion, the authors assert that they would never forgo making use of this
technique.
Keywords : Psychotherapy; psychoanalytic theory; psychotherapeutic process;
psychotherapeutic technique.
*
Psiquiatra pela UFRGS; Membro Efetivo da SPPA; Psicanalista da infância e adolescência;
Professora e supervisora do Curso de Especialização em Psicoterapia de Orientação Analítica
do Departamentode Psiquiatria e Medicina Legal da FAMED-UFRGS.
**
Psiquiatra pela UFRGS; Membro Associado da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre;
Professora e supervisora do Curso de Especialização em Psicoterapia de Orientação Analítica
do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da FAMED-UFRGS.
O BRINCAR NA PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA
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Considerações finais
Abstract
Children and adolescent psychiatry, as it exists today, including many therapeutic
modalities and contributing to several areas of knowledge and understanding
of human development, had, as its mother cell, the psychoanalysis. Since the
beginning of the 20th century, children play has been gradually recognized as
an access route to the dynamics of thoughts, desires, and unconscious conflicts
of the child as a way in which they can experiment and develop proactively
traumatic experiences. Based on psychoanalytic concepts, the authors propose
the study of the meaning of play, which is essential to psychoanalytic psy-
chotherapy, applied to children and their development. They present and discuss
the historical aspects of child psychoanalysis and envision a bright future for
the knowledge of the human mind, focusing on the origins of mother-infant
relationship and its application to child therapy enlightening the prevention and
mental health fields.
Keywords: psychoanalytic psychotherapy, child psychoanalysis, childhood;
playthings.
Introdução
O brinquedo infantil acompanha a própria evolução da humanidade.
Há aproximadamente quatro mil anos, as meninas egípcias já brincavam
com bonecas feitas de terracota e os meninos da antiga Grécia dramatiza-
vam a guerra com pequenos barcos e espadas de madeira. Inerente ao pro-
cesso de desenvolvimento da criança está sua intimidade com o brincar.
O ser humano é influenciado por processos biológicos, interpessoais
e culturais, mas sua representação na vida mental individual constitui o foco
da teorização psicanalítica1. A teorização freudiana inicial baseou-se em sua
tendência a pensar em dualismos – preservação da espécie x preservação
do Ego, agressividade x sexualidade, narcisismo x libido objetal, prazer x
desprazer, libido x instinto de morte, etc. Para Pine, Freud necessitava ouvir
Resumo
A psiquiatria de crianças e adolescentes, tal como existe hoje, abrangendo
inúmeras modalidades terapêuticas e contribuindo com várias áreas do
conhecimento e da compreensão do desenvolvimento humano, teve como
célula mãe, sem dúvida, a psicanálise. Desde o início do século XX gra-
dativamente o brincar foi reconhecido, como uma via de acesso à dinâmica
dos pensamentos, desejos e conflitos inconscientes das crianças, uma forma
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* T = Transferência.
** CT = Contratransferência.
*** CT-TOTAL = Contratransferência Total.
EVOLUÇÃO DA TÉCNICA PSICANALÍTICA 175
Concluindo
De modo didático, pode-se dividir a evolução da técnica psicanalíti-
ca em três períodos: clássico, moderno e pós-moderno. Seriam suas princi-
pais características:
Para tanto, veem o inconsciente sob uma ótica sartreana (“o paciente sabe o
que ele não supõe saber que sabe”) e o self como um sistema defensivo
discriminador entre o “eu e não eu; ruim para mim, bom para mim”.
P S I Q U E
Conjunto de Psicologia Ego Modelo
Relações pessoal de pessoa estrutura-
Objetais/ influências relacional
Relacionais recíprocas
De modo esquemático, Freud19, 20, 21, 22, 23, 24 desenvolveu seis técni-
cas, embora – como veremos – dentro de um só método:
2.2 – Técnica de “onde estava o id, ali deverá estar o ego”, que leva
ao modelo estrutural de Freud 23 e que se baseia no conflito entre EGO
(SUPEREGO) X ID.
Introdução
Freud 1, 2, 3, 4, 5 escreveu cinco pequenos ensaios sobre técnica psi-
canalítica, os quais seguem sendo – até os dias atuais – a base e os fun-
damentos de toda a técnica analítica.
