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Escritos por alguém

Endereçados à ninguém
Fernanda Infinitiva
Luzes apagam estrelas
Co-r-isco no Cáos
a poesia é um risco

é sempre um risco

quase uma linha

menos que um rabisco

num traço sem ponto

as paralelas se abrem

e acabam que se encontram

nos nós do infinito

nos borrões em carvão

em manchas que invadem

na deforma o formão

plantas em rascunhos

desenhos em letras talhadas

que queimam e ardem espaços

enormes conjuntos

em debandos de escrachos
a literalidade da metáfora

a metonímia da loucura

a sombra da hipérbole

no concreto em pedra

eufemismo d'agua

no tanto que bate

que o abstrato fura


e assim denso

se foi o consenso

contexto

recomeço convexo

escrevo

sem nexo

em texto disléxico

conversão inversa

intensa

reversa

extensa

pra la de conversa

cisterna cheia

transbordada

de travessa

em travessia

de rio da curva

em maresia de mar

que enturva

piracema acima

da descida

que exclusa

se recusa

a seguir viagem
poesia lamento

canto em rito

tambor no chamado

coração pulsante

sangue em chuvisco

em mim – derramado

sopro suspiro

divino me entra

atravessado em sons

meu eu todo

em mim se esvai

passos da terra

pisado em batismo

em tudo no tudo

que me cerca

minha mais sincera

oferenda é um riso
em fingimento de ser

o tempo todo o fingimento

do que de fato eu sou

e em fingimento constante

me pego sendo

tão seriamente

o eu que o eu finge

que eu realmente chego

a fingir que sou

o que eu realmente sou


fugi do meu cercado

abandonei a ilha

me dei um tempo

me encontrei marcado

estava jurado de morte

por mim mesmo

saí correndo então

pra me desencontrar

e pra ter sorte

pra poder então

assim lançar-me em rota

em direção ao norte

e fugir e fugir e fugir

quanto mais longe eu ia

mais eu me encontrava

e quanto mais eu me seguia

mesmo que em desvio de mim

eu mesmo em sol me refletia

no chão em sombra

sempre me entrevendo

mas nunca me pisava

certo dia

eu fui pro mais longe

que eu pude de mim mesmo

e me encontrei fazendo
coisas que eu não esperava

quando retornei

entendi que, na verdade,

eu era assim esse remo quebrado

que no meio do mar

em tempestade navegava

eu era só um remo

não era barco nem leme

não era nem o mapa nem a bússola

era apenas um remo quebrado

que quanto mais adentrava

o meio do meio do mar

mais em alto mar me largava

e achando que eu estava mesmo

longe de mim

eu entendi assim

que era longe do barco

que eu estava
a cidade inverte a lógica

coisa tóxica

traveste de torpes rios

os risos desvestidos

outrora revertidos em

paletas de cores cobres e opacas

cobre de coberta

louca entreaberta

a boca que fala e recorta

da sua prece a veste

por onde passa

invisível diluição do passado

rente e incrustado

nas vielas tortas

das águas desaguadas

e decantadas suas sujeiras

crostas de borras

ao fundo da xícara por

onde um qualquer ingere

e regenera o caminho

não transpassado

um turbilhão de cenas

paradas e referendadas

pelas citações esvoaçantes

ilógicas e silogismos
terremotos terrenos

símios a cantarem

devir homem contra ser/estar

ancestralidade a retesar

rede de pesca rasgada

por onde as presas lançam

sua investida caçada

alçada de correnteza beirada

na calçada a planta

reverbera sua vitória

escória de vida entretida

pela descoisificada ação

do sol no ról dos entes

parentes convergem

e conversam sobre o nada

bradada de luar inflamado

atravessam a noite dourada

prata de tato prato

onde servem a entrada

refeição de horas

transcorridas e embevecidas

de minutos enquanto

os astutos deleitam-se

