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Em 1938, a antropóloga norte-americana Ruth Landes veio ao Brasil fazer uma pesquisa sobre os
negros baianos, resultando no livro A Cidade das Mulheres (1947), onde faz as seguintes
colocações : a) Candomblé é, antes de qualquer coisa “assunto de mulher”; b) a presença de
homossexuais (principalmente masculinos) é maciça no Candomblé. Para Landes, somente as
mulheres são capazes de cuidar adequadamente dos Orixás, e o serviço sacerdotal torna os
homens menos viris. Assim, os papéis de sacerdote nas religiões afro-brasileiras ficariam
reservados às mulheres: apenas elas podem ocupar os cargos mais altos na hierarquia religiosa:
a possessão dos orixás é um assunto restrito às mulheres.
Os homens que freqüentam a religião e desejam subir na hierarquia precisam estar identificados
com papéis femininos, em especial o papel de “mãe de santo”. Como desempenhar papéis
femininos não interessa aos heterossexuais, os praticantes do candomblé seriam,
obrigatoriamente, homossexuais. Para ela, apenas a feminilidade pode servir aos deuses: “todos
os homens considerados normais na Bahia continuaram, pois, excluídos. Somente um grupo
preenchia os requisitos “. (Landes, op.cit., p. 326).
Esse grupo, para ela, é o dos homossexuais passivos, que na época, seriam recrutados ente os
prostitutos, os bandidos e os malandros de Salvador. A entrada deles no Candomblé se dava
principalmente pelo desejo de “realizar “ fantasias homossexuais passivas (...) pois o homens
dança com as mulheres no papel de mulher, usando saias e agindo como médium”. (Landes, p.
327)
A estruturação do Candomblé baiano na época permitia afirmações como essas, pois as principais
cas, de fato, eram dirigidas por mulheres. Também, Landes não foi a primeira a escrever coisas
dessa espécie, pois frases semelhantes já apareciam nos livros de seu grande mentor intelectual,
Edison Carneiro.
Desde a publicação de A Cidade das Mulheres, outros estudiosos tentaram refutar a posição de
Landes, defendendo o candomblé da acusação de ser uma religião de mulheres, e de dar guarida
a homossexuais. Para tanto, muitos pesquisadores foram à história da África, demonstrando que
em suas origens as religiões africanas permitem que tanto homens quanto mulheres exerçam a
possessão e altos cargos hierárquicos. Mesmo assim ficou estabelecido nos meios acadêmicos
que essa relação entre homossexualidade e candomblé está absolutamente provada, sendo
desnecessário discutir novamente a questão. Assim, muitos livros e artigos escritos por
pesquisadores acadêmicos trazem essas afirmações.
Alguns pesquisadores vão além e afirmam que o processo ritual de “feitura de santo” e possessão
pelos Orixás provoca a desvirilização dos adeptos de sexo masculino. Mais: alguns pesquisadores
suspeitam que zeladores de orixás mal intencionados podem usar feitiços poderosos que incidem
sobre a masculinidade dos homens. A folha de catioba, colocada virada ao contrário sob a esteira
do homem em iniciação, além de ajudar a “fixar” o santo no ori do neófito, daria a esse
simultaneamente uma outra característica fundamental, uma nova condição de gênero. Ou seja,
a iniciação permitiria aos homens ao mesmo tempo “ virar no santo” e também “ virarem bichas”
( teoria desenvolvida por P. BIRMAN na obra citada na bibliografia final).
É a possessão pelos Orixás o que define os gêneros no Candomblé: quem “ recebe o santo” é do
sexo feminino; quem “não incorpora” é masculino. Ou seja: as “filhas de santo” são femininas; os
ogãs são masculinos: os “filhos de santo rodantes” são “bichas”; as ekedes, na maioria tendem
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ao lesbianismo.
