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Tasso Azevedo • Luiz Davidovich • Eduardo Gudynas • Carlos Joly Ano XXVIII • Nº 257 • Abril 2018 • R$ 15,00 • www.eco21.com.

15,00 • www.eco21.com.br • facebook.com/revista.eco21

ISSN 0104-0030
ECO•21

Raquel Torres • Ildeu C. Moreira • V irgílio V iana • Cármen Lúcia


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ECO•21
Ano 28 • Abril 2018 • N º 257
América Latina bouge e registra ousadas iniciativas ambientais
No dia 29 de Janeiro deste ano, um grupo de 25 crianças e jovens colombianos, entre 7 e 26 anos,
impetrou no Superior Tribunal de Justiça em Bogotá uma ação judicial sobre “a mudança climática e as
Diretora gerações futuras” exigindo a defesa de seus direitos a gozar de um ambiente saudável hoje ameaçado pelo
Lúcia Chayb desmatamento da Amazônia colombiana e seus efeitos no aquecimento do país. Essa petição gerou uma
surpreendente decisão desse tribunal superior que ordenou a Presidência da República e todas as instâncias
Editor governamentais a elaborar um plano de ação imediato visando o desmatamento zero já em 2020. Pouco
René Capriles tempo depois, em 4 de Março, foi assinado na Costa Rica o “Acordo de Escazú” cujo objetivo é “garantir a
implementação plena e efetiva na América Latina e o Caribe dos direitos de acesso à informação ambiental,
Redação participação pública nos processos de tomada de decisões ambientais, acesso à justiça e assuntos ambientais,
Regina Bezerra, Rudá Capriles contribuindo para a proteção dos direitos de cada pessoa, a viver num ambiente saudável e ao desenvolvi-
mento sustentável”. Esse Acordo ajudará a esclarecer e a punir os culpados dos crimes cometidos contra os
Colaboradores defensores dos direitos ambientais. Já no dia 17 deste mês (Abril) o Presidente do Peru, Martín Vizcarra,
André Trigueiro, José Mon­serrat Filho promulgou a Lei Marco da Mudança Climática. Com essa iniciativa, o Peru se transforma no primeiro
Leonardo Boff, Samyra Crespo país da América Latinas em ter uma Lei específica de combate às mudanças climáticas. A Lei fortaleceu o
Evaristo Eduardo de Mi­randa papel do Ministério do Meio Ambiente peruano e lançou as bases para que todos os investimentos oficiais
Sergio Trindade ou não passem pelo crivo de um Relatório de Impacto Ambiental com foco no clima. Um dos pontos mais
importantes da Lei é que especifica nos seus artigos que para atingir proteção e conservação das florestas,
Fotografia assim como para iniciar a recuperação das áreas desmatadas, a Norma requer a colaboração ativa das
Ana Huara comunidades locais e dos povos indígenas. “O Estado salvaguarda o direito de participação dos povos
indígenas ou originários, respeitando sua identidade social, coletiva e cultural, seus costumes, tradições
Correspondentes no Brasil e instituições, na formulação, implementação, seguimento e avaliação das políticas públicas e projetos
São Paulo: Lea Chaib de investimentos com relação à mudança climática que venha afetar essas ações, no que corresponde à
Belém: Edson Gillet Brasil Convenção 169 sobre povos indígenas e tribais da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”. O
México, por sua vez, que já dispõe de instrumentos jurídicos sobre as suas Contribuições Nacionalmente
Correspondentes no Exterior Determinas para o Acordo de Paris, quer produzir 43% de sua eletricidade a partir de fontes renováveis
Bolívia: Carlos Capriles Farfán até 2024, em apenas 6 anos. Tem 58 novas usinas planejadas, a maioria delas solares e o restante eólicas.
México: Carlos Véjar Pérez-Rubio Para esse fim, em Dezembro de 2017, inaugurou a usina solar Vilanueva localizada no deserto do Estado
Itália: Mario Salomone e Bianca La Placa Coahuila. Com 2,3 milhões de painéis solares, o equivalente a 2.200 campos de futebol, no segundo
França: Aurore Capriles semestre deste ano gerará mais de 1.700 GWh por ano, o suficiente para fornecer energia elétrica a 1,3
milhão de lares. Quando estiver totalmente em operação, Villanueva será a maior instalação fotovoltaica
Representante Comercial em Brasília produtora de energia nas Américas. Esta central solar é parte do esforço do México para gerar 43% de
Minas de Ideias sua eletricidade a partir de fontes limpas até 2024. O Chile, por sua vez, investiu nos últimos anos US$
17 bilhões em energias renováveis, principalmente na central Amanhecer Solar no Deserto de Atacama.
Serviços Infor­mativos A usina conta com mais de 300 mil módulos Silvantis de silício monocristalino, um material não tóxico
Argentina: Ecosistema e que é reciclável no final de sua vida útil. Essa política fez diminuir a conta de luz em 75 por cento. Em
Brasil: Envolverde, ADITAL, EcoAgência, outra frente, os países da América Central estão trabalhando para fortalecer sua infraestrutura elétrica
EcoTerra, O ECO, Ambiente Brasil gerada a partir de fontes renováveis. O Corredor de Energia Limpa, um projeto acordado em 2015 pelos
França: Valeurs Vertes, La Recherche governos do Panamá, Costa Rica, Nicarágua, Honduras, São Salvador e Guatemala, usará uma rede
Itália: ECO (Educazione Sostenibile) elétrica de 1.800 km que atravessa o istmo. Outra boa notícia é que o Congresso Nacional da Costa Rica
México: Archipiélago aprovou uma Lei que bane os carros movidos à energia fóssil até 2035. Enquanto isso, o governo está
financiado com juros muitos baixos a compra de carros elétricos. Como celebramos os 50 anos de Maio de
Direção de Arte 68, como diriam os franceses, l’Amerique Latine bouge. América Latina se move.
ARTE ECO 21
Gaia viverá! Lúcia Chayb e René Capriles
CTP e impressão
Gráfica Cruzado
4 Mario Mantovani - Equivalência ecológica não é jabuticaba
Jornalista Responsável 5 Luiz Davidovich e Ildeu de Castro Moreira - Carta à Ministra Cármen Lúcia
Lúcia Chayb - Mtb: 15342/69/108 7 Tasso Azevedo - Moratória do desmatamento
8 Paula Drummond de Castro - Entrevista com Carlos Joly
Assinaturas 12 Bruno Toledo - Teste de ambição para o Acordo de Paris
Anual: R$ 130,00 14 Leila Mead - Expectativas da Conferência APA 1-5 sobre Clima em Bonn Capa: Fauna no artesanato popular brasileiro
Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom
assinantes@eco21.com.br 16 Eduardo Gudynas - Corrupção e extrativismo
18 Claudia Fonseca - Suprema Corte da Colômbia ordena proteção da Amazônia
Uma publicação mensal de 20 René Capriles - Peru faz primeira Lei do Clima da América Latina
22 Rudá Capriles - 2018: Ano Internacional dos Recifes de Coral (IYOR)
Tricontinental Editora 28 Virgílio Viana - O Papa Francisco e o futuro da Amazônia
30 Jack Cushman - Mundo concorda em cortar emissões dos navios em 50%
Av. N. Sra. Copacabana 2 - Gr. 301 32 Monalisa Zia - Norma de turismo sustentável vai para aprovação da ISO
22010-122 - Rio de Janeiro 34 Peter Moon - Prioridade para a conservação com o olho no passado
Tel.: (21)2275-1490 36 Matthew Taylor - Holanda tem o primeiro supermercado sem plástico
eco21@eco21.com.br 38 Alexandre Soares - Gorduras saturadas e trans matam 17 milhões por ano
www.eco21.com.br 40 Raquel Torres - Transgênicos: expectativa do fim da rotulagem retoma debate
48 José Monserrat Filho - Por que colonizar a Lua?
Facebook 50 Elmano Augusto - Dia da Caatinga é celebrado em 28 de Abril
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| legislação ambiental brasileira |

Jean Paul Metzger | Doutor em ecologia de paisagens, Professor da USP e membro do Conselho da Fundação SOSMA
Mario Mantovani | Diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica

Equivalência ecológica
não é jabuticaba
Nem tudo é retrocesso no julgamento, pelo Supremo Ferramenta usada em 40 países
Tribunal Federal, das Ações Diretas de Inconstitucionalidade
contra recuos na proteção da vegetação nativa impostos pelo Outra boa notícia é a de que a compensação por “identi-
Novo Código Florestal. A corte acertou ao garantir que a falta dade ecológica” não é nenhuma jabuticaba, que pensam só
de Reservas Legais em imóveis no meio rural será compensada existir no Brasil. A ferramenta já é usada em quase 40 países,
em regiões com a mesma “identidade ecológica” na Mata enquanto outros 22 a estão regulamentando, conforme balanço
Atlântica e nos demais biomas brasileiros. assinado pela União Internacional para a Conservação da
O termo técnico significa, na prática, que essa compensação Natureza e Forest Trends.
precisa acontecer em áreas semelhantes às que foram desmata- Há pelo menos uma década, o tema frequenta as mesas,
das. Afinal, locais ecologicamente idênticos são naturalmente teses e os debates de pesquisadores, os quais concordam que
impossíveis de se apontar. Por essas e outras que especialistas é muito melhor manter as matas existentes do que tentar
defendem que a redação “equivalência ecológica” tornaria a equilibrar suas perdas em outros locais. Mas, se não for
aplicação da lei mais clara e efetiva. possível driblar a compensação, que ela ocorra em áreas
Detalhes à parte, a medida trará benefícios a todos, como ecologicamente equivalentes e com o máximo de respeito à
assegurar ambientes para animais biodiversidade.
e plantas nativos, proteger fontes Uma fórmula possível para
e cursos d’água, conter erosões e que isso ocorra no Brasil de forma
reduzir o transporte de poluentes prática é compensar Reservas
para córregos e rios, além de Legais ao menos dentro das cha-
manter vivas abelhas e outros madas Regiões Biogeográficas. A
polinizadores indispensáveis à Mata Atlântica tem 8 delas, onde
agricultura. vegetação, animais, solo, clima e
Conforme a legislação flo- relevo têm grande similaridade.
restal em vigor desde 2012, Todavia, avançar no detalha-
proprietários e posseiros rurais mento ecológico dos territórios
precisam recuperar cerca de 20 garantirá compensações cada vez
milhões de hectares de vegetação mais justas.
nativa. Desses, 16 milhões de Seguir essa linha de atuação
hectares são de Reservas Legais técnica e política pode qualificar
– parcelas de verde que variam de a regulamentação e a emissão
20% a 80% dos imóveis rurais. de Cotas de Reserva Ambiental
Além da compensação, a tão (CRAs), importante instrumento
esperada regularização ambiental econômico do Novo Código
pode ser alcançada por meio de Florestal, melhor direcionar o
regeneração ou de recomposição arrendamento ou a compra de
das matas. terras em outras propriedades
Todavia, sem a regra validada ou, ainda, a doação de áreas em
pelo Supremo, a compensação Parques Nacionais e outros tipos
das Reservas Legais poderia se de Unidades de Conservação
concentrar onde o hectare de terra carentes de regularização fun-
é mais barato ou, justamente, nas diária. Como se vê, não faltam
regiões mais preservadas. Ou seja, motivos e capacidade técnica para
a necessária recuperação do verde que a compensação de Reservas
em áreas degradadas poderia ser Legais por equivalência ecológica
empurrada para áreas preservadas, se torne, finalmente, uma reali-
privando grandes parcelas do país dade, distribuindo benefícios a
de serviços ambientais. todos os brasileiros.

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 | legislação ambiental brasileira |

Ildeu de Castro Moreira | Presidente da SBPC


Luiz Davidovich | Presidente da ABC

ABC e SBPC enviam Carta à


Ministra Cármen Lúcia
A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade O termo “identidade ecológica” tem gerado certa confusão,
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) enviaram à pois muitos têm entendido que a compensação deveria ser feita
Ministra Cármen Lúcia, em 9 de Abril (2018), uma carta sobre em área exatamente “idêntica” à área degradada que deverá ser
o Novo Código Florestal. No documento, as entidades esclare- compensada. Obviamente, este não é o caso, pois não existem
cem o termo “ identidade ecológica”, citado na Lei, e ressaltam áreas absolutamente idênticas ambientalmente na paisagem.
a importância da equivalência ecológica na compensação de Essa identidade deve ser entendida como um conjunto de
Reservas Legais. atributos abióticos (tipos de solos, relevo, clima) e bióticos
(composição de espécies de fauna e flora), que caracterizam um
São Paulo-Rio de Janeiro, 09 de abril de 2018 determinado ambiente. O que se busca, segundo a proposição
dos ministros do STF como “identidade ecológica”, é que a
Excelentíssima Senhora compensação seja feita em áreas que sejam similares no conjunto
Ministra CÁRMEN LÚCIA desses atributos abióticos e bióticos. Neste sentido, o termo
Presidente do Supremo Tribunal Federal técnico mais adequado para definir identidade ecológica seria
Brasília, DF. “equivalência ecológica”. A compensação com equivalência é
aquela que é feita entre áreas que
Assunto: Por que a compartilham condições abióticas
equivalência ecológica é e bióticas similares.
importante na compensação Considerar a equivalência
de Reservas Legais? ecológica na compensação de
RLs é muito importante por
Senhora Ministra, diversas razões, que ficam claras
quando ela não é respeitada. Em
No dia 28 de fevereiro, os função disto, deve-se parabenizar
ministros do Supremo Tribunal os ministros do STF por terem
Federal (STF) finalizaram o retomado essa discussão na revi-
julgamento das ações diretas de são da lei. No caso das RLs, na
inconstitucionalidade (ADINs) ausência de uma regra de equiva-
que questionavam a Lei n. 12.65, lência, a tendência é que ocorra
de 25 de maio de 2012, de prote- compensação preferencialmente
ção da vegetação nativa, também onde o preço da terra é menor, ou
conhecida como Novo Código onde há mais remanescentes de
Florestal. vegetação nativa, independente se
Dentre os pontos discutidos esses remanescentes são similares
nesse julgamento, teve um que ou não à área a ser compensada.
gerou muitas dúvidas: a compen- Como consequência, haverá
sação de reservas legais (RLs). deslocamento nos esforços de
Segundo os ministros do STF, conservação e de recomposição
essa compensação deve sim ser de cobertura nativa de áreas
feita em áreas situadas no mesmo extensivamente exploradas para
bioma, como descrito na lei, e uso econômico e carentes de
que, além disso, compartilhem vegetação nativas para proteger os
a mesma “identidade ecológica”. recursos naturais (solo e água) e a
Mas afinal, o que é “identidade biodiversidade, para outras áreas
ecológica” incluída nesta dis- em que a cobertura já existe e, em
cussão pelos ministros do STF geral, é suficiente para garantir a
e por que essa identidade é tão preservação dos recursos naturais
importante? Ministra Cármen Lúcia e da biodiversidade.

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Ricardo
No entanto, havendo a necessidade de compensar, há
consenso que essa compensação deve ser feita em áreas equi-
valentes, de forma a garantir um maior equilíbrio ecológico
(melhor representatividade dos ecossistemas), além de respeitar
princípios éticos básicos (todas as espécies e ecossistemas são
importantes para um ambiente saudável; não é possível optar
pela extinção de um em favor do outro).
No caso da lei de proteção da vegetação nativa, está
claro que a compensação no âmbito do bioma não garante
equivalência ecológica. Os biomas são muito heterogêneos
e, portanto, a inclusão desta discussão de equivalência eco-
lógica pelos ministros do STF foi muito oportuna. Na Mata
Atlântica, por exemplo, existem pelo menos oito regiões
biogeográficas, cada uma com suas espécies endêmicas, que
são encontradas exclusivamente em cada uma dessas regiões.
Isso significa que compensar uma área de RL degradada
localizada na Mata Atlântica do Paraná ou de São Paulo na

Greenpeace
Mata Atlântica de Pernambuco não ajuda em nada a preservar
as espécies da Mata Atlântica do Sudeste e muito menos a
garantir o provimento de serviços ambientais (proteção de
solo e água, polinização de culturas agrícolas, etc.) nessa
Assim, são mantidos e acentuados os contrastes de cober- região completamente carente desses serviços. Trata-se de
tura vegetal no país, e mais que isto, protege-se apenas parte uma compensação sem equivalência, o que é questionável
da diversidade biológica brasileira (aquela encontrada em em termos biológicos, ecológicos e mesmo éticos. O mesmo
áreas sem interesses econômicos diretos), perdendo a opor- ocorre em todos os outros biomas. O Cerrado é composto por
tunidade de proteger os recursos naturais e biodiversidade 22 ecorregiões, ou seja, por regiões que diferem em termos
nas paisagens onde o uso das terras é mais intensivo e esses de clima, solo, relevo e biota. A Amazônia é dividida em
recursos estão comprometidos. Essas paisagens vão então 23 ecorregiões, a Caatinga em oito e os sistemas costeiros
carecer dos serviços providos pela vegetação nativa que favo- em nove. O complexo do Pantanal, apesar de ser um único
recem o bem-estar humano, como redução do escoamento bioma, é dividido em duas ecorregiões e em 11 sub-regiões
superficial de água, redução de transporte de poluentes para (os diferentes “pantanais”), se forem considerados critérios
os rios, redução de processos erosivos e de assoreamento de de inundação e relevo. Enfim, compensar entre diferentes
rios, aumento da infiltração da água no solo, proteção de ecorregiões ou sub-regiões não assegura equivalência. Nesta
cultivos por meio do controle biológico de pragas, aumento linha de raciocínio, é necessário definir as ecorregiões ou
na produtividade de culturas agrícolas pela garantia de poli- sub-regiões onde será permitida a compensação com equi-
nização dessas culturas propiciada por espécies nativas que valência ecológica dentro de um mesmo bioma, regiões essas
se abrigam nesses fragmentos naturais, entre outros. Se a que sejam mais similares e que permitam operacionalizar a
equivalência ecológica for considerada, todos estes problemas compensação de RLs. Existem soluções técnicas relativa-
serão consideravelmente amenizados. Como nesses casos a mente simples para esta questão – o estado de São Paulo, em
compensação ocorrerá em áreas com equivalência ecológica particular, está caminhando neste sentido, por meio de um
(identidade ecológica), que tendem a ser mais próximas das grupo de trabalho que agrega governo, academia, sociedade
áreas degradadas, a vegetação nativa em RL seria melhor civil e proprietários de terras, com resultados bem avançados
distribuída espacialmente, permitindo não apenas representar e promissores para regulamentar essa compensação de RLs
e proteger melhor a biodiversidade, como também distribuir com equivalência ecológica.
de forma mais equilibrada e homogênea espacialmente, os Desta forma, é fundamental que a compensação de
serviços ecossistêmicos por ela providos. RL respeite critérios de equivalência ecológica, e que esse
A decisão dos ministros do STF de incluir esta discussão mecanismo se aplique a todas as alternativas de compensa-
na revisão da lei ambiental está totalmente alinhada com uma ção possíveis (como cota de reserva ambiental, contrato de
tendência mundial. Em 2014, a compensação com equiva- servidão florestal, compensação por meio da compra de terras
lência (ou identidade) ecológica já era adotada por 39 países, de mesma titularidade, ou compensação dentro de Unidades
com leis específicas para regulamentá-la, enquanto outros 22 de Conservação), conforme previsto no artigo 66 § 5o da lei
países já caminhavam para essa regulamentação1. n. 12.651. Caso a equivalência fique restrita a apenas uma
A comunidade científica debate amplamente esta ques- categoria, é muito provável que os caminhos alternativos e
tão há pelo menos uma década. Existe, inclusive, um termo geralmente menos custosos (e menos relevantes, em termos
específico para compensação com equivalência (offset), ambientais e sociais) sejam escolhidos, desrespeitando os
distinguindo o offset da compensação mais geral e flexível, princípios básicos do artigo 225 da Constituição: a proteção
sem a necessidade de equivalência. Segundo essa literatura, a de “processos ecológicos essenciais” e da “sadia qualidade
compensação é um mecanismo bastante controverso e quanto de vida”.
menor a necessidade de compensar áreas (em geral, mantendo Atenciosamente,
o que existe), melhor em termos ambientais. Ildeu de Castro Moreira, Presidente da SBPC e Luiz
1 - Kerry ten Kate e Michael L. A. Crowe, (2014). Biodiversity Offsets: Policy options for
Davidovich, Presidente da ABC
governments. An input paper for the IUCN Technical Study Group on Biodiversity Offsets. C/c: aos Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)

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Tasso Azevedo | Engenheiro florestal. Coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa
do Observatório do Clima (SEEG) e do Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo no Brasil (MapBiomas)

Moratória do desmatamento
Lúcia Chayb

As florestas são fundamen- Temos a tecnologia e as condições para dobrar esta lota-
tais para a manutenção das ção para 2,6 animais por hectare em menos de uma década.
chuvas e o fluxo e qualidade da Não é ciência de foguetes. Já existem diversas propriedades
agua, a biodiversidade e cicla- no Brasil que superam três cabeças por hectare sem confina-
gem de carbono e nutrientes. A mento. Dobrando a produtividade média nacional é possível
atividade agropecuária por sua atender a demanda futura de produção e, ao mesmo tempo,
vez é fundamental tanto pela liberar cerca de 40 milhões de hectares destinados para outras
produção de alimentos e mate- atividades.
riais quanto pela contribuição Considerando o que esta hoje é subutilizadas e o que
para a economia. Não podemos pode ser liberado pelos ganhos de produtividade na pecuária
viver sem um ou outro. é possível atender as demandas de recuperação de passivos
Atualmente a agropecuária Tasso Azevedo ambientais e aumento da produção de alimentos sem precisar
parasita as florestas e a vegetação desmatar mais nenhum hectare no Brasil, pelo contrário, é
nativa no Brasil. Todo ano centenas de milhares de hectares possível fazer tudo isso aumentando a base florestal com
são desmatadas no Brasil para dar lugar a atividades agrope- reflorestamento e revegetação de áreas degradadas prioritárias
cuárias. Mas não precisa ser assim. para conservação.
Quase um terço do território brasileiro já foi desmatado Já vimos que isso é possível. Em meados da década pas-
para atividade agropecuária. São quase 270 milhões de hec- sada foi aprovada a Lei da Mata Atlântica que praticamente
tares que representam a terceira maior área dedicada a esta proibiu o desmatamento no Bioma. Entre 2000 e 2016 a
atividade no mundo. área agropecuária do Estado de São Paulo diminuiu quase 1
Deste total, 170 milhões de hectares são consideradas milhão de hectares enquanto a produção agrícola aumentou
pastagens ativas (com produção continua) e 75 milhões de ha 50 por cento e cobertura florestal cresceu mais de 800 mil
são dedicados aos cultivos agrícolas (soja, milho, laranja, cana hectares. A restrição do desmatamento provocou um aumento
etc.). Sobram 25 milhões de hectares de áreas degradadas, da eficiência e da produtividade no uso das terras destinadas
subaproveitas ou improdutivas. à agropecuária.
Por outro lado, um passivo de 15 a 25 milhões de hectares É hora o Brasil declarar uma moratória do desmata-
de florestas e vegetação nativa a serem recuperados para sanear mento em todo o país até 2030 e focar nos próximos anos
os déficits de reserva legal e áreas de preservação permanentes na expressiva melhora da eficiência de uso do solo, aliando
previstas no código florestal. A agricultura brasileira é a mais aumento de produção agropecuária e florestal com manu-
produtiva dos trópicos, porém o mesmo não ocorre com a tenção e recuperação da vegetação nativa e a reabilitação de
produção pecuária. Hoje são 1,3 animais por hectare em áreas degradadas. É o jogo de ganha-ganha para sociedade,
média no país. o Planeta e a economia.

