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Terapias cognitivas: um re-olhar sobre

sua trajetória e pressupostos teóricos


e tecnológicos

Cognitive therapies: a re-look at their path


and theoretical and technological assumptions

Simone da Silva Machado*

Resumo
Este artigo tem o objetivo de realizar uma contextualização acerca da traje-
tória das Terapias Cognitivas nas últimas décadas, abordando o caminho
percorrido desde suas origens filosóficas e científicas até o desenvolvimento
de suas terapêuticas. Apresenta questões sobre escolha epistemológica,
aportes teóricos e tecnológicos provenientes dos construtos e conceitos cen-
trais dessa abordagem psicoterápica. Busca ampliar as reflexões sobre as
atuais questões teóricas e tecnológicas que permeiam o cotidiano de pesqui-
sadores e psicoterapeutas cognitivistas.
Descritores: terapias cognitivas; cognição; modelos teóricos e técnicos.

Abstract
The purpose of this article is to contextualize the trajectory of the Cognitive
Therapies in the last decades, approaching the path it has taken since its
philosophical and scientific origins through the development of its therapeutics.
His work also raises the issue of the epistemological choice, theoretical and
technological bases originated from constructs and concepts central to this
psychotherapeutic approach. It aims at expanding the reflection on the current

* Psicóloga / Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Diretora do NEAPC – Núcleo de Estudos e Atendimentos em Psicoterapias Cognitivas, Porto
Alegre (RS), Brasil. Membro Fundador da FBTC – Federação Brasileira de Terapias Cognitivas.
Membro Fundador da ABS – Associação Brasileira de Stress. Professora e Supervisora de Terapias
Cognitivas do Curso de Psicologia da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC).
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8. Minuchin, Salvador e FIshman, Charles H. Técnicas de Terapia Familiar.


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Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.

Recebido em: 04/09/2009 Aceito em: 10/09/2009

Endereço para correspondência:


Luiz Carlos Prado
Rua Dr. Timóteo, 450 apto 502
90570-040, Porto Alegre, RS
E-mail: luizcprado@terra.com.br

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entre pais e filhos com a presença de todos. Mesmo no caso dos diversos
transtornos psiquiátricos que têm sido objeto de muitos estudos e contam
hoje com a ajuda de grandes avanços terapêuticos medicamentosos, a tera-
pia familiar pode ser de grande valia, como um coadjuvante no tratamento,
através de enfoques psicoeducacionais que ajudem os familiares a compre-
ender melhor a natureza do transtorno que afeta algum membro da família e
ajudem-no a manter-se aderido ao tratamento, além de protegê-lo melhor
em seus momentos de crise.
Felizmente não vivemos mais um tempo em que temos que esco-
lher um enfoque apenas ou uma única maneira de fazer terapia – várias
formas de abordagem podem ser utilizadas ao mesmo tempo ou numa
sequência temporal, para melhor responder aos difíceis desafios das
disfunções individuais e familiares de nossa época. Terapia familiar sistêmica,
na atualidade, não é mais uma forma alternativa de abordagem e sim um
instrumento a mais a ser utilizado, sozinho ou somando-se às diferentes for-
mas de terapia individual ou reforçando as terapêuticas medicamentosas,
tão necessárias em certos transtornos psiquiátricos. Devemos ajudar as fa-
mílias, mesmo com as significativas modificações estruturais que hoje apre-
sentam, a continuarem desempenhando sua importante função: poderem
seguir sendo uma fonte de recursos afetivos para os indivíduos humanos,
uma base segura que possa confortá-los e abastecê-los, fortalecendo-os para
o enfrentamento das dificuldades da vida, nesse mundo em rápidas e gran-
des transformações.

Referências
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Artes Médicas, 1990.
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com dois anos, seguiam todos muito encantados: brincando com ele, aju-
dando a cuidá-lo, sentiam-se bastante próximos ao irmão. A relação com os
filhos melhorou muito, agora estavam todos mais próximos do pai, visitando
sua casa aos finais de semana e participando de churrascos familiares. João
sentia-se muito satisfeito com as mudanças que pôde fazer em sua vida e
com essa maior proximidade com os filhos. Mesmo o pedido de Joana para
que buscasse uma terapia para ela foi interpretado como uma forma de con-
fiança e de proximidade, pois foi a ele que buscou para pedir ajuda. Aceitei,
então, trabalhar com Joana, desde que ambos os pais se comprometessem
a participar do trabalho, quando necessário.
Vemos, nesse breve relato ilustrativo, como um enfoque familiar-
sistêmico possibilita ao terapeuta circular pelos vários subsistemas de uma
família complexa, como o são a maioria das famílias em nosso tempo. Essa
possibilidade de alternarmos sessões individuais com sessões de casal e de
família ou de incluir, em momentos diferentes, a primeira e a segunda espo-
sa, ou mesmo outros familiares, quando necessário, é de uma grande rique-
za e de um enorme potencial terapêutico. Ajudando o paciente a negociar as
complexas mudanças que tem a realizar em sua vida, mediando os conflitos
familiares, intermediando a comunicação entre seus membros, ajudando a
buscar novos caminhos baseado na experiência de muitas outras famílias
semelhantes, o terapeuta familiar pode ser de grande valia nesses casos.

Uma visão integrativa em terapia familiar


Hoje, mais do que nunca, a terapia familiar segue sendo um instru-
mento valioso para a abordagem dessas diferentes configurações familiares.
Em nosso tempo de vínculos rompidos ou fragilizados – um tempo de amo-
res líquidos no dizer de Bauman17 – pode ser muito útil um enfoque que
trabalha com os indivíduos, os casais e as famílias dentro de uma visão
relacional. Nesse início de século, as pessoas têm poucas referências a se-
guir em termos de relacionamentos e formas de organização da vida famili-
ar, pois grande parte dessas novas estruturações familiares tem uma exis-
tência muito recente. Esses novos modos de viver em família estão sendo
construídos a cada dia, com muitas dificuldades e muito sofrimento, pois já
não podemos basear-nos na experiência de nossos pais ou avós – a vida
pós-moderna, de rápidas mudanças e grande complexidade, não facilita em
nada as relações familiares.
A terapia familiar, fundamentada em um modelo teórico integrativo e
enriquecida por um conjunto de técnicas testadas em diferentes modelos, é
hoje um instrumento decisivo na abordagem das disfunções relacionais de
diferentes matizes. Segue sendo muito efetivo abordarem-se os problemas
de um casal com a participação de ambos os cônjuges ou os problemas

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João seguiu vindo sozinho às consultas por algumas semanas, en-


quanto providenciou e realizou o encontro familiar combinado. Foi um su-
cesso – todos os três filhos encantaram-se com o bebê, ademais muito pare-
cido com fotos de seu pai quando pequeno. Mas faltava aceitarem conhecer
Helena, o que deixava o pai muito preocupado.
Nos encontros que se seguiram, João trabalhou a questão de pode-
rem vir a morar juntos em sua cidade, deixando que o tempo pudesse levar
a uma aproximação dos filhos com Helena. Tratamos seus sentimentos de
culpa em relação a tudo isso e os desafios que deveria enfrentar para que
pudesse encaminhar essa mudança de sua vida.
Dessa forma também poderia ter algum tempo mais com os três
filhos do primeiro casamento, nos finais de semana. Mais uma sessão con-
junta foi realizada com o pai e os três filhos, momento em que esse projeto
foi colocado. Os filhos reagiram com alguma relutância, mas ao final concor-
daram que o pai teria o direito de querer viver melhor, e poderia ser bom tê-
lo novamente nos finais de semana. Não se comprometeram em conviver
com Helena, mas acertaram não hostilizá-la.
Realizou-se, então, uma entrevista com João e Helena para conver-
sarem sobre o assunto. Helena mostrou-se bastante compreensiva com as
dificuldades que os filhos do casamento anterior estavam tendo com ela,
mas já estava satisfeita com o fato de os irmãos terem aceitado conhecer o
bebê e – o que parecia ser o mais importante – tinham gostado dele. Mais
tarde poderiam vir a conhecê-la e, quem sabe, poderiam aceitá-la também.
Helena é bem mais jovem, tem dez anos a menos que João e traba-
lha na mesma área deste – ambos são arquitetos. Pensavam em vir traba-
lhar juntos na cidade onde João vive e tem seu escritório. Para isso, no
entanto, Helena também teria que negociar com seus pais sua mudança de
cidade, pois se sentia muito ligada a eles e também o bebê convivia muito
com os avós maternos. Combinaram, então, que, após a mudança, voltari-
am uma vez por mês à cidade de Helena, para que os avós pudessem seguir
convivendo com o neto e a filha.
Durante um tempo ainda João compareceu sozinho a algumas con-
sultas, sempre trabalhando seus sentimentos sobre todas essas mudanças
que estava enfrentando e as questões práticas que elas lhe traziam. Após
dois meses entendeu que estava bem e encerramos o trabalho. Revi-o apro-
ximadamente um ano mais tarde, quando me procurou pedindo que avalias-
se Joana, então com 16 anos, que estava apresentando um quadro de fobia
social, pois estava com dificuldades para sair com amigos, ir a festas e par-
ticipar de atividades em grupo. Contou-me, neste encontro, que construíra
em sua cidade uma nova casa com Helena e o pequeno Antonio e que os
filhos já conviviam com ele nessa nova casa, aceitando a presença de Hele-
na, mesmo que não se mostrassem muito próximos dela. Com o bebê, agora
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indivíduo procura terapia individual e, ao avaliarmos seus problemas, cons-


tatamos que eles envolvem outras pessoas de sua família.
João tinha 42 anos quando buscou terapia por estar ansioso com sua
situação familiar. Separado há mais de dois anos de Maria, sua primeira
esposa, vivia parte de seu tempo na cidade onde trabalhava e onde residiam
ainda sua ex-mulher e seus três filhos do primeiro casamento. Nos finais de
semana, viajava para outra cidade, em estado vizinho, onde residiam sua
namorada, Helena, e o filho que tiveram juntos, Antonio, então com um ano
de idade.
João estava cansado dessa vida dividida. Gostaria de trazer sua atu-
al companheira e seu filho para a cidade onde sempre viveu, mas temia a
reação das pessoas, em especial de sua ex-mulher e seus filhos. Ocorre que
a separação aconteceu em função do envolvimento de João com Helena, o
que determinava uma forte rejeição a ela por parte dos filhos e mesmo de
outros familiares e amigos. Seus filhos ainda não conheciam o irmão, devido
a essa divisão familiar e aos sentimentos de lealdade em relação à sua mãe.
Mesmo João não vinha sendo muito explícito quanto ao tema com os filhos.
Apesar de separado há mais de dois anos, um ano antes ainda estivera em
conversações com a ex-esposa, numa tentativa de possível retorno, que não
foi adiante. Na época dessas consultas já estavam bem separados, e a espo-
sa estava determinada a retomar sua vida sem o ex-marido.
Após uma primeira avaliação, entendi que seria muito importante
chamar sua ex-esposa para discutirem a possibilidade de conversarem com
os filhos sobre o novo irmão. João sentia necessidade de que Maria o apoi-
asse nesse objetivo, autorizando assim seus filhos a conhecerem o irmão.
Realizamos, então, uma sessão conjunta, em que Maria trouxe sua visão
sobre o assunto, reafirmando sua disposição de ajudar João a conversar
com os filhos. Seguindo-se a esse encontro, realizou-se uma reunião com
os três filhos – José, de 20 anos, Tadeu, de 16 e Joana, de 14 anos – e seus
pais. Nesse encontro, bastante emotivo, os filhos trouxeram suas queixas
da pouca comunicação com o pai, de seu distanciamento e do fato de João
não estar nunca com eles nos finais de semana. Expressaram rancor por
essa situação, especialmente a mais nova, Joana, que sempre foi muito
apegada ao pai.
João pôde, nesse diálogo, com o apoio de sua ex-esposa, esclarecer
melhor a atual situação de sua vida e expor seus projetos para o futuro.
Falou do desejo de que os filhos conhecessem o bebê e que pudessem con-
viver com ele e com sua atual parceira. Essa última parte da proposta encon-
trou resistência, mas aceitaram conhecer o bebê em sua própria cidade, sem
ainda encontrarem a nova mulher do pai. Acertou-se esse encontro, e foi
combinado que uma nova reunião familiar seria realizada em um mês.

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e valoriza uma série de abordagens baseadas em evidências científicas de-


senvolvidas nos últimos anos e valida essas novas visões, apesar de fazer
algumas observações críticas pertinentes. Do alto da experiência de quem
por meio século viajou pelo mundo todo e trabalhou com milhares de famíli-
as dentro do enfoque estruturalista, pode reconhecer as novas visões de
nosso tempo pós-moderno e propor acréscimos à sua própria teoria. Assim,
Minuchin sugere que se acrescente, entre os aspectos que devem ser valori-
zados na avaliação familiar, a história – aquela mesma história que, para os
primeiros terapeutas familiares deveria ser deixada aos cuidados do enfoque
psicanalítico. Com uma ênfase e com um olhar diferente, a história volta a
ser considerada e reconhecida por esse pioneiro como uma fonte importante
de informações para o trabalho com as famílias.
A história de Minuchin se mistura de certa forma com a evolução da
terapia familiar. Seu caminho como terapeuta inicia-se enfatizando as
interações familiares no aqui-e-agora da sessão terapêutica e passa ao lon-
go dos anos a valorizar também a história familiar, seus segredos, seus mi-
tos e suas crenças disfuncionais, além de propor que a terapia familiar bus-
que realizar mais pesquisas, visando validar seus resultados com evidências
científicas. Abre-se caminho assim para a integração de outras visões, como
a cognitivo-comportamental, que também enfatiza as crenças construídas
na infância e sua relevância para o funcionamento dos indivíduos e para
seus relacionamentos de casal e família.
Devemos, então, nos perguntar: O que é terapia familiar nos dias de
hoje? O que a terapia familiar mantém, mesmo na diversidade de seus
enfoques, é a idéia básica e enriquecedora de pensar e tratar a família como
um sistema complexo e fundamental para o desenvolvimento dos indivíduos
humanos. A própria família já não é exatamente a mesma, pois vem sofren-
do, nos últimos cinquenta anos, transformações substanciais. Hoje já é
minoritária a família nuclear clássica, onde pais e filhos vivem juntos numa
mesma casa. Predomina em nosso tempo, em especial nas grandes concen-
trações urbanas, diferentes organizações familiares – famílias de pais sozi-
nhos em decorrência de divórcios ou de nascimentos ou adoções de filhos
por indivíduos não-casados; famílias compostas por avós com seus netos,
às vezes incluindo também um dos pais; famílias oriundas de recasamentos,
com filhos de um ou de ambos, além daqueles do novo casal; famílias cons-
tituídas de casamentos homossexuais; famílias adotivas; famílias que vivem
em casas separadas ou mesmo as “famílias de uma só pessoa”, como hoje
já se pode considerar a forma de vida de alguns indivíduos.

Exemplo clínico
Para exemplificar as possibilidades que o enfoque sistêmico oferece
em terapia, analisemos um caso bastante recorrente: a situação na qual um
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Esses terapeutas estão mais próximos daqueles de quem originalmente a


terapia familiar se diferenciou. Não que tenham retomado a psicanálise,
pois não buscam a interpretação de conteúdos inconscientes, nem reali-
zam a análise da transferência. Ainda são mais ativos, mas de forma dife-
rente – trabalham mais com perguntas e propõem-se a oferecer menos
respostas pré-definidas ou estratégias diretivas. Trabalham com o diálogo
terapêutico, através de perguntas relacionais que buscam esclarecer a his-
tória e as relações familiares, visando construir outras formas possíveis de
leitura da problemática relacional e das disfunções familiares. O narrativismo,
cujos principais expoentes são Michael White e David Epston3, propõe a
busca das narrativas alternativas àquela dominante na família, com o intui-
to de ressaltar aspectos que não estão no centro da visão principal, buscan-
do reescrever com a família uma nova história mais positiva e adequada.
No final do século passado fomos chegando ao chamado pós-mo-
dernismo, etapa que trouxe também para as ciências psicológicas uma di-
ferente visão de mundo. A forma de pensar pós-moderna passa a contestar
as verdades absolutas, valorizando uma postura de acolhimento às dife-
rentes visões da realidade. Já não cabe, nesse enfoque, pensarmos em
escolas estanques de terapia que contenham todas as verdades, enquanto
as demais estariam equivocadas. Cada vez mais, nos últimos anos do sé-
culo passado e nesse começo de século, os terapeutas de todos os matizes
– terapeutas familiares entre eles – passaram a buscar abordagens que
integrem diferentes teorias e técnicas. Já não é suficiente que os terapeutas
sejam definidos como estruturalistas, estratégicos, construtivistas ou
narrativistas, isso para tomarmos algumas das principais correntes da tera-
pia familiar. Pesquisas têm demonstrado que a grande maioria dos
terapeutas familiares nos dias atuais (e isso vale também para os terapeutas
individuais de várias orientações) trabalha com modelos teóricos e técnicos
que integram diferentes abordagens. Em trabalho anterior, afirmo:

A tarefa do terapeuta, desafio que permanece presente durante toda sua


vida, é estar constantemente aberto às diferentes formas de fazer terapia,
enriquecendo sempre sua bagagem com a imensa e criativa diversidade
de teorias e técnicas que possam ser integradas. Mais do que tudo, a
construção do terapeuta passa pela integração de sua vida com seu tra-
balho, de sua mente com seu coração, da ciência com a arte, da lógica
com a poesia.15

Minuchin, um dos poucos pioneiros ainda vivo nos dias de hoje, em


sua nona década de vida, nos dá uma verdadeira lição, em um de seus
últimos livros, Dominando a Terapia Familiar16. Mesmo sendo o criador de
uma das mais influentes escolas de terapia familiar, desenvolvida há mais
de quarenta anos, ousa reconhecer as mudanças de nosso tempo. Examina

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Por outro lado, o desenvolvimento da abordagem familiar através do


uso do genograma, amplamente divulgado por autores como Mônica
McGoldrick e Betty Carter11, na época trabalhando em Nova Iorque, reforçou
esse retorno à valorização do histórico e do passado. O genograma também
valoriza a estrutura familiar, mas sua ênfase trigeracional ressalta os aspec-
tos históricos e as repetições intergeracionais de padrões disfuncionais, como
a violência, os abusos físicos e sexuais ou o abuso de álcool ou drogas.
Numa outra vertente, a abordagem de Evan Imber-Black12 e seu grupo, na
época no Albert Einstein de Nova Iorque, iluminou os segredos familiares,
com frequência guardados por muitos anos, que se constituem na origem de
graves disfunções de indivíduos, casais ou famílias. Buscar esses segredos,
tais como abusos sexuais, violências, segredos sobre a paternidade dos fi-
lhos ou de adoções, também leva a terapia familiar em direção ao passado e
à sua importância na determinação das interações no presente.
Ao longo dos anos oitenta, os ventos da mudança foram se inten-
sificando. A terapia familiar feminista, estimulada pela onda de lutas das
mulheres naqueles anos, fez alguns contrapontos à visão estruturalista da
família, valorizando as diferenças de gênero e propondo um maior reco-
nhecimento do papel da mulher na sociedade, na família e no casamento.13
Hoje não podemos mais deixar de levar em conta a questão do gênero
quando trabalhamos com famílias e casais, mas nem sempre foi assim na
história da terapia familiar. O mesmo pode-se dizer da influência da cultura
em seu sentido mais amplo, que também é um fator fundamental no enten-
dimento de certas questões familiares, em especial quando trabalhamos
com famílias migrantes e/ou multiculturais, em que os diferentes valores,
hábitos e ritos da cultura de cada um dos cônjuges podem ser fonte de
grandes conflitos.
Nos anos oitenta também se fortaleceram as visões construtivistas,
o construcionismo social e o narrativismo. Essas novas correntes do pensa-
mento vieram influenciar fortemente a terapia familiar no final do século pas-
sado. Autores como Carlos Sluzki, Tom Andersen, Harlene Anderson, Harold
Goolishian, Lynn Hoffmann, Kenneth Gergen e Sheila McNamee, além do
italiano Gianfranco Ceccin e do canadense Karl Tomm, entre tantos outros,
passaram a ter forte influência nas novas gerações de terapeutas familia-
res.14 Seu diferencial é uma visão da terapia menos hierárquica: propõem
uma abordagem construída entre terapeutas e pacientes através do diálogo
conversacional. Alguns desses autores chegam a propor que o terapeuta
deva partir de uma posição de “não saber”, entrando em comunicação com a
família sem nenhum pressuposto teórico apriorístico. Tudo deve ser construído
em conjunto; terapeuta e família buscam juntos uma releitura da história e
dos problemas familiares. Valoriza-se mais a conversação e o diálogo
terapêutico e menos as intervenções técnicas, estruturais ou estratégicas.
TERAPIA FAMILIAR – ONTEM E HOJE 235

modalidades diversas de intervenções, agrupadas nos modelos denomina-


dos comunicacional e estratégico de terapia familiar.3 Trabalhavam basica-
mente em equipe, usando espelho unidirecional, buscando ajudar as famíli-
as a realizarem mudanças através de intervenções em seus padrões
relacionais. Valorizaram a questão da liderança e do poder nas famílias e na
terapia e desenvolveram algumas formas de abordagem, chamadas parado-
xais, para quebrar a resistência das famílias às mudanças. Essas técnicas
visam enfrentar as mensagens ambíguas e contraditórias que muitas famíli-
as emitem entre si e para os terapeutas, tipo queremos ser ajudados a resol-
ver nosso problema, mas não queremos mudar nada. Nessas situações, os
terapeutas estratégicos propõem tarefas terapêuticas que contenham um
paradoxo: ou a família adere à sugestão terapêutica, obedecendo ao coman-
do do terapeuta, ou o desobedecem e mudam seu comportamento. Um exem-
plo disso é a técnica de prescrição do sintoma: o terapeuta sugere que o
paciente e/ou a família façam mais daquilo que está sendo considerado um
problema – ficar ainda mais grudados do que já estão ou não se separarem
por nenhum minuto ao longo de certo tempo. Essa forma de intervenção leva
a que, quando cumprida a tarefa, ocorra uma verdadeira saturação daquele
comportamento ou, quando a desobedecem, tratam de manter-se afastados,
o que é o objetivo terapêutico a ser alcançado nesse contexto familiar, ou
seja, uma maior individuação entre seus membros. Uma outra vertente bas-
tante interessante desse grupo foi liderada por Steve De Shazer9, que formu-
lou um modelo de intervenções breves e focadas na solução do problema
trazido pelo indivíduo ou pela família.
Todos esses terapeutas familiares pioneiros tinham em comum uma
característica que os distinguiam: eram bastante ativos em sua forma de
intervir, diferindo muito do modelo “neutro” e pouco participativo das terapias
psicanalíticas das quais vários deles, inclusive Minuchin, se originaram. Por
algumas décadas, a terapia familiar sistêmica manteve uma postura de opo-
sição crítica à psicanálise, negando tudo que pudesse lembrar sua forma de
pensar e de fazer terapia. Mas não é possível interromper-se o desenvolvi-
mento das teorias, as diferentes visões da realidade não podem ser renega-
das. Aos poucos, as gerações seguintes de terapeutas familiares foram abrindo
novos caminhos e construindo pontes com os conhecimentos estabelecidos
em outras áreas. Na Itália, o grupo de Roma, liderado por Maurizio Andolfi10,
passou a destacar o trabalho com a família trigeracional, enfatizando a im-
portância dos avôs na família. Com os avôs veio a história das famílias, a
valorização das interações passadas como fator influente no modo como os
pais se comportavam no aqui-e-agora da vida familiar. Retomou-se, então, a
valorização da história, dos mitos e das crenças familiares construídas no
passado e que influenciavam a vida familiar, distorcendo as interações no
tempo presente.

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nóstico e o tratamento dos pacientes3. Ackermann foi o pioneiro da vertente


psicanalítica da terapia familiar, que ainda hoje tem desdobramentos impor-
tantes em vários países do mundo. Em nosso meio duas vertentes desse
enfoque são bastante influentes: a teoria vincular, que tem os argentinos
Isidoro Berestein e Janine Puget4 entre seus teóricos mais importantes, e o
grupo francês, em que se destacam Albert Eiguer e René Kaës5, que aportam
inovadores conceitos sobre a transmissão psíquica transgeracional. Apesar
de serem muito interessantes os aportes desses diversos autores, não vou
deter-me em examiná-los mais detalhadamente, pois seus trabalhos man-
têm-se dentro do âmbito do universo psicanalítico e estão um tanto à parte
do corpo principal dos desenvolvimentos teóricos e técnicos da terapia fami-
liar sistêmica.
Alguns anos mais tarde, outros autores passaram a desenvolver a
terapia familiar, agora em contextos mais clínicos. Um deles foi Bowen6 que
centrou sua contribuição num enfoque familiar muito voltado para a questão
da individuação e da separação. Bowen trabalhava muito com indivíduos,
mas costumava mandá-los de volta à sua família de origem para esclarecer
e resolver alguns conflitos que estavam dificultando seu desenvolvimento.
Seu enfoque ainda hoje é bastante considerado, apesar de ter sido um autor
que pouco escreveu sobre suas ideias. Mas foi Salvador Minuchin7 – um
argentino oriundo da psicanálise – quem, juntamente com alguns outros co-
legas da Child Guidance Clinic de Filadélfia, nos anos sessenta e setenta do
século passado, desenvolveu e sistematizou uma teoria e um conjunto de
recursos técnicos que ficaram conhecidos como o modelo estrutural de tera-
pia familiar. O grupo de Minuchin trabalhou com famílias com crianças
anoréticas e diabéticas, buscando identificar as características que possuí-
am em comum. Naquele período foi escrito o livro Técnicas de Terapia Fami-
liar, por Minuchin e Fishman8, que sintetiza as principais abordagens desen-
volvidas pela teoria estrutural da família, modelo que foi dos mais influentes
nas décadas que se seguiram. Minuchin e seus seguidores também
enfatizaram a abordagem relacional no aqui-e-agora da sessão familiar, mas
diferenciaram-se por sua visão mais focada na estrutura familiar. Preocupa-
ram-se mais com a questão das fronteiras entre os subsistemas, cuja disfunção
levava às famílias aglutinadas, aquelas demasiado unidas e com pouca
individuação, ou às caóticas, que mantinham laços muito frouxos e pouca
conexão. Buscaram tratar as alianças e as coalizões disfuncionais entre
membros da família e as disfunções estruturais, tais como pais mantidos
muito periféricos, filhos ocupando funções parentais ou triangulados entre
seus pais.
Nessa mesma época, os remanescentes do grupo de Palo Alto, in-
corporando novos e importantes colaboradores como Virginia Satir e Cloé
Madanés, seguiram trabalhando com um enfoque sistêmico, desenvolvendo
TERAPIA FAMILIAR – ONTEM E HOJE 233

famílias de esquizofrênicos, o que os levou a formular o conceito


de duplo-vínculo, ao qual foi atribuído um importante papel na
determinação e na manutenção da esquizofrenia de um filho. Hoje
já não podemos mais pensar a causalidade desse transtorno como
sendo consequência de duplos-vínculos, mas segue sendo impor-
tante esclarecerem-se as profundas dificuldades comunicacionais
que se estabelecem nessas famílias a partir das duplas mensa-
gens enviadas para os filhos, como as mensagens verbais que
são contraditas por outras pré-verbais, por exemplo.
• A pontuação de qualquer sequência comunicacional vai ser dife-
rente dependendo do ponto de vista de quem a está examinando:
cada pessoa seleciona, a partir de sua ótica, a pontuação que lhe
favorece. Assim, nas interações familiares, cada indivíduo tem
uma tendência a pensar que o outro é quem iniciou a sequência
comunicacional disfuncional, tendendo a não ver como sua pró-
pria ação anteriormente realizada possa também ser parte do pro-
blema, na medida em que influencia a atitude de seu interlocutor.

Essa visão da comunicação humana harmoniza-se bastante bem com


os princípios cibernéticos que na época estavam sendo elaborados e difundi-
dos, formando-se então um substrato teórico adequado para aqueles primei-
ros estudos da família como um sistema. Recordemos que aquele grupo
também tinha em comum uma postura crítica diante da psicanálise, então
hegemônica como teoria explicativa dos fenômenos psíquicos, em função
de sua visão excessivamente centrada no mundo intrapsíquico do indivíduo,
onde se situariam todos os conflitos que determinariam a saúde e a patologia
humana. Num movimento pendular típico dos momentos de avanço do co-
nhecimento, esses pioneiros da terapia familiar buscaram as causas da saú-
de e da doença psíquica não no indivíduo, mas nas relações, na interação
entre os membros da família, num contraponto dialético com os defensores
das teorias psicanalíticas. Afirmavam, naquele período fundante da terapia
familiar, que o intrapsíquico carecia da importância – ele seria como uma
caixa-preta de aviação, que poderíamos avaliar examinando apenas suas
entradas e saídas. Debruçaram-se, então, sobre a interação no aqui-e-agora
das entrevistas conjuntas com as famílias, negando importância à história e
à subjetividade.
Naturalmente essa corrente sistêmica que estava nascendo em Palo
Alto não era a única vertente desse movimento em direção a uma aborda-
gem familiar dos problemas humanos. Nesse mesmo período, Nathan
Ackerman, psiquiatra infantil, passou a desenvolver também uma forma de
abordagem familiar em seu trabalho com crianças, mas com um enfoque
mais psicanalítico. Mesmo assim, avançou em relação à visão de seu tem-
po, afirmando que a família era a unidade básica para se estabelecer o diag-

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):231-243


232 LUIZ CARLOS PRADO

Escrever sobre terapia familiar é enfrentar um mundo diversificado.