Outros trabalhos-padrões, tais como os de Sharpe6, Fenichel7 e
Glover8, revelaram discrepâncias sobre como cada um deles procedia tec-
nicamente em relação à análise de um determinado aspecto do paciente
(resistência, por exemplo), fato ainda melhor estudado através do “Debate
sobre Variações na Técnica Psicanalítica Clássica” (Greenson9), no “Ques-
tionário de Glover” 8 e nas “Críticas de H. Tartakoff”10 .
Tal tendência à unilateralidade da técnica se evidencia também pela
própria existência de diferentes escolas psicanalíticas, já que elas apregoam
– cada uma a seu modo – a sua própria técnica. A formação das escolas
psicanalíticas se remonta a múltiplas insatisfações e grandes esperanças
nelas mesmas, até que se enrijecem em novas unilateralidades. Assim
sendo, a história da técnica psicanalítica se caracteriza, por um lado, pelo
paradigma freudiano, que descobre o método analítico e descreve suas pri-
meiras técnicas; por outro lado, pela unilateralidade que marcou todo o seu
desenvolvimento, multiplicando técnicas idiossincráticas.
Hartmann11 foi um dos primeiros a advertir sobre teorias reducionistas
e conclusões genéticas enganosas, nas quais a função atual é igualada à sua
história ou parte da verdade é tomada como um todo ou, no dizer de Freud12,
está por trás dela.
Dois outros fatores colaboraram para o quadro da diversidade: a
autonomia de todo analista para aplicar “sua” técnica, protegido pela priva-
cidade do consultório, e a falta de sistematização. Se o primeiro problema
levou à descoberta de que o termo “Psicanálise” é usado com total liberdade
para técnicas muito diversas, o segundo pode ser constatado, a partir de
Freud, pelo número reduzido de trabalhos sobre técnica, sobretudo se com-
parado com o número sobre teoria.
Freud13, de certo modo, previu o problema da diversidade técnica ao
fazer sua famosa indagação: “Qual a relação entre técnica e teoria analítica
e em que medida a técnica influencia a teoria”?
Como é possível notar, Freud está defendendo uma posição empírico-
indutiva (técnica) em detrimento de uma dedutiva (teoria) para explicar a
origem do método psicanalítico. Ele afirma: “Em Psicanálise há sempre uma
técnica que configura uma teoria e uma teoria que fundamenta uma técnica”
(e não o contrário).
Desde os seus primórdios, a Psicanálise se defrontou com o pro-
blema criado pelo fato de alguns autores pleitearem status de teoria da téc-
nica para suas teorizações. Foi o caso, por exemplo, da teoria do “Monismo
Evolução da técnica psicanalítica*
Resumo
Meu objetivo – com este trabalho – é o de situar o leitor dentro da complicada
evolução da técnica psicanalítica, tal como Freud a concebeu e a desenvol-
veu, bem como deu ensejo que outros autores o fizessem. De início, apre-
sento a técnica freudiana, desdobrada em seis passos evolutivos. A seguir,
trato de distinguir técnica freudiana clássica de moderna, assim como méto-
do de técnica, conceitos muitas vezes equiparados ou tomados de modo
equivocados. Finalmente, uma vez introduzidas as escolas psicanalíticas
como desenvolvimentos do paradigma freudiano, trago seus principais re-
presentantes, fornecendo detalhes essenciais para a compreensão de cada
técnica, tais como de onde ela nasce, como se desenvolve e se caracteriza.
Descritores: psicanálise; técnica psicanalítica.
Abstract
The aim of this work is to place the reader within the complex psychoanalytic
technical evolution, just as Freud conceived, developed and gave rise to
other authors to do so. Initially, the Freudian technique is presented, split into
six evolutionary steps. After that, distinctions between classical and modern
Freudian techniques, as well as method and technique are made, since there
is a tendency to equate or mistake such concepts. Finally, once the psy-
choanalytic schools have been introduced as developments of the Freudian
paradigm, their main representatives are brought in with details which are
essential to the understanding of each technique, such as where it arises,
how it develops and is characterized.
Keywords: psychoanalysis; psychoanalytic technique.
1905 – Exposição em Paris: Van Gogh 1895 – nasce Anna. Estudos de Histe-
e outros ria?