em banquete festivo

em encontros fadados
real, inconcreto

abstrato

secreto

escondido númen

no fim da cruz

início do túnel

subterrâneo

conduz

os caminhos

as esteiras

rolantes dos shoppings

em direção aos

estacionamentos

andantes, constantes

movimentos

de segmentos

incertos

por onde o correto

se transpassa

em cor reta

quadrada

centímetro por centímetro

metro por metro

decâmetro em finito

infinito rodado
ja choveu

ja clareou

anoiteceu, raiou o dia

bateu raio na antena

queimou tudo

e reacendeu

ja teve plantio

colheita

arado e até

folha seca caindo

no vento da lua

deu grama verde

e semente

que renasce

depois que muda

permanece sempre

o movimento

em constante pulsar

em respiro que sente

álveolo de nuvem

caindo e chovendo

pingo em pin

go d’água no ar
I

muito do que tenho

trago qual dia todo

do cigarro o recalque

fundido no estômago

de suco ao sulco

gástrico que retarda cada

palavra do que tenho a

gastar, a dizer

as palavras la permanecem

corroendo-se

por entre o ácido de onde

futuramente vão sair

para uns poucos versos

formarem a sentirem-se

algo, não mais que isso

II

virão trazer à vilania

via palavreado de não-sabor

que regurgita cada palmo

recalcado de vida a tombar

mumificado caixão enterre e dado

à terra que lhe cala

cada qual carregado com

sua profusão vazia de entorpes


entes à deriva para

junto a quem vier

viver um pouco mais do velho

dessabor

III

a língua tateia o palavrer da boca

mira e tilinta cada palmo

a retirar das inúmeras reformas

assim outorgadas e

grafafindadas em seu útil desfalar

múmia fica a cara da boca no calar

que, pouco a pouco,

se calenta com o escapolir

das bocas poucas vibrantes

que lhe querem proferir

novamente a fala na boca do calar


não sei se sei

e não sei se quero saber se sei

só sei que sabendo

que não sei se sei

saberei o quanto não sei

mesmo na dúvida de saber

o que não sei

pois sabendo o que não sei

mesmo em sua incerteza

abro-me para o mundo do insabível

e é lá que as coisas acontecem

e prefiro deixar sem saber

pois o insabível é passível

de muita sabedoria
desconecto, desconexo

analógico do inverso

a lógica logifica

e coisifica os universos

versos - união deles

descontexto, esqueço e engaveto

graveto que crava e recomeço

teço o reconvexo

espelho que cai e quebra o verso

retroverso, reconverso

analógico do universo

rede análoga do multiterno

terno e religado – reconecto

laço de retrocesso

e retorno da ternura multiversa

caleidosverso a respeito

do multiacesso – acessam

é novidade do terno

que descoisifica a lógica

do desconexo – descontesto

e retorno ao verso

que este há de religar

o laço avesso, ora travesso

cravado de terno – terna

enleva e represa o verso


retorno do retroacesso

ao reconverso, versificação

dos laços outrora desligados

religam acessam reconectam

e reconexão - (re)começo do verso


de repente não sou ontem

talvez aqui fui amanhã

mas enfim no tanto

que me vou em tudo

o que me trouxe

até o presente do que

estarei anteontem

outrora que passarei

nessa passarela vã

no passado aonde

encontro eu - não sei

mal sabia direito

das contas que eu pago

mas serei memória

de tudo o que vivo

em tanto respiro

de ponta que rabisca

sempre pra frente

direção lá atrás

em passo caminhado

no caminho que semeei

semente de reclusa

antes que quebrei

a carapaça dura

pra ser o amanhã


do meu ontem

que me interna

aqui dentro

em tempo

alugado

que eu

deixo

alug

atra

sa

o
escancaro

abro e me reparto

em mil pedaços

me dou aos pássaros

e me deixo semear

em seus bicos

de galhos em galhos