Em seus mais de cinquenta anos de existência, essa forma de abordagem já
percorreu um caminho longo de transformações e de diversificações. Por
essa razão, seria mais correto que nos referíssemos às terapias familiares.
Buscando seu marco inicial, temos de retroagir à metade dos anos cinquenta,
quando um grupo de pioneiros reuniu-se em Palo Alto, na Califórnia, sob os
auspícios do NIMH – National Institute of Mental Health – para estudar a
comunicação em famílias de esquizofrênicos. O grupo era multidisciplinar –
ali estavam Gregory Bateson, antropólogo, Paul Watzlawick e Don Jackson,
psiquiatras, Jay Haley, pesquisador e terapeuta familiar, e John Weakland,
antropólogo e especialista em famílias.1 Em comum, tinham a influência de
duas correntes de pensamento emergentes naquela época: a cibernética e a
teoria da comunicação humana.
A cibernética trouxe o conceito de sistema e a idéia de que esse é
mais do que a soma de suas partes; aportou, também, os conceitos de
homeostase familiar, feedback (retroalimentação) e de causalidade circular.
Em um sistema, as partes interagem umas com as outras, e os movimentos
de cada componente modificam todos os demais. A homeostase é o meca-
nismo através do qual um sistema mantém seu equilíbrio, assegurado pelo
constante feedback entre seus diversos componentes. Essa forma de pensar
a causalidade, chamada circular, opõe-se à visão linear até então prevale-
cente, baseada nos princípios da física newtoniana que propõe haver, para
cada ação, uma reação igual e contrária. Um exemplo desse tipo de entendi-
mento em psicologia pode ser observado nas formulações filho esquizofrênico/
mãe esquizofrenizante ou pais frígidos/criança autista. Nestas formulações,
que foram bastante difundidas anos atrás, busca-se compreender a patolo-
gia de um filho em função dos comportamentos de uma mãe ou dos pais. A
visão sistêmica levou a um tipo de análise mais complexa: cada indivíduo de
uma família age sobre os demais, e suas respostas voltam a influenciá-lo e a
todo o conjunto.
A teoria da comunicação humana, por outro lado, trouxe aportes tam-
bém muito importantes para a terapia familiar. Alguns postulados dessa teo-
ria foram determinantes nos primeiros estudos daqueles pioneiros em Palo
Alto e dos seus seguidores:2

• É impossível não se comunicar – em um contexto de grupo, todos


se comunicam constantemente, de uma forma ou de outra.
• Mesmo o silêncio é uma forma de comunicação e sempre contém
alguma mensagem que pode ser decodificada.
• A comunicação tem aspectos analógicos e digitais (verbais e pré-
verbais), que podem ser congruentes ou incongruentes. Um dos
achados importantes do grupo de Palo Alto foi exatamente as in-
congruências entre as comunicações verbais e não-verbais nas
Terapia familiar – ontem e hoje

Family therapy - yesterday and today

Luiz Carlos Prado*

Resumo
O presente trabalho faz uma revisão histórica da terapia familiar desde suas
origens, examinando a evolução de seus principais modelos e conceitos até
os dias atuais. Considera as principais modificações ocorridas nas formas de
abordagem em terapia familiar ao longo dos últimos cinquenta anos, ao mes-
mo tempo em que ressalta as mudanças das configurações familiares nesse
tempo. Utilizando um exemplo clínico, ilustra como a terapia familiar pode
constituir-se em um valioso instrumento para o tratamento das disfunções
familiares – problemas de comunicação, rupturas, conflitos, abusos, perdas
significativas, segredos e crenças disfuncionais que afetam as relações dos
casais e das famílias. Examina também como a terapia familiar pode ser
importante coadjuvante no tratamento dos graves distúrbios psiquiátricos,
tais como os transtornos do humor e as psicoses.
Descritores: terapia familiar; sistemas familiares; disfunção familiar.

Abstract
This paper presents a historical review of family therapy from its early origins,
looking into the evolution of its main patterns and concepts, until today. It
takes into consideration the main changes that have happened in the way
of approaching family therapy throughout the last fifty years; in addition, it
enhances the changes in family profiles along the same period. Through the
use of a clinical example, it shows how family therapy can become a valuable
tool for the treatment of family dysfunctions - communication problems, break-
ups, conflicts, abuses, significant losses, secrets and dysfunctional beliefs
that affect the relationships between couples and families. It also examines
how family therapy can be an important supporting tool in the treatment of
severe psychiatric illness, such as affective disorders and psychosis.
Keywords: family therapy; family systems; family dysfunction.

* Médico Psiquiatra, psicoterapeuta de casais e famílias.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):231-243


230 JANICE BACALTCHUK FISCHMANN

O bom trabalho com grupos nos permitirá aprofundar a construção e


manutenção de vínculos saudáveis e estruturantes em contrapartida à forma
esvaziada com que as configurações vinculares e relações humanas aconte-
cem na sociedade contemporânea.
Devemos priorizar não apenas as questões ideológicas das escolas
terapêuticas, mas enfocar a necessidade de avaliação constante dos proces-
sos e mecanismos de mudança. A melhor abordagem terapêutica será aque-
la que permitirá não só o alívio sintomático, mas principalmente o permanen-
te crescimento pessoal e relacional de nossos pacientes.

Referências
1. Kaplan, Harold I, Sadock B...[et al.]. Compêndio de psicoterapia de Grupo,
3ed. PortoAlegre; Artes médicas, 1996.
2. Osório LC, [et al]. Grupoterapia Hoje. Porto Alegre, Artes medicas, 1983,
p. 47.
3. Kessler, F K, Pechansky, F, Levy R. Jornal do Centro de Estudos Luis
Guedes, ano 17, numero 58, 2006.p.15.
4. Yalon, I D. Psicoterapia de Grupo: teoria e pratica. Porto Alegre, Artmed,
2006.
5. Foulkes, S H, Anthony. Psicoterapia de grupo. Rio de Janeiro, Biblioteca
universal Popular, 1967.

Recebido em: 24/08/2009 Aceito em: 28/08/2009

Endereço para correspondência:

Janice Bacaltchuk Fischmann


Dona Laura, 87 sala 305
Porto Alegre, RS
E-mail: janbfischmann@hotmail.com
PSICOTERAPIA DE GRUPO 229

Limitava-se a interpretar os fenômenos emergentes como um acontecer


global do grupo ou de partes do mesmo. Considerava o grupo do ponto de
vista dinâmico como uma entidade diferente dos membros que o compunha.
A partir de suas observações, lançou a hipótese de que os grupos têm dois
tipos de atividades: uma racional, consciente, que tende à cooperação (grupo
de trabalho), e outra cuja origem inconsciente que se opõe à anterior (grupo
de suposto básico).
Muitos dos conceitos formulados por Bion através de suas observa-
ções dos processos mentais são amplamente utilizados na psicoterapia grupal.
Apenas destacaremos alguns, sem desmerecer as tantas outras concepções:
espírito de grupo, mentalidade grupal, cultura grupal, valência, capacidade
negativa, continência e os tão conhecidos supostos básicos de dependência,
luta e fuga, acasalamento e grupo de trabalho.
PICHON RIVIÈRE – Psicanalista Argentino, responsável por contri-
buições relevantes que ficou conhecido entre nós pelos Grupos Operativos.
Considerava o indivíduo como um resultante dinâmico no interjogo estabele-
cido entre o sujeito e os objetos internos e externos através de uma estrutura
dinâmica que denomina de vínculo. Conceitos de porta- voz, depositários,
depositantes, depositado, verticalidade, horizontalidade, tarefa, pertenência,
pertinência e tantos outros que exigiriam um capítulo especial para enume-
rá-los. Pichon semeou ideias que até hoje são aplicadas, mas sem dúvida
foi um promotor do aprendizado do “pensar”, trabalhando as contradições e
coerências que articulam o acontecer dos grupos e instituições.
Seria justo citar todos os autores que contribuíram para a formação
dos conceitos de grupoterapia, mas corremos o risco de omitir algum, uma
vez que muitos foram significativos. Portanto, ressaltaremos as preciosas
contribuições das escolas francesa, inglesa, argentina e americana. Não
falaremos numa escola brasileira com projeção em outros países, mas assi-
nalaremos a existência de grandes expoentes no Brasil nas lides grupais,
seguindo e praticando as mais diversas linhas teóricas.
Então, o que mudou? Os cenários mudaram, mas os princípios bá-
sicos da técnica se mantiveram. Conceitos como transferência, contratrans-
ferência, resistências, configurações vinculares, identificação, projeção,
representações simbólicas, comunicação, papéis, fatores terapêuticos
elaboração, insight, interpretação, atividade interpretativa, indicações de
tratamentos, seleção, agrupamento e tantos outros, passaram pela mesma
dinâmica que os demais tratamentos psicoterápicos. As evoluções cons-
tantes nos cuidados com a vida psíquica trouxeram novas ideias, adapta-
ções e propostas terapêuticas sempre sintonizadas com as necessidades
do contexto atual. Esse diálogo entre a práxis e conceitos teóricos deve ser
sempre respeitado.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):223-230


228 JANICE BACALTCHUK FISCHMANN

• Campo Psicológico – Espaço de vida considerado dinamicamen-


te, compreendendo tanto a pessoa como o meio.
• Espaço de vida – Todos os fatos que determinam o comportamen-
to de um indivíduo num dado momento.
• Forças psicológicas – o comportamento é causado por forças
dirigidas dotadas de certa intensidade. Essas forças podem ser
IMPULSORAS ou FREADORAS.
• Distinguiu GRUPO SOCIAL (definido pela interdependência de
suas partes) de CLASSE SOCIAL (pela semelhança entre seus
membros.

FOULKES, S. H. – Iniciou a prática da psicoterapia de grupo de base


analítica em 1948. Conceituava o grupo como um “todo social”, maior do que
a soma das partes. Seu modelo é de que o grupo é um sistema aberto,
gestáltico que se define em termos das informações significativas que rece-
be e das forças psicológicas presentes.
Segundo Foulkes, “na psicoterapia grupal de base analítica, o grupo
é tratado com o objetivo de beneficiar seus membros de forma individual,
independentemente de se observar e tratar o grupo como um todo, como
sujeito do tratamento”5 ( pág. 23).
MELANIE KLEIN – Apesar de Melanie não estar presente no histó-
rico dos grupoterapeutas, não poderíamos deixar de referi-la pela sua impor-
tante contribuição ao trabalho com grupos através de sua teoria das relações
objetais deduzida da análise das fantasias mais arcaicas.
As primeiras relações de objetos são muito importantes, uma vez
que vão determinar todas as demais, pois nos relacionamos com as pessoas
do mesmo modo que nos relacionamos com as primeiras que aparecem em
nossas vidas. Por isso entender os mecanismos que governam as fantasias
mais primitivas do ser humano especialmente essas relações objetais, possi-
bilita-nos compreender nossas peculiares formas de relação.
Sua teoria das relações objetais, a atenção primordial com a relação
com objetos internos e a análise das introjeções e projeções, estão presentes
até hoje na nossa prática da grupoterapia.
BION, W.R. – Na Inglaterra, em 1948, inicia um trabalho com grupos
terapêuticos na conhecida clínica Tavistock. Utilizou conceitos Kleinianos pela
primeira vez na psicoterapia de grupo. Suas contribuições mundialmente
conhecidas partem da concepção de que o homem precisa da vida em grupo
para seu desenvolvimento.
Bion considerava que os fenômenos grupais estão presentes em
nossos processos mentais todo o tempo, mesmo que de forma subjacente ou
implícita. E esses processos estão ativos mesmo quando não percebidos.
PSICOTERAPIA DE GRUPO 227

Yalom salienta que, devido à grande multiplicidade de formas de


atendimentos grupais, seria melhor se falar em “terapias de grupo”. Lem-
bra-nos também da diversidade nos cenários clínicos: grupos rápidos, de
média ou longa duração, grupos que se fazem para pacientes psicóticos ou
de funcionamento neurótico, institucionalizados ou não, em ambulatórios,
em clínicas, em consultórios privados, grupos abertos, fechados, grupos
especiais, utilizados na intervenção em crises, situações traumáticas, pre-
venção, promoção de saúde, psicopedagogia, de reflexão, ensino e tantos
outros que nos ocorram. Não podemos também deixar de pensar na diversi-
dade de técnicas que temos nos dias de hoje para abordar nos tratamentos
de grupo: psicanalítica, de orientação psicodinâmica, cognitivo-comportamen-
tal, psicoeducacional, interpessoal, psicodrama, operativa, institucional,
sistêmica, de apoio, expressivas, dirigida ao insight e tantas outras.
Essa variedade de abordagens deve-se não só pela multiplicidade
de escolas terapêuticas e autores com os mais variados referenciais teóri-
cos, mas principalmente pela necessidade de ampliação da abrangência de
modalidades assistenciais. Destacarei alguns:
FREUD – Apesar de Freud não ter trabalhado especificamente
com grupoterapia, deixa premissas inquestionáveis em seu legado, prin-
cipalmente no que se refere aos processos inconscientes que sempre de-
verão ser levados em conta tanto quanto à sua existência quanto à admis-
são de que, talvez, exista sempre um conflito focal de ordem inconsciente
nos grupos que nos possibilite entender muitas das condutas advindas da
interação entre seus membros, entre si e com o próprio desenvolvimento
do grupo.
Inegavelmente, os princípios da psicanálise, nas primeiras hipóteses
de Freud, permaneceram na fundamentação da teoria: o determinismo psi-
cológico, o comportamento dinâmico dirigido para um objetivo e o desenvol-
vimento epigenético.
MORENO, J.L. – Para Moreno, a psicoterapia de grupo viu-se força-
da a penetrar em todas as dimensões da existência numa profundidade e
amplitude que o terapeuta de orientação verbal desconhecia. Ele converte a
Psicoterapia de Grupo em Psicoterapia de Ação e Psicodrama. O psicodrama
pode ser definido como a ciência que explora a verdade por métodos dramá-
ticos. O espaço cênico é uma extensão da vida. O paciente é instruído para
ser ele mesmo e não um ator. O efeito do psicodrama é a catarse mental, e
o princípio comum é a espontaneidade.
KURT LEWIN – Defendeu a ideia da contextualização do indivíduo
no meio em que vive e no grupo ao qual pertence para poder compreendê-lo
integralmente. Definiu inovadoramente conceitos, como:

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):223-230


226 JANICE BACALTCHUK FISCHMANN

Entre os precursores da terapia de grupo, o marco se deve a Joseph


Pratt, tisiologista americano, em Boston, que desde1905 oferecia aos seus
pacientes tuberculosos internados em uma enfermaria, palestras e aulas que
eram seguidas de discussões grupais. Pratt utilizava técnicas sugestivas
seguidas de discussões sobre vários aspectos da doença que sofriam. O
fascinante é que ainda hoje podemos nos inspirar nesse recurso de Pratt de
trabalhar as relações emocionais advindas da doença, bem como do traba-
lho das relações interpessoais como um importante recurso terapêutico de
superação da moléstia ou como uma forma de conviver melhor com ela.
De 1905 a 1959, a psicoterapia de grupo viveu um período de confi-
guração e desenvolvimento. Os seguidores de Pratt, valorizando os ganhos
psicológicos de sua abordagem, estenderam o método a outros pacientes
com diferentes patologias clinicas, até chegar aos pacientes neuróticos e
psicóticos. A partir da década de 1930, outros autores foram trazendo suas
contribuições nessa modalidade terapêutica. Os mais expressivos foram:
Moreno (psicodrama), Slavson (Terapia de grupo da atividade – expressão
das fantasias e o sentimento através da ação e do brinquedo), Kurt Lewin
(criador da expressão dinâmica de grupo e teoria do campo) e outros.
A popularidade da psicoterapia de grupo cresceu significativamente
na II Guerra Mundial devido principalmente à necessidade de utilizar mais os
métodos grupais, uma vez que as baixas psiquiátricas aumentaram em nú-
mero e houve uma diminuição de profissionais da área para tratar essas
pessoas baixadas. Nesse momento, a terapia de grupo se expandiu, e mui-
tos terapeutas surgiram e colaboraram com suas teorias no crescimento des-
se recurso terapêutico. Contribuições se tornaram consagradas e utilizadas
até os dias de hoje.
De 1951 a 2000, a técnica da psicoterapia de grupo começou sua
consolidação e amadurecimento. Muitos trabalhos foram escritos, e o núme-
ro de publicações especializadas multiplicou-se. Essa modalidade de trata-
mento passou a ser adotada de forma mais intensa em vários setores e por
múltiplos profissionais de saúde: assistência psiquiátrica ambulatorial e de
internações, clínica privada ou pública, grupos especializados nas doenças
clínicas e ou psiquiátricas extensivos à população em geral.
Novas ideias e propostas foram introduzidas, trazendo com isso no-
vos modelos de psicoterapia de grupo e, nos contextos atuais, muito temos
utilizado esse recurso psicoterápico. Yalom, em seu clássico livro “Psicoterapia
de grupo: teoria e pratica”, ratifica essas ideias com sua vasta experiência :
“desde que a terapia de grupo foi introduzida na década de quarenta, ela
passou por uma série de adaptações visando adequar-se às mudanças da
prática clínica. À medida que novas síndromes, cenários e abordagens teóri-
cas surgiam, também apareciam variações correspondentes na terapia de
grupo”4 (pág.14).
PSICOTERAPIA DE GRUPO 225

os vínculos entre os indivíduos tendem a ser superficiais e efêmeros. A


contemporaneidade, marcada segundo Bauman, “pela fluidez e inconsis-
tência dos vínculos humanos, propõe o narcisismo como saída, iludindo ao
sujeito de que sua felicidade pode não depender do vínculo com o outro. A
cultura do narcisismo, na verdade, encobre o vazio e a depressão subja-
cente e faz com que o homem pós-moderno empolgue-se com objetos
menores e desvalorizados, com um prazer perverso que não conhece a
satisfação”3 (pág. 15).
Bauman acrescenta sobre a fragilidade dos laços humanos, assina-
lando a ambiguidade dos relacionamentos no cenário da vida moderna: “A
era da modernidade líquida em que vivemos, um mundo repleto de sinais
confusos, propenso a mudar com rapidez e de forma imprevisível é fatal
para nossa capacidade de amar, pois não sabemos mais manter laços a
longo prazo.” Portanto, baseados nessa breve reflexão, reforçamos a con-
vicção da importância da psicoterapia de grupo, como um instrumento
terapêutico no estabelecimento de vínculos saudáveis. O vínculo pode ser
considerado o propulsor do desenvolvimento emocional do indivíduo e vai
encontrar no grupo terapêutico, um lugar privilegiado para ser fortalecido.
Também é no grupo e através do grupo que poderemos transformar as for-
ças primitivas em forças organizadoras, construtivas e reparadoras.

Breve histórico da psicoterapia de grupo


É muito comum pensarmos em Freud como o “pai” da Psicoterapia
de Grupo. Esse equívoco talvez se dê pela sua determinante contribuição
na construção da psicanálise. Freud, através de sua obra, auxiliou conside-
ravelmente no entendimento da dinâmica dos processos grupais. Ele afir-
mava que a psicologia individual e a grupal não diferiam na sua essência.
Seus trabalhos escritos no período de 1910 e 1930, muito conhecidos pelas
pessoas que trabalham com grupos, fundamentam alguns conceitos consa-
grados, tais como a importância do inconsciente na transmissão das leis
sociais, dos processos identificatórios (projetivos e introjetivos) que vincu-
lam as pessoas, a influência das lideranças na formação e manutenção dos
grupos.
A utilização da psicoterapia de grupo remonta desde o início da his-
tória humana; líderes tribais e religiosos utilizavam os grupos para promover
curas e mudanças. Desde o tempo da Grécia antiga, através do teatro, e na
Idade Média, com as peças teatrais que pregavam a moral, já depreendíamos
a essência da exploração das forças motivacionais nos grupos com finalida-
des terapêuticas. No entanto, podemos começar mesmo a nominar a terapia
de grupo como uma abordagem terapêutica orientada e planejada a partir do
século XX.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):223-230


224 JANICE BACALTCHUK FISCHMANN

Introdução
Ao iniciar minha reflexão na proposição de escrever esse artigo,
imediatamente reporto-me à importância e à amplitude de conceitos que se
fazem necessários para tal tarefa. Pensar em grupos não é tão difícil, uma
vez que o ser humano, caracteristicamente gregário desde que nasce, já
está inserido nos grupos, começando pelo primeiro que é a família. É no
grupo e através do grupo que os seres humanos vivenciam as experiências
emocionais, pessoais, sociais, culturais e profissionais. Para tal, as socie-
dades humanas necessitam dos grupos e de seu funcionamento eficiente.
Por muitos séculos, intrigou-nos o poder que os grupos têm de alte-
rar e afetar pessoas. Os estudiosos sempre pensaram em como os grupos
influenciavam no comportamento dos indivíduos. “Aristóteles, já ponderava
a natureza dos seres humanos como animais sociais”1 (pág. 118). Em 1920,
tanto Gustave LeBon quanto William Mc Dougall examinaram os curiosos
efeitos das multidões sobre as pessoas que as compõem. LeBon dizia que,
“Ao participar de um grupo organizado, o homem pode descer degraus na
escala da civilização; isolado ele pode ser um indivíduo refinado, na multi-
dão, é um bárbaro, isto é, uma criatura que age por instinto”1 (pág. 118). Freud
ao se interessar pelo efeito que o grupo tinha no indivíduo,acrescenta: “nos
grupos, desaparece a superestrutura mental de cada indivíduo e emergem
fundações inconscientes comuns a todos”1 (pág. 22).
Ao comparar os grupos com as multidões, Freud ressalta o contraste
entre ambos, concordando com os aportes de Mc Dougall que apontava a
“multidão como massa sem organização e o grupo como coletivo organiza-
do.”2 Acrescenta que o Grupo “possui características próprias que fazem ces-
sar as desvantagens das formações humanas desorganizadas: certo grau de
continuidade, ideias definidas sobre sua natureza e suas funções, estrutura
igualmente definida, padrões estabelecidos de inter-relação entre seus com-
ponentes e de reação com os outros grupos. Nessa massa organizada, o
indivíduo retomaria as faculdades que havia perdido por sua absorção na
multidão”2 (pág. 47).
A história tem nos mostrado a veracidade desses estudos. Muitas
vezes nos encontramos em sociedades que, mesmo organizadas e evo-
luídas, surpreendem pelo grau de regressão e primitivismo que reagem
frente à alguns fatos: violência, barbáries, ideologias promovendo condutas
irracionais, fanatismos, fundamentalismos e tantos outros exemplos que nos
fazem ficar perplexos quando percebemos que, mesmo com a evolução e o
aprimoramento da tecnologia e cientificidade, esses fenômenos são muito
atuais e frequentes.
Não podemos deixar de introduzir uma reflexão sobre a importância
dos grupos no mundo contemporâneo, pautado por uma sociedade em que
Psicoterapia de grupo

Psychotherapy group

Janice Bacaltchuk Fischmann*

Resumo
O artigo busca fazer um retrospecto histórico - evolutivo da psicoterapia de
grupo, desde suas origens. Os conceitos apresentados procuram delinear
algumas das principais contribuições dos diversos autores que de alguma
forma construíram o referencial teórico da psicoterapia de grupo. A autora
faz uma reflexão dos princípios teóricos existentes, contextualizando-os à
contemporaneidade. Ressalta a importância do trabalho principalmente no
que se refere à construção de modelos de atendimento que levem ao estabe-
lecimento de vínculos mais saudáveis e fortes, contrapondo-se aos laços
superficiais e efêmeros que caracterizam nosso contexto social.
Descritores: psicoterapia de grupo; artigo histórico; vínculos.

Abstract
The purpose of this article is to make an evolutionary and historical
retrospection of group therapy, from its origins up to the present time. From
the concepts presented, it is intended to outline some of the main contributions
made by different authors who have taken part in the construction of the
literature review of group therapy. The author of the present work reflects on
the existing theoretical principles from a contemporary perspective. The
importance of work, mainly in relation to the creation of consultation models
aimed at establishing healthier and stronger bonds opposed to the superficial
and ephemeral ones, which are common in our social context, is emphasized.
Keywords: psychotherapy, group; historical article ; attachment.

* Psicóloga clínica, psicoterapeuta; grupoterapeuta; supervisora técnica e coordenadora de grupos


no CREEO-Centro de recuperação e estudos da obesidade; Sócia, diretora da Vínculos, Centro
de estudos; Coordenadora de grupos de reflexão no CEFI - Centro de estudos da família e
indivíduo.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):223-230


222 OLGA ALBIZURI DE GARCÍA

2. Anzieu, Didier: “El Psicodrama Analítico en el niño”. Ed. Paidos, Bs.AS.


Argentina 1961 (hay reediciones más modernas)
3. Albizuri de García, Olga: “Contribuciones del Psicodrama a la Psicoterapia
de Grupo” en el libro “Grupoterapia Hoje” Luiz Carlos Osorio y
colaboradores. Ed. Artes Médicas Porto Alegre.Brasil. 1986.
4. Basquin, Dubuison, et el.: “El Psicodrama, un acercamiento psicoanalítico”.
Siglo XXI. México. 1977 (hay reediciones más modernas).
5. Kaës, René y otros: “El Psicodrama Psicoanalítico de Grupo”. Amorrortu.
Bs. As. Argentina. 2001.

Recebido em: 01/06/2009 Aceito: 10/07/2009

Endereço para correspondência:

Olga Albizuri de García


E-mail totigarcia@fibertel.com.ar
EL PSICODRAMA: APERTURAS TEÓRICAS Y CAMPOS DE APLICACIÓN 221

Relatan situaciones de la vida cotidiana e insiste una y otra vez el


tema de que el otro se interesa más en todo lo demás que en la pareja. (No
tienen hijos, están juntos hace 6 años. Tienen 30 y 35 años de edad).
Les pido que recuerden una escena donde esto que relatan se haga
visible, que cada uno piense una escena.
Se les ocurre la misma escena a los dos, pero en el relato parecen
dos escenas diferentes y enfrentadas.
Es un fin de semana, están en su casa.
Escena: Ella se acerca y le propone salir a caminar, pues el día esta
hermoso. El está arreglando sus papeles, ordenando sus libros. Le dice que
ahora no puede, que después puede ser. Ella pega un portazo y se va sola.
Versión de ella: él está ensimismado y no la registra, dramatiza una
propuesta seductora y una respuesta de él fría y distante. (Esto se realiza
jugando alternativamente la mujer, los dos papeles).
Versión de él: está tranquilamente con sus cosas y ella pretende que
él “largue todo” y salga rápidamente a pasear, no teniendo en cuenta lo que
él está haciendo. (La misma técnica anterior de asumir ambos roles alterna-
tivamente).
Para un tercero, en este caso la terapeuta, son dos escenas diferen-
tes. Y lo son. Cada uno la vive desde sí mismo sin registrar al otro.
Los soliloquios de ambos también lo demuestran:
El: “Ella no me entiende, solo piensa en lo que ella quiere.”
Ella: “El se preocupa por sus cosas, no por mí, no me ve”.
Queda en evidencia para ellos que la queja es la misma en ambos,
que el clima de las dos escenas dramatizadas ponían al otro en el lugar del
que abandona y no puede salir de su propio “ombligo”, y a sí mismo como
víctima de la relación.
Ella se sentía seductora, el la vivía como demandante. El estaba
placenteramente disfrutando en su casa, ella lo vivía como egoísta y pres-
cindente.
Trabajamos estos aspectos narcisistas y en espejo de la relación e
intenté descentrar la temática en esa sesión y en las posteriores.
Por primera vez se comprometen al hablar de la sexualidad de la
pareja y de su estilo de organización económica. El tema de los hijos se
presenta como algo no deseado por la gran responsabilidad que significa.
Ninguno de los dos tiene expectativas al respecto.

Referencias
1. Albizuri de García, Olga y Kononovich, Bernardo: “Historia del Psicodrama
en la Argentina” en Revue de Psycotérapie Psychanalytique de Groupe .
Francia 1988.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):207-222


220 OLGA ALBIZURI DE GARCÍA

Se dan diversas reacciones de “los vecinos” hacia “la niña”. Esas


conductas develan sentimientos y posiciones, que no en todos los casos eran
coherentes con el discurso que cada uno sostenía, anterior a la entrada de la
niña a la escena: Contención, en su doble acepción, molestia, indiferencia,
solidaridad, impotencia.
Una de las “vecinas” le ofrece unas galletitas a la “niña”, otros la
ignoran y siguen hablando como sí la “niña” no estuviera, algunos se quedan
en silencio, alguien se molesta y otro le dice a la “niña” que no debe estar allí,
que están trabajando.
La “niña” se pone mal y bastante agresiva. La escena se transforma,
adquiriendo una intensidad mayor y distinta. Se van quedando en silencio
Luego de la escena, soliloquios de los protagonistas y comentarios
vivenciales de ellos y del grupo de alumnos. Se trabaja el material escénico,
se destacan: algunas posiciones narcisistas (sin decir este término), por la
modalidad que tuvieron en la discusión, contradicciones entre el discurso y la
práctica, en otros, dificultad de enfrentarse directamente con la realidad que
encarnaba el personaje de la niña, dificultad de reflexión grupal. Se habló de
las emociones que despierta la situación de extrema pobreza en nuestro país.
Una frase fue dicha: “Una cosa es hablar de los pobres y hambrientos
y otra muy distinta relacionarse con ellos”.
Esta escena dio lugar a la visibilidad de aspectos singulares, que a la
vez son representativos de otros, de esa manera fueron enfocados. A un
tratamiento de la temática desde otra implicación, produciendo transfor-
maciones singulares y en el grupo.
En otro dispositivo donde no fuera necesario utilizar tiempo para el
aprendizaje teórico y técnico, hubiera propuesto asociación dramática, don-
de las escenas que cada uno evocó o imaginó hubieran ocupado el escenario.
Escenas en vez de alusión a escenas como en esta ocasión, pero el tiempo
de que disponíamos se terminaba y estaban muy movilizados, era necesario
procesar lo dramatizado.
Los dispositivos, las técnicas y sus objetivos puntuales permiten y
ofrecen variaciones según el desarrollo que el coordinador considere más
adecuado en cada situación.
En la clínica se dan diferencias de procedimiento según se trate de
grupos, parejas y familias, instituciones o trabajo psicoterapéutico individual.
La diferencia más notoria se da entre: los vínculos familiares, cuyos
protagonistas de las escenas son las personas implicadas en el conflicto,
están presentes, y los grupos, donde son compañeros de grupo quienes per-
sonifican a otros, dramatizando diversos roles para los que son elegidos.

c) Un momento de una sesión de pareja:


Están mal, ella quiere separarse, él no, eso es lo que expresan. Am-
bos se quejan de que están solos y son incomprendidos por el otro.
EL PSICODRAMA: APERTURAS TEÓRICAS Y CAMPOS DE APLICACIÓN 219

produjo una necesidad de replantearse que es lo que más la afecta, que la


hace perder el sueño y quedar tan debilitada. Reflexiona acerca de su pasi-
vidad y dejadez para buscar otro trabajo.
Continúan todos aportando comentarios y hablando de sus afecta-
ciones. Amplían las asociaciones con características de la modalidad de
vinculación de cada uno, las asimetrías en las que el poder juega “malas
pasadas”, se esté de un lado o del otro.
La autoridad como territorio conflictivo.

b) Tomaré brevemente, a modo de ejemplo, una escena dramatiza-


da en una cátedra de psicodrama. Elijo esta escena por dos motivos: Porque
pienso que refiere a un tema que insiste en los grupos y porque se visualiza
la transformación que se produjo en el tratamiento de la temática a posteriori
de la escena.
En la clase práctica (asisten 40 personas) se elige un relato, entre
varios, para ser dramatizado.
Escena: Un grupo de vecinos (6 ó 7 alumnos) reflexiona acerca de
como hacer para brindar ayuda y cuidados a la gente del vecindario que está
totalmente desprotegida y hambrienta.
Se van haciendo diferentes propuestas, surgen liderazgos y modali-
dades del discurso. La dinámica no se diferencia de lo que sucede en otros
grupos que se reúnen para pasar a la acción, propuestas e intenciones. Se
crea un enfrentamiento, hay momentos en que se escuchan y otros que no.
Una persona se irrita y se enoja. Hay tensión, ansiedad y bastante angustia.
Comienzan a repetir lo ya dicho y como coordinadora psicodramática
considero en un momento que la escena se está volviendo repetitiva y estéril
y que las distintas posiciones están enquistadas, (cada uno no salía de su
propia propuesta).
(Yo había pedido soliloquios y rotado el lugar del coordinador del
grupo de discusión , es decir, varios iban asumiendo los diferentes roles y el
rol de moderador de la discusión).
Se aleja la posibilidad de salir de lo declamatorio.
Utilizo una técnica que no es utilizada frecuentemente a la que
llamamos “rol imprevisto” (Moreno la llamaba: interpolación de resistencias).
Pido en voz baja a una alumna del grupo que asiste a la escena, que
se incorpore a la misma y asuma el rol de una niña que pide comida, que
tiene hambre.
Con la incorporación de “la niña” a la escena, surge un momento de
confusión y de asombro que es factible de varias lecturas. Por un lado la téc-
nica empleada produjo el efecto señalado, por otro lado, la realidad de la que
hablaban, corporizada en “la niña”, exige más que palabras y propuestas.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):207-222