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 | entrevista |

Paula Drummond de Castro | Bióloga, Dra. em Política Científica e Tecnológica (Unicamp), atua na área de
planejamento e avaliação de CT&I. Estuda Jornalismo - LABJOR Especial para o Jornal Unicamp

País despreza conhecimento


científico sobre biodiversidade
Entrevista com Carlos Joly
Biólogo. Foi um dos criadores do Programa Biota/Fapesp

Antoninho Perri
Carlos Alfredo Joly é formado em Ciências Biológicas
pela USP (1976), mestre em Biologia Vegetal pela Unicamp
(1979), PhD em Ecofisiologia Vegetal pelo Botany Depart-
ment – University of St. Andrews, Escócia/GB (1982) e
pós-doc pela Universität Bern, Suíça (1994). É professor do
Departamento de Botânica e atua nas áreas de ecofisiologia
vegetal e conservação da biodiversidade, tendo publicado mais
de uma centena de trabalhos em periódicos especializados,
além de formar 26 mestres e 25 doutores. Editou 14 livros,
entre os quais, Biodiversidade do Estado de São Paulo: síntese
do conhecimento ao final do século XX, o atlas Inventário
florestal da vegetação nativa do Estado de São Paulo e Dire-
trizes para a Conservação e Restauração da Biodiversidade
do Estado de São Paulo.
Foi um dos criadores e coordena o Programa Biota/Fapesp
[http://www.biota.org.br/], e a Plataforma Brasileira de Bio-
diversidade e Serviços Ecossistêmicos – BPBES [https://www. Carlos Joly
bpbes.net.br/]. É membro titular da Academia Brasileira de
Ciências (ABC), foi condecorado com a Ordem do Mérito Com larga experiência na interface ciência e política, o
Científico. Ganhou os prêmios Henry Ford de Iniciativa do cientista alerta para os riscos da apropriação política indevida
Ano na Área de Conservação, Ambiental von Martius da dos espaços destinados à comunidade científica. Joly defende
Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha, Muriqui a construção de uma agenda política transetorial, integrada
da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e a Menção Honrosa à política econômica, como caminho para avançar na con-
do Prêmio Jovem Cientista do CNPq. servação da biodiversidade e na qualidade de vida no país.
Prega também a necessidade – urgente – de mudanças nos
Cientista alerta para descompasso entre ciência e hábitos de consumo individuais.
política e “retrocesso gigantesco” na política ambiental Na entrevista que segue, Joly avalia os resultados dos
recém-aprovados relatórios da IPBES e analisa os avanços
“O Brasil passa por um gigantesco retrocesso no que diz e retrocessos da política de preservação da biodiversidade
respeito à nossa política ambiental”. A opinião é do biólogo no país.
Carlos Alfredo Joly, professor do Instituto de Biologia (IB) da
Unicamp e um dos primeiros membros do Painel Multidiscipli- No dia 24 de Março último, a IPBES, aprovou, na Colômbia,
nar de Especialistas (MEP) da Plataforma Intergovernamental o Diagnóstico Regional das Américas. Quais os resultados
de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), órgão que o Sr. considera mais relevantes para o país?
da ONU responsável por criar sínteses de conhecimento.
Para Joly, referência nacional e internacional em programas Esta foi a primeira vez que pudemos avaliar a ação siner-
de pesquisa em biodiversidade, há um descompasso entre os gética entre os vários vetores que destroem a biodiversidade e
avanços do conhecimento científico e as decisões políticas do os serviços ecossistêmicos, em escalas nacional e continental.
governo. Engajado em colocar a pesquisa científica como base Ficou muito clara também a relação entre biodiversidade/
para a tomada de decisão, Joly vai direto aos exemplos para serviços ecossistêmicos e a qualidade de vida das pessoas, área
Lúcia Chayb

fundamentar sua opinião, entre os quais o recente julgamento na qual até o momento tínhamos poucas informações, e estas
do Novo Código Florestal e a ausência do Itamaraty na 6ª eram, na sua grande maioria, fracionadas, pois apareciam em
Plenária da IPBES. estudo de caso.

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| entrevista |

Outro ponto a destacar é que a pegada ecológica foi Os resultados do Programa Biota contribuíram para o
calculada para o continente como um todo, chegando ao aperfeiçoamento das políticas estaduais de meio ambiente.
resultado de 25% da pegada global, pois este era o objetivo Mas, muitas vezes, o conhecimento científico não é levado em
deste diagnóstico. Mas, desta pegada continental, a América consideração porque há interesses econômicos e políticos que
do Norte representa mais de 2/3, enquanto os demais países preferem ignorá-los para dar prosseguimento a uma política
têm pegadas proporcionalmente menores. Isto ressalta a predatória de expansão incontrolável da fronteira agrícola.
importância de os países tomarem este Diagnóstico Regional Foi o que aconteceu no caso do Código Florestal.
como base para fazerem seus Diagnósticos Nacionais, como
a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossis- Tanto a IPBES quanto o SBSTTA (Subsidiary Body on
têmicos, a BPBES, está fazendo para o Brasil. Scientific, Technical and Technological Advice) da Convenção
da Diversidade Biológica têm papéis semelhantes no sentido
O Diagnóstico sobre Degradação e Restauração do Uso da Terra, de trazer evidências científicas para a tomada de decisão
aprovado na 6ª Plenária da IPBES, interessa ao Brasil? no campo da conservação da biodiversidade e dos serviços
ecossistêmicos. Quais são, em sua opinião, as diferenças entre
O Diagnóstico tem um foco muito forte na degradação, estas duas instâncias?
e fala menos de restauração. Degradação está presente em
todos os biomas e regiões brasileiras, mas é mais intensa em O SBBSTTA foi criado pela Convenção sobre Diversidade
áreas onde a ocupação humana é mais antiga, como é o caso Biológica (CBD) em 1992, pois não havia para a biodiver-
da Mata Atlântica. O Brasil possui 200 milhões de hectares sidade uma instituição equivalente ao IPCC [http://www.
de áreas degradadas, segundo dados do Departamento de ipcc.ch/] – que foi criado em 1988 e adotado pela Convenção
Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Noventa das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas em 1992.
por cento do compromisso do Brasil no Acordo do Clima Infelizmente, em vez de ser ocupado por cientistas responsá-
de Paris depende de restauração e não temos uma política veis por sintetizar o avanço do conhecimento científico para
que monitore onde e quanto está sendo ou já foi restaurado. embasar decisões da CBD, ele foi ocupado por diplomatas e
Temos boas iniciativas como o Pacto pela Restauração da políticos sem a capacidade técnica para fazer estas sínteses.
Mata Atlântica, mas é preciso saber exatamente o que está Consequentemente, o principal papel do SBSTTA hoje é
sendo feito. definir a pauta da próxima COP.
A IPBES nasceu da incompetência do SBSTTA e para
Em quais pontos o Brasil precisa avançar para incorporar isso criou em sua estrutura um Painel Multidisciplinar de
estes resultados dos diagnósticos da IPBES? Experts (MEP) para coordenar a elaboração das sínteses, e a
alta qualidade dos sete diagnósticos já produzidos – Polinização
Para avançar e conseguir de fato incorporar estes resul- e Produção de Alimento, Cenários e Modelagem em Biodi-
tados, a política ambiental precisa sair do gueto setorial, que versidade e Serviços Ecossistêmicos, os quatro Diagnósticos
geralmente envolve apenas os ministérios do Meio Ambiente e Regionais (Américas, África, Europa/Ásia Central, Ásia/
da Ciência, Tecnologia e Inovação, para se tornar uma política Oceania) e o de Degradação e Restauração – comprovam
transetorial integrada à política econômica. Precisamos ter que isso deu certo. Preocupa, entretanto, a grande mudança
interlocutores nos ministérios do Planejamento e da Fazenda, de perfil que tivemos na composição do novo MEP durante
para aos poucos mudar o modelo de desenvolvimento do país a 6ª Plenária, porque muitos dos eleitos não são cientistas e
e atender os compromissos internacionais como o Objetivos sim políticos. Corremos o risco de, em alguns anos, o MEP
do Desenvolvimento Sustentáveis das Nações Unidas [https:// se tornar igual ao SBSTTA.
nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/].
Como tem sido a participação do Brasil na IPBES?
Em que medida o país já está avançado em termos de legis-
lação? No que precisa melhorar? O Brasil teve protagonismo na criação do IPBES, trabalhou
duro neste sentido em 2011 em Nairóbi e 2012 na Cidade
Infelizmente, o Brasil passa por um gigantesco retrocesso do Panamá, desde o início esteve representado no MEP,
no que diz respeito à nossa política ambiental. Além do fami- inclusive co-coordenando os trabalhos nos primeiros anos,
gerado “novo” Código Florestal que anistiou desmatadores, tem pesquisadores presentes em todas as Forças Tarefas do
reduziu as Áreas de Preservação Permanente essenciais para IPBES (Capacity Building, Indegenous and Local Knowledge,
a proteção dos recursos hídricos, e criou um comércio de Conhecimento, Informação e Dados) e em todos os grupos de
compensação de áreas de Reserva Legal sem nenhum cri- trabalho encarregados dos diagnósticos. Aliás, neste Relatório
tério de equivalência ecológica. Agora temos no Congresso Regional, tínhamos 25 brasileiros participando. Mas, em
uma legislação que enfraquece o processo de licenciamento função do desinteresse do Itamaraty pelo tema, certamente
ambiental [lei do licenciamento ambiental - PL 3729/04] no futuro nossa participação será muito menor.
e outro que pretende retirar a Amazônia das áreas onde é
proibido plantar cana-de-açúcar [PLS 626/2011]. Como avalia o desempenho geral do IPBES desde a sua
criação em 2012?
E no campo do conhecimento científico?
Neste último ano fizemos uma autoavaliação do IPBES.
Sem dúvida já temos conhecimento científico para tomar- O secretariado, o bureau, as forças tarefas, os grupos de tra-
mos decisões melhores em relação à biodiversidade e serviços balho e os pontos focais nacionais avaliaram o desempenho
ecossistêmicos. do IPBES.

10 Ab r i l 2018 ECO•21
 | entrevista |

IPBES

O resultado no geral foi muito positivo, algumas coisas Outros desafios são: a) completar os Diagnósticos do 1º
definitivamente funcionaram muito bem – como a Força Programa de Trabalho que atrasaram (Espécies Invasoras,
Tarefa de Capacity Building ter criado o Programa de Young Diversificação na forma de valorar biodiversidade e serviços
Fellows para envolver pesquisadores no início da carreira ecossistêmicos); b) uso sustentável de espécies silvestres); e
nos Diagnósticos; as reuniões conjuntas do MEP-Bureau- c) definir um 2º plano de trabalho que dê continuidade às
Secretariado, que permitiu uma integração nas ações e nos boas iniciativas (por exemplo a força-tarefa em capacitação
posicionamentos; e a preparação do material para as reuniões profissional) e foque em temas novos mas extremamente
plenárias, um esforço conjunto de todos incluindo os coor- relevantes, como a volta ou expansão [de estudos] das doenças
denadores dos Diagnósticos. Algumas avançaram bastante, transmitidas por vetores como malária, febre amarela, dengue,
mas ainda têm que amadurecer. zika, chicungunha, sobre os quais pouca gente se dá conta
da importância dos [da relação com] serviços ecossistêmicos
O senhor poderia exemplificar? para o combate e o controle. Enfim, vamos acompanhar a
próxima plenária da IPBES-7, que será em Paris, em abril de
A força-tarefa em conhecimentos indígenas e locais, por 2019, para acompanhar o 2º Programa de Trabalho.
exemplo, conseguiu avançar na inclusão destes conhecimentos
nos diagnósticos, mas precisa avançar para além dos estudos O que o cidadão comum pode fazer para ajudar a mudar
de caso e promover uma integração de fato entre diferentes o cenário de crise da biodiversidade, conforme atestam os
sistemas de conhecimento. Outras precisam melhorar muito diagnósticos da IPBES?
– por exemplo: as indicações que os Pontos Focais [países]
fazem de especialistas para cada diagnóstico são totalmente De todas as decisões da IPBES, esta é a parte mais difícil
desbalanceadas em termos de expertises – a enorme maioria de ser implementada. O cidadão comum espera que gover-
tem background nas áreas biológicas e precisamos de mais nos, e de certa forma também a iniciativa privada, tome as
gente das ciências sociais, incluindo economia, e das huma- providências para consertar os rumos, para estabelecer um
nidades – e também de gênero (mais de 75% são homens); e modelo econômico mais sustentável e garantir uma vida com
a integração com os demais atores, tanto organizações da área melhor qualidade em um ambiente mais saudável. Faz isso sem
científica como da área ambientalista, desta grande arena que a perceber que o grande protagonista é ele. Que é mudando o
temática biodiversidade e serviços ecossistêmicos abrange. seu comportamento, e estimulando outros a mudarem junto,
O importante é que esta avaliação interna serviu para con- que vamos sair deste padrão fortemente consumista que está
vencermos as delegações presentes na IPBES-6 da necessidade exaurindo a capacidade suporte do planeta.
de uma avaliação externa por uma organização independente, Coisas simples como economizar água, economizar energia
tendo sido escolhido o International Council for Science/ICSU elétrica (da redução do tempo no chuveiro, do tempo de ar
que acabou de se fundir com o International Social Science condicionado ligado à substituição de lâmpadas comuns por
Council (ISSC). A fusão destas duas instituições garante lâmpadas de led), economizar combustíveis fósseis (dar prefe-
que o IPBES será avaliado de uma forma balanceada entre rência para bicicleta para percorrer pequenas distâncias, usar
as diferentes áreas do conhecimento. combustíveis de fonte renováveis), não desperdiçar comida,
reciclar tudo que for possível, ter uma dieta com uma menor
Quais os principais desafios para o IPBES? pegada ambiental, reduzindo, por exemplo, o consumo de
carne vermelha. Não utilizar corpos descartáveis e seus oni-
Eu acho que o principal desafio é não se tornar um novo presentes canudinhos plásticos. Não exigir ter sempre o último
SBBSTA. Falo isso porque fiquei decepcionado com a com- modelo de celular, iphone, ipad ou carro, optar por aumentar
posição do novo MEP, melhoraram a participação feminina a vida útil de seus utensílios. Lógico que é preciso pressionar
(agora 36% são mulheres), mas continua um desbalanço em governos e a iniciativa privada por mudanças no nosso modelo
expertises e já há alguns membros que, claramente, vem da de desenvolvimento, mas é preciso também chamar a si a
representação de seus países no SBSTTA. responsabilidade e mudar os hábitos de vida.

ECO•21 Ab r i l 2018 11
| diálogo de talanoa |

Bruno Toledo | Pesquisador do GVces e colaborador da PÁGINA22

Teste de ambição para o


Acordo de Paris
Nova rodada de negociações internacionais em torno do Acordo Diálogo Talanoa e o desafio da ambição
de Paris inaugura o “Diálogo Talanoa”, proposta de discussão
política que visa aumentar o grau de ambição dos compromissos O encontro intersessional de Bonn inaugurará o Diálogo
nacionais de redução de emissões; agenda de trabalho será intensa Talanoa, uma proposta de negociação desenhada pelo governo
até a Conferência de Katowice (COP 24), em Dezembro. de Fiji (que liderará a reunião de Bonn por ter presidido a última
Conferência do Clima, a COP-23, em Novembro passado na
Faltando pouco mais de dois anos para entrar totalmente mesma cidade) para viabilizar a elevação do grau de ambição
em vigor, o Acordo de Paris ainda não possui um “mapa do dos compromissos nacionais de redução de emissões antes
caminho” para concretizar os diversos objetivos assumidos do Acordo de Paris entrar em vigor, em 2020. Inspirado em
pelos países para enfrentar a mudança do clima ao longo deste costumes tradicionais de compartilhamento de histórias, ideias
século. As incertezas quanto à sua implementação se somam e capacidades entre as pessoas, o Talanoa propõe um diálogo
a uma questão crucial para o sucesso do Acordo: os compro- participativo e transparente, com a presença de representantes
missos nacionais de redução de emissões de carbono inscritos dos diversos governos, cidadãos, empresas.
atualmente no texto estão longe de garantir a viabilidade de O Diálogo Talanoa é organizado em torno de 3 questões:
sua principal meta – conter o aumento da temperatura média 1) onde estamos; 2) onde queremos ir; e 3) como chegamos
global entre 1,5 e 2 graus Celsius com relação aos níveis pré- até lá. Governos e sociedade civil foram convidados a submeter
Revolução Industrial até 2100. inputs sobre o processo, que foram compilados pelo secretariado
Negociadores de todo o mundo deverão enfrentar essas da UNFCCC em documentos que serão trabalhados durante
questões a partir do dia 30 deste mês (Abril), quando a a sessão de Bonn. A esperança é que o desenho diferente desse
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Diálogo logre o sucesso que iniciativas similares no passado não
Climáticas (UNFCCC) iniciará mais uma rodada de con- tiveram. “Diálogos anteriores dessa natureza, como o diálogo
versas preparatórias em Bonn, Alemanha. Este encontro visa facilitativo sobre ação pré-2020, viram as Partes ignorarem em
preparar o terreno político para a construção de entendimen- grande parte as contribuições dos especialistas da sociedade
tos efetivos sobre esses problemas durante a Conferência do civil e falharem em revisar seus compromissos. No entanto,
Clima de Katowice (COP-24), que acontecerá na Polônia em existe uma determinação entre países em desenvolvimento e
Dezembro deste ano. sociedade civil de usar o Diálogo Talanoa para ter uma con-
versa significativa sobre o que se constituem esforços justos e
Eduardo Munoz

adequados, e traduzir isso num aumento concreto de ambição”,


aponta a Climate Action Network (CAN), rede de ONGs que
acompanha as negociações do clima.
A questão da ambição dos compromissos é central para que
o Acordo de Paris possa ter algum efeito prático para conter
mudanças mais radicais no clima. A janela de oportunidade
para manter o aquecimento em 1,5 grau Celsius, um ponto
caro para pequenos países insulares – que são ameaçados
não apenas pela elevação do nível do mar, mas também pela
intensificação de tempestades tropicais e a salinização de fontes
de água doce potável – diminui a cada ano e pode se tornar
inviável antes mesmo do Acordo de Paris entrar em vigor.
“Será preciso um esforço sem precedentes de governos,
atores não-governamentais e cidadãos para manter a elevação
da temperatura global abaixo de 1,5 grau Celsius”, diz Manuel
Pulgar-Vidal, líder do programa de clima e energia do WWF
International e ex-Negociador-Chefe do Peru durante a Con-
ferência do Clima de Lima (COP-20), em 2014. “É por isso
que 2018 precisa ser o ano para intensificarmos nossa ação
climática. Não podemos mais nos dar ao luxo de continuar
fazendo as coisas no ritmo e escala que estamos fazendo. Agora
precisamos de táticas incomuns de negócio para aumentar
drasticamente nossos esforços para reduzir as emissões”.

12 Ab r i l 2018 ECO•21
 | diálogo de talanoa |

O Diálogo Talanoa transcorrerá ao longo dos próximos A incógnita da COP-25


meses e será concluído na COP-24 com um relatório final da
Presidência da Conferência, quando se espera que os represen- Uma incerteza persiste quanto à sede da 25ª Conferência
tantes presentes no segmento de alto nível deverão sinalizar o das Partes (COP-25) da UNFCCC, que acontecerá no final de
reforço de seus compromissos nacionais até 2020. 2019. Em tese, seguindo a tradicional rotatividade continental,
o encontro do próximo ano deveria acontecer na região da
“Livro de Regras” para o Acordo de Paris América Latina e no Caribe, que recebeu sua última COP
em 2014, na cidade de Lima, Peru (COP-20).
Outro ponto importante na agenda dos negociadores em Durante a COP-23, em Novembro passado, o governo
Bonn a partir do dia 30 deste mês (Abril) é a estruturação de brasileiro apresentou sua candidatura para hospedar a Con-
um conjunto comum de diretrizes de implementação para ferência do Clima pela primeira vez na história. No entanto,
o Acordo de Paris – o chamado “Livro de Regras”. No ano problemas internos no grupo representativo dos países da
passado (2017), na COP-23, os países conseguiram chegar a região (GRULAC) inviabilizaram uma decisão ainda durante
um entendimento sobre uma estrutura básica para esse docu- a Conferência passada. A expectativa era de que as conversas
mento, a ser desenhada com mais detalhamento ao longo do regionais avançassem nos primeiros meses de 2018 para que
ano de 2018 para ser confirmada durante a Conferência de houvesse alguma sinalização quanto ao país-sede da COP-25
Katowice, na Polônia, em Dezembro deste ano. já durante o encontro intersessional de Bonn.
Um dos propósitos do encontro intersessional convocado O principal obstáculo para a candidatura brasileira é
em Bonn é esboçar uma proposta mais substancial para a Venezuela, país com o qual o Brasil vem tendo diversos
esse “Livro de Regras”, versando sobre questões como com- problemas diplomáticos desde 2016, na esteira da mudança
parabilidade, transparência e prestação de contas, além de do Governo de Dilma Rousseff para o de Michel Temer.
monitoramento, relato e verificação das metas nacionais de Nos últimos dois anos, o isolamento diplomático de Caracas
redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) dentro aumentou consideravelmente, resultando em sua suspensão
do Acordo de Paris. no Mercosul. Como a decisão do GRULAC precisa ser con-
As discussões sobre esse ponto acontecerão no âmbito do sensual, o governo venezuelano vem bloqueando as tratativas
grupo de trabalho sobre o Acordo de Paris (APA). Para os sobre a candidatura brasileira dentro do grupo. Na última
co-presidentes desse grupo, as discussões estão “no caminho” semana, Caracas confirmou formalmente que não irá apoiar
para viabilizar o cumprimento do mandato para a definição a opção do Brasil para a COP 25, o que (em tese) viabiliza
dessas diretrizes, mas a complexidade dos tópicos exige que uma decisão favorável ao País.
o ritmo das negociações seja acelerado a partir do encontro Considerando a fragmentação política vivida dentro do
de Bonn. A ideia dos negociadores-chefes é que as conversas GRULAC, o antagonismo venezuelano com diversos países
das próximas semanas sedimentem uma base textual para da região e a falta de candidaturas alternativas à brasileira, um
ser trabalhada ao longo das próximas rodadas de negociação, caminho possível para resolver esse problema será a UNFCCC
para ser finalizada na COP-24. “pular” a América Latina e o Caribe no calendário de con-
ferências, encaminhando a realização da COP-25 para um
Polônia, uma liderança inconveniente país da Europa Ocidental. No entanto, isso provavelmente
será definido apenas durante a Conferência de Katowice, no
O encontro de Bonn marcará também a estreia do final de 2018.
Governo da Polônia na condução dos trabalhos de negociação,
Aydın Buyuktas

em parceria com a liderança de Fiji. Anfitrião de mais uma


Conferência do Clima, o país do Leste Europeu tem gerado
preocupação internacional nos últimos meses por conta de
ações políticas e legais que vem sendo tomadas por seu governo
contra a sociedade civil em diversos temas, especialmente
meio ambiente.
No final de Janeiro, o presidente polonês Andrzej Duda
sancionou uma Lei que determina uma série de medidas para
“garantir a segurança e a ordem pública” durante a COP-24.
Dentre as ações, a legislação inclui a proibição de reuniões
públicas em Katowice durante a realização da Conferência.
A Lei também determina que apenas manifestações previa-
mente registradas e autorizadas pela administração local
poderão ser realizadas na cidade. Para tanto, as autoridades
terão o poder de coletar, obter, processar e usar informação,
incluindo dados pessoais sobre as pessoas registradas como
participantes na COP-24, ainda que sem seu conhecimento
e consentimento efetivo.
Para organizações da sociedade civil, a Lei viola direitos
humanos e liberdades fundamentais garantidas por compro-
missos regionais e internacionais e se insere em um cenário
de confronto acentuado entre autoridades governamentais e
organizações ambientalistas nos últimos anos na Polônia.

ECO•21 Ab r i l 2018 13
| diálogo de talanoa |

Leila Mead | Especialista em Mudanças Climáticas e Energia Sustentável do IISD

Expectativas da Conferência
APA 1-5 sobre Clima em Bonn
Os Co-Presidentes do Grupo de Trabalho Ad Hoc da Os co-presidentes indicam sua intenção de continuar
UNFCCC sobre o Acordo de Paris (Ad Hoc Working Group usando notas informais para registrar o progresso com o
on the Paris Agreement - APA) divulgaram uma nota de objetivo de desenvolvê-las em direção a textos que reflitam
reflexão sobre a quarta parte da primeira sessão do Grupo propostas substantivas e opções relacionadas para que as Partes
(APA 1-4) com o objetivo de facilitar os preparativos para a possam ver o quadro completo e negociar de forma eficaz.
APA 1-5, destacando que as deliberações durante a APA 1-4 A nota de reflexões descreve os progressos feitos até agora
permitiram às Partes a transição de amplos debates concei- em cada item da agenda e expectativas para cada um na
tuais para discussões técnicas mais específicas e a elaboração APA 1-5. Sobre orientações adicionais relativas à seção de
de elementos substantivos. A APA 1-5 se reunirá durante a mitigação da decisão 1/CP.21 (adoção do Acordo de Paris),
Conferência sobre Mudança Climática da ONU em Bonn, a nota apela especialmente a um enfoque na definição de
Alemanha, de 30 de Abril a 10 de Maio de 2018. opções claras para orientação adicional sobre as características
das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs);
Yuli Geszti

sugere que se avalie como os elementos de diferentes opções


em matéria de informação podem ser organizados melhor e
expressos de forma mais sucinta; e enfatiza na necessidade
de uma exploração detalhada de como operacionalizar a
contabilização das NDCs.
Em orientação adicional relacionada à comunicação de
adaptação, a nota declara que, ao desenvolver os elementos
preliminares, as Partes podem desejar, principalmente, deter-
minar como refletir os pedidos para desenvolver orientações
comuns aplicáveis a qualquer veículo escolhido por uma Parte
para transmitir sua comunicação de adaptação, bem como
orientação específica do veículo, quando necessário. Também
menciona ligações que são importantes para o trabalho de
comunicação de adaptação: à comunicação de informações
sobre apoio; ao quadro de transparência; e ao estoque global
(Global Stock Take - GST).
Em sua nota de reflexão, os Co-Presidentes ressaltam Sobre Modalidades, Procedimentos e Diretrizes (Moda-
que a transição para discussões mais específicas se reflete, lities, Procedures and Guidelines - MPG) para a estrutura
principalmente na crescente maturidade de notas informais de transparência para ação e apoio, a nota explica que novos
sobre os itens da agenda da APA, e mais clareza sobre opções avanços podem ser feitos abordando aspectos como: garantir
e vínculos, fornecendo uma “base sólida e boa” para avançar que a natureza jurídica de várias disposições do Acordo de
as negociações em 2018. Paris seja refletida com precisão nos MPGs; discutir exemplos
Os Co-Presidentes expressam confiança de que a APA está específicos que possam informar o desenvolvimento de pro-
“no caminho certo” para cumprir seu mandato, mas reco- visões para dar aos países em desenvolvimento a flexibilidade
nhecem que, dada a “amplitude e complexidade” dos tópicos, de que necessitam dadas as suas capacidades; e esclarecendo
o ritmo de trabalho deve ser significativamente aumentado. ligações a outros itens da agenda.
Assim, eles pedem a transição de pontos e elementos subs- Em assuntos relacionados ao GST, as notas explicam que
tantivos para narrativas textuais completas, enfatizando que as Partes podem querer considerar o desenvolvimento de
2018 é o último ano de negociações do Programa de Trabalho elementos textuais sobre patrimônio, identificando pontos
do Acordo de Paris (PAWP). em comum em posições e combinando elementos sob os
A fim de completar o trabalho da APA em tempo hábil, vários blocos de construção, e esclarecendo as diferenças
a nota pede a produção de uma base acordada para negocia- remanescentes e expressando-as como opções sob os blocos
ções que possam ser trabalhadas, através de iterações, até o de construção. Sobre as modalidades e procedimentos para o
final do mandato da APA na 24ª sessão da Conferência das funcionamento eficaz do comitê para facilitar a implementa-
Partes (COP 24) à UNFCCC em Katowice, Polônia, em ção e promover a conformidade, a nota explica que as Partes
Dezembro de 2018. Entre outras questões, a nota pede um precisarão, principalmente, refletir mais sobre as opções
foco em delinear opções claras para orientação adicional sobre para o escopo do trabalho do comitê, e discutir as ligações,
os recursos do NDC. incluindo aquelas para arranjos de apoio.

14 Ab r i l 2018 ECO•21
| análise |

Eduardo Gudynas | Analista do Centro Latino Americano de Ecologia Social (CLAES)

Corrupção e extrativismo
Daniel Beltra

Nos últimos meses ficou evidente que na América do Sul Esse e outros achados se ilustram no livro “Extrativismos
várias das grandes aventuras extrativistas ficaram envoltas em e Corrupção”, que segue uma metodologia que respeita dife-
tramas de corrupção. Casos como os da Petrobrás no Brasil rentes critérios. Por um lado, só se levaram em conta os casos
ou da mineradora SQM no Chile chegaram às manchetes confirmados por processos judiciais ou que contam com clara
da imprensa e desencadearam sérias consequências políticas evidência a respaldar, para não entrar nas controvérsias sobre
dentro e fora de cada país. denúncias em andamento. Por outro lado, o foco não está
Imediatamente surge todo tipo de perguntas: quais são as posto na individualização da culpa, mas na compreensão de
relações entre os distintos extrativismos e a corrupção? Como como funciona essa relação entre extrativismo e corrupção.
se organizam essas redes de corrupção? Quem são os principais Nos extrativismos se encontram diferentes práticas de
participantes? Quais são as consequências mais visíveis? corrupção, como por exemplo, subornos para ganhar conces-
Uma análise deste tipo se faz no livro “Extractivismos y sões de jazidas de minério ou petróleo; propinas para mudar a
Corrupción” (ainda sem edição em português), de minha avaliação de impacto ambiental; abuso de poder para ocultar
autoria, lançado num Simpósio da CooperAcción, em Lima, impactos ecológicos; ou ainda tráfico de influência que ampara
Peru, em Outubro de 2017. Entre os resultados da pesquisa violência contra as comunidades locais.
realizada e apresentados no livro, se destaca que foram Sem dúvida, nem todos os empreendimentos extrativistas
encontrados casos de corrupção em todas as variedades de estão cercados de corrupção, mas tampouco se pode negar
extrativismos, cobrindo todas as suas possíveis manifestações que se possam dar muitos exemplos. Com efeito, existem
(mineradoras, petroleiras, agrícolas, florestais, pesqueiras casos que alcançam todas as fases dos extrativismos, desde
etc.). Nenhum tipo de aproveitamento de recurso natural as primeiras etapas de prospecção e exploração, passando à
parece a salvo. exploração do recurso natural, até os momentos finais de
Da mesma maneira, existem casos em todos os países abandono do projeto. Da mesma maneira, registram-se casos
sul-americanos, sem exceção, incluindo aqueles que mostram nos próprios locais de exploração, como nas obras de infra-
os melhores indicadores frente à corrupção. É a situação do estrutura necessárias (como acontece com a corrupção em
Chile, que possui ótimos registros de transparência e forta- contratos de estradas e rotas de acesso aos empreendimentos),
leza, mas nos últimos anos viveu sérios casos de corrupção assim como no controle do dinheiro que resulta deste tipo de
em torno dos extrativismos (incluindo pagamentos ilegais de aproveitamento dos recursos naturais.
mineradoras a congressistas de todos os partidos, tráfico de Ainda assim, encontramos casos de corrupção extrativista
influência na reforma dos royalties, irregularidades com a Lei sob os mais diversos modos de acesso a recursos naturais e
de Pesca e escandalosas manipulações no Fundo do Cobre propriedade empresarial, tanto nas privadas como estatais,
controlado pelos militares). mistas ou até cooperativas.

16 Ab r i l 2018 ECO•21
 | análise |

Por isso, é um problema que toca tanto governos con- Erodindo a democracia, comprometendo os direitos
servadores como progressistas. A corrupção nos processos
extrativistas opera tanto no terreno da ilegalidade, sem dúvida Essas e outras dinâmicas mostram que a corrupção nos
mais evidente, como também das chamadas “alegalidades” extrativismos penetra nos diferentes âmbitos da vida política
(Nota: em espanhol “alegal” significa “não regulado, nem e social. As análises convencionais ressaltam seus impactos
proibido”). Esse conceito é útil e importante, já que ilustra econômicos, tais como impostos que não se pagam ou perda
os casos onde se cumprem as formalidades das normas, mas de eficiência. Mas essa pesquisa também deixa claro que a
se aproveitam de suas brechas ou limitações para conseguir corrupção impacta em outros âmbitos, como os mecanismos
benefícios que têm consequências contrárias ao sentido das democráticos essenciais, desde o impedimento de acesso à
normas. informação até a anulação da igualdade entre os partidos que
Os exemplos mais conhecidos são as empresas que tiram disputam eleições. Há também perdas ecológicas e fragmen-
vantagens de tais limitações para pagar poucos impostos ou tação territorial que se amparam na corrupção. Todos esses
sonegá-los. Algo similar se observa no terreno ambiental, já exemplos mostram que no fim das contas o que se deterioram
que há empreendimentos extrativistas que atendem as for- são as políticas públicas.
malidades, mas se aproveitam, por exemplo, da ausência de A situação mais alarmante está ali onde a corrupção nos
regras adequadas, com o que persistem impactos ambientais extrativismos chega a atacar os direitos humanos. Há casos
que supostamente a Lei esperava controlar. A pesquisa mostra que mostram que se apela a isso, por exemplo, para amparar
que a corrupção aparenta operar para ampliar o campo das a criminalização das disputas cidadãs ante os extrativismos,
“alegalidades”. enquanto outros casos assinalam tráfico de influências para
Podemos assinalar que é comum que a corrupção nos dar impunidade a forças de segurança que assassinaram
extrativismos se organiza em redes, onde podem atuar manifestantes.
diversos agentes, e que entre eles flui não só dinheiro, mas O livro conclui com uma mensagem de alerta. Os extra-
também informações e relações de poder. Como em alguns tivismos, especialmente aqueles de terceira ou quarta geração
setores extrativistas, os investimentos e lucros são enormes, (como a megamineração, o fracking ou a exploração petroleira
esse dinheiro é um butim suculento para os interessados em em áreas tropicais), por sua própria natureza, oferecem muitos
práticas corruptas. espaços para a corrupção, em especial aquela onde se articulam
Algumas destas redes podem alcançar uma grande com- vantagens empresariais e interesses político-partidários. Assim,
plexidade, como mostra o caso Petrobrás no Brasil. Nesta o que fica em risco, sem dúvida, são as perdas ecológicas e as
empresa, o dinheiro do sobrepreço se encaminhava por condições da vida, assim como a força das políticas públicas,
diferentes gerências que correspondiam a diferentes partidos mas também se arrisca a qualidade de nossas democracias e
políticos, revelando-se como mecanismos de arrecadação. A a garantia dos direitos humanos.
arquitetura financeira era muito complicada, mas precisa.
Por exemplo, a articulação da petroleira com a Odebrecht
incluía cinco subsidiárias que operavam em pelo menos sete
países, envolvendo centenas de pessoas. As regras estavam
claríssimas, todos sabiam as porcentagens que recebiam dos
intermediários, os operadores e partidos. Tudo isso se manteve
em funcionamento por anos, o que mostra que contava com
uma forte cobertura política.
Quando se examinam os atores participantes em diferentes
casos de corrupção, em todo o continente, aparece uma grande
diversidade. Contam-se diretores e gerentes de empresas,
políticos (tanto os que ocupam postos dentro de um governo
como em empresas estatais, como também os legisladores).
Existem redes onde atuam, por exemplo, jornalistas que
traficam informação, acadêmicos que distorcem estudos de
impacto ambiental ou ordenamentos territoriais, polícias e
forças de segurança envolvidas na repressão violenta, e até
integrantes de organizações cidadãs.
Com efeito, possivelmente um dos resultados mais pre-
ocupantes da pesquisa foi encontrar casos de corrupção nos
extrativismos que envolvem líderes camponeses e indígenas.
Alguns são muito conhecidos (como o pedido de “lentilhas”
pra manipular o protesto cidadão contra o projeto Tía María)
e outros são menos, mas talvez mais graves, como o derreti-
mento do “Fundo Indígena” na Bolívia. Este dividia dinheiro
obtido através dos hidrocarbonetos administrado diretamente
por delegados de organizações camponesas e indígenas, que
terminou em um escândalo, com dois ministros e dirigentes
presos, sem que se soubesse o destino de aproximadamente
150 milhões de dólares, ainda que em alguns casos existam
evidências de destinação eleitoral.

ECO•21 Ab r i l 2018 17
| legislação ambiental |

Claudia Fonseca | Jornalista da Corte Suprema de Justiça da Colômbia

Suprema Corte da Colômbia


ordena proteção da Amazônia

Após conhecer o alarmante aumento de 44% no des- No estudo divulgado para conceder a tutela dos direitos a
matamento da região amazônica colombiana – de 56.952 dispor de um ambiente saudável, de um grupo de 25 crianças,
hectares em 2015 passou para 70.074 em 2016 – e perceber adolescentes e jovens representados pelo Diretor do Centro
que o Governo não enfrentou eficientemente esta problemática de Estudios Dejusticia, a Corte Suprema estabeleceu que o
ambiental, a Corte Suprema de Justiça ordenou à Presidência Governo colombiano não atacou eficientemente a questão do
da República e às outras autoridades nacionais, regionais e desmatamento na Amazônia, apesar de ter assinado numerosos
municipais envolvidas nesta responsabilidade, adotar um compromissos internacionais e de dispor no país de suficiente
plano de ação de curto, médio e longo prazo para proteger a normatividade e jurisprudência sobre a matéria.
Amazônia Colombiana. Segundo a decisão, adotada pela maioria da Sala de
Entre as ações ordenadas, a Sala de Casación Civil orde- Casación Civil, as Corporações Autônomas Regionais (CAR)
nou a elaboração do “Pacto Intergeneracional pela Vida do não estão cumprindo suas funções de analisar, controlar e
Amazonas Colombiano (PIVAC)” para reduzir a zero tanto o monitorar os recursos naturais, nem condenar a violação de
desmatamento quanto os Gases de Efeito Estufa, a incorpo- normas de proteção ambiental. O desmatamento acontece em
ração de componentes de preservação ambiental nos planos lugares sob a tutela do sistema de Parques Nacionais Naturais
municipais de ordenamento territorial, e a execução efetiva da Colômbia (PNN); Estados como Amazonas, Caquetá,
de medidas policias, judiciais e administrativas por parte Guaviare e Putumayo também não cumprem as normas de
das três corporações autônomas regionais com jurisdição no proteção ambiental, e os municípios da região registram altos
território amazônico. níveis de desmatamento sem responder a essa situação.

