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Direitos Humanos

Brasília-DF.
Elaboração

Prof. Msc Gerson Martins de Souza

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO................................................................................................................................... 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO
DE ESTUDOS E PESQUISA...................................................................................................................... 5

INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 7

UNIDADE I
OS DIREITOS HUMANOS......................................................................................................................... 9

CAPÍTULO 1
A DECLARAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ............................................................................... 9

UNIDADE II
OS DIREITOS HUMANOS E A SEGURANÇA PÚBLICA................................................................................ 29

CAPÍTULO 2
OS DIREITOS HUMANOS E A SEGURANÇA PÚBLICA................................................................... 29

PARA (NÃO) FINALIZAR....................................................................................................................... 37

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 38
Apresentação
Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem
necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela
atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade
de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos
a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma
competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para
vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de to rná-la subsídio valioso, de modo a facilitar
sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a
como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

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Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de
forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões
para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao
final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e
pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos
e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Praticando

Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer


o processo de aprendizagem do aluno.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

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Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Exercício de fixação

Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).

Avaliação Final

Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso,


que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única
atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber
se pode ou não receber a certificação.

Para não finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
Direitos Humanos são os direitos fundamentais da pessoa humana. No regime democrático, toda
pessoa deve ter a sua dignidade respeitada e a sua integridade protegida, independentemente de
origem, raça, etnia, gênero, idade, condição econômica e social, orientação ou identidade sexual,
credo religioso ou convicção política.

Ao longo das últimas décadas, os direitos humanos têm ocupado um lugar de


importância crescente nos discursos sociais, políticos e mediáticos sobre as relações
entre os países (DUNNE & WHEELER 2004). Mas esses discursos são contraditórios, e
se o tema dos direitos humanos tem servido para movimentos sociais de pacificação
e de ajuda humanitária (por exemplo, o da solidariedade popular em Portugal, no
início dos anos 1990, relativamente a Timor-Leste), também já foi utilizado para
justificar algumas guerras (como no caso da última invasão do Iraque pela coligação
liderada pelos Estados Unidos). Por outro lado, pouco se fala sobre o modo como os
cidadãos comuns pensam e se posicionam em relação a essas contradições. É neste
sentido que a Psicologia Social tem um importante contributo a dar para o estudo
dos direitos humanos. Antes, comecemos por olhar com maior atenção algumas das
contradições relacionadas com os direitos humanos.

Toda pessoa deve ter garantidos seus direitos civis (como o direito à vida, à segurança, à justiça,
à liberdade e à igualdade), políticos (como o direito à participação nas decisões políticas),
econômicos (como o direito ao trabalho), sociais (como o direito à educação, à saúde e ao bem-
-estar), culturais (como o direito à participação na vida cultural) e ambientais (como o direito a
um meio ambiente saudável).

O procedimento de reconhecimento e afirmação dos chamados direitos humanos constituiu uma


verdadeira conquista da sociedade moderna ocidental. Esse procedimento do nascimento de
direitos como expressão da natureza humana, ainda que favorecido pelos ideais da cultura liberal-
burguesa e pela doutrina do jusracionalismo, deve-se, em grande parte, como assinala Norberto
Bobbio (1992), à estreita conexão com as transformações da sociedade.

Com a Revolução Francesa, foi aprovada a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”,
que garante os direitos referentes a: liberdade, propriedade, segurança e resistência à opressão.
Destaca os princípios da legalidade e da igualdade de todos perante a lei e da soberania popular.
Aqui, o pressuposto é o valor absoluto da dignidade humana. A elaboração do conceito de pessoa
abarcou a descoberta do mundo dos valores, sob o prisma de que a pessoa dá preferência, em sua
vida, a valores que elege, que passam a ser fundamental, daí porque os direitos humanos hão de ser
identificados como os valores mais importantes eleitos pelos homens.

Porém, apesar de um consenso alargado sobre a importância dos direitos humanos para cidadãos
que vivem em diferentes contextos, também se verifica uma aceitação da sua violação. Essa
concessão em relação aos princípios, parece basear-se numa tomada de decisão que considera os

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UNIDADE I │DIREITOS HUMANOS

aspectos contextuais da situação concreta de violação. Esses aspectos contextuais dizem respeito,
por exemplo, às características e à pertença grupal dos indivíduos cujos direitos estão a ser violados;
à avaliação da gravidade da violação (especialmente se ameaçadora da paz e da ordem social); e
ao perpetrador da violação dos direitos (sendo que às instituições é conferida maior margem de
tolerância). De acordo com os contributos das teorias da legitimação social, o estudo das relações
inter-grupos pode ser uma chave importante para a compreensão do modo como os indivíduos
ponderam estes factores contextuais.

Uma possível aplicação dos resultados desses estudos diz respeito à forma como se aborda a educação
para os direitos humanos. Não é suficiente educar para os princípios; é central trabalhar sobre a sua
aplicabilidade em contextos concretos e situações específicas. É também importante abordar, neste
âmbito, as relações inter-grupais, o modo como se constroem as imagens da ordem e da desordem
social, as crenças e as normas de justiça... enfim, na educação para os direitos humanos não se podem
ignorar as representações sociais sobre os atores envolvidos nas situações concretas e quotidianas
em que os princípios dos direitos humanos se deparam com limitações à sua aplicabilidade1.

Objetivos
»» Compreender as políticas públicas referente aos Direitos Humanos.

»» Analisar políticas e programas importantes, desenvolvidos ao longo dos tempos,


para defender as pessoas ou os grupos que, de uma forma ou de outra, se sentem
excluídos socialmente.

»» Compreender as novas mudanças e o contexto social ligado diretamente aos direitos


humanos no século XXI.

1 Para um exemplo de programa de educação para os direitos humanos, consultar Barbeiro (2007).

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OS DIREITOS UNIDADE I
HUMANOS

CAPÍTULO 1
A Declaração dos Direitos Humanos

A Declaração dos Direitos Humanos ao longo


do tempo
Todas as pessoas têm seus direitos garantidos?

A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, adotada e proclamada pela


Resolução no 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro
de 1948.

Em seu Preâmbulo temos o seguinte teor.

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da


família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade,
da justiça e da paz no mundo,

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram


em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e que o advento
de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da
liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a
mais alta aspiração do homem comum,

Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado


de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à
rebelião contra tirania e a opressão,

Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas


entre as nações, considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram,
na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor
da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que

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UNIDADE I │DIREITOS HUMANOS

decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma


liberdade mais ampla,

Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a desenvolver, em


cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e
às liberdades fundamentais e à observância desses direitos e liberdades,

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da


mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,

A Assembleia Geral Proclama

[...]

Artigos alusivos aos Direitos Humanos apregoados


pela Assembleia Geral das Nações Unidas
Segundo Bobbio (1992), a presente Declaração Universal dos Diretos Humanos representa o ideal
comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo
e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, por meio do
ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e essas liberdades, e pela
adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o
seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios
Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

Artigo I

Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência
e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

Artigo II

Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração,
sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de
outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

Artigo III

Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo IV

Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escravos serão


proibidos em todas as suas formas.

Artigo V

Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou a castigo cruel, desumano ou degradante.

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DIREITOS HUMANOS│ UNIDADE I

Artigo VI

Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei.

Artigo VII

Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos
têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra
qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo VIII

Toda pessoa tem direito a receber dos tributos nacionais competentes remédio efetivo para os atos
que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.

Artigo IX

Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo X

Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um
tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de
qualquer acusação criminal contra ele.

Artigo XI

1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente
até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento
público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua
defesa.

2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento,
não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será
imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável
ao ato delituoso.

Artigo XII

Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua
correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei
contra tais interferências ou ataques.

Artigo XIII

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e redidência dentro das fronteiras
de cada Estado.

2. Toda pessoa tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este
regressar.

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UNIDADE I │DIREITOS HUMANOS

Artigo XIV

1. Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em


outros países.

2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada
por crimes de direito comum ou por atos contrários aos propósitos e princípios das
Nações Unidas.

Artigo XV

1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade.

2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de


mudar de nacionalidade.

Artigo XVI

Os homens e as mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião,
têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao
casamento, sua duração e sua dissolução.

O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes.

Artigo XVII

1. Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.

2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

Artigo XVIII

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a
liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo
ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em
particular.

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem
interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer
meios e independentemente de fronteiras.

Artigo XX

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas.

2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

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DIREITOS HUMANOS│ UNIDADE I

Artigo XXI

1. Toda pessoa tem direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por
intermédio de representantes livremente escolhidos.

2. Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.

3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa
em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou
procedimento equivalente que assegure a liberdade de voto.

Artigo XXII

Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço
nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos
direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento
da sua personalidade.

Artigo XXIII

1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas
e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual
trabalho.

3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que
lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade
humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social

4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de
seus interesses.

Artigo XXIV

Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e
férias periódicas remuneradas.

Artigo XXV

1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família
saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos
e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego,
doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência
fora de seu controle.

2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as


crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social.

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UNIDADE I │DIREITOS HUMANOS

Artigo XXVI

1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus
elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução
técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta
baseada no mérito.

2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade


humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades
fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade
entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das
Nações Unidas em prol da manutenção da paz.

3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será


ministrada a seus filhos.

Artigo XXVII

1. Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade,


de fruir as artes e de participar do procedimento científico e de seus benefícios

2. Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de
qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.

Artigo XVIII

Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades
estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.

