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Primeira imersão.
Dia 17/10/2017
ÂMBAR – Se a senhora quiser posso emprestar meu caderno pra quem errou
acertar
PROF. – Gerânio acertou, olha ai.- disse apontando para o caderno e para a
correção que acabara de fazer no quadro.
Disse isto porque dois alunos, meninos, cochichavam já pela terceira vez
desde a minha chegada.
TODOS. – Tá Tia.
Seguindo ela corrige uma divisão que estava errada e todos colaboram
respondendo as perguntas.
PROF. – Se eu falar em libras com você será que você me atende ÍRIS? Já
falei milhões de vezes, mas acho que você não escuta. – Disse ao aluno ÍRIS que
estava conversando alto.
ÂMBAR – Ele fumou maconha hoje Tia. – Disse apontando pra o colega que
tagarelava.
O curioso é que ela falava com suas colegas e apontava com a cabeça
indicando uma menina que sentava na carteira à sua frente.
PROF. – Não terminei ou Não, terminei? – Falando esta ultima ela acentuou a
voz para dar ênfase a vírgula da frase.
Enquanto isso, uma menina da fila da frente começa a falar sobre chás e
narra a utilidade de cada tipo de chá como se fosse uma professora explicando para
seus alunos.
Perguntei pra um aluno o que era este IQE e na mesma hora vários deles se
viraram e começaram a me explicar, todos ao mesmo tempo, cada um dizia uma
coisa diferente, mas somando as informações pude ter uma ideia geral do que era.
A professora, que assistira a cena, esperou os alunos e alunas terminarem de
me responder e me explicou, ela mesma, que o IQE era o instituto de qualidade no
ensino, que era um instituto que, através de avaliações especificas ao longo do ano,
media o nível de desempenho escolar do ensino publico no país inteiro.
PROF. – Lilás você lembra de alguma coisa que aprendeu no trabalho que
fizemos sobre o estado do Amazonas?
Um fato que se destaca neste episodio é que somente uma menina, que por
sorte sentava bem no meu campo de visão, caso contrário eu não perceberia,
cutucou a coleguinha da frente e sussurrou no ouvido dela. Neste momento a
coleguinha levantou a mão e disse:
CEDRO – Pedir.
JACINTO – Jogar.
A professora brinca que vai jogar os papéis em sua mão na aluna e diz em
tom de brincadeira:
PROF. – Remetente é quem remete, quem envia – Dizendo isto ela fez gesto
de enviar os papeis em suas mão ao aluno que sentava a frente
PROF. – Quando a gente escreve, ou ate mesmo fala para alguém, a gente
tem que se certificar que a gente foi claro, pra a pessoa poder entender. Na outra
carta que eu pedi uma pessoa escreveu: “ Só jogar o lixo na rua amarrada” Como é
que a gente vai amarrar uma rua?
D.A. – Estou copiando tudo numa folha pra só depois colocar na folha.
PROF. – Não vou dizer não! Se fosse qualquer coisa sobre futebol você faria
sozinho, seria o primeiro da sala, volte, sente e faça. – Disse ela ao aluno ÍRIS que
constantemente atrapalhava a aula com conversas paralelas com outros meninos.
Despois de alguns instantes o mesmo aluno anunciou em voz alta que achara
o elemento e então a professora ordenou que ele lesse em voz alta, depois da
leitura todos aplaudiram. Percebi que este aluno deveria ser tido até o momento
como um mau leitor porque em vários momentos outros alunos leram e ninguém
aplaudiu.
ÌRIS – Ser professor é ruim, trabalha muito. Tu vai ser professor de quê?
EU. – De várias matérias, e eu gosto de ser professor.
ÍRIS – Como tu sabe se tu gosta se tu ainda não é professor? A Tia disse que
tu tava estudando ainda.
EU – Isso!
EU – Então!
Percebi que este menino era muito comunicativo, apesar de dar respostas
erradas e de ser as vezes corrigido com certa severidade, ele não parecia se abalar
e continuava participando e atrapalhando a aula. Ele também foi o primeiro a falar
diretamente comigo e mesmo antes de me abordar, percebi que ele falava com
outros colegas e apontava pra mim. Já que é um sujeito que merece mais atenção
pelo fato ser muito cominativo o chamaremos a partir de agora de aluno D.O.