Resumindo as posições desses pesquisadores, podem dizer que: a) os candomblés baianos mais
antigos, no começo do século XX, evitavam fazer o santo a homens; b) homens “feitos no santo”
são femininos; c) as estatísticas mostram que, em geral, são filhos de Iansã; d) pelas
características da Orixá, as filhas de Iansã apresentam vida sexual intensa e se entregam a todos
os homens que encontram; e) esses homossexuais adotam condutas totalmente femininas,
usando maquiagem e trejeitos típicos de mulheres; f) os rituais religiosos em si desvirilizam os
homens; g) a essência do Candomblé é desvirizante; h) há ervas que podem o gênero de
homens heterossexuais em rituais secretos; i) zeladores de santo mal intencionados podem
mudar o gênero de seis filhos de santo, Segundo alguns pesquisadores, mesmo qe essas
conclusões não sejam explicitamente faladas nas roas, são coisas que “todo mudo sabe”.
Com relação à questão da iniciação de homens no Candomblé anog, o livro de Pai Angenor
Miranda nos informa que a primeira casa de Candomblé Berta no Rio de Janeiro era de um pai de
santo, João Alabá, filho de Omulu; pouco depois Cipriano Abedé, de Ogum. Não precisa a data,
mas situa antes de 1926 a fundação da casa de Benzinho Bamboxê, de Ogum, e de Virgilio de
Iansã, pai de santo do morro de São Carlos. Em nenhum momento Pai Angenor discute a
orientação sexual desses zeladores, pois o importante para ele é a genealogia em relação às
casas primitivas que deram origem ao Candomblé moderno (Engenho Velho, Ilê Axé Opô Afonjá,
Gantois).
Em sua história do Axé Opô Afonjá, Mestre Didi escreve que “ (em 1911), Yiá Oba Biyi já havia
iniciado por suas próprias mãos 23 pessoas (...) e nais 20 homens” (D.. dos SANTOS, p. 11),
afirmação inteiramente contrária à de Landes de que no antigo candomblé baiano as mães de
santo não “faziam” homens. Mestre Didi também não toca nas questões de sexo.
Sobre a filiação dos adés a Iansã, lembraríamos que dos zeladores de orixás citados por Pai
Agenor apenas um é de Iansã; os outros são de Omulu e Ogum. Lembraríamos ainda que a
relação entre a personalidade individual do adepto e a personalidade do Orixá regente não é
automática. Na verdade, a noção de “pessoa” no Candomblé obedece a uma dupla articulação
entre a personalidade individual e o Orixá que “desce” sobre o adepto, ou seja, uma dupla
articulação que inclui o profano (psicológico) e o sagrado (tipologia do Orixá). Assim, é
impossível afirmar que as filhas de Iansã se entregam a todos os homens que encontram .
Finalmente, essa afirmação gera uma questão teológica interessante, pois inclui um julgamento
em relação à natureza do Deus supremo dos iorubas, Olorum.
De fato, sendo os Orixás uma emanação, uma derivação direta de Olurum para criar, cuidar e
orientar os seres humanos, a afirmação implica que Deus gera uma energia (Iansã) que, ao
atingir os seres humanos, torna as mulheres promíscuas e os homens homossexuais.
Muitos pesquisadores parecem se esquecer que o Candomblé é uma religião e os Orixás são
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manifestações diretas do Ser Supremo. A observação sociológica parece ser mais importante que
o significado religioso e isso conduz a conclusões erradas. Muitos pesquisadores se esquecem de
confrontar suas pesquisas com o “corpo sagrado” do Candomblé, os mitos e as práticas religiosas
que nos separam.
É a esse tipo de cuidado que José Beniste e Pierre Fatumbi Verger chamam a atenção quando
afirmam que as conclusões sobre o Candomblé não podem obedecer apenas à lógica do raciocínio
mas precisam estar de acordo com o corpo teológico e ritual como um todo. Ou seja: todas as
conclusões são possíveis enquanto idéia, nem as conclusões são verdadeiras enquanto religião.
O homem iniciado não é um ser sexuado no momento do transe, é verdade, mas não porque
tenha perdido sua virilidade, mas simplesmente porque, naquele momento, não é ele quem está
presente, mas a Divindade. Para qualquer adepto do Candomblé, é o Orixá quem está presente,
quem se veste com as roupas rituais e que executa as danças específicas. Vestir o Orixá com as
melhores e mais caras roupas corresponde ao primitivo impulso humano de oferecer aos seu
Deus o melhor possível, assim como dançar da forma correta, para que o Deus esteja feliz e seu
axé caia sobre todos os presentes. Cantar a plenos pulmões as palavras corretas, para que o
Deus seja louvado como merece. Estas são obrigações rituais que todos devem obedecer, e não
são os desejos de homossexuais passivos querendo “aparecer” (embora isso também possa
acontecer em alguns casos).