Artigo XXIV

1. Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno
desenvolvimento de sua personalidade é possível.

2. No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às


limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido
reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às
justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade
democrática.

3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos


contrariamente aos propósitos e princípios das Nações Unidas.

Artigo XXX

Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a


qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato
destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.

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DIREITOS HUMANOS│ UNIDADE I

Após a Declaração dos Direitos do Homem, que nasce com a Revolução Francesa, surge a Declaração
dos Direitos Humanos baseada na visão da Organização das Nações Unidas – ONU.

Convenção de Genebra (Suíça)


Neste âmbito1, o reforço da cooperação internacional no domínio dos direitos humanos é essencial
para a plena realização dos objetivos das Nações Unidas. Os direitos humanos e as liberdades
fundamentais são inerentes a todos os seres humanos; a sua projeção e promoção constituem a
responsabilidade primeira dos governos.

Todos os povos têm direito à autodeterminação. Em virtude deste direito, escolhem livremente o
seu estatuto político e prosseguem livremente o seu desenvolvimento econômico, social e cultural.

Tendo em consideração a situação particular dos povos que se encontram sob- domínio colonial,
ou sob outras formas de domínio ou ocupação estrangeira, a Conferência Mundial sobre Direitos
Humanos reconhece o direito dos povos a empreenderem qualquer ação legítima, em conformidade
com a Carta das Nações Unidas, para realizar o seu direito inalienável à autodeterminação. A
Conferência Mundial sobre Direitos Humanos considera a negação do direito à autodeterminação
como uma violação de direitos humanos e sublinha a importância da concretização efetiva deste
direito.

Em conformidade com a Declaração sobre os Princípios de Direito Internacional relativos às Relações


Amigáveis e à Cooperação entre Estados nos termos da Carta das Nações Unidas, tal não deverá ser
entendido como autorizando ou encorajando qualquer ação que conduza ao desmembramento ou
coloque em perigo, no todo ou em parte, a integridade territorial ou a unidade política de Estados
soberanos e independentes que se rejam em conformidade com o princípio da igualdade de direitos
e da autodeterminação dos povos e que, consequentemente, possuam um governo representativo de
toda a população pertencente ao seu território, sem qualquer tipo de distinções.

A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reafirma o direito de as vítimas receberem


assistência de organizações humanitárias, conforme estabelecido nas Convenções de Genebra de
1949 e em outros instrumentos pertinentes de direito internacional humanitário, e apela ao acesso
seguro e atempado de tal assistência.

A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos exprime também a sua consternação e condenação
pelo fato de violações graves e sistemáticas de direitos humanos, bem como situações que
constituem sérios obstáculos ao pleno gozo destes direitos, continuarem a ocorrer em diferentes
partes do mundo. Tais violações e obstáculos incluem, além da tortura e das penas ou tratamentos
cruéis, desumanos ou degradantes, as execuções sumárias e arbitrárias, os desaparecimentos, as
detenções arbitrárias, todas as formas de racismo, a discriminação racial e o apartheid, a ocupação
e o domínio por parte de potências estrangeiras, a xenofobia, a pobreza, a fome e outras negações
de direitos econômicos, sociais e culturais, a intolerância religiosa, o terrorismo, a discriminação
contra as mulheres e a inexistência de um Estado de Direito (DECLARAÇÃO E PROGRAMA DE
AÇÃO DE VIENA, s/d, p. 21).
1 Todas as citações foram retiradas de: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/outraspubPDF/Direitos%20Humanos%20II%20
V2.pdf>.

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UNIDADE I │DIREITOS HUMANOS

A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos apela aos Estados que ainda não o fizeram para que
adiram às Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949 e respectivos Protocolos, e tomem todas as
medidas adequadas em nível nacional, incluindo medidas legislativas, com vista à sua plena aplicação.

Adotada em pela Conferência Diplomática para a criação das Convenções Internacionais para a
Proteção das Vítimas de Guerra, realizada em Genebra, Suíça, em 12 de agosto de 1949. Assinada
pelo Brasil, em 12 de agosto de 1949 e ratificada em 26 de junho de 1957.

Os Direitos Humanos e a atualidade


Os direitos humanos devem ser constantemente lembrados para que se forme uma sólida consciência
sobre seu significado, dimensão e importância, a fim de que sejam efetivamente respeitados.

Não queremos de maneira algum que o nosso silêncio nos possa indiretamente tornar cúmplices
de quantos procuram distrair a atenção das massas para as constantes violações dos direitos
fundamentais do homem.

Apesar de tantas referências a estes, tantas vezes hipocritamente feitas, continuamos em grau de
maior ou menor gravidade a assistir à sua violação. Genocídios, torturas, execuções sumárias,
práticas de limpeza étnica e de racismo continuam a verificar-se no dia a dia, nos mais variados
países, até na própria Europa.

O homem sempre reconheceu a necessidade de salvaguarda dos seus direitos mínimos.

Anteriormente à Declaração Universal dos Direitos, proclamada pela Assembleia Geral da ONU, em
10 de dezembro de 1948 (e infelizmente tão violada), na história da nossa civilização, encontramos
antecedentes nessa luta contra a violência dos poderosos.

Poderemos encontrar exemplos na Petition of Right (1628) e na Bill of Rights (1689), na Inglaterra,
exemplos estes, ainda embrionários, a conferir direitos apenas aos ingleses.

O grande passo já não meramente regionalista surge no século XVIII, na Declaração dos Direitos da
Virgínia e na Declaração de Independência dos Estados Unidos, em 1776, para atingir verdadeira
dimensão universalista na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 inspiradas na filosofia
jusracionalista que proclama que “todos os cidadãos são, por natureza, livres e iguais em direitos”.

Porém, e para que possamos fazer uma análise crítica e constatarmos quão afastados estamos da
atribuição ao ser humano dos direitos que legitimamente e por natureza lhe pertencem, enumeramos
resumidamente três gerações de direitos humanos.

Na primeira geração encontramos os seguintes direitos.

a) À vida

b) À liberdade física

c) À segurança pessoal

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DIREITOS HUMANOS│ UNIDADE I

d) À integridade pessoal

e) À liberdade de pensamento, consciência e religião

f) À liberdade de opinião e expressão

g) À liberdade de convivência e associação pacífica

h) Ao casamento e à constituição de família

i) Ao julgamento justo e público

j) À deslocação e habitação

k) À cidadania

l) À propriedade de bens

m) À participação na administração do próprio país

n) A ser tratado sem distinção segundo raça, cor de pele, sexo, língua, religião, opinião política ou
outra, origem nacional ou social, propriedades, nascimento em outra condição.

Na segunda geração encontramos os seguintes direitos.

a) Ao trabalho

b) À segurança social

c) À proteção contra o desemprego

d) Ao repouso e ao tempo livre

e) Ao tipo de vida apropriado para a saúde e bem-estar

f) A cuidados especiais e ajuda para mães e crianças

g) À educação

Finalmente, na última geração, a terceira, os direitos surgem baseados na ideia de solidariedade,


por acréscimo à primeira, baseada na liberdade, e à segunda, baseada na igualdade os seguintes
direitos.

a) À paz

b) Ao ambiente

c) A contrariar instalações de energia nuclear

d) À evolução tecnológica

17
UNIDADE I │DIREITOS HUMANOS

e) Ao controle das desvantagens de evolução tecnológica

f) À evolução econômica

A dimensão dessa tarefa pode encaminhar para o desânimo, para a ideia do impossível. Mas não
é! O ser humano tem conseguido vencer batalhas bem duras, pondo em risco a sua sobrevivência.

Por isso devemos pôr ao serviço da humanidade toda nossa força física e espiritual para que todo e
qualquer um possa usufruir todos esses direitos que se encontram esbulhados pela má organização
político-social de um mundo doente.

Os Direitos Humanos e a globalização


As profundas mudanças operadas na sociedade internacional, nas últimas décadas deste século,
dinamizadas pelas conquistas científicas e tecnológicas e pela velocidade do tempo histórico,
estabeleceram um quadro definitivo de complementação e de interdependência em que, na verdade,
quaisquer fatos ou atitudes que possam afetar a vida humana tornaram-se mundiais.

Desde o reconhecimento incontestável do Estado Regulador, diversas exposições têm igualmente


sugerido as razões para a modificação do papel estatal, sendo algumas dessas associadas à
perspectiva dos avanços da globalização e das realidades advindas do plano internacional. Como
o papel regulador do Estado encontra-se jungido a uma nova etapa do liberalismo, restaria uma
indagação se este não poderia ser uma mera invenção dos neoliberais que irradiariam as concepções
do interesse das corporações supranacionais às diversas nações.

Neste sentido, por meio do controle estatal seriam reconhecidos oficialmente aqueles interesses das
grandes corporações, servindo a Regulação e o Estado como coadjuvantes dos grandes protagonistas
do fenômeno global. Contudo, toda esta investigação deve não só ponderar a noção de Estado,
repensada diante desta nova era, e ainda hoje presente. Assim, Castells (1999, p. 32) afirma que o
“Estado continua sendo um elemento essencial de regulação econômica, de representação política e
de solidariedade social”, embora com uma forma de atuação que seja capaz de incorporar todas as
transformações trazidas por essa nova ordem internacional.