218 OLGA ALBIZURI DE GARCÍA

Escena: Jefe: Señorita Claudia la mandé a llamar porque estoy fu-


rioso con usted, los clientes que se acaban de ir se han quejado fuertemente
de la forma en que usted los trató.
Claudia: ¡¿ Yo?!...
J: Sí, usted. No les mostró el lugar, no les explicó nuestra forma de
trabajar, atendió el teléfono mientras estaba con ellos, no contestó con
amabilidad sus preguntas…
C: No señor, no es así, yo…
J: (interrumpe) Usted se calla y me escucha, usted no representa el
espíritu de la empresa, usted…
C: (interrumpe) Señor, yo soy una profesional responsable, lo que
usted…
J: (interrumpe) Usted se calla y si no cambia su actitud, dejará de
trabajar para mí.
C: Señor, usted no entiende, eso que le han dicho no es cierto…
J: (interrumpe) Basta, retírese y piense bien en lo que le he dicho…por
su bien. ¡Cierre la puerta al salir!
(Claudia se retira con lágrimas en los ojos y luego comienza a sollozar)
Dice: “No lo aguanto más, me humilla, no me escucha, no tiene en
cuenta todo lo que hago por la empresa”.
Jorge comenta: “Qué desastre que soy, me encantó hacer ese rol”.
El grupo está impactado por el tema, por la angustia de Claudia y
dicen también que les sorprendió la vehemencia de Jorge.
Les digo que después haremos los comentarios y les pido que
dramaticen las escenas que asociaron con la dramatización.
Surgen varias escenas que se dramatizan: una escena infantil, don-
de el protagonista es reprendido y no lo dejan defenderse, lo hacen callar, lo
desvalorizan. Otra escena donde el que la trae se queda mudo frente a una
injusticia, indignado y paralizado. Otra donde la protagonista está en una
posición autoritaria frente a una empleada. Otra donde la protagonista pide al
yo auxiliar (compañero) que la ayuda en la escena, que le hable en un idioma
que ella no comprenda, inventado.
Otra donde la protagonista y otros están en un aeropuerto y son mal-
tratados y dejados sin los pasaportes durante largo rato en un país extranjero.
Otra durante una redada policial donde los jóvenes a la salida de una fiesta,
se resisten a contestar y son llevados a la comisaría.
Jorge trae una escena donde su padre le grita muy fuerte y le dice:
inútil.
Luego del trabajo psicodramático hacen comentarios y expresan
sentimientos y pensamientos que los acompañaron en el transcurrir de las
escenas.
Claudia asocia con su dificultad de defenderse y con el miedo a per-
der el trabajo, pero dice que todo lo que dramatizaron sus compañeros le
EL PSICODRAMA: APERTURAS TEÓRICAS Y CAMPOS DE APLICACIÓN 217

El coordinador dramático recurre a ellas, cuando considera que su


aplicación beneficiará y dará mayor claridad al conflicto, posibilitando la cone-
xión con aspectos inconcientes negados y transformación dramática y lúdica.
Me parece pertinente ilustrar con algunas viñetas una forma de trabajo
con psicodrama psicoanalítico, teniendo en cuenta, como ya expresé repeti-
damente que hay diferentes integraciones teórico-técnicas. Elijo para esta
ocasión:
a) un momento de psicoterapia grupal
b) un momento de un grupo de formación en psicodrama.
c) un momento de psicoterapia de pareja

a) Escena en un grupo de psicoterapia de adultos de entre 35 y 50


años, que funciona desde hace 2 años, se produjo la siguiente situación:
Una integrante a la que llamaremos Claudia relata al comienzo de la
sesión, que tuvo una pelea en el trabajo que la dejó mal y pensando todo el
día y que no pudo casi dormir por la noche. Los compañeros le hacen preguntas
para saber que pasó y luego hacen algunos comentarios al respecto.
Relata Claudia que su jefe es terrible, que es descalificador y a veces
insultante, que no escucha lo que se le dice y ni siquiera duda de su criterio ni
por un instante.
En esta ocasión la reprende “como a una niña” y no se digna a
escucharla.
Hay varios comentarios y todos se refieren a no poder ser tenidos en
cuenta o respetados en diferentes situaciones.
Le pido a Claudia que represente la escena y todos aceptan trabajar
psicodramáticamente.
Claudia elije a Jorge, un compañero bastante autoritario y a veces
obcecado para hacer el rol de jefe. (Nótese que la elección de Claudia, ya
nos habla de las transferencias laterales que se dan en los grupos.)
Le pido que describa el lugar y que nos diga si había otras personas
presentes. (Como parte del caldeamiento específico, se piden característi-
cas y detalles que rodean el lugar de la escena).
Realiza este paso y luego le muestra a Jorge como habla y gesticula
el jefe, qué le dice y cómo.
El grupo está atento siguiendo el armado de la escena de Claudia.
Les pido a ella y a Jorge que en un soliloquio digan desde el personaje
lo que sienten y piensan.
Claudia: Este me mandó a llamar, no debe ser para nada bueno.
¡Tiene una cara!
Jorge en el rol de jefe: Le voy a decir que esas cosas no las voy a
aguantar.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):207-222


216 OLGA ALBIZURI DE GARCÍA

dual, que en realidad es siempre grupal por la presencia del coordinador y


los yo auxiliares).
Esta es una diferenciación realizada en los comienzos del psicodrama,
actualmente pensamos que existen diferentes dispositivos en los que se
trabaja con psicodrama y que dependiendo de ellos y de la intencionalidad
por el cual fue convocado, se realizan: escenas, juegos dramáticos, rol playing,
instalaciones dramáticas, sociodrama.
El nombre psicodrama abarca, aunque de manera errónea para la
teoría moreniana, a todo espacio en que se trabaje con sus técnicas.
Según la integración teórico-técnica realizada por cada coordinador,
se utilizan solo las escenas psicodramáticas o también las técnicas auxilia-
res (Soliloquio, doble etc., nacidas del psicodrama moreniano).
Pensamos que: Las formas psicodramáticas pueden constituir valio-
sos recursos de intervención en el análisis, la comprensión, la exploración y
la visibilidad de movimientos de subjetividad en todas sus dimensiones:
individuales, grupales, institucionales y sociales, íntimamente tramadas e
indivisibles2.
Los lenguajes dramáticos (más allá de lo verbal, lo representado)
pueden pensarse como posibles instalaciones críticas capaces de poner en
cuestión formas naturalizadas en la enseñanza, en la coordinación de gru-
pos, en las prácticas clínicas y las acciones comunitarias.
La escena como consistencia temporal y espacial, a veces, conmueve,
moviliza formas esclerosadas de la comunicación habitual. La escena puede
pensarse como experiencia de conmoción tanto en sus protagonistas como
en las demás personas que asisten a la misma. A través de una dramatización
pueden adquirir figurabilidad procesos, hasta el momento, sin expresión. O
pueden tener posibilidad estallidos de sentido contenidos en formas verbales
esteriotipadas.
Los conceptos psicoanalíticos: resistencia – defensa – transferencia
– identificación, adquieren en psicodrama psicoanalítico un lugar esencial
para la comprensión de las producciones escénicas en un contexto dado.
Según sea el tipo de objetivo para el cual ha sido instrumentado, se señalan
o no. Tenemos en cuenta cual sería el valor de su señalamiento y si este no
inhibiría la espontaneidad del grupo.
En psicoterapia se procede de una manera y en los grupos de for-
mación o en trabajos institucionales, de familia, pareja de otra diferente.
Siempre hay que tener claro el porque y para que del señalamiento.
Las diversas técnicas psicodramáticas auxiliares son utilizadas por
algunos psicodramatistas, algunos se centran en el juego dramático, las
escenas y no utilizan las técnicas auxiliares pensadas por Moreno y a posteriori
por otros profesionales.
Las técnicas auxiliares más conocidas son: soliloquio, inversión de
roles, doble, doblaje.
EL PSICODRAMA: APERTURAS TEÓRICAS Y CAMPOS DE APLICACIÓN 215

El espacio – tiempo cronológico es diferente a la trama construida


entre una subjetividad y la subjetividad colectiva: Devenir del tiempo.
“Entendemos el instante, el momento, como un recorte en el presen-
te que contiene el pasado y el futuro. El pasado que es el presente que ya fue
y el futuro que es el presente que será” (Zambrini). Es un tiempo de múltiples
posibilidades de visibilidad-invisibilidad.
La importancia de la presencia de los otros, de la escucha, la mirada
y el movimiento, se destacan en psicodrama. La función escópica es esencial.
La mente es siempre mente-cuerpo y viceversa. El psicodrama legi-
tima todos los registros, adquieren visibilidad procesos que amplían el dis-
curso verbal, en la comunicación entre otros. Se prioriza, tanto el pensar y el
comprender, como el sentir y transmitir.
El grupo potencia a través de resonancias, consonancias, identifica-
ciones, transferencias, contratransferencias, e implicaciones, la producción
subjetiva.
La transferencia en psicodrama psicoanalítico: A la transferencia
grupal se integra la transferencia en psicodrama y es así como debemos
considerar la transferencia sobre el protagonista, el coordinador dramático,
el tema a dramatizar y a la dramatización propiamente dicha.
Se complejisan las variables en juego. Al psicoterapeuta o coordinador
grupal se le agregan otros sentires y sensaciones por parte de los participan-
tes cuando está en el rol de director o coordinador de psicodrama, lo mismo
sucede con el o los protagonistas de la escena. La temática de la misma
conmueve de diferentes formas también a los presentes.
Luego del trabajo psicodramático hay un momento para compartir
emociones y aspectos de cada uno que surgieron durante el drama, también,
según sea el objetivo por lo cual se instituyo el grupo en cuestión, hay un
momento de procesamiento que reflexiona acerca del significado escénico.
En todos los elementos y momentos del psicodrama, se transfiere,
creando una compleja red no totalmente visible.
Aclaro: Elementos del psicodrama: escenario (espacio para dramati-
zar previamente acordado) – protagonista /s (persona o personas que ofrecen
su escena para dramatizar) – director o coordinador dramático (terapeuta o
coordinador de grupo que en el momento de dramatizar ejerce la función de
director o coordinador de psicodrama) – yo auxiliares (compañeros elegidos
por un protagonista para participar en su escena) – público (grupo).
Momentos del psicodrama: Caldeamiento – producción psicodramá-
tica – comentarios. Estos no se dan en forma rígida, hay un fluir grupal y una
adecuación a cada circunstancia.
Procedimientos del psicodrama: role playing (entrenamiento o
ensayo ante circunstancias específicas – sociodrama (donde el objeto de
inves-tigación es un grupo o agrupamiento. Por ej: una institución) – psicodra-
ma (cuyo objeto de investigación es la persona, por ej. Psicodrama indivi-

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):207-222


214 OLGA ALBIZURI DE GARCÍA

Es necesario distinguir entre la escena del grupo y la escena del


psicodrama y las múltiples escenas que simultánea y sucesivamente se
asocian en los diferentes espacios interiores de cada integrante.
El psicodrama psicoanalítico es un espacio de encuentro entre lo
intersubjetivo y lo intrasubjetivo, constituyendo un tercer espacio transicional
de juego (Winnicott). Un espacio que posibilita el encuentro entre los sujetos
y de éstos con sus personajes internos.
El encuadre psicodramático, sus reglas, instituyen tiempos, espacios
y relaciones diferenciadas. Preescena - escenas y post escenas.
Lo múltiple es una característica de la dramatización y de la figuración
del espacio interior en el espacio intersubjetivo del psicodrama.
Tenemos entonces: tres espacios: interior, grupal intersubjetivo, y
dramático transicional.

Espacio interno – espacio grupal


– espacio del psicodrama
Realidad psíquica y grupos internos que ocupan el espacio de la
realidad psíquica interna: grupalidad psíquica, son factibles de visibilizarse
en la representación dramática
Existe una posibilidad de rehistorización y una temporalidad compleja

Rehistorización-temporalidad... ¿Qué temporalidad?


Freud en los sueños analiza la multiplicación de lo semejante como
la representación de la sucesión temporal.
Kaës: Subraya la importancia de los componentes motores de la
puesta en representación y figurabilidad5.
La transformación de representación vocablo a representación
palabra implica una movilización motora decisiva. (De la representación en
la mente, intrasubjetivo, a la palabra, intersubjetivo).
Freud: lo motor reactiva las huellas mnémicas.
Hay una memoria corporal que se moviliza en la dramatización.
Diferencia entre imagen y pensamiento: al decir en voz alta entre
otros lo que aparece en la mente, en situación transferencial y luego dra-
matizar.
Dice Kaës: “Lo esencial del psicodrama se juega en la distancia entre
la escena en la mente, la escena relatada y la dramatización de la escena.
Estas dos últimas, en especial la tercera, implican motricidad y despertar de
las huellas mnémicas por la motricidad” 5.
Los tiempos lógicos diferentes corresponden a los espacios diferen-
tes en el trabajo que se efectúa.
Exite una transcripción en la palabra: antes (durante) y después de la
escena.
EL PSICODRAMA: APERTURAS TEÓRICAS Y CAMPOS DE APLICACIÓN 213

Se hacen visibles, tanto para el protagonista como para los demás,


aspectos que no estaban considerados en el tratamiento del tema en cuestión.
Se estimula el pensamiento crítico y la reflexión creativa.
La asociación de escenas a partir de una escena dramatizada,
puebla el escenario de derivaciones y ampliaciones, desvíos que posibilitan
un trabajo grupal con los aportes singulares y sus resonancias. En la misma
sesión, con las asociaciones dramáticas, y en sesiones sucesivas cuando se
actualice lo dramatizado en cuestión.
No se trata de una pesquisa, como si quisiéramos descubrir lo oculto
y allí la tarea concluye.
Se intenta de que advenga, sí, lo desconocido que hay en nosotros,
pero principalmente de tener oportunidad de transformación.
No solamente a través de conocer lo desconocido en nosotros, sino
también en las relaciones entre las personas y de éstas con las instituciones,
la comunidad, y el poder.
Llegado a este punto, es necesario que aclare la importancia fun-
damental que tienen los criterios, la formación, el posicionamiento del psi-
codramatista que enfrenta la responsabilidad de coordinar espacios
psicodramáticos en los diferentes dispositivos (pedagógicos, terapéuticos
y otros), teniendo en cuenta que en la escena adquieren figurabilidad
procesos interiores, que también se visibilizan dramas grupales y sociales,
que existe la posibilidad de elaboración de situaciones traumáticas, de
comprensión de lo hasta ahora incomprendido.
Se juega lo simultáneo, que es la característica dramática de la
identificación y lo sucesivo, a través de la asociación dramática metafórica
y metonímica de los integrantes del grupo y del protagonista. (Se llama
metafórico, cuando la escena asociada es una metáfora de la escena ini-
cial, alegórica, simbólica, figurada y metonímica cuando se toma una por-
ción de lo representado en la escena inicial y se resalta en las sucesivas
representaciones.)
La dramatización torna posible representar en el espacio interno y en
el espacio del psicodrama a la multiplicidad de personajes y objetos psíqui-
cos y al sujeto mismo, en tanto son partes constitutivas de la misma fantasía.
Los espacios del grupo y del psicodrama son dos espacios hetero-
géneos y articulables, dice Kaës5.
De allí la integración que se realiza en los grupos de psicodrama
psicoanalítico. Se integran aspectos teóricos y técnicos del psicoanálisis, del
psicodrama y de lo grupal.
Las movilizaciones que existen en el grupo con este encuadre van
desde las específicamente movilizadas por el grupo y en el grupo, por la
situación de multiplicidad subjetiva compartiendo un espacio psicoterapéutico,
hasta las que son específicas del psicodrama.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):207-222


212 OLGA ALBIZURI DE GARCÍA

Multiplicidad de escenas en diferentes escenarios interiores invisibles


y en aquellos que pueden percibirse, tanto en el grupo, como en el escenario
psicodramático pautado para la ocasión (Espacio donde se llevará a cabo la
dramatización).
Todo se compromete más, se instala una nueva participación, algo
diferente está sucediendo: Lo relatado va cobrando vida, movimiento. Es ahora,
está siendo, ya otro.
Gestos, palabras, andares por el escenario de las voces, de los
hechos, de los cuerpos. Encuentros y desencuentros, máscaras que per-
sistirán o caerán ante la aventura de la representación, siempre nueva,
siempre diferente.
Digo aventura, porque nadie puede saber lo que sucederá en la
escena, aunque ésta esté pautada, “programada”, aquietando momentánea-
mente la ansiedad de sus protagonistas, calmando sus miedos, proveyendo
lo conocido, allí donde lo impensable puede hacer su aparición. (Con “pro-
gramada” me refiero a acordar una situación determinada para dramatizar.
Luego surgen en la escena aspectos espontáneos que no habían sido rela-
tados, desconocidos).
Dimensión psicodramática, ocasión de apariciones y desapariciones,
de prejuicios y novelas que caen haciendo ruido, desnudando el conflicto,
escondido en lo íntimo de este peregrinaje que constituye nuestro nacer-
vivir-morir, entre otros.
Amor y odio, ambivalencias y disociaciones, temores y deseos. Y
entre estas artificiales nomenclaturas polares, complejas relaciones. Un
desgranar de incontenibles sorpresas, desbordes inoportunos de olvidados
anhelos, aparición de claridades que no estaban previstas, claridades que
exigen otro posicionamiento y una voluntad decisiva ante esto, que hoy,
entiendo o creo entender.
(Más adelante, en las tres viñetas vemos que surgen sentimientos y
conocimientos que estaban inconscientes, entre ellos, en la viñeta 1: El goce
del autoritario al hacer el rol de jefe-las reflexiones que surgen en la prota-
gonista, el darse cuenta, a partir de las asociaciones psicodramáticas. En la
viñeta 2: El reconocimiento de las propias contradicciones y la diferencia
existente entre declamar y accionar. En la viñeta 3: La evidencia insoslaya-
ble en la pareja de que hay un mismo reclamo en ambos y de su posiciona-
miento narcisista.)
El trabajo psicodramático al incluir además de la palabra, todos los
registros y canales que brindan el movimiento entre otros, la memoria del
cuerpo en ese movimiento, la espacialización del conflicto, el grupo que
asiste a esta experiencia, hace posible la creación grupal, y nuevas pro-
ducciones subjetivas.
EL PSICODRAMA: APERTURAS TEÓRICAS Y CAMPOS DE APLICACIÓN 211

Pensemos. Existe una presencia imaginaria de alguna situación


que hemos vivido o que creemos que vamos a vivir, que atrapa desde el
interior nuestra atención, que necesitamos compartir, explorar.
Existen momentos grupales, en la clínica y en otros espacios de for-
mación y agrupamientos varios, que convocan desde el presente asocia-
ciones y vecindades 5.
Darle vida en la escena es la culminación de un camino que recorre
varios momentos: espacios y tiempos del psicodrama, cada uno de ellos
importante y con características propias.

Relatamos la imagen que nos convoca. En este pasaje, de la ima-


gen al relato, se juega la primera transformación de lo que nuestra conciencia
nos acercó. Elegimos palabras, o brotan desbocadas para contar, transmitir,
impactar, ocultar.
A veces no sabemos demasiado para que hablamos, ni que espera-
mos de los que nos escuchan.
Relatar conlleva intenciones, intensidades, temores y deseos.
Relatamos. ¿Qué sucede en ese relato? ¿Es copia fiel de la imagen?
¿Existe una inmediatez entre imagen y palabra? ¿Qué nos cambia o nos
produce el hecho de relatar? ¿Qué resonancias tiene nuestro relato en el
grupo? ¿Cómo nos implica, los implica a los otros la escucha de lo relatado?
El grupo se moviliza, se identifica con el relato, pide que éste sea
escenificado. En ocasiones también lo desecha, lo rechaza, se avergüenza
de “hacer oídos”.
El relato en los grupos tiene la virtud de caldear a sus integrantes
para asistir a la escena que se está anunciando, para temerla, evitarla,
desearla. Siempre se posicionan ante ella, de una u otra manera. Todos,
incluido el coordinador, son sujetos y objetos de transferencia e implicación.
Nuevamente existe una transformación: Del relato a la escena.
La preparación de la escena que se va a dramatizar, es un momento
crucial, donde se acuerdan lugares, tiempos y personajes. Donde el protago-
nista elige a las personas que tomarán parte en el drama. Está por descorrerse
un telón imaginario. Hay una precipitación fantasmática.
Una vez en escena, el relato ocupa el espacio dramático. Ahora
drama. Lo relatado está siendo revivido, representado, creado.
La escena dramática des-construye el relato, lo interroga. Surgen
nuevas significaciones.
Esta nueva dimensión acerca sus características y dispone nuevos
posicionamientos entre los presentes, aquellos que dramatizan y los que
asisten a la dramatización.
Escena grupal que contiene en simultaneidad, escenificaciones en
los escenarios del psicodrama, del grupo y de los imaginarios singulares.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):207-222


210 OLGA ALBIZURI DE GARCÍA

El marquez de Sade y su teatro en el hospicio. Dioniso y las Bacanales.


En el siglo XVIII ya se utilizaba el teatro como terapéutica:
Relata Michel Foucault en “La casa de la locura”: “Otro lugar tera-
péutico usado era el teatro, naturaleza invertida: se representaba al enfer-
mo la comedia de su propia locura, se la ponía en escena, se le otorgaba un
momento de realidad ficticia, a fuerza de escenografías y disfraces se la
pre-sentaba como verdadera pero, de forma tal, que el error (hasta el siglo
XVII se hablaba de error, de naturaleza ilusoria, al referirse a la locura) cogido
en esta trampa, terminará por saltar a la vista aún de quien era su víctima.
Tampoco esta técnica había desaparecido del todo en el siglo XIX; Esquirol,
por ejemplo, recomendaba inventar para los melancólicos, procedimientos que
procuraran estimular su energía y el gusto por la lucha”.
Brujos e iluminados, actores y públicos, protagonistas “agonizan-
tes”, (protagonista, etimológicamente: “el que agoniza en primer lugar”) todos
y en cada rol, construyendo la re-presentación y la creación del drama de la
humanidad. Produciendo significaciones sociales.
Más allá de lo histórico, podemos decir que el conflicto escenificado
nos desvía de lo aparente y puede llevarnos a ver, pensar y sentir de manera
diferente. A habitar otras zonas, a desdibujar fronteras3.
Las teorías de Moreno difieren de las del psicoanálisis, tanto en la
teoría genética, como en su concepción de la cura. Pero no hay pura diver-
gencia, hay puntos en común que son innegables.
Son centrales en el psicodrama moreniano: el concepto de espon-
taneidad-creatividad, la teoría de los roles y la psicoterapia grupal. La idea
de catarsis de integración3.
Moreno es el creador de la psicoterapia grupal y fue el fundador de la
IAGP: “International Association of Group Psychoterapy” de la que es presi-
dente honorario hasta nuestros días.
Muchos de los desarrollos posteriores en materia de grupos, encuen-
tran en sus experiencias a un pionero y se subraya su valor, su valentía, por
la época de la que datan sus prácticas.
La palabra es importante en la psicoterapia psicodramática, pero
es la escena, incluida la palabra, con su representación en el espacio, entre
varios (el protagonista o los protagonistas de la escena y los yo-auxiliares),
en movimiento, que alcanza otra dimensión, donde el discurso se amplía
a través de la acción, los gestos, la dinámica e intensidades del drama
representado4.
El protagonista (puede ser una persona, una pareja o un conjunto)
representa su propio drama, y es necesario aquí, diferenciar los momentos y
espacios del psicodrama. Espacio y tiempo: en los grupos, en las escenas y
en el interior de cada participante.
¿Qué posibilidades surgen de las escenas psicodramáticas?
EL PSICODRAMA: APERTURAS TEÓRICAS Y CAMPOS DE APLICACIÓN 209

El movimiento más importante en la teoría y en la práctica, lo reali-


zaron psicoanalistas franceses (1944) y años después (1957) psicoana-
listas argentinos, que tomando la técnica psicodramática, integraron a ella
las teorías psicoanalíticas y las teorías de los grupos, dando lugar al psi-
codrama psicoanalítico, de gran difusión hasta la actualidad, luego de sufrir
enormes resistencias por parte del psicoanálisis oficial, que veía en los
profesionales que abrazaban estas prácticas a “psicópatas peligrosos” que
había que defenestrar1.
Los inicios del psicodrama en Francia y en Argentina se llevaron a
cabo en el ámbito institucional, especialmente con niños y con psicóticos,
buscando nuevos canales de investigación2.
No hay un solo psicodrama psicoanalítico, sino varios: Jungniano,
freudiano, lacaniano, winnicottiano. Actualmente hay sectores que abrevan
en los desarrollos teóricos de Deleuze y Guattari.
¿Qué es lo novedoso del psicodrama? Es una concepción que se
centra en la escena dramatizada como vehículo de investigación y transfor-
mación. La acción dramática es el núcleo de su práctica. La improvisación
dramática deviene el camino para la toma de consciencia de los afectos que
habitan al ser humano y sus vínculos, es la ocasión de transformación de los
mismos y la producción de nuevas conexiones. Es un instrumento que reto-
ma una modalidad de expresión, creación y elaboración presente en las más
diversas culturas.
Las culturas primitivas, así como el teatro en las diferentes épocas,
nos señalan que el drama representado forma parte de la cultura y la historia
de la humanidad, desde los comienzos de la civilización.
El teatro, desde los griegos, entre los que se rescata el concepto de
catarsis en Aristóteles, señalando así, los efectos del drama en el público, la
liberación que suscita en él la improvisación teatral. Una “purificación” de los
afectos.
Freud retomando esta idea e investigando la identificación que suce-
de en el público con el drama representado (1905: “Personajes psicopáticos
en el escenario”) amplia el concepto de catarsis y de identificación. Afirma
que las resistencias se debilitan, estando el espectador identificado con los
personajes y con el drama, está distraído y más permeable a lo que sucede
en el escenario, argumento que puede tocar su propio drama.
Moreno transformó lo teatral en una técnica psicoterapéutica y so-
cio-dramática, previamente realizó encuentros de teatro espontáneo, teatro
terapéutico.
Antes de ello múltiples presencias de la escenificación en las cul-
turas primitivas; para curar, para espantar a los “malos espíritus”, para repre-
sentar hechos comunitariamente trascendentes.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):207-222


208 OLGA ALBIZURI DE GARCÍA

clínica e em outros dispositivos vinculares. Ilustro, com três pequenas vinhetas,


as formas que o psicodrama assume em diferentes práticas.
Descritores: psicodrama; historia do psicodrama; técnica do psicodrama;
psicoterapia de grupo.

Abstract
In this article I go through some Psychodrama and Psychoanalitic Psycho-
drama typical subjects. I briefly refer about dramatic and theatre performance
as a therapy and about Psychodrama history. I explain according to me the
scene value in clinic and other relationships. With 3 small vignettes I illustrate
the shape Psychodrama takes in different practices.
Keywords: psychodrama; psychodrama history; psychodrama technique;
group psychotherapy.

Hace casi cien años, el médico rumano Jacobo Levy Moreno (1889-
1974), comenzó a desarrollar sus pensamientos y experiencias en el campo
comunitario, valiéndose de una idea acerca de la riqueza de la representación
dramática, para explorar, elaborar y transformar situaciones vinculares.
Ya sean estos vínculos: consigo mismo, con otros o con la sociedad.
Es así como explora con diversos grupos en diferentes ámbitos.
Sus primeras experiencias, a partir de 1911, entre las que hay relato
escrito son: grupos de prostitutas en la Asociación de prostitutas vienesas
(1914), grupos de niños, de temas políticos y sociales: representaciones dra-
máticas en plazas y lugares públicos de Viena1.
Fue en esa ciudad que comenzó sus experiencias y desarrollos
teóricos, que sistematizó cuando fue a vivir a EEUU en 1925, también el
lugar donde conoció a Sigmund Freud (1856-1939), quien lo impresionó con
sus descubrimientos, creándose en Moreno una fuerte rivalidad hacia Freud
que lo acompañó toda su vida.
Mucho menor que Freud, Moreno terminaba la universidad cuando
Freud ya era conocido por sus teorías.
Moreno desarrolló sus ideas, sostenido en la Filosofía del Momen-
to, en la religión jasídica (movimiento religioso del judaísmo originado en
el siglo XVIII. La elevación del hombre a Dios, a través del canto, el baile y
la alegría. Su fundador, Rabi Israel Baal Shem Tov decía: “No se puede
servir a Dios en un estado de depresión”…) y en una enorme valoración y
amor por lo teatral.
En estos cien años, muchos han sido los cambios y derivaciones
del psicodrama, ampliándose el abanico de experiencias y teorías a través
de las diferentes integraciones teórico-técnicas que han realizado los
psicodra-matistas de todo el mundo.
El psicodrama: aperturas teóricas
y campos de aplicación

Psicodrama: aberturas teóricas


e campos de aplicação

Psychodrama: openings theoretical


and application fields

Olga Albizuri de García*

Resumén
En este artículo recorro algunos temas propios del Psicodrama y el Psicodrama
Psicoanalítico. Hago una sucinta referencia a la historia de la representación
teatral y dramática como terapéutica y a la historia del psicodrama. Explico a
mí entender, cual es el valor de la escena en la clínica y en otros dispositivos
Vinculares. Ilustro con tres pequeñas viñetas, forma que adquiere el psico-
drama en diferentes prácticas.
Descriptores: psicodrama; tecnica del psicodrama; historia del psicodrama;
psicoterapia de grupo.

Resumo
Neste artigo percorro alguns dos temas próprios do Psicodrama e do Psi-
codrama Psicanalítico. Faço uma breve referência à história da representação
teatral e dramática do ponto de vista terapêutico e a história do psicodrama.
Explico, da maneira como a compreendo, qual é o valor da encenação na

* Psicóloga recibida en la Universidad de Buenos Aires- Psicodramatista Psicoanalítica.Docente


de Grupo Psicodrama y Análisis Institucional. Ex. Integrante de la Comisión Directiva de la
Asociación Argentina de Psicología y Psicoterapia de Grupo (Area Programática Científica). Co
fundadora de la Sociedad Argentina de Psicodrama. Ex. Presidente y ex Docente de la misma.
Docente del Instituto de las Configuraciones Vinculares de la Asociación Argentina de Psicología
y Psicoterapia de Grupo. Docente de la carrera de postgrado: Psicoanálisis de los Vínculos, del
convenio entre la Universidad Nacional de Mar del Plata, la Asociación Argentina de Psicología y
Psicoterapia de Grupo y la Universidad de Lyon- Francia.Psicoterapeuta de Grupo, Pareja e
Individual.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):207-222


206 ENEIDA IANKILEVICH; JUSSARA S. DAL ZOT

9. Gabbard GO. Psicoterapia psicodinâmica de longo prazo. Porto Alegre,


Artmed, 2005.
10. Baranger W; Baranger M. (1961). La situación analítica como campo
dinâmico. In: Problemas do Campo psicanalítico. Buenos Aires:
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11. Ferro A. A técnica na Psicanálise Infantil. Rio de Janeiro, Ed. Imago,
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12. Baranger M.; Baranger W. The analytic situation as a dynamic field. Int.
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13. Dal Zot JS. Neutralidade líquida? Jornal do Centro de Estudos Luis
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15. Bion W. (1970) Atenção e Interpretação Rio de Janeiro, Ed Imago, 2007.
16. Rangell L. Psychoanalysis and dynamic psychotherapy: similarties and
differences twenty five years late. Psychoanalytic Quarterly, v. 50, p. 665-
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17. Eizirik CL; Aguiar RW; Schestatsky, SS. Psicoterapia de Orientação
Analítica: Fundamentos teóricos e clínicos. Porto Alegre, Artmed, 2005.
18. Eizirik C. Distintos cenários, a mesma psicoterapia? Rev. Brasil. Psicoter.,
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19. Eizirik C. Entre a escuta e a interpretação: um estudo evolutivo da
neutralidade analítica. Rev. Psicanal. SPPA, vol.1, n.1, 1993, p. 19-23.
20. Green A. Orientações para uma psicanálise contemporânea. Ed. Imago,
Rio de Janeiro, 2008, p. 64.
21. Ogden T. Do que eu não abriria mão. Revista de Psicanálise da SPPA,
v.3, dezembro 2005a, p. 403-415.

Recebido em: 20/07/2010 Aceito em: 28/07/2010

Endereço para correspondência:

Jussara S. Dal Zot


Fone: 51 3331.9011
E-mail: jussaradalzot@via-rs.net
PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA HOJE: REFLETINDO A PARTIR DE NOSSA EXPERIÊNCIA 205

acreditarmos em nossa experiência, de sermos capazes de ajudar psico-


terapicamente pessoas que nos procuraram em grande sofrimento, sabendo
que podem, ao fim do trabalho conosco, segui-lo por conta própria. Porque
não abrimos mão de reconhecermos nesse o melhor resultado de uma
psicoterapia de orientação analítica.
Não abrimos mão de seguirmos estudando, pensando, buscando
aprimorar nossa capacidade técnica em busca de ajudar melhor nossos
pacientes.
Não abrimos mão de acreditarmos na teoria psicanalítica como uma
teoria viva, em desenvolvimento, e as técnicas a ela associadas benefician-
do-se disso. Não abrimos mão de entendermos a clínica como a fonte dessa
força vital.
Não abrimos mão de acreditarmos que as gerações futuras de cole-
gas seguirão “botando a teoria a trabalhar”, pensando a clínica, juntando-se à
corrente que cria a vida e amplia o alcance de nossa teoria e de nossos
instrumentos, desde Freud.

Referências
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Brasileira de Psicoterapia, v.6, n.2, p. 163, 2004.
2. Cordioli AV. (2008) As principais psicoterapias: fundamentos teóricos,
técnicas, indicações e contra-indicações. In: CORDIOLI e col, Psicotera-
pias: abordagens atuais. Porto Alegre, Artmed, 2008.
3. Wallerstein RS. (2005) Psicanálise e Psicoterapia de Orientação Analítica.
In Eizirik CL.; Aguiar RW.; Schestatsky SS. Psicoterapia de Orientação
Analítica: Fundamentos teóricos e clínicos. Porto Alegre, Artmed, 2005.
4. Aguiar R. Psicoterapias: desafios atuais e perspectivas futuras. Rev Brasil
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In Cordioli e col, Psicoterapias: abordagens atuais. Porto Alegre, Artmed,
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6. Gomes F. Palavra do presidente. Rev Brasil Psicoter, vol 1, n.1. 1999, p. 9.
7. Malan D. Psicoterapia individual e a ciência da psicodinâmica. Porto Alegre,
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8. Karasu, TB. Psychoanalysis and psychoanalytic psychotherapy, in Com-
prehensive Textbook of Psychiatry, ninth edition. Edited by Kaplan HI, Sadock
BJ. Philadelphia, Lippincott Williams & Wilkins, 2009. p. 2746-2775.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):196-206


204 ENEIDA IANKILEVICH; JUSSARA S. DAL ZOT

quanto terapeutas, vivemos na relação com nossos pacientes, os quais, pela


regressão inevitável, nos tornam objetos grandiosos, atribuindo-nos os po-
deres dos objetos infantis. Nesse sentido, ficou questionada a neutralidade
absoluta de uma relação asséptica, resultando no conceito de “neutralidade
possível”19, neutralidade em relação ao conflito do paciente. Mas continua-
mos acreditando indispensável manter a abstinência, não satisfazer os anseios
do paciente, mesmo levando em conta que, inevitavelmente, de alguma for-
ma isso acontece (acolhemos o paciente, escutamo-lo, por exemplo) como
forma de estimular seu desenvolvimento e crescimento mental. Mas essa
abstinência também se impõe a nós: nossas necessidades narcisistas não
devem ser atendidas no tratamento de nossos pacientes, guardadas as mes-
mas restrições – sempre há alguma satisfação narcisista em sermos procu-
rados como terapeutas, escutados, valorizados.
Norteamo-nos pelo reconhecimento de que, o que de melhor pode-
mos oferecer a nossos pacientes é a possibilidade de descobrirem a própria
capacidade de responsabilizarem-se por si mesmos, entrarem em contato
com seus recursos para escutar o próprio inconsciente e, dessa forma, não
ficarem impedidos de encontrarem soluções para seus problemas. Algo na
linha do que Green20 afirma ser o essencial de um tratamento psicodinâmico
“não tanto a tomada de consciência, como se costuma dizer, mas o reconhe-
cimento do inconsciente. Reconhecimento porque surge sobre um fundo de
desconhecimento” ou, como diz Malan7, “conselho tende a ser inócuo e a
clarificação dos sentimentos pode tornar os conselhos desnecessários”.

“Do que não abriríamos mão”


(parafraseando Ogden21)
Não abrimos mão de entendermos que a pessoa que nos procura o
faz em intenso sofrimento, o que nos impõe, acima de tudo, respeitá-la. E
respeitar nosso paciente significa, antes de mais nada, buscar escutar o que
sabe e não sabe que sabe, o que diz sem saber que está dizendo, essência
da escuta psicodinâmica.
Não abrimos mão de estarmos atentas aos riscos de ouvirmos o que
desejaríamos para nossos pacientes, ao invés de ajudá-los a ouvirem o que
lhes é genuíno.
Não abrimos mão de acreditarmos que a escuta psicodinâmica cons-
trói uma “conversa terapêutica” que permite ao paciente encontrar-se consigo
mesmo, através das múltiplas vozes internas que vamos tornando audíveis
no processo. E, a partir desse aprendizado, tornar-se capaz de encontrar as
soluções possíveis e próprias para sua vida.
Não abrimos mão de admitirmos os limites de nosso instrumento,
sendo o maior deles a falta de motivação do paciente. Não abrimos mão de
PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA HOJE: REFLETINDO A PARTIR DE NOSSA EXPERIÊNCIA 203

cer, juntamente com o paciente, um foco de trabalho que leve em conta o


conflito atual, fonte maior de seu sofrimento e que sempre ecoará o conflito
nuclear, eixo organizador de sua forma de viver. A meta é tornar audíveis
conflitos, sentimentos, ressentimentos, versões inconscientes do que se lhe
passa e do que lhe determina a impossibilidade de encontrar soluções pró-
prias, permitindo-lhe, então, seguir seu desenvolvimento e buscando ser fe-
liz. Nas palavras de Gabbard9, “o terapeuta psicodinâmico auxilia o paciente
a adquirir um sentimento de autenticidade e singularidade”.
Questões de contrato fazem parte do estabelecimento do setting,
dando uma medida dos limites e, portanto, do alcance do instrumento
psicoterápico. O enquadre será frente a frente; a frequência será discutida
com o paciente, devendo ser no mínimo semanal, tudo isto condicionando
um setting onde a realidade estará mais presente, ainda que a ambiguidade
essencial permaneça (o “como se” da transferência/contratransferência é
inevitável e nos acompanhará sempre), possibilitando o trabalho com a
subjetividade.
Eizirik18, (p.157) menciona a flexibilidade como um elemento indis-
pensável para abordarmos os pacientes de nossos dias. Uma flexibilidade
que nos ajude a aproximar nossos procedimentos técnicos às possibilida-
des, às limitações e à motivação de cada paciente para com eles construir-
mos um campo psicoterápico que permita o maior contato emocional possí-
vel. Refletindo sobre suas colocações a partir do aprendizado com nossa
experiência, parece-nos que, nesse aspecto, realmente mudamos. Não só
pela experiência de tantos anos de trabalho clínico, estudo, supervisões,
amadurecimento pessoal, tratamento, mas porque mudou algo em nossa
concepção. Já não nos sentimos “sozinhos” no trabalho, tendo que identificar
o conflito, interpretar e escutar a resposta do paciente à interpretação para
dar seguimento ao processo. Tendo sempre presente a noção de campo,
podemos pensar, a cada passo, como se estabelece essa dupla, suas condi-
ções para trabalhar juntos ou não, atentando para os fatores que possam
estar interferindo e entendendo-os como sinalizadores da maior ou menor
aproximação do foco, da verdade do paciente, especialmente frente ao que
o trouxe. Já não pensamos tanto se estamos fazendo uma interpretação
transferencial ou extra-transferencial, se estamos ou não autorizadas a fazê-
lo; sentimo-nos mais livres para testar hipóteses, desde que em busca de
entender o que está impedindo o paciente de ter crescimento mental. E, para
isso, contamos mais com o paciente como companheiro na construção do
instrumento psicoterápico, o que nos permite maior alcance no estabeleci-
mento e possibilidade de pensar junto o que o impede de encontrar soluções
por si mesmo.
Pensamos que essa noção de campo, também derivada da teoria
psicanalítica, pode alertar para o risco das tentações narcisistas que, en-

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):196-206


202 ENEIDA IANKILEVICH; JUSSARA S. DAL ZOT

trabalhar. Citando os editores17 do livro Psicoterapia de Orientação Analíti-


ca, “consideramos, junto com Freud, 1937, p. 282, que, assim como a psi-
canálise, também a psicoterapia de orientação analítica é, sobretudo, um
empreendimento ético-científico e que ‘não devemos esquecer que este
relacionamento se baseia no amor à verdade – isto é, no reconhecimento
da realidade – e que isto deve excluir qualquer tipo de fraude ou falsidade’,
deliberada ou presumida.” (p. 19)

Especificando
E nesses mais de trinta anos de trabalho como psicoterapeutas de
orientação analítica, depois também como psicanalistas, o que mudou e o
que não mudou em nossa concepção do que fazemos?
Formadas numa tradição de estudo e trabalho em psicoterapia de
orientação analítica, mantemos nossa concepção de serem princípios bási-
cos desse tratamento a convicção do inconsciente ser constantemente ativo
e influenciando a vida mental consciente; de que as experiências infantis
aliadas aos fatores genéticos formam o adulto que se deparará com os acon-
tecimentos de sua vida; de que a transferência é fonte essencial de acesso
ao inconsciente do paciente e modelo das dificuldades de relação que o trou-
xeram a tratamento; de que a contratransferência possibilita escutar o incons-
ciente do paciente; de que os sintomas e comportamentos cumprem múlti-
plas funções e são determinados por forças complexas, conscientes e incons-
cientes; de que a concepção da possibilidade de, através da palavra, via
interpretação, produzir mudanças pela obtenção de insight sobre os conflitos
inconscientes que geram o problema que trouxe o paciente até nós.
Continuamos acreditando que os pacientes nos procuram com um
problema que não puderam resolver com seus recursos habituais e, impedi-
dos de encontrar solução para isso, em grande dor. Daí que nos parece indis-
pensável uma construção diagnóstica: saber com que tipo de problemas
estamos lidando, identificar a existência ou não de um fator desencadeante
porque isto nos dá uma indicação da natureza do problema. Continuamos
acreditando que é essencial para isso obtermos uma história de vida do pa-
ciente, suas circunstâncias familiares, profissionais e sociais, buscando co-
nhecer seus fatores de saúde e de doença para, com isso, podermos estabe-
lecer hipóteses dinâmicas e fazer um planejamento terapêutico que atenda
às necessidades e possibilidades do paciente, não a nossos desejos para
ele. Ou seja, identificarmos a motivação do nosso paciente, o que ele está
procurando, o que deseja melhorar, como acredita que poderá fazer isso são
tarefas nossas não só na avaliação, mas a cada momento do processo, pois
o paciente nos procura buscando aliviar seu sofrimento.
A partir dessas noções, seguimos pensando que nessa técnica de
tratamento faz-se necessário, a partir de todo esse entendimento, estabele-
PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA HOJE: REFLETINDO A PARTIR DE NOSSA EXPERIÊNCIA 201

O conceito de neutralidade, tão essencial à possibilidade de escutar


a demanda do paciente, é um exemplo disso. Muitos são os adjetivos usa-
dos: absoluta, relativa, possível, líquida12. Pensamos, com Mondrzak14, que
a neutralidade permanece um qualificativo essencial, um dos elementos que
define a identidade terapêutica, mas só compreensível se entendermos sua
função:

ser um mediador no processo de tornar possível ao paciente tomar contato


com sua realidade psíquica, garantir que as várias vozes internas possam
se manifestar com suas versões, medos e argumentos, levando a possibi-
lidade de melhores acertos e negociações (pag. 311).

Desenvolver a capacidade de pensar do paciente, aprender com a


experiência, ensinamentos de Bion, são cada vez mais presentes em nossa
prática psicoterápica. Pensamos que isso se deva ao objetivo, já citado por
Malan, de tornar permanentes – ou aproximar-se o mais possível disso – os
efeitos da aprendizagem resultante da psicoterapia. Nesse sentido, a capaci-
dade negativa, descrita por Bion15 a partir de uma ideia de Keats, como capa-
cidade de suportar o não saber e as incertezas sem precisar livrar-se dessa
vivência é cada vez mais exigida tanto do terapeuta quanto do paciente.
Talvez seja um dos aprendizados mais importantes do processo psicoterápico
de orientação dinâmica que possibilita a capacidade de pensar sobre si mes-
mo que, acreditamos, viabiliza a aproximação da desejada permanência e
desdobramento dos efeitos terapêuticos.
Gabbard9, em sua conceituação já citada, caracteriza a psicoterapia
de orientação analítica como um modo de pensar e – acrescentaríamos –
um modo de pensar a subjetividade humana que considera a complexidade
dos processos mentais e relacionais porque também reconhece a singula-
ridade de cada indivíduo, fazendo dessas concepções o eixo organizador
dessa abordagem. Procuramos escutar cada indivíduo que atendemos,
buscando ajudá-lo a escutar-se para ser o mais livre possível na constru-
ção de uma vida própria, menos propenso a distorções da verdade que lhe
é peculiar em função de conflitos inconscientes que o aprisionam e que o
trouxeram até nós.
Compreendemos a psicoterapia de orientação analítica como um
tratamento que se nutre da teoria psicanalítica, divergindo dessa em ter-
mos de técnica. Assim sendo, é inevitável a existência de áreas de super-
posição entre a psicanálise e a psicoterapia de orientação analítica e, como
bem dizia Rangel16, “aceitar a existência do crepúsculo não elimina as dife-
renças entre o dia e a noite”. Essas questões tornam ainda mais importan-
te, a nosso ver, o estudo sério e continuado da técnica em que elegemos

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):196-206


200 ENEIDA IANKILEVICH; JUSSARA S. DAL ZOT

ção, na teoria e na técnica, dos conceitos originais do casal Wili e Madeleine


Baranger10. Trabalhando na América Latina, esses autores publicaram seu
revolucionário trabalho em 1961. A repercussão de suas concepções ficou
circunscrita, predominantemente, a essa região, com a exceção importante
de Ferro11, que afirma construir sua teoria pela aproximação do trabalho de
Bion e do casal Baranger. Só recentemente (2009) o trabalho seminal dos
Baranger foi traduzido e publicado em língua inglesa12. Acreditamos que esse
fato poderá levar seu conceito de campo psicanalítico ao reconhecimento
internacional.
Em “A situação analítica como campo dinâmico”10 é feita uma relei-
tura da célebre metáfora proposta por Freud do jogo de xadrez, em que o
analista, como o jogador, conhece as jogadas “clássicas” de abertura e de
final de uma partida, porém desconhece a estrutura intermediária, o essen-
cial da partida. Se pensarmos sobre esta metáfora, damo-nos conta de que
o processo terapêutico se torna muito mais participativo, tanto no que diz
respeito ao terapeuta como ao paciente. Passa a existir um “tabuleiro”, uma
estrutura em comum, em que cada um está agindo: um com suas comunica-
ções e resistências e outro com suas interpretações e ações. A “jogada” de
um interferindo e provocando a “jogada” do outro, numa situação aberta e
imprevisível, mas dentro de um marco referencial, com suas regras próprias.
Assim, concluem os Baranger, “este tabuleiro poderia muito bem simbolizar
o que temos chamado de campo bi-pessoal, e a partida, a estrutura do trata-
mento como totalidade” (pag. 147). Neste campo, portanto, existem duas pes-
soas indefectivelmente ligadas e complementares, enquanto está durando a
situação, e envolvidas no mesmo processo dinâmico. Nenhum membro des-
ta dupla é inteligível, dentro da situação, sem o outro (pag.129).
Em nosso entender, este conceito de campo dinâmico, de forças que
se cruzam e que se constroem a partir da participaçao de ambos, modifica a
compreensão e a utilização de vários instrumentos da técnica. Não se pode
mais pensar em transferência isoladamente sem levar em conta a sua
contrapartida que é a contratransferência; não se pode pensar em identifica-
ções projetivas ocorrendo apenas da parte do paciente, sem as identifica-
ções projetivas e introjetivas do terapeuta também em ação, formando a
fantasia inconsciente do par. Muda, enfim, o referencial da psicologia de
uma só pessoa, passando a incluir, inevitavelmente, a mente do terapeuta no
processo de tratamento.
A necessidade de atender pacientes graves vem trazendo à tona a
necessidade de uma teoria do enquadre psicodinâmico que possa dar con-
ta da clínica crescente de estruturas não neuróticas. A prática psicoterápica
psicodinâmica tem sofrido também modificações decorrentes destas ques-
tões. As controvérsias são muitas e permanecem atualmente sem uma
resposta clara.
PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA HOJE: REFLETINDO A PARTIR DE NOSSA EXPERIÊNCIA 199

orientação analítica em nossa prática e em nossa concepção teórica nesse


já longo percurso.

Contextualizando
A psicoterapia de orientação analítica pode ser considerada o extre-
mo compreensivo do espectro das psicoterapias que vai desde aquelas em
que predomina o apoio até aquelas em que predomina o insight que é uma
capacidade de qualquer ser humano7 (p.19), uma função de sua subjetivida-
de. Diz Malan7 que a psicoterapia de orientação analítica é o “método de
provisão de insights e de sua respectiva utilização nas relações interpessoais
– inclusive com o terapeuta, no contexto de um relacionamento bipessoal.”
“Levar ao insight através da interpretação, a qual constitui um dos instrumen-
tos essenciais à disposição do terapeuta” 7 (p. 20) é a meta principal dessa
psicoterapia. “O oferecimento desse insight tem por finalidade capacitar o
paciente a encarar o que na realidade sente, para que se dê conta de que
seus sentimentos não implicam tanto sofrimento ou perigo quanto ele teme,
para que consiga elaborá-los através de um relacionamento transferencial e,
finalmente, que seja capaz de utilizar seus sentimentos reais dentro das rela-
ções interpessoais de forma construtiva (...). Objetiva-se, também, fazer com
que os efeitos dessa aprendizagem se tornem permanentes, isto é, o pacien-
te deveria tornar-se capaz de lidar não apenas com a situação imediata, mas
com situações similares no futuro7 (p. 20). Essa conceituação de Malan7 aponta
para alguns aspectos essenciais nessa técnica: auxiliar o paciente a com-
preender com qual versão do que lhe acontece está funcionando e, a partir
daí, poder questionar essa perspectiva. Em outras palavras, (re)conhecer o
conflito que está vivendo inconscientemente e, assim, abrir novas possibi-
lidades em seu viver.
Para Karasu8, psicoterapia de orientação analítica é um método de
tratamento baseado em técnicas e formulações dinâmicas derivadas da psi-
canálise com a pretensão de ampliar seu alcance. Já Gabbard9 a conceitua
como “abordagem de diagnóstico e tratamento caracterizada por um modo
de pensar sobre paciente e clínico, que inclui o conflito inconsciente, déficits
e distorções de estruturas intrapsíquicas e relações objetais internas”.
Seja nutrindo-se da teoria psicanalítica, seja construindo saberes pró-
prios, essa psicoterapia é um corpo de conhecimentos vivo em desenvolvi-
mento. É inegável que mesmo Freud, ao longo de sua obra, desde os inícios
do século XX, foi modificando sua técnica e sua teoria, de acordo com a
maior compreensão do funcionamento da mente que foi obtendo a partir da
clínica e da evolução da própria teoria psicanalítica com os seus seguidores.
Assim, é claro que a psicoterapia analítica, derivada das teorias psicanalíti-
cas passou por profundas modificações e teve uma evolução muito grande
nas últimas décadas. E, para nós, um dos pontos de virada, foi a incorpora-

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):196-206


198 ENEIDA IANKILEVICH; JUSSARA S. DAL ZOT

rem numa velocidade nunca antes experimentada pelo ser humano e ao


consumismo exacerbado, precisamos construir a condição de atender uma
demanda crescente de pacientes, sem perder a capacidade de discriminar o
que permanece válido, ético e com credibilidade científica, em relação às
psicoterapias por nós oferecidas.
Pensamos que aconteceu uma mudança de concepção, e hoje se
considera a psicanálise o extremo compreensivo no espectro das psicoterapias
dinamicamente orientadas que vai da psicoterapia de apoio à psicanálise.
Varia a técnica de utilização da compreensão, de interpretações predomi-
nantemente suportivas a interpretações predominantemente transferenciais.
Concordamos com Eizirik e Hauck5 (p. 159) quando afirmam que “para indi-
car corretamente análise ou psicoterapia é imprescindível avaliar em que
grau o conflito atual (por exemplo, com a esposa) está relacionado com o
conflito primário. Que quer dizer isso? De certa forma, o conflito atual será
resultado da interação do conflito primário com fatores advindos da realida-
de externa ou da interpretação que o sujeito dá a ela. O conflito atual (e o
próprio indivíduo) pode ser mais ou menos independente do conflito primá-
rio, de acordo com o grau que a conflitiva primária dá forma à percepção da
realidade e ao processo de pensamento”. Assim, se o conflito atual guarda
algum grau de autonomia, é possível tratá-lo por meio da psicoterapia.
Acreditamos, portanto, que psicanálise e psicoterapia de orientação analítica
são técnicas eficientes no tratamento do sofrimento psíquico dos pacientes e
que, alimentando-se da mesma base teórica iniciada por Freud, constituem
técnicas diversas e como tal devem ser estudadas.
Pretendemos, nesse artigo, refletir sobre a evolução dos conceitos
na psicoterapia de orientação analítica, atendendo ao foco dessa edição da
Revista Brasileira de Psicoterapia. Só o podemos fazer a partir de nossa
experiência como psicoterapeutas oriundas da formação em Psiquiatria pela
UFRGS, da educação continuada no CELG, acrescidas da formação analíti-
ca na SPPA e da experiência no ensino de psicoterapia analítica nos Cursos
de Especialização em Psicoterapia de Orientação Analítica do CELG.
Nesse nosso meio, o trabalho em Psicoterapia de Orientação Analí-
tica tem gerado importantes veículos de conhecimento. Dentre outros, o livro
“Psicoterapia de Orientação Analítica”, publicado em 1989, ampliado e
reeditado em 2005. Um livro sobre supervisão em psiquiatria e em psicoterapia
analítica foi publicado em 1991, organizado por Luiz Carlos Mabilde. A cria-
ção da Revista Brasileira de Psicoterapia em 1999 foi um marco importante,
permitindo a divulgação científica dos trabalhos realizados sobre o tema das
psicoterapias, fato até então inexistente aqui e no restante do Brasil6. A leitu-
ra desses livros, assim como uma rápida revisão dos números dessa Revista
demonstra o interesse, a riqueza e a seriedade com que viemos estudando
essa modalidade de tratamento. Pensamos, então, que nossa contribuição
poderia ser descrever e refletir sobre a evolução da noção de psicoterapia de
PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA HOJE: REFLETINDO A PARTIR DE NOSSA EXPERIÊNCIA 197

“(...) um exemplo bem remoto da atividade psicoterápica. Vamos recuar


ao século XI, quando Avicena, médico e filósofo árabe, foi chamado para
atender um jovem. Esse jovem fora examinado por vários médicos ante-
riormente, porém nenhum conseguia diagnosticar sua enfermidade.
Avicena percebeu que seu mal não parecia ser físico. O paciente agita-
va-se quando era mencionado o nome de certo povoado. A partir desta
constatação, ocorreu a Avicena pedir que seus acompanhantes citas-
sem os nomes das famílias lá residentes. Uma determinada família, quan-
do nomeada, provocava a aceleração do pulso do tal jovem. Tal fenômeno
era exacerbado quando o nome de uma das moças dessa família surgia.
Avicena, sábio, concluiu então que havia uma paixão não expressa do ra-
paz pela tal moça – e concluiu isto já no século XI! – o que determinava o
sintoma do paciente. As táticas de Freud para deslindar os significados da
sintomatologia das suas primeiras pacientes histéricas não são tão distan-
tes da acurada percepção de Avicena. Se há distância, é no tempo e não
tanto na busca da compreensão do possível significado da enfermidade,
coisa com a qual até hoje trabalhamos.”
(Romanowski¹)

Introdução
A psicoterapia de orientação analítica é hoje um método psicoterápico
reconhecido dentre as “mais de 250 modalidades distintas de psicoterapias”²
(p. 20) existentes. É consagrada a noção de ter essa psicoterapia se desen-
volvido a partir da psicanálise, ainda que se encontrem divergências quanto
às suas coincidências e convergências. Wallerstein³ (p. 44) afirma que “o
desenvolvimento original de uma psicoterapia psicodinâmica foi um fenôme-
no tipicamente americano”. Atribui seu desenvolvimento à chegada a esse
país de vários psicanalistas europeus refugiados do nazismo, o que “captu-
rou”³ (p. 45) a psiquiatria americana, “tornando-se, assim, a voz dominante
dentro das faculdades de medicina, hospitais-escola e clínicas psiquiátricas
do país”³ (p. 45). Com isso, a responsabilidade pelos cuidados dos pacientes
mais doentes que acorriam a essas instituições levou à necessidade de adaptar
os tratamentos psicanalíticos conhecidos às suas necessidades clínicas. Diz
Wallerstein: “A psicoterapia psicodinâmica é, na verdade, a única contribui-
ção caracteristicamente americana para a psiquiatria moderna, embora uma
contribuição gloriosa”³ (p. 44). As modificações na técnica standard da psi-
canálise, em geral decorrentes das necessidades de atendimento dos pa-
cientes, aconteceram em todo o mundo. Na Inglaterra, em torno da década
de 1960, psicanalistas, como Malan, dentre outros, dedicaram-se ao estudo
e aplicação do que chamaram “psicoterapias breves”. No primeiro número
da Revista Brasileira de Psicoterapia, Aguiar 4 salienta como, frente às pro-
fundas transformações socioculturais, aos avanços tecnológicos que ocor-

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):196-206


Psicoterapia de orientação analítica hoje:
refletindo a partir de nossa experiência

Psychoanalytic psychotherapy today: thinking


from our experience

Eneida Iankilevich*
Jussara S. Dal Zot**

Resumo
A partir da experiência clínica de muitos anos, as autoras procuram refletir
sobre o que mudou e o que não mudou em sua forma de trabalhar em
psicoterapia de orientação analítica. Procuram descrever como concebem
atualmente esse tratamento, levando em conta todos esses anos de trabalho
clínico, de estudo, de trocas com colegas e de experiência de ensino. Con-
cluem afirmando que não abririam mão do exercício dessa técnica.
Descritores: psicoterapia; teoria psicanalítica; processo psicoterapêutico;
técnica psicoterápica.

Abstract
Based on their many years of clinical experience, the authors reflect on what
has changed and what has not changed in their way of working with
psychoanalytic psychotherapy. They seek to describe how to conceive this
treatment currently, taking into consideration all these years of clinical work,
study, exchange with colleagues and also their teaching experience. In their
conclusion, the authors assert that they would never forgo making use of this
technique.
Keywords : Psychotherapy; psychoanalytic theory; psychotherapeutic process;
psychotherapeutic technique.

*
Psiquiatra pela UFRGS; Membro Efetivo da SPPA; Psicanalista da infância e adolescência;
Professora e supervisora do Curso de Especialização em Psicoterapia de Orientação Analítica
do Departamentode Psiquiatria e Medicina Legal da FAMED-UFRGS.
**
Psiquiatra pela UFRGS; Membro Associado da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre;
Professora e supervisora do Curso de Especialização em Psicoterapia de Orientação Analítica
do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da FAMED-UFRGS.
O BRINCAR NA PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA
E ALGUNS DOS SEUS FUNDAMENTOS TEÓRICOS BÁSICOS 195

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Recebido em: 29/03/2010 Aceito em: 09/04/2010

Endereço para correspondência:

Ana Margareth Siqueira Bassols


Rua Álvares Machado, 44/204
90.630-010 Porto Alegre, RS
E-mail: abassols@terra.com.br

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):182-195


ANA MARGARETH SIQUEIRA BASSOLS, FLÁVIA MARISA DE CAMARGO COSTA,
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ANA MARGARETH SIQUEIRA BASSOLS, FLÁVIA MARISA DE CAMARGO COSTA,
192 MARIA LUCRÉCIA SCHERER ZAVASCHI, VICTOR MARDINI

imitando o comportamento materno, embalando-se, reproduzindo as idas e


vindas do rosto materno por meio de movimentos, reproduzindo a musi-
calidade da fala materna pela lalação, etc. Num segundo momento, o bebê
teria internalizado suficientemente esses procedimentos, de modo a não ter
mais que apoiá-los em elementos sensoriais. Terá nascido então o “auto-
erotismo mental”, que representa a capacidade de obter prazer por meio
desse órgão particular que é o psiquismo”.
No trabalho analítico psicoterápico com a criança caberá ao analista
a função de “rêverie” desempenhada pela mãe do recém-nascido, empres-
tando sua mente para que algum significado possa ser atribuído ao material
trazido pelo pequeno paciente, sob forma de brincadeiras, dramatizações,
desenhos, verbalizações31.