18 Ab r i l 2018 ECO•21
 | legislação ambiental |

Alberto Ñiquen G
Com esses e outros elementos de juízo proporcionados
mediante pesquisas realizadas pelo Instituto de Hidrología,
Meteorología y Estudios Ambientales (IDEAM) e pelo
próprio Ministério do Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável, a Corte identificou o nexo causal entre o des-
respeito aos direitos fundamentais dos acionantes da tutela
e das pessoas em geral, com a mudança climática gerada
pela redução da cobertura florestal, causada pela expansão
da fronteira agrícola, os narco-cultivos, a mineração ilegal e
o desmatamento ilícito.
“Os mencionados fatores geram diretamente o desma-
tamento da Amazônia, provocando a curto, médio e longo
Roselyn Pierce

prazo, um prejuízo iminente e grave para as crianças, ado-


lescentes e adultos que entraram com esta ação, e em geral,
a todos os habitantes do território nacional, tanto para as
gerações presentes quanto para as futuras posto que gera
descontroladamente a emissão de dióxido de carbono para a
atmosfera, produzindo o denominado Efeito Estufa, o qual
transforma e fragmenta ecossistemas, altera os recursos hídricos
e, consequentemente afeta severamente o fornecimento de
água nos centros povoados além de levar à degradação dos
solos. Por tanto, visando proteger esse ecossistema vital para
o futuro global, tal como a Corte Constitucional declarou
o Rio Atrato, se reconhece a Amazônia Colombiana como
uma entidade, ‘sujeito de direitos’, titular de proteção, con-
servação, manutenção e restauração a cargo do Estado e das
entidades territoriais que a integram”, informa a sentença da
Sala de Casación Civil.
Em conclusão, a Corte Suprema de Justiça percebeu que o
governo nacional e as autoridades locais e regionais não estão
cumprindo adequadamente com os compromissos adquiridos
para resguardar a Amazônia.
Por isso, resolveu ordenar à Presidência da República, ao
Ministério do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável,
e ao Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural para
que, em coordenação com os setores do Sistema Nacional
Ambiental, e a participação dos acionantes, as comunidades
afetadas e a população interessada em geral, dentro dos qua-
tro meses seguintes à notificação da sentença, formulem um
plano de ação de curto, médio e largo prazo, que combata
a taxa de desmatamento na Amazônia, com o qual se faça
frente aos efeitos da mudança climática.
Ordenar às anteriores autoridades a elaboração num prazo
de cinco meses, com a participação ativa dos tutelantes, as
comunidades afetadas, organizações científicas, grupos de Além disso a justiça colombiana ordenou à Corporación
pesquisas ambientais, e a população interessada em geral, para el Desarrollo Sostenible del Sur de la Amazonía (Cor-
a formulação de um “pacto intergeneracional pela vida do poamazonia), à Corporación para el Desarrollo Sostenible
amazonas colombiano - PIVAC”, no qual se adotem medidas del Norte y el Oriente Amazónico (CDA), e à Corporación
encaminhadas a reduzir a zero o desmatamento e as emissões para el Desarrollo Sostenible del Área de Manejo Especial
de gases Efeito Estufa, o qual deverá contar com estratégias La Macarena (Cormacarena) que realizem, num prazo de
de execução nacional, regional e local, de tipo preventivo, cinco meses, no que compete à sua jurisdição, um plano de
obrigatório, corretivo, e pedagógico, dirigidas à adaptação ação que combata mediante medidas policias, judiciais ou
às mudanças climáticas. administrativas, os problemas do desmatamento informa-
A Corte Suprema de Justiça também exigiu em sua dos pelo Instituto de Hidrología, Meteorología y Estudios
sentença que todos os municípios da Amazônia colombiana Ambientales (IDEAM).
realizem, num prazo máximo de cinco meses, a atualização Adicionalmente, no que abrange às suas faculdades,
e implementação dos Planos de Ordenamento Territorial, no todos os organismos envolvidos terão que, em um prazo
pertinente, que deverão conter um plano de ação de redução máximo de 48 horas seguintes à notificação da sentença,
a zero do desmatamento nos seus territórios, o qual abarcará incrementar as ações e projetos que objetivem a mitigação
estratégias mensuráveis de tipo preventivo, obrigatório, do desmatamento. E apresentar com mensagem de urgência
corretivo, e pedagógico, dirigidas à adaptação às mudanças as denúncias e pleitos perante as entidades administrativas e
climáticas. judicias correspondentes.

ECO•21 Ab r i l 2018 19
| legislação ambiental |

René Capriles | Editor da Revista ECO•21

Peru faz primeira Lei do Clima


da América Latina
MinAm

A Ministra do Ambiente, Fabíola Muñoz Dodero, o Presidente do Conselho de Ministros, César Villanueva Arévalo e o Presidente do Peru,Martín Vizcarra

Após o Peru ter sediado a COP-20 da Convenção das Ela destacou que a Lei agora promulgada tem como
Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em Novembro principal objetivo estabelecer as disposições gerais para o
de 2014, a terça-feira 17 deste mês (Abril) ficará marcada na planejamento, execução e monitoração das políticas públi-
história jurídica da América Latina, em termos de legislação cas sobre adaptação às mudanças do clima e à redução das
ambiental, porque nesse dia o Presidente do Peru, Martín emissões de Gases de Efeito Estufa.
Vizcarra, promulgou, no Palácio de Governo, em Lima, a “Temos um dos países com maior diversidade biológica
Lei Marco da Mudança Climática. do mundo, com uma riqueza extraordinária e esta Lei nos
Dessa forma, o Peru se converteu no primeiro país da demonstra que, quando queremos trabalhar juntos, podemos
América do Sul em contar com uma norma específica após fazê-lo; a mudança climática tem que nos unir. A partir de
o Acordo assinado em Paris em 2016. “Com esta Lei o Peru agora, toda vez que formos pensar em investimentos devemos
assume um firme compromisso climático e se soma ao esforço pensar de forma sustentável. Temos que trabalhar no plane-
de outros países da América Latina e do mundo em dispor jamento do que queremos, necessitamos um investimento
de iniciativas legislativas sobre o tema”, expressou o Chefe bem pensado para aproveitar, por exemplo, a água de chuva
do Estado, após assinar o documento. nas regiões mais distantes e sermos capazes de ser um país
Certamente é um passo para a frente. “Levando em con- resiliente”, disse a Ministra.
sideração que do total de desastres registrados no país, 67% A assinatura desta Lei aconteceu no Palácio de Governo,
estão relacionados com o clima, de acordo com o levantamento em Lima, e contou com a presença do Presidente do Con-
do Ministério do Meio Ambiente, o Peru não poderia adiar, selho de Ministros, César Villanueva; a Ministra do Meio
ainda mais, o estabelecimento de uma política clara para Ambiente, Fabiola Muñoz; os Governadores de todo o país;
fazer frente às mudanças climáticas e começar a reduzir a e o Presidente da Comissão dos Povos Andinos, Amazóni-
vulnerabilidade a que já se encontra exposta sua população”, cos e Afro-Peruanos, Ambiente e Ecologia do Congresso da
disse a Ministra do Meio Ambiente, Fabiola Muñoz. República, Marco Arana.

20 Ab r i l 2018 ECO•21
 | legislação ambiental |

Esta lei permitirá fortalecer a institucionalidade ao dispor E mais, o MINAM será o responsável de informar ao
de uma Comissão de Alto Nível para os temas climáticos. Além Congresso e em nível multilateral a outros países, os avanços
disso, a Ministra disse que “incorporaremos a gestão de riscos, em função do enfoque da prioridade do componente mudança
buscando aumentar a sustentabilidade dos investimentos; mas climática. “O Peru assumiu compromissos e estamos traba-
também vamos elaborar e gerar pesquisas”. lhando para poder cumpri-los”, esclareceu Rosa Morales. De
Num contexto onde a maior parte dos desastres registra- acordo com o procedimento, uma vez promulgada a Lei se
dos no país é produzida por eventos climáticos, a Lei sobre espera a regulamentação desta norma. No regulamento, que
Mudanças Climáticas abrirá as portas para novas oportuni- deverá estar pronto num prazo de 120 dias, isto é, em Julho
dades; “e temos que estar preparados, isso significará para próximo, estarão detalhados todos os aspectos específicos
o país uma poupança e um investimento chave porque se para sua aplicação.
evitarão os custos dos impactos dos desastres ao serem pre-

Allard Schmidt
vistos”, disse Muñoz.
Para entender o alcance e a importância da Lei Marco sobre
Mudanças Climáticas, Pedro Solano, Diretor da Sociedade
Peruana de Direito Ambiental, afirmou que esta iniciativa
resume um desejo que levou 4 anos no Congresso peruano
de contar com uma Lei desta natureza.
“Acredito que a Lei se identifica muito bem como o fio
condutor das Contribuições Nacionalmente Determinadas
que o Peru apresentará perante a Convenção sobre o Clima
se comprometendo a atingir a meta em 2030. Então, o que a
Lei propõe e a regulamentação deveria esclarecer ainda mais,
são as medidas necessárias para atingir essa meta ou superá-la,
porque sabemos que a tendência global é um desenvolvimento
econômico e social baseado em baixas emissões. O Peru
tem que ser consistente com o modelo que aspiramos e isso
envolve evitar o desmatamento, mudar a matriz energética e
implantar grandes medidas de adaptação para lutar contra a
vulnerabilidade de nosso país”, disse Solano.
Entre as principais características da Lei se encontra
a incorporação do componente mudanças climáticas no
planejamento do tipo de desenvolvimento desejado nos três
níveis de Governo. A criação da Comissão de Alto Nível e o
estabelecimento do Ministério do Meio Ambiente (MINAM)
como autoridade nacional para a gestão climática considerando
os enfoques de género, intercultural idade e geracional, são
passos importantes.
Com a aprovação da Lei, todas as áreas do Governo deverão
considerar nas suas ações e planejamentos a visão climática,
sem exceção. A norma considera que todo projeto de investi-
mento público deverá incorporar a análise de risco climático A Ministra disse ainda que “necessitamos investimentos
nos Relatórios de Impacto Ambiental. “A Lei coloca que não sustentáveis, pontes que não desabem, estradas que não sejam
só o Estado, mas também outros atores como as sociedades afetadas pelos impactos, que a nossa costa não seja tão atin-
civis, devem considerar e aportar medidas de adaptação em gida pela violência das tormentas, que os agricultores possam
face às mudanças climáticas”, explicou Rosa Morales Saravia, produzir e mudar seus plantios de acordo com o clima”.
Diretora Geral de Mudanças Climáticas e Desertificação do Consultada sobre como o cidadão comum pode contribuir
Ministério do Meio Ambiente. para a mitigação, ela disse que “cada um, no seu lugar, pode
Por sua parte, Pedro Solano, que acompanhou a elaboração ajudar consumindo menos água e energia, usando bicicletas,
do Projeto de Lei desde seu início, ao ver promulgada a Lei, usando menos elevadores, gerando menos lixo e exigindo das
comentou que já que agora o Peru se propôs esse objetivo, autoridades municipais políticas mais ecoeficientes”.
suas políticas devem ser duradouras no tempo.
Uma das observações que teve a Lei Marco sobre Mudanças Números do impacto ambiental no Peru
Climáticas, quando foi aprovada pelo Congresso peruano
em Março último, foi que a liderança do Ministério do Hoje há 5,5 milhões de peruanos vulneráveis a chuvas
Meio Ambiente não estava “completamente estabelecida”, intensas; 2,6 milhões estão expostos a secas. Mais de 5,6
e isso significaria um verdadeiro risco se outros Ministérios milhões sofrem com geadas e 14 milhões são vulneráveis à
tentassem fazer prevalecer a sua visão econômica por cima insegurança alimentar. 12 cultivos são altamente sensíveis
dos interesses ambientais. às mudanças climáticas (milho, batatas, aipim, arroz, café,
Sobre isso, Rosa Morales esclareceu que “o MINAM é cacau, trigo, bananas, etc.). Como resultado do aquecimento
a máxima autoridade ambiental e na Lei se estabelece seu global 42% da superfície das geleiras andinas foram perdidos
papel articulador e de condução das políticas públicas, por desde 1970. 49% da matriz energética peruana depende da
essa razão a sua liderança não está em dúvida”. água para geração de energia.

ECO•21 Ab r i l 2018 21
Rudá Capriles | Fotógrafo e Jornalista

2018: Ano Internacional


dos Recifes de Coral (IYOR)
Na 31ª Assembleia Geral (Novembro de 2016, em Paris, Nações, organizações e indivíduos em todo o mundo
França), a Iniciativa Internacional de Recifes de Coral decla- celebraram o Ano Internacional dos Recifes 2008, desde
rou 2018 como o Terceiro Ano Internacional dos Recifes organizações internacionais até crianças nas aldeias, para
incentivando as partes a: 1) fortalecer a conscientização aumentar a conscientização sobre o valor e a importância
global sobre o valor e as ameaças aos recifes de coral e aos dos recifes de coral e motivar as pessoas a agir ativamente
ecossistemas associados; 2) promover parcerias entre governos, na sua proteção.
setor privado, academia e sociedade civil na gestão dos recifes Uma grande quantidade de material foi produzida em
de coral; 3) identificar e implementar estratégias eficazes de vários idiomas durante esse ano, incluindo DVDs educativos,
manejo para conservação, maior resiliência e uso sustentável pôsteres, livros infantis, etc. Foram organizados ao redor de
desses ecossistemas e promoção de melhores práticas; e, 4) 630 eventos em mais de 65 países em todo o mundo.
compartilhar informações sobre as melhores práticas em Nessa ocasião, os membros da ICRI adotaram uma
relação ao manejo sustentável dos recifes de coral. recomendação sobre os esforços contínuos de conscientização
Anteriormente, 1997 foi declarado o Primeiro Ano sobre os recifes de coral. Reconheceram que a conscientiza-
Internacional dos Recifes (IYOR), em resposta às crescentes ção pública é um elemento essencial para a sua conservação
ameaças nos recifes de corais e ecossistemas associados, e que é necessário alocar recursos suficientes dedicados à
como manguezais e ervas marinhas ao redor do mundo. O conservação e uso sustentável desse ecossistema sendo uma
IYOR foi um esforço global para aumentar a conscientiza- prioridade nacional.
ção e compreensão sobre os valores e ameaças aos recifes de
corais e para apoiar os esforços de conservação, pesquisa e O que é o ICRI?
manejo relacionados. Mais de 225 organizações em 50 países
e territórios participaram, e mais de 700 artigos em jornais A Iniciativa Internacional de Recifes de Coral (ICRI) é
e revistas foram gerados, e centenas de pesquisas científicas uma parceria informal entre as nações e organizações que
foram realizadas. se esforçam para preservar os recifes de coral e ecossistemas
Reconhecendo que, dez anos depois, continuava a existir a relacionados em todo o mundo. Embora a Iniciativa seja um
urgente necessidade de aumentar a conscientização e compre- grupo informal cujas decisões não são vinculantes para seus
ensão do papel dos corais, além de conservar e administrar os membros, suas ações têm sido fundamentais para continuar
valiosos recifes de coral e os ecossistemas associados, a Inicia- destacando globalmente a importância dos recifes de coral
tiva Internacional de Recifes de Coral designou 2008 como o para a sustentabilidade ambiental, segurança alimentar e
Segundo Ano Internacional dos Recifes. (IYOR 2008) bem-estar social e cultural.

22 Ab r i l 2018 ECO•21
IUCN
O trabalho da ICRI é regularmente reconhecido nos ICRI, recifes de coral e a ONU
documentos das Nações Unidas, destacando o importante
papel da cooperação, colaboração e advocacia da Iniciativa Vários acordos ambientais multilaterais (MEAs), progra-
na arena internacional. mas, parcerias e redes são relevantes para a proteção e conser-
A Iniciativa foi fundada em 1994 por oito governos: vação dos recifes de coral. Em Maio de 2003, uma brochura
Austrália, França, Japão, Jamaica, Filipinas, Suécia, Reino produzida pela Unidade de Recifes de Coral do PNUMA
Unido e Estados Unidos. Foi anunciado na Primeira Confe- em colaboração com a Iniciativa de Defesa de Recifes de
rência das Partes da Convenção da ONU sobre Diversidade Coral do WWF resumiu a área de trabalho para esses vários
Biológica, em Nassau, Bahamas, em Dezembro de 1994, e no programas, acordos e parcerias: como eles se relacionam com
segmento de alto nível da Reunião Intersessional da Comissão os recifes de corais e atividades atuais e futuras.
da Organização das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Na RIO+20 o ICRI apoiou a inclusão no documento final
Sustentável, em Abril de 1995. O ICRI agora conta com de estabelecer referências à conservação e gestão sustentável
mais de 60 membros. de todos os recifes de coral e sua importância para o desen-
A Secretaria da ICRI é hospedada por um período deter- volvimento sustentável. No documento final da RIO+20
minado (normalmente dois anos) pelos membros do Estado, “O Futuro que Queremos”, que tem uma seção específica
de forma voluntária. A Secretaria avança nos objetivos da sobre “Oceanos e o Mar”. O parágrafo 176 do menciona
ICRI por meio de um Plano de Ação específico e organiza especificamente os recifes de coral; reafirma o reconheci-
Reuniões Gerais dos Membros pelo menos anualmente. A mento dos seus valores económicos, sociais e ambientais; e
Secretaria também pode optar por organizar eventos parale- “apoia a cooperação internacional com vistas a conservar os
los nas principais cúpulas e conferências internacionais para ecossistemas de recifes de coral e manguezais”. Na Terceira
elevar o perfil da ICRI e promover seu trabalho. Conferência Internacional dos SIDS (Small Island Developing
A ICRI opera no terreno através de suas redes e comitês, States), em 2014, se considerou que os recifes de coral são
que podem organizar reuniões regionais e workshops sobre parte fundamental da vida nas pequenas ilhas.
tópicos específicos. Os Membros Estaduais do ICRI podem O PNUMA estabeleceu uma Unidade de Recifes de
optar por implementar os objetivos do ICRI por meio de Coral (CRU) em para supervisionar o financiamento da
Iniciativas Nacionais sobre Recifes de Coral. Rede Internacional de Ação dos Recifes de Coral (ICRAN),
O ICRI surgiu do reconhecimento de que os recifes de uma antiga Rede Operacional do ICRI. Em 2011, a CRU
coral e ecossistemas relacionados encontrados em regiões foi transferida de Cambridge para Bangkok. A CRU lidera
tropicais e subtropicais estão enfrentando séria degradação, agora a Parceria dos Recifes de Coral trabalhando em par-
principalmente devido a estresses antrópicos. Muitas nações ceria com o Programa dos Mares Regionais do PNUMA e
enfrentam ameaças semelhantes aos recifes de coral e ecossiste- outras instituições apoiando políticas regionais e nacionais
mas relacionados, bem como problemas de manejo semelhantes. sobre recifes de coral; desenvolvendo projetos e fornecendo
Reconhecendo isso, os objetivos da ICRI são: capacitação e oportunidades de trabalho em rede.
- Incentivar a adoção de melhores práticas no manejo Várias atividades da UNESCO são relevantes para a
sustentável de recifes de coral e ecossistemas associados. proteção dos recifes de coral. A Convenção sobre a Proteção
- Construir capacidade. do Patrimônio Mundial Cultural e Natural, foi adotada pela
- Aumentar a conscientização em todos os níveis sobre a UNESCO em 1972. Nos termos desta Convenção, o Programa
situação dos recifes de coral ao redor do mundo. Marinho do Patrimônio Mundial, lançado em 2005, trabalha
A ICRI adotou um “Chamado à Ação” e um “Marco para especificamente para estabelecer a conservação efetiva das áreas
Ação” como seus documentos fundamentais. Ambos definem marinhas existentes e potenciais do Patrimônio Mundial, a
os 4 pilares do ICRI: Integração, Gerenciamento, Ciência, fim de garantir que elas sejam mantidas e prosperarão para
Capacitação e Revisão. as gerações vindouras.

ECO•21 Ab r i l 2018 23
| ano dos recifes de coral |

IUCN

A Comissão Oceanográfica Intergovernamental da As 193 Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica


UNESCO (COI) é o órgão da ONU para a ciência dos e seus parceiros enfrentaram o desafio de reverter a perda de
oceanos, observatórios oceânicos, dados oceânicos e troca de biodiversidade, que está ocorrendo numa taxa sem preceden-
informações. Inicialmente, o COI estava envolvido de perto tes – até 1000 vezes acima da taxa natural de extinção – ao
com o ICRI, particularmente com o braço de dados da Rede adotar um novo Plano Estratégico de 10 anos. (2010-2020)
Global de Monitoramento de Recifes de Coral (GCRMN). Sua e lançou as Metas de Biodiversidade de Aichi para orientar
participação no ICRI diminuiu nos últimos anos, mas ainda os esforços nacionais e internacionais nas salvaguarda da
participa ocasionalmente do ICRI através da UNESCO. biodiversidade. Uma das metas de Aichi (Meta 10) menciona
O Programa Homem e a Biosfera (MAB) foi criado em especificamente os recifes de coral:
1971 é um Programa Científico Intergovernamental com o Meta 10 - Até 2015, as múltiplas pressões antropogênicas
objetivo de estabelecer uma base científica para a melhoria das sobre os recifes de coral e outros ecossistemas vulneráveis
relações entre as pessoas e seu meio ambiente globalmente. É afetados pelas mudanças climáticas ou pela acidificação dos
mais conhecida por sua Rede Mundial de Reservas da Bio- oceanos deverão ser minimizadas, de modo a manter sua
sfera, criada em 1977. Algumas destas Reservas da Biosfera integridade e funcionamento.
incluem recifes de coral. A COP 10 também criou a Sustainable Ocean Initiative
A Convenção da Biodiversidade tem um papel fundamental (SOI), uma plataforma global que visa aumentar a capacidade
no que se refere à diversidade biológica marinha. A Convenção de atingir as Metas de Biodiversidade de Aichi relacionadas
estabeleceu o Órgão Subsidiário de Assessoria Científica, à biodiversidade marinha e costeira.
Técnica e Tecnológica (SBSTTA), que é um comitê, composto A Convenção de Ramsar (Convenção sobre Zonas Úmidas
por especialistas dos governos membros. Ele desempenha um de Importância Internacional, especialmente como Hábitat
papel fundamental na formulação de recomendações para de Aves Aquáticas), tem o seu próprio sistema de classifi-
a COP sobre questões científicas e técnicas, inclusive sobre cação para categorizar os tipos de zonas úmidas, um dos
recifes de coral. A ICRI fornece regularmente informações quais é “recifes de coral”. Há, portanto, um grande número
para as reuniões do SBSTTA. de “Sítios Ramsar” em todo o mundo, incluindo recifes de
A décima reunião da Conferência das Partes (COP 10), coral, inclusive em países que também são membros da ICRI,
realizada em Nagoya, no Japão, em Outubro de 2010, inau- como Austrália, Brasil, Cuba, França, Filipinas, África do
gurou uma nova era de conservação da biodiversidade. Sul, Tailândia e Reino Unido.