Vale, portanto, assinalar que o procedimento de mudanças que começou, de forma efetiva, há
cinquenta anos, com a descolonização – convém registrar que a Declaração sobre a Concessão da
Independência aos Países e Povos Coloniais, aprovada na ONU, em 14 de dezembro de 1960, afirma
que “a sujeição dos povos ao domínio estrangeiro é uma negação dos direitos fundamentais do
homem” –, toma, nestes anos finais do século XX, contornos diferenciados pela eleição de objetivos
que têm como pontos centrais a proteção dos direitos humanos e o tratamento equânime dos temas
que afetam a humanidade.

Segundo Trindade (1999), “o privilégio de testemunhar o procedimento de humanização de direito


internacional passa a se ocupar mais diretamente de realização de metas comuns superiores. O
reconhecimento da centralidade dos direitos humanos corresponde a um novo elhos de nosso
tempo”.

18
DIREITOS HUMANOS│ UNIDADE I

O autor segue afirmando que a evolução do direito internacional nos últimos decênios vem,
dessa forma, exigindo a permanente atualização de seus institutos básicos para que eles possam
acompanhar o ritmo impressionante da vida moderna e se adaptar às realidades deste final de
século.

O maior destaque desse momento foi à incorporação, por exemplo, dos direitos humanos como
seu objeto de disciplina, como esclarece Thomas Buergenthal, citado por Piovesan (2007, p. 117)
ao afirmar que “o moderno Direito Internacional dos Direitos Humanos é um fenômeno do pós-
guerra”. Ou, como destacam as linhas de Torres (2004, p. 243):

A Teoria dos Direitos Fundamentais vem se desenvolvendo extraordinariamente


nos últimos anos, a coincidir com o crescimento do interesse universal pelos
Direitos Humanos e com o resgate do tema pela Filosofia do Direito, pelo Direito
Constitucional e pelo Direito Internacional.

Por outro lado, no campo do Direito Administrativo Econômico, os efeitos da globalização vão ser
mais sentidos do que em outras searas do ordenamento Estado Democrático de Direito. Assim,
não se pode ignorar o surgimento de um direito internacional da integração, cujo impacto sobre
a soberania das ações não é desprezível. A título de ilustração, vale reconhecer a revolução sofrida
pelo direito penal para dar conta de novas práticas criminais, a partir da “economia-mundo dos
Estados” (BRAUDEL, 2004), para os quais uma visão interdisciplinar se evidencia com força nessa
atualidade indispensável para compreender os fenômenos globalizantes.

A complexidade da vida contemporânea trouxe à ordem do dia novas e urgentes reivindicações dos
indivíduos, dos grupos sociais, das minorias e das nações.

Portanto, esse novo contexto transborda novas relações complexas entre o capital e o trabalho. A
revolução dos meios de produção e de transporte, o nascimento das empresas com investidores
anônimos, as novas posições do mercado financeiro, a complicada interação dos fatores do mercado
econômico, do trabalho e do mercado financeiro, dos preços, dos salários e das rendas, tudo isso
vai exigir das normas jurídicas formulações que não aquelas do direito comum e provocar medidas
de proteção, conferindo à norma legal o papel-instrumento de proteção da economia nacional e
popular.

Assim, as atividades transacionais utilizam comportamentos próprios, exigindo um olhar


diferenciado de investigação jurídica. Nesta esteira, por todos Tepedino (1999, p. 187), assevera que:

Hoje, os conglomerados empresariais transnacionais tornaram-se os


protagonistas não estatais da vida econômica mundial, concentrando um poder
gigantesco. Tais empresas buscam planejar a sua atuação e disciplinar o seu
relacionamento recíproco valendo-se de regras próprias de conduta, que não se
confundem com as leis de qualquer Estado Nacional, mas que antes representam
praxes aceitas pelos agentes do mercado em que atuam.

Acontecimentos fundamentais no século passado – a Primeira Guerra Mundial de 1914-1918; a crise


econômica de 1929; a Segunda Grande Guerra de 1939-1945; e a crise do petróleo em 1974-1978 –

19
UNIDADE I │DIREITOS HUMANOS

marcaram a superação do sistema capitalista anterior, com o consequente abandono ou a mutação


dos seus princípios diretores. Nesse contexto, surge o Direito Econômico como um direito novo em
face de uma nova realidade estatal econômica, possuidor de características próprias e de alcance
intervencionista declamado.

Ainda que não sob o manto de uma nova ramificação do Direito ou apenas como uma nova forma de
atuação administrativa, inquestionável a necessidade existencial do direito para regular o mercado
de forma eficiente, marcado pela também inafastável consequências da globalização. Ou, nas linhas
de Campilongo (1999, p. 74):

Se o sistema jurídico estivesse por conta da globalização, se confundindo com


a imposição da lei do mais forte, com os procedimentos financeiros ou com
as práticas comerciais internacionais, ou seja, com o sistema econômico, não
haveria razão para que continuasse sendo chamado de direito ou para que
se distinguisse da economia. [...] reduzir o direito à economia ou à política é
sucumbir a formas difusas de autoritarismo.

É certo que essa internacionalização em escala produziu novas formas de criminalidade e ilícitos,
em geral, que se caracteriza, fundamentalmente, por ser supranacional, sem fronteiras limitadoras,
distanciando-se nitidamente dos padrões de antijuridicidade que tinham sido até, então, objeto de
consideração legal.

Esta virada nas relações sociais e, consequentemente, do posicionamento jurídico vem sendo
reconhecida pela doutrina nacional nas diversas áreas da disciplina, sobremaneira pelas
transformações da integração econômica e das sociedades.

No século XXI, em decorrência de pressões advindas das transformações nem sempre originadas no
interior de suas fronteiras, os Estados Nacionais vêm sendo pressionados a adotar um novo padrão
de atuação. Menos que um esvaziamento, esta tendência demanda do Estado transformações
substantivas no elenco de suas competências (CAMPOS, 2000, p. 30).

Independente dessas considerações, essa nova disciplina do direito econômico global estará sempre
subordinado ao modelo constitucional definido por Estado, reservatório último da orientação
ética e política das sociedades democráticas modernas. Numa visão interdisciplinar, a economia
não é – e não pode ser – um valor absoluto, pois assim entendida só conduziria ao aumento das
desigualdades, a concorrência desleal e do fosso entre ricos e pobres. Não é possível se imaginar
uma globalização somente guiada pelas leis de mercado ou que legitime apenas os interesses dos
países mais poderosos (CAMPOS, 2000, p. 30).

O autor segue afirmando que convém assinalar que o direito ao desenvolvimento não se confunde
com o direito internacional do desenvolvimento. Este é um ramo novíssimo do direito internacional
público, que apresenta uma compreensão teleológica, pois é uma manifestação jurídica voltada
para a mudança, o avanço e o desenvolvimento sustentável. Não é apenas um conjunto normativo
de concepção recente, cujo objetivo centraliza-se na regulamentação das relações internacionais
que têm como finalidade o desenvolvimento. Constitui isto sim, um sistema jurídico que almeja
acelerar e impulsionar o desenvolvimento integrado. É, também, uma de suas propriedades mais

20
DIREITOS HUMANOS│ UNIDADE I

destacadas o fato de apresentar uma estrutura normativa dual, isto é, normas voltadas às relações
entre Estados desenvolvidos e normas que se dirigem às relações entre países desenvolvidos e em
desenvolvimento. Propõe-se, em última análise, dar o necessário suporte jurídico à construção de
uma ordem econômica internacional mais justa.

Nessa direção de perceber o fenômeno da globalização e suas repercussões, principalmente no


Direito, assume dimensão bem ampla, não se limitando a uma expressão neoliberal e de bases
puramente econômicas. Todavia, o Estado-Nação não se tornou sem importância e os governos
internos possuem um sentido cada vez mais relevante.

O Estado continua sendo um agente importante na indução do desenvolvimento – como destaca


a própria Constituição de 1988 –, mesmo que certos poderes tenham sido enfraquecidos com a
globalização. Paradoxalmente, a interconectividade desse mesmo sistema global aproxima e cunha
novas demandas, não comportando mais qualquer tipo de isolamento, seja externo, em relação a
outras Nações, seja interno, em relação a suas próprias regiões.

Essa colaboração é determinante no processo de globalização e relevante para se entender de forma


mais abrangente o Estado e sua capacidade administrativa e reguladora, que, cada vez, envolve
muito mais atores internos e de natureza transnacional na construção de sua governabilidade.
Castells (1999, p. 64) destaca com muita propriedade, que:

A experiência da última década evidencia que o Estado continua sendo um


importante agente de intervenção estratégica nos processos econômicos, ainda
em sua dimensão global, e que os conjuntos institucionais e reguladores são
extremamente importantes para as empresas, para os trabalhadores, para
economia e para a sociedade (...) Há fronteiras, há Estados, há leis, há regras
de jogo institucionalizadas (...) É precisamente esse duplo caráter da economia,
que funciona mediante fluxos globais articulados, interagindo com uma
geografia diferente de instituições nacionais e regionais e locais, o que dá um
papel relevante às políticas públicas que podem constranger, orientar ou, ao
contrário, deixar inteiramente sem controle os fluxos de capital e as tendências
do mercado.

Portanto, não mitificar por demais os controles jurídicos – alguns já contando com séculos de
emprego e desenvolvimento, especialmente no Direito Administrativo tradicional – cujo uso é
essencial. Já para outras instituições, transformações foram inevitáveis a partir do fenômeno da
globalização, como a questão da soberania, da livre concorrência, do poder regulador do Estado
depois de sair do papel de protagonista das atividades econômicas.