Quanto aos ritos de iniciação, é claro que não mudam a orientação sexual dos homens. Por mais
eficazes que sejam as folhas de Ossain, não há registro, em toda a história da antropologia, de
ritos que produzam homossexuais; nem registros científicos que permitam afirmar que uma
simples folha colocada sob um homem adormecido roube sua virilidade. Se tal fosse verdade,
sem dúvida existiria sua contrapartida mágica, a “cura” da homossexualidade, para alegria das
diversas igrejas conservadoras e sociedades fundamentalistas machistas.
Em segundo lugar, essa afirmações partem de um perigoso julgamento sobre o caráter dos
zeladores de orixás. Não negaremos a existência de péssimos sacerdotes mas lamentamos que
muitos pesquisadores percam a oportunidade de mostrar um rosto mais positivo dos pais de
santo e, em conseqüência, do próprio Candomblé.
O grande problema é que muitos pesquisadores não são adeptos do Candomblé, e olham para
nossa religião com olhos condicionados por suas próprias crenças. A visão de mundo que orienta
o Candomblé não é judaico-cristã, mas africana. E, para as religiões africanas, a conduta sexual
de seus adeptos não é alvo de repressão. Mais que isso: a visão africana não condena
especificamente as práticas homoeróticas . (conforme as lendas), Nossa religião permite a
convivência dos individuos portadores das mais variadas orientações sexuais.
Talvez a questão “por que há tantos homossexuais no Candomblé” seja preconceituosa desde sua
formulação. Por que não homossexuais no Candomblé? Por que a presença de homossexuais
onde quer que seja precisaria ser explicada? Talvez seja muito mais interessante a abordagem
pelos aspectos sociais..
Landes afirma que os homossexuais que encontrou no Candomblé eram efeminados, passivos e
desejosos de viver uma experiência feminina. Ora, quais ambientes da provinciana, patriarcal,
machista Salvador da década de 1930 aceitaria tais seres humanos? A vida dos homossexuais em
geral e dos desejosos de se vestit de mulher em particular deveria ser muito difícil naquele
momento histórico. Não parece uma solução viável a adesão a um credo religioso que tolerasse
esses desejos? O Candomblé provavelmente foi um ambiente acolhedor (apesar dos preconceitos
individuais e dos movimentos daí gerados para impedir o acesso de tais adeptos a altos cargos
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eclesiásticos).
Concluímos que, no estudo do Candomblé, muitos pesquisadores, inclusive muitas vezes bem
intencionados, produzem textos errados que contribuem não o para difundir idéias erradas sobre
nossa religião mas que reafirmam preconceitos antigos sobre nossas práticas.
Ainda teremos que lutar muito para o Candomblé seja reconhecido como é, uma religião bela e
que não faz a ninguém, muito pelo contrário, apenas leva para a frente a vida de seus adeptos.
Autor:
Vicente Galvão Parizi
Psicólogo e pesquisador sobre as religiões afro,
É filho de Oxaguiã, no Ilê Axé Kalamu Funfun
Introdução
4
Por fim, primaremos por tecer algumas considerações
críticas em relação às questões abordadas, e indicações de
algumas possibilidades de pesquisa a partir desta
discussão(4).
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Privilegiaremos a tensão que se torna explícita entre a "visão
de mundo do candomblé" e a "visão de mundo ocidental". O
candomblé, uma espécie de síntese de alguns valores
civilizatórios africanos, ora está em conflito com o modo de
vida ocidental, ora o absorve. Este processo, mais
concomitante que simultâneo, permite-nos apontar para
duas questões: 1) em que medida a visão de mundo
inerente ao candomblé é capaz de apontar alternativas para
a crise do modelo ocidental, e 2) em que medida o
candomblé, ao absorver elementos da cultura ocidental, ao
adaptar-se à modernidade dos novos tempos, não perde
justamente os elementos estruturais de sua cosmovisão
africana.