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Rijskmuseum. ]
HISTORICIDADE E PSICOTERAPIA: UM DIÁLOGO COM VAN GOGH E FREUD 159
1857 - nasce Theodorus, Théo [Vincent 1859 – Guerra entre Itália e Áustria?
perde o “reinado”]. Falece seis meses Crise econômica. Ruína em Freiberg.
depois da morte de Vincent [Theódoros Êxodo da família. Leipzig, depois Vie-
= presente de Deus]. Segundo o médi- na. Freud com fobia de trens
co de Vincent e Théo em Paris, a de-
pressão do irmão seria mais grave que
a de Vincent.
1862 - nascimento da irmã, Wil, Wilhel- 1860 – Rosa [Graf], a irmã favorita de
mine. Teria passado 40 anos em um asilo, Freud. + 1942, Treblinka*
por psicose. Falecida em 1941
1848 – Manifesto Comunista. Marx & 1848-1849 – Revolução. Ódio dos tche-
Engels. Ano de lutas operárias. O Se- cos aos judeus. Negócios de Jakob
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HCPA; caso apresentado e discutido com autorização explícita/escrita da
paciente].
HISTORICIDADE E PSICOTERAPIA: UM DIÁLOGO COM VAN GOGH E FREUD 153
de e uma profissão são mais vigorosas quando têm várias vozes legítimas
– algumas delas críticas – no diálogo permanente no qual são testadas as
ideias e as experiências. Pode-se ser um crítico do seu próprio campo sem
ser um inimigo daquilo que ele oferece14. Parafraseando-as, com pequenos
acréscimos, faço minhas essas palavras de Daniel Bell, 1961, na sua Intro-
dução (p. 12) ao fim da ideologia.
Referências
s
Estudioso da história e epistemologia das ciências da saúde, influente no pensamento de
Foucault.
Conclusões
De acordo com Franklin de Oliveira, ao colocar o problema da cisão
entre existentia e essentia, na qual se dilacera o homem contemporâneo,
Ludwig Binswanger mostra como, provocado por esta dilaceração, a tendên-
cia humana é para deixar o real entre parênteses – subtraí-lo do contexto
concreto da vida66. Pode-se acrescentar: outra saída seria subtrair o sujeito,
desconsiderá-lo. E, obviamente, o próprio sujeito pode subtrair-se, negando
os tempos, passado, presente ou futuroq. Esta pode ser uma reflexão útil
para psicoterapeutas: o contexto concreto da vida inclui a história e a histo-
ricidade. Para Binswanger, um ser humano não pode ser encarado como um
objeto da física: a remoção da causa não é suficiente para que desapareçam
os efeitos67. Reale & Antiseri, 1988, esclarecem que existência é o termo
mais indicado para descrever um ser que se transforma continuamente em
um processo de autocriação incessante: a sua essência é a sua existência, o
reino da possibilidade e, pode-se acrescentar, dos movimentos da historici-
dade. E aqueles autores citam Binswanger r:
q
Na voz de Enrico Macias: Non, non, non, non, je n’ai pas oublié / Tous ces visages attristés /
Mais on n’a pas le droit de sacrifier / Le présent au passé.
r
A fonte desta citação não foi identificada no texto de Reale & Antiseri e nem nas suas referências
bibliográficas.
HISTORICIDADE E PSICOTERAPIA: UM DIÁLOGO COM VAN GOGH E FREUD 149
... Acreditava-se que a Terra era plana. Era verdade: ela é plana de Paris
até Asnières, por exemplo. Mas isto não impede que a ciência prove que a
Terra é de fato redonda. Algo que ninguém contesta atualmente. Agora,
apesar disso, as pessoas acreditam que a vida é plana [linear] e progride
do nascimento até a morte. Entretanto, também, a vida é provavelmente
circular, e muito maior em extensão e capacidade do que o hemisfério que
conhecemos. As futuras gerações provavelmente serão capazes de escla-
recer este tema muito interessante...36.
p
Hermann Bondi, [1919-2005], matemático e cosmologista com importantes contribuições à ciência,
incluindo a Teoria da Relatividade Geral.
o
Vale a pena ver os diferentes “retratos” do Dr. Gachet pintados por Vicente Minelli, Robert Altman
e Maurice Pialat nos seus três filmes sobre a vida e obra de Van Gogh.