As contradições dos Direitos Humanos


A história dos direitos humanos está intrinsecamente ligada à reação a situações de extrema
violência. Alguns dos exemplos mais conhecidos desta relação são: a “Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão”, proclamada, em 1789, no contexto da Revolução Francesa contra o poder
absoluto do soberano; a “Bill of Rights”, em 1791, ligada à fundação dos Estados Unidos como nação;

21
UNIDADE I │DIREITOS HUMANOS

e a “Declaração Universal dos Direitos do Homem”, em 1948, após a II Guerra Mundial. Os direitos
humanos inscrevem-se, pois, na história das sociedades contemporâneas e podem ser considerados
como construções culturais de carácter universalizante (CLAUDE & WESTON, 1992).

Ao mesmo tempo, é possível considerar que não há direitos humanos sem violência, tratando-se de
dois polos de um mecanismo de regulação das relações entre as instituições (por exemplo o Estado)
e os indivíduos (BARBEIRO & MACHADO, 2010).

Como já foi referenciado anteriormente, as dinâmicas que ligam os direitos humanos e a violência
são paradoxais. Em primeiro lugar, se no plano dos princípios, os direitos humanos não são
hierarquizáveis, a sua aplicação implica frequentemente que a protecção de certos direitos exija a
limitação de outros (DRZEWICKI, 1998).

A ponderação do valor de cada direito frente aos outros varia conforme o contexto histórico e cultural.
Alguns autores estudiosos dos direitos humanos consideram também que os sistemas ideológico-
-políticos têm tendência a valorizar alguns tipos de direitos frente a outros. Com efeito, pode falar-se
de um diferencial de força de aplicabilidade entre três grandes categorias de direitos2: os direitos
civis e políticos, considerados fortes; os sociais, econômicos e culturais, relativamente
protegidos; os direitos colectivos, considerados como os mais fracos (WESTON, 1992).

Um segundo paradoxo traduz-se no fato de que frequentemente as limitações e as violações dos


direitos humanos não são sentidas como tal (CROSBY, 1984).

O desrespeito pelos direitos humanos parece acontecer aos “outros”, em países longínquos que não
partilham os ideais democráticos do Ocidente (MOGHADDAM & VUKSANOVIC, 1990; STAERKLÉ,
CLÉMENCE & DOISE, 1998).

Uma terceira contradição relaciona-se com as relações inter-grupais no seio das sociedades
democráticas, continuamente caracterizadas pela dominação, marginalização e exclusão. Por
exemplo, a segurança parece ser um direito que se sobrepõe a outros direitos civis, seja sob um
plano estritamente físico seja nas suas dimensões econômicas e culturais. Certos discursos políticos
centram-se na necessidade fundamental de segurança sentida pelos cidadãos para justificar a
limitação dos seus direitos, dos direitos de alguns grupos sociais ou mesmo o exercício de certas
formas de violência (LANDAU et al., 2004).

Assim, os direitos não se encontram uniformemente distribuídos nas hierarquias sociais, sendo mais
fácil para os membros de alguns grupos usufruir de um leque alargado de direitos, enquanto que os
membros dos grupos socialmente desfavorecidos têm acesso a um leque mais restrito (STAERKLÉ,
DELAY, GIANETTONI & ROUX, 2007).

2 A forma mais usual de classificação dos direitos humanos é a tipologia por “gerações”. Os direitos de primeira geração
(civis e políticos) foram institucionalizados a partir das revoluções do séc. XVIII. Implicam um recuo da ação do Estado e são
considerados direitos fortes. Os direitos econômicos, sociais e culturais (de segunda geração, reforçados progressivamente
após a Segunda Guerra Mundial) têm um potencial de aplicabilidade relativo, pois implicam um papel ativo das instituições
para a sua concretização. Os direitos colectivos, de desenvolvimento recente nas convenções internacionais, são os direitos
fracos (Weston, 1992). Exemplos destes são o direito ao ambiente e os direitos das minorias e grupos dominados (mulheres,
deficientes, migrantes, minorias étnicas). Esta classificação tem sido criticada por justificar a atribuição de um peso diferente
aos vários tipos de direitos, legitimando o fato de os Estados não se empenharem igualmente na concretização de todos.

22
DIREITOS HUMANOS│ UNIDADE I

Elementos dos Direitos Humanos: algumas


questões a serem respondidas
Trazemos alguns questionamentos com base em Sen (2010).

O que de fato uma teoria que trata de direitos humanos


deve abordar?

O autor destaca que os direitos humanos podem ser vistos como demandas primeiramente ética.
Não são exigências principalmente “legais”, “protolegais” ou “ideal-legal”.

Embora os direitos humanos possam inspirar legislações, e frequentemente o façam, esse é um fato
posterior, e não uma de suas características constitutivas.

O que torna os Direitos Humanos importantes?

A visão do autor relaciona-se com a significância das liberdades que formam a matéria desses
direitos humanos. Para qualificarem-se como base de tais direitos, as liberdades devem satisfazer
algumas “condições liminares” de especial importância e influenciabilidade social.

Que deveres e obrigaçõe os direitos humanos geram?

Na visão do autor, os direitos humanos geram razões para ação daqueles que possuem a possibilidade
de ajudar na promoção ou proteção das liberdades subjacentes.

O autor destaca, ainda, que as obrigações induzidas envolvem primeiramente o dever de considerar
as razões para as ações e suas implicações práticas, levando em conta os parâmetros relevantes do
caso individual.

As razões para a ação podem sustentar tanto as obrigações “perfeitas” quanto as “imperfeitas”, que
são menos precisamente caracterizadas.

Sen (2010, p. 24) afirma que “muito embora divirjam em conteúdo, as obrigações perfeitas e as
obrigações imperfeitas se correlacionam com os direitos humanos praticamente da mesma maneira.
Em particular, a aceitação das obrigações imperfeitas vai além da caridade voluntária ou das virtudes
de escolha”.

Neste contexto, Sen (2010) indaga a seus leitores por quais formas de ação os direitos humanos
podem ser promovidos e, em particular, as legislações devem ser o meio principal, ou mesmo um
meio necessário de implementação desses direitos?

Segundo o autor, a implementação dos direitos humanos pode ir além da legislação, uma teoria de
direitos humanos não pode ser confinada no modelo jurídico em que frequentemente é encarcerada.
Por exemplo, segundo Sen, a atenção e a mobilização pública (incluindo a monitoração de violações)
podem ser parte das obrigações – frequentemente imperfeitas– geradas pelo reconhecimento dos
direitos humanos.

23
UNIDADE I │DIREITOS HUMANOS

Alguns direitos humanos reconhecidos não são idealmente legislados, sendo mais bem promovidos
por outros meios, incluindo discussão pública, apreciação crítica e Advocacy.

Nesta primeira aproximação com os questionamentos referentes aos Direitos Humanos, deslocamo-
-nos de imediato para uma nova temática.

Os Direitos Humanos como


representação social
No âmbito da Psicologia Social, o estudo dos direitos humanos deve muito a Willem Doise e seus
colaboradores. Durante as duas últimas décadas, esta equipe procurou compreender o modo como os
cidadãos comuns se posicionam perante os direitos humanos e as suas violações. Nesta abordagem,
os direitos humanos são conceptualizados como representações sociais3 (cf. DOISE, 2002).

Portanto, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, como texto fundamental dos direitos
humanos, pode ser analisada como um conjunto de princípios (“ideias-força”), buscando organizar
as relações de interdependência entre os seres humanos. Essas ideias-força não dizem respeito
apenas aos textos legais e aos saberes dos especialistas, mas funcionam como referenciais para a
estruturação de saberes e posições comuns entre os cidadãos, em diferentes contextos nacionais
(DOISE, 2002; DOISE, SPINI, & CLÉMENCE, 1999).

Em um estudo realizado em 35 países, Doise e seus colaboradores (1999) entrevistaram estudantes


universitários no que diz respeito aos 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Para cada direito, foram colocadas oito questões sobre os seguintes aspectos: a compreensão do
artigo por parte do participante; a facilidade e capacidade que o governo, os partidos políticos e os
indivíduos teriam em aplicá-lo; o nível de concordância com as ideias nele expressas; e o nível de
envolvimento coletivo que os participantes estavam dispostos a ter para fazer respeitar esse direito.
No mesmo questionário eram ainda recolhidas informações sobre as tensões sociais percebidas
pelos interrogados, os seus valores e as injustiças experienciadas.

Os resultados demonstram que, nos diferentes países, os direitos eram percebidos de acordo com
uma estrutura comum, a qual traduzia também a visão dos peritos acerca dos diferentes tipos de
direitos humanos (DOISE et al., 1999).

Esta compreensão comum não exclui a existência de variações entre indivíduos e entre grupos
nacionais quanto aos níveis de adesão e à valorização dos diferentes direitos.

Os colaboradores da pesquisa identificaram quatro tipos de posições em relação aos direitos:


simpatizantes (os que aderiam mais fortemente a valores universalistas), personalistas
(confiando mais em si próprios do que no Estado para fazer valer os direitos), cépticos (os

6 O conceito de representações sociais foi proposto por Moscovici (1961/2004), num estudo sobre a forma como o sensocomum
se apropriou de alguns conceitos da psicanálise. No presente artigo, utiliza-se a teorização de Doise, Clémence e Lorenzi-
Cioldi (1992). Segundo esses investigadores, as representações sociais são “mapas mentais” que organizam as relações
simbólicas entre os indivíduos. Estas “imagens cognitivas” não são puramente individuais, mas são construídas e partilhadas
no seio dos grupos, fazendo parte dos sistemas coletivos de compreensão do mundo. Apesar de terem uma organização
comum, podem variar entre indivíduos e entre os grupos. As representações sociais funcionam como princípios que organizam
as tomadas de posição dos indivíduos em relação aos fenômenos sociais. Por exemplo, as posições de maior ou menor
tolerância às violações dos direitos humanos estão relacionadas com a forma como os grupos concebem estes direitos.