Considerações finais

Revisando o desenvolvimento dos tratamentos psicológicos dos


distúrbios infantis, percebemos o quanto o seu caminho foi longo e prati-
camente conquistado palmo a palmo por pioneiros dedicados. No entanto,
desde seu início, a psicanálise apontara a origem precoce destes distúr-
bios no contexto do relacionamento do bebê com seus pais. Melanie Klein, já
nos anos 20, afirmava que os bebês podiam padecer de angústias e meca-
nismos mentais complexos. Mas “somente após os anos 60 bebês foram
considerados como pacientes que podem sofrer distúrbios psicológicos e
beneficiar-se de abordagens terapêuticas”32.
Pais e bebês são hoje a nova população alvo da atenção clínica da
psiquiatria e da psicanálise (Stern33). Segundo Bertrand Cramer 32, foram
necessárias muitas evoluções teóricas e técnicas para que isso se tornasse
possível. Foi preciso trabalhar na reconstrução dos conflitos infantis atra-
vés do tratamento de adultos para que nos encorajássemos a tratá-los cada
vez mais precocemente, até suas origens. Esse novo território vem sendo
desbravado com a contribuição de muitas disciplinas, tais como Etologia,
Pediatria, Neurobiologia unindo-se aos conhecimentos da Psiquiatria e da
Psicanálise.
Ao brincar as crianças empregam metáforas conceituais que são
úteis para comunicar emoções e idéias que de outra maneira seriam difí-
ceis de expressar. Cabe ao terapeuta utilizar o processo lúdico para aumen-
tar seu entendimento e apreensão da transferência e da contratransferência
para fazer interpretações que a criança seja capaz de compreender. Nos
casos de inibição do brincar é fundamental que o terapeuta auxilie a criança
a participar do processo lúdico conjuntamente com ele.
O BRINCAR NA PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA
E ALGUNS DOS SEUS FUNDAMENTOS TEÓRICOS BÁSICOS 191

As origens do brincar nos primórdios


da relação mãe-bebê
A psicanálise, desde seu início, privilegiou as relações do bebê com
sua mãe como “primeiro objeto de amor” e protótipo de todas as relações
amorosas posteriores26. Aberastury16 observa que, ao nascer, o bebê traz a
expectativa do tipo de mãe que o acolherá. Se encontra uma mãe disposta
a entregar-se, ocorre a experiência gratificante de uma maternidade feliz,
proporcionando o desenvolvimento harmonioso do bebê16.
Franch27 salienta o estado psíquico de desamparo e dependência
do bebê humano ao nascer, sem um aparelho psíquico suficientemente
desenvolvido para processar as impressões sensoriais de suas experiên-
cias emocionais, o que o leva a evacuá-las sob forma de identificações
projetivas, somatização, agitação, hiperatividade. É a partir da capacidade
de “rêverie” materna, dando-lhe continência, que o bebê progressivamente
desenvolverá a capacidade de formar representações simbólicas, em ní-
veis cada vez maiores, que lhe permitirão o prazer de pensar, falar, sonhar
e brincar27.
A atividade lúdica faz parte do desenvolvimento normal. Estudos
recentes das neurociências salientam o valor de adaptação ontogenética
do brincar nas fases iniciais do desenvolvimento 28. O bebê brinca com par-
tes do próprio corpo e, a seguir, com partes do corpo da mãe. Logo as
características do corpo da mãe são transferidas para um objeto denomi-
nado “objeto transicional” por Winnicott 29 e que servirá de apoio a sua
ambivalência. Posteriormente os objetos transicionais serão substituídos
pelo material de jogo que facilitará as atividades do ego e as fantasias. Os
jogos do bebê têm função expressiva, são modos de comunicação pre-
cursores de formas mais complexas de comunicação de emoções e pen-
samentos. Mais tarde ressurgirão em formas simbólicas de comunicação
atingindo a forma verbal.
Esses conhecimentos evoluíram para a necessidade de observar
diretamente bebês muito pequenos, revelando a presença de competên-
cias surpreendentes. Observadores atentos passaram a ver seqüências de
jogos entre o bebê e sua mãe, caracterizados por interesse e atenção
mútua. Esses jogos expressam-se inicialmente pelo olhar, sons, balbucios e,
posteriormente, por gestos e verbalizações 27. Segundo Hochmann30 os
cuidados maternos expressos em ações, como embalar o bebê, falar-lhe
com voz apaziguadora, conduzem à redução gradual das sensações de
tensão e de excitação ligadas à espera da satisfação do desejo. Nas pa-
lavras de Nilde Parada Franch27: “Paulatinamente, o bebê iria se tornando
capaz de procurar acalmar-se com seus próprios recursos, inicialmente

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):182-195


ANA MARGARETH SIQUEIRA BASSOLS, FLÁVIA MARISA DE CAMARGO COSTA,
190 MARIA LUCRÉCIA SCHERER ZAVASCHI, VICTOR MARDINI

ger sua integridade e ajudando-a a compreender seu uso e significado, o


que irá depender da confiança do analista em seu próprio inconsciente. No
encontro do terapeuta com a criança, cuja tarefa principal é brincar, ela vai
descobrindo que “brincar não é divertir-se e sim expressar numa linguagem
que ela mesma não compreende, da qual o outro é o tradutor e que, desde o
princípio seu jogo é algo muito sério e importante para a outra pessoa”23. Ao
brincar, a criança desloca para o exterior seus medos, angústias e conflitos
internos e os domina através da ação. As situações que suportou passiva-
mente com os objetos reais podem então ser tornadas ativas, repetidas e
controladas. As situações traumáticas podem resultar em distúrbios do sono,
pavores, fobias e o psiquismo recorre à compulsão à repetição que impul-
siona a repetir situações traumáticas não elaboradas como forma de levá-las
cada vez mais próximas da consciência. A atividade lúdica permite substi-
tuir o objeto original cuja perda se teme, por outros mais numerosos e
substituíveis24. Assim, brincar torna-se terapêutico, constituindo-se em uma
forma de expressar o mundo interno na presença do analista/terapeuta,
conforme as necessidades da criança que brinca, tantas vezes quanto for
necessário e das mais variadas formas. A partir dessa vivência lúdica, expe-
riências dolorosas podem ser revividas e elaboradas, da mesma maneira
como ocorre nos sonhos.
Na criança, considera-se que o processo psicoterápico é efetivo quan-
do se cria no setting um “espaço” de comunicação no qual a linguagem cor-
poral, motora ou fisiológica, a linguagem dramática do brinquedo, do teatro,
da vestimenta é compreendida como expressão de sentimentos que são in-
tensamente projetados no analista, que, por sua vez, precisa compreender
seus próprios sentimentos.
Na medida em que ocorre o deslocamento da figura da mãe para o
terapeuta, a capacidade de simbolizar dependerá da qualidade da relação
primitiva com o primeiro objeto. A compreensão das dificuldades iniciais no
tratamento da criança ilumina a mente do terapeuta/analista no sentido de
identificar e nomear ao seu paciente os conflitos primitivos reeditados na
transferência. Assim, a inibição do brincar pode estar presente no processo
terapêutico, especialmente nas suas fases iniciais quando a criança pode
comunicar transferencialmente angústias primitivas frente ao novo objeto
(desconhecido), o que traz repercussões para a contratransferência. A tole-
rância e compreensão do terapeuta em relação às repressões e defesas
apresentadas por seu pequeno paciente, são fundamentais para que o de-
senvolvimento da simbolização ocorra na dependência do estabelecimento
de um vínculo de confiança com seu terapeuta. No atendimento de crianças,
o terapeuta/analista também necessita estar em contato com seus próprios
aspectos infantis, sem perder a consciência do seu papel analítico frente ao
material que a criança apresenta na sessão25.
O BRINCAR NA PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA
E ALGUNS DOS SEUS FUNDAMENTOS TEÓRICOS BÁSICOS 189

Na América Latina tivemos a valiosa contribuição de Arminda


Aberastury16, analista argentina, seguidora de Melanie Klein, com quem man-
teve correspondência regular por volta de 1942. Aberastury deu início, em
1948, na Associação Psicanalítica Argentina, à formação de analistas de
crianças. Suas contribuições abrangem desde a observação e descrição do
desenvolvimento normal, a partir do nascimento, até refinadas técnicas de
avaliação, diagnóstico e tratamento16.
Mello17 coteja as diferenças entre as duas formas privilegiadas de
comunicação no tratamento psicanalítico de adultos e de crianças: os fenô-
menos da associação livre de idéias e o do brincar. Apóiam-se na distinção
existente entre a palavra e o gesto contido no brincar. Assim os jogos de
ocultação, como os de esconde-esconde e o jogo de carretel de Freud,
exemplificam a linguagem gestual. Tais jogos são percebidos na tarefa de
antecipar a presença e a ausência das coisas, pelos objetos transicionais. O
objeto transicional se refere a um espaço potencial que não pertence nem ao
sujeito, nem ao objeto, configurando-se em uma área de ilusão18.

O brincar e a psicoterapia psicanalítica


A psicoterapia e a psicanálise da criança privilegiam a comunicação
de acordo com o grau de desenvolvimento apresentado pelo paciente, com
um lugar especial para a comunicação pré-verbal, preferencialmente atra-
vés do brincar. O brinquedo é uma forma altamente efetiva para comunicar
os afetos, através da expressão facial, linguagem corporal, tom de voz, sen-
do mais difícil expressá-los em palavras, principalmente na infância19. Ao
longo do desenvolvimento, o brincar, em um sentido amplo, “abrange a co-
municação não-verbal e a pré-verbal, surgindo quando as palavras ainda
não são capazes de substituir as idéias, e o pensamento se manifesta de
modo quase concreto, materializado na ação lúdica, com a utilização de todo
o corpo infantil. Após, as comunicações lúdicas e verbais se complementam
e coexistem harmoniosamente”20.
Desde os dois anos de idade a criança tem capacidade de represen-
tar dois tipos de realidade psíquica, uma formada pela representação da re-
alidade cotidiana e, outra, a do “faz-de-conta”, formada pela imaginação21.
Para Piaget22, o brinquedo segue uma seqüência particular no seu
surgimento e a serviço do desenvolvimento de um pensamento operacional
concreto. A criança inicia com o brinquedo puramente sensório-motor, gradu-
almente evolui para o brinquedo simbólico ou de “faz-de-conta” e avança
para a capacidade de incluir regras, num brinquedo estruturado. Para ele, a
função do brincar era amplamente delineada em relação ao surgimento de
processos formais de pensamento lógico.
Na psicoterapia e na psicanálise, através do brincar, o terapeuta/
analista é o “guardião da estrutura do brincar”13, auxiliando a criança a prote-

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):182-195


ANA MARGARETH SIQUEIRA BASSOLS, FLÁVIA MARISA DE CAMARGO COSTA,
188 MARIA LUCRÉCIA SCHERER ZAVASCHI, VICTOR MARDINI

Portanto, como no sonho, ocorre um processo no qual os conflitos


inconscientes são transformados e expressos na forma do brincar da crian-
ça. O trabalho da interpretação corresponde ao exercício inverso: partindo-
se do conteúdo manifesto no brincar, chega-se às tendências agressivas e
destrutivas inconscientes da criança12.
A aplicação do conhecimento dos mecanismos implicados na de-
formação do conteúdo latente dos sonhos permitiu acesso à comunicação
latente, proibida e interditada pela censura, do brincar manifesto da criança.
Esses mecanismos, descritos por Freud7, incluíam simbolismo, des-
locamento, condensação, projeção e revisão secundária.
A condensação, por exemplo, é um mecanismo encontrado na brin-
cadeira de crianças, pois, muitas vezes uma figura complexa do desenho
ou uma dramatização entre dois ou mais bonequinhos pode estar revelan-
do dois ou mais sentimentos, desejos ou conflitos, bem como um único
gesto pode estar representando a concomitância de dois ou mais sentimen-
tos ou desejos simultâneos. A projeção está implícita nas dramatizações e
encenações da brincadeira infantil, assim como nos sonhos. Mais recen-
temente, Parsons 13, considera que o brincar está sempre presente na
psicanálise, pois “o elemento lúdico funciona continuamente para dar sus-
tentação a uma realidade paradoxal em que as coisas podem ser reais e
irreais ao mesmo tempo”.
Anna Freud14 apresentou, em 1926, a “Introdução à técnica da psica-
nálise de crianças” sob forma de aulas na Sociedade Vienense. Desde o
início houve um trabalho colaborativo entre educadores e psicanalistas.
Enfatizava a situação análoga da análise de adultos com a de crianças,
havendo uma variação na técnica devido ao respeito às capacidades
cognitivas de cada faixa etária. Ela preconizava inicialmente a idade mínima
de seis anos para tratamento, posição esta que foi modificada ao longo de
sua vida para dois anos. Concordava que o brinquedo poderia ser uma forma
de expressão da criança, mas este não assumiria o “status” da associação
livre dos adultos. Relata inúmeros casos clínicos nos quais apresenta a sua
forma de preparar a criança, motivando-a para a análise. Também enfatiza
que a família não pode ficar excluída do processo analítico, uma vez que é a
responsável pela condução da criança ao tratamento.
Ao longo das décadas seguintes, o brincar continuou sendo a forma
de comunicação por excelência, embora, ainda possa ser objeto de contro-
vérsias entre os autores. Os kleinianos e pós-kleinianos seguem assumindo
que o brincar no setting analítico equivale à associação livre dos adultos.
Enquanto que autores lacanianos, como Santa Roza15, sustentam, que ape-
sar de ser possível conceber-se a análise infantil por intermédio do brincar,
ainda não o consideram como equivalente à associação livre do adulto.
O BRINCAR NA PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA
E ALGUNS DOS SEUS FUNDAMENTOS TEÓRICOS BÁSICOS 187

Klein foi recebida inicialmente com dúvidas pela preocupação dos


analistas da época quanto à capacidade das crianças para “associar livre-
mente, permanecer quietas no divã, traduzir ações em palavras, apresentar
insights e transferir sentimentos e fantasias ao analista”6. Melanie Klein, a
partir de Freud, sem deixar de citar Hermine Hug Helmutt, desenvolveu e
estabeleceu as regras básicas da técnica do brinquedo no setting analítico
para crianças, inclusive ampliando o espectro de tratamento a crianças mui-
to pequenas, pois postulava a existência de um ego rudimentar no bebê,
capacitando-o a reagir a ansiedades provenientes tanto de fontes internas
quanto externas. Exemplificou seu pensamento teórico através do relato da
análise de Rita, uma menina de dois anos e nove meses11. Klein refere que
justamente as diferenças entre a mente do adulto e a mente infantil levaram-
na a entender as associações da criança através do brinquedo. “A criança
expressa suas fantasias, seus desejos e suas experiências de um modo sim-
bólico por meio dos brinquedos e jogos. Ao fazê-lo, utiliza os mesmos meios
de expressão arcaicos, filogenéticos, a mesma linguagem que nos é familiar
dos sonhos”11. Diz esta autora que só poderemos entender a linguagem do
brinquedo infantil se dele nos aproximarmos, como se aproxima Freud, da
linguagem dos sonhos. Considera que o simbolismo é apenas uma faceta
dessa linguagem.
O brinquedo que se desenvolve na primeira sessão de análise deve
ser entendido juntamente com o panorama global do momento da criança.
Sugere que não só devemos decodificar o significado de cada símbolo sepa-
radamente, mas levar em conta todos os mecanismos e formas de represen-
tação usadas no trabalho onírico, sem jamais perdermos de vista a relação
que cada fator mantém com a situação global do paciente11. Freud7 também
não recomendava a interpretação dos sonhos fora do contexto de análise
ou dissociado da problemática do paciente. Revela Klein11 que seguidamen-
te as crianças expressam no brinquedo aquilo que anteriormente haviam
revelado em seus sonhos. Ao brincar, a partir das interpretações, as crianças
também fazem associações com os brinquedos consecutivos, que assumem
o valor das associações livres dos adultos, no contexto da sessão analítica e
ou psicoterápica. Tal qual nos sonhos, ocorrem os deslocamentos para per-
sonagens alvos de agressão ou medos persecutórios, como, por exemplo:
monstros, extraterrestres, ou lobo.
Assim, no atendimento psicanalítico e psicoterápico de crianças,
utilizando o conhecimento do trabalho psíquico do sonho, descrito por Freud7,
inferiu-se que os pensamentos latentes da criança, desejos e motivos repri-
midos, podem valer-se dos mesmos mecanismos de distorção onírica,
expressando-se nas várias formas manifestas do brincar dos pacientes nas
sessões de análise/psicoterapia.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):182-195


ANA MARGARETH SIQUEIRA BASSOLS, FLÁVIA MARISA DE CAMARGO COSTA,
186 MARIA LUCRÉCIA SCHERER ZAVASCHI, VICTOR MARDINI

Quando Freud abandonou, temporariamente, sua hipótese da sedu-


ção e redirecionou seu interesse ao significado das experiências de fantasias
e no contexto do desenvolvimento da técnica da associação livre é que o
significado e o valor do estudo dos sonhos deixaram sua marca sobre ele2.
Freud percebeu que no processo da livre associação, seus pacientes relata-
vam seus sonhos junto com um material associativo a eles vinculado2. As
dificuldades das crianças em associar livremente como faziam os pacientes
adultos deu origem ao uso do brinquedo e do brincar da criança como repre-
sentação de seu mundo interno, possível de ser compreendido simbolica-
mente por um terapeuta sensível. A teoria da natureza do trabalho do sonho,
desenvolvida em A Interpretação dos sonhos7, tornou-se a descrição funda-
mental da operação dos processos inconscientes, que foi também aplicada à
compreensão da mente infantil2.
Biermann9, considera o brincar como a via régia para o inconsciente
infantil, da mesma forma que o sonho constitui-se na via régia para o incons-
ciente do adulto9. Os mecanismos do trabalho do sonho, em especial os
processos de deslocamento, condensação, simbolismo e repressão, eram
considerados básicos para a operação do inconsciente em todas as suas
manifestações, refletindo a operação do processo primário2. Para Freud7 os
fatores motivadores que estimulavam a atividade onírica e a formação de
sonhos eram os desejos provenientes dos níveis infantis do desenvolvimen-
to psíquico. Esses motivos tomavam seu conteúdo especificamente a partir
dos níveis edipianos e pré-edipianos de integração psíquica. Assim, as sen-
sações noturnas e os resíduos do dia, tinham de ser associados e vinculados
com um ou mais desejos reprimidos do inconsciente para dar origem ao
conteúdo do sonho7.
Na mesma linha, na década de 20, Hug-Hellmuth10 foi a primeira
analista a tomar crianças em análise sistemática. Foi também a primeira
psicanalista de crianças, depois de Freud, e pouco antes de Anna Freud e de
Melanie Klein, que utilizou a técnica do brinquedo como instrumento de tra-
tamento. Sugeriu que o brinquedo espontâneo da criança poderia servir de
complemento e, até mesmo, substituir a comunicação verbal que, no adulto,
aparecia como associação livre. Em 1921, no Congresso de Viena, já ressal-
tava que a análise de crianças era possível, porém, somente após os seis
anos. Identificava ainda a existência de transferência positiva e negativa.
Ela alertava para a primeira informação ou o primeiro ato simbólico da crian-
ça durante a primeira sessão, uma vez que, segundo ela, continha o comple-
xo nuclear da neurose infantil9. Já observava a “ação simbólica” da criança
no brincar, o que permitiria o desvelamento dos sintomas e da problemática
da criança. Seus posicionamentos abriram caminho para que Melanie Klein
desenvolvesse seus estudos sobre a técnica do brinquedo11.
O BRINCAR NA PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA
E ALGUNS DOS SEUS FUNDAMENTOS TEÓRICOS BÁSICOS 185

fazia desaparecer exclamava um longo o-o-o-o! Para Freud e para a mãe


do menino, essa palavra significaria “fort” que em português quer dizer
“ir-se”. Freud entendeu que o menino brincava de ir embora com a mãe.
Quando puxava o carretel resgatando-o, saudava seu reaparecimento, com
um alegre “dá”, que em português é “ali”. Freud entendeu que o brinquedo
de fazer desaparecer e reaparecer o carretel, correspondia à tentativa de
reeditar a situação traumática, porém desta vez com um novo desfecho, no
qual ele protagonizava a volta da mãe. Aquilo que havia sofrido passiva-
mente revivia ativamente, buscando dominar desta forma as ansiedades
decorrentes da separação da mãe, representada pelo carretel. “A criança
passa da passividade da experiência para a atividade do jogo”4.
Antes mesmo dessa descoberta, Freud5, em 1909, ao tratar do
pequeno Hans, através do trabalho com o pai, conferiu muita importância
ao comportamento global da criança. Anotou cuidadosamente todas as in-
formações recebidas sobre sua história, à atitude quotidiana do menino,
suas manifestações de curiosidade; interessou-se por seus desenhos e por
sua teoria infantil acerca do nascimento dos bebês. Um fato de enorme im-
portância nesse momento da vida de Hans foi o nascimento de sua irmãzinha,
quando contava com três anos e meio. As observações daquele momento do
desenvolvimento de Hans – etapa edípica – sua curiosidade acerca do nas-
cimento da irmã e a emergência de inúmeros sentimentos daí decorrentes,
tudo isso inserido no contexto familiar, resultaram em uma produção rica em
teorizações infantis, que foram belamente descritas por Freud em “Análise
de uma fobia de um menino de cinco anos”5.
Freud4 ao aceitar as solicitações do pai do pequeno Hans para su-
pervisionar seu atendimento, tinha como objetivo verificar a correção de
suas teorias sobre o desenvolvimento psicossexual da criança às quais
chegara, a partir da reconstrução da infância de seus pacientes adultos.
Em nenhum momento deu-se conta que, dessa maneira, lançava as bases
de uma nova especialidade6. A experiência pedagógica para a criança subs-
tituíra a excessiva repressão por um controle mais ameno e canalizado
que, claramente, libertou o menino da fobia. Todavia, na ocasião, Freud5
não concluiu que se poderia tratar crianças dessa maneira. Foi somente
mais tarde que, convencido pela filha Anna, admitiu que o método analítico
poderia ser aplicado diretamente a crianças, embora considerasse que essa
não era sua seara.
A publicação por Freud das obras “A interpretação dos sonhos” 7,
“Análise de uma Fobia de um menino de 5 anos”5 e “Três Ensaios sobre
a Teoria da Sexualidade”8, alertaram a comunidade científica e a socie-
dade para a existência do psiquismo e do inconsciente infantil. Segundo
Biermann9, “sem a profunda visão de Freud, nossa compreensão da mente
infantil estaria incompleta”9.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):182-195


ANA MARGARETH SIQUEIRA BASSOLS, FLÁVIA MARISA DE CAMARGO COSTA,
184 MARIA LUCRÉCIA SCHERER ZAVASCHI, VICTOR MARDINI

seus pacientes falarem de suas vidas e de seus relacionamentos, talvez


por seu maior interesse se dirigir às pulsões instintuais, buscando concei-
tos mais gerais, se não, universais1.
A centralidade do enfoque contínuo de Freud sobre a sexualidade
como essencial ao ser humano marcou sua tentativa de formular uma base,
o mais cientifica possível, para suas concepções psicológicas em desen-
volvimento. Suas observações sobre a sexualidade infantil o levaram a
reconhecer a centralidade das zonas orais, anais e genitais como tendo um
papel formativo na personalidade.
Outro aspecto importante do referencial psicanalítico foi o conceito
de Inconsciente, que levou à noção de que a pessoa não é “senhora em sua
própria casa”1, isto é, as motivações inconscientes é que seriam as “senho-
ras” da ação humana. O conceito de “inconsciente dinâmico” é uma das con-
tribuições mais significativas, duradouras e influentes de Freud2. Segundo
Meissner, os avanços revolucionários das neurociências “parecem estar
convergindo nesta compreensão basicamente analítica da organização e
do funcionamento da mente”.
Para Santos e Zaslavsky3 a conceitualização de termos dentro da
teoria da psicoterapia, oriunda da psicanálise, é uma preocupação constan-
te, pois o significado de um conceito varia de escola para escola, entre mem-
bros de uma mesma escola, de uma mesma instituição e assim por diante,
gerando modificações ao longo do tempo. Alertam que o leitor pouco atento
corre o risco de entender que o significado de um conceito é o mesmo em
diferentes escolas, com conseqüentes dificuldades nas discussões clínicas,
teóricas, no ensino e na pesquisa.
A psicanálise, desde seu início, preocupou-se com as perturbações
e traumas sofridos pelo ser humano em seu desenvolvimento, principalmente
na infância. A perspectiva de que a infância representava uma oportunida-
de única para observar o início e acompanhar o curso do desenvolvimento
de patologias mentais abriu espaço para o surgimento da psicoterapia na
infância como uma oportunidade de instituição de medidas terapêuticas e
preventivas.

O brincar – considerações históricas


O brincar como expressão de alegria, de tristeza, ansiedade, ou
de conflito, começou a ser objeto de interesse dos psicanalistas, a partir de
Sigmund Freud. Em “Além do princípio de Prazer”, ele refere que a brin-
cadeira de crianças é “uma das primeiras atividades normais do ser huma-
no”, traduzindo um “método de funcionamento empregado pelo aparelho
mental”4. Observou que seu neto de dezoito meses, quando era separado
da mãe, brincava de forma repetitiva e divertida com um carretel. Quando o
O BRINCAR NA PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA
E ALGUNS DOS SEUS FUNDAMENTOS TEÓRICOS BÁSICOS 183

traumáticas. A partir de conceitos psicanalíticos, os autores propõem o estu-


do da compreensão do brincar, essencial para a psicoterapia psicanalítica
aplicada à criança e sua evolução. Apresentam e discutem aspectos histó-
ricos da psicanálise infantil e vislumbram um futuro promissor para o conhe-
cimento da mente humana, enfocando os primórdios da relação mãe-bebê e
sua aplicação à terapia de crianças, iluminando o campo da prevenção e
beneficiando a saúde mental.
Descritores: psicoterapia psicanalítica; psicanálise infantil; infância; brinquedo.

Abstract
Children and adolescent psychiatry, as it exists today, including many therapeutic
modalities and contributing to several areas of knowledge and understanding
of human development, had, as its mother cell, the psychoanalysis. Since the
beginning of the 20th century, children play has been gradually recognized as
an access route to the dynamics of thoughts, desires, and unconscious conflicts
of the child as a way in which they can experiment and develop proactively
traumatic experiences. Based on psychoanalytic concepts, the authors propose
the study of the meaning of play, which is essential to psychoanalytic psy-
chotherapy, applied to children and their development. They present and discuss
the historical aspects of child psychoanalysis and envision a bright future for
the knowledge of the human mind, focusing on the origins of mother-infant
relationship and its application to child therapy enlightening the prevention and
mental health fields.
Keywords: psychoanalytic psychotherapy, child psychoanalysis, childhood;
playthings.

Introdução
O brinquedo infantil acompanha a própria evolução da humanidade.
Há aproximadamente quatro mil anos, as meninas egípcias já brincavam
com bonecas feitas de terracota e os meninos da antiga Grécia dramatiza-
vam a guerra com pequenos barcos e espadas de madeira. Inerente ao pro-
cesso de desenvolvimento da criança está sua intimidade com o brincar.
O ser humano é influenciado por processos biológicos, interpessoais
e culturais, mas sua representação na vida mental individual constitui o foco
da teorização psicanalítica1. A teorização freudiana inicial baseou-se em sua
tendência a pensar em dualismos – preservação da espécie x preservação
do Ego, agressividade x sexualidade, narcisismo x libido objetal, prazer x
desprazer, libido x instinto de morte, etc. Para Pine, Freud necessitava ouvir

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O brincar na psicoterapia de orientação
psicanalítica e alguns dos seus
fundamentos teóricos básicos

Playing in psychoanalytic psychotherapy


and some of its basic theoretical fundamentals

Ana Margareth Siqueira Bassols*


Flávia Marisa de Camargo Costa**
Maria Lucrécia Scherer Zavaschi***
Victor Mardini****

Resumo
A psiquiatria de crianças e adolescentes, tal como existe hoje, abrangendo
inúmeras modalidades terapêuticas e contribuindo com várias áreas do
conhecimento e da compreensão do desenvolvimento humano, teve como
célula mãe, sem dúvida, a psicanálise. Desde o início do século XX gra-
dativamente o brincar foi reconhecido, como uma via de acesso à dinâmica
dos pensamentos, desejos e conflitos inconscientes das crianças, uma forma
pela qual ela pode experimentar e elaborar de forma ativa as experiências

* Médica, Psiquiatra (UFRGS), Psiquiatra da Infância e Adolescência (ABP). Mestre em Psiquiatria


(UFRGS). Psicanalista e Membro Associado da SPPA. Professora Assistente do Departamento
de Psiquiatria e Medicina Legal da FAMED/UFRGS. Chefe do Serviço de Psiquiatria da Infância
e Adolescência do HCPA.
** Médica Especialista em Psiquiatria (UFRGS). Professora e Supervisora convidada da Residência
Médica em Psiquiatria da Infância e Adolescência do HCPA e do Curso de Especialização em
Psiquiatria da Infância e Adolescência (UFRGS). Professora convidada do Centro de Estudos
Luís Guedes. Membro Aspirante da SPPA.
*** Médica Especialista em Psiquiatria (UFRGS). Mestre em Psiquiatria pela (UFRGS). Professora
adjunta do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da FAMED/UFRGS. Professora da
Residência Médica em Psiquiatria da Infância e Adolescência do HCPA e do Curso de
Especialização em Psiquiatria da Infância e Adolescência (UFRGS). Psicanalista de crianças e
adolescentes, Membro Efetivo e professora do Instituto de Psicanálise da SPPA.
**** Médico Pediatra (SBP). Psiquiatra (ABP). Psiquiatra da Infância e da Adolescência(UFRGS).
Psiquiatra Contratado do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do HCPA. Professor
convidado do CELG. Membro Aspirante da SPPA.
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Recebido em : 09/12/2009 Aceito em : 10/01/2010

Endereço para correspondência:

Luiz Carlos Mabilde


Rua Tobias da Silva, 99/303
90.570-20, Porto Alegre, RS
E-mail: mabilde@terra.com.br

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REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):161-181


176 LUIZ CARLOS MABILDE

CLÁSSICO MODERNO PÓS-MODERNO


Paradigma: Objetivo Subjetivo Intersubjetivo
Modelo: Pulsional Relacional Vincular

Técnica: T*-CT ** T*/CT-TOTAL *** CAMPO/ INTERSUBJ.


Alguns Freud, Bion, Baranger,
autores: Klein, Winnicott Ogden,
Hartmann Renik,
Botelha.

Trata-se, apenas, de um esquema, daí certa relatividade em alguns


enquadramentos. Klein, por exemplo, embora pertença ao período clássico,
foi a primeira autora “moderna”, ao lançar as bases para a contratransferência
totalística e para a ênfase das relações de objeto (modelo relacional). Ainda
que o modelo vincular – e sua técnica de campo e intersubjetividade – ganhe
expressão no período pós-moderno, é com Bion que houve sua primeira
menção. Da mesma forma, os Baranger surgem no período moderno, mas
sua contribuição ganha realmente relevo na etapa posterior.

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* T = Transferência.
** CT = Contratransferência.
*** CT-TOTAL = Contratransferência Total.
EVOLUÇÃO DA TÉCNICA PSICANALÍTICA 175

se na intersubjetividade, mas sempre o faz de posse de subjetividades


detectáveis (fantasias, devaneios) pelo modelo representacional.
Os Botelha77, 78, partir do “Trabalho do negativo” de Green79 – que,
por sua vez, baseia-se em Freud80 quando este define alucinação negativa
como a existência de uma catexia sem imagem – conceituam o irrepresentável
como a falta de representação de acontecimentos não processáveis, exces-
sos tais como rupturas, pactos, segredos, práticas incestuosas, violências
que invadem o psiquismo, ali habitando sem possibilidades de simbolização
ou repressão. O trauma deve ser compreendido como negatividade, isto é,
não como intensidade de uma percepção, nem como conteúdo de uma re-
presentação, mas como incapacidade de transformar em psíquico um estado
excessivo de energia que produz uma desorganização do ego. Assim, pa-
cientes em profunda regressão, cuja ruptura é da ordem do irrepresentável,
é unicamente o excedente de afeto o que pode ser experimentado pelo ego.
Os autores – baseados na assertiva freudiana de que a continuidade
do sono depende da alternativa do ego de figurar, alucinar – descrevem
figurabilidade como o produto do trabalho psíquico diurno comparável ao do
sonho que desemboca – por caminho regrediente – numa percepção interna
próxima da alucinação do sonhador.
Trabalhando com crianças autistas, os Botelha77 observaram que
elas reagiam com gritos de terror aos primeiros sinais de relação objetal. A
perda de representação – como se depreende – provocou um vazio implosivo
que precipita a percepção odiada no psiquismo, cujo objetivo é uma violen-
ta defesa contra a intensidade sensorial.
Nesses estados de precariedade representacional ou mesmo zonas
de não representação do paciente, o analista encontra-se em uma dura
situação: perda do setting, da interpretação e ainda dono de um grande
mal-estar. O que pode fazer? A solução está na técnica da figurabilidade:
produzir uma figura, uma imagem com a qual consiga trabalhar, dando-lhe
uma elaboração secundária, que então possa ser repassada à criança,
despertando a figurabilidade que nela existe. O dinamismo subjacente a
esse tipo de intervenção é comparável ao que exerce o relato dos contos
infantis, que evocam representações carregadas de pulsões, relacionadas a
outro contexto ou ao passado, numa nova e coerente história, sentida como
verdadeira e capaz de evocação.

Concluindo
De modo didático, pode-se dividir a evolução da técnica psicanalíti-
ca em três períodos: clássico, moderno e pós-moderno. Seriam suas princi-
pais características:

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):161-181


174 LUIZ CARLOS MABILDE

Ogden: síntese de como opera a técnica


da intersubjetividade
Foi com Ogden73, 74 que a Psicanálise obteve a verdadeira intersub-
jetividade analítica como operação técnica (como novo paradigma) que pode
ser encontrada basicamente em seus conceitos de terceiro analítico
intersubjetivo e dialética da intersubjetividade. Ogden desloca completa-
mente e não de forma insuficiente (Bion, Winnicott, Baranger, Green) ou
dema-siadamente (Kohut, Greenberg, Mitchel, Model) a contratransferência
para um paradigma intersubjetivo. Ele toma emprestado de Green75 o con-
ceito de objeto analítico e nomeia essa nova realidade de terceiro analítico
intersubjetivo. Pratica, então, a dialética intersubjetiva, combinando o ponto
de vista intrapsíquico (subjetividades individuais) com o intersubjetivo
(interação das realidades subjetivas individuais).
O terceiro analítico é criação do analista e do analisando, ao mesmo
tempo em que ambos são criados pelo terceiro analítico. Assim, a expe-
riência do analista no e do terceiro analítico é utilizada como veículo para a
compreensão das experiências conscientes e inconscientes do analisando.
Nesse sentido, esse conceito dá à estrutura de ideias a interdependência
entre sujeito e objeto, entre transferência e contratransferência, que ajuda o
analista a entender fatos clínicos intersubjetivos com os quais se depara, tais
como divagações, sensações corporais ou qualquer outro objeto analítico
intersubjetivo gerado pelo par.
Como se observa, o sujeito psicanalítico cria-se a partir de diversas
tensões dialéticas (eu / não eu; realidade / fantasia), o que dá ao encontro
analítico uma visão muito mais plástica e dinâmica. Encontram-se duas
subjetividades que geram uma terceira, intersubjetiva, no espaço potencial
entre o paciente e o analista. O conceito do terceiro analítico enriquece a
técnica analítica, não apenas por conseguir articular diferentes sistemas de
compreensão e abordagem (freudiano, kleiniano, winnicottiano). Consegue
também orientar o analista em como operar com ele. É através dele que os
símbolos são criados e a atividade imaginativa se dá. Em outras palavras, o
que antes não era aproveitado, passa a sê-lo em uma espécie de terceira
mirada, proporcionando interpretação e insight, entendidos como transfor-
mação simbólica da experiência intersubjetiva.

Os Botelha configuram importante


técnica intersubjetiva
Estes autores deram um passo adiante na técnica que se vale da
intersubjetividade. No momento, inclusive, representando sua maior sofisti-
cação. Renik76, por exemplo, também leva às últimas consequências a ênfa-
EVOLUÇÃO DA TÉCNICA PSICANALÍTICA 173

analista, capaz de fazê-lo observar-se como participante da fantasia


imobilizadora.
Examinando o conceito de campo analítico em trabalhos anteriores
(Mabilde 69, 70) cheguei à conclusão que a grande contribuição do conceito
dos Baranger – na construção da intersubjetividade analítica – deu-se no
âmbito da situação analítica. A partir do mesmo, essa situação não mais foi
vista como formada a partir do analista ou no paciente ou ainda entre os dois,
mas sim no campo, o que – na verdade – engloba tudo isso de uma forma
muito mais dinâmica.

Kernberg e o modelo misto


Kernberg57, 71, 72 fez uma clara tentativa de integrar a concepção
estrutura-impulso com estrutura-relacional que, por razões históricas, fre-
quentemente se apresentam como modelos antitéticos ou competitivos. O
próprio autor caracteriza seu trabalho como uma teoria de relações de ob-
jetos, embora não o aceita como uma teoria geral da mente, alternativa à
metapsicologia clássica, daí declarar-se também freudiano, fato perfeita-
mente identificável em seus esforços para se manter dentro da tradição
evolutiva clássica do modelo estrutura-impulso.
Kernberg começa de uma base clínica, proveniente de sua investi-
gação (tal como Kohut) de casos situados entre as neuroses e as psicoses,
denominando-os de fronteiriços (borderline), em que estão incluídas as
personalidades limítrofe e narcisista.
Ele deriva a maioria de suas inferências das reações de transferên-
cias típicas desses pacientes, ressaltadas pelas relações de objeto, dentro
do sentido limitado dado pelo autor, isto é, a natureza bipolar (diádica) da
internalização, dentro da qual cada unidade do self / imagem do objeto é
estabelecida num contexto afetivo particular. Dito de outra maneira, as re-
lações objetais internalizadas são organizadas em unidades de autorre-
presentação e representações objetais relacionadas entre si, dentro de um
estado afetivo dominante. Este estado representa um sinal do respectivo
impulso refletido na relação de objeto específica, cujas unidades determi-
nam ou não a integração da estrutura tríplice. Com base nas fixações pato-
lógicas ou regressões às primitivas internalizações, são traçados os quadros
estudados.
Como se observa, Kernberg combinou ideias de Jacobson47 e Mahler48
com as M. Klein41, levando-o a uma perspectiva em que afetos (ao invés de
impulsos) determinam a motivação humana. Por conseguinte, sua técnica
busca a resolução das transferências primitivas e de seus conflitos incons-
cientes, capaz de permitir gradual integração das representações do self e
dos objetos.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):161-181


172 LUIZ CARLOS MABILDE

Winnicott: o homem da transição do relacional


para o meio real
Winnicott63, 64, 65 elaborou novos conceitos, cunhando denominações
que adquiriram hierarquia psicanalítica, tais como falso e verdadeiro self,
objetos e fenômenos transicionais, papel da ilusão, mãe suficientemente boa.
Winnicott fala de processos de maturação e de meio facilitante. Como
tal, para uma criança ser sadia, o meio é indispensável e o elemento decisi-
vo desse meio é a mãe suficientemente boa. Como se observa, Winnicott
afasta-se das ideias de M. Klein, ao colocar o fator ambiental real como
determinante da conduta, sendo a observação direta do objeto transicional
seu principal fundamento. Winnicott64 estudou a interação entre o interno e o
externo, o que também colaborou para acentuar ser a natureza dos elos que
confere ao material seu caráter psíquico.
Quanto à técnica, cabe ressaltar que os objetos transicionais outor-
gam um sentido particular à figura do analista, qual seja a de cumprir a fun-
ção de objeto transicional, enquanto os fenômenos transicionais são consti-
tuintes do vínculo transferencial. Nesse sentido, falhas ambientais precoces
– congeladas como fracassos – são repetidas e descongeladas no setting
analítico, o que possibilita a distinção entre necessidades do id e do ego,
entre hesitação e resistência, entre ódio e decepção, entre objeto criado e
descoberto, entre dependência absoluta, relativa e independência.

Entrando em campo com os Baranger


Se Bion61 ampliou o conceito de identificação projetiva de Klein, des-
tacando seu valor comunicativo, Madeleine e Willy Baranger66 expandiram
essa contribuição de Bion através do conceito de campo analítico.
Eles partem da contratransferência67,68, mas não se restringem à
sua função de indicador de ocorrências transferenciais. Consideram a ação
recíproca desenvolvida pelos dois participantes. Tal intersubjetividade,
portanto, deve ser entendida como evidência de base e não apenas como
simples soma dos elementos subjetivos. O analista intervém não só para
interpretar como também para criar o campo, sob a forma de uma fantasia
inconsciente básica, a qual, encarada como criação do campo, tem suas
origens no inconsciente de cada um dos participantes.
Para os Baranger66, tal inteiração dinâmica e constante do campo é
produto do interjogo de identificações projetivas e introjetivas, bem como
das respectivas contra identificações. Assim sendo, sua técnica preconiza
avaliação constante do processo analítico, visto como um plano relacional/
situacional que pode tomar momentos de mobilidade ou de cristalização.
Estas últimas circunstâncias (estereotipias, paralisações) são denominadas
de baluartes, que deverão ser superadas através de uma segunda mirada do
EVOLUÇÃO DA TÉCNICA PSICANALÍTICA 171

da transferência, por outro tudo é produto da interação, plasmaram, na reali-


dade, um modelo interativo.

Bion: do resgate relacional


às configurações vinculares
Bion60, 61, 62 deu mais um passo na direção de incluir o analista na
construção da (inter) subjetividade, ao examinar a importância dos elos en-
tre os processos psíquicos (vínculos). O vínculo passa a ser o lócus da cons-
trução do psiquismo, o que determina considerar que uma representação
alcance significado por sua articulação (vínculo) com outras. Tal aspecto –
ainda que não corresponda a uma perspectiva intersubjetiva no sentido estri-
to do termo – dá ao analista (mãe) um papel mais funcional e compreensivo.
Bion61 foi também o autor do modelo estrutura-relacional que mais tentou
oferecer respostas às críticas americanas e lacanianas sobre alegadas ar-
bitrariedades kleinianas, tais como “conhecimento inato da genitália e da
relação sexual, retroação do desenvolvimento intrapsiquico para os primei-
ros meses de vida, ausência de diferenciação estrutural na evolução do
ego e objetos”. Na medida em que apresentou a hipótese de uma hierar-
quia de processos intelectuais, pelo menos com respeito às estruturas
cognitivas, dentro da teoria kleiniana, seu sistema realmente reflete um
desenvolvimento estrutural. Pena que sua teoria do pensamento, por exem-
plo, parece divorciada da real capacidade perceptiva e cognitiva da criança
na idade proposta.
De qualquer modo, para ele, as experiências emocionais são as ba-
ses para a formação de um aparelho mental capaz de pensar. Pela ajuda da
rêverie materna, esse aparelho vai se estruturando e formando elementos
alfa, utilizáveis para sonhar e pensar, em vez de apenas evacuar a emoção.
Sua técnica atribui ao analista a função de proporcionar esse continente,
com o qual o paciente com suas projeções (contido) se sentiria mais seguro
para enfrentar a dor psíquica. As resistências se erguem contra o reprimido e
contra essa dor, sendo necessária uma transformação das emoções em ele-
mentos pensáveis. Para tal, o analista precisa trabalhar sem memória e sem
desejos (no sentido de não fazer prevalecer sua teoria pessoal sobre o fato
selecionado do material) e com capacidade negativa (suportar a falta de sig-
nificado). A função da interpretação passa a ser de integrar – dando significa-
dos à experiência emocional – aspectos cindidos da personalidade por iden-
tificação projetiva. Aliás, estas identificações projetivas – em uma dimensão
funcional – podem estar cumprindo importante papel de uma comunicação
primitiva, cuja decodificação pelo analista dá ao paciente um significado para
as mesmas. É de especial importância a contratransferência, meio pelo qual
o analista transforma a identificação projetiva – ativa em si como emoção –
em resposta cognitiva.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):161-181


170 LUIZ CARLOS MABILDE

Para tanto, veem o inconsciente sob uma ótica sartreana (“o paciente sabe o
que ele não supõe saber que sabe”) e o self como um sistema defensivo
discriminador entre o “eu e não eu; ruim para mim, bom para mim”.

Kohut, o self e a empatia


Kohut54, 55 restringe sua investigação à área da psicopatologia deno-
minada por ele de perturbação narcisista da personalidade e considera esse
problema não como um fenômeno fronteiriço (como pensa Kernberg56), mas
dentro do campo da analisibilidade, embora diferente das neuroses de trans-
ferência. Para ele, essa patologia tem sua etiologia determinada em uma
parada do desenvolvimento, ocasião em que surge um self grandioso, junta-
mente com objetos idealizados (self-objetos). Desta forma, existiriam duas
linhas de desenvolvimento concomitantes e independentes: auto-erotismo-
narcisismo-objeto de amor; auto-erotismo-narcisismo-transformações do
narcisismo. Como se vê, Kohut apoia-se em Hartmann/Jacobson (evolução
do narcisismo), mas este narcisismo não exclui a existência de relações de
objeto (Winnicott/Fairbairn, nos quais também se apoia) para desenvolver
sua abordagem.
Na técnica kohutiana, portanto, o analista deve ajustar sua capacida-
de empática às exigências do paciente (e usar a transferência) para fornecer
ao ego acesso aos investimentos narcisistas recalcados ou clivados, pró-
prios do self-objeto e do self grandioso. Fica claro que a técnica de Kohut
baseia-se na ativação terapêutica da imago parental idealizada (self-obje-
to), à qual se refere como transferência idealizadora. O analista terá de
permitir ao paciente se autoidealizar e idealizar o analista, prescindindo de
utilizar o conceito e a interpretação de conflito psíquico. Emprega, isto sim,
ao máximo, a empatia e a flexibilização do setting para alcançar tais objeti-
vos iniciais. Kohut também incorpora uma concepção intersubjetiva, ao pro-
curar abster-se de uma postura objetiva e adotar uma ressonância empática.
Porém, ao mesmo tempo, não se revela um intersubjetivista, pois acredita
que o analista deve evitar contaminar a transferência através de uma atitude
de intérprete objetivo da verdadeira essência do self.
Muito influenciados pela Psicologia do Self, de Kohut, mas desen-
cantados pela contratransferência e insatisfeitos com a transferência, alguns
teóricos norte-americanos, tais como Greenberg e Mitchel57, Benjamin58,
Model59 propuseram uma variante ao modelo kohutiano: o lócus primário da
análise seria o interjogo recíproco da dupla analista-paciente, sob a forma de
interações simbólicas (o enactment=encenação), para captar melhor do que
a transferência a interação dinâmica do par. Tais interativistas (como ficaram
conhecidos), assim, aparentemente, alinharam-se ao modelo intersubjetivo,
porém, ao exagerarem demasiadamente, por um lado, que tudo está dentro
EVOLUÇÃO DA TÉCNICA PSICANALÍTICA 169

Hartmann completou a substituição do modelo topográfico pelo


estrutural, estudando o ego em suas defesas e funções, sendo o objetivo
da análise fortalecê-lo através da análise sistemática das defesas. Deste
modo, sua técnica busca ajustar o expediente pulsional do sujeito, dentro
de experiências adaptativas, com os objetos externos.
A abordagem da psicologia do ego ressalta a importância da inter-
pretação do material da superfície para a profundidade, bem como da aná-
lise das defesas para a análise dos conteúdos, em flagrante contraste com
a técnica kleiniana.

Lacan e a inversão dialética


Lacan49 releu Freud sob a influência da antropologia cultural de
Levy-Straus, que havia se influenciado pelo paradigma inaugurado por F.
Saussure, no domínio da linguística. Seu desenvolvimento partiu da pri-
meira tópica de Freud23 e foi sobre o conceito de inconsciente que avançou
e criou uma perspectiva própria. Para ele – e sua técnica – o processo
analítico é um processo dialético (Hegel), e a transferência somente surge
por interrupção deste último, na medida em que o analista deixa de oferecer
a antítese adequada ao relato do paciente (tese). A transferência constitui-se
assim em uma resistência, uma resistência do analista. Nesse sentido, a
técnica de Lacan busca a retificação do sujeito com o real, a fim de recons-
truir a vida do paciente como historicidade, o que é prejudicado pela transfe-
rência, ao transformar o passado em atualidade. Exemplifica essa tese com
o caso Dora, ao apontar a falha de Freud50 em não fazer a terceira inversão
dialética, que teria levado Dora, do amor ao senhor K, ao vínculo homosse-
xual com a senhora K (vide “Fragmento da análise de um caso de histeria” –
Caso Dora).

Sullivan: a técnica interpessoal


pode ser considerada analítica?
Sullivan51 inaugurou o que se convencionou denominar escola cul-
turalista da Psicanálise, ênfase dada pelo autor ao papel exercido pelo meio
social e cultural na constituição da motivação humana. São as relações
interpessoais, portanto, que determinam as experiências individuais e não o
impulso.
Os culturalistas Frida From-Reichman52, Karen Horney53, além de
Sullivan51, equivalem o intrapsíquico com interpessoal, não aceitando a “dita-
dura” da pulsão. Como se pode depreender, eles também equivaleram rela-
ções de objeto com aspectos interativos e estes últimos com relações interpes-
soais. Sua técnica, em consequência, visa corrigir tal “cultura” relacional.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):161-181


168 LUIZ CARLOS MABILDE

8) Interpessoal ou Culturalista (Sullivan),


9) Psicologia do self (Kohutiana),
10) Kernbergiana.

A seguir, das escolas acima, destaco alguns autores que se notabili-


zaram pela singularidade de sua contribuição à técnica. A ordem dada a eles
advém de dois critérios:
a) certa cronologia dos trabalhos e
b) a evolução da técnica, impulsionadas por certos paradigmas:
pulsional-objetiva, relacional-subjetiva e intersubjetiva (Mabilde35).

M. Klein: da pulsão para a relação


M. Klein36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43 trouxe a primeira nova direção técnica (e
teórica) dentro da Psicanálise, a qual passou de uma estrutura acabada
para a diversidade. Klein – assim como todos os integrantes desta escola –
elegeu e desenvolveu a linha estrutura-relacional de Freud (vide acima),
razão pela qual sua ênfase recaiu no objeto interno (vide “Luto e Melanco-
lia”, Freud44), relação de objeto e no superego. O principal interesse de
Klein41 foi sobre a angústia e suas vicissitudes, tal como a própria autora
fez questão de esclarecer para diferenciá-lo de Fairbairn45, que é voltado
para o desenvolvimento do ego em relação aos objetos. Klein ampliou e
aprofundou a investigação sobre a ansiedade (vide o conceito de posição), o
que veio repercutir de modo extraordinário sobre a questão da transferência
e da contratransferência, já que as relações de objeto emergem dinamica-
mente na transferência. Sua técnica seguiu o modelo clássico no uso exclu-
sivo das interpretações e priorizou as interpretações transferenciais sobre os
conflitos intrapsíquicos inconscientes, ao nível das angústias profundas
ativadas no momento. Na prática, significa interpretar fantasias e defesas
primitivas de acordo com as duas antigas posições evolutivas, desde o início
do tratamento.

H. Hartmann: o estruturalista do ego


Hartmann46 é o principal representante da Psicologia do Ego, que
inclui outros autores importantes, tais como E. Jacobson47 e M. Mahler48.
Todos eles seguiram o modelo estrutura-impulso (vide diagrama acima),
dando ênfase ao ego e à sua relação com a realidade. O texto básico de
Freud24 – para os integrantes dessa escola – foi o “Ego e o Id”, o qual serviu
de ponto de partida para importantes desenvolvimentos estruturais, tais como
autonomia primária e secundária do ego, áreas livres de conflito, bem como
o quarto ponto de vista metapsicológico: o genético.
EVOLUÇÃO DA TÉCNICA PSICANALÍTICA 167

aumentar ainda mais a confusão entre qual era a análise clássica


e qual não era, uma vez que eles usavam o termo no sentido de
acentuar tão somente o paradigma freudiano.

Freud: o paradigma unificador

A abordagem freudiana inclui33, 34:

Aparelho ego-id  Aparelho impessoal  Ego  Modelo


controlador (mecanismos/ sistema estrutura-
homeostase) autônomo impulso

P S I Q U E


Conjunto de  Psicologia  Ego  Modelo
Relações pessoal de pessoa estrutura-
Objetais/ influências relacional
Relacionais recíprocas

A estrutura acima mostra como a Psicanálise de Freud atua sobre


a psique, tanto como investigação quanto como tratamento, sob a forma
técnica.
Baseadas nessa prática, demais técnicas se desenvolveram e, inclu-
sive, construíram escolas analíticas. Hoje em dia, podemos considerar pelo
menos as seguintes escolas:

1) Escola britânica da Relação de Objeto,


2) Escola americana da Psicologia do Ego,
3) Pós-Psicologia do ego,
4) Kleiniana,
5) Bioniana,
6) Winnicottiana,
7) Lacaniana,

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):161-181


166 LUIZ CARLOS MABILDE

Freud31 analisou Paul Lorenz (o nosso conhecido Homem dos ratos)


por um ano, devido à grave neurose obsessivo-compulsiva. Este caso, por
apresentar o maior número de sessões dialogadas, foi tido como o exemplo
mais conspícuo da análise freudiana clássica. Embora o próprio Freud não o
considerasse um trabalho sobre técnica, por quarenta anos ele foi julgado
assim, inclusive como a técnica definitiva de Freud.
De repente surgiram contestações sobre ela: Kris (1951, apud Lipton30)
criticou a doutrinação intelectual; Kanzer (1952, apud Lipton30) concluiu que
a transferência não foi bem entendida; Jones (1955, apud Lipton30) julgou
negativas as explanações teóricas e a permissividade para atitudes fami-
liares; Grunberger (1966, apud Lipton30) avaliou como prematura e brutal a
forma pela qual Lorenz deparou-se com certa fantasia inconsciente; Zetzel
(1966, apud Lipton30) censurou as respostas espontâneas não limitadas à
interpretação; Weiner (1973, apud Lipton30) desaprovou as autorrevelações
e um tipo de conversa geral; Rangell (1974, apud Lipton30) reputou como
obsoletas as análises dos homens dos ratos e dos lobos; Beigler (1977, apud
Lipton30) achou que Freud mudou sua técnica depois desse caso.
Eu gostaria de destacar quatro pontos das observações de Lipton30
com as quais estou inteiramente de acordo:

1) As críticas acima redefiniram a técnica de Freud, expandiram-na,


ao darem maior ênfase ao comportamento do analista como dis-
tinto de seu propósito (contratransferência “patológica”) e incorpo-
raram à técnica questões que Freud não considerava técnicas,
mas sim artefatos, oriundos de seu relacionamento pessoal, não
técnico, com o paciente (por exemplo, alimentar o paciente, reve-
lar seus próprios pensamentos, levantar, corrigir o paciente, dar
risadas).
2) Entretanto, a repercussão dos intercâmbios com o paciente Freud
considerava-a dentro da técnica, como tal era analisada (por exem-
plo, o fato de que Lorenz não gostava e não comeu o arengue
servido).
3) Essa nova técnica (redefinida pelas críticas) deve ser chamada de
“moderna” e não deve ser confundida com a técnica de Freud uti-
lizada com Lorenz, esta sim a técnica “clássica” que Freud nunca
mudou, conforme atestam outros casos (vide análise com Sra.
Stratchey) e a total ausência de declarações dele nesse sentido
(o grifo é meu).
4) A técnica de Alexander/French32 – Experiência Emocional Correti-
va – provocou forte reação negativa entre os psicanalistas, que a
consideraram não-analítica. Como tal, eles alegavam que a pro-
posição de Alexander se opunha à técnica “clássica”, o que fez
EVOLUÇÃO DA TÉCNICA PSICANALÍTICA 165

gras da arte interpretativa, a qual leva a insights novos e profundos no suce-


der psíquico do paciente.

Freud: redefinindo método e técnica


Examinei em trabalhos anteriores25,26 a questão de se existem ou
não diferenças entre método e técnica. A conclusão é a de que existem dife-
renças semânticas e conceituais entre ambas. O próprio Freud27,28 somente
usou o termo método duas vezes e com o mesmo objetivo: definir como a
Psicanálise atua – via método catártico – sobre os processos psíquicos.
Depois disso, o termo empregado foi técnica.
Eis o que penso sobre o assunto:
Por método, entende-se um meio para se atingir um objetivo,
enquanto técnica designa um conjunto de procedimentos para se realizar
uma tarefa. Se o primeiro diz qual o caminho a ser tomado, o segundo
indica o que precisamos fazer durante o trajeto. Embora sutil, há uma dife-
rença presente.
Para o próprio Freud, ao que parece, também eram coisas distintas,
daí usar a palavra técnica em detrimento de método, sempre que precisou se
referir à ação terapêutica da Psicanálise. Quer dizer, uma vez descoberto o
jeito de influenciar os fenômenos histéricos, doravante era necessário
aperfeiçoá-lo, introduzindo novas técnicas para melhor executá-lo. Tanto é
assim, que já denomina de técnica da pressão (e não de método) a etapa
intermediária entre a ab-reação e a técnica clássica.
Assim, se adotarmos uma linha conceitual cuidadosa, podemos con-
cluir não ser a teoria o específico da Psicanálise, pois existem muitas teo-
rias. Tampouco seria a técnica de tratamento, porquanto há várias técni-
cas. Resta-nos somente uma alternativa definitória: o método de investigar
o inconsciente (quer sob a forma de representações e de afetos reprimidos,
quer através de impregnações inconscientes (o irrepresentável)). Aqui está,
exatamente, o que cria o ato analítico em sua singularidade, dando-nos um
lugar específico em sua investigação e uma posição privilegiada em sua
interpretação.

Freud e as técnicas clássica e moderna


Em trabalho recente29, com base no expressivo trabalho de Lipton30,
discuto aspectos históricos que foram responsáveis pela imprecisão (senão
confusão) entre expressões consagradas, relativas à evolução da técnica
psicanalítica:

1) Qual é a técnica definitiva de Freud?


2) Qual é a técnica clássica?
3) Qual é a técnica moderna?

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):161-181


164 LUIZ CARLOS MABILDE

De modo esquemático, Freud19, 20, 21, 22, 23, 24 desenvolveu seis técni-
cas, embora – como veremos – dentro de um só método:

1 – Técnicas do período pré-psicanalítico:

1.1 – Baseadas no modelo do arco-reflexo: procuram aliviar ou obter


descarga motora para estímulos perceptivos (externos ou internos)
indevidamente obliterados.
1.1.1 – Técnicas físicas19: hidroterapia, eletroterapia, massa-
gens, repouso.
1.1.2 – Técnicas hipnótico-sugestivas19.

1.2 – Baseadas no modelo telescópico: estabelecidas divisões


funcionais para o aparelho psíquico (perceptivas, mnêmicas e motoras), o
objetivo é recuperar antigas memórias, por meio de novos estímulos, e
descarregá-las.
1.2.1 – Técnica catártica (Emmy Von R.20): constitui o meio
(ordem hipnótica) pelo qual a ab-reação é obtida.
1.2.2 – Técnica da pressão (Miss Lucy 21): a pressão na testa
substitui a sugestão hipnótica como meio de conseguir a descarga motora
truncada.
1.2.3 – Técnica da associação livre(Elizabeth Von R.22): a regra
fundamental da técnica freudiana, sendo o processo de unir um pensa-
mento a outro sem um objetivo imediato consciente.

2 – Técnicas do período psicanalítico:

2.1 – Técnica de “tornar consciente o inconsciente”, que dá ensejo ao


modelo topográfico23 e que se baseia em:
– interpretação (+ associação livre);
– resistência;
– transferência;
– conflito: desejo sexual (Ics) x padrões morais (Pcs-Cs).

2.2 – Técnica de “onde estava o id, ali deverá estar o ego”, que leva
ao modelo estrutural de Freud 23 e que se baseia no conflito entre EGO
(SUPEREGO) X ID.

Como se constata, há uma união inseparável entre teoria e prática, o


que significa que a cura é o resultado da comunicação entre paciente e ana-
lista, bem como do conhecimento das experiências cognitivas e afetivas.
Ambas (comunicação e conhecimento) são levadas a termo através das re-
EVOLUÇÃO DA TÉCNICA PSICANALÍTICA 163

Pulsional”, de Jung14, e do “Protesto Masculino”, de Adler15, em um deter-


minado período, e da “Teoria Traumática”, de Ferenczi16, e do “Trauma do
Nascimento”, de Rank17, em outro.
Freud, com redobrada firmeza, opôs-se a todos, a cada vez, com o
mesmo argumento: dadas às inversões feitas, tais proposições poderiam ser
consideradas qualquer coisa, menos Psicanálise. Em outras palavras, essas
propostas constituíam basicamente silogismos, pois não partiam de obser-
vações clínicas sobre as quais aplicavam técnicas de acordo com o método
analítico, mas de generalizações que se sobrepunham sobre a clínica e a
técnica, levando-as a conclusões equivocadas.
Essa dianteira teórica ocorre ao se interpor um verdadeiro fanatismo
interpretativo, no qual a questão do recordar e do reconstruir leva a uma
teoria etiológica. Feito isso, a teoria etiológica é transladada – unilateral e
incompletamente – para a prática.
Meu objetivo, neste trabalho, é situar o leitor dentro da complicada
evolução da técnica analítica, tal como Freud a concebeu, desenvolveu e
deu base para outras elaborações.
Para começar, apresento a técnica freudiana, desdobrada em seis
passos evolutivos. A seguir, trato de distinguir técnica freudiana clássica de
moderna, bem como método de técnica, conceitos muitas vezes equipa-
rados ou tomados de modo errôneo. Finalmente, uma vez apresentadas as
escolas psicanalíticas como desenvolvimentos do paradigma freudiano, trago
os seus principais representantes, fornecendo detalhes essenciais para a com-
preensão de cada técnica, tais como de onde nasce, como se desenvolve e
como se caracteriza cada uma delas.

Freud: o guardião da técnica


Freud considerava técnica psicanalítica um conjunto de procedimen-
tos e recursos utilizados por ele com seus pacientes, a fim de que eles:

1) conheçam o seu inconsciente e seus desejos, preenchendo as


lacunas mnêmicas ocasionadas pela repressão durante a in-
fância;
2) obtenham maior conhecimento do ego, de suas defesas e das
resistências provenientes dele;
3) tenham maior consciência do id e de suas pulsões, bem como do
superego, em especial, de sua parte inconsciente, pois, do contrá-
rio, ele atua como resistência à cura pela necessidade de castigo;
4) percebam as distintas partes inconscientes do id, ego e superego,
por meio da análise dos sintomas, sonhos, atos falhos, memórias
encobridoras (Valls18).