24 Ab r i l 2018 ECO•21
| crônica |

Virgílio Viana | Superintendente Geral da Fundação Amazonas Sustentável

O Papa Francisco e o futuro


da Amazônia
Gabriella C. Marino

Papa Francisco com Virgílio Viana

Vivemos um período crítico para o futuro da humanidade. O Papa convoca todos a parar de explorar a mãe terra de
As mudanças climáticas podem ter efeitos disruptivos, com forma insustentável e assumir o dever de cuidar dela. É leitura
o colapso de sistemas de produção de alimentos, migrações obrigatória para todos, independentemente de religião ou credo.
em massa, conflitos armados e outras calamidades. Diante das mudanças climáticas globais e da degradação da
Uma pequena mostra da ameaça que temos pela frente capacidade de suporte da vida, o Papa apregoa uma mudança
é a guerra na Síria, cuja origem está ligada a uma série de urgente visando a conservação e restauração da natureza.
secas prolongadas que levaram ao colapso da produção rural, O aumento da desigualdade social e persistência de eleva-
seguida de êxodo para as cidades, conflitos sociais agudos e dos níveis de pobreza, nos incita a uma mudança de atitude
guerra civil. profunda nos hábitos individuais. Ao afirmar que o ato de
É neste contexto que o papel do Papa Francisco assume consumo é um ato moral, o Papa Francisco convoca toda a
uma importância gigantesca. O Papa é hoje o mais impor- humanidade para uma profunda mudança nos sistemas de pro-
tante líder global. Sua Encíclica, “Laudato Si”, lançada em dução e nos padrões de consumo – ambos insustentáveis.
2015, pode ser vista como um manifesto ecumênico sobre Diante do aumento do poder das corporações que
a necessidade de todos os povos reverem sua relação com a visam exclusivamente os resultados financeiros, defende
natureza e atitudes diante das desigualdades sociais. É um uma profunda mudança na ordem econômica global, com
documento com forte embasamento cientifico, cuja elaboração um olhar especial para as populações pobres, oprimidas e
foi apoiada pela Pontifícia Academia de Ciências, que possui marginalizadas.
mais de 30 prêmios Nobel. O Papa não está só. Estamos diante da necessidade de
A Encíclica “Laudato Si” é um documento que faz uma uma revolução guiada pela ciência e pela ética. Pesquisadores
ponte ideológica entre o presente e o futuro; entre a ciência de todo o mundo vêm dando alertas para o fato de estarmos
e a religião, entre a ética e a moral. próximos dos “limites do Planeta”.

28 Ab r i l 2018 ECO•21
 | crônica |

Arquivo
Em outras palavras, estamos acabando com a capacidade do
Planeta de produzir alimentos e serviços ambientais essenciais
para a vida humana. Exemplos disso são as enormes extensões
dos oceanos, rios e lagos mortos pela poluição. A Amazônia,
não foge a esse cenário, com seus igarapés urbanos poluídos
e suas florestas cada dia mais empobrecidas pelo aumento
das queimadas e o desmatamento.
O mundo carece de líderes capazes de conduzir a humani-
dade para uma profunda mudança ética e moral. As democra-
cias em todo o mundo estão enfraquecidas, com uma crise de
representatividade generalizada. É preocupante a escassez de
líderes com lucidez sobre a urgência de promover profundas Foi um ato de grande importância para o futuro da região.
mudanças em nossas sociedades rumo ao desenvolvimento Foi uma oportunidade para todos os líderes do governo, empre-
sustentável. Nesse contexto a liderança do Papa Francisco sas e sociedade civil refletirem sobre o futuro da Amazônia.
assume um papel ainda mais relevante. Precisamos urgentemente de um projeto para a Amazônia
Desde 2016 tenho a honra de fazer parte do grupo de que fique acima dos interesses de curto prazo e que envolva
diálogo inter-religioso, albergado na Pontifícia Academia de todos os países da região. A Amazônia é importante demais
Ciências do Vaticano, chamado “Ética e Ação para o Desen- para deixarmos entrar em colapso ecológico.
volvimento Sustentável”. Trata-se de uma iniciativa liderada É necessário substituir a ganância de quem ganha dinheiro
pelo Chanceler Mons. Marcelo Sanchez Sorondo e pelo a curto prazo com o desmatamento, por uma atitude ética
Prof. Jeff Sachs, da SDSN. Nesses eventos trimestrais tive a capaz de reduzir as desigualdades e a degradação ambiental,
oportunidade de falar pessoalmente com o Papa Francisco em gerando benefícios para todos a longo prazo. A degradação
duas marcantes oportunidades. É impressionante seu carisma, da natureza e a pobreza precisam ser enfrentadas de forma
energia, força e paz de espirito. É inspiradora a maneira como séria e imediata. Vale lembrar que temos metas concretas
se preocupa com o futuro da Amazônia. Símbolo disso é a para 2030, data limite para alcançarmos os Objetivos do
convocação de um sínodo sobre a Amazônia a ser realizado Desenvolvimento Sustentável, acordados na ONU e dos
em Outubro de 2019. Em Janeiro tive a oportunidade de quais o Brasil e os demais países amazônicos são signatários.
acompanhar a visita do Papa Francisco à Amazônia peruana, É hora do desmatamento zero e um mega esforço de recupe-
em Puerto Maldonado. A mensagem do Papa foi clara e forte ração da cobertura florestal da Amazônia, com forte inclusão
em defesa da Amazônia e dos direitos dos povos indígenas, social e especial proteção dos direitos dos povos indígenas e
especialmente aqueles em isolamento voluntário. populações tradicionais.

ECO•21 Ab r i l 2018 29
| iniciativas |

Jack Cushman | Editor da InsideClimate News. Foi Presidente do National Press Club no ano de 2000

Mundo concorda em cortar


emissões dos navios em 50%
Arquivo

A Organização Marítima Internacional (OMI) da ONU Atender às novas metas exigiria que os transportadores
aprovou o primeiro e amplo Acordo do mundo para reduzir aumentem significativamente a eficiência do combustível e
as emissões de Gases do Efeito Estufa do transporte marí- mudem para fontes de baixo carbono ou zero carbono, como
timo mundial e disse que espera eliminá-las totalmente o os biocombustíveis ou talvez hidrogênio, enquanto adotavam
“mais rápido possível neste século”. A agência considerou o novas tecnologias de propulsão. O próximo passo é que a
Acordo, alcançado por países neste mês um primeiro passo Organização Marítima Internacional decida se torna obri-
e prometeu novas ações no futuro. Alguns negociadores e gatória alguma dessas medidas de curto prazo e determinar
observadores disseram que ainda não é forte o suficiente como fazer cumprir as regras. O Acordo deve ser revisto e,
para garantir que o transporte marítimo, um contribuinte talvez, ajustado em cinco anos.
em rápido crescimento para o aquecimento global, esteja Até agora, pouco foi feito no setor para lidar com a poluição
alinhado com o Acordo de Paris. A OMI chamou isso de do carbono. O transporte marítimo não é controlado dire-
um “caminho” nessa direção. tamente pelo Acordo de Paris e é amplamente negligenciado
A OMI solicitou às empresas de transporte marítimo nas promessas de Paris feitas por nações individuais. Cerca
que reduzam as emissões até o ano 2050 para 50% de seu de 90% do comércio mundial de mercadorias viaja de navio,
nível de 2008, atingindo o pico das emissões o mais rápido e as embarcações emitem juntas o mesmo número de Gases
possível. A organização é uma agência especializada das de Efeito Estufa (GEE) do que a Alemanha, a nação com a
Nações Unidas, com 173 Estados membros que cooperam sexta maior emissão do mundo.
em regulamentações internacionais, incluindo a definição de Estima-se que as emissões dos navios aumentem 250 por
padrões de poluição. cento até o ano 2050, a menos que sejam impostos controles.
Mesmo os primeiros passos relativamente modestos exi- Por razões competitivas, e porque os navios são registrados
giriam mudanças consideráveis na forma como os navios de em vários países sem levar em conta onde estão baseados
carga são construídos, abastecidos e operados. Atualmente, os seus proprietários ou quais portos eles visitam, isso só pode
barcos operam quase inteiramente com combustíveis fósseis, ser feito por um Acordo global. Delegados de vários países,
geralmente os tipos mais sujos do petróleo, e os queimam de reunidos em Londres neste mês (Abril), falaram da necessi-
forma ineficiente. dade de fazer mais.

30 Ab r i l 2018 ECO•21
 | iniciativas |

As Ilhas Marshall desde o início deixaram claro que não Menos uso de combustíveis fósseis: Algum progresso pode
endossariam nenhum Acordo que não atinja as metas de vir simplesmente de uma redução mundial no uso de combus-
Paris. O arquipélago do Oceano Pacífico de baixa altitude tíveis fósseis, especialmente carvão e petróleo bruto. Muitas
provavelmente está condenado, a menos que as emissões de dessas mercadorias se movimentam por mar. O declínio das
dióxido de carbono sejam reprimidas de forma rápida, mas exportações dos países produtores reduziria a quantidade de
também abriga um dos maiores registros de navegação do navios, e isso por si só afetaria as emissões no mar.
mundo. Portos eletrificados: Grande parte da poluição dos navios
As embarcações registradas nesses países exibem uma é emitida enquanto estão nos portos e seus motores inativos
bandeira de conveniência, enquanto as pessoas das ilhas para produzir energia. Conectá-los a uma fonte elétrica para
enfrentam uma verdade inconveniente. “Eu não irei para casa limpar os navios reduziria consideravelmente a poluição local
para meus filhos e para os filhos de meu país, endossando e a fuligem que sufocam algumas cidades portuárias.
um resultado da OMI que não enfrente a maior ameaça do

Crowley
século”, disse David Paul, Ministro do Meio Ambiente desse
país insular.
Após a decisão, a Presidente das Ilhas Marshall, Hilda
Heine, disse que o resultado fez história. “Embora possa
não ser suficiente para dar ao meu país a certeza que queria,
fica claro que o transporte internacional agora reduzirá as
emissões com urgência e fará sua parte no sentido de dar
ao meu país um caminho para a sobrevivência”, disse ela.
Kitack Lim, Secretário-Geral da OMI, disse aos delegados:
“Estou confiante em suas capacidades de continuar incan-
savelmente seus esforços e desenvolver novas ações que em
breve contribuirão para reduzir as emissões de gases do Efeito
Estufa dos navios”.

Estados insulares queriam uma meta de emissões zero

Os grupos de defesa do clima qualificaram o Acordo como


um passo tardio e o consideram insuficiente. “Sem medidas
concretas e urgentes para reduzir as emissões do transporte
marítimo agora, a ambição de Paris de limitar o aquecimento
a 1,5°C ficará rapidamente fora do nosso alcance”, disse
Veronica Frank, do Greenpeace International. “Embora o
Acordo liste possíveis medidas de mitigação, a falta de um
plano de ação para o seu desenvolvimento e o tom das dis-
cussões na IMO não dão muita confiança de que em breve
serão adotadas medidas”. Abrandar: A próxima maneira óbvia de reduzir as emis-
Uma meta mais adequada, disseram alguns congressistas, sões é simplesmente desacelerar os navios. Assim como os
seria buscar a emissão zero do transporte marítimo já em estadunidenses costumavam economizar gasolina dirigindo
2035, como foi exigido pelas Ilhas Marshall e vários outros a 80 km por hora nas rodovias, os navios podem navegar de
pequenos Estados insulares. Os países da União Europeia forma mais eficiente se forem mais lentos. Claro, isso significa
estavam dispostos a cortar mais profundamente do que decidiu que mais navios serão necessários para transportar a mesma
a OMI. O Japão queria se mover mais lentamente do que a quantidade de combustível. A nova construção naval seria uma
meta da OMI. No final, eles se comprometeram. oportunidade para construir navios modernos e eficientes ou
Para que as nações do mundo atinjam as metas de Paris variedades que incorporem novas tecnologias, como células
de manter o aquecimento bem abaixo de 2°C, os cientistas de combustível ou outras propulsões elétricas.
dizem que as emissões líquidas de dióxido de carbono de todos Combustíveis alternativos: É possível substituir por combus-
os sistemas de energia precisam ser reduzidas rapidamente, tíveis alternativos. Uma ideia é usar biocombustíveis sintéticos.
chegando a zero em algum momento na segunda metade Isso exigiria atenção cuidadosa às emissões do ciclo de vida,
deste século. já que os biocombustíveis nem sempre têm uma pegada de
Embora possa parecer que é um diálogo utópico a ideia carbono menor, especialmente no curto prazo. Outra abor-
de atingir rapidamente as emissões do transporte para algo dagem seria trocar o óleo fóssil pesado e sujo comumente
próximo de zero, a Organização para Cooperação e Desenvol- usado por combustíveis como o hidrogênio.
vimento Econômico (OCDE) publicou um relatório quando Preço do carbono: O modo mais eficaz de estimular esse
as negociações começaram a descrever possíveis caminhos tipo de mudança seria impor um preço às emissões de GEE,
para chegar lá. como um imposto sobre o carbono. O mercado poderia decidir
Tecnologia: “A implantação máxima de tecnologias qual método usar para evitar o imposto. “Um preço efetivo do
atualmente conhecidas pode permitir a descarbonização carbono aliado a melhorias tecnológicas e operacionais será
quase completa do transporte marítimo até 2035”, afirmou fundamental para liberar o enorme potencial do transporte
a instituição. “Essa redução é igual às emissões anuais de livre de poluição”, disse Kelsey Perlman, Diretor de Políticas
aproximadamente 185 usinas termoelétricas a carvão”. de Transporte Internacional do Carbon Market Watch.

ECO•21 Ab r i l 2018 31
| normas iso |

Monalisa Zia | Jornalista

Norma de turismo sustentável


vai para aprovação da ISO
A conclusão do documento baseado em norma brasileira Alexandre Garrido esclarece que a homologação de uma
deve acontecer em Maio, em Buenos Aires, na próxima reunião norma Organização Internacional de Normalização (ISO)
anual do Comitê Técnico de Turismo da ISO. A sugestão foi é um processo longo que costuma durar entre três e cinco
ousada: oferecer a norma brasileira ABNT NBR 15401:2014 anos, mas a nova Norma acabou percorrendo um caminho
(Meios de Hospedagem, Sistema de Gestão da Sustentabilidade, que se mostrou mais rápido do que o normal.
Requisitos) como base para o documento internacional que A celeridade do processo mostra a eficiência do documento
unifica a norma de gestão da sustentabilidade para meios de brasileiro, que já vinha norteando a gestão da sustentabili-
hospedagem no padrão International Organization for Stan- dade em hotéis e pousadas de todo o país desde 2004 e hoje
dardization (ISO). A etapa final do processo chega nos dias cataloga diversos casos de sucesso.
7 e 8/5, na capital Argentina, quando os 99 países membros “Foram quatro reuniões desde a criação do WG-13 (Work
do ISO/TC 228 – Tourism and Related Services darão o aval Group-13): duas em 2016, em Kuala Lumpur (Malásia) e
para a conclusão e publicação da norma internacional. no Rio de Janeiro; e mais duas no ano passado, na Cidade
Foram 2 anos de trabalho e discussões envolvendo espe- do Panamá e em Madri. Os representantes que vêm partici-
cialistas de 22 países, sob a coordenação de um brasileiro: pando da discussão têm mostrado cada vez mais interesse em
Alexandre Garrido, coordenador eleito do ISO/TC 228 / implementar a solução em seus países, pois perceberam que
WG13 – Sustainable Tourism, grupo criado para produzir o a Norma, de fato, funciona e dá resultados para a hotelaria”,
documento internacional. avalia o coordenador.
Arquivo

32 Ab r i l 2018 ECO•21
 | normas iso |

Ana Huara
Alexandre Garrido enfatiza que “o segredo da Norma
brasileira é que o meio de hospedagem trabalha a sustenta-
bilidade sob a ótica da gestão do negócio e é voltada para o
business, melhorando a gestão e fazendo o negócio ficar mais
competitivo. Ao adotar as ações, o hoteleiro também melhora
a experiência do turista e a norma mostra claramente as ações
a serem implementadas”.
A Norma internacional – Apesar de ter adiantado o prazo
de conclusão em cerca de um ano, o processo de criação da
nova Norma, identificada por enquanto como ISO/DIS 21401
- Accommodation facilities -- Sustainability Management
System – Requirements seguiu o caminho obrigatório que
toda norma internacional homologada percorre: a propo-
sição e posterior aprovação da ISO, a instalação do grupo Sobre a ABNT
de trabalho – que começou com especialistas de 12 países
membros e, atualmente tem 22 – as reuniões de avaliação de A ABNT é o único Foro Nacional de Normalização, por
comentários enviados pelos países ao texto e as rodadas de reconhecimento da sociedade brasileira desde a sua funda-
votação para aprovar cada fase. ção, em 28/7/1940, e confirmado pelo Governo Federal. É
Com a aprovação final prevista para Maio e a criação responsável pela elaboração das Normas Brasileiras (NBR),
da futura Norma ABNT NBR ISO 21401, a exitosa Norma destinadas aos mais diversos setores. A ABNT participa da
brasileira dá espaço ao padrão ISO, unificando mundial- normalização regional na Associação Mercosul de Norma-
mente as recomendações para gestão de sustentabilidade lização (AMN) e na Comissão Pan-Americana de Normas
nos meios de hospedagem. A expectativa é que o documento Técnicas (Copant) e da normalização internacional na ISO
internacional leve cerca de cinco meses até a publicação final, e na International Electrotechnical Commission (IEC),
chegando às mãos do público interessado em francês e em influenciando o conteúdo de normas e procurando garantir
inglês – idiomas oficiais da ISO. A adoção do documento condições de competitividade aos produtos e serviços brasi-
ISO no Brasil deverá ocorrer logo após a publicação oficial, leiros. A ABNT também é um Organismo de Avaliação da
na data provável de setembro. Conformidade acreditado pelo Inmetro para certificação
Como a gestão da sustentabilidade pode ajudar um meio de produtos, sistemas e programas ambientais, como o selo
de hospedagem a tornar-se competitivo? O trabalho começa ecológico e a verificação de inventários de GEE.
com a definição dos impactos que a operação hoteleira gera
nas dimensões ambiental, sociocultural e econômica. A partir
disso, estabelecer os objetivos para minimizar os impactos
negativos e/ou potencializar os positivos e começar a implantar
práticas sustentáveis, monitorando as ações para avaliar os
possíveis resultados. Se o hoteleiro identificar os impactos,
estabelecer as ações e depois medir para ver se está chegando
aos resultados propostos no plano de negócios, ele está fazendo
a gestão da sustentabilidade.
“Quem percebe isso, vê que a Norma ajuda a administrar o
negócio, tornando-o sustentável”, ressalta Alexandre Garrido,
sublinhando que a norma é uma ferramenta de gestão com visão
moderna. “O hotel pode usar os resultados para melhorar a
experiência do turista e a imagem perante a opinião pública e,
com isso, dar mais visibilidade ao empreendimento, aumentar
a taxa de ocupação e a rentabilidade e, consequentemente, a
competitividade no mercado”, conclui.

ABNT/CB-054

No Brasil, o Comitê Brasileiro do Turismo é o respon-


sável pela Normalização no campo do turismo (hotelaria,
restaurantes e refeições coletivas, agenciamento e operação
e demais funções do setor de turismo), compreendendo a
normalização de serviços específicos do setor de turismo e
de operações e competências de pessoal, no que concerne a
terminologia, requisitos e generalidades. Atualmente possui
Alexandre Sampaio como gestor e Alexandre Garrido como
coordenador da Comissão de Estudos de Turismo Sustentável
(ABNT-CE 54.0004.01), que faz parte do ABNT/CB-054. A
participação nos Comitês Brasileiros e Comissões de Estudo
da ABNT é voluntária e aberta a qualquer interessado.

ECO•21 Ab r i l 2018 33
| biomas |

Peter Moon | Jornalista da Agência FAPESP

Prioridade para conservação


com olho no passado

Luciano Candisani
Uma vez que se conhece a distribuição geográfica atual
– ainda que parcialmente – de uma determinada espécie,
assim como os níveis de variação ambiental (temperaturas
máxima e mínima, variações pluviométricas e outros dados)
que são tolerados pelos indivíduos, faz-se uso de algoritmos
computacionais e de ferramentas de geoprocessamento para
se obter uma representação quantitativa da distribuição
ecológica daquela espécie.
A partir de dados incompletos de localização geográfica de
uma espécie, consegue-se descobrir qual é a sua distribuição
atual (ou potencial) no meio ambiente. Da mesma forma, ao
se empregar estimativas climáticas do passado, consegue-se
simular qual teria sido a distribuição espacial das espécies
em épocas pretéritas. “Muito embora a modelagem de nicho
ecológico seja normalmente usada para inferir a distribuição
de espécies, a técnica também é empregada para predizer a
delimitação de um bioma, a partir da modelagem do bioma”,
disse Sobral-Souza.
Para prever a distribuição de um bioma ao longo do
“As regiões que menos sofreram com mudanças climáticas tempo, os autores selecionaram pontos de ocorrência usando
nos últimos 21 mil anos são aquelas onde ocorreram menos um filtro geográfico baseado na delimitação atual do bioma
extinções locais. Assim, essas regiões possuem maior riqueza amazônico e na extensão da Mata Atlântica. Existem diver-
de espécies e, consequentemente, maior diversidade genética sos modelos de circulação global atmosférico-oceânica que
entre as espécies, ou seja, maior variabilidade dos genes dentro fazem inferências sobre climas globais passados. “Cinco desses
de uma mesma população”, disse o biólogo Thadeu Sobral- modelos serviram como fonte de dados para as simulações
Souza, da Universidade Estadual Paulista (UNESP). climáticas da Amazônia e da Mata Atlântica no passado”,
Quanto maior a diversidade genética de uma população, disse Sobral-Souza.
maiores são as chances de sobrevivência às mudanças ambien- A partir de dados como temperatura média anual e índices
tais. Sobral-Souza é um dos autores de um trabalho que busca anuais de precipitação, os pesquisadores estimaram a distri-
criar metodologia para identificar, na Amazônia e na Mata buição presente do bioma amazônico e da Mata Atlântica. Os
Atlântica, regiões climaticamente estáveis e alvos prioritários modelos foram construídos com base no cenário climático
de estratégias de conservação. A pesquisa também busca veri- atual e então projetados para as condições climáticas reinantes
ficar quais unidades de conservação se encontram dentro de no passado, no auge da última idade do gelo há 21 mil anos
áreas climaticamente estáveis. Resultados do trabalho foram no final do Pleistoceno e também há 6 mil anos, no meio
publicados na revista Acta Oecologica. A pesquisa tem apoio da do Holoceno.
FAPESP em projeto coordenado pelo professor Milton Cezar De acordo com o estudo, a área potencial da floresta
Ribeiro, do Departamento de Ecologia da UNESP. amazônica há 21 mil anos era de 4,46 milhões km², e hoje é
De modo a estabelecer quais são as áreas climaticamente de 3,28 milhões km². Já a Mata Atlântica cobria 3,85 milhões
mais estáveis foi preciso estimar como era a distribuição km², área reduzida hoje em 80%, para menos de 770 mil
de ambas as florestas no passado, particularmente antes da km². Para calcular as áreas climaticamente estáveis dos bio-
destruição da maior parte da Mata Atlântica. Para tanto, mas analisados, os dois paleomapas – com as distribuições
os pesquisadores usaram a técnica de modelagem de nicho dos biomas há 21 mil e há 6 mil anos – foram sobrepostos
ecológico como meio de inferir a distribuição presente e a ao mapa com a distribuição atual dos biomas. Desse modo,
distribuição no passado na Amazônia e na Mata Atlântica. foram selecionadas nos mapas as áreas previstas como ade-
Novas tecnologias favorecem o desenvolvimento de enfo- quadas para a ocorrência do bioma em todos os cenários
ques metodológicos que permitem gerar informação a partir de climático-temporais estudados. “Uma vez identificados os
dados incompletos. É o caso da modelagem dos nichos ecoló- pontos sobrepostos que são climaticamente estáveis nos três
gicos. Sejam animais ou plantas, as espécies obedecem a regras cenários, foi a vez de analisar a eficiência das áreas atualmente
ecológicas que determinam sua distribuição geográfica. protegidas”, disse Ribeiro.

34 Ab r i l 2018 ECO•21
 | biomas |

Ana Huara
Um novo mapa com as unidades de proteção da América
do Sul foi sobreposto aos mapas anteriores, de modo a visua-
lizar quais áreas protegidas se encontram dentro ou fora das
áreas climaticamente estáveis.
Para propor áreas de conservação prioritárias foram
mapeadas as áreas climaticamente estáveis desprotegidas. Foi
então usada a base de dados “Intact Forest Landscapes”, de
modo a inferir quais áreas climaticamente estáveis e despro-
tegidas têm remanescentes intactos de floresta primária livre
de modificações antropogênicas. Foram considerados apenas
trechos grandes e conectados, excluindo-se os remanescentes
pequenos ou desconectados.

Estabilidade climática

A seguir, os pesquisadores classificaram cada um desses


trechos de floresta em uma de três categorias prioritárias de
conservação. As áreas com a prioridade muito alta de conser-
vação são as climaticamente estáveis, não protegidas e onde
há grandes trechos de floresta intacta.
A segunda categoria é a das áreas com alta prioridade de
conservação: climaticamente estáveis, não protegidas e com
fragmentos e remanescentes florestais. Já a terceira categoria,
de prioridade média de conservação, são as áreas climatica-
mente estáveis mais recentes, nos últimos 6 mil anos, com
remanescentes desprotegidos de floresta intacta.
“Os resultados revelaram três blocos desconexos de áreas
climaticamente estáveis na Mata Atlântica, todos próximos ao
litoral”, disse Ribeiro. O bloco mais ao Norte fica nas Zonas
da Mata da Paraíba e de Pernambuco. O segundo coincide
com o desenho da Serra do Mar e da Serra da Mantiqueira
em São Paulo e da Serra dos Órgãos no Rio de Janeiro, ter-
minando na Zona da Mata de Minas Gerais. As áreas amazônicas com alta prioridade de conservação
“No caso da Amazônia, as áreas climaticamente estáveis são florestas fragmentadas localizadas em áreas climaticamente
são amplas, contínuas, e cobrem a maior parte do bioma estáveis que, portanto, necessitam de restauração. As áreas
atual. A maioria das áreas climaticamente estáveis ocorre de alta prioridade de conservação na Amazônia Ocidental
na região leste da Amazônia, enquanto que remanescentes ficam próximas a áreas protegidas ou a fragmentos intactos
menores são encontrados ao longo dos limites ocidental e existentes. Já na região leste da Amazônia, as áreas com alta
meridional da floresta”, disse o professor do Departamento prioridade de conservação são porções de floresta cercadas
de Ecologia da UNESP. pela agricultura e pecuária, distantes das regiões de floresta
Com relação ao índice de eficiência das áreas protegidas intacta.
existentes, inferiu-se uma eficiência maior das áreas protegidas “Nesses casos, ações de reflorestamento são necessárias
amazônicas, em comparação com aquelas da Mata Atlântica. para aumentar a eficiência das áreas protegidas da região. A
A constatação foi que 40,1 por cento das áreas climaticamente Amazônia ainda tem uma grande oportunidade para ampliar
estáveis da Amazônia encontram-se protegidas, percentual as áreas de conservação”, disse Milton Cezar Ribeiro.
que cai para somente 7,1 por cento das áreas climaticamente Thadeu Sobral-Souza destaca que, em relação ao Bioma
estáveis da Mata Atlântica. “A Amazônia é mais estável cli- Mata Atlântica, o cenário é catastrófico. “Não foram identifi-
maticamente do que a Mata Atlântica e as áreas protegidas cadas áreas com muita alta prioridade de conservação, porque
da Mata Atlântica são menos eficientes do que as que ficam nestas áreas simplesmente não existe mais floresta. Não tem
na Amazônia”, disse Milton Cezar Ribeiro. mata intacta, não tem fragmento florestal, não tem nada.
Na Amazônia, o estudo identificou áreas climaticamente Foi tudo cortado nos últimos 500 anos”, disse o biólogo da
estáveis nas três categorias de análise, aquelas com muito alta Universidade Estadual Paulista.
prioridade de conservação, alta prioridade de conservação e As principais áreas consideradas climaticamente estáveis
prioridade de conservação média. As áreas amazônicas com da Mata Atlântica são pequenas. São representadas por frag-
prioridade muito alta de conservação são regiões de floresta mentos florestais classificados como áreas de alta prioridade de
primária no oeste do estado do Amazonas, na região de conservação. Apenas alguns poucos remanescentes têm mais
fronteira com Peru, Colômbia e Venezuela. de 10 mil hectares, e muitos ocorrem em áreas com baixa
“Sua proximidade geográfica com áreas protegidas sugere estabilidade climática. As áreas climaticamente estáveis da
que a criação de novas áreas protegidas, ou então o aumento Mata Atlântica ficam na Zona da Mata de Pernambuco ou
nas áreas existentes que incorpore essas áreas de alta priori- no Parque Estadual da Serra do Mar, “o maior remanescente
dade, pode ser uma estratégia de conservação eficaz”, disse de toda a Mata Atlântica brasileira”, disse o biólogo Thadeu
Sobral-Souza. Sobral-Souza.

ECO•21 Ab r i l 2018 35
| lixo plástico |

Matthew Taylor | Jornalista do The Guardian

Holanda tem o primeiro


supermercado sem plástico
Os compradores na Holanda já tem a chance de visitar as Sian Sutherland, co-fundador do A Plastic Planet, o grupo
primeiras prateleiras de um supermercado sem embalagens por trás da campanha, disse que a abertura representou um
plásticas da Europa, no que os defensores de um Planeta sem momento marcante para a luta global contra a poluição por
plásticos afirmam ser um ponto de virada na guerra contra plásticos.
a poluição por plásticos. “Durante décadas, os compradores foram vendidos a
A loja em Amsterdã abriu no dia 28 de Fevereiro último, mentira de que não podemos viver sem plástico em comi-
permitindo aos compradores escolher entre mais de 700 pro- das e bebidas. Uma prateleira sem plástico nega tudo isso.
dutos sem plástico. O movimento vem em meio à crescente Finalmente, podemos ver um futuro em que o público tem a
preocupação global sobre os danos que os resíduos plásticos opção de comprar um produto com plástico ou sem plástico.
estão causando nos oceanos, hábitats e cadeias alimentares. Neste momento não temos escolha”, afirmou o co-fundador
Cientistas alertam que a poluição plástica é tão disseminada que do A Plastic Planet.
ameaça a contaminação permanente do mundo natural. A inciativa foi lançada na filial de Amsterdã da rede de
No início deste ano, uma pesquisa do The Guardian supermercados holandesa Ekoplaza. A empresa diz que vai
revelou que os supermercados do Reino Unido eram uma implementar pratileiras semelhantes em todas as suas 74
importante fonte de resíduos plásticos, produzindo 1 milhão agências até o final do ano. O executivo-chefe da Ekoplaza,
de toneladas por ano. E nos últimos doze meses, ativistas Erik Does, que vem trabalhando com a campanha há bastante
pediram que todos os supermercados oferecessem produtos tempo disse que a iniciativa é “um importante marco para
sem plástico. um futuro melhor para alimentos e bebidas”.
Martin Godwin

36 Ab r i l 2018 ECO•21
 | lixo plástico |

Martin Godwin
“Sabemos que nossos clientes estão doentes com a morte
de produtos carregados em camadas e mais camadas de
embalagens plásticas espessas. Os corredores sem plástico
são uma forma realmente inovadora de testar os biomateriais
compostáveis que oferecem uma alternativa mais ecológica
às embalagens plásticas”. As prateleiras terão mais de 700
produtos sem plástico, incluindo carne, arroz, molhos,
laticínios, chocolate, cereais, iogurte, salgadinhos, frutas
frescas e vegetais.
Ativistas dizem que os produtos não serão mais caros do
que os produtos embalados em plástico e serão “escaláveis e
convenientes”, usando embalagens biodegradáveis alternati-
vas onde for necessário, ao invés de abandonar totalmente
as embalagens. Eles acrescentam que as prateleiras serão um
“teste para novos bio-materiais compostáveis inovadores, No entanto, a Tesco, a Sainsbury’s, a Morrisons, a Wai-
bem como materiais tradicionais, tais como vidro, metal e trose, a Asda e a Lidl se recusaram a divulgar sua produção
papelão”. de plástico, com a maioria dizendo que a informação era
Sutherland disse: “Não há absolutamente nenhuma “comercialmente sensível”.
lógica em envolver algo tão fugaz quanto comida em algo Recentemente, Theresa May destacou o desafio da polui-
tão indestrutível quanto o plástico. A embalagem plástica ção por plásticos enquanto definia as políticas ambientais
de alimentos e bebidas continua sendo útil por alguns dias, do Governo. A Primeira-Ministra destacou o papel dos
mas continua sendo uma presença destrutiva na Terra por supermercados, convocando-os a introduzir prateleiras sem
séculos depois”. plástico. Mas ela foi criticada por não ter apoiado sua ligação
Ativistas dizem que o setor varejista de alimentos é respon- com medidas concretas.
sável por mais de 40% de todas as embalagens plásticas. Uma Sutherland disse que os ativistas estavam em conversações
recente pesquisa da Populus revelou que 91% dos britânicos com todos os principais supermercados do Reino Unido, mas
apoiaram a introdução de suypermercados sem plástico. até agora nenhum deles se comprometeu a introduzir um corre-
A pesquisa do The Guardian sobre a pegada plástica dor sem plásticos. Ela acrescentou: “Os maiores supermercados
dos supermercados revelou que as principais lojas britânicas da Europa devem seguir o exemplo de Ekoplaza e introduzir
criam mais de 800 mil toneladas de resíduos de embalagens prateleiras livres de plástico na primeira oportunidade para
plásticas todos os anos. ajudar a desligar a torneira do plástico”.

ECO•21 Ab r i l 2018 37
| saúde |

Alexandre Soares | Jornalista da ONU News

Gorduras saturadas e trans


matam 17 milhões por ano
Arquivo

A Organização Mundial da Saúde (OMS) lança novas Ele afirma que a remoção de gordura trans nos produtos
diretrizes de saúde globais para diminuir gorduras prejudiciais; processados já tem sido feito em muitos países e não é sequer
níveis de gordura trans em alimentos de rua estão 200 vezes notada pelo consumidor. Se isso acontecer, afirma o especia-
acima do valor diário recomendado. lista, “os produtores podem usar outra gordura com a mesma
Pessoas em todo o mundo precisam reduzir o seu consumo propriedade e você pode ter seu maravilhoso croissant que
de alimentos gordurosos que entopem artérias, de acordo não contém gorduras trans”.
com novas propostas da OMS, recentemente divulgadas. As diretrizes serão oficialmente lançadas ainda este ano.
Todos os anos, 17 milhões de pessoas morrem com doenças Antes disso, a OMS está a realizar consultas públicas em
cardiovasculares relacionadas com o consumo de alimentos todo o mundo para assegurar que se adaptam às diferentes
que contêm gorduras saturadas e gorduras trans. necessidades regionais.
As gorduras saturadas são muito comuns e podem ser O Diretor de Nutrição da Organização Mundial da
encontradas na manteiga, salmão, gemas de ovos e leite de vaca. Saúde, Francesco Branca, afirma que as pessoas estão hoje
A OMS quer que adultos e crianças diminuam o consumo muito mais conscientes sobre o perigo destas gorduras do
dessas gorduras para 10% das suas necessidades diárias de que quando a agência publicou o seu primeiro parecer sobre
energia. Em relação às gorduras trans, presentes em comidas o assunto, em 2002.
fritas e óleo de cozinha, a agência da ONU quer uma redução Segundo Francesco Branca, os países da Europa Ocidental
ainda maior. Apenas 1% da energia necessária para um dia deve “quase eliminaram” o uso industrial de gordura trans e a
vir destes alimentos. Uma forma de identificar estes alimentos, Dinamarca, por exemplo, proibiu o seu uso completamente.
através dos rótulos, é procurar a palavra hidrogenada, uma Apesar disso, o especialista em nutrição da Organização
técnica que torna mais fácil usar estas gorduras. Mundial da Saúde diz as regiões mais pobres enfrentam
Existem alternativas a estes alimentos. O Diretor de grandes desafios.
Nutrição da OMS, Francesco Branca, diz que “se realmente Estas regiões incluem vários países da Europa Oriental,
quisermos acabar com os perigos do excesso de gordura trans assim como a Índia, Paquistão, Irã, muitos Estados africanos
deve haver uma ação muito forte e enérgica dos governos e, na América do Sul, Brasil e Argentina. Em alguns casos,
para garantir que os produtos manufaturados não usem óleo os níveis de gordura trans em alimentos de rua são 200 vezes
vegetal hidrogenado”. o valor diário recomendado.

38 Ab r i l 2018 ECO•21
| rotulagem ogm |

Raquel Torres | Jornalista de Outra Saúde

Transgênicos: expectativa do fim


da rotulagem retoma debate
O debate sobre alimentos Sobre o medo
transgênicos voltou a se aque-
cer no Brasil com a evolução Sempre que se fala em transgênicos,
da tramitação, no Senado, do os ânimos rapidamente se acirram. Em
projeto de lei que altera a rotu- 2008, quando o texto começou a tramitar
lagem de alimentos. A proposta na Câmara, o Idec lançou uma campanha
é de retirar a obrigatoriedade contrária que tem hoje mais de 50 mil
do selo que indica a presença de assinaturas. Enquanto isso, nesta consulta
ingredientes transgênicos (aquele feita pelo portal do Senado, até a data de
triângulo amarelo com a letra publicação desta reportagem mais de 20 mil
T) dos produtos que contenham pessoas se haviam se posicionado contra a
menos de 1% deles — nos outros aprovação, e pouco menos de mil a favor.
casos, eles continuariam apare- Não dá pra saber a motivação exata de
cendo na lista de ingredientes, quem vota ou assina, mas, em geral, boa
“em destaque, de forma legível”. parte da argumentação contrária ao uso
E, para o símbolo existir, essa de sementes transgênicas — e também da
presença deverá ser comprovada defesa em relação a elas — se baseia em
por testes específicos. estudos que atestam ou não a segurança no
O problema, segundo o site do consumo para animais e seres humanos.
Instituto Brasileiro de Defesa do Há dois anos, esta pesquisa encomen-
Consumidor (Idec), é que “DNAs dada pelo Conselho de Informações sobre
transgênicos não são detectáveis Biotecnologias ao Ibope Conectas mostrou
em alimentos processados e ultra- que um terço dos brasileiros têm medo de
processados. Ou seja, a rotulagem consumir alimentos transgênicos e quase
passa a depender de um teste que metade considera que são submetidos a
não identifica muitos dos produtos poucos testes (foram feitas entrevistas online
que levam transgênicos”. com duas mil pessoas de todas as regiões e das
Como a maior parte dos produtos que levam o selo são classes A, B e C). A desconfiança é ligeiramente
processados, o Idec acredita que, na prática, a mudança vai levar maior entre aqueles que sabem o que é transgenia.
ao fim da rotulagem. E isso feriria os direitos do consumidor, O receio tem suas razões de ser. É que o próprio processo
por não informá-lo sobre o que come. “Se a população está da transgenia é intuitivamente estranho. A tecnologia faz
informada sobre os riscos e está disposta a consumir, tudo uma espécie de recorte e colagem com materiais genéticos,
bem. Mas é preciso que saiba”, concorda o agrônomo Paulo tornando possível que o DNA de um organismo receba
Petersen, que é Coordenador-Executivo AS-PTA – Agricultura genes específicos de outro. Assim, plantas, animais, vírus ou
Familiar e Agroecologia. bactérias podem entrar no jogo. A transgenia não é usada só
O Projeto de Lei, que nasceu na Câmara e foi aprovado lá na agricultura — ela está na produção de medicamentos, no
em 2015, está desde então no Senado (sob o número 35/2015) desenvolvimento de animais com o propósito de fornecer
e já passou pela avaliação de quatro comissões. Ainda em cobaias para estudos científicos e na criação de armas bioló-
2015, a de Ciência e Tecnologia foi contra. Em setembro do gicas, por exemplo. Há pouco tempo, gerou certa comoção
ano passado, a de Agricultura e Reforma Agrária foi favorável; o começo do uso de mosquitos transgênicos para o controle
há um mês, a de Assuntos Sociais votou contra. da dengue no Brasil.
E agora, no último dia 17/4/2018, mais um parecer E na produção de alimentos a polêmica nunca se esgota.
favorável foi aprovado na Comissão de Meio Ambiente. Será que é mesmo possível prever todos os efeitos da intro-
Vale observar que, nas duas comissões que tiveram voto a dução de material genético de um vírus ou bactéria em uma
favor, o relator era o mesmo: o senador Cidinho Santos (PR/ planta alimentícia? “Em todo o mundo a natureza reage à
MT), que, por sinal, é vice-presidente da Frente Parlamentar introdução de transgênicos com vários efeitos que não estavam
da Agropecuária. Agora, a matéria vai para a Comissão de previstos em laboratório”, afirma Antonio Andrioli, professor
Transparência, Fiscalização e Controle e, em seguida, para do mestrado em Agroecologia da Universidade Federal da
votação no plenário. Fronteira Sul (UFFS).