24
DIREITOS HUMANOS│ UNIDADE I

mais pessimistas em relação à possibilidade de fazer respeitar os direitos humanos em geral)


e governamentalistas (os que confiam nas instituições e acham que pouco podem fazer
pessoalmente para reforçar o respeito pelos direitos (DOISE et al., 1999).

Na seara inter-individual, essas diferentes posições se relacionam com as experiências de


discriminação social, com os níveis de percepção de conflito social e com os valores que são
mais importantes para os indivíduos (DOISE et al, 1999; SPINI & DOISE, 1998). Por exemplo,
os indivíduos do grupo dos “céticos” têm mais experiências pessoais de discriminação e têm uma
maior percepção das tensões sociais.

Nos contextos nacionais, as posições dos indivíduos variam de acordo com as suas percepções4 sobre
a capacidade dos Estados e dos cidadãos para fazer respeitar os direitos humanos, ao mesmo tempo,
essas percepções se relacionam também com o grau efetivo de respeito pelos direitos humanos no
próprio país. Assim, o autor destaca, como exemplo, os indivíduos que vivem em países onde é mais
problemático o respeito pelos direitos humanos têm uma esacerbada percepção da existência de
conflitos sociais e pouca confiabilidade na capacidade das instituições para fazê-los respeitar. Estes
atores sociais se situam no grupo dos “personalistas”. Por outro lado, em países ditos “desenvolvidos”,
com instituições mais ativas na implementação dos direitos humanos, os interlocutores posicionam-
se majoritariamente nos grupos dos “simpatizantes” e dos “governamentalistas” (DOISE et al.,
1999).

Portanto, este estudo mostrou que os direitos humanos possuem representações largamente
partilhadas nas sociedades atuais; no entanto, a forma como são vistos varia em função da pertença
a diferentes grupos socioculturais (neste caso, grupos nacionais), sendo de grande importância os
contextos de vida e as experiências individuais na percepção destas visões.

Um estudo mais recente, realizado em 55 países acerca das percepções dos cidadãos sobre o respeito
pelos direitos humanos no seu país, obteve resultados no mesmo sentido: a constatação da existência
de uma base comum de compreensão dos direitos e de variações inter-individuais, inter-grupais e
entre países (CARLSON & LISTHAUG, 2007).

As posições dos indivíduos em face das


violações dos Direitos Humanos
Se o conhecimento e a adesão aos direitos humanos são amplamente partilhados, como se posicionam
os cidadãos em relação às suas violações?

Diversos estudos mostraram que, neste caso, o consenso diminui. Em um estudo em cinco países,
Clémence, Doise, De Rosa e Gonzalez (1995) verificaram que, perante algumas situações concretas

4 Percepção (AO 1990: percepção ou perceção) é, em psicologia, neurociência e ciências cognitivas, a função cerebral que
atribui significado a estímulos sensoriais, a partir de histórico de vivências passadas. Através da percepção um indivíduo
organiza e interpreta as suas impressões sensoriais para atribuir significado ao seu meio. Consiste na aquisição, interpretação,
seleção e organização das informações obtidas pelos sentidos. A percepção pode ser estudada do ponto de vista estritamente
biológico ou fisiológico, envolvendo estímulos elétricos evocados pelos estímulos nos órgãos dos sentidos. Do ponto de
vista psicológico ou cognitivo, a percepção envolve também os processos mentais, a memória e outros aspectos que podem
influenciar na interpretação dos dados percebidos.

25
UNIDADE I │DIREITOS HUMANOS

de violação dos direitos humanos, alguns princípios permaneciam intocáveis: os interlocutores


exprimiram atitudes de condenação e identificaram-nas como violações dos direitos humanos.

Os princípios postos em causa nessas situações eram a proibição da tortura, a liberdade de opinião
e o respeito governamental pelos direitos jurídicos e democráticos dos cidadãos. No entanto, a
condenação das violações dos direitos humanos diminuiu em outros tipos de situações, tais como:
a expulsão de estrangeiros sob a ação governamental; a existência da pena de morte na ordem
jurídica; a intromissão na vida privada dos indivíduos – da parte do governo, no caso de concessão
da nacionalidade, e da parte das empresas, no caso de contratação de trabalho (CLÉMENCE, DOISE,
DE ROSA e GONZALEZ, 1995).

Assim, outros princípios, ligados ao controle social por parte das instituições, foram relativizados.
Parecem existir alguns direitos que são considerados invioláveis e outros que podem ser relativizados
em situações que opõem os interesses das instituições aos dos indivíduos e que se relacionam com
o controle social. Os participantes do estudo que relativizaram os direitos indicaram, nas respostas
ao questionário, opiniões fatalistas sobre relações sociais, tolerância às ingerências das instituições
na vida dos cidadãos e uma concepção restritiva dos direitos individuais (CLÉMENCE, DOISE, DE
ROSA e GONZALEZ, 1995).

Outros estudos mostraram que, em certas tomadas de decisão sobre a relação entre os direitos e
as suas violações, os indivíduos evocam as instituições simultaneamente como fonte e limite dos
direitos (DOISE, 2002; SPINI & DOISE, 2005). Com efeito, alguns dos modos como as instituições
limitam (ou mesmo desrespeitam) os direitos humanos, contribuindo para a manutenção da
injustiça social, podem ser vistos como formas de violência – a violência institucional (BARBEIRO
& MACHADO, 2010).

O desfasamento princípios – aplicação e a


legitimação das desigualdades sociais
Dos estudos apresentados na seção anterior, parece emergir que, também em relação às violações
dos direitos, o pensar dos cidadãos comuns pauta-se por contradições semelhantes àquelas que já
foram evocadas neste artigo, a propósito das abordagens teóricas aos direitos humanos. Trata-se
de um desfasamento entre os princípios, na sua forma abstrata e na sua aplicabilidade (principle-
application gap) (JACKMAN, 1978).

No que diz respeito aos direitos humanos, este desfasamento está ligado, de acordo com Staerklé e
Clémence (2004), a um dilema ideológico entre duas normas de justiça: a norma de sanção de atos
condenáveis (aplicação baseada no contexto) e a norma de proteção dos direitos das pessoas que
cometem esses atos (aplicação baseada nos direitos).

Assim, mesmo se as pessoas estão de acordo com os princípios gerais dos direitos humanos, têm em
conta os contextos e os indivíduos aos quais se aplicam esses direitos.

Em uma das suas pesquisas, Staerklé e Clémence (2004) mostraram que, em situações concretas, se
os indivíduos cometerem atos susceptíveis de condenação (tais como tráfico de drogas e homicídio),

26
DIREITOS HUMANOS│ UNIDADE I

haverá uma tendência a ser mais tolerante com a violação dos seus direitos. No entanto, esta
tendência também não é consensual: em seu estudo, os autores verificaram que se a maior parte
dos participantes seguia a lógica precedente (aplicação baseada no contexto), outros condenavam
a violação dos direitos dos indivíduos pelas instituições, independentemente dos atos desses
indivíduos (aplicação baseada nos direitos).

Em um outro estudo realizado em Portugal sobre a aceitação do uso de tortura e de violência


policial pelas instituições governamentais foi também verificado este desfasamento. Dependendo
das situações (perigo iminente para as populações, desordem social) ou do tipo de atores envolvidos
(terroristas, criminosos), alguns princípios eram relativizados, restringindo os direitos dos
indivíduos em favor de um maior controle do Estado (BARBEIRO, SPINI & MACHADO, 2010).

Portanto, o contexto e o “tipo de atores” envolvidos parece essencial para a tomada de posição
sobre as violações dos direitos humanos. Se, como foi sucitado, os direitos humanos são princípios
abstratos visando a regular as relações sociais, é precisamente nas dinâmicas sociais que a explicação
para este desfasamento deve ser procurada (BARBEIRO, SPINI & MACHADO, 2010).

Algumas teorias referentes às relações inter-grupais, designadas genericamente por “psicologia da


legitimação” , apresentam perspectivas interessantes sobre esta questão.

Jost e Major (2001) referem-se a três teorias que, por meio do estudo das relações
inter-grupais, contribuem para explicar as dinâmicas de legitimação e manutenção
das desigualdades sociais: a “teoria da identidade social” (TAJFEL & TURNER, 1979), a
“teoria da dominância social” (SIDANIUS, 1993) e a “teoria da justificação do sistema”
(JOST & BANAJI, 1994). A primeira estuda a necessidade que os indivíduos têm de
se identificar positivamente a um ou vários grupos, para explicar as hierarquias
sociais e as dinâmicas de estabilidade e mudança social. A segunda centra-se nos
procedimentos institucionais e na tendência que alguns indivíduos desenvolvem
para a dominação. A teoria da justificação do sistema debruça-se sobre internalização,
pelos membros dos grupos dominantes e dominados, de crenças, estereótipos e
atitudes que permitem a manutenção das hierarquias sociais. Temos como exemplos
os estereótipos “pobre mas feliz” ou “pobre mas honesto” (KAY & JOST, 2003) . Estes
estereótipos permitem também manter a crença de que o mundo é justo (JOST &
HUNYADY, 2005).

