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Albert Einstein (1879-1955), físico alemão de origem judaica que dispensa apresentações[8],
quando, em 1921, perguntado pelo rabino H. Goldstein, de New York, se acreditava em Deus,
respondeu: “Acredito no Deus de Spinoza, que se revela por si mesmo na harmonia de tudo o
que existe, e não no Deus que se interessa pela sorte e pelas ações dos homens”[9]. Nesta
mesma ocasião, o cardeal O’Connel, de Boston, publicou uma declaração na qual dizia que a
teoria da relatividade “encobre com um manto o horrível fantasma do ateísmo, e obscurece
especulações, produzindo uma dúvida universal sobre Deus e sua criação”[10].
No artigo Religião e Ciência, que faz parte do livro Como vejo o mundo, publicado em alemão
em 1953, Einstein escreve: “Todos podem atingir a religião em um último grau, raramente
acessível em sua pureza total. Dou a isto o nome de religiosidade cósmica e não posso falar
dela com facilidade já que se trata de uma noção muito nova, à qual não corresponde conceito
algum de um Deus antropomórfico (…) Notam-se exemplos desta religião cósmica nos
primeiros momentos da evolução em alguns salmos de Davi ou em alguns profetas. Em grau
infinitamente mais elevado, o budismo organiza os dados do cosmos (…) Ora, os gênios
religiosos de todos os tempos se distinguiram por esta religiosidade ante o cosmos. Ela não tem
dogmas nem Deus concebido à imagem do homem, portanto nenhuma Igreja ensina a religião
cósmica. Temos também a impressão de que hereges de todos os tempos da história humana
se nutriam com esta forma superior de religião. Contudo, seus contemporâneos muitas vezes os
tinham por suspeitos de ateísmo, e às vezes, também, de santidade. Considerados deste ponto
de vista, homens como Demócrito, Francisco de Assis e Spinoza se assemelham
profundamente”[12].
1.5. Deve haver um nível mais profundo de explicação do Universo: Paul Davies
Paul Davies nasceu na Inglaterra em 1946 e doutorou-se em física pelo University College de
Londres. Ocupou cargos acadêmicos nas áreas de astronomia e matemática nas Universidades
de Cambridge e Londres. Contratado como catedrático de física pela Universidade de Adelaide,
Austrália, Paul Davies desenvolveu pesquisas no campo da gravitação e da cosmologia, com
ênfase no tema dos buracos negros e do big-bang. Posteriormente foi para a Arizona State
University, USA. É autor de muitos livros sobre física, uma dezena dos quais para o público não-
especializado, além de apresentar, com frequência, programas científicos no rádio e na
televisão.
Em seu livro Deus e a nova física, publicado em inglês em 1983, diz Paul Davies: “A ciência só é
possível porque vivemos num universo ordenado, que se conforma com leis matemáticas
simples. A tarefa dos cientistas é estudar, catalogar e relatar a ordenação da natureza, não
indagar a sua origem. Mas os teólogos têm argumentado, desde há muito, que a ordem do
mundo físico é uma prova da existência de Deus. Se isso assim for, então a ciência e a religião
adquirem um objectivo comum que é revelar a obra de Deus. Na realidade tem-se afirmado que
o aparecimento da cultura científica ocidental foi efectivamente estimulada pela tradição
judaico-cristã, com sua ênfase na organização intencional do cosmos por Deus – uma
organização que poderia ser discernida pelo uso da pesquisa científica racional”[14].
Aliás, nesta direção parece caminhar Einstein quando diz que a ciência “só pode ser criada por
quem esteja plenamente imbuído da aspiração à verdade e ao entendimento. A fonte desse
sentimento, no entanto, brota na esfera da religião. A esta se liga também a fé na possibilidade
de que as regulações válidas para o mundo da existência sejam racionais, isto é, compreensíveis
à razão. Não posso conceber um autêntico cientista sem essa fé profunda. A situação pode ser
expressa por uma imagem: a ciência sem religião é aleijada, a religião sem ciência é cega”[15].
Paul Davies, ainda sobre a relação entre ciência e religião, se pergunta se a ciência teria
florescido na Europa medieval e renascentista não fosse a teologia ocidental. E exemplifica
com a China, que produziu inovações tecnológicas antes da Europa, mas que não as levou
avante porque aos chineses faltava o conceito de um ser divino que formulara leis da natureza
que os homens podiam compreender e utilizar[16].
Por sinal, é nesta mesma obra, A mente de Deus, escrita 9 anos após Deus e a nova física, que
Paul Davies nos lembra terem surgido muitas ideias sobre física fundamental nestes anos, tais
como a teoria das supercordas, os novos desenvolvimentos na cosmologia quântica, a pesquisa
de Stephen Hawking sobre o “tempo imaginário”, a teoria do caos e tantas outras, e acrescenta:
“Tais acontecimentos assumiram duas formas diferentes. Primeiro, um diálogo muito mais
intenso entre cientistas, filósofos e teólogos sobre o conceito de criação e temas conexos.