Dia 18/10/2017
A terceira aluna que leu depois da minha chegada foi a aluna T.A.. Ela leu
num tom de voz inaudível, mesmo com muito esforço não consegui escutar uma só
palavra do que ela dissera.
PROF. – A carta de T.A. falava de quê? – Ela também fez isso nas leituras
anteriores para estimular a resposta e a interação dos alunos e corrigir alguma
possível falha.
PROF. – Pra quem você vai mandar? Tem que saber. Coloque.
PROF. – Só faltou aqui ó – apontou na folha – você não vai MANDAR você
vai SO-LI-CI...
ALUNOS/AS – TAR.
ALUNOS/AS – O “R”
PROF. – E alargados?
PROF. – Tá vendo? A palavra é parecida de falar, mas não tem nada a ver.
Quando a carta diz que as ruas estão alargadas a prefeita vai conseguir entender
que estão cheias de água ou vai entender que são largas?
PROF. – DESTA! Se ela pra o que está perto usamos desta, dessa – disse
apontando pra uma carta sobre a sua mesa – dizemos quando está longe.
Seguiram algumas dicas desta natureza até que uma aluna do fim da fila teve
que se dirigir à frente para ler sua carta. Ela se levantou dizendo que não queria ler
e que a carta dela estava uma merda, a professora brincou e disse que todos iriam
ler. Em alguns momentos, durante a leitura, a menina parava e fazia de conta que ia
embora, a professora brincando puxava ela de volta pra junto de si. Toda a turma ria
e a menina ficou bastante satisfeita quando ao final de sua leitura não houve
nenhuma correção e todos aplaudiram.
Depois da leitura das cartas outra atividade da prova do IQE foi proposta e os
alunos foram apontados para fazerem partes da leitura de um texto que serviria de
base para os exercícios sequentes. Eles liam até o final dos parágrafos onde outro
aluno seguiria a leitura. Uma aluna começou a leitura e a fez corretamente,
seguindo, D.A. deu continuidade lendo muito bem até que deixou de acentuar uma
palavra, neste momento a professora pediu que ela repetisse a palavra, e ela
automaticamente corrigiu a palavra que havia errado. No próximo parágrafo outro
aluno também leu corretamente e depois dele foi a vez de D.O. seguir a leitura. Na
primeira linha ele deixou de pronunciar um acento e seguiu a frase sem respeitar a
vírgula, neste momento a professora automaticamente deu, ela mesma,
continuidade a leitura que só foi entregue a outro aluno no próximo parágrafo.
Na sequência eles se debruçaram sobre o exercício proposto e se põe a
responder. Ocasionalmente a professora é chamada às carteiras a pedido dos
alunos que querem se esclarecer sobre detalhes da tarefa. É digna de atenção a
postura da professora que, diante de tantos pedidos ao mesmo tempo, consegue
atender a todos os alunos que se pronunciam. É perceptível também que ela se
dirige a alguns com uma fala mais rebuscada e técnica, provavelmente àqueles que
têm uma compreensão maior da língua e dos elementos gramaticais utilizados no
texto, com outros, pelo contrário, ela fala da maneira mais simples possível e repete
pacientemente quando percebe que não foi compreendida buscando sempre uma
maneira mais acessível de falar. Além da seriedade necessária para o cumprimento
de sua função pude perceber que a professora não deixa de incorporar uma
afetividade espontânea em sua prática pedagógica. Em vários momentos, junto as
carteiras, ela corrige os alunos com um tom descontraído e carinhoso, encorajando-
os sempre e se podo a disposição.
Terminado o exercício os alunos vão merendar e recrear. Ao contrário do dia
anterior, este recreio foi bem mais turbulento. Parece que os alunos já se
acostumaram à minha presença e não fazem mais nenhuma cerimônia. A professora
saiu por alguns instantes da sala e o caos reinou com alegria e bastante barulho. Ao
retornar para a sala a professora faz sinal de comando e diz: - Ordem no tribunal.
PROF. – Pois não pode, se você já contou várias vezes e não bate deve estar
copiando algum dado errado. Ou dá 37 0u dá 39. Tem que bater.
PROF. – Você não vai sair agora de jeito nenhum. Você infringiu a lei o ano
todinho, falei o ano todinho e você nem ligou.
Depois que o aluno que estava fora voltou a professora ordenou que D.O.
fosse. Não demorou muito para a aula acabar.
Apreciação do segundo dia
Uma reflexão que se fez pertinente neste segundo dia de imersão é que por
mais que a prática pedagógica aplicada em sala de aula seja no sentido de forjar
nas crianças uma autonomia critica e um perfil humano e criativo as vezes, forças
exteriores que atuam na escola são no sentido de podar a imaginação e direcionar a
formação das crianças num sentido único de ser.
Dia 19/10/2017
Um garoto fala que esqueceu a tesoura em casa e a professora, num tom que
mesclava seriedade e brincadeira responde:
D.O. – Drobá
D.O. – Drobá
ALUNOS/AS – Dobrar.
PROF. – Muito bem, dobrar pode. Vejam, vocês tinham uma folha inteira,
agora dividiram...
ALUNOS/AS – No meio
ALUNOS/AS – AO MEIO
PROF. – ...Vocês tem duas metades. Duas metades pode ser meio quilo de
açúcar pode ser meio litro de leite, não importa, vai ser sempre um inteiro dividido
por dois.
As explicações seguem nesta direção e os alunos continuam recortando e
colando as figuras. Pelo que pude perceber, todos os alunos fizeram corretamente a
atividade menos a dupla em que estavam T.A. e um menino que até então eu não
havia percebido.
ALUNOS/AS – Ah ...
Terminada a prova do IQE eles partem para a aula de ciências. Logo no início
da aula uma menina saiu do seu canto, que era bem na minha frente, e rindo foi até
o canto oposto da sala, se agachou junto a uma aluna bem calada e sussurrou
alguma coisa no ouvido dela com um sorriso zombeteiro. Neste momento a menina
ficou rubra, se levantou visivelmente chateada e gritou:
A menina que se levantara disse que tinha escutado D.O. e outro menino
falando alguma gracinha sobre MAGNÓLIA, foi até ela e contou. A professora se
apressou em responder.
AMBAR – Não.
ÂMBAR – Tá em casa.
ÂMBAR – Não.
ÂMBAR – Se eu esqueci, mas eu não esqueci, quem esqueceu foi minha mãe
que é ela quem faz a minha bolsa.
A professora riu, fez uma cara séria e pulou de banca depois de anotar o
nome do menino. Depois disso a professora retoma a aula explicando que todas as
invenções humanas acabam tendo lados positivos e negativos. Este diálogo foi
cheio de reflexões e abstrações que cativaram as crianças, foi o momento de mais
atenção nestes dias em que estive entre eles até agora. As crianças ficavam
surpresas ao descobrirem que mesmo invenções maravilhosas como a eletricidade
traziam escondidos em si aspectos negativos bem como impactos sobre o meio-
ambiente.
Depois deste momento eles partem para a leitura do livro, neste momento
dizia o nome de quem deveria ler. Alguns alunos que não eram chamados a ler se
pronunciavam e ela permitia que lessem. D.O. não foi convidado à leitura mas pediu
pra ler. Ele começa a ler sem muita habilidade, no primeiro erro mais grave a
professora segue a leitura sem que o aluno a acompanhe. O que me chamou a
atenção neste episódio foi que depois de D.O. a aluna D.A foi apontada pra ler e
também errou, neste ponto uma coleguinha a corrigiu em voz alta, mas a professora
interveio e disse:
PROF. – Deixe ela se corrigir, ela vai se achar. – A aluna segue a leitura.