40 Ab r i l 2018 ECO•21
 | rotulagem ogm |

Foram imprevisíveis as consequências do consumo de um Sob suspeita


suplemento alimentar com triptofano produzido por bactérias
transgênicas há quase 30 anos. Em 1989, uma epidemia de Segundo Petersen, um dos principais problemas é o fato de
síndrome de eosinofilia-mialgia matou 37 pessoas e deixou outras que as pesquisas em geral são realizadas por períodos curtos,
cinco mil doentes depois que elas usaram o suplemento nos enquanto problemas graves de saúde comumente demoram
Estados Unidos: embora testes tivessem sido feitos, ninguém a aparecer. “Para haver um mínimo de informação é preciso
conseguiu antever que essas bactérias começariam a produzir ter pesquisas de longo prazo, que nunca são feitas, porque as
um aminoácido que provocava a doença. empresas não têm interesse”, diz. Uma questão ligada a essa
De lá para cá, os protocolos foram se aperfeiçoando. Hoje, é que, assim como ocorre com medicamentos, agrotóxicos e
a Organização Mundial da Saúde (OMS) não recomenda o outros produtos, quem conduz os testes levados em conta na
uso de genes de substâncias que causam alergias conhecidas hora da aprovação são as próprias empresas fabricantes.
(como leite, ovos, crustáceos e trigo); os testes de alergia buscam No Brasil, o organismo responsável pela aprovação é a
analogias com sequências de aminoácidos que podem causar Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio),
danos à saúde e são feitos exames específicos para buscar novas mas a idoneidade da sua atuação está longe de ser um con-
toxinas no organismo geneticamente modificado. senso. Ela foi criada em 1995 pela lei 8.974 para “prestar
apoio técnico consultivo e de assessoramento” ao governo
A todo vapor federal em relação a organismos geneticamente modificados;
outra função era estabelecer normas técnicas de segurança e
Com medo ou não, quase todo brasileiro tem alimentos pareceres sobre a proteção da saúde e do meio ambiente. Só
transgênicos na rotina, e a agricultura baseada nessa tecnologia que dez anos depois a chamada Lei de Bissegurança mudou
não para de avançar. O Brasil é o segundo maior produtor o esquema: a comissão passou a decidir, de modo definitivo,
de transgênicos do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. sobre a liberação de transgênicos.
Aqui, já são mais de 40 milhões de hectares com esses cul- Antonio Andrioli, que fez parte da CTNBio por 6 anos,
tivos — uma extensão que cresce a cada ano —, e cerca de acredita que essa não deveria ser sua função. “Ela deveria
95% da soja, 85% do milho e 78% do algodão produzidos prestar só assessoria técnica. E tem vários problemas. É uma
no país são transgênicos. comissão que trata de biossegurança mas não tem maioria de
Mas se engana quem pensa que milho verde, fubá, cerveja especialistas na área de biossegurança, e sim em biotecnologia.
com ‘cereais não maltados’ e óleo ou ‘carne’ de soja são os Muitos pesquisadores da CTNBio já tiveram vínculos com
grandes responsáveis pelo consumo: a maior parte da soja e empresas, pesquisam com base em recursos trazidos aos seus
do milho produzidos vão para alimentação animal, segundo a laboratórios por meio de bolsas, ganham prêmios financiados
Embrapa. E não há rotulagem sobre isso, como lembra Andrioli: pelas empresas, enfim, há formas de auxílio e apoio há muito
“O DNA não consegue ser detectado no leite, nos ovos e na tempo já públicas”, critica. Ano passado, ao deixar seu mandato,
carne, embora se saiba que os animais foram alimentados com escreveu uma carta denunciando práticas da comissão.
transgênicos. Isso é bem mais difícil de medir”. Não foi o primeiro. Dez anos antes, a médica sanitarista
Segundo o ISAAA (sigla em inglês para o Serviço Inter- e especialista em meio ambiente Lia Giraldo pediu seu des-
nacional para Aquisição de Aplicações de Agrobiotecnolo- ligamento da CTNBio depois que o milho Liberty Link, da
gia), em 1996 havia 1,7 milhões de hectares de organismos multinacional Bayer, foi liberado. “Participar desta Comissão
geneticamente modificados no mundo; em 2002, já eram requereu um esforço muito grande de tolerância diante das
57,7 milhões e, em 2016, 185,1 milhões de transgênicos. situações bizarras por mim vivenciadas, como a rejeição da
Isso corresponde mais ou menos a 10 por cento das lavouras maioria em assinar o termo de conflitos de interesse; de sentir-se
de todo o planeta, que hoje somam 1,8 bilhões de hectares, constrangida com a presença nas reuniões de membro do MP
conforme esta estimativa de um departamento do governo ou de representantes credenciados da sociedade civil; de não
estadunidense. atender pedido de audiência pública para debater a liberação
“É 100% seguro? Não, nada é 100% seguro”, reconhece comercial de milho transgênico, tendo o movimento social
Francisco Aragão, pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos de utilizar-se de recurso judicial para garantia desse direito
e Biotecnologia. Ele ressalta que cada caso é um caso, e não básico; além de outros vícios nas votações de processos de
se pode falar em segurança de todos os organismos geneti- interesse comercial”, escreveu ela na época.
camente modificados: é preciso testar cada novo organismo O conflito de interesses é, para Paulo Petersen, uma das
produzido. “Alguns problemas podem aparecer só com o principais características do processo de aprovação. “A pos-
tempo. Isso não é uma característica só dos transgênicos, sibilidade de os próprios interessados economicamente no
acontece com tudo, desde automóveis a vacinas. Mas os produto avaliado influenciarem a aprovação está equivocada.
protocolos de segurança são constantemente aperfeiçoados”, Toda vez que uma pesquisa aponta evidência de que há riscos
assegura o pesquisador. elevados, ela é desconsiderada. Não é uma comissão científica,
Sua fala é ancorada por várias pesquisas científicas. Há porque os interesses econômicos prevalecem sobre a análise
dois anos, manchetes em diversos jornais anunciaram o fim rigorosa. Saímos do campo da ciência e entramos no campo
da questão com a publicação de um relatório da Academia da disputa comercial”, declara.
Nacional de Ciências dos Estados Unidos, que fez a maior No ano passado, o Ministério Público Federal recomendou
revisão sistemática sobre transgênicos até o momento. Após alterações no regimento da CTNBio para evitar conflitos de
a análise de 900 estudos produzidos nos últimos 30 anos, a interesses e aumentar a transparência. O Ministério da Ciência,
conclusão é que não há provas de que os alimentos transgênicos Tecnologia, Inovações e Comunicações (ao qual a Comissão se
já aprovados tenham impactos negativos na saúde. Mas isso vincula) informou ao Outra Saúde, que em 2016 a CTNBio
não esgotou os debates. já havia começado a revisão de seu regimento interno.

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Disse também que as sugestões do MPF foram “sub- “O milho nk603, usado na pesquisa, ocupa hoje mais da
metidas à avaliação da Consultoria Jurídica do Mctic” e a metade da área cultivada nos Estados Unidos e, no Brasil,
“votação pela Comissão”, e que “a proposta de alteração de muito mais da metade. E já está sendo cultivado nos Estados
Regimento Interno ainda está sob nova avaliação jurídica e Unidos há 15 anos. Tem animais que se alimentaram com
quando concluída será aprovada pelo plenário da Comissão esse milho a vida inteira, e não há um único alerta feito pelo
e publicada no Diário Oficial da União”, mas não informou CDC [Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos
quais serão as mudanças. EUA], ou por veterinários e academias veterinárias associando
qualquer problema desse milho a problemas de saúde dos
O caso mais famoso animais. Se isso fosse verdade, seria facilmente detectável”,
acredita Aragão.
A pesquisa sobre a insegurança dos transgênicos que gerou Mas é fato que, enquanto algumas doenças levam décadas
maior repercussão foi divulgada em 2012 por um grupo de para se manifestar, o tempo das pesquisas nunca é muito
pesquisadores franceses liderados por Gilles-Éric Séralini. longo. “Não dá para pensar em fazer ensaios por 20, 50 anos.
Eles alimentaram ratos com o milho nk603, que é largamente O tempo das pesquisas varia para cada caso, mas confere
cultivado e consumido, e apareceram tumores imensos, além robustez e segurança”, defende o pesquisador da Embrapa.
de outros problemas de saúde. O artigo foi publicado em uma E vai além: “Há algum dado confiável que mostra problemas
renomada revista científica, a Food and Chemical Toxicology, causados por plantas transgênicas na saúde? Até o momento,
e as imagens dos bichinhos que desenvolveram câncer são não. E por plantas não transgênicas? Sim, vários”.
impressionantes. Ele diz que um bom exemplo é o de uma variedade de
Mas reclamações sobre falhas metodológicas levaram o arroz, resistente a algumas doenças e mais produtiva, que foi
editor da revista a rever o caso e, cerca de um ano depois, lançada no Brasil nos anos 1980. Mas, quando começaram
publicar uma retratação — na prática, os resultados deixaram a processar os grãos industrialmente, trabalhadores tiveram
de existir cientificamente. É que, embora não houvesse fraude sintomas de asma, como resultado de uma alergia a uma
e os dados não estivessem incorretos, foram encontrados proteína daquele arroz. “Ela vinha de um arroz silvestre usado
problemas que poderiam mascarar a análise: foram usados nos cruzamentos que levaram àquela variedade nova. Muitas
poucos animais (apenas dez em cada grupo), eles eram de uma variedades silvestres têm toxinas que vão sendo eliminadas ao
linhagem que é naturalmente mais propensa a ter câncer e a longo do tempo durante os cruzamentos, porque o homem vai
metodologia de análise dos dados foi considerada falha. selecionando. Mas ninguém precisa analisar a segurança disso
O embate não parou por aí. Muitas críticas foram feitas à no Brasil. Uma variedade obtida por melhoramento genético,
revista após a retratação, sobretudo porque ela ocorreu depois naturalmente, é considerada segura a priori”, compara. O
que um ex-funcionário da Monsanto foi contratado pela melhoramento genético é diferente da transgenia: trata-se da
revista como editor especial. Em 2014, o estudo foi republi- combinação de duas plantas por meio de cruzamento sexual,
cado em outra revista, a Environmental Sciences Europe. Na feita por agricultores há milhares de anos.
época, seu editor disse à Nature que o objetivo era garantir Na avaliação do pesquisador, as evidências de que os
o acesso às informações, mas que o artigo não havia passado transgênicos disponíveis no mercado são seguros nada têm
por revisão de pares, pois a Food and Chemical Toxicology já de incertas. “Na ciência, é preciso olhar o conjunto dos
havia verificado a ausência de fraude. dados. Para quase tudo, desde batons a celulares, há artigos
científicos indicando segurança e insegurança. No caso da
gmoseraliniorg

transgenia, há centenas de artigos de um lado, e uma dezena


do outro. A OMS afirma que os produtos aprovados são
seguros, academias de ciências do mundo inteiro afirmam
que são seguros, enquanto poucos artigos dizem que não são.
Em quem podemos confiar?”, provoca.

O buraco é mais embaixo

Embora as evidências sempre possam ser contestadas


levando em conta conflitos de interesses, não se pode negar
que quase todas as pesquisas disponíveis apontam que, ao
menos nos casos já aprovados, a transgenia em si não traz
danos à saúde. Ainda assim, isso não significa que os riscos
aumentados para determinadas doenças estejam afastados.
E isso tem a ver não com a técnica propriamente, mas com
o uso de agrotóxicos. Estes, sim, são comprovadamente
danosos: ao meio ambiente, à saúde de quem consome e aos
agricultores.
O cultivo de plantas transgênicas até promete a dimi-
nuição do uso deles, o que faz algum sentido. Por exemplo,
há plantas que resistem a determinado tipo de inseto ou
doença, o que evita o uso de veneno. É o caso da maior parte
do milho transgênico cultivado no Brasil, que produz uma
Rato com tumores da pesquisa de Gilles-Éric Séralini toxina específica para matar um tipo de lagarta.

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“Para decidir usar ou não essa semente, é preciso comparar “Há normas que definem o resíduo aceitável de agrotóxi-
o custo-benefício. Se há histórico de perdas por essa lagarta, cos em grãos, e de qualquer maneira a produção precisa ficar
qual é a outra opção? Aplicar inseticida. Todos os inseticidas, dentro desses limites”, diz. Mas vale lembrar que esses limites
mesmo os aceitos pela agricultura orgânica, matam outros não são imutáveis. O Dossiê da Associação Brasileira de Saúde
animais além do alvo. No caso da semente transgênica, o Coletiva (Abrasco) sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde
protocolo de biossegurança compara os efeitos com organismos mostra uma possível razão para a relação entre a introdução
que não são o alvo e, se matar outros insetos ou lagartas, a no Brasil da semente de soja Roundup Ready, resistente ao
semente não passa. De maneira que é uma toxina bem espe- herbicida Roundup, e o aumento do seu consumo: “A libe-
cífica. E os receptores daquela proteína não estão presentes ração do sistema “Roundup Ready” no Brasil fez com que
em seres humanos, então não há riscos — mesmo assim esse fosse necessário que a Anvisa aumentasse em 50 vezes o nível
risco é testado”, defende Aragão, ponderando: “É seguro para de resíduo de glifosato permitido no grão colhido”, escrevem
absolutamente todos os insetos? Não sei, não é possível testar os autores. Andrioli observa que “esses dados precisam ser
com todos os insetos que existem. Mas se testa com vários”. analisados de forma associada”.
Apesar disso, na prática, o aumento do plantio de trans-
gênicos cresce junto com o uso de agrotóxicos, embora não Saúde pra valer
seja possível assegurar uma relação de causa e efeito. Este
artigo, escrito por um grupo coordenado pelo pesquisador No Brasil, embora quase sempre a soja, o milho e o
da Embrapa Vicente de Almeida, mostra alguns números: algodão (cujas sementes são produzidas por empresas como
o uso de agrotóxicos no Brasil aumentou 1,6 vezes entre os Monsanto, DuPont e Syngenta) sejam resistentes a agrotó-
anos 2000 e 2012 e, no caso da soja, triplicou. xicos, esse não é o caso do eucalipto, da cana de açúcar e do
O que explica isso? Em parte, o fato de que a maioria feijão, que já foram aprovados pela CTNBio. O eucalipto,
das plantas transgênicas são desenvolvidas com o objetivo produzido pela FuturaGene Group, tem a característica de
de resistir ao uso de herbicidas. Em termos mais simples: o crescer mais rápido, enquanto a cana (do Centro de Tecno-
produtor pode pulverizar as plantas com um agrotóxico que logia Canavieira) e o feijão (da Embrapa) são resistentes a
mata todo o ‘mato’ ao redor das plantas transgênicas, mas determinadas doenças.
elas sobrevivem. Os dados do ISAAA mostram que hoje, É o caso de se perguntar: e se, diante de uma hipotética
dos 17 eventos de transgenia aprovados para soja no Brasil, pressão mercadológica, as grandes empresas de semente um
14 conferem a ela a resistência a herbicidas. No caso do dia se esforçassem para produzir plantas resistentes a doenças
algodão, são 12 entre os 15aprovados. E, no milho, são 34 e que, de fato, diminuíssem o uso de agrotóxicos? Não seria
de 44 (evento é o processo em que o gene de fora transforma uma boa notícia?
a célula desejada). Para a saúde individual, é bem possível. Mas, em termos
Como lembra Aragão, essa resistência não é exclusividade mais amplos, dificilmente. As entrevistas realizadas para esta
de plantas transgênicas. “Há plantas não transgênicas resisten- reportagem mostram que um dos maiores problemas do uso
tes. Como alguns tipos de arroz, desenvolvidos por mutações dessas sementes é na verdade a perda de soberania dos países
induzidas, que não são transgênicos”, diz. Já Andriolli ressalta em relação à sua alimentação, que vem junto com o domínio
o papel das grandes corporações nessa teia: “As empresas que das sementes por parte das corporações e o enfraquecimento
fornecem sementes e agrotóxicos são quase sempre as mesmas. dos agricultores.
O glifosato é o princípio ativo do herbicida mais vendido no
Senar

mundo, o Roundup, da Monsanto. Quase todo o algodão, a


soja e o milho são resistentes a ele. E a Monsanto também é
a maior produtora de sementes transgênicas”.
Existe ainda o fato de que pragas podem se tornar resistentes
à toxina da planta transgênica e, nesse caso, é preciso aplicar
pesticidas mesmo assim. Segundo Aragão, para evitar que
isso aconteça, hoje se recomenda cultivar uma área de milho
não transgênico perto do transgênico. Assim, insetos podem
comer as plantas tradicionais à vontade, sem insistirem nas
transgênicas, o que diminui as chances de a população dos
resistentes à toxina aumentar muito. “Mas isso pode acontecer,
e voltar à situação anterior”, reconhece.
Também já há relatos de ervas consideradas daninhas
que desenvolvem a mesma resistência da planta transgênica
ao herbicida, fazendo com que os agricultores passem a usar
outros agrotóxicos no seu controle. Recentemente houve
problemas em grandes plantações de soja transgênica no
Brasil, onde cresce milho transgênico “sem querer” no meio
da plantação, e, como ele também é resistente ao herbicida,
não morre durante as pulverizações (o que de fato só é um
problema em monocultivos, onde apenas a soja interessa).
Aragão lembra que isso não deve aumentar os níveis de
agrotóxico nas plantas a ponto de que elas se tornem inseguras
para o consumo.

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Arquivo
E, quando isso acontece, o agricultor não só perde a semente
original como a que vem do cruzamento. Isso porque, como
são patenteadas, sementes transgênicas exigem o pagamento
de royalties nas safras subsequentes, e agricultores podem ser
processados caso não paguem. No caso de produtores orgâ-
nicos, o prejuízo é ainda maior: “Para garantir a certificação
orgânica, a produção não pode ser transgênica. Se alguma
análise mostrar a presença de transgênicos, o produtor pode
perder seu certificado e isso tem grande impacto em toda a sua
cadeia produtiva”, comenta Bittencourt. Já para o patrimônio
genético, a perda é incalculável. “Variedades que são resultado
de anos de melhoramento genético vão sendo perdidas por
essa poluição genética”, assinala Petersen.
A canola é ainda mais problemática que o milho nesse
sentido, e sua contaminação já rendeu vários problemas no
Canadá (no Brasil, a canola transgênica não é cultivada). O
mais famoso é o caso judicial entre a Monsanto e o agricul-
tor Percy Schmeiser, em cuja fazenda foi encontrada canola
transgênica resistente ao Roundup. Schmeiser afirmava que
sua plantação havia sido contaminada, já que não havia regis-
tros de que ele jamais tivesse comprado tais sementes, mas a
Monsanto ganhou a causa alegando que ele havia guardado
sementes resistentes para replantio.
“No Brasil, hoje, os pequenos produtores estão protegidos
até certo ponto. A nossa Lei de Cultivares [protege os direitos
da propriedade intelectual sobre as sementes desenvolvidas em
laboratório] tem uma exceção para eles, que podem vender
“Produtores começam a comprar essas sementes por várias alimentos feitos a partir de sementes transgênicas sem pagar
razões. Uma delas é o fato de que muitas políticas públicas de royalties. Mas, se comercializarem a semente em si, podem ser
crédito rural são associadas ao conjunto do que chamamos de responsabilizados. E é uma lei que pode ser alterada a qualquer
pacote tecnológico: quando o pequeno agricultor quer con- momento. Num cenário de retrocessos como o que vivemos
seguir crédito em vários programas, precisa apresentar uma hoje, essa é sempre uma ameaça”, alerta a advogada.
série de notas fiscais e comprovantes, receituários, análises Um caso bem conhecido de problemas com o patrimô-
agronômicas de situação… A concessão de crédito está atrelada nio genético devido à entrada de milho transgênico é o do
à compra de insumos, sementes, agrotóxicos e toda a assessoria México, berço da domesticação desse cereal. O milho tem
técnica tradicional, voltada para a agricultura convencional e uma importância histórica, cultural e nutricional gigante por
que vai receitar o pacote do veneno”, diz Naiara Bittencourt, lá, e existe em todos os tamanhos e cores. Para proteger esse
advogada da organização Terra de Direitos. bem, em 1998 o país proibiu o cultivo de versões transgêni-
E Petersen completa: “Tem também a propaganda das cas. Mesmo assim, dois anos depois, foi encontrado material
sementes novas, que as mostram como se fossem render genético transgênico em variedades nativas. A proibição se
uma alta produção, o que não é verdade [ainda não existe extinguiu em 2005, e há várias organizações de proteção ao
nenhuma semente geneticamente modificada para ter maior milho tradicional no país.
produtividade]. E existe ainda um outro problema: é cada As normas brasileiras impõem uma distância mínima de
vez mais difícil encontrar variedades não transgênicas no 100 m que as plantações de milho transgênico devem guardar
mercado. No caso da soja isso é típico, mas também acon- em relação a outras, mas, segundo Antonio Andrioli, ela é
tece com o milho em muitos lugares”. De acordo com ele, totalmente insuficiente. “Há variáveis incontroláveis e o pólen
muitos agricultores percebem os efeitos negativos do plantio viaja por distâncias muito maiores”, observa. Já Naiara Bit-
de transgênicos — a produção que não necessariamente tencourt acrescenta que o ônus desse controle acaba recaindo
aumenta, o custo da semente que é mais alto, a ‘praga’ que se sobre o agricultor do plantio não transgênico. “Deveria haver
torna tolerante — e tentam voltar a usar outras variedades, fiscalização, mas, na prática, é o agricultor que deseja proteger
mas não as encontram. seu plantio quem precisa fazer barreiras verdes altas”.
Ele nota que um dos efeitos mais graves do uso dessas O resultado disso, é que a cadeia produtiva de sementes
sementes é “a contaminação, que leva à perda da agrobiodi- fica concentrada em grandes corporações e, que, hoje, está sob
vesidade”. E explica com o caso do milho, que é uma planta o domínio de três grandes conglomerados: Bayer-Monsanto
de polinização aberta: diferentes variedades de milho, mesmo (que estão em processo de fusão), DowDuPont (fusão entre
não transgênicas, ‘contaminam’ umas às outras porque o pólen DuPont e Dow Chemical) e Syngenta-ChemChina. Já chega-
dessa planta é capaz de viajar centenas de metros pela ação ram a ser criadas sementes chamadas ‘suicidas’ ou ‘terminator’,
do vento ou de insetos, e o cruzamento gera sementes com que dão origem a sementes estéreis, tornando efetivamente
características genéticas desses vizinhos distantes. Quando impossível a reprodução via replantio. “Há uma moratória
um dos vizinhos é transgênico, um produtor orgânico de da ONU, do ano 2000, que impede sua utilização. Mas já
milho pode acabar produzindo sementes transgênicas, mesmo houve um projeto de Lei no Congresso para que se liberasse
sem querer. a comercialização no Brasil”, lembra Naiara.