por todo lugar

me vou e me parto

eu mesmo em mim

em regaço

de não me querer

e ao mesmo tempo

me deixar ir

con-sentir

sem me ver

ao vento

eterno ruir

flui o silêncio

de me deixar ler

somente o que

me posso entrever

o todo em seu maior raio

não se deixa brilhar

o velho saber
da ingênua brincadeira

de se esconder

como um gambá

que finge de morto

quando se quer

do golpe desviar

e mesmo em delírio

outro golpe

do estribilho

ele vê em si ressoar

que olhar pra si

em constante brilho

em eterno reluzir

se faz ardente

e queima e inflama

que na retina

se vê em colírio

de suas palavras

que só a si

sabe da origem

que declama

e inteiro se ri:

-nunca vão me encontrar!


to tão escondido

sou quase um tatu

que entra no casco

meio que em si

no próprio cu

to muito mesmo

fora do cruzamento

da bala e faço

festim de abstrato

procuro o extrato

da diversão de saber

do insabível

de tudo o que foi dito

e ficou invisível

e mais daquilo

que arrisco

no risco torto

de falar sem dizer

chegar sem fazer

e apenas deleitar

no riso escondido

por tudo o que

ficou calado

e nem chegou a sair

do meu lugar
tem palavras que a gente pendura no varal

estão molhadas depois de lavadas

mas da dó mesmo jogar cândida

pra tirar as manchas e fazê-las parecerem novas

criadas da roda, descobertas do fogo

que arde e consome cada pedaço de pele

que cai todos os dias no coçar do braço

ou no queimar do pelo com o isqueiro

em brincadeira de deixar esfumaçar tua verdade

quando a bem da mentira é achar que la

ela toda lavada, mesmo manchada

não foi um dia derramada e retida

mas a gente costura

a gente cola com cuspe

a gente gruda com fogo

que derrete o tecido mesmo das letras

e as fazem novamente terem sentido

em juntarem-se em palavras

lavradas, escancaradas

e assim mesmo será que um dia eu chegarei

ao ponto de conseguir tecer essa roupa?

construir frases mesmo que tortas

e constituir um texto todo de uma vida?

sem que seja aquele monte de mentira

aquele montante de escória que escrevi outro dia


talvez eu só não esteja mais querendo as roupas

talvez eu só não esteja mais querendo esses ditos

essas ditaduras todas

de ter o tempo todo que andar vestido

mas despir-me da palavra? como?

a vontade mesmo é de fazer voto de silêncio

e me deixar esvair na minha própria arma

de fingir mesmo que por um fim

ser aquele texto todo meu de frase em frase

que fatalmente me desarma

e mesmo que eu me dilua em palavras

não sobrarão letras nem fonemas

nem gemidos e sons íntimos

que me façam expurgar o ar da garganta

e mesmo assim o meu pulmão se fará respirar

no mais puro silêncio de ouvir o som

de sentir o ar

deixá-lo sair e entrar

deixá-lo consumir em alvéolos seu gás

e talvez eu até ouça dessa troca

a transmutação do oxigênio a carbonizar

mas uma hora esse ar sobe

porque ar quente que sai sempre eleva

e sempre retorna à nuvem

e torna a fundir e solidificar em ar


pra deixar-se assim escorrer do céu

lágrimas cândidas que virão tocar

o tecido transparente do meu véu

de palavras guarnecidas pra te mostrar

que mesmo nesse ciclo todo das letras e das sílabas

me faltam as frases

mas me escapa em suspiro o teu...

e o meu ar
café coado

açucar, chá adoçado

o pó e o amargo

expulsos do éden

a maçã é sem casca

que, na verdade

na costela só tem osso

não tem nada que seja

dual, divisível

é união

e do um, o dois

não tem ele e ela

isso é ilusão do texto de hoje

da tradução a gente quer traduzir tudo

paremos, somente

o pó e o amargo são do âmago

o cerne do enfado

e assim dispensamos

queremos tudo quanto é resíduