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– Com o uso que façamos dos bens da terra, estamos ganhando ou perdendo o Céu.
– Desprendimento. Partilhar com os outros o que o Senhor coloca nas nossas mãos.
A descrição que o Senhor nos faz nesta parábola tem fortes contrastes:
grande abundância num, extrema necessidade no outro. Dos bens em si
mesmos, nada se diz. O Senhor apenas sublinha o uso que deles se faz:
roupas extraordinariamente luxuosas e banquetes diários. Ao mendigo Lázaro,
nem sequer lhe chegam as sobras.
Os bens do rico não tinham sido adquiridos fraudulentamente, nem ele era
culpado da pobreza de Lázaro, ao menos directamente: não se aproveitava da
sua miséria para explorá-lo. Tem, no entanto, um marcado sentido da vida e
dos bens: “banqueteava-se”. Vive para si, como se Deus não existisse.
Esqueceu uma coisa que o Senhor recorda com muita frequência: não somos
donos dos bens materiais, mas administradores.
Este homem rico vive como lhe apetece na abundância; não está contra
Deus nem oprime o pobre. Apenas está cego para as necessidades alheias.
Leva a melhor existência que pode. Seu pecado? Não ter visto Lázaro, a quem
poderia ter feito feliz com um pouco menos de egoísmo e um pouco mais de
despreocupação pelas suas próprias coisas. Não utilizou os bens conforme o
querer de Deus. Não soube compartilhar. “Não foi a pobreza – comenta Santo
Agostinho – que conduziu Lázaro ao céu, mas a sua humildade; nem foram as
riquezas que impediram o rico de entrar no descanso eterno, mas o seu
egoísmo e a sua infidelidade”3.
II. DO USO QUE FAÇAMOS dos bens que Deus depositou nas nossas
mãos depende a vida eterna. Estamos num tempo de merecer. Por isso, não
sem um profundo mistério, o Senhor dirá: É melhor dar do que receber4.
Ganhamos mais dando do que recebendo: ganhamos o Céu. Sendo
generosos, descobrindo nos outros filhos de Deus que necessitam de nós,
somos felizes aqui na terra e mais tarde na vida eterna. A caridade é sempre
realização do Reino dos Céus, e é a única bagagem que permanecerá neste
mundo que passa. E devemos estar atentos, pois Lázaro pode estar no nosso
próprio lar, no escritório ou na oficina em que trabalhamos.
Nós, cristãos, homens e mulheres de Deus, somos eleitos para ser fermento
que transforma e santifica as realidades terrenas. Devemos preservar da morte
todos os que estão ao nosso redor, como fizeram os primeiros cristãos nos
lugares em que lhes coube viver. E ao vermos a ânsia com que muitos se
embrenham nas coisas materiais, temos de compreender que, para
sermos fermento no meio do mundo, devemos viver desprendidos daquilo que
possuímos. Pouco ou nada poderíamos fazer à nossa volta se não
puséssemos esforço e empenho em não ter coisas supérfluas, em reduzir os
gastos, em levar uma vida sóbria, em praticar com magnanimidade as obras de
misericórdia. Mostraremos, em primeiro lugar com o exemplo, que a salvação
do mundo e a sua felicidade não estão nos meios materiais, por mais
importantes que possam parecer, mas em ordenar a vida conforme o querer de
Deus.
III. NÃO VOS CONFORMEIS com este mundo...8, exortava São Paulo aos
primeiros cristãos de Roma. Quando se vive com o coração posto nos bens
materiais, as necessidades dos outros escapam-nos; é como se não
existissem. O rico da parábola “foi condenado porque [...] nem sequer percebeu
a presença de Lázaro, da pessoa que se sentava à sua porta e desejava
alimentar-se das migalhas que caíam da sua mesa”9. Não adiantou que o visse
tantas vezes.
Nós, cristãos, não podemos deixar-nos cegar por esse sentido da vida que
só vê o aspecto rentável de cada circunstância, negócio ou lugar de trabalho.
“A solidariedade é uma exigência directa da fraternidade humana e
sobrenatural”10, que nos levará, em primeiro lugar, a viver pessoalmente a
pobreza que Jesus declarou bem-aventurada, aquela que “está feita de
desprendimento, de confiança em Deus, de sobriedade e de disposição de
partilhar com os outros, de sentido de justiça, de fome do reino dos céus, de
disponibilidade para escutar a palavra de Deus e guardá-la no coração
(cfr. Libertatis conscientia, 66)”11.
Teremos Cristo connosco por toda uma eternidade sem fim. Quando
tivermos de deixar todas as coisas desta terra, não nos custará muito passar
por esse transe se tivemos o coração posto n’Ele. “Senhor! Como foi doce ver-
me subitamente privado da doçura daquelas coisas que são nada! – exclamava
Santo Agostinho recordando a sua conversão –.
Quanto mais temia perdê-las antes, tanto mais me rejubilava agora por tê-las
deixado; Deus, minha grande e verdadeira doçura, expulsara-as de mim.
Arrancara-as de mim, e em seu lugar entrava Ele, mais doce do que toda a
doçura, mas não para a carne; mais luminoso e mais claro do que a própria luz,
e ao mesmo tempo mais oculto do que qualquer segredo; mais sublime do que
todas as honrarias”13. Que pena se, alguma vez, não soubéssemos apreciá-lo!
(1) Am 6, 1; 4-7; (2) Lc 16, 19-31; (3) Santo Agostinho, Sermão 24, 3; (4) Act 20, 25; (5) 1
Tim 6, 11-16; (6) 1 Tim 6, 10; (7) A. Fuentes, El sentido cristiano de la riqueza, Rialp,
Madrid, 1988, pág. 176; (8) Rom 12, 2; (9) João Paulo II, Homilia no Yankee Stadium
de New York, 2.10.79; (10) Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé,
Instrução Libertatis conscientia, 22.03.86, 89; (11) João Paulo II,Homilia, México,
7.05.90; (12) cfr. Lc 12, 33; (13) Santo Agostinho, Confissões, 9, 1, 1.