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Gilvan Fogel! Martin Heidegger, et coetera e a Questao da Técnica A Carlos Masmela Por tu vida, amigo, que se quede en este punto este neg que me parece muy aspera esta medicing, y sera bien dar ticmpo al tiempo; que no se gané Zamora en una hora.(...] basta por ahora; que el asno (hablando a to grosero) sufra la carga; mas no la sobrecarga. (Don Quijote) 1, O nome de Martin Heidegger, no titulo-tema desta palestra, € a evoca- cdo de um pensamento. Assim, 0 titulo “Martin Heidegger € a Questio da Técnica” diz: o pensamento pensado por este pensador ea questao dla téc- nica, O pensamento pensado, quer por este, quer por outro qualquer pen- sador, é sempre um pensamento fundamental. E isto quer dizer: um pen- samento, que é fala de fundamento. Fundamento, por seu lado, diz: arche, princfpio, origem —Ursprung, Assim sendo, nosso ttulo-tema enuncia-se deste modo: a questdo do fundamento, pensada por Martin Heidegger, ¢ a questéo da técnica. © conectivo "e", uma conjungao aditiva, insinua que temos diante de nés dois problemas —o do fundamento ¢ 0 da técnica— que nossa tarefa seria: primeiro, definir o primeiro problema; segundo, definir o segundo problema e, terceiro, articular um e outro, de tal modo que se atinja a compreensao almejada. E tudo indica que o primeiro mo- mento, por encerrar a questéo do fundamento, deve ser o articulador do segundo, na relagdo fundamento-fundado. Sera assim que se coloca real- mente a questao? Deixemos isso de lado... Instinuto de Filosofia e Ciéncias Sociais (IFCS) «da Universidade Federal do Rio de Janeiro {UERI} ‘0 que nos faz pensar n°10, vol.2, outubro de 1996 38 | Gilvan Fogel © pensamento pensado por Martin Heidegger! Isto € “abstrato”, vago. Comega, no entanto, a deixar de sé-lo, a medida que se “concretiza”, isto é, A medida que se situa ¢ se especifica tal coisa. Para tal “situalizacao”, comega-se dlizendo que tal pensamento se abre, se inaugura, com uma obra, que veio A luz em 1927 € que se denomina Ser ¢ Tempo. Ser ¢ Tempo dé o tom, a entonagao, nesse movimento de reflexao, inaugurado € encar- nado por um homem, chamado Martin Heidegger, e que se concretiza como 0 esforco por trazer a fala a linguagem do fundamento Assim, em- penhando-se por trazer fundamento a fala, nasce, sempre, um pensador. Dissemos: “uma obra denominada Ser e Tempo”. Que tipo de obra é Ser € Tempo? Qual a natureza, qual 0 “género” desta obra? Ser e Tempo € uma abra filoséfica —ela perience, digamos, ao “género filosofia”. E: Que ¢ fi- losofia? £, descle sempre, entdo, in statu nascendi, a teoria do lundamento, A medida que, desde sempre, a filosofia propés-se responder a pergunta: 0 que € 0 real, enquanto real? Ou seja, qual a realidade do real? —Ti to on? Ao longo da Historia, da Tradigdo, isto é, ne tempo da dinamica de envio e de reenvio desta preocupacao, a questao do funcamento, atenden- do sempre a mesma incitagdo, recebeu muitos nomes, quer dizer, com- preendeu-se a si propria de diversas maneiras: “Psyche”, “physis", “logos”, “Idea”, “Dynamis-cnergeia”, “Deus creator”, “cogito”, “Razaio-Pura-Estrutura- de-Posigao”, "Eu", “Consciéncia’, “Vontade de Poder”... Cada um destes nomes, destas designagoes, pretende dizer [undamento como o “itomo”, como 0 princfpio primeiro, o irredutivel e indecomponivel substrato em toda dinamica possivel de realizagao de realidade. ‘lodo e qualquer real €, sempre, o movimento de transformagto ¢ de diferenciacdo do principio, do fundamento —da arche. Neste contexto, qual 0 “nome”, com o qual fundamento vem a fala, na obra denominada Ser ¢ Tempo? Qual, em Ser ¢ Tempo, o principio, ao qual € reduzida ou reconduzida toda dindmica de realizagao de wodo e qual- quer real possivel? E, perguntemos de chofre: nao sera a técnica, a técnica moderna ¢ contemporinea, ou tecnologia, também um mado de ser do real? Se sim, entio ela também sera uma articulacao-ciferenciagto deste fundo. Mas, deixemos, por enquanto, também esta questo, 2. Perguntemos, antes: como se pde, como se funda, em Ser ¢ Tempo, a questio do real, isto é, da realidade do real? De modo geral, frente a esta pergunta pela realidade do real, o nosso senso comum, isto €, nossa mo- dernidade tornada “fé” ¢ “instinto”, nao tem dividas: eu, nds, 0 homem, Martin Heidegger, et coetera e a Questso da Técnica | 39 de um lado e, de outro, o mundo, as coisas, a “realidade”. Segundo o modo de ser moderno, 0 cartesiano, isso é assim formulado: o lado de “ca” € 0 sujeito ¢ o lado de “la” € 0 objeto. Isso, por ser senso comum, o moder- no, nao € [also, mas tdo sé o inicio, o ponte de partida. Mas, alertemo-nos, pois a filosofia é, visceralmente, desconfianga e suspeita, quanto ao assen- tamento ¢ ao obvio do senso comum, a tal ponto que Hegel, lapidarmen- te, anunciou: segundo o senso comum, a filosofia ¢ 0 mundo invertido, as avessas. Com isso fica dito que 0 senso comum jamais pode ser reivindica- do como medida da fala filosdfica. Munidos com este alerta, partamos en- tao para Ser e Tempo, que ¢ fala filosdfica. Segundo Ser ¢ Tempo, segundo a experiéncia cde pensamento que se inaugura com esta obra, o indice elementar, 0 proto-esquema ou 0 “Ato- mo” de todo real possivel € uma estrutura, o complexo de uma unidade simples (€ isso a “totalidade”), que se denomina “ser-no-mundo”, © real, todo real possivel, o € 4 medida que se da ou é para um ente que € ou est na determinagao de ser na compreensio do real. Este ente € 0 homem e a este seu modo de ser é denominado Dasein —“Ser-ai”, “Presenca”. O modo de ser do ente para o qual o real é, ou seja, do ente que ¢ ou esté na determinagao de compreensio do real —o Dasein— é Ser-no-mundo, “Ser- no-mundo", esta estrutura, € pois a “hora”, 0 “instante” do real —de todo real possivel. Mas, o que quer dizer isso? © homem ja é sempre no mundo. Mundo nao fala de “coisa” ou “das” as, mas de um sentido —um pathos—, © sentido-mundo, que instaura uma situacdo, uma circunstincia, a qual define “ser-no-mundo". Na for- mulacdo: "o homem jd é sempre no mundo” (isto é, num sentido ou numa circunstincia definida) o “ja” € a particula do desconcerto, da perplexida- de, e ela quer dizer: mundo, a unidade-totalidade de sentido situagao-cir- cunstancia, da-se sempre de modo tao cedo, que o homem (qualquer per- cepeao-intuigdo) chega sempre tarde demais para poder surpreendé-lo no seu comeco. E mais: o homem s6 é, s6 se da, porque o mundo, que ¢ o lugar ou o horizonte do seu aparecer, a sua “condigio de possibilidade”, sempre jd se dew, Entao: tanto homem, quanto mundo, sempre jé se deram, sempre j4 apareceram num “espago", num aberto, numa abertura, que sempre j4 os precedeu e sempre ja os possibilitou. Esta abertura, que é 0 acontecimento originario ¢, por isso, inconiornavel e inabarcével, é deno- iminada, em Ser ¢ Tempo, existéncia (ex-sistencia) e se determina como a relagdo absoluto-originario. Ser e Tempo € to 6 (1) 0 esforgo por descre- ver a constituigdo desta abertura (na constituigao do sew aparecer, que € a 40 | Gilvan Fogel forma “ser-no-mundo"), a qual perfaz o “instante”, a “hora” de tudo quan- to é ¢ ha € que, como ficou dito acima, se expdc ¢ se concretiza, isto é, se realiza, como “scr-no-mundo, Por isso, Ser ¢ Tempo, em sendo ontologia fundamental, ¢ analitica da existéncia, ou seja, descricao fenomenolégica ou genético-originaria de existéncia, no sentido acima explicitado, Foi dito: a abertura, que € 0 acontecimento originario ou a relacdo ab- soluto-originario, O que é, como se determina uma relagdo? Mais uma vez, ¢ como sempre, partimos do senso comum, que € sempre 0 nosso referencial, a nossa medida imediata. Assim sendo, se concebo A e Bem relagdo, em mutua referéncia, tomo A e B como termos da relagao, isto €, imagino A se referindo a B (A > B) ow B se referindo a A (A & B) on, simultanea e reciprocamente, A se referindo a Be Ba A (A €> B). Assim, concebo a relagéo sempre desde os “relata”, isto €, desde os termos rela- cionados e suponho a relagéo como um sistema referencial bi- ou multi- polar. Mas, e se, pensando assim, ja se tiver esvaziado, isto é, descaracteriza- do € desfeito, a relacéo enquanto tal? Nao sdo os termas, os “pdlos”, que instauram a relacio, mas ¢ porque o “espago", o “aberto” da relagao ja se deu, jd se fez ou jd se abriu —é por isso que os pélos ou os termos podem aparecer como termos € pélos. Ou seja: A nao esta do lado de “ca” e B do jado de “la”, p. ex., mas, antes, Ae B sdo, aparecem, porque a