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):161-181


162 LUIZ CARLOS MABILDE

Introdução
Freud 1, 2, 3, 4, 5 escreveu cinco pequenos ensaios sobre técnica psi-
canalítica, os quais seguem sendo – até os dias atuais – a base e os fun-
damentos de toda a técnica analítica.
Outros trabalhos-padrões, tais como os de Sharpe6, Fenichel7 e
Glover8, revelaram discrepâncias sobre como cada um deles procedia tec-
nicamente em relação à análise de um determinado aspecto do paciente
(resistência, por exemplo), fato ainda melhor estudado através do “Debate
sobre Variações na Técnica Psicanalítica Clássica” (Greenson9), no “Ques-
tionário de Glover” 8 e nas “Críticas de H. Tartakoff”10 .
Tal tendência à unilateralidade da técnica se evidencia também pela
própria existência de diferentes escolas psicanalíticas, já que elas apregoam
– cada uma a seu modo – a sua própria técnica. A formação das escolas
psicanalíticas se remonta a múltiplas insatisfações e grandes esperanças
nelas mesmas, até que se enrijecem em novas unilateralidades. Assim
sendo, a história da técnica psicanalítica se caracteriza, por um lado, pelo
paradigma freudiano, que descobre o método analítico e descreve suas pri-
meiras técnicas; por outro lado, pela unilateralidade que marcou todo o seu
desenvolvimento, multiplicando técnicas idiossincráticas.
Hartmann11 foi um dos primeiros a advertir sobre teorias reducionistas
e conclusões genéticas enganosas, nas quais a função atual é igualada à sua
história ou parte da verdade é tomada como um todo ou, no dizer de Freud12,
está por trás dela.
Dois outros fatores colaboraram para o quadro da diversidade: a
autonomia de todo analista para aplicar “sua” técnica, protegido pela priva-
cidade do consultório, e a falta de sistematização. Se o primeiro problema
levou à descoberta de que o termo “Psicanálise” é usado com total liberdade
para técnicas muito diversas, o segundo pode ser constatado, a partir de
Freud, pelo número reduzido de trabalhos sobre técnica, sobretudo se com-
parado com o número sobre teoria.
Freud13, de certo modo, previu o problema da diversidade técnica ao
fazer sua famosa indagação: “Qual a relação entre técnica e teoria analítica
e em que medida a técnica influencia a teoria”?
Como é possível notar, Freud está defendendo uma posição empírico-
indutiva (técnica) em detrimento de uma dedutiva (teoria) para explicar a
origem do método psicanalítico. Ele afirma: “Em Psicanálise há sempre uma
técnica que configura uma teoria e uma teoria que fundamenta uma técnica”
(e não o contrário).
Desde os seus primórdios, a Psicanálise se defrontou com o pro-
blema criado pelo fato de alguns autores pleitearem status de teoria da téc-
nica para suas teorizações. Foi o caso, por exemplo, da teoria do “Monismo
Evolução da técnica psicanalítica*

The evolution of the psychoanalytic technique

Luiz Carlos Mabilde**

Resumo
Meu objetivo – com este trabalho – é o de situar o leitor dentro da complicada
evolução da técnica psicanalítica, tal como Freud a concebeu e a desenvol-
veu, bem como deu ensejo que outros autores o fizessem. De início, apre-
sento a técnica freudiana, desdobrada em seis passos evolutivos. A seguir,
trato de distinguir técnica freudiana clássica de moderna, assim como méto-
do de técnica, conceitos muitas vezes equiparados ou tomados de modo
equivocados. Finalmente, uma vez introduzidas as escolas psicanalíticas
como desenvolvimentos do paradigma freudiano, trago seus principais re-
presentantes, fornecendo detalhes essenciais para a compreensão de cada
técnica, tais como de onde ela nasce, como se desenvolve e se caracteriza.
Descritores: psicanálise; técnica psicanalítica.

Abstract
The aim of this work is to place the reader within the complex psychoanalytic
technical evolution, just as Freud conceived, developed and gave rise to
other authors to do so. Initially, the Freudian technique is presented, split into
six evolutionary steps. After that, distinctions between classical and modern
Freudian techniques, as well as method and technique are made, since there
is a tendency to equate or mistake such concepts. Finally, once the psy-
choanalytic schools have been introduced as developments of the Freudian
paradigm, their main representatives are brought in with details which are
essential to the understanding of each technique, such as where it arises,
how it develops and is characterized.
Keywords: psychoanalysis; psychoanalytic technique.

* Trabalho para a Revista Brasileira de Psicoterapia.


** Psiquiatra e Professor/Supervisor Convidado dos Cursos de Especialização em Psiquiatria,
Psicoterapia e Supervisão da UFRGS; Psicanalista Didata e Professor do Instituto de Psicanálise
da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA).

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):161-181


160 CLÁUDIO MARIA DA SILVA OSÓRIO

06.07.90 Vincent visita Théo e família em


Paris: Crise financeira. Carta de Jô teria
aliviado.
07.1890 – Campo de trigo com corvos

27.07.1890 – Vincent tenta se matar, 1891, 1892, 1893, nascem Olivier,


morrendo em 29 07. Morre Théo, 6 me- Ernst e Sophie.
ses depois, 25 01 1891 1895, nasce Anna. Histeria. Turning-
point

1900 – morre Cornelius. Suicídio? 1900 – Interpretação dos Sonhos

1905 – Exposição em Paris: Van Gogh 1895 – nasce Anna. Estudos de Histe-
e outros ria?
1907 – morre Anna Cornelia, mãe de 1900 Interpretação dos Sonhos
Vincent
[1962, Jô e seu filho fundam a Vincent
van Gogh Foundation em 1962. 1973,
Rijskmuseum. ]
HISTORICIDADE E PSICOTERAPIA: UM DIÁLOGO COM VAN GOGH E FREUD 159

1881-1885 – Holanda. Kee Vos, prima. 1881-1885 (carreira médica);


Mauve.Christien ou Christine Hoornik, 1882-1886 (noivado com Marta);
“Sien”.Os comedores de batatas, 1885, 1882-1896 (período Breuer)
Turning-point 1883-1887 (neurol.). Paris, Charcot.
Louvre. Molière

1885 – morte do pai de Vincent. Desco-


bre Rubens

1885-Antuérpia. Acentua-se relação com 1887-1902/1904 – período Fliess [car-


Théo. 1886-1888- Paris. Emile Bernard. tas]
Lautrec.Pisarro.

1888 – 21 02 88 a 03 05 89 – Arles. Luz e 1887 – nasce Mathilde


cor. O carteiro Roulin. Gauguin chega em
10 1888. Vinha vermelha, 11 88. Natal,
Gauguin vai embora. Théo noiva com
Johanna Bonger. Corte do lóbulo da ore-
lha direita, 23 12 88. Internação. Dr Felix
Rey. 02 1888. Saint-Remy: Asilo Saint-
Paul de Mausole, Dr Peyron 05 1889 a
05 1890 [Roulin - Marselha, 01 1889]

09 1889 – O quarto do artista em Arles. [1889 – Aniversário da Revolução


07 1889 Jo anuncia gravidez: novo Francesa]
Vincent, que nasce em 02 1890. Van
Gogh sugere o nome do avô, Théodore.
Théo pensa em Pisarro para Vincent.
01 1890 crítica de Aurier, bem favorável
14 02 1890 Anna Boch compra Vinha
Vermelha
29 04 1890 Vincent desaprova Aurier

17 a 20 05 90 – visita Théo e Jô em Paris 1889 – Martin


No limiar da eternidade, 04 a 05 1890

1890 – 21.05 a 29.07 – Auvers-sur-Oise. 1890 – Jakob presenteia Freud, aos


Gachet. Renoir, Cézanne e Pisarro seus 35 anos, com uma bíblia.1891 –
(Gachet: ”excêntrico”, em carta a Théo). trabalho sobre as afasias
Gachet similar a Gauguin: não confiável. 1891-1902 – anos do “esplêndido iso-
06 1890 Retrato do Dr Gachet. lamento” e começos da psicanálise.
08 06 90 Théo, Johanna e filho visitam
Vincent. Em 30 06 90 Théo anuncia que
filho Vincent pode morrer. V. cogita uma
estadia deles em Auvers.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):135-160


158 CLÁUDIO MARIA DA SILVA OSÓRIO

1857 - nasce Theodorus, Théo [Vincent 1859 – Guerra entre Itália e Áustria?
perde o “reinado”]. Falece seis meses Crise econômica. Ruína em Freiberg.
depois da morte de Vincent [Theódoros Êxodo da família. Leipzig, depois Vie-
= presente de Deus]. Segundo o médi- na. Freud com fobia de trens
co de Vincent e Théo em Paris, a de-
pressão do irmão seria mais grave que
a de Vincent.

1862 - nascimento da irmã, Wil, Wilhel- 1860 – Rosa [Graf], a irmã favorita de
mine. Teria passado 40 anos em um asilo, Freud. + 1942, Treblinka*
por psicose. Falecida em 1941

1866 – crise econômica em Londres 1861 - Maria (Mitzi). + 1942, Treblinka*


(para alguns, Black Friday?) falência de
Overend & Guerney.

1867 – nasce Cor, Cornelius. Morreu jo- 1862 – Adolfine. + 1942,


vem, 1900 Theresienstadt*.

1869 – Haia, Tersteeg (Goupil Gallery). 1864 - Pauline [Winternitz]. 1942,


Classificação química/atômica de Treblinka* [outras fontes: todas mor-
Mendeleiev. reram em Auschwitz]

1870 – Guerra Franco-Prussiana 1866 – nasce Alexander.

1871 – fundação do Império Alemão por 1867 – Império Austro-Húngaro


Otto von Bismarck, incluindo a anexação 1873 – 17 anos de Freud. Término dos
da Alsácia-Lorena., para desgosto dos estudos. Ingresso na Universidade.
franceses, derrotados na guerra franco- Biologia e darwinismo. Fisiologia da
prussiana. voz e da linguagem. Em 1877 – muda
1873-1875. Goupil Londres. Ursula o nome para Sigmund
Loyer (Brixton). 1870 e 1880 – aumento do anti-semi-
1875 – 1876. Paris. Boussod e Valadon. tismo na Áustria.
Despedido em 1876.1876. Ramsgate, [1876 – Graham Bell, telefone]
Isleworth. [1877 – Edison & Cros, gramofone]
1877 – Etten. Dordrecht. Tio Johannes. [1879 – Edison, luz elétrica]
Teologia
1878-1880 – Borinage. Missionário.
1880-1881 – Bruxelas. Cuesmes. Van
Rappard. Paixão por Kate, Kay, Vos. Re-
jeição.
HISTORICIDADE E PSICOTERAPIA: UM DIÁLOGO COM VAN GOGH E FREUD 157

UMA SÍNTESE DAS BIOGRAFIAS DO ARTISTA E DO CIENTISTA


Vincent Van Gogh: Sigmund Freud:
expressão das emoções compreensão das emoções

1819 – Nasce a mãe de Vincent, Anna 1815 – nasce Jakob Freud, em


Cornelia Carbentus; falecida em 1907 Tysmenityz, Galizia. Morre em 1896.
Casou com 17 anos, em 1832, com Saly
Kanner: Emanuel, nascido em 1832.
Phillipe, nascido em 1836

1822 – Nasce o pai de Vincent, 1835 – nasce Amália Nathanson. Fa-


Theodoro, falecido em 26 de março, lecida em 1930. Natural de Brody,
1885 Galitzia norte-oriental, fronteira com a
Rússia. Infância em Odessa. Pais mu-
daram-se para Viena. Pai + em 1856,
aos 9 anos de Freud [ver “a mãe mor-
ta”, de A. Green]

1848 – Manifesto Comunista. Marx & 1848-1849 – Revolução. Ódio dos tche-
Engels. Ano de lutas operárias. O Se- cos aos judeus. Negócios de Jakob
meador, François MilletPai de Vincent, afetados. Amália, com 13 anos, teria
pastor desde 1849. lembranças de 1848 em Viena, quando
cai Metternich, na onda liberal.

1851 - Casamento dos pais de Vincent [1851 – Restauração na França: Luis


Bonaparte, Imperador]. Metternich
retorna à Áustria.

1852 - nascimento de Vincent-Wilhelm, 1855 – Casamento de Jakob e Amália


em 30 de março, natimorto ou falecido
6 semanas depois do nascimento

1853 – um ano depois, na mesma data, 1856 – nasce Sigismund Schlomo, em


30 de março, nasce Vincent Van Gogh, Freiberg, Pribor, Moravia, depois Tche-
em Groot – Zundert, Brabante, [Vicente, coeslováquia; aos 20 anos de Amália.
do latim Vincens, vencedor do mal]

1853 – Começo do Segundo Império, 1857? – Julius – falecido com 7 a 8


com Napoleão III1854 – Jean-Pierre meses, ainda em Freiberg
Falret: Memoir on Circular Insanity [« la
folie à double-forme »]

1855 – nascimento da irmã de Vincent, 1858 – nasce a irmã de Freud, Ana


Anna

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):135-160


156 CLÁUDIO MARIA DA SILVA OSÓRIO

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Recebido em: 27/07/2009 Aceito em: 10/09/2009

Endereço para correspondência:

Cláudio Maria da Silva Osório


E-mail: claudiomsosorio@yahoo.com.br
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REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):135-160


152 CLÁUDIO MARIA DA SILVA OSÓRIO

de e uma profissão são mais vigorosas quando têm várias vozes legítimas
– algumas delas críticas – no diálogo permanente no qual são testadas as
ideias e as experiências. Pode-se ser um crítico do seu próprio campo sem
ser um inimigo daquilo que ele oferece14. Parafraseando-as, com pequenos
acréscimos, faço minhas essas palavras de Daniel Bell, 1961, na sua Intro-
dução (p. 12) ao fim da ideologia.

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8. Mezan R. Às voltas com a história. In: _____. Freud, o pensador da cultura.
São Paulo: Brasiliense/CNPq; 1985. p.430-40. [Introdução aos temas do
capitulo 4].
9. Fenichel O. Teoria psicoanalítica de las neurosis. 2. ed. Buenos Aires:
Paidos; 1966 [1945].
10. Wallerstein RS. Perspectivas psicanalíticas quanto ao problema da
realidade. Rev BrasPsicanal 1974;7(2):223-53. [Discurso na APA, em
02.12.72; tradução revisada pelo Dr. David Zimmermann].
11. Andreasen N. Body and soul [editorial]. Am J Psychiatry 199;153(5): 589-90.
12. Osório CMS. A semiologia dos afetos ou o exame da vida emocional.
Apresentação de caso clínico. Aula Inaugural da Residência Integrada
em Saúde Mental Coletiva (Escola de Saúde Pública-HPSP, Porto Alegre),
17 de abril de 2009.
HISTORICIDADE E PSICOTERAPIA: UM DIÁLOGO COM VAN GOGH E FREUD 151

Quantas vezes, ao longo da vida de Vincent, os acontecimentos, as


situações de não-acolhimento se repetiram? Para que serviu a descrição
anatômica do ferimento à bala no corpo de Vincent, feita por Gachet ao seu
filho Paul? Dê-se a palavra não a um psicanalista, mas a um matemático,
Stewart: a matemática consegue dizer em quanto tempo cairia no chão um
homem que tentasse suicídio jogando-se da Torre Eiffel, mas não o motivo
pelo qual, afinal de contas, decidira se jogar34. O que precisaríamos saber de
Van Gogh? Que sua doença tem uma história, um ambiente familiar, social e
histórico, onde ela surge e um sujeito no qual esta doença vive e se expressa
por símbolos, além de dados, como se aprende na bioética. E também que
as mutações estão nos genes, as categorias diagnósticas estão nos manuais
de classificação, a saúde e as doenças nas pessoas; as histórias e os mitos
nas famílias44.
Introduzindo a sua história da verdade, Fernández-Armesto observa
que seu trabalho não deveria ser confundido com um projeto relativista ou
pós-moderno19.Quando Meera Nanda sai em defesa da história, da verdade
objetiva, da racionalidade científica e do que ela própria denomina realismo
contextual, a ativista e jornalista indiana, com doutorado em biologia mo-
lecular20, lança um olhar crítico aos pressupostos antirrealistas e relativistas
das teorias céticas da construção [e desconstrução] social da ciência. Eles
ganharam – e ainda conquistam, pelo seu poder de sedução – grande circu-
lação na academia pós-moderna. De acordo com aqueles pressupostos, não
haveria verdade objetiva sobre o mundo real (p. 85) e o pensamento cientí-
fico seria um constructo social e cultural do Ocidente (p. 99).
Concluindo esta abordagem não-genealógica do conceito de histori-
cidade em suas relações com a psicoterapia, particularmente psicanalítica,
preferi seguir as reflexões acima propostas, evitando as seduções tanto dos fun-
damentalistas de todas as cores quanto dos incrédulos pós-modernos. Outra
face do problema é a minimização das relações entre a cultura e a medicina:
Georges Canguilhems cita o historiador Sigerist que, em 1932, considerava a
medicina como uma das ciências mais intimamente ligadas ao conjunto da
cultura, já que qualquer transformação nas concepções médicas está condi-
cionada pelas transformações ocorridas nas idéias da época68. Isto é ainda
mais notável na psiquiatria, na psicoterapia e na psicanálise.
Alguns pensadores temem que uma visão crítica da ciência, da psi-
quiatria, da psicoterapia e da psicanálise possa influenciar algumas pessoas,
tornando-as luditas, antipsiquiatras, antipsicoterapeutas e antipsicanalíticas.
Este é um ponto de vista provinciano sobre a vida intelectual. Uma socieda-

s
Estudioso da história e epistemologia das ciências da saúde, influente no pensamento de
Foucault.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):135-160


150 CLÁUDIO MARIA DA SILVA OSÓRIO

cas da II Guerra, do trabalho do negativo (André Green) e de Käes (transmis-


são psíquica entre sujeitos e gerações), que permitiram o desenvolvimento
deste importante e relativamente novo conceito. Claudia Garcia, em traba-
lho sobre os estados-limites e o trabalho do negativo65, revisa as contribuições
de André Green, destaca a onipresença do objeto invasivo e a inacessibilidade
do objeto idealizado nas assim chamadas “patologias do vazio”, caracte-
rizando o terceiro significado de negativo como uma ausência latente, algo
que continua existindo virtualmente, mesmo quando não é mais perceptível
(p. 127). É o que nos sugere “o sonho” com o ninho de corvo, o último quadro
do pintor, Trigal com corvos e o seu suicídio no campo de trigo, seguido, dois
meses depois, pelo agravamento da saúde mental do seu “alter ego”, Théo,
e logo pela morte do irmão, seis meses mais tarde.

Conclusões
De acordo com Franklin de Oliveira, ao colocar o problema da cisão
entre existentia e essentia, na qual se dilacera o homem contemporâneo,
Ludwig Binswanger mostra como, provocado por esta dilaceração, a tendên-
cia humana é para deixar o real entre parênteses – subtraí-lo do contexto
concreto da vida66. Pode-se acrescentar: outra saída seria subtrair o sujeito,
desconsiderá-lo. E, obviamente, o próprio sujeito pode subtrair-se, negando
os tempos, passado, presente ou futuroq. Esta pode ser uma reflexão útil
para psicoterapeutas: o contexto concreto da vida inclui a história e a histo-
ricidade. Para Binswanger, um ser humano não pode ser encarado como um
objeto da física: a remoção da causa não é suficiente para que desapareçam
os efeitos67. Reale & Antiseri, 1988, esclarecem que existência é o termo
mais indicado para descrever um ser que se transforma continuamente em
um processo de autocriação incessante: a sua essência é a sua existência, o
reino da possibilidade e, pode-se acrescentar, dos movimentos da historici-
dade. E aqueles autores citam Binswanger r:

Mais além do simples acontecimento existe algo mais: o significado que


aquele determinado indivíduo atribui àquele determinado acontecimento
naquela situação determinada. Tal significado, ao permanecer no ser do indi-
víduo, determina o seu estado patológico, que se manifesta cada vez que
se reitera o fato, o acontecimento.

q
Na voz de Enrico Macias: Non, non, non, non, je n’ai pas oublié / Tous ces visages attristés /
Mais on n’a pas le droit de sacrifier / Le présent au passé.
r
A fonte desta citação não foi identificada no texto de Reale & Antiseri e nem nas suas referências
bibliográficas.
HISTORICIDADE E PSICOTERAPIA: UM DIÁLOGO COM VAN GOGH E FREUD 149

Em uma carta de Arles, dirigida ao seu amigo Emile Bernard, em 23


Junho de 1888,Vincent escreveu:

... Acreditava-se que a Terra era plana. Era verdade: ela é plana de Paris
até Asnières, por exemplo. Mas isto não impede que a ciência prove que a
Terra é de fato redonda. Algo que ninguém contesta atualmente. Agora,
apesar disso, as pessoas acreditam que a vida é plana [linear] e progride
do nascimento até a morte. Entretanto, também, a vida é provavelmente
circular, e muito maior em extensão e capacidade do que o hemisfério que
conhecemos. As futuras gerações provavelmente serão capazes de escla-
recer este tema muito interessante...36.

Para Bonafoux38, a vida de Vincent não progrediu simplesmente do


seu nascimento até a morte. Pode-se dizer que ela já teria começado um ano
antes do seu nascimento, 1852, quando nasceu e morreu o primeiro Vincent.
Ou, quem sabe, em 1848, ano marcado pelos importantes acontecimentos
sociais que, mais tarde, Vincent verá relatados por Victor Hugo em Les misé-
rables. E o pintor continua vivo na nossa memória através de suas obras,
pelas suas cartas e por tantos estudos dedicados a ele. Freud também con-
tinua vivo, bem como vive uma psicanálise, livre para criar e recriar-se. Veja-
mos um exemplo:
Nos anos 1970, diferentes trabalhos trazem contribuições para o
entendimento do luto de Vincent. Um deles é clássico de Fraiberg e cols.,
1975, que assim começa: Existem fantasmas em todos os quartos das
crianças. São visitantes que surgem do passado esquecido dos seus pais;
não foram convidados para o batismo. Nele, as autoras apresentam dois
casos, Mary, bebê de cinco meses e meio, filha da Sra. March, que preten-
dia abandonar seu bebê, e Greg, três meses e meio, filho de Annie, uma
mãe de 16 anos62.
A compreensão do luto de Van Gogh fica mais clara quando se estu-
da o tema da transgeracionalidade. Aos dois autores húngaros já citados,
Nicholas Abraham e Maria Torok, deve-se o conceito de cripta, outra tópica
além do mundo externo e das solicitações pulsionais internas: ele é essencial
para a compreensão do conceito de transgeracionalidade e dos fantasmas
em quartos de bebê e nas mães, no já citado texto de Fraiberg e cols., 1975,
no trabalho the ghost in the mother, de Emery, 200263 e o de Trachtenberg e
colaboradores48. O mesmo trabalho dos húngaros é também referência para
o clássico “A mãe morta”, onde André Green não está se referindo a um luto
pela perda real de uma mãe, mas sim a um “luto branco”, da série da “clínica
do vazio”, do negativo, dos “buracos psíquicos”64: uma depressão que se dá
na presença de um objeto, ele mesmo absorto num luto (p. 246-7).
Entre outros, teriam sido os trabalhos de Ferenczi, aliados aos rela-
tos e escuta de vítimas (e de seus descendentes) das experiências traumáti-

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):135-160


148 CLÁUDIO MARIA DA SILVA OSÓRIO

sedução real), apontando as diversas razões para a sua descrença56. Muitos,


como Mezan, entendem que foi aí – deixando de lado a hipótese quantitativa
e passando a desenvolver o que se considera como hipótese qualitativa –
que nasceu a psicanálise. Outros, como Nosek58, preferem datar a fundação
da psicanálise na publicação da Interpretação dos Sonhos. A metapsicologia
ali delineada costuma ser apresentada por meio dos cinco marcos referen-
ciais: os três assim chamados clássicos: dinâmico, econômico e estrutural
(que desenvolveu e substituiu o topográfico), mais outros dois pontos de
vista, o genético e o adaptativo, que estariam implícitos em seus textos, no
entendimento de Rapoport e Gill, 195957,59. O ponto de vista genético fornece
uma dimensão temporal aos fenômenos psicológicos dentro da mente. Ele
enfatiza a progressão da infância para o estado adulto e presume que o
adulto não pode ser entendido como ser psicológico sem a compreensão dos
fatos e das circunstâncias de sua infância. De modo igualmente importante,
este ponto de vista também permite a consideração dos fenômenos regres-
sivos e das perspectivas presentes e futuras. O ponto de vista adaptativo
inclui fenômenos interpessoais, sociais e ambientais que influenciam a men-
te individual e são por ela influenciados60.
O que se identifica nas frases em destaque destes dois parágrafos?
No primeiro deles, os termos temporal e dentro da mente, implicam em uma
relativa contradição, uma vez que a proposta freudiana é de uma mente
inconsciente atemporal com um tempo não linear, como na discussão pro-
cesso e estrutura, examinada a seguir. A segunda frase, em itálico – esta sim
– pressupõe uma temporalidade linear e se refere à realidade externa, à
historicidade no seu conceito mais modesto: escutando e observando uma
pessoa poderíamos interpretar o significado de fatos passados relacionan-
do-os com o presente. Por sua vez, a terceira frase, também em itálico,
parece muito ambiciosa em que se identificam as mesmas pretensões da
historicidade levada aos seus extremos: o passado de uma pessoa permitiria
prever o seu futuro. A quarta e última frase se refere à realidade externa,
material ou factual já tantas vezes referida no presente trabalho. Nas conclu-
sões, citando a perspectiva existencialista, voltar-se-á a esse ponto.
A noção de tempo na psicanálise freudiana e o conceito de incons-
ciente atemporal foram muito bem examinados em Os tempos de Freud, de
Jô Gondar, em que a autora examina a função do tempo na produção do
sujeito55,61: o tempo psicanalítico, onde existe e se estrutura o sujeito, está
em dicotomia ou antítese com o tempo linear do processo de desenvolvimen-
to, sequencial. Consequentemente, o olhar clínico deve também reconhecer
essas diferenças e a impossibilidade de uma integração no sentido de fusão
entre processo (desenvolvimento, transformações ao longo da linha do tem-
po linear ou biográfico) e estrutura (transformações cambiantes dentro do
espaço/tempo circular/atemporalidade do inconsciente). Só me parece pos-
sível a coexistência destas duas diferentes abordagens.
HISTORICIDADE E PSICOTERAPIA: UM DIÁLOGO COM VAN GOGH E FREUD 147

sentido histórico, e mais voltados à descoberta da sua estrutura e funciona-


mento no presente. Seguindo Horgan, a distinção é semelhante àquela entre
a cosmologia (origens e evolução da matéria) e a física das partículas (estru-
tura da matéria no presente). Ou, no nosso exemplo: O que existe no cére-
bro/corpo de uma pessoa explicando sua depressão?
Em resumo, teríamos duas disciplinas científicas: uma delas, histó-
rica, tateante, especulativa e aberta [a psicanálise]; a outra, uma disciplina
a-histórica: mais empírica, precisa, mais capaz de resolução e conclusão
[neurociência]. Bondi, 1977, acrescenta33: “as teorias históricas, como as que
se referem à origem do sistema solar, da vida e do universo, são históricas e
singulares, bem diferentes das teorias de outros campos científicos” p.
Em terceiro lugar, qual a importância da história e da historicidade
dentro da própria psicanálise na psicoterapia psicodinâmica? Como conviver
com os impasses, paradoxos ou as contradições da psicanálise se e enquan-
to considerada psicologia do desenvolvimento [linearidade] e como ciência
humana e também arte do inconsciente atemporal [circularidade]? A psica-
nálise é ou não uma psicologia do desenvolvimento55?
Pode-se começar pela carta a Fliess de 25 de maio de 1895, quando
Freud se dizia atormentado por dois objetivos: examinar de que forma irá
assumir a teoria do funcionamento mental se introduzirmos considerações
quantitativas, uma espécie de economia das forças nervosas, e, em segundo
lugar, extrair da psicopatologia um lucro [tudo que puder ser útil] para a psi-
cologia normal56. Quando se tenta compreender a diferença entre neurose
atual e psiconeurose e as origens da ansiedade no pânico e nas fobias, a
leitura de Mezan57 permite esclarecer que a hipótese quantitativa – esboçada
dentro do Projeto – era a contrapartida físico-fisiológica da teoria da sedução
(hipótese do trauma real, externo, dimensão histórica nos termos de Horgan).
A renúncia a ambas – hipótese quantitativa e teoria da sedução – a partir da
descoberta das fantasias e impulsos, marca o advento dos conceitos pro-
priamente psicanalíticos de inconsciente e de sexualidade infantil (p. 63), ou
seja, o desenvolvimento da segunda proposta de Freud, a hipótese qualita-
tiva. Pode-se considerar que as duas hipóteses – ou modelos mentais
explicativos – não são excludentes: o comportamento humano é demasia-
damente complexo para que se alimente a pretensão de um único modelo
explanatório. Esta pode ser a pretensão do reducionismo, da qual importan-
tes neurocientistas não compartilham.
Na carta de 21 de setembro de 1897, Freud confia a Fliess o grande
segredo que foi despontando lentamente nele nos últimos meses: Freud
deixou de acreditar na sua neurótica (a teoria das neuroses baseada na

p
Hermann Bondi, [1919-2005], matemático e cosmologista com importantes contribuições à ciência,
incluindo a Teoria da Relatividade Geral.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):135-160


146 CLÁUDIO MARIA DA SILVA OSÓRIO

O episódio do desaparecimento da tela O retrato do Doutor Gachet


oportunizou o reexame das relações entre Van Gogh e o controvertido médi-
co que deveria ter cuidado dele. O pintor Pisarro, que o apresentou a Théo,
considerava Gachet um excêntricoo. Michel vai mais longe, considerando
medíocres praticamente todos os médicos que atenderam Vincent23.

Historicidade e história na psiquiatria


e na psicanálise
Nassir Ghaemi criticou a diminuição da ênfase da fenomenologia de
Karl Jaspers na psiquiatria contemporânea52, e Nancy Andreasen53 consi-
derou que a perda na qualidade das entrevistas psiquiátricas, nas histórias
clínicas, na semiologia fenomenológico-descritiva e na psicopatologia teria
sido uma consequência inesperada, não desejada, da implementação dos
DSMs na psiquiatria. É possível pensar de várias outras maneiras.
Em primeiro lugar, o slogan da revolução a favor da remedicalização
da psiquiatria era a rose is a rose because it remains a rose. Isto corresponde
a alguns compromissos ideológicos, reconhecidos ou não: a) o primeiro de-
les é com a corrente na medicina – e também na psiquiatria e na psicologia
– que propugna pela perspectiva por categorias como a melhor abordagem
para explicar a natureza do sofrimento humano; b) um segundo compromis-
so ideológico, curiosamente se encontra na tese de Gachet orientada por
Falret: aproximar seres humanos com os vegetais, que não se transformam
(rosas não viram crisântemos); c) o terceiro, bem conhecido, é abrir mão de
palavras e conceitos psicanalíticos.
Em segundo lugar, apesar dos compromissos ideológicos acima de-
lineados, não parece justo atribuir às neurociências e à psiquiatria biológica
uma menor consideração pela história individual dos pacientes, por prestar
menos atenção ao contexto histórico onde eles vivem e, quando desenvol-
veram seus transtornos mentais, por um suposto ou real desprezo pela
historicidade.
Considerando que a fronteira final da ciência não é o espaço, mas a
mente, John Horgan, 1998, entende a ciência admitindo duas linhas de racio-
cínio54. Uma delas seria o que autor chama de dimensão histórica, em que
a pergunta é: como e por que o Homo Sapiens se tornou tão inteligente?
Um psiquiatra perguntaria: que vivências e experiências pessoais levaram
alguém a se tornar um deprimido?
Outra linha de investigação é a dos neurocientistas contemporâneos,
menos interessados em saber como e por que nossa mente evoluiu num

o
Vale a pena ver os diferentes “retratos” do Dr. Gachet pintados por Vicente Minelli, Robert Altman
e Maurice Pialat nos seus três filmes sobre a vida e obra de Van Gogh.
HISTORICIDADE E PSICOTERAPIA: UM DIÁLOGO COM VAN GOGH E FREUD 145

... Durante minha doença revi cada quarto de nossa casa em Zundert,
cada atalho, cada planta do jardim, o aspecto dos campos da vizinhança,
os vizinhos, o cemitério, a igreja, nossa horta atrás – até mesmo o ninho de
corvo numa grande acácia no cemitério. Isto porque eu ainda tenho daque-
les dias as mais primitivas lembranças de todos vocês; para lembrar-se
de tudo isto só a mãe e eu.m Segue Vincent: Não vou insistir nisto, pois é
melhor que eu não tente relembrar tudo o que então me passou pela cabe-
ça... [grifado nesta transcrição]36.