Neste dia de imersão, o fascínio ao qual Freire se refere ficou claro, não só
como instrumento para o desenvolvimento da linguajem, mas também da
imaginação. Por vezes este final da aula mais parecia uma narrativa de fantasia do
que uma aula de ciência, digo isto no sentido positivo da fantasia, da capacidade de
estimular a imaginação. Por vezes algum aluno extrapolava na imaginação saindo
completamente do tema proposto e a professora ao invés de cortar a “viajem” do
aluno o conduzia de volta ao centro da questão sem desprezar sua contribuição
demonstrando respeito e interesse.
Outro aspecto que ficou claro foi que, ao contrário do que pode parecer a
partir da leitura deste diário de campo, a professora não demonstra antipatia para
com o aluno D.O., ela é carinhosa com ele na mesma medida que o é com os
demais. As reflexões que fizeram sobre as invenções humanas deixou isto muito
claro, ele foi um dos que mais participou e ela o encorajou e pensou junto com ele.
Porém, as correções que faz quando ele fala ou lê são sempre no sentido de, ela
mesma corrigir e encerrar a participação dele, já em outros casos, ela conduz o
aluno/a a encontrar sozinho/a seu erro e corrigir-se. Não estou inclinado a pensar
que se trate de birra. Talvez as leituras mal feitas do aluno, somem-se as conversas
paralelas protagonizadas constantemente por ele causem um cansaço da parte dela
para com ele. Notável também é que o aluno não percebe, ou não demonstra
perceber esta diferença no sentido das correções a ele destinadas nem tampouco
deixa de demonstrar interesse em participar da aula. Penso que por ter se
aproximado de mim ele talvez não queira fazer feio na frente da visita, de toda
forma, o que interessa neste caso é continuar na tentativa de descobrir quais
elementos agem no desenvolvimento da linguajem deste aluno e qual é a influência
da pratica pedagógica sobre ele exercida, uma vez que ele é o aluno mais
comunicativo da sala.
Quarta imersão.
Dia 20/10/2017
No meu quarto dia de imersão o início da aula foi de educação física. Foi uma
maravilhosa experiência a céu aberto. A escola não tem quadra, mas conta com um
enorme terreno de areia ao lado da escola e anexo à ela e é lá que se realizam as
aulas de educação física. Como estavam todos envolvidos em suas atividades
físicas não pude captar quase nada das falas ditas durante a aula, mas a simples
observação da cena diante de mim me comoveu profundamente e me trouxe uma
bonita compreensão do que é ser educador, principalmente de crianças.
Neste ponto, já muitas coisas mudaram em mim a partir desta experiência de
olhar a escola pelo lado de dentro com os olhos de um pedagogo em formação.
Tudo que eu imaginava sobre a educação infantil mudou. Não passava antes pela
minha imaginação que trabalhar com crianças pudesse ser tão maravilhoso e
recompensador. Ainda não sou eu quem ensina, mas já vibro à cada palavra que
eles passam a pronunciar corretamente, a cada abstração que desenvolvem usando
expressões que eles assimilaram a tão pouco tempo atrás. Já começo a pensar no
caminho que eles irão trilhar daqui pra frente, nos desafios, nos aprendizados, nas
conquistas. Penso que deve haver certa tristeza entre tantas alegrias ao ver que
cada um dos alunos aprovados irá seguir seu caminho um pouco, ou talvez muito,
distante dos olhos que durante um ano inteiro se preocuparam em oferecer o seu
melhor para sua formação. Ser educador é como ser pai um pouquinho, embora a
prática pedagógica não seja infalível, é preciso oferecer o melhor que temos e
conviver com a incerteza de sucesso e com a triste possibilidade de ser esquecido
no ano que vem.