HISTORICIDADE E PSICOTERAPIA: UM DIÁLOGO COM VAN GOGH E FREUD 145
... Durante minha doença revi cada quarto de nossa casa em Zundert,
cada atalho, cada planta do jardim, o aspecto dos campos da vizinhança,
os vizinhos, o cemitério, a igreja, nossa horta atrás – até mesmo o ninho de
corvo numa grande acácia no cemitério. Isto porque eu ainda tenho daque-
les dias as mais primitivas lembranças de todos vocês; para lembrar-se
de tudo isto só a mãe e eu.m Segue Vincent: Não vou insistir nisto, pois é
melhor que eu não tente relembrar tudo o que então me passou pela cabe-
ça... [grifado nesta transcrição]36.
m
Ou, em uma outra tradução: só eu e minha mãe para lembrar-se de tudo isto.
n
Em uma de suas cartas, dizia Vincent que não somos mais que elos da corrente.
entre eles, muito forte, uma crença que lhe foi transmitida pela sua mãe:
mães sempre perdem filhos. Por isso, quando esta senhora perdeu a filha de
20 anos no acidente confirmava-se a predição histórica do mito familiar de
um destino inexorável.
Discorrendo sobre a teoria da arte de Van Gogh, Metzger & Walter40
entendem que o pintor estava interessado em um diálogo entre a natureza e
a obra (o pintor com o ouvido à escuta, por assim dizer):
Talvez por isso, no romance sobre a vida de Van Goghl, Irving Stone
imagina ou constrói uma suposta conversa entre o pintor, seu pai e sua mãe
(p. 107). Nela, Vincent responde ao pai que o criticava pela leitura de Le Père
Goriot de Balzac:
... O problema é que o desenho de figuras e cenas da vida exige não ape-
nas o conhecimento do ofício de desenhar, mas também exige profundos
estudos de literatura. ... Não posso desenhar uma figura sem saber tudo a
respeito de ossos, músculos e tendões que estão por dentro. E não posso
desenhar uma cabeça sem saber o que acontece no cérebro e alma da
pessoa. A fim de pintar a vida, deve-se compreender não apenas a anato-
mia, mas também o que as pessoas sentem e pensam a respeito do mun-
do em que vivem. O pintor que conhece seu ofício e nada mais se tornará
um artista muito superficial ... [grifado na transcrição]45.
l
Há um belo filme, Lust for life/Sede de viver, 1956, dirigido por Vincente Minelli, com Kirk Dou-
glas/Van Gogh e Anthony Quinn/Paul Gauguin, disponível em DVD (2006). Há um outro filme,
dirigido por Robert Altman, Vincent and Théo, 1990, que capta melhor a tensa relação entre os
dois irmãos, o caráter de Paul Gauguin e as contradições do Dr.Gachet com seus dois discursos.
Nesta versão de Altman, há um detalhe inesquecível: Vincent acaba de morrer, Théo está ao seu
lado e há uma sombra na parede (do próprio Théo, naturalmente), interposta entre os dois. Mas
o melhor filme parece ser o dirigido por Maurice Pialat, 1991, com Jacques Dutronc no papel de
Van Gogh.
HISTORICIDADE E PSICOTERAPIA: UM DIÁLOGO COM VAN GOGH E FREUD 143
k
Nas versões do “Quarto do artista em Arles”, todas na parede junto à cama de Vincent, existem
dois retratos – um é sempre do pintor com o outro variando – ora parece o Théo, ora poderia ser
a irmã Wil, ora uma pessoa não identificada. Nossa paciente do HCPA, que nunca tinha visto
qualquer pintura de Vincent, muito intuitivamente, imaginou que em um dos retratos estivesse
representado o assim chamado “primeiro Vincent”. Concordei com ela.
(p. 131), expressando uma revolta contra o tempo histórico, linear, buscan-
do um tempo cósmico, cíclico e infinito, como também se vê em uma carta
de Van Gogh a Emile Bernard, mais adiante citada.