Um aspecto fulcral desta área é o estudo das relações hierárquicas inter-grupais. A psicologia da
legitimação busca explicar como algumas atitudes, crenças e estereótipos permitem legitimar e
manter certas formas de organização social (baseadas na desigualdade), fornecendo uma sustentação
ideológica aos sistemas sociais e políticos. Entre os elementos de base desta ideologia, temos as
crenças na causalidade e no controle pessoal dos acontecimentos, num sistema social meritocrático,
numa “ética protestante” do trabalho, e a crença em um mundo justo (JOST & HUNYADY, 2003).

De acordo com Lerner (1980), os seres humanos têm uma “necessidade fundamental”
de acreditar que o mundo é justo, que cada um tem o que merece, e que se alguns se
encontram em situações desfavoráveis é porque de algum modo contribuíram para

27
UNIDADE I │DIREITOS HUMANOS

isso. Esta crença permite que indivíduos se esforcem para ultrapassar as dificuldades
quotidianas, esperando que no futuro o seu esforço possa ter uma justa recompensa.
Se bem que Lerner postule que esta crença é universal, considera que a forma como
os diferentes grupos sociais concebem um “mundo justo” depende das normas de
justiça de cada grupo.

Dentro de uma justificativa, os autores trazem a aceitação da ordem social pelos membros dos
grupos favorecidos e pelos dos grupos desfavorecidos pode repousar na partilha de uma “motivação
para a justificação do sistema”. As injustiças sociais (e, pode acrescentar-se, as violações dos direitos
humanos) são explicadas, racionalizadas e justificadas de modo a que as pessoas sejam vistas como
merecedoras da posição social que ocupam e do tratamento que recebem. A “teoria da justificação do
sistema” é precisamente uma das abordagens da psicologia da legitimação, que sublinha a “função
paliativa” das ideologias da justificação (JOST & BANAJI, 1994; para uma revisão recente ver KAY
et al., 2007).

Deste modo, se o desfasamento entre os princípios de justiça social (ou dos direitos humanos) e as
injustiças sentidas ou presenciadas quotidianamente podem causar um mal-estar nos indivíduos,
uma forma de lidar com esse mal-estar é fazer apelo a um sistema de crenças que justifique esta
dissonância (JOST & BANAJI, 1994).

28
OS DIREITOS
HUMANOS E A UNIDADE II
SEGURANÇA
PÚBLICA

CAPÍTULO 2
Os Direitos Humanos e a
Segurança Pública

O cenário de violência instalado e vivenciado pela sociedade brasileira nos últimos anos tem
comprovado a necessidade cada vez maior do aprimoramento das instituições policiais e, em especial,
dos seus profissionais. Com essa convicção formada, partimos do pressuposto de que combater a
criminalidade de forma empírica, como vivenciado no passado, já não possui mais espaço em uma
sociedade tão exigente, consciente e, ao mesmo tempo, necessitada de respostas policiais eficientes
e eficazes.

O procedimento evolutivo da violência, da criminalidade e da inobservância aos direitos humanos


impuseram, cada vez mais, as instituições policiais ao enfrentamento de ocorrências que fujam da
normalidade buscando conhecimentos técnicos na sua resolução. Desta forma, o entendimento
passou a ser de que ocorrências policiais desta natureza requerem um tratamento diferenciado e
especializado.

Outro entendimento digno de registro mostra que não basta tão somente aumentar o número de
policiais nas ruas para que as pessoas se sintam seguras e tranquilas, é necessário sim, aumentar
nas ruas a quantidade de policiais com preparo técnico profissional. Essa é, com toda certeza, a
contextualização mais evidente de que para o policial, no exercício da sua função, desempenhar seu
mister com tranquilidade e autoconfiança, buscando a maior probabilidade de acerto, necessário se
faz capacitá-lo de tal forma que ele tenha um leque, o mais amplo possível, de alternativas táticas
para a resolução das ocorrências com as quais irá se deparar.

Nas situações em que a intervenção do aparato policial se faz essencialmente necessário, o surgimento
de uma crise é bastante provável, principalmente se ele surpreende um crime em andamento, tendo
como reflexos imediatos, situações em que pessoas são tomadas como reféns, criando um verdadeiro
impasse e colocando em risco o mais valioso bem que um ser humano pode ter – a vida.

Uma vez observados e pontuados tais situações críticas, o Sistema de Defesa Social Norte-
-Americano, nas últimas quatro décadas, tem catalogado e estudado milhares de crises ocorridas
UNIDADE II │OS DIREITOS HUMANOS E A SEGURANÇA PÚBLICA

nos Estados Unidos e, a partir desses estudos, estabelecido condutas e noções de ação planejada
para a Polícia no gerenciamento de eventos cruciais. Para a Academia Nacional do FBI (Federal
Bureau of Investigation), os fundamentos teóricos servem de suporte para o atendimento de
eventos cruciais, capacitando o policial na identificação, na classificação e na tomada de decisões
durante o procedimento. Por outro lado, no Brasil, a doutrina sobre gerenciamento de crises é um
tema recente, tendo o Delegado da Polícia Federal Roberto das Chagas Monteiro sido o primeiro
profissional e estudioso a publicar uma apostila relacionada ao assunto na década de 1990.

O atendimento de ocorrências de alto risco exige das instituições policiais muito mais que boa
vontade, rusticidade e experiências acumuladas. Não se pode admitir neste ramo de atuação uma
polícia amadorística, empírica, sobretudo porque as ações como estas ganham destaque nacional e
porque não afirmar internacional e certamente os seus possíveis erros tenderão a serem submetidos
à divulgação, expondo as fragilidades encontradas nas instituições policiais.

O gerenciamento de crises, pela complexidade que se apresenta, como explica o TC PMTO Glauber
de Oliveira Santos, “exige das instituições policiais formação e treinamento especiais, pessoas que
atendam a perfis específicos para cada atividade desenvolvida no teatro de operações. (...) é uma
tarefa que implica a resolução de problemas com base em probabilidades. Porém, é importante
lembrar que não é uma ciência exata, ou um procedimento rápido e de fácil solução de problemas.
“Cada crise apresenta características únicas e exige, portanto, soluções individualizadas que
demandam cuidadosa análise e reflexão”.

As heranças da ditadura e suas implicações


para o debate dos Direitos Humanos
Os movimentos sociais de defesa dos direitos humanos foram acusados de serem “defensores de
bandidos”, de propagarem a impunidade e a injustiça e de não deixarem os agentes da segurança
pública exercerem o seu papel de defensores da “lei e da ordem”. Segundo Balestreri (2009, p. 01),
este é o resultado: “[...]o autoritarismo vigente no país ,entre 1964 e 1984, e da manipulação, por
ele dos aparelhos policiais, esse velho paradigma maniqueísta cindiu sociedade e polícia, como se o
último não fizesse parte do primeiro”.

Sabemos que é emblemático o debate em torno dos direitos humanos no Brasil, em especial, após a
década de 1970, devido, principalmente, às constantes denúncias de violação dos direitos humanos
dos presos políticos no período da ditadura militar, e o surgimento dos movimentos de defesa que
estiveram inicialmente atrelados às essas lutas específicas durante todo o regime militar. Adorno
em seus escritos nos lembra:

A constituição desses movimentos foi, como se sabe, seguida de uma torrente


infindável de denuncias de toda sorte, sobretudo contra a violência nas prisões, a
par de outras práticas tais como visitas periódicas às instituições de contenção e
repressão ao crime, intervenções constantes na imprensa e na mídia eletrônica,
organização de inúmeros fóruns de debates dos mais distintos tipos – técnicos,

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OS DIREITOS HUMANOS E A SEGURANÇA PÚBLICA│ UNIDADE II

profissionais, acadêmicos -,reunindo especialistas, pesquisadores, profissionais,


formadores de opinião e público leigo em geral (BALESTRERI, 1999, p. 21).

Na contramão desses movimentos, encontram-se atores que acreditam e defendem a repressão e a


violência como caminho para a “harmonia social”, e não se eximem de prestar os seus mais sinceros
esforços para reafirmarem junto à sociedade que “bandido bom é bandido morto”.

Desfrutando de posição privilegiada no interior dos aparelhos de Estado e


gozando de certo prestígio junto a alguns segmentos da imprensa escrita –
sobretudo da reportagem policial – e mesmo da mídia eletrônica, representantes
das forças conservadoras conseguiram, em curto espaço de tempo, reascender o
autoritarismo social que, não raro, caracteriza certos traços da cultura política
brasileira. Não somente mobilizaram sentimentos coletivos de insegurança
como que já se anteviam no início dos anos 1980, atraindo em seu favor opiniões
favoráveis a uma intervenção autoritária no controle da ordem pública; isto
é, reforçando percepções coletivas populares segundo as quais a única forma
legitima e imperativa de conter a violência do delinqüente é o recurso à violência
policial sem interditos legais ou morais (BALESTRERI, 1999, p. 21).

Vale ressaltar que compreender o contexto político da ditadura militar (1964-1984) é fundamental
para uma melhor percepção dos episódios que se seguem após a abertura política, em especial para
a temática aqui destacadas, ou seja, a transversalidade do debate dos direitos humanos nas políticas
de segurança pública.