Outra reflexão que me veio foi até que ponto o educador tem consciência
permanente da utilização da afetividade como instrumento em auxilio da formação
de seus alunos? Uma das atividades na aula de educação física consistia em três
fileiras de alunos deitados no chão, virados pra baixo, enquanto três alunos, um em
cada fileira, pulavam os que estavam deitados até chegar ao final da fileira, depois
eles corriam até uma bola posicionada mais a frente, pegavam a bola e voltavam,
outra vez pulando os alunos deitados pra, quando chegassem até o inicio da fileira,
entregar ao ultimo aluno deitado que pegaria a bola e pularia os outros todos e
devolveria a bola tá o lugar e assim recomeçar o ciclo. Em vários momentos, o que
parecia, ao observar a professora, é que ela não era uma líder, mas uma menina
crescida brincando em igualdade com os demais. Todas as ordens que partiam dela
eram obedecidas sem questionamentos. Ela não se impunha pelas vias da força,
mas pela via do carinho. O que notei foi que a professora não utilizava a afetividade
como um instrumento qualquer que depois de utilizado, como uma caneta, volta a
ser guardado à espera do próximo uso. A afetividade passa muito mais pelo
caminho do que tem sentido ao invés do caminho do que é útil. Nos momentos de
exigir ordem em meio ao alegre caos das crianças, um rigor afetuoso se desenhava
em suas sobrancelhas e nas linhas de sua testa. As crianças obedeciam às suas
ordens afetuosas com um sorriso zombeteiro. As ordens eram transmitidas numa
linguagem silenciosa e afetiva que não precisa de fonemas pra se fazer ouvir. A
afetividade se amalgamava à autoridade sem a necessidade de força. Não era medo
nas crianças. Era carinho.
PROF. – Você não está prestando atenção em nada, assim fica difícil de
explicar.
PROF. – Muito bem, uma estória. Qual a diferença entre uma HISTORIA –
disse escrevendo no quadro com letras maiúsculas – e ESTÓRIA?
PROF. – Aqui ó, era uma vez, era uma vez pode ser substituído por quê?
ALUNOS – Em uma cidade/ antigamente/ há muito tempo atrás...
PROF. – Em uma cidade não pode. “Em uma cidade” é muito diferente. Por
quê?
D.A. – Era uma vez tá falando que faz tempo. Não tem nada a ver com lugar.
PROF. – Exatamente. Era uma vez se refere a tempo, não tem nada a ver
com lugar, muito bem.
D.O. estava perguntando pra o colega do lado algo sobre os termos utilizados
e a professora pensou que ele estivesse conversando qualquer coisa.
PROF. – Amanhã você vai sentar aqui na frente, você não presta atenção em
nada.
PROF. – Mas vai ser o jeito pra ver se ele vai aprender alguma coisa daqui
pro final do ano. Você tá brincando de “vamo ver” né? Empurrando com a barriga. –
disse olhando pra ele.
EU – Té.
Quinta imersão.
Dia 23/10/2017
No meu quinto dia na escola a primeira aula foi uma aula de artes. No quadro
estava escrita uma breve biografia do artista pernambucano Romero Brito. Depois
da leitura, feita pela professora, a sugestão de atividade era fazer um desenho da
palavra paz no estilo do artista. Falando sobre arte e pintura uma aluna da fileira da
frente acrescenta que diferente de Romero, algumas pessoas desenvolvem a pintura
e outras artes depois de sofrerem acidentes graves e traumas. A professora
embarca na abstração da aluna e aponta que diversos neurologistas apontam a arte
como uma ótima terapia.
Enquanto os alunos desenvolvem a atividade a professora anuncia que a
recuperação de historia será oral e será agora. Ela senta e chama, um a um, os
alunos que estão em recuperação pra junto de si. Os alunos se olham desconfiados.
Uns aparentemente achando graça, outros, notavelmente amedrontados. Com
algum esforço, consegui ouvir um pouco do que era dito.
PROF. – Quem se destacou na inconfidência mineira e por que ele foi morto?
PROF. – Por que as capitanias hereditárias eram chamadas de hereditárias?
O aluno D.O. não estava se saindo bem na aula de artes, ele não queria
cobrir as letras com lápis de tinta preta conforme a indicação da professora e diz
isso em voz alta.
PROF. – Eu já falei, quer fazer de grafite faça, mas na hora da avaliação vai
perder ponto.
Os alunos seguem suas atividades trocando informações e dicas entre si, uns
atentos outros nem tanto e pouco a pouco o barulho vai aumentando na sala de
aula.
A aluna T.A. voltou da recuperação pro seu canto mais para o fundo, com um
rosto um pouco abatido e uma colega do canto perguntou quanto ela tinha tirado.
PROF. – Tirou NADA, que eu nunca vi fazer prova sem estudar. – Disse do
birô, de onde esta.
Pouco depois disto o aluno D.O. vai até o birô mostrar sua atividade
Pouco depois uma aluna sai do birô, da recuperação, comemorando que tirou
dez.
PROF. – Como é LÓTUS? Eu ouvi direito? Que palavra ridícula é essa? Isso
é palavra pra usar com o colega? Melhor você ficar ai na sua se não eu coloco você
aqui pra responder as oito perguntas que..Melhor...ORQUIDIA, venha aqui. – A este
comando a menina que havia tirado dez voltou para a frente do quadro e a
professora repetiu todas as perguntas que ela já havia respondido, a aluna
respondeu todas as oito questões corretamente e todos os alunos aplaudiram.
PROF. – Tá vendo que não foi na “cagada”e pare de usar esta palavra com
os outros que é muito feio. Qual é o lema da gente aqui?
ALUNOS/AS – Não faça com os outros aquilo que não quer pra si mesmo. –
repetiram em coro.
EU – Ah..., mas tu colocou todos os cálculos, e nem errou, olha aqui, nem
apagasse nada.
Neste momento eu pedi as provas da aluna T.A. para analisar suas notas e o
conteúdo das avaliações. Ela me deu um sorriso meio tímido e me entregou as
provas sem muita confiança. As provas dela tinham as seguintes notas:
Português 7.00
Geografia 6,00
Ciências 7,00
História 5,00
Matemática 9,00
PROF. – Sua mãe mesmo nunca pisou aqui num foi? – Perguntou para o
aluno da primeira fila, o que me mostrara a prova de matemática.
CARVALHO – Não.
PROF. – De jeito nenhum? Porque se acontecer alguma coisa com você ela
vem..
PROF. – Se você ficar aqui preso na escola ela não vem? Se você não
chegar em casa?
PROF. – No tempo dele nada disso que ele escreveu existia. E como é que
ele escreveu se não existia? – Tocou a cabeça com o indicador direito algumas
vezes, a turma em completo silêncio. – Imaginação. Criatividade. Muitas das coisas
que Julio imaginou, não existiam, mas depois, com o passar do tempo, outras
pessoas pensaram: “Acho que é possível fazer isso” aí foram tentando, tentando até
conseguir. Não é incrível?
Pedi um livro emprestado pois percebi que algumas palavras usadas no texto
dificilmente pertenceriam ao universo vocabular de crianças desta idade. O livro
continha um glossário e as palavras difíceis estavam em destaque. As palavras
eram as seguintes:
Almíscar
Moribundos
Hidra
Viscosos
Mutilados
Flancos
Segregado
Alçapão
Dia 24/10/2017
Dia 25/10/2017
Eles seguem ainda por um longo tempo neste tipo de reflexão sobre o que é
invenção e o que não é. Depois, voltam para a correção de uma atividade de
matemática que deve ser respondida em casa.
PETÚNIA – Tia hoje eu pesei minha bolsa e dava quatro quilos e quinhentas.
PROF. – QuinhentOs. Já disse pra vocês dividirem este peso entre as mãos,
coloca umas coisas na bolsa e outras nas mãos.
PROF. – Região.
PROF – Amanha vocês vão responder no quadro. É bom estudar antes pra
poder responder.
PROF. – Estes dias eu vi na televisão um jogador dizendo que “Nois vai fazer
o melhor jogo da temporada”. A gente pode dizer “nois vai”
PROF. – Pois é melhor voltarmos aqui pra aula né? Que falando assim a
gente, que não é rico, não vai pra lugar nenhum.
ARTEMÍSIA – Hô Tia essa reforma que vão fazer é por que a escola tá caindo
né?
PROF – Eu estava lá ontem e não tem nada caindo. – disse em tom agudo.
PROF – ObrigadO. Obrigado quer dizer agradecido. Você diz que está
agradecida?
ALUNOS/AS – Não faça aos outros aquilo que não quer pra si.
PROF. – Este lema da sala não é importante só porquê é o lema da sala não.