Casos clínicos
A leitura de duas vinhetas do livro de casos do DSM-IV bastaria para
sugerir como tem sido bem pouco considerados os dados históricos, tanto no
diagnóstico quanto na compreensão de pessoas com transtornos mentais na
abordagem por categorias, enfatizada na psiquiatria neokraepeliniana,
remedicalizada e bem menos fenomenológica, a partir dos anos 1980. Quem
se dispor a fazer uma leitura crítica destas duas e/ou de outras vinhetas dos
livros de casos dos DSMs poderá encontrar outros exemplos da pouca con-
sideração pela história pessoal e sua articulação com os sintomas. As
psicoterapias que siguem este modelo correm o risco de reproduzir as difi-
culdades apresentadas na relação Van Gogh com Gachet e outros interlocu-
tores. O “holandês”, em uma carta, denunciava o que ele percebia como um
maior interesse nas pinturas e na técnica do que nos pintores e nas emoções.
Em uma carta de Arles, de 22 de junho de 1888, para sua irmã Wilhelmina,
Vincent confessava suas preocupações quanto ao futuro da arte, quando
poderia haver ... a painting machine, unfit for and uninterested in anything
else...36. No nosso caso, o problema seriam os psicoterapeutas mecânicos,
extremamente preocupados com a técnica, com a teoria, com os critérios
diagnósticos e menos com as pessoas, sua vida emocional, com seus sím-
bolos e significados e seu contexto histórico.
“Harold Robbins”, casado, 42 anos [DSM IV Case Book, p. 52], com
diagnóstico de cleptomania: roubava latas de lagostas. O caso e o comen-
tário seguem as recomendações de não perder tempo com simbolizações,
significados, afetos e psicanálise. O outro caso ilustrativo é “Brrr”, Bruce,
seis anos [DSM IV Case Book, p. 240] com o diagnóstico de piromania, em
que, nas próprias palavras do paciente, um homem em minha cabeça me diz
para fazer isso. Nenhuma palavra sobre a ausência do pai do menino e seus
significados12,37.
Por essas e outras razões, entre elas a facilidade de acesso e a qua-
lidade dos dados, escolhi a história pessoal, clínica e artística de Van Gogh
na tentativa de articular historicidade e psicoterapia. Ela me parece bem
clara nas suas centenas de cartas, dirigidas não somente a Théo e nas bio-
grafias de várias coletâneas: Bonafoux38, Cabanne39, Metzger & Walther40, e
Mühlberger41. Os sucessos e fracassos deste artista ilustram bastante bem o
entrecruzamento dos determinismos biológicos, psicológicos e sociais com
os acasos da vida pessoal e da história.
O caso de Mozart, bem ao contrário, mostra como às vezes aciden-
tes felizes acontecem nesta conjugação de múltiplos fatores42,43. Para Gianetti,
HISTORICIDADE E PSICOTERAPIA: UM DIÁLOGO COM VAN GOGH E FREUD 141
j
Pierre-Simon Laplace (1749-1827) também tinha esta mesma esperança.
Conceitos
Historicidade, por vezes considerada sinônimo de historicismo, seria
a condição do que é histórico, correspondendo, na psicologia, ao conjunto
dos fatores que constituem a história de uma pessoa e que condicionam seu
comportamento em uma dada situação24. Historicismo costuma ser entendi-
do como um conjunto de doutrinas filosóficas que buscam fazer da história o
grande princípio explicativo da conduta, dos valores e de todos os elementos
da cultura humana: Hegel considerava a história como o fundamento ou a
dimensão mais profunda da realidade. Em alemão se encontra a forma origi-
nal do termo em estudo, Historismus, empregada pela primeira vez em 1797,
por F. Schlegel, embora tenha sido mais adiante que surgiram os grandes
historiadores considerados historicistas25. Abaggnano assinala a ambiguidade
fundamental – em todas as línguas cultas – do termo história26. Daí a sua
preferência por historiografia para se referir ao conhecimento da realidade
histórica, ficando no verbete história o tema dos significados e suas interpre-
tações que foram dados à realidade históricai.
O historicismo, termo também polissêmico e difícil de ser definido,
com interpretações e definições muito diversas25,28 parece corresponder, se-
g
Está em aberto a controvérsia quanto a Gachet, pintor amador, ter copiado alguns quadros do
próprio Van Gogh e de outros pintores.
h
Em tradução livre: [a melancolia] estaria espalhada por toda a natureza. Existem animais, vegetais
e até mesmo pedras melancólicas. A aranha, a coruja, o sapo, os répteis...
i
De fato, são duas as palavras alemãs – Geschichte e. Heidegger torna-as menos ambíguas:
Geschichte (de geschehen, acontecer) para “acontecimentos”, Historie (do grego historein, inquirir,
investigar), para o estudo dos acontecimentos (Historiografia). Inwood, p. 85 27.