Segundo, uma intensificação da moda do pensamento místico e da filosofia oriental, que alguns
comentadores afirmaram estar em contato profundo e significativo com a física
fundamental”[17].
Paul Davies nos diz que, após a publicação de Deus e a nova física, ficou assombrado com a
postura religiosa dos cientistas, que podem ser classificados em dois grupos: os religiosos e os
não-religiosos: entre os religiosos, muitos praticam uma religião tradicional e em alguns casos
mantêm os dois aspectos de sua vida, o científico e o religioso, separados, de tal modo que são
governados pela ciência durante seis dias da semana e pela religião no domingo. Entretanto,
um pequeno grupo de cientistas se esforça para dialogar com a religião, mesmo que o
resultado seja uma visão bastante liberal da religião e uma atribuição incomum de significado
aos fenômenos físicos. E mesmo entre os não-religiosos existe “uma vaga sensação de que há
algo além da realidade superficial da experiência cotidiana, algum sentido por trás da existência.
Mesmo ateus mais empedernidos frequentemente têm o que foi chamado de sentimento de
reverência pela natureza, fascínio e respeito por sua profundidade, beleza e sutileza, algo muito
semelhante à veneração religiosa”[18].
Paul Davies procura deixar claro sua própria posição: “Como cientista profissional, confio
plenamente no método científico de investigação do mundo”. A ciência, para ele, demonstra a
todo momento ser poderosa para explicar o mundo em que vivemos, mas o que existe de mais
atraente no método científico é “sua intransigente honestidade”, pois, antes de ser aceita, cada
nova descoberta tem que passar por rigorosos testes aplicados pela comunidade científica, o
que possibilita a eliminação das trapaças de cientistas inescrupulosos[19].
Acrescenta o físico que prefere não acreditar em fenômenos sobrenaturais, pois parte do
princípio de que as leis da natureza são sempre obedecidas. Mas, mesmo assim, pensa que a
ciência pode não conseguir explicar tudo no universo físico, já que “resta o velho problema do
término do raciocínio explicativo”. Pois se as leis da física são tomadas como algo válido em
princípio é preciso perguntar de onde vêm essas leis. Assim “mais cedo ou mais tarde todos
temos de aceitar algo como dado, seja Deus, ou a lógica, ou um conjunto de leis ou algum
outro fundamento para a existência. Assim, as perguntas terminais sempre estarão fora do
alcance da ciência empírica, na sua definição corrente (…) Provavelmente sempre deverá restar
algum ‘mistério no fim do universo’”[20].
Completando a definição de sua postura, Paul Davies diz que pertence àquele grupo de
cientistas que não pratica uma religião tradicional, mas que nega ser o universo apenas um
acidente sem objetivo. “Meu trabalho científico”, explica, “levou-me a acreditar, cada vez mais
intensamente, que a constituição do universo físico atesta um engenho tão assombroso que
não posso aceitá-lo apenas como fato bruto. Parece-me que deve haver um nível mais
profundo de explicação. Querer chamar esse nível mais profundo de ‘Deus’ é uma questão de
gosto e definição”[21].
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[8]. Sobre Einstein, cf. a excelente biografia escrita por PAIS, A. Sutil é o Senhor: a ciência e a vida
de Albert Einstein. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.
[9]. Citado em GOLGHER, I. O universo físico e humano de Albert Einstein, Belo Horizonte: Oficina
de Livros, 1991, p. 304.
[11]. DUKAS, H./HOFFMANN, B. (org.) Albert Einstein: o lado humano. Rápidas visões colhidas em
seus arquivos. Brasília: Editora da UnB, 1984, p. 53.
[12]. EINSTEIN, A. Como vejo o mundo. 27. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005, p. 20-21.
[14]. DAVIES, P. Deus e a nova física. Lisboa: Edições 70, 2000, p. 157.
[15]. EINSTEIN, A. Escritos da maturidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994, p. 30.
[16]. Cf. DAVIES, P. A mente de Deus: A ciência e a busca do sentido último. Rio de Janeiro:
Ediouro, p. 75.
[17]. Idem, ibidem, p. 14. O original, The Mind of God é de 1992. Sobre a nova física e o
pensamento oriental pode ser conferido o clássico de CAPRA, F. O Tao da física: Um paralelo
entre a física moderna e o misticismo oriental. 28. ed. São Paulo: Cultrix, 2011 (original inglês:
1975). De Stephen Hawking devem ser lidos Uma breve história do tempo: Do big bang aos
buracos negros. 29. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2002; Buracos negros, universos-bebês e outros
ensaios. Rio de Janeiro: Rocco, 1995 e O Universo numa Casca de Noz. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2011.