Ele é um lema pra a vida. Vocês estão com um palavreado muito feio. Você queria
que alguém dissesse isto da sua mãe? Não né? Então não pode dizer isto com a
mãe dos outros. Já pensou se na vida fora daqui a gente começar a fazer só aquilo
que é bom? Aquilo que a gente quer que os outros nos façam?
Outra coisa, vocês estão com uns gestos muito feios. As mãos da gente
também falam. Este gesto que você fez é o mesmo que xingar a pessoa.
Qual é o problema de D.O. estar com uma marca de beijo? Se é de batom é
porque foi uma menina que deu. Pior seria se fosse um beijo de outro menino né? –
Todos riram – Não riam não que é isso mesmo. Vocês estão todos com os
hormônios à flor da pele e isso é normal, mas tem que entender que aqui é lugar de
estudar, não é lugar destas coisas. A gente tem que começar a respeitar os outros, a
fazer só aquilo que quer que os outros nos façam. Vocês viram o que aconteceu no
museu? Que uma criança foi levada pela própria mãe a tocar o corpo de um homem
nu, e ainda chamando aquilo de arte. Muita gente acusou, muita gente defendeu, eu,
na minha opinião, acho aquilo errado, porque se a criança toca um homem nu num
museu depois ela não vai saber distinguir se um pedófilo vem até ela na rua. Eu
acho errado. Só que o mais importante é saber respeitar a opinião dos outros.
ALUNOS/AS – Não.
PROF. – Não? Tem certeza? Dois quartos e um meio não são equivalentes?
PROF. – Equivalente quer dizer que é igual minha gente, olhe ai no livro a
palavra “ou” tá vendo? Equivalente quer dizer que é a mesma coisa. E ai? É
equivalente ou não?
ALUNOS/AS – É.
PROF. – Ah sim!
Este exercício tomou todo o tempo que restou da aula que terminou tranquila.
Nesta sétima imersão no universo escola o que mais me chamou atenção foi
o quanto os professores tem que conhecer seus alunos para conseguirem manter
com eles uma relação e diálogo no sentido de não ignorarem suas historias
pessoais. O relato sobre a vida de CARVALHO me impactou muito, quem vê o
menino alegre e comunicativo que ele é não imagina, nem por um instante que ele
passe pelas coisas que a professore disse.
Outra coisa que me levantou questionamentos é como a fala dos professores
pode influenciar, para o bem ou para o mal, não só o desenvolvimento da linguajem,
mas a própria vida dos alunos. Conversando comigo a professora disse que a
família de CARVALHO era desajustada, sua mãe havia sido presa por tráfico e seu
tio era homossexual. Claro que ela não disse isto ao aluno, mas não posso deixar de
notar que ela coloca homossexualidade e tráfico como equivalentes na esfera de
desajuste familiar. Poucos instantes, para minha surpresa, ela diz, agora falando à
turma inteira, “Pior seria se fosse o beijo de outro menino”. Longe de exigir que se
debata gênero na escola, apesar de compreender a importância deste debate, uma
fala como esta pode endossar na cabeça das crianças a ideia de que a
homossexualidade é errada, proibida e pecaminosa, além do mal que pode causar
se houver na sala de aula uma criança que já esteja se percebendo homossexual,
neste caso, a criança, que provavelmente toma os professores como referências, irá
sofrer ainda mais do que a própria natureza homossexual impõe aos sujeitos em
nossa sociedade. É preciso tomar cuidado com as nossas palavras. Nunca sabemos
o que elas podem ocasionar e nem sempre sabemos com quem estamos falando.
Oitava imersão.
Dia 26/10/2017
PROF. – É incrível, vocês não acham não? Tem aluno aqui que fala o dia
todinho, ai na hora de apresentar o trabalho, gagueja, fica mudo, fica com vergonha,
Vão apresentar sim. Ou então vão ficar sem nota. Vamos lá primeiro grupo.
Os alunos aplaudiram.