HISTORICIDADE E PSICOTERAPIA: UM DIÁLOGO COM VAN GOGH E FREUD 139
Penso ser bem mais valioso para nós e para nossos pacientes acom-
panhar Sandler & Fonagy, 1997 e Leuzinger-Bohleber & Pfeifer, 2002, todos
citados por Holm-Hadulla, 2003, quando entendem que as narrativas subjeti-
vas inter-relacionam-se com as verdades “objetivas” ou “históricas”: ambas
devem ser consideradas para alcançar e manter uma estabilidade psíquica
possível16. Mais ainda: a pré-história da mente – a trama intersubjetiva, os
cenários e enredos anteriores ao nosso nascimento e que participam da
nossa “fundação” – tem menos a ver com a arqueologia de Foucault, e mais
com os conceitos de transmissão da vida psíquica e de transgeracionalidade
desenvolvidos, principalmente na França a partir dos anos 1970e.
Ao introduzir os ensaios que compõem “Tempo e História”, Adauto
17
Novaes afirma que:
e
Não é este o lugar para o exame das controvérsias e crises das sociedades psicanalíticas da
França dos anos 1970. Ver Roudinesco, 1988, p. 649 et seq., quando a autora descreve as
vicissitudes de Nicholas Abraham e Maria Torok, ambos de origem húngara e que tiveram suas
famílias dizimadas pelo nazismo. Aos dois autores se deve o conceito de “cripta”, referido mais
adiante 22.
f
Em 1996, o mesmo Chessick publicou no Journal of American Academy of Psychoanalysis um
excelente trabalho sobre as relações entre o pensamento pós-moderno e a psicoterapia
psicanalítica.
nos neuróticos estão condicionados pela história do indivíduo (p. 49). Pouco
depois, o autor destaca a importância da realidade externa, com suas ne-
cessidades, na regulação da conduta individual, como fez, mais adiante,
Wallerstein, 1974, destacando a realidade externa como uma instância psí-
quica10. E, quando examina o conteúdo dos sintomas compulsivos na neu-
rose obsessiva, Fenichel diz que sintomas não compreendidos tornam-se
inteligíveis quando se estuda a sua história e o seu contexto integral (p. 312).
Em uma vinheta de um caso de fetichismo, o mesmo psicanalista mostra o
entrelaçamento da história familiar com o sintoma. Ao tratar das alucinações
na esquizofrenia, seu entendimento é similar, fazendo uma referência explí-
cita ao núcleo histórico das alucinações, considerando-as sujeitas às inter-
pretações do mesmo modo que no caso dos sonhos (p. 478-9).
E quais seriam as relações entre historicidade, tempo e temporalidade,
memória, história e narrativa? Qual o seu lugar nos tempos pós-modernos?
O que acontece quando falsas memórias são tomadas como verdadeiras?
E quando ocorre o oposto?
Por que não mais são obtidas histórias clínicas propriamente ditas
e sim colhidos dados para verificar o preenchimento ou não de critérios
diagnósticos, tornando-as insossas11? A sensibilidade nas anamneses e nos
exames do estado mental estaria sendo sacrificada em busca de maior
especificidade12? As conquistas da neurociência e os avanços e/ou novas
concepções na psiquiatria e na psicanálise teriam tornado obsoletas a
busca e a compreensão da história pessoal dos pacientes? Narrativas não
mais teriam lugar na medicina, na psiquiatria e na psicologia baseada em
evidências?
Por outro lado, será que, por algum tipo de confusão, leitura super-
ficial ou mal-entendido, a miséria do historicismo (Popper, 1945), o fim da
ideologia (Bell,1960)13,14 e o pretenso fim da história (Fukuyama, 1989)c te-
riam determinado também o fim da historicidade no campo da psicologia
individual? Ou o conceito também sofreu as consequências do pós-moder-
nismo na sua versão foucaultiana, em que as abordagens arqueológica e
genealógica15 parecem diluir unidades e identidades, não havendo discur-
sos interiores e reprimidos a serem interpretados?d. Parece até mesmo que
além do fim da psicanálise decretou-se também o fim do sujeito.
c
Foge bastante aos meus limites tanto o exame da proposta de Yoshihiro Francis Fukuyama quanto
as críticas à mesma. Mas de acordo com uma entrevista à Revista Galileu, disponível na Internet,
Francis, como ele preferiu ser chamado nos Estados Unidos, talvez represente a “fluidez e a
flexibilidade“ assinaladas pelos estudiosos do pós-modernismo. Para Fukuyama, agrada-lhe o
individualismo no sentido de “ser quem quiser ser e fazer o que se quiser fazer”.
d
Acompanho, neste sentido, as críticas de Fernández-Armesto19 e de Meera Nanda20 ao pós-
modernismo e seus relativismos: estes últimos terminam se aproximando, por via circular, dos
fundamentalismos.
HISTORICIDADE E PSICOTERAPIA: UM DIÁLOGO COM VAN GOGH E FREUD 137
b
Nas páginas de introdução aos temas abordados no capítulo 4 de “Freud, pensador da cultura”,
Mezan articula psicanálise, história e cultura, mas também sem se referir à expressão
historicidade 8.
Introdução
O que é historicidade? Quando se busca por ela em índices remissi-
vos e sumários de textos de psicoterapia, a expressão praticamente não
existe. São escassos os artigos quando se pesquisa historicity and
psychotherapy no PsycInfo (9 refs.) e no PubMed (5 refs); vários deles estão
em língua alemã, o que não surpreende, dada a tradição da historiografia
na Alemanha, e são somente três as referências quando se pede por
psychoanalytic psychotherapy and historicitya. Com outras ferramentas,
chega-se ao artigo de Quintella (2005), que faz uma leitura lacaniana da
psicopatologia psicossomática/neurose atual na sua relação com a historici-
dade, articulada com a sexualidade e a linguagem. Para este autor, o sujeito
é um efeito de sua própria história, relacionando-se com ela por meio da
linguagem: a historicidade seria então um campo de articulação da lingua-
gem1. Em outra abordagem, Bosi mostra as articulações da memória com a
linguagem na vida social2: graças à memória, as pessoas que se ausenta-
ram se fazem presentes, como vai acontecer – aqui e agora – com Van Gogh
e Freud, através de suas cartas.
O trabalho de Quintella remete-nos, como muitos outros, para a im-
portante diferenciação entre as psiconeuroses (etiopatogenia determinada
pelo passado do paciente: historicidade) e as neuroses atuais (origem no
a
Por exemplo, Wolberg e Langs não a mencionam. Na Biblioteca do CELG, encontrei um único
texto com referência explícita à historicidade, quando Holmes se refere ao conceito de “illusion
of historicity”, que faria o presente parecer igual ou semelhante ao passado. Holmes, DJ.
“Psychotherapy: experience, behavior, mentation, communication, culture, sexuality, and clinical
practice”. Boston: Little Brown, 1972, 1075p
Historicidade e psicoterapia: um diálogo
com Van Gogh e Freud
Arts and history, just like science, are vital models of comprehension, based
on the search for the hemaneutics so as to [understand] the relationship
between men and the world (Chessick, 1990).
Resumo
Revisão não-genealógica do conceito de historicidade, dentro do tema “his-
tória da psicoterapia no contexto da historicidade”. Historicismo, história e
historiografia também são conceituados. Exame das críticas de Popper e de
pós-modernistas. Relação da historicidade com neurose atual, realidade psí-
quica e realidade externa, estrutura e processo, pontos de vista genético e
adaptativo, narrativas subjetivas e verdades históricas. Diálogo com Van Gogh
e Freud, contemporâneos, em parte, no Século XIX, através de cartas do
artista para Théo, Wil e Emile Bernard, e do cientista para Fliess. Assinalado
o empobrecimento das histórias clínicas na psiquiatria e do tecnicismo nas
psicoterapias. Examinado um caso clínico-cirúrgico e psiquiátrico do HCPA e
a história pessoal, clínica e de algumas obras de Vincent Van Gogh, princi-
palmente à luz dos conceitos de transmissão psíquica e transgeracionalidade.
Descritores: psicoterapia; história; artigo histórico.
Abstract
Non-genealogical revision of the concept of historicity within the topic “the
history of the psychotherapies in the historicity context”. Historicism, history