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Karen Eliot
“Ainda não sabemos o impacto que essas sementes poderiam
ter. Se, por exemplo, o cruzamento entre um milho terminator
e uma semente tradicional poderia também gerar descenden-
tes inférteis. O risco da erosão do patrimônio genético seria
grande”, completa ela.
Quanto a ter tanto poder concentrado nas mãos de poucas
empresas, Francisco Aragão concorda que isso “não é desejá-
vel” e ajuda a diminuir a diversidade de cultivos no mundo.
“Essas empresas estão interessadas em commodities, por isso o
foco em soja, milho, algodão. Elas investem em plantas que
podem se adaptar ao mundo inteiro, e a estudar a resistência a
doenças que estão também presentes no mundo inteiro. Mas
problemas e culturas locais ficam de fora. As companhias
não estão interessadas em melhorar culturas como feijão e
banana, só no que vai ter mercado global”.
Porém, ele ressalta que o problema não é da técnica da
transgenia em si. “O ideal seria que houvesse mais sementes
geradas em ambientes públicos”, defende, apontando uma
questão inusitada. De acordo com ele, embora os testes de
biossegurança sejam importantes, o seu alto custo acaba res-
tringindo às grandes empresas a possibilidade de aprovação de
tecnologias. “Eles acabam criando uma reserva de mercado,
porque essas empresas têm dezenas de milhões de dólares para
investir nos testes, mas universidades e empresas públicas
não. Hoje há centenas de tecnologias desenvolvidas no setor
público que nunca chegarão ao mercado”, lamenta.
Para Paulo Petersen, esse debate não deveria estar de fora
das decisões sobre a aprovação ou não de novas sementes: “A Petersen também critica o debate sobre alimentos orgânicos:
CTNBio não avalia essa lógica de agricultura que tem gerado “Ao longo dos últimos 30 anos, essa é uma discussão que tem
uma grande concentração de poder em um número pequeno avançado condicionada pelos interesses comerciais. Existe um
de empresas, o fato de esse poder fazer com que elas dominem nicho bem demarcado que valoriza e diferencia o produto
o desenvolvimento tecnológico e monopolizem o mercado. orgânico. Hoje, há uma parcela de produtores produzindo
A comissão avalia apenas riscos ao meio ambiente e à saúde. para uma parcela de consumidores, enquanto a maior parte
Só que o debate dos transgênicos não é sobre biossegurança, da população come alimentos de má qualidade”.
mas também sobre a soberania de países e povos sobre seu Ele deixa o alerta de que, se quisermos falar em segurança
patrimônio tecnológico”. alimentar, nutricional e saúde coletiva, é preciso mudar os
padrões de consumo e produção. “E definir que orgânicos têm
Organotransgênicas que ser baseados em princípios agroecológicos”, conclui.
A solução da organotransgenia é, também para Naiara
Alguns parágrafos acima, esta reportagem propôs um Bittencourt, totalmente falaciosa. “Não dá para pensarmos o
exercício de imaginação sobre um cenário em que fossem alimento isolado da cadeia produtiva, da relação que homens
desenvolvidas plantas transgênicas totalmente ‘do bem’, e mulheres têm com a terra, do cuidado, da relação de pro-
não relacionadas a agrotóxicos. Se você achou que era pura dução. Não dá para aceitar como solução a transgenia, com
fantasia, errou feio. Numa entrevista, a geneticista Pamela suas relações de propriedade intelectual e com o domínio das
Ronald (que é casada com um agricultor orgânico) defende grandes empresas, com relações sociais destruídas a partir
exatamente essa ideia. desse domínio”, salienta.
E tem mais gente fazendo o mesmo raciocínio: “O futuro A verdadeira saída, de acordo com eles, é pela via da
pertence às culturas ‘organotransgênicas’, que serão cultivadas agroecologia, que trabalha com recursos adaptados aos
com agricultura de precisão, respeitando a natureza e sua ecossistemas e, portanto, está menos sujeita à necessidade de
biodiversidade”, declarou o botânico suíço Klaus Ammann, grandes intervenções tecnológicas (como o custoso desenvol-
professor da Universidade de Delft, no prefácio do livro Genetic vimento de novas plantas porque as anteriores encontraram
Glass Ceiling, escrito pelo israelense Jonathan Gressel. insetos resistentes, por exemplo). “É importante dizer que,
Para Paulo Petersen, um futuro assim não seria surpreen- no início do mês, aconteceu o 2º Simpósio de Agroecologia
dente. “O que define o que é ou não orgânico é uma instituição da FAO [Organização das Nações Unidas para Alimenta-
humana que assim o diz. A definição está na Lei. Se a Lei for ção e Agricultura], que discutiu como a agroecologia pode
alterada para um conceito de que orgânico significa apenas a contribuir para alcançar os objetivos do desenvolvimento
ausência de agrotóxicos e fertilizantes químicos, mesmo que sustentável. Nesse simpósio, os países refletiram o quanto
com uso de sementes transgênicas, isso pode ser feito. É uma sistemas agroalimentares, a distribuição e o consumo de
disputa no legislativo, que nada tem a ver com qualidade ou alimentos são responsáveis por grandes problemas. E como
segurança alimentar. Tem a ver com pressão econômica. E há mudar os sistemas é fundamental para alcançar vários dos
uma pressão enorme da indústria para fazer com que o conceito objetivos. Isso significa interferir na questão dos transgênicos”,
de orgânico incorpore, sim, os transgênicos”, diz ele. conta Petersen.

ECO•21 Ab r i l 2018 45
| rotulagem ogm |

Arquivo

E o T, faz falta? Já Naiara Bittencourt acredita que a rotulagem hoje não


chega a ser suficiente como fonte de informação, mas é neces-
Os dados da maior parte das pesquisas disponíveis atual- sária. “As pessoas ainda nem sabem direito o que aquela figura
mente apontam para o fato de que a tecnologia da transgenia significa, seria preciso um trabalho grande de informação. E o
não é a grande vilã, nem para a saúde stricto sensu, nem para a símbolo é muito pequeno também. Mas é melhor ter do que
soberania alimentar. O problema está no sistema de produção não ter. As pessoas precisam poder saber sobre a composição
em que ela se encaixa — grande escala, monocultivo, uso de do alimento que compram”, defende.
fertilizantes químicos e agrotóxicos — e na concentração De fato, uma pesquisa feita em 2014 pela Associação
de tamanho poder nas mãos de grandes corporações. E esta Brasileira das Indústrias de Alimentos e pelo instituto IPSOS
parece ser uma barreira intransponível à transgenia, já que os mostrou que quase 70% dos entrevistados não sabia o que
custos para o desenvolvimento e registro são altos. queria dizer o símbolo, e 14% o confundiam com um sinal
É preciso também tornar a dizer que a maioria esmagadora de trânsito. “Muita gente confunde transgênico com gordura
dos transgênicos é usada para consumo animal, então ela não trans”, completa Andriolli, “mas isso não quer dizer que não
aparece nas prateleiras empacotada e rotulada. Isso não tem se precise garantir a rotulagem”.
realmente aparecido nos debates sobre o consumo de trans- Mas uma questão importante está na responsabilização
gênicos: se o país inteiro deixasse de consumir os produtos individual sobre esse tipo de escolha que, às vezes, não chega
hoje marcados pelo triângulo amarelo, isso praticamente não a ser uma escolha, por não haver outra opção. “É de fato algo
afetaria em nada as questões ambientais, por exemplo. que merece ser tratado como assunto público, sem responsabi-
Embora concorde com o Idec no sentido de que consumi- lizar o indivíduo, inclusive porque, como sabemos, o nível de
dores têm direito à informação, Francisco Aragão considera desinformação é grande. Porém, o rótulo é um mecanismo para
que a rotulagem, da maneira como é feita, não contribui que possa ser feita uma campanha de conscientização. É um
exatamente para isso, pois  não remete à informação, e sim instrumento para fazer com que a questão permaneça sendo
à segurança. “Deveria haver um alerta sobre qual agrotóxico discutida”, acredita o agrônomo e Coordenador-Executivo
foi usado no cultivo daquele produto, se foi na concentração AS-PTA, Paulo Petersen.
certa, se o período de carência [tempo necessário entre a A decisão do Senado, que se arrasta desde 2015, agora
aplicação e a colheita] foi seguido. Em termos de segurança, pode sair em breve. Mas, qualquer que seja ela, não parece
isso sim seria importante”, avalia. haver grandes mudanças à vista.

46 Ab r i l 2018 ECO•21
| ciências do espaço |

José Monserrat Filho | Jornalista e Mestre em Direito Internacional*

Por que colonizar a Lua?


Arquivo
“Três coisas não podem ser de criarem metas e negócios mais ambiciosos, como extrair
escondidas por muito tempo: o minerais valiosos, por exemplo. Quem afirma é Tatyana
Sol, a Lua e a Verdade.” Buda Pichugina, jornalista de ciências da Agência Sputnik da
Rússia. Para ela, o arsenal da indústria espacial global já
“Da Terra à Lua”, romance disponível tem tudo para faturar alto na Lua (sem falar nos
de Júlio Verne (1828-1905), outros corpos celestes, como o asteroides); só faltam obje-
escritor francês de ficção cientí- tivos traçados com mais clareza. Se aposta muito também
fica, foi publicado em 1865. Ele no hélio-3, usado em contadores de nêutrons. Ao contrário
conta a aventura mirabolante da Terra, a Lua tem muito hélio-3. Não por acaso, várias
do Clube do Canhão (Gun potências – cujas forças armadas e grandes empresas privadas
Club), entidade americana estão cada vez mais unidas – já se manifestaram dispostas
dedicada à produção de armas José Monserrat Filho a ir à Lua para explorar e usar o hélio-3 como combustível.
de fogo, canhões e balística em Cientistas já imaginaram também transferir para a Lua, no
geral. Além disso, com a falta de guerra nos EUA, o Clube futuro, a produção intensiva de energia na Terra, a fim de
dedicou-se também ao plano de construir um imenso canhão reduzir suas emissões industriais.
para lançar um projétil à Lua. Foram, então, construídos um Que dificuldades enfrentaremos? Na Lua, não há atmosfera
canhão, uma bala oca e um telescópio, em escala impensável; nem campo magnético. Sua superfície é permanentemente
e produzida uma quantidade inimaginável de pólvora. A bala bombardeada com micro meteoritos. As diferenças de tem-
disparada chegou perto da Lua, mas não pousou, entrou peratura ao longo do dia podem chegar a 200º Celsius. Lá,
em sua órbita. O que aconteceu com os três tripulantes que as pessoas só podem trabalhar com roupas especiais e dentro
tinham mantimentos só para mais dois meses? Verne adiou de veículos fechados, ou em módulos estacionados com um
o desfecho para “Em torno da Lua”, livro editado em 1869. sistema completo de suporte de vida.
“Da Terra à Lua” é contemporâneo da obra de H. G. Wells,
NASA

“O Primeiro Homem na Lua”. Ambos inspiraram o 1º filme


de ficção científica, “Viagem à Lua”, rodado em 1902 por
Georges Méliès. Em 1958, outra película sobre a ficção de
Verne foi lançada, “Da Terra à Lua”, um dos últimos filmes da
RKO Pictures. A Lua é dos namorados, repete a marchinha
brasileira de carnaval, mas quando se fala em dominar a Lua,
há sempre um jogo de força.
Hoje, o romance de Verne destaca-se, sobretudo por sua
irônica origem militar – o Clube do Canhão. A Era Espacial,
esboçada na Alemanha Nazista e inaugurada pelo Sputnik-1
soviético em 4 de Outubro de 1957, surgiu de fato da Guerra
Fria, declarada pelos EUA dez anos antes, em 1947. As ati-
vidades espaciais eram de uso exclusivo das forças armadas.
Astronautas e cosmonautas vinham sempre de áreas militares.
Em 19 de Julho de 1969, os EUA chegaram primeiro à Lua e
venceram a corrida espacial travada ao longo dos anos 60, mas
já em 1972, o Projeto Apolo que a sustentava foi liquidado
por uma penada do Presidente Richard Nixon – afastado em
1974 da Casa Branca por impeachment. Nos anos 1970, os
projetos lunares dos EUA e da URSS foram suspensos. As
viagens à Lua se revelaram muito caras e não perseguiam
nenhuma meta concreta. Meio século depois, o objetivo de
habitar a Lua voltou a interessar às superpotências.
O elevado nível tecnológico já alcançado abre oportu-
nidades, sobretudo para poderosas corporações privadas,

* José Monserrat Filho também é Vice-presidente da Associação Brasileira de Direito


Aeronáutico e Espacial, ex-Chefe da Assessoria de Cooperação Internacional do Ministério da
Ciência e Tecnologia (2007/11) e da Agência Espacial Brasileira (2011/15), Diretor Honorário
do Instituto Internacional de Direito Espacial e Membro Pleno da Academia Internacional de
Astronáutica. Ex-diretor da revista Ciência Hoje e ex-editor do Jornal da Ciência, da SBPC, autor
de “Política e Direito na Era Espacial – Podemos ser mais justos no Espaço do que na Terra?”.

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 | ciências do espaço |

George Melies

Em geral, todo o processo de construção deve ter por Mas isso não basta: eles precisam “entender o negócio
base tecnologias inteiramente diferentes e avançadas: usando da superioridade espacial e ter um conhecimento prático
módulos infláveis, produzem-se muitos elementos de cons- de manobras terrestres e operações marítimas, se quisermos
trução em impressoras 3D e criam-se materiais compostos integrar operações aéreas, espaciais e cibernéticas numa cam-
do regolito lunar por meio de sintetização a laser. Os cien- panha conjugada”. O espaço está no DNA da Força Aérea
tistas, pois, ainda precisam pensar em muitas coisas antes dos EUA, enfatizou Goldfein. O trabalho da Força Aérea
de qualquer ação real de colonização. Uma estação espacial tem liderado a superioridade espacial do país há mais de 60
orbital da Lua é vista como passo lógico no processo de sua anos e permanecerá apaixonado e inflexível na medida em
colonização. EUA, Rússia e China já anunciaram: seus projetos que tiver firme continuidade no futuro, acrescentou Goldfein.
na Lua começam a funcionar até 2025-2030. EUA e Rússia “Que não haja dúvidas, nosso trabalho responde por 90% da
acordaram em criar uma estação orbital conjunta chamada arquitetura espacial do Departamento de Defesa, e a força
Deep Space Gateway. Alguns países do BRICS (Rússia, China, profissional cumpre o dever sagrado de defendê-la. Temos
Índia e África do Sul) poderão acompanhar o projeto de que abraçar a superioridade espacial com a mesma paixão e
perto. Detalhes técnicos serão conhecidos ainda este ano. O senso de propriedade com que tratamos a superioridade aérea
trabalho de construção em órbita deve se iniciar em 2024. até hoje”, salientou Goldfein.
Tomara que esse inédito esforço de cooperação seja um êxito O espaço permite tudo o que a Força Aérea pode e deve
maiúsculo. O mundo agradecerá. fazer. As capacidades espaciais são essenciais para o sucesso
Em paralelo, a ameaça de guerra espacial. Os cientistas em no campo de batalha, mas também são vitais para o modo de
geral estão convencidos de que a humanidade é plenamente vida estadunidense. Goldfein frisou igualmente a importância
capaz de converter a Lua em posto avançado no espaço: já de operar no espaço com aliados e parceiros: “Por mais fortes
existem centros de lançamento, foguetes pesados de transporte, que sejamos em conjunto, como pilotos e combatentes, somos
módulos espaciais e robôs lunares. Mas antes há que superar o ainda mais fortes lutando ao lado de nossos aliados e parceiros”.
perigo de guerra espacial, que cresce cada vez mais. Para isso, E mais: “A integração com nossos aliados e parceiros aumenta
já existem até armas especiais, inclusive nucleares, para uso a segurança, a estabilidade e a sustentabilidade do espaço e,
no espaço – em produção, ou prontas e ensarilhadas. por fim, conquista o apoio internacional que condena as ações
No recente 34º Simpósio Espacial, em 17 de Abril de prejudiciais de qualquer adversário”. Por isso, a importância do
2018, na cidade de Colorado Springs, EUA, o Chefe do espaço é bem destacada nos documentos sobre Estratégias de
Estado-Maior da Aeronáutica dos EUA, David L. Goldfein Segurança Nacional e Defesa Nacional, há pouco publicados.
reafirmou o papel essencial dos militares da Força Aérea na O projeto de orçamento do Presidente para 2019 concede os
manutenção da superioridade espacial – “Nossos especialistas maiores recursos para o espaço, desde 2003. O negócio da
espaciais devem ser de classe mundial.” guerra sempre demanda muito dinheiro.

ECO•21 Ab r i l 2018 49
| dia da caatinga |

Elmano Augusto | Jornalista do MMA

Dia da Caatinga é celebrado


em 28 de Abril
Mandacaru, xique-xique, veado- “Estamos todos muito felizes
catingueiro, asa branca, soldadinho- pela recente criação do Parque
do-araripe, arara-azul-de-lear... Os Nacional e da Área de Proteção
nomes de plantas e animais são a Ambiental do Boqueirão da Onça
melhor tradução da riqueza natural com quase um milhão de hectares
da Caatinga, o bioma semiárido na área hoje mais preservada da
mais biodiverso do mundo e o único Caatinga”, destaca o Secretário de
exclusivamente brasileiro. Biodiversidade.
São 932 espécies de vegetais, 178
de mamíferos, 590 de aves, 241 de Boqueirão da onça
peixes. Muitas delas são endêmicas,
ou seja, só existem no local. E, o Com 345.378 hectares, o
pior: algumas estão ameaçadas de Parque é a segunda maior UC de
extinção. proteção integral do bioma. Junto com a Área de Proteção
No sábado 28 de Abril, comemora-se o Dia Nacional Ambiental, forma um grande mosaico que, além de possuir
da Caatinga. “É o momento para refletirmos sobre a impor- grande variedade de ambientes, abriga animais endêmicos
tância de avançar na agenda de conservação de esse que é o e em risco de extinção, entre eles, a onça-pintada, o maior
terceiro maior bioma brasileiro e o principal do Nordeste”, felino das Américas. A onça tem no Boqueirão um de seus
diz o Secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio principais refúgios.
Ambiente (MMA), José Pedro de Oliveira Costa. A APA, que é uma UC de uso sustentável, tem mais de
Para marcar a data, o MMA promoverá, entre outros meio milhão de hectares e permite a exploração de atividades
eventos, o 1º Dia de Campo sobre a implantação de Uni- produtivas, como o turismo ecológico. A ideia é propiciar
dades de Recuperação de Áreas Degradadas e Redução da emprego e renda para populações tradicionais, como quilom-
Vulnerabilidade Climática (Urad) em Sergipe. bolas e comunidades de fundo de pasto (que se caracterizam
pela posse e uso comunitário da terra).
Ecossistemas A conservação da Caatinga está intimamente associada ao
combate à desertificação, processo de degradação ambiental
A Caatinga ocupa cerca de 11% do território nacional. que ocorre em áreas áridas, semiáridas e sub-úmidas secas.
Abrange áreas dos Estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Mara- No Brasil, 62% das áreas susceptíveis à desertificação estão
nhão, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí, em zonas incluídas no bioma, sendo que muitas já estão
Sergipe e o Norte de Minas Gerais. O bioma semiárido bastante alteradas.
mais biodiverso do mundo sofre com a ocupação humana e
a desertificação Vinte e sete milhões de pessoas vivem atual- Convenções
mente na região, o que causa forte impacto sobre os recursos
naturais. Nada menos que 80% dos ecossistemas originais No contexto internacional, a Caatinga está relacionada
foram alterados, principalmente por meio de desmatamentos diretamente a duas das três principais Convenções sobre Meio
e queimadas, em um processo de ocupação que começou nos Ambiente no âmbito da Organização das Nações Unidas: a
tempos do Brasil colônia. Convenção de Diversidade Biológica (CDB) e a Convenção
Ainda hoje, grande parte da população da Caatinga utiliza de Combate à Desertificação (CCD).
os recursos da biodiversidade para sobreviver. Por outro lado, Esse contexto pode ajudar na conservação do bioma. Por
esses mesmos recursos, se conservados e explorados de forma meio das Secretarias de Biodiversidade e de Extrativismo e
sustentável, podem impulsionar o desenvolvimento da região. Desenvolvimento Rural Sustentável, o Ministério do Meio
A partir dessa visão, que busca conciliar a preservação com Ambiente trabalha, junto com parceiros, no sentido de agilizar
o uso sustentável, o Governo Federal promove, por meio do a implantação das duas Convenções no país.
Ministério do Meio Ambiente, um conjunto de ações para A proteção da Caatinga tem ainda ligação com a mudança
proteger o bioma. Entre elas, destacam-se 25 Unidades de do clima que, entre outras coisas, causa a redução do volume
Conservação (UCs) federais que, juntas, guardam 4 milhões das chuvas e, em consequência, a dificuldade de recarga
de hectares de Caatinga. As mais recentes, criadas em abril, dos aquíferos- fator decisivo para acelerar o processo de
são a Área de Proteção Ambiental e o Parque Nacional do desertificação. Tudo isso alerta ainda mais a sociedade para
Boqueirão da Onça. a importância de se conservar o bioma.

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