relaciio en- quanto tal jd se abriu ¢, assim, ja os instaurou como posstveis de serem rmitua e conjuntamente um para o outro. O lugar de A e de B nao sio os pélos em que eles, segundo o senso comum, se pdem, mas, sim, ambos sdo ¢ se dév na encruzilhada, na concruz, que ¢ 0 “entre” ambos ¢ como que, ontologicamente, antes de ambos. Este “antes”, que sempre ja se deu, caracteriza a experiéncia e a fala originaria de a priori, em sentido preciso ¢ arcaico, {sso € principio, arche Pois bem, a relagdo que é a estrutura “ser-no-mundo” fem ou, antes, é, esta estrutura, esta forma. A esta relagao-abertura-originaria (a existéncia) podemos também chamar interesse e, assim, a andlise de “ser-no-mundo”, enquanto andlise do “instante” do real, ¢ andlise da estrutura de interesse, O real, todo real posstvel, a realidade do real, é interessado(a). inter-esse diz: ser sempre ja desde dentro (inter) de um modo de ser (esse). isto caracteriza a relacdo, entendida origindria ou arcaicamente Assim, é-se sempre ja interessadamente ou num interesse que, deste modo, nos situa ([az com que insistamos) como programa on projeto deste préprio interesse, deste proprio “ser-no-mundo”. Assim sendo, a forma da Martin Heidegger, et coetera e 2 Questéo da Técnica | 41 vida, a forma do real, a sua dinamica de realizagio ou a sua génese ¢: vira ser 0 projeto ou o interesse que, originariamente, sempre ja € e ja foi. A forma do teal é enunciada na lei, no imperativo pindarico: Vem a ser 0 que tu (sinteresse) és. Com isso fica dito que o real nao “é", ou seja, nao é algo feito ¢ dado por antecipagéo como “coisa” (ente substancial ou sub- sistente), mas ele é um vir-a-ser, que é sempre o vir-a-ser no fazer-se de uma possibilidade, de um poder-ser, A forma ou o modo de ser funda- mental do real ¢ um poder-ser, ¢ possibilidade. O fundamento é a possibi- lidade, que € 0 inter-esse —o “ser-no-mundo”. 3. Retomemos, agora, a pergunta, que deixamos no [inal de 1. © mundo contemporaneo é marcado pela técnica. A Técnica, convertida em tecno- logia e tecnecracia, é 0 sentido orientador da contemporaneidade, FE como tecnologia que a técnica se faz, na contemporaneidade, tecnocracia. Isto €, © poder da técnica contemporinea cresce ¢ faz-se desde o sentido orienta- dor (logos)" desta mesma técnica, E assim que a técnica moderna (tecnolo- gia) constitui-se na imediatidade de nossa inevitavel, incontornavel ¢ irre- vogivel situagdo, isto é, “ser-no-mundo”. A tecnologia, como nosso ser-no-mundo, € nossa situagdo, nossa circunstancia, isto é,o mundo oua realidade do real, pela qual somos tomados, determinados. E nés sempre somes situados no e tomados pelo que nos é legado, no € pelo que recebe- mos como heranca. E assim que toda heranca, todo ser-no-mundo, € des- Lino, que se constitui como envio de... e envio par E, pois, mais do que destino, destinagéo, ou seja, dindmica de temporizacdo do tempo ou estd- ria. E isso a esurutura da Histéria, Nosso ser-no-mundo, a tecnologia, é nosso passado, nosso presente ¢ nosso futuro. E, ja dissemos, nossa heran- ca —que 6, sempre, passado, presente e futuro. E toda heranca é servidio. ¢ liberdade. £ serviddo enquanto é 0 dado, o posto e imposto. Enfim, en- quanto € a positividade e a legitimidade do dado e do feito ou da cois cacao. E o mundo dos usos, dos costumes, das significagoes —quer dizer, dlos “valores” ou da “cultura” vigente. E servidao enquanto € 0 abuso des- tes usos. Mas ¢ s6 sendo-se herdeiro, que se pode vir a ser livre. E isso porque s6 se é herdeiro, isto é, é-se sempre j4 historicamente situado ou situadamente histérico. Com outras palavras, ndo se pode nao se ser ser- no-mundo ou herdeiro de um interesse, de um modo de ser, que é projeto ¢ programa de vida, de realidade, A heranca, que € nossa servidao, € tam- bém o dom da liberdade, 4 medida que ela, ¢ so ela, nos convida ¢ mesmo nos provoca a conquista da forca que a (heranca) instaura, isto é, a medi- 4z | Gilvan Fogel da que somos chamados pelo imperativo de conquista da génese ou do mado de ser e fazer-se da histéria, do envio, do destino, no qual estamos lancados. E nesta configuragdo que luz a palavra de Goethe: “O que her- dastes de teus pais, conquista-o para fazé-lo teu”, A técnica, como tecno- logia, é o que herdamos de nossos pais e o que precisamos conquistar para fazer nosso, isto é, para se converter em forga € poder de nossa liberdade, a saber, em poder da liberacao de nossa identidade ¢ de nosso destino —de nossa estéria e, assim, da Histéria, E conquistamos isto ou qualquer coisa que venhamos a conquistar, 4 medida que nos dispomos a pensar a sua esséncia, qual seja, sua forga de proveniéncia ou sua génese. Pensar a esséncia da técnica, 0 que se impde como nossa atual tarefa ou o tema de nosso tempo, pois é a técnica nosso ser-no-mundo, nossa situagiio ¢ nossa heranga, ent4o, nosso passado, presente e futuro —pois bem, pensar a esséncia da técnica nao € contar com ela, isto 6, nao € relatar ¢ enumerar resultados ¢ [eitos técnicos, nio € apologizar ou amaldigoar estes ou aqueles produtos técnicos. E isso porque a técnica ndo pode ser tao sé identificada com seus feitos, com seus resultados, com seus produ- tos. Ela nao € também nenhuma “coisa”, nem nenhum “instrumento”, ain- da que uma concepgao antropoldgica e instrumentalista assim a com- preenda. A esséncia da téenica nao é nada técnico, do mesmo modo como a esséncia da ciéncia nao é nada cientifico, como a esséncia da matematica nada matematico. Esséncia fala da forca instauradora e promovedora, sempre reemergente ¢ revigoradora, isto é, a possibilidade e a possibilita- cdo. Mas, o que é a técnica, a esséncia da técnica? O grego, de onde provém o nome e a heranga, identificou a techne com um modo da episteme —do saber. Que saber e que modo? Um saber néo tematizacdo, nao explicitado enquanto tal, que, no entanto, erienta para a vcupagde ou lida com as “coisas”, isto é, com © contorno, com a circunstan- cia. Este saber técnico abre 0 acesso adequado as coisas, segundo a nature- 2a, a physis, ou o modo de ser proprio das proprias coisas, Este orientar ou abrir adequadamente o acesso a lida com as coisas, segundo o préprio modo de ser das prdprias coisas —isto responde a pergunta pelo modo de ser deste saber. E tal saber ou compreensio (que €, como toa compreen- so arcaica, a priori ou antecipada, isto ¢, “matematica’, no sentido grego) abre este acesso de tal modo em concordancia ¢ em consonancia com a natureza das “coisas” (¢ um modo de physis), que pode levar, conduzir es- sas “coisas” para onde a propria natureza (physis) as conduzitia, se ela (na- tureza!) se levasse a si propria adiante. £ isso produgdo, como poicsis. E Martin Heidegger, e:coctera ea Questo da Tenica | 43 isso, em sua plena acepeao, o saber da mao, onde “mao” deixa de falar de um 6rgio de presa e de destreza ou habilidade, também "poder’, para falar desta abertura, deste acesso, desta compreensdo-instauragao, que possibili- ta toda apreensao, destreza, perscrutacdo, sondagem e medigao (¢f. ori- gem sanscrita da palavra “indo”, que diz “medir”) incluida e subentendida na palavra. Nesta diregdo, é preciso entender a “hora” da mao como a “hora” do homem, do “espirito”, do logos —e, nesta ditegio, entender a palavra de Anaxagoras, que define o homem como o vivente que “tem”, que “é" mio. E assim, levando adiante, promovendo a “natureza” das coisas, em obedecendo (auscultando) a esta propria natureza, que a técnica, que este saber técnico, neste sentido grego inaugurador, é 0 instaurador de um mundo, de uma realidade, que o “mundo” ou a “realidade” nao nos ofere- ce imediatamente como dado, mas que,no entanto, 0 homem, na pobreza e “deficiéncia” de seu ser, precisa, carece —ele tem caréncia ¢ precisio dis- so. Sob esta lei do saber iécnico, aparece, poe-se af para o homem grego a mesa, a casa, 0 arado, 0 navio, 0 vinho, a anfora, a espada, a sandalia, 0 templo, o nu de Fidias, Nada disso é “natural” ou nos € dado pela “nature- za", pois nao ha “pé” (arvore) de sandalia, “fonte” de vinho, jazida de es- pada, “reserva natural” de navios ou de templos. Neste sentido, a técnica, em sua esséncia, ¢ um saber, uma compreen- so, que, em vindo a realizagdo ou exposicdo, revela-se como a aco reali- zadora ou instauradora de um projeto, de um programa, de um interesse, enfim, de um pathos —que ¢ esta propria pré-compreensio. O homem, enquanto set-no-mundo, é sempre j& ocupagao ¢ lida com as coisas ¢ esta lida & sempre ja a realizagao da compreensio preliminar que abre, que instaura ow poe as coisas tais quais elas se oferecem em acesso, em possi- bilidade de a elas nos atermos assim ou assado. E isso, mais uma vez, a determinacio essencial ou a textura ontoldgica de “mao”, acima mencio- nada, © homem € 0 vivente que ¢ mao. A vida € tao $6, neste sentido, a “técnica” de seu ser-no-mundo, a saber, a agao realizadora do projeto ou da possibilidade que é. Com este delineamento da questéo, chegamos a um ponte de crucial importancia para a compreensio, para a formulacdo de nosso problema —qual seja, a questao da técnica moderna. Toda técnica —com isso fica subdito que ha muitas, incontiveis técnicas possiveis— é, na verdade, realizagdo de um projeto, de um interesse ou de uma compreensao origi- naria, isto é, prévia e antecipaclora, do real, das “coisas” ou do “mundo”, aa | Gilvan Fogel que nos circunscreve, permeia ¢ perpassa. Assim sendo, compreender uma técnica significa: poder ver com alguma clareza o projeto silenciado ou calado, do qual ela, a0 emergir nisso e naquilo (nos seus feitos técni- cos), € a realizacao, a coneretizacio. Se tenho a técnica A (por exemplo, a técnica tupiniquim no fabrico de ocas aut de arco ¢ flecha), eu, para com- preendé-la em sua esséncia, isto é, em sua forca instauradora ou em sua génese, preciso perguntar: qual 0 projeto orientador, do qual ela é a reali- zagio, a concretizagdo, a exposic¢ao —enfim, do qual ela ¢ a intérprete? Qual @ mundo, o interesse provocador e instaurador desta técnica, isto é, desta agao de realizagao ¢ transformagao de realidade? A nossa perguata é pela técnica moderna, pela tecnologia. Cabe entéo perguntar: qual © projeto, qual o interesse, qual a compreensdo ou o sen- tido orientador, do qual a técnica moderna ¢ realizacdo, concretizacao? No curso de qual programa de vida estamos, de modo tal que, em nele nos encontrando, encontramo-nos no munde técnico moderno? Enfim, em sendo técnica, qual é realmente nosso mundo, nossa heranga, nossa tradi- cdo, nosso destino? Qual o novo € respectivamente o diferenciador © o determinante na técnica, isto é, na acdéo moderna? Qual é, pois, a sua identidade, a sua esséncia? 4. A designacao de tecnologia a nossa atual técnica indica a direcdo que deve seguir o questionamento proposto. Logos dliz sentido —o que caracte- riza também o que vimos denominando “esséncia’, “projeto”, “interes Na expressao “tecnologia”, esta sendo dito que logos é o sentido orienta- dor, 0 vetor determinante desta técnica— da técnica moderna. Isto signi- fica, que este logos perfaz a génese desta técnica, & medida que ele a per- passa € a sustenta, liberando-a e promovendo-a, como seu elemento ou medium. Quer dizer: este logos atravessa toda a técnica moderna, de modo. tal que esta Lécnica nele esta como se esté num medium, num “elemento”. De comeg¢o a fim, ela é integralmente este logos, este sentide —esta forca, esta esséncia. Em se fazendo ou se realizando esta técnica, o que esta in- sistentemente se expondo ¢ se concretizando é este logos. Cabe entao per- guntar: como se determina, qual o teor ou a textura ontoldgica deste logos, deste sentido orientador e instaurador, enfim, desta genese, que ¢ a técni- ca moderna? A resposta vem de imediato e numa forma tépica e redun- dante: é 0 sentido ou a genese moderna, quer dizer, ¢ 0 nosso modo de ser novo, em cujo envio estamos € somos. A este envio, a esta génese pode- mos denominar cartesiano(a). Mas, o que € isso? Sobretudo, o que quer Martin Heidegger, et coetera ea Questéo da Técnica | 45 dizer “cartesiano”, quando em questdo est4 o que chamamos técnica mo- derna? Na sexta parte do Discours de la Méthode pour Bien Conduire Sa Raison et Chercher la Vérité dans les Sciences, escreve Descartes esta passagem, que pode epigrafar nosso pértico, 0 nosso limiar —nosso ingresso em nossa época ou em nosso modo de ser: (... i est possible de parvenir a des connaissances qui soient fort utiles a la vie, et quau lieu de cette philosophic spéculative qu'on enseigne dans les écoles, an en peut trouver une practique pour laquelle, connaissant la force et les actions du feu, de Veau, de Vair, des astves, des ceux et de tous les autres corps que nous environ- nent, aussi distinclement que nous connatssons tes divers métiers de nos artisans, nous les pourrions employer en méme facon a tous les usages auxquels ils sont propres, et ainsi nous rendre matires et possesseurs de la nature. A passagem fala-nos, pois, de um conhecimento que nos torna “mestres € possuidores da natureza”. Muito bem, o que quer dizer, aqui, conhecimen- to? O que quer dizer, aqui, nalureza? S6 a partir da reposta a estas duas perguntas se chegaré 4 compreensao de “mestres € possuidores”. A frase citada é pronunciada num horizonte —o “cartesiano"— que j4 decidiu que 0 cogito, a consciéncia, definido(a) como, essencial ou imedia- tamente (tal como toda definicao), razio matemitico-geometrico(a), € o fundamento, 0 qual, por sua vez, é cntendido e subentendide como subs- lancia— isto é, 0 cogito € 0 sujeito. Enquanto sujeito, 0 cogito é a forca ou © poder de representacao, ou seja, de re-apresentar tudo quanto se apre- senta ou se mostra posto ou lancando diante deste sujeito (¢ isso que defi- ne € determina “objeto") que, na verdade, ja € sempre assim posto, quer dizer, € pré-e proposto como tal. Este assim jd posto (pré- € proposto) é 0 representado, segundo o modo de ser ou o programa (=interesse = inatis- mo = “idéia") deste cogito, deste subjectum. Esta estrutura perfaz 0 conhe- cimento enquanto e como representagao. Conhecer € representar, isto objetivar —o poder dle instauragao ou de realizacao de realidade, determi nada como objeto € objetivagéo em sentido lato, a partir do sujeito, que é este poder, esta forca, este fundo ou fundacao. Natureza, em ultima ins- tancia, responde pela totalidade do ambito que aparece ou se da na e como representacdo (objetivacdo), isto é, no dominio do representado (objeto) enquanto tal, Natureza (natura, nascere) € produto do cogito ou este cogito em sua esséncia —o cogito in statu nascendi. O cogito é, na forca 46 | Gilvan Fogel de auto-objetivagdo, produgao, auto-produgao e, assim, realizacio de rea- lidade, O cogito, enquanto poder de objetivacio (representacio), € pro- priamente natura —natureza naturante ou causa sui. Mas, 0 horizonte, no qual a frase de Descartes é pronunciada, reclama ainda que este conhecimento (representagdo da natureza) seja verdadeiro, pois conhecimento que nao seja verdadeiro é conhecimento nenhum. E por ser verdadeiro, o conhecimento precisa ser certo. Tambéin por anteci pacdo esta igualmente decidido que a certeza € 0 critério da verdade, quer dizer: a medida do real. O arquétipo do conhecimento certo —certo € se- guro, claro € distinto— € o sujeito (cogito) representante que se representa asi proprio, assegurando-se de si mesmo, como o asseguramento do crité- rio de verdade ou da medida do real. E “certeza” diz: por antecipacdo, previamente, estar seguro de, isto é, “certeza” fala de prévio auto-assegura- mento, Assim, a partir deste programa de realidade em sua totalidade (ou seja, em unidade ou consisténcia ontoldgica), tudo € previamente mapea- do, planificado. Dai a decisiva importancia da doutrina do metodo, que é, através da determinagio das regras, a teoria deste auto-asseguramento a priori, Cam este quadra, estamos tragando, seguindo a pergunta por nés posta, o perfil, melhor, a articulac’o ou a constituicdo do logas cartesiano, do sentido maderno. Sentido € orientacdo e génese. Trata-se, pois, da orien- taco, da génese, entéo, da estéria e da destinagao madernas, © projeto ou © programa de ser, que se constitui no nosso novo modo de ser. Eo que se revela € que este logos, este sentido, na e pela representacao, € constituti- vamente controle € asseguramento prévios, programatico auto-assegura- mento na e pela “idéia”, que fala da forma ou do modo de ser do repre- sentado na representacdo. Enfim, este contexto esclarece os termos “mestres e possuidores”, na frase "mestres ¢ possuidores da natureza” Tem-se assim esbocado o programa da “filosofia pratica”, anunciado por Descartes na frase citada. Provisoriamente, fica anunciado que este sentido (logos), acima esbo- cado, é o que esta subfalanco, e assim determinando, a técnica moderna, na expresso “tecnologia”. Com isso, quer-se dizer que este logos, este modo de ser, que ¢ apropriacdo € apoderamento, apropria-se ¢ apodera-se da techne, isto é, de um tipo de agio prépria de todo viver (a “mao impde que ele seja, que ele venha a ser, segundo sua pré-determinacio norteadora, orientadora. Na tecnologia, acontece que o logos da repre- sentagao se torna o projeto, o sentido orientador de toda techne posstvel. O que nao for esta técnica é pré- ¢ sub-técnica —isto 6, ndo é técnica verda- Martin Heidegger, et coetera ea Questio da Tecnica | 47 deira, certa, segura. Este fendmeno, que ¢ a arche € 0 telos modernos, deli- ne a modernidade e a contemporaneidade ocidentais e perfaz o fendmeno de curopeizacao planctaria ou de total ocidentalizacao da Terra —ou seja, de todos os horizontes ou possiveis modos de ser. Tal fenémeno ¢ a forma da uniformidade da Terra ou do homem, na expresso de Marcuse, “unidi- mensional”, ‘Temos pois que este logos, descle a substancialidade e a positividade de seu modo de ser, a saber, a representacao ca certeza, quer uniformidade ¢ unidimensionalidade. A partir dai, pergunta-se: ¢ qual o seu direito? Visto desde Vida, visto desde o fundamento pensado como “ser-no-mundo”, qual o seu direito de futuro, isto é, qual 0 seu direito de decisio pela his- L6ria € pela clestinacao do homem e de toda a realidade? O logos da tecno- logia, enquanto cartesiano, € justamente a compreensio de realidade, que conhece sua plenificagio ¢ seu fracasso em Ser ¢ Tempo, pois € 0 logos que poe ou “joga” na estrutura sujeito X objeto o indice elementar de todo real possivel. Qual realmente o seu direito? Sim, porque em se perguntando pelo seu “direito”, o que se quer é perguntar pela fundagdo do fundamen- to moderno, Voltemos a esta questéo, que j foi predelineada em (2), para depois retomarmos a questao da técnica moderna, atando-a ao destino, a estoria do homem ocidental, isto é, da metafisica. 5. Em Ser e Tempo, a questo da realidade do real nao se poe a partir do homem (cogito, sujeito), nem a partir do mundo (res extensa ¢ tudo que se constitui como “objeto”, em sentido estrito), nem a partir da quixotesca tentativa de estabelecimento de um inter-relacionamento entre 0 péto-su- jeito € o polo-objeto, mas, sim, a partir da relagdo que sempre ja € a co-per- tinéncia ou o “sistema” homem-mundo. Isso constitui cfrculo ou, dito pleonasticamente, a idéia de comego circular, Estar ou ser sempre ja joga- do numa tal circularidade é 0 sentido da estrutura fundamental a ser ana- lisada, denominada ser-no-mundo, O homem € 0 ente que se destaca im- parmente por ser o tinico que € nesta ou desde esta relagdo-situagio, a qual é 0 indice elementar da realidade de todo real possivel. Este modo de ser impar deste ente é denominado Dasein —Ser-af, Presenga. O ser para o qual Presenca, em sendo sempre jé ser-no-mundo, ja esta sempre disposta ou aberta, dele haurindo toda posstvel referéncia, denomina-se existéncia. Assim, Ser e Tempo é andlise de existéncia (analitica existencial), que se faz como a exposicio da estruturagio da relagao arcaico-originaria, a qual, por ser arcaico-originaria, deu-se jd sempre cedo demais para poder ser, des- 48 | Gilvan Fogel de fora, apreendida na malha da representacao subjetivo-objetivante que, entdo, é epigona, isto é, ela chega sempre tarde demais para cumprir o seu propésito de apreensdo representativo-conceptual. O desdobramento da exposi¢ao de uma tal estruturacéo vai cumprindo a larefa de realizagdo do programa de estabelecimento de uma ontologia fundamental O nome do movimento, da acae da relacao origindria se expondo ou se autofazendo, ¢ tempo, melhor, é a temporizacao do tempo ou a génese-tempo, O tempo, cm sua temporariedade originaria, € chamado a dizer o interesse da rela- cao originaria, ou seja, ele diz a forca ou o poder da acao de transcendéncia Ser-Tempo —esta configuracdo define a estruturagdo de comego, de ori- gem, da ache. E assim que Ser ¢ Tempo, na linguagem da obra, traz de novo a fala, isto ¢, repete ou recorda, palavras fundamentais, instaurado- ras ¢ norteadoras da tradicgdo filoséfica do Ocidente —arche, psyche, phy- sis, logos. A estruturagdo de comeco circular, perfazendo eclosdo-nascivi- dade (génese, physis), facticidade (retragio, decadencia, esquecimento) e limite, determina transcendéncia como o lugar, a abertura, na qual e des- de a qual ser-no-mundo sempre jé aconteceu. A descri¢do au a exposicao da existencialidade de existéncia< a recordacgdo do ambito ou do dominio absoluto (sem nenhuma referéncia para fora, isto é, além ou aquém dele), que é a transcendéncia, O descuido ou a inctiria quanto ao sentido, isto €, a orientagio génese, que é a transcendencia, caracteriza a vigencia do esquecimento dle ser —do sentido de ser. E Ser ¢ Tempo inaugura-se, entdo faz-se, evo- cando a necessidade da repeticao da pergunta pelo sentido de ser, ow seja, invoca a necessidade da retomada ou do revigoramento da expe- rincia, do pathos-transcendéncia, como o ambito do posstvel ou da pos- sibilidade enquanto tal Esquecimento de ser, incuria quanto ao pathos, 4 forca ou ao poder de transcendéncia —o que é isso? O nao mais dar-se conta do extra-ordind- tio, da eclosio do mistério, a saber, que ser ¢ aparecer, Mas como isso? A metafisica, escreveu Nietzsche, é 0 resultado da fé na gramatica. Gramati- ca é ontologia da linguagem, como ontologia € gramatica do ser. Ambas caracterizam o império do esquecimento. Fé na gramatica fala do esclero- samento, do *habito” que ¢ a estrutura sujeito X predicado —o esquema proposicional S é P. E no enquistamento dessa {é que se perle o Urfaktum de que ser é aparecer e, assim, ser deixa de ser verbo, e mesmo o verbo dos verbos, para se tornar copula, conectivo entre dados, isto é, “coisas” Martin Heidegger, et coetera e 2 Questao da Yeenica | 49 sub- ou pré-jacentes —substancias, sujeitos, o universo da substancializa- go, da coisificagio-abjetificagio. E como 0 ébvio da evidencia criada pelo calo do habit, que se diz: ew escrevo, eu penso, eu cago, cu pesco. O “eu” € 0 suijeito € o verbo é a acdo desse sujeito, Desse modo, escrever, pensar, cagar, pescar sio faculdades, propriedades ow atributos do sujeito-eu. O “eu”, por ser sujeito, pré- ou sub-siste 4 agao, j4 ¢ dado ou constitufdo fora dela ¢, por isso, o autor ou a causa dela —ou mesmo o que vem a softer uma ago possivel. Também ‘a acao é igualmente fora ou subsistente. Nesses enunciados, o verbo ser subjaz como cépula, como elemento de ligagao entre coisas ja dadas, ja constituidas —seja o sujeito, a causa da agdo; seja a propria acdo, enquan- to propriedade, atributo, arbftrio ou "decisdo” do sujeito. No corpo da analitica existencial esta evidéncia é abalada, pois pescar, cagar, pensar, escrever aparecem como dimensdes ou pussiveis concretizagdes da abertura-transcendencia, isto 6, modos de ser de transcendéncia, no hori- zomte dos quais, ou seja, de cada um, realidade se realiza ou vem a ser como acéo, como atividade ou como interesse de transcendéncia mesma, sempre jé sob a forma se1-no-mundo, o que, na lida que ¢ 0 existir, cons- titui a pré-ocupacio, a “cura” —die Sorge— propria do Dasein. Abertura é © nome de um posstvel modo de ser, um ater-se instaurador de “coisas” ¢ contorno, desde o qual e como o qual realidade se realiza, isto é, concreti- za-se assim a relagdo originaria, como a concretizagéo da estrutura ser-no- mundo na facticidade da abertura-situagao, em que Dasein é. A dificulda- de, o x da questo esta no vicio, na deturpagie consolidada pelo habito subjetivista, de ver, por exemplo, no pescar ou no cagar uma propriedade ‘ou uma faculdade do homem enquanto sujeito, quando cagar ou pescar, por exemplo, ¢, cada qual, uma possibilidade, uma abertura-existéncia ou um dom que sempre se dé abrupiamente e, entio, desde nenhum lugar, com a irrevogabilidade disso que sempre ja se deu ou se abriu, a saber, a transcendéncia, Transcendéncia, que é a abertura enquanto tal, sempre ja se di nessa ou naquela abertura-situagdo, que € a génese pela qual o ho- mem jamais decidiu, que ele jamais escolheu ou quis. © homem, ao des- cobrir-se, ja se da conta sempre imerso ou langado numa atividade, que 0 possibilita ¢ o instaura, da qual ele, em ultima instincia, nao € autor e nem proprietasio ¢, por isso, isto é, por obra dessa abertura, cle pode apa- recer ou dar-se conta juntamente com o contorno, com a circunstancia que 0 compde come posicao da relagao origindria. Antes ou depois, isto é, fora da agio de transcendéncia, nada ha, assim como nao ha mao fora do

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