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O sistema mítico do candomblé não é fragmentário nem
excludente; é totalitário - no sentido de abranger o ser
humano como um todo -, e integrativo. Os mitos, os
processos de iniciação, os rituais, enfim, toda a estrutura
mítica do candomblé obedece a uma lógica própria, lógica
essa que concebe o tempo e o espaço diferentemente de
como os concebe o mundo racional, baseado em axiomas
científicos, do ocidente. Enquanto o que regula a sociedade
capitalista ocidental é o tempo cronológico, tempo medido
sempre pela produção do capital, tempo, enfim, sempre
capitalizado, no candomblé prevalece o tempo mítico.
Enquanto o primeiro é fragmentado e linear o segundo se
realiza plenamente dentro de um ciclo que abarca a
totalidade do ser humano.
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expresso por um panteão; promove
assim sua elevação espiritual;
5. em oposição ao projeto
individualista da sociedade global,
oferece-lhe uma opção
comunitária"(6).
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outra pesquisa. Porém, o princípio da unidade dos contrários,
que organiza todo esse sistema, merecerá, neste trabalho,
uma atenção especial.
9
se do candomblé. "Em oposição ao anonimato da vida social
moderna, o candomblé propõe uma existência
personalizada, nominalizada, propiciando inserção ordem
comunitária como resposta específica ao vazio existencial
decorrente de sua fragmentação individual no social"(9).
10
de vida real pelo qual a pessoa está passando. Assim, uma
mulher menstruada, por exemplo, não poderá jamais tocar
em alguns objetos sagrados por causa do seu estado, assim
como os homens da "roça" não poderão jamais conhecer os
segredos de algumas funções femininas. Mas o que é
importante destacar é que as funções femininas e as
funções masculinas se complementam, isto é, não existe
uma sem a outra. Essa reciprocidade é fundamental para a
estruturação do sistema mítico e social do candomblé.
11
particularmente as religiosas. Apesar
das condições subumanas que a
escravidão/ "liberdade" deixou a
população negra, as mulheres
negras lograram encontrar maiores
opções de sobrevivência do que o
homem negro. Elas foram para as
cozinhas das patroas brancas, foram
para os mercados vender quitutes,
desenvolveram todas as estratégias
de sobrevivência; assim criaram
seus filhos carnais, seus filhos de
santo abrigaram seus candomblés,
adoraram seus deuses, cantaram,
dançaram, e cozinharam para
eles(12).
12
mãe, ora educadora, ora curadora,
estabelecendo relações sociais,
políticas e mesmo diplomáticas(14).
Considerações Finais
13
não seria possível para nossa competência; pretendemos,
outrossim, apontar para algumas questões emergentes - que
o presente trabalho tenha abordado, mas não desenvolvido.
14
origem humana e seu contato com a natureza, representa
uma relação corporal com os "deuses" - orixás, representam
uma vivência coletiva, em sociedade, representa uma
potencialização da sexualidade humana e a recuperação do
feminino num mundo predominantemente masculino. Assim,
esses elementos estruturantes do candomblé apontam
respostas concretas para a crise dos modelos ocidentais.
15
tradicionais das religiões de matrizes africanas - em especial
o candomblé.
16
dominante mas nem sempre foi e não precisa ser para
sempre. Isto nos abre a possibilidade de enxergar os vários
universos que convivem e se afetam no mesmo espaço
geopolítico. Procuramos, portanto, não recair num binarismo
ingênuo de ocidental-africano. Destacamos apenas os
elementos estruturantes, mas sabemos que existe uma
diversidade fantástica no interior de cada um desses
espaços.
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# O candomblé possui um caráter elitista? Seus ritos que
demandam custos, são compatíveis aos mais pobres? Ele
não é economicamente excludente?
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NOTAS:
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4 Para abordar o primeiro e o segundo item do presente artigo
recorreremos aos textos utilizados no módulo: "Gênero, Concepção e
Prática mas tradições culturais religiosas de matriz africana", promovido
pelo curso de Especialização sobre Culturas Africanas, promovido pela
Universidade "Bezerra de Menezes", através de seu departamento - o
CENTRHU : Centro de Estudos das Tradições Religiosas da Humanidade.
17 Idem. p. 26.
20 Aqui vamos nos limitar a pontuar estes problemas para que em outro
momento possamos pesquisar e desenvolver.
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BIBLIOGRAFIA
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