O corvo é o pássaro dos mortos, portador do infortúnio, da desgraça.


Na mitologia da Índia, o corvo simboliza a sombra de um homem morto46.
Para alguns, não faria nenhuma diferença se os pássaros fossem corvos,
pardais ou sabiás. Todavia, esta mesma carta, quando lida e escutada como
um sonho, nos seus simbolismos, poderia ilustrar tanto a idéia central de
Freud em Luto e melancolia, de 1915, quanto os trabalhos contemporâneos
no tema da transmissão psíquica e transgeracionalidade. Agora é Käes47, um
dos autores citados por Trachtenberg e cols.48, quem concordaria com o pin-
tor, quanto a um sujeito ser também o elo de uma cadeia, a qual está sub-
metido sem a participação da sua vontaden. Pierre Cabane, na biografia do
artista (p.9), assinala o sentimento de Vincent de viver em lugar de outro, de
dever sua identidade a um morto39.
Domingo ensolarado à tarde, 27 de julho de 1890: Vincent van Gogh
teria saído da Pensão Ravoux, com o cavalete nas costas, para trabalhar no
seu último quadro: Trigal com corvos. O sol e os grãos estavam bem doura-
dos, o céu incrivelmente azul, o que é visível no quadro. Conta-se que um
camponês de Auvers-sur-Oise teria escutado o pintor murmurar: não pode
ser, não pode ser49. Expressão de desespero, decepção, desencanto? Esta-
ria também com um revólver na mão. Estamos diante de fatos históricos ou
narrativas, construções ou reconstruções? Paul Gachet, filho do médico, te-
ria escutado o tiro e tentado socorrê-lo. Em outra narrativa, o próprio Vincent,
quatro horas depois da tentativa de suicídio, dirige-se à Pensão. É, então,
levado para a casa de Gachet. Este médico, como já assinalado, estudou
com Jean-Pierre Falret, que descreveu a “loucura circular” alguns anos
antes, em 1854, caracterizando a excitação maníaca, a depressão e as “vira-
das” de uma fase para a outra, além de enfatizar a importância do curso e
prognóstico, bem como os fatores hereditários e epidemiológicos50. Falret e
Baillarger disputaram a prioridade da identificação do quadro hoje denomi-
nado transtorno bipolar51.

m
Ou, em uma outra tradução: só eu e minha mãe para lembrar-se de tudo isto.
n
Em uma de suas cartas, dizia Vincent que não somos mais que elos da corrente.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):135-160


144 CLÁUDIO MARIA DA SILVA OSÓRIO

entre eles, muito forte, uma crença que lhe foi transmitida pela sua mãe:
mães sempre perdem filhos. Por isso, quando esta senhora perdeu a filha de
20 anos no acidente confirmava-se a predição histórica do mito familiar de
um destino inexorável.
Discorrendo sobre a teoria da arte de Van Gogh, Metzger & Walter40
entendem que o pintor estava interessado em um diálogo entre a natureza e
a obra (o pintor com o ouvido à escuta, por assim dizer):

...apesar de um pintor poder afastar-se muito da natureza durante o pro-


cesso, também precisa permanecer perto dela, porque só a natureza pode
corrigir os produtos do seu olhar perscrutador das suas profundezas
interiores (p. 57).

Talvez por isso, no romance sobre a vida de Van Goghl, Irving Stone
imagina ou constrói uma suposta conversa entre o pintor, seu pai e sua mãe
(p. 107). Nela, Vincent responde ao pai que o criticava pela leitura de Le Père
Goriot de Balzac:

... O problema é que o desenho de figuras e cenas da vida exige não ape-
nas o conhecimento do ofício de desenhar, mas também exige profundos
estudos de literatura. ... Não posso desenhar uma figura sem saber tudo a
respeito de ossos, músculos e tendões que estão por dentro. E não posso
desenhar uma cabeça sem saber o que acontece no cérebro e alma da
pessoa. A fim de pintar a vida, deve-se compreender não apenas a anato-
mia, mas também o que as pessoas sentem e pensam a respeito do mun-
do em que vivem. O pintor que conhece seu ofício e nada mais se tornará
um artista muito superficial ... [grifado na transcrição]45.

Freud, no passado, e hoje a neurocientista Andreasen estariam de


acordo com Van Gogh. E também hoje psicoterapeutas e psicanalistas con-
cordariam com Metzger & Walther e a sua sugerida postura dupla, mas indis-
pensável na prática: distanciamento/imparcialidade (ou neutralidade) mais
empatia/contato emocional.
Mas quando é mesmo que começa a história de uma pessoa? Na
carta 573, para Théo [Arles, January 23, 1889], Vincent escreve:

l
Há um belo filme, Lust for life/Sede de viver, 1956, dirigido por Vincente Minelli, com Kirk Dou-
glas/Van Gogh e Anthony Quinn/Paul Gauguin, disponível em DVD (2006). Há um outro filme,
dirigido por Robert Altman, Vincent and Théo, 1990, que capta melhor a tensa relação entre os
dois irmãos, o caráter de Paul Gauguin e as contradições do Dr.Gachet com seus dois discursos.
Nesta versão de Altman, há um detalhe inesquecível: Vincent acaba de morrer, Théo está ao seu
lado e há uma sombra na parede (do próprio Théo, naturalmente), interposta entre os dois. Mas
o melhor filme parece ser o dirigido por Maurice Pialat, 1991, com Jacques Dutronc no papel de
Van Gogh.
HISTORICIDADE E PSICOTERAPIA: UM DIÁLOGO COM VAN GOGH E FREUD 143

Mozart surge como o efeito da convergência, estatisticamente improvável, de


um grande número de circunstâncias felizes: excepcional dotação genética;
a fortuna [sorte] de uma educação exigente (pai) numa esplêndida tradição
musical (escola clássica austríaca), a convivência com modelos inspiradores
exemplares (Haydn), um clima cultural especialmente propício (o Iluminismo
e o Imperador José II) e uma energia pessoal vulcânica ligada a um não
menos generoso impulso criador. Estes dois últimos recursos – energia e
criatividade – certamente não faltaram a Van Gogh. Mas – para ele – não
foram poucos os “acidentes infelizes”.
Outra razão para a escolha de Van Gogh: em 2008, no Hospital de
Clínicas de Porto Alegre, foi atendido e discutido um caso clínico-cirúrgico e
psiquiátrico com as possibilidades de histeria ou patomimia (“insulinoma
factício”?), examinando-se as controvérsias, os custos econômico-financei-
ros e as consequências destes diagnósticos44. A paciente foi atendida de 1996
a 2008 naquele hospital, com internações clínicas, cirúrgicas e psiquiátricas,
além de intervenções de inúmeras especialidades médicas. Em sua história,
diversas mortes acidentais, vários casos de câncer na família (por possíveis
mutações genéticas), lutos patológicos e mitos pessoais e familiares. No tra-
balho psicoterápico com esta paciente foi utilizada a história pessoal e clíni-
ca, além de pinturas de Vincent Van Goghk, dados os pontos de contato entre
a história pessoal da paciente e a do “holandês”: esta mulher perdera uma
filha jovem, em um acidente propriamente dito. Dez anos depois, novamente
grávida, ela chegou a pensar em colocar o mesmo nome na futura recém-
nascida, o que poderia repetir o que se passou com Vincent.
Durante a sua última internação psiquiátrica, um dia após recuperar-
se de um sério agravamento de sua condição clínica e psiquiátrica, esta
senhora contou um sonho: uma “bola branca” (similar a uma “bolha de sa-
bão”) saía de suas pernas e voava até a janela do seu quarto, lhe protegendo
como se fosse um “anjinho”. A paciente acreditava que tenha sido sua filha
falecida. Pensei em algum aborto, dela própria ou de sua mãe. Viu-se depois
que seria uma possível alusão ao seu irmão natimorto, até então não falado.
Este irmão existiu – cronológica ou objetivamente – antes dela, como no
caso de Vincent. Aí então, para surpresa da equipe assistente, começaram a
emergir as histórias de muitas mortes e lutos não falados e não escutados,
principalmente de crianças: algumas dessas mortes precediam o seu nasci-
mento e o seu desenvolvimento. Surgiram os mitos pessoais e familiares,

k
Nas versões do “Quarto do artista em Arles”, todas na parede junto à cama de Vincent, existem
dois retratos – um é sempre do pintor com o outro variando – ora parece o Théo, ora poderia ser
a irmã Wil, ora uma pessoa não identificada. Nossa paciente do HCPA, que nunca tinha visto
qualquer pintura de Vincent, muito intuitivamente, imaginou que em um dos retratos estivesse
representado o assim chamado “primeiro Vincent”. Concordei com ela.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):135-160


142 CLÁUDIO MARIA DA SILVA OSÓRIO

(p. 131), expressando uma revolta contra o tempo histórico, linear, buscan-
do um tempo cósmico, cíclico e infinito, como também se vê em uma carta
de Van Gogh a Emile Bernard, mais adiante citada.

Casos clínicos
A leitura de duas vinhetas do livro de casos do DSM-IV bastaria para
sugerir como tem sido bem pouco considerados os dados históricos, tanto no
diagnóstico quanto na compreensão de pessoas com transtornos mentais na
abordagem por categorias, enfatizada na psiquiatria neokraepeliniana,
remedicalizada e bem menos fenomenológica, a partir dos anos 1980. Quem
se dispor a fazer uma leitura crítica destas duas e/ou de outras vinhetas dos
livros de casos dos DSMs poderá encontrar outros exemplos da pouca con-
sideração pela história pessoal e sua articulação com os sintomas. As
psicoterapias que siguem este modelo correm o risco de reproduzir as difi-
culdades apresentadas na relação Van Gogh com Gachet e outros interlocu-
tores. O “holandês”, em uma carta, denunciava o que ele percebia como um
maior interesse nas pinturas e na técnica do que nos pintores e nas emoções.
Em uma carta de Arles, de 22 de junho de 1888, para sua irmã Wilhelmina,
Vincent confessava suas preocupações quanto ao futuro da arte, quando
poderia haver ... a painting machine, unfit for and uninterested in anything
else...36. No nosso caso, o problema seriam os psicoterapeutas mecânicos,
extremamente preocupados com a técnica, com a teoria, com os critérios
diagnósticos e menos com as pessoas, sua vida emocional, com seus sím-
bolos e significados e seu contexto histórico.
“Harold Robbins”, casado, 42 anos [DSM IV Case Book, p. 52], com
diagnóstico de cleptomania: roubava latas de lagostas. O caso e o comen-
tário seguem as recomendações de não perder tempo com simbolizações,
significados, afetos e psicanálise. O outro caso ilustrativo é “Brrr”, Bruce,
seis anos [DSM IV Case Book, p. 240] com o diagnóstico de piromania, em
que, nas próprias palavras do paciente, um homem em minha cabeça me diz
para fazer isso. Nenhuma palavra sobre a ausência do pai do menino e seus
significados12,37.
Por essas e outras razões, entre elas a facilidade de acesso e a qua-
lidade dos dados, escolhi a história pessoal, clínica e artística de Van Gogh
na tentativa de articular historicidade e psicoterapia. Ela me parece bem
clara nas suas centenas de cartas, dirigidas não somente a Théo e nas bio-
grafias de várias coletâneas: Bonafoux38, Cabanne39, Metzger & Walther40, e
Mühlberger41. Os sucessos e fracassos deste artista ilustram bastante bem o
entrecruzamento dos determinismos biológicos, psicológicos e sociais com
os acasos da vida pessoal e da história.
O caso de Mozart, bem ao contrário, mostra como às vezes aciden-
tes felizes acontecem nesta conjugação de múltiplos fatores42,43. Para Gianetti,
HISTORICIDADE E PSICOTERAPIA: UM DIÁLOGO COM VAN GOGH E FREUD 141

gundo Karl Popper e outros autores, à suposição errônea e pseudocientífica


de que as transformações históricas ocorrem de acordo com leis semelhan-
tes em rigor às leis físicas ou naturais, de tal modo que o curso da história –
o futuro – poderia ser predito. De acordo com Popper, 1945, a crença no
destino histórico é pura superstição29. Para alguns, nem sempre fica claro o
que Popper entende por historicismo, pois às vezes ele considera “historicistas”
as opiniões sobre a história com as quais ele não concorda... 30.
Uma das marcas que diferenciam o modernismo do assim chamado
pós-modernismo seria a crise das grandes meta-narrativas (expressão de
Lyotard), históricas e científicas31. São grandes narrativas o cristianismo, o
iluminismo, o hegelianismo, o marxismo e o positivismo. Todas elas seriam
historicistas, no sentido criticado por Popper, por conterem a idéia da evolu-
ção, do progresso ou destino inevitável e da salvação.
Não deixa de ser curioso que a suposição da existência de leis ocul-
tas ou secretas, regendo as mudanças históricas e tornando o futuro defini-
damente previsível, tenha estado presente ainda antes de Hegel e Marx:
Kant, citado por Schilling32 teria a esperança de que um dia surgiria um Kepler
ou um Newton da historiografia: um poderoso cérebro que conseguisse um
dia desvendar o plano oculto da natureza e, numa extraordinária panorâmica,
narrasse para nós a magnífica história conjunta dos povos... (p. 119) j. Ainda
não menos curiosa e, neste caso, irônica, mas não surpreendente é a espe-
rança bem contemporânea do surgimento de um Newton ou de um Mendeleiev
da psiquiatria mais biológica e empirista: tudo seria, finalmente, mecânica e
quimicamente previsível... A idéia de um todo onde tudo se articula, a crença
em uma natureza perfeita e a tentação do Conhecimento Total, da Teoria do
Campo Unificado ou da Grande Unificação 33,34 talvez façam parte de um
mesmo conjunto em que não há lugar para o desconhecido e para a incerte-
za, para o imprevisível e para o acaso, esses verdadeiros intrusos que, há
milênios, insistem em nos assombrar e aterrorizar. Isto sem falar no caos, na
elegante síntese de Stewart34: comportamento sem lei, inteiramente governa-
do pela lei (p. 23). O sonho de leis que governem completamente o compor-
tamento humano não é, entretanto, exclusivo da psiquiatria biológica.
Temos medo da historicidade na medida em que ela se relaciona
com a irreversibilidade do tempo, como fica sugerido pela leitura de Mircea
Eliade que se referia, escrevendo após a II Guerra, às pressões históricas,
catástrofes e aos horrores da história (deportações, massacres coletivos e
bombardeios atômicos)35. Para o historiador romeno, a tendência a revalo-
rizar os mitos da periodicidade cíclica e do eterno retorno seria acompa-
nhada do desprezo dirigido ao historicismo e até mesmo à história como tal

j
Pierre-Simon Laplace (1749-1827) também tinha esta mesma esperança.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):135-160


140 CLÁUDIO MARIA DA SILVA OSÓRIO

minações. Infelizmente Van Gogh e Freud não se corresponderam. Se Gachet,


depois dos seus estudos com Falret, tivesse também visitado Charcot antes
de 1890, quem sabe teríamos tido uma aproximação entre o pintor e o cien-
tista. Mas o real ou suposto “protetor dos pintores” tinha outros interessesg.
Orientado por Falret, Gachet elaborou uma tese sobre a melancolia, que ele
via por toda a parte, de acordo com citação feita por Michel23: ....répandue
dans la nature entière. Il y a des animaux, des vegetaux, des pierres mêmes
qui sont melancoliques. L’araignée, le hibou, le crapaud, les reptiles... (p. 219)h.
Combinadas com uma breve revisão de conceitos, as vinhetas dos
Case Books dos DSMs e a história de Van Gogh e de uma paciente do HCPA
talvez cooperem com as perguntas iniciais deste trabalho, às vezes respon-
dendo-as, outras vezes, graças às possíveis inconsistências deste ensaio,
mantendo a porta aberta para outras questões, ora desfazendo alguns mal-
entendidos, ora introduzindo outros e, por fim, sendo otimista, aquecendo a
curiosidade e o debate.

Conceitos
Historicidade, por vezes considerada sinônimo de historicismo, seria
a condição do que é histórico, correspondendo, na psicologia, ao conjunto
dos fatores que constituem a história de uma pessoa e que condicionam seu
comportamento em uma dada situação24. Historicismo costuma ser entendi-
do como um conjunto de doutrinas filosóficas que buscam fazer da história o
grande princípio explicativo da conduta, dos valores e de todos os elementos
da cultura humana: Hegel considerava a história como o fundamento ou a
dimensão mais profunda da realidade. Em alemão se encontra a forma origi-
nal do termo em estudo, Historismus, empregada pela primeira vez em 1797,
por F. Schlegel, embora tenha sido mais adiante que surgiram os grandes
historiadores considerados historicistas25. Abaggnano assinala a ambiguidade
fundamental – em todas as línguas cultas – do termo história26. Daí a sua
preferência por historiografia para se referir ao conhecimento da realidade
histórica, ficando no verbete história o tema dos significados e suas interpre-
tações que foram dados à realidade históricai.
O historicismo, termo também polissêmico e difícil de ser definido,
com interpretações e definições muito diversas25,28 parece corresponder, se-

g
Está em aberto a controvérsia quanto a Gachet, pintor amador, ter copiado alguns quadros do
próprio Van Gogh e de outros pintores.
h
Em tradução livre: [a melancolia] estaria espalhada por toda a natureza. Existem animais, vegetais
e até mesmo pedras melancólicas. A aranha, a coruja, o sapo, os répteis...
i
De fato, são duas as palavras alemãs – Geschichte e. Heidegger torna-as menos ambíguas:
Geschichte (de geschehen, acontecer) para “acontecimentos”, Historie (do grego historein, inquirir,
investigar), para o estudo dos acontecimentos (Historiografia). Inwood, p. 85 27.
HISTORICIDADE E PSICOTERAPIA: UM DIÁLOGO COM VAN GOGH E FREUD 139

Penso ser bem mais valioso para nós e para nossos pacientes acom-
panhar Sandler & Fonagy, 1997 e Leuzinger-Bohleber & Pfeifer, 2002, todos
citados por Holm-Hadulla, 2003, quando entendem que as narrativas subjeti-
vas inter-relacionam-se com as verdades “objetivas” ou “históricas”: ambas
devem ser consideradas para alcançar e manter uma estabilidade psíquica
possível16. Mais ainda: a pré-história da mente – a trama intersubjetiva, os
cenários e enredos anteriores ao nosso nascimento e que participam da
nossa “fundação” – tem menos a ver com a arqueologia de Foucault, e mais
com os conceitos de transmissão da vida psíquica e de transgeracionalidade
desenvolvidos, principalmente na França a partir dos anos 1970e.
Ao introduzir os ensaios que compõem “Tempo e História”, Adauto
17
Novaes afirma que:

narrar a história de um povo a partir apenas do tempo presente (...) é negar


a articulação de épocas e situações diferentes (...). Esquecer o passado é
negar toda efetiva experiência de vida; negar o futuro é abolir a possibilida-
de do novo a cada instante (p. 9).

E o que se pode dizer de narrar a história de uma pessoa a partir


apenas do tempo presente...? Ou, burocraticamente, apenas das datas ofici-
ais dos registros de nascimentos, casamentos e óbitos?
Quando examinam a história da psiquiatria, Fulford e colaboradores,
2006, assinalam os enganos e ardis dos “fatos” incompletos e sujeitos às
diferentes interpretações, determinando dificuldades na história das idéias
na psiquiatria, em que diferentes autores utilizam as fontes históricas de
diferentes maneiras18. O presente trabalho não está, portanto, livre de im-
precisões e vieses na seleção das fontes consultadas e das questões pro-
postas. Por outro lado, cada leitor fará sua própria leitura. Esta proposta de
abordagem, hermenêutica, está bastante bem caracterizada no trabalho de
Chessick, 199021,f.
Tentarei articular um diálogo com o artista que buscou a expressão
das emoções e com o cientista que buscou compreendê-las. Uma síntese
das biografias paralelas dos dois até 1900 complementa o trabalho. Como
muitas vezes na vida, observam-se os entrecruzamentos de acasos e deter-

e
Não é este o lugar para o exame das controvérsias e crises das sociedades psicanalíticas da
França dos anos 1970. Ver Roudinesco, 1988, p. 649 et seq., quando a autora descreve as
vicissitudes de Nicholas Abraham e Maria Torok, ambos de origem húngara e que tiveram suas
famílias dizimadas pelo nazismo. Aos dois autores se deve o conceito de “cripta”, referido mais
adiante 22.
f
Em 1996, o mesmo Chessick publicou no Journal of American Academy of Psychoanalysis um
excelente trabalho sobre as relações entre o pensamento pós-moderno e a psicoterapia
psicanalítica.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):135-160


138 CLÁUDIO MARIA DA SILVA OSÓRIO

nos neuróticos estão condicionados pela história do indivíduo (p. 49). Pouco
depois, o autor destaca a importância da realidade externa, com suas ne-
cessidades, na regulação da conduta individual, como fez, mais adiante,
Wallerstein, 1974, destacando a realidade externa como uma instância psí-
quica10. E, quando examina o conteúdo dos sintomas compulsivos na neu-
rose obsessiva, Fenichel diz que sintomas não compreendidos tornam-se
inteligíveis quando se estuda a sua história e o seu contexto integral (p. 312).
Em uma vinheta de um caso de fetichismo, o mesmo psicanalista mostra o
entrelaçamento da história familiar com o sintoma. Ao tratar das alucinações
na esquizofrenia, seu entendimento é similar, fazendo uma referência explí-
cita ao núcleo histórico das alucinações, considerando-as sujeitas às inter-
pretações do mesmo modo que no caso dos sonhos (p. 478-9).
E quais seriam as relações entre historicidade, tempo e temporalidade,
memória, história e narrativa? Qual o seu lugar nos tempos pós-modernos?
O que acontece quando falsas memórias são tomadas como verdadeiras?
E quando ocorre o oposto?
Por que não mais são obtidas histórias clínicas propriamente ditas
e sim colhidos dados para verificar o preenchimento ou não de critérios
diagnósticos, tornando-as insossas11? A sensibilidade nas anamneses e nos
exames do estado mental estaria sendo sacrificada em busca de maior
especificidade12? As conquistas da neurociência e os avanços e/ou novas
concepções na psiquiatria e na psicanálise teriam tornado obsoletas a
busca e a compreensão da história pessoal dos pacientes? Narrativas não
mais teriam lugar na medicina, na psiquiatria e na psicologia baseada em
evidências?
Por outro lado, será que, por algum tipo de confusão, leitura super-
ficial ou mal-entendido, a miséria do historicismo (Popper, 1945), o fim da
ideologia (Bell,1960)13,14 e o pretenso fim da história (Fukuyama, 1989)c te-
riam determinado também o fim da historicidade no campo da psicologia
individual? Ou o conceito também sofreu as consequências do pós-moder-
nismo na sua versão foucaultiana, em que as abordagens arqueológica e
genealógica15 parecem diluir unidades e identidades, não havendo discur-
sos interiores e reprimidos a serem interpretados?d. Parece até mesmo que
além do fim da psicanálise decretou-se também o fim do sujeito.

c
Foge bastante aos meus limites tanto o exame da proposta de Yoshihiro Francis Fukuyama quanto
as críticas à mesma. Mas de acordo com uma entrevista à Revista Galileu, disponível na Internet,
Francis, como ele preferiu ser chamado nos Estados Unidos, talvez represente a “fluidez e a
flexibilidade“ assinaladas pelos estudiosos do pós-modernismo. Para Fukuyama, agrada-lhe o
individualismo no sentido de “ser quem quiser ser e fazer o que se quiser fazer”.
d
Acompanho, neste sentido, as críticas de Fernández-Armesto19 e de Meera Nanda20 ao pós-
modernismo e seus relativismos: estes últimos terminam se aproximando, por via circular, dos
fundamentalismos.
HISTORICIDADE E PSICOTERAPIA: UM DIÁLOGO COM VAN GOGH E FREUD 137

presente) ou anistóricas, para usar expressão da filosofia e de outros cam-


pos da ciência.
Pesquisando pelo termo na obra de Freud, através da edição eletrô-
nica ou na Antologia das obras e na biografia de Freud, ambas de Peter Gay,
em Quinodoz (Ler Freud) e em Mezan (A trama dos conceitos), os resultados
também parecem negativos. O índice remissivo de “Sigmund Freud”, de Ernst
Freud e cols., também não indica o termo3. Será que historicidade estaria
subentendida nos pontos de vista genético e adaptativo4 ou dentro de outros
conceitos e termos, como realidade externa ou objetiva? Wolman, em sua
extensa enciclopédia, aborda o tema dentro do verbete History and psy-
choanalysis, sublinha as recíprocas relações da história e da psicanálise des-
de os trabalhos de Freud no tema cultura e históriab e considera a psicanálise
como um método histórico5, o que será examinado no tema de estrutura e
processo, mais adiante.
Haveria, portanto, uma espécie de medo ou evitação do tema? O
termo se tornara proibido, politicamente incorreto ou a historicidade não inte-
ressa às psicoterapias, até mesmo e particularmente no caso da psicoterapia
psicanalítica? Isto poderia não surpreender, pois a psicanálise e a psicoterapia
nela inspirada lidam com a realidade interna ou psíquica e não tanto com a
realidade externa, que incluiria os fatos históricos:

psychic reality is the particular domain of psychoanalytic investigation. For


the individual, it re-presents or determines that which is experienced as real
or true6. Good e cols. acrescentam: At the same time, psychic reality cannot
be regarded as exclusively subjective or objective but is inherently both6 (p.
1574-5).

Esta é a histórica controvérsia Anna Freud-Melanie Klein, recente-


mente lembrada por Iankilevich, a partir de um caso clínico em que a realida-
de externa invadiu violentamente a vida de um menino7. A autora assinala
que ainda hoje se discute o papel da realidade material [factual] no tratamen-
to analítico e na psicoterapia de orientação analítica. A realidade externa
parece estar invadindo violentamente nossas vidas, talvez justificando um
renovado interesse pelo tema da historicidade.
Quando se volta a Fenichel, 1945 9, lá encontramos a expressão
determinismo histórico. Para este autor, tanto nas [psico]neuroses quanto
nas “crises emocionais” a natureza dos sintomas [substitutos] está determi-
nada pela história pessoal: subjetivamente no primeiro caso, objetivamente
no segundo caso. Mais adiante, Fenichel 9 volta a escrever que os fenôme-

b
Nas páginas de introdução aos temas abordados no capítulo 4 de “Freud, pensador da cultura”,
Mezan articula psicanálise, história e cultura, mas também sem se referir à expressão
historicidade 8.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):135-160


136 CLÁUDIO MARIA DA SILVA OSÓRIO

and historiography are also conceptualized. It also includes an examination


of Popper’s and the post-modernists’ criticisms. The relationships between
historicity and actual neurosis, psychic reality and external reality, structure
and process, genetic and adaptive points of view, subjective narratives and
historical truths are examined. An imaginary dialogue with Van Gogh and
Freud, who were partially contemporary in the XIX century, through the artist’s
letters to Théo, Wil and Emile Bernard and the scientist’s ones to Fliess, take
place. The psychiatric clinical histories impoverishment and the technicism in
the psychotherapies are pointed out. A surgical clinical and psychiatric case
of the HCPA is examined. Vincent Van Gogh’s personal and clinical histories,
together with some of his masterships, are also examined through the light of
concepts such as the psychic transmission and transgenerationality.
Keywords: psychotherapy; history; historical article.

Introdução
O que é historicidade? Quando se busca por ela em índices remissi-
vos e sumários de textos de psicoterapia, a expressão praticamente não
existe. São escassos os artigos quando se pesquisa historicity and
psychotherapy no PsycInfo (9 refs.) e no PubMed (5 refs); vários deles estão
em língua alemã, o que não surpreende, dada a tradição da historiografia
na Alemanha, e são somente três as referências quando se pede por
psychoanalytic psychotherapy and historicitya. Com outras ferramentas,
chega-se ao artigo de Quintella (2005), que faz uma leitura lacaniana da
psicopatologia psicossomática/neurose atual na sua relação com a historici-
dade, articulada com a sexualidade e a linguagem. Para este autor, o sujeito
é um efeito de sua própria história, relacionando-se com ela por meio da
linguagem: a historicidade seria então um campo de articulação da lingua-
gem1. Em outra abordagem, Bosi mostra as articulações da memória com a
linguagem na vida social2: graças à memória, as pessoas que se ausenta-
ram se fazem presentes, como vai acontecer – aqui e agora – com Van Gogh
e Freud, através de suas cartas.
O trabalho de Quintella remete-nos, como muitos outros, para a im-
portante diferenciação entre as psiconeuroses (etiopatogenia determinada
pelo passado do paciente: historicidade) e as neuroses atuais (origem no

a
Por exemplo, Wolberg e Langs não a mencionam. Na Biblioteca do CELG, encontrei um único
texto com referência explícita à historicidade, quando Holmes se refere ao conceito de “illusion
of historicity”, que faria o presente parecer igual ou semelhante ao passado. Holmes, DJ.
“Psychotherapy: experience, behavior, mentation, communication, culture, sexuality, and clinical
practice”. Boston: Little Brown, 1972, 1075p
Historicidade e psicoterapia: um diálogo
com Van Gogh e Freud

Historicity and psychotherapy: a dialogue


with Van Gogh and Freud

Cláudio Maria da Silva Osório*

Arte e história, como a ciência, são modelos vitais de compreensão, base-


ados na busca da hermenêutica para [entender] o relacionamento do ho-
mem com o mundo.

Arts and history, just like science, are vital models of comprehension, based
on the search for the hemaneutics so as to [understand] the relationship
between men and the world (Chessick, 1990).

Resumo
Revisão não-genealógica do conceito de historicidade, dentro do tema “his-
tória da psicoterapia no contexto da historicidade”. Historicismo, história e
historiografia também são conceituados. Exame das críticas de Popper e de
pós-modernistas. Relação da historicidade com neurose atual, realidade psí-
quica e realidade externa, estrutura e processo, pontos de vista genético e
adaptativo, narrativas subjetivas e verdades históricas. Diálogo com Van Gogh
e Freud, contemporâneos, em parte, no Século XIX, através de cartas do
artista para Théo, Wil e Emile Bernard, e do cientista para Fliess. Assinalado
o empobrecimento das histórias clínicas na psiquiatria e do tecnicismo nas
psicoterapias. Examinado um caso clínico-cirúrgico e psiquiátrico do HCPA e
a história pessoal, clínica e de algumas obras de Vincent Van Gogh, princi-
palmente à luz dos conceitos de transmissão psíquica e transgeracionalidade.
Descritores: psicoterapia; história; artigo histórico.

Abstract
Non-genealogical revision of the concept of historicity within the topic “the
history of the psychotherapies in the historicity context”. Historicism, history

* Mestre em Psiquiatria, médico e psiquiatra pela UFRGS. Professor na Medicina e na Psiquiatria,


HCPA-UFRGS.

REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA 2009;11(2):135-160

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