Esta dupla era composta por dois meninos, eles iriam falar sobre o carro,
estavam muito nervosos e jogavam a culpa de não terem decorado as falas um para
o outro, neste momento a professora explicou que numa dupla o trabalho é dos dois,
que eles tinham que aprender a trabalhar em equipe e parar de atribuir culpas. A
dupla apresentou, mas eu não consegui ouvir uma só palavra do que eles diziam
pois falavam muito baixo.
PROF. – Tá bem. Parabéns. Vão sentar. Agora o mais bonito é que durante
as aulas vocês parecem que tem um megafone na boca ai chega aqui e não fala
quase nada.
MEL – A minha entrevista foi com o meu tio e foi sobre o celular. O lado bom
é que as pessoas podem se comunicar e o ruim é que ficam viciadas e distraídas,
acabam esquecendo de tudo.
PROF. – Mas estas peles eram tratadas, não era só arrancar e pronto.
Passavam vários produtos químicos pra elas ficarem limpas. Vocês podem até ver
isto nos filmes de época, filmes antigos, tem um filme de Charlie Chaplin mesmo que
ele usa a pele de coelho como guardanapo.
Neste ponto a aluna disse que pesquisou em várias fontes e quase todas elas
apontavam para os dados que ela usou só uma em dez fontes de pesquisa apontava
dados diferentes.
A sétima dupla falou sobre a caneta. A oitava falou sobre o rádio. A nona
dupla era composta pela aluna D.A. e por outra menina.
D.A. além de falar com enorme desenvoltura gesticulava muito bem e usava
um volume capas de ser escutado em todos os cantos da sala.
A próxima dupla foi constituída por dois meninos que falaram
sobre o carro e na hora da leitura da entrevista, que foi melhor estruturada que as
demais, eles fizeram uma dinâmica onde um lia a pergunta e outro lia a resposta,
dando ao ouvinte uma perspectiva bem melhor do conteúdo da entrevista.
A décima primeira dupla
falou sobre a invenção da roda sendo seguida pela dupla de D.O. que falou sobre os
instrumentos pré-históricos. D.O. começa lendo mal. Voz trêmula, dicção
comprometida e num volume muito baixo. A professora o interrompeu:
D.O. – Não. – disse baixinho, só pra ela ouvir. Ele estava muito nervoso.
PROF. – Deixe ele terminar de falar que depois ele responde, ele assiste
estes negócios.
D.O. – De marfim.
D.O. – Marfim e aquele osso que sai da cara do elefante. Ele é bem caro. Até
por isso esse animal sofreu risco de extinção, mas agora eles são protegidos.
D.O. – Hoje pra nada, mas se não fossem estes negócios os homens pré-
históricos não teriam sobrevivido e a gente veio deles né?
Depois disso a professora começou a dizer as notas dos trabalhos que foram
apresentados. As notas iriam de um a quatro.
PROF. – D.O. vai ficar com três e meio porque não trouxe o trabalho pronto.
Apresentou muito bem, mas deixou pra fazer tudo aqui. Mas eu ainda vou pensar
mais sobre esta nota, dependendo, posso aumentar.
Enquanto ela falava, o aluno D.O. que estava sentado na minha frente
cochichou:
EU. – Minha pesquisa termina hoje e acho que é justo que vocês saibam o
que é que tanto eu escrevia ali no canto. Eu estou fazendo um trabalho que consiste
em investigar como vocês aprendem e desenvolver a fala de vocês. Ali no meu
cantinho, eu anotava tudo que a professora dizia e tudo que vocês diziam neste
sentido. Então quero agradecer a todos vocês por me ajudarem tanto a entender
como este fenômeno da fala se desenvolve. Eu sou apaixonado pelas palavras.
Palavras são, em minha opinião, nossa inesgotável, fonte de magia. Então muito
obrigado e foi um prazer imensurável – escrevi no quadro a palavra com letras
maiúsculas – passar estes oito dias com vocês. Imensurável – apontei a palavra
escrita no quadro – quer dizer que é tão grande que não se pode medir.
As meninas todas me abraçaram e os meninos aplaudiram. Despedi-me com
um abraço da professora que tanto me ensinou sobre a arte de ensinar e de oferecer
o melhor que se tem. Saí da sala já com uma saudade imensurável.
Apreciação do oitavo dia