Estudiosos e pesquisadores apontam que uma das principais características desses governos
militares é a apropriação e o uso, por parte dos mesmos, do aparato policial como instrumento de
repressão violenta contra opositores e dissidentes que se colocavam contrária à ditadura instalada
no Brasil, em 1964. O resultado de tal apropriação foi à transformação da polícia numa força ilegal,
arbitrária, torturadora e, em muitos casos, assassina, acabando por originar a ideia de que a polícia
deve ser uma força essencialmente repressiva, responsável pela manutenção da “lei e da ordem”5
numa relação em que o indivíduo é visto como “inimigo do Estado”.

Caco Barcellos, em seu livro “Rota 66 (2003) – a história da polícia que mata”, mostra-nos quão
calamitosa foi a herança permitida por esse período para as forças de segurança pública do país.
Em seu estudo sobre uma das forças policiais do Estado de São Paulo, as Rondas Ostensivas Tobias
de Aguiar, popularmente conhecidas como “Rota”, Barcellos traz-nos as mais variadas formas de
tortura que os policiais aplicavam, a fim de penitenciar os possíveis delinquentes. O resultado? Um
número de civis mortos por policiais militares que surpreende:

As leituras das primeiras 1.725 edições do NP resultam na descoberta de 274


pessoas mortas em supostos tiroteios pela cidade de 70 a 75. (...) Supera também
o número de baixas de um período negro da repressão política no país, nas
décadas de 1960 e 1970. Os agentes do Exército e da Polícia Civil, envolvidos no
combate a ativistas políticos, são acusados pela execução de 269 pessoas – 144
oficialmente mortos, 125 desaparecidos. O saldo da matança da PM, somente

5 Para Reiner (2004), o mito da ‘lei e da ordem’ retrata a polícia como sendo uma força eficaz na prevenção e descoberta do
crime e defende o poder da polícia como panaceia para os problemas de ordem pública e de aplicação da lei.

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UNIDADE II │OS DIREITOS HUMANOS E A SEGURANÇA PÚBLICA

até 1975, já é maior, portanto, que o número de mortos e desaparecidos políticos


durante todo o período de 21 anos de ditadura militar (BARCELLOS, 2003, p.
89).

O autor destaca que desse contexto de repressão do Estado de exceção em que viveu o Brasil, por
intermédio da ação policial, a sociedade e os movimentos sociais reagiram, reafirmando a importância
do debate em torno dos direitos humanos para a formulação de políticas de segurança cidadãs.

Assim, ao longo dos governos civis democráticos que se instalaram no poder, pós-regime militar,
surge uma agenda de reivindicações que engloba inviolabilidade do domicílio, proibição de prisões
ilegais, instituto do habeas corpus, garantia de ampla defesa aos acusados, extinção de foros
privilegiados ou tribunais especiais para julgamento de crimes de abuso de poder praticados por
policiais e autoridades públicas (ADORNO, 1999).

Portanto, muitos estudiosos entendem que essas ações foram cruciais para incluir mudanças
na maneira com que governantes brasileiros tratam o tema segurança pública. São momentos
importantes e que não podem ser esquecidos quando do debate em torno deste tema.

Ações e perspectivas para a inclusão


dos Direitos Humanos na política
de Segurança Pública
O contínuo debate em torno dos direitos do homem traduz-se num movimento que transpassa
os limites do debate político nacional, pois alcança uma trajetória internacional na luta pela
concretização dos direitos humanos em todo o mundo civilizado. Vale destacar as palavras de
Bobbio (1992, p.5) quando afirma que:

[...] Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos
históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas
em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo
gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.

As palavras de Bobbio afirmam que a luta em função da concretização desses direitos não se
esgota no reconhecimento dos direitos individuais, antes autoriza explorar outras possibilidades
e potencialidades que se apresentam com o desenvolvimento das sociedades, direitos que se
apresentam como fundamentais para a consolidação de uma sociedade democrática.

Vale ressaltar que muitas das modificações e reivindicações para a defesa dos direitos humanos
por parte dos Estados seguem as orientações apresentadas na Declaração dos Direitos do Homem,
assinada pela Organizações das Nações Unidas (ONU), em 1948, e nos documentos resultantes de
outras conferências, como a I Conferência Mundial de Teerã, ocorrida entre os dias 22 de abril e
13 de maio de 1968, que tinha como fim avaliar os progressos dos vinte anos transcorridos desde a
Declaração dos Direitos do Homem (1948), bem como a promoção e a defesa dos direitos humanos a
partir do reconhecimento de um conjunto de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.

32
OS DIREITOS HUMANOS E A SEGURANÇA PÚBLICA│ UNIDADE II

No Brasil, a abertura política da década de 1980 deixa transparecer o inconformismo por parte
da sociedade organizada frente ao cerceamento dos diretos civis e políticos que se estabeleceu no
Brasil, com a ditadura de 1964, a exemplo do AI 5, que retirou os direitos políticos e as garantias
constitucionais, e deixava a cargo do presidente da República decretar o estado de sítio sem
autorização do Congresso. Para Boris Fausto (apud Vicentino e Dorigo):

Um dos muitos aspectos trágicos do AI-5 consistiu no fato de que reforçou a tese
dos grupos da luta armada. O regime parecia incapaz de ceder a pressões sociais
e se reformar. Pelo contrário, seguia cada vez mais o curso de uma ditadura
brutal (1997, p.414).

Portanto, com os levantamento e com base na visão dos autores, pode-se afirmar que a Constituição
de 1988 traduz-se na busca por uma contrapartida por parte do Estado brasileiro para a efetivação
desses direitos fundamentais, e nesse sentido a Constituição torna-se uma carta-cidadã, pois
incorpora a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Apesar disso não avança na questão da
segurança pública, por pressão das corporações policiais, ao constitucionalizar a segurança pública
através de seu art. 144. Tal postura acabou por adiar a reforma das estruturas dos dispositivos
policiais, e estes como se fossem estruturas neutras passaram a servir ao Estado democrático de
Direito. Equívoco que custou e custa muito caro ao Estado brasileiro, vivenciado pelas eternas crises
e denúncias que envolvem os dispositivos policiais; um modelo arcaico de pensar e fazer polícia que
não se coaduna com a democracia e que resiste às mudanças de maneira visceral (BORIS FAUSTO
apud VICENTINO E DORIGO, 1997).

O debate em torno dos direitos humanos no Brasil se dá com maior ênfase a partir da década de
1970, contudo por parte do Estado brasileiro tal debate só vai se concretizar em uma ação mais
efetiva a partir da II Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena, em 1993, a qual
estabelece uma agenda governamental a ser implantada pelos Estados, a fim de se fazer cumprir os
acordos internacionais que apontam proteção, garantia e defesa dos direitos humanos nos Estados
Nacionais. Nesse momento se direciona o debate para a formulação de um Plano Nacional de
Ação que calhe as metas a serem seguidas, a fim de avalizar a efetividade da proteção dos direitos
humanos por cada governo.

A formulação do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), em 1996, coloca o Brasil em um


patamar de vanguarda na implementação das recomendações das Nações Unidas como um modelo
a ser seguido pelas demais nações da América Latina. Este Programa tem como fim nortear as ações
do poder público no âmbito dos direitos humanos.

Segundo Adorno (1999), o PNDH I representa um projeto ambicioso. Quatro são as linhas de
argumentação que o autor se utiliza para avaliar este programa. O autor afirma que o programa
pretende cumprir as orientações gerais do governo FHC (Fernando Henrique Cardoso) para a
segurança pública; este ainda contemplaria outros anseios dos mais variados grupos e movimentos,
ou seja, outras temáticas que não apenas segurança pública. Traduz-se na busca de um entendimento
com a classe política, pois aprovou, com relativa rapidez, o projeto de lei que transfere a competência
dos julgamentos de crimes cometidos por policiais militares da Justiça Militar para a Justiça Comum.
Buscou também a articulação entre as três esferas do Estado – Federal, Estadual e Municipal, o
que demonstra uma mudança com relação às demais políticas sempre tão fragmentadas. Conclui
o autor:

33
UNIDADE II │OS DIREITOS HUMANOS E A SEGURANÇA PÚBLICA

Primeiramente é preciso reconhecer que o Programa Nacional dos Direitos


Humanos buscou, no campo da segurança pública, priorizar um tema caro e
vital para os direitos humanos. Os abusos de poder cometidos por autoridades
públicas no exercício de suas atribuições legais de contenção de crime e da
violência (ADORNO, 1999, p. 27).

O autor segue afirmando que o PNDH I foi revisto e melhor elaborado, sendo que os resultados
das discussões em torno do programa resultaram na formulação do Programa Nacional de Direitos
Humanos de 2002 (PNDH II). Em 2009, o então Presidente Luís Inácio da Silva lança o Programa
Nacional de Direitos Humanos III (PNDH III), o qual incorpora, portanto, resoluções da 11a
Conferência Nacional de Direitos Humanos e propostas aprovadas nas mais de 50 conferências
nacionais temáticas, promovidas desde 2003 – segurança alimentar, educação, saúde, habitação,
igualdade racial, direitos da mulher, juventude, crianças e adolescentes, pessoas com deficiência,
idosos, meio ambiente etc.

Neste sentido, vale salientar que o governo Lula teve de recuar em algumas das ações previstas
no PNDH III, no que se refere à criação de uma “Comissão Especial” designada de “Comissão da
Verdade”, com o objetivo de investigar casos de violação de direitos humanos durante a ditadura
militar. Houve pressão das Forças Armadas e o presidente acabou por fazer modificações nos
termos “repressões políticas”, usados no documento de criação da “Comissão Especial”, motivo de
desentendimentos entre representantes das Forças Armadas e da Secretaria Especial de Direitos
Humanos. Há, ainda, outras pressões por mais mudanças no decreto do Plano dos Direitos
Humanos. O presidente decidiu que, apesar das reações da Igreja, por causa do aborto e do
casamento homossexual, dos meios de comunicação, que entendem ser o texto favorável à censura
e ao controle do conteúdo, e do setor agrícola, que repudia o item relativo à desocupação de terras
ocupadas, não haverá mais mudanças.

No Plano da Segurança Pública, as mudanças e as ações implementadas não são menos importantes,
o que demonstra a relevância do tema para a sociedade brasileira e para a agenda política nacional,
em parte devido ao crescimento da criminalidade violenta no país e a baixa resolubilidade dos
dispositivos policiais no enfrentamento dessa problemática – um dos principais motivadores para a
formulação do primeiro Projeto de Segurança para o Brasil, em 2000.

Nesse contesto, Soares intitula o governo de Fernando Henrique Cardoso de “tímida gestação de um
novo momento” em que sucessivos ministros da Justiça no segundo governo FHC passam a gestar
lentamente um novo Plano Nacional para a Segurança Pública.

O cenário em que se dá a formulação do primeiro Plano para a Segurança Pública no Brasil é singular.
O fato é que, na mesma época, um caso de violência abala o Brasil. O caso iria ter a participação
do jovem Sandro Barbosa do Nascimento, sobrevivente da chacina da Candelária, ocorrida na
madrugada de 23 de julho de 1993, onde seis menores e dois maiores sem-teto foram assassinados
por policiais militares. Em 2000, esse jovem se envolve em outro acontecimento dramático, quando
sequestra o ônibus 174, armado de um revólver, onde faz onze reféns. Quando Sandro decide sair
do ônibus, faz Geisa Firmo Gonçalves como seu escudo, é quando um policial do BOPE dispara um
tiro em direção a Sandro, mas o disparo acaba por vitimar a refém Geisa, que foi levada ao hospital

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OS DIREITOS HUMANOS E A SEGURANÇA PÚBLICA│ UNIDADE II

e declarada morta. Sandro, imobilizado por policiais, acabou sendo assassinado por asfixia por eles
na viatura policial.

Diante do ocorrido, o então presidente FHC retirou da gaveta um Plano às pressas, a fim de responder
as pressões da sociedade civil. Nasce, então, em 2000, o Primeiro Plano Nacional de Segurança
Pública, que, no entanto, era limitado – as reformas circunscritas relacionavam-se à compra de
armas e viaturas, funcionando naquele momento como ações emergenciais, a fim de responder à
sociedade que, diante do episódio do ônibus 174, exigia modificações e providências no âmbito da
segurança pública.

No governo Lula, um novo plano surge na cena dos debates políticos sobre segurança pública.
Resultado de mais de um ano de trabalho envolvendo pesquisadores e especialistas do Instituto
Cidadania, no qual Lula era presidente. Este foi apresentado, em 2002, e incorporado pelo então
presidente Lula ao seu programa de governo.

No Projeto é apresentado para a sociedade brasileira o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP),
uma proposta de integração da segurança pública que se traduz numa mudança de mentalidade
dos gestores públicos ao enxergar a segurança pública como questão fundamental para o Estado
Democrático de Direito, a partir de políticas de segurança que busquem a integração operacional
entre as polícias, apostando na valorização das ações policiais de inteligência, bem como do
gerenciamento e do compartilhamento das informações entre as instituições policiais a respeito da
segurança pública e da justiça criminal.

Com relação à formação em direitos humanos, podemos apresentar a criação de uma Matriz
Curricular Nacional para o ensino na segurança pública (2003) e sua versão modificada e ampliada
em 2008. Traduz-se num instrumento teórico-pedagógico com o fim de orientar os profissionais da
área de Segurança Pública – agentes da Polícia Militar, Polícia Civil e Bombeiros – com ações por
parte do Estado para programar mudanças no ensino das academias de polícia.

As Ações Formativas de Segurança Pública, planejadas com base na Matriz,


têm como objetivo geral favorecer a compreensão do exercício da atividade
de Segurança Pública como prática da cidadania, da participação profissional,
social e política num Estado Democrático de Direito, estimulando a adoção de
atitudes de justiça, cooperação, respeito à lei, promoção humana e repúdio a
qualquer forma de intolerância (BRASIL, 2008).

Ainda nos anos do governo Lula, no primeiro mandato (2003-2006) e em seu segundo mandato
(2007-2010), outras ações foram tomadas no sentido de implantar uma agenda de debates em torno
da gramática dos direitos humanos. Em 2007, o Governo Federal lança o Programa Nacional de
Educação em Direitos Humanos. Nesse documento, em sua IV seção, em que discute a educação
dos profissionais dos sistemas de justiça e segurança, este afirma que “os direitos humanos são
condições indispensáveis para a implementação da justiça e da segurança pública em uma sociedade
democrática” (BRASIL, 2007, p. 47).

35
UNIDADE II │OS DIREITOS HUMANOS E A SEGURANÇA PÚBLICA

O contínuo debate e a centralidade que o tema da Segurança Pública passou a ter no Governo
Lula resultou na formulação, em 2007, do Projeto Nacional de Segurança Pública com Cidadania
– PRONASCI. Nesse sentido, o projeto vislumbra um ideal democrático de política de segurança
pública a partir da proteção e defesa dos direitos e garantias fundamentais, constitucionalmente
garantidos pela carta magna. As suas ações recaem no policiamento preventivo a partir da Filosofia
de Policiamento Comunitário, ou seja, aposta na aproximação das instituições policiais com a
comunidade, como caminho para assegurar a proteção e defesa do cidadão, numa ação conjunta
que possibilite a formulação, implementação e gestão das políticas de segurança.

Bobbio, (1992, p. 41) acredita que a aproximação entre a Segurança Pública e a temática dos Direitos
Humanos é fundamental para a construção de uma sociedade democrática de direito, entendendo-
se esta com sendo “os Estados onde funciona regularmente um sistema de garantias dos direitos
do homem”.

Assim, Bobbio afirma que o debate que deve ser permanente também deve perpassar todas as
instâncias da sociedade. As conversas diárias sobre violência, tão comuns nos dias de hoje entre
amigos e familiares, devem sair às ruas em forma de apoio às políticas de segurança que primam
pela defesa intransigente dos Direitos Humanos.

Foi danoso e continua sendo danoso à sociedade brasileira, o antagonismo entre segurança pública
e direitos humanos. É preciso avançar mais, a fim de que as ações governamentais de defesa destes
direitos não esbarrem nas ações de setores reacionários que teimam em não reconhecer a importância
do respeito aos direitos humanos e da legalidade para construção de uma sociedade pacífica.

36
Para (não) Finalizar

O crescente aumento da violência e da criminalidade no país fez com que a preocupação com
questões relacionadas à segurança pública aumentasse, contribuindo para que o tema ganhasse
espaço em pesquisas acadêmicas e na pauta da agenda governamental. Portato, esse assunto não
termina aqui, mas auxilia na construção de uma agenda de debates em torno da segurança pública
e a transversalidade dos direitos humanos. Em se tratando da gramática dos direitos humanos, é
possível observar avanços, principalmente no que concerne à formação dos agentes policiais, de
acordo com as proposições da Matriz Curricular Nacional para o Ensino em Segurança Pública
(2008), contudo, para que o debate seja contínuo, o Estado brasileiro deve também garantir que a
sociedade seja um sujeito partícipe nesse procedimento.

Vale lembrar que, após o Estado vivenciar a ditadura militar, cenas como agressões de presos por
policiais nas carceragens brasileiras ou na continuidade de práticas de torturas para obtenção de
confissões nas chamadas “investigações policiais” se tornaram parte da cultura nacional.

Diante disso, parte da mídia espreita notícias da periferia das grandes cidades sobre novos defuntos,
mesmo sem provas suficientes que o incriminem penalmente; a difícil missão dos “policiais
salvadores” em capturar os “vagabundos” incorrigíveis é apresentada como a uma odisseia dos
tempos modernos, vale tudo, qualquer tipo de violência desde que se tire “mais um” de circulação.

Frente a esses “nobres defensores” da carnificina, encontram-se os mais diversos movimentos


de defesa de direitos, um conjunto de ações que, se contrapondo aos abusos de poder, são alvo
de acusações, apontados como “defensores de bandidos”. Por anos estes fizeram um trabalho
clandestino de investigação e escuta de denúncias de violações sofridas por sobreviventes por parte
de agentes públicos, contando com o solidário apoio das entidades internacionais para vinculação
dessas notícias na mídia internacional, a fim de pressionar publicamente o governo brasileiro.

Há que se compreender que o debate deve ser permanente. Sem impedimentos ao diálogo sobre a
importância dos direitos humanos, fundamentais na construção de políticas cidadãs de segurança
pública, na recente democracia brasileira. Os que aplaudem o espetáculo da violência e do arbítrio e
se beneficiam dele ocupam lugar de destaque nos espaços da mídia e da política.

Longo é o caminho da construção de uma política de segurança pública que se coaduna com a defesa,
garantia e promoção dos Direitos Humanos para a consolidação de uma sociedade democrática que
não se esgota nas ações implementadas pelos governos brasileiros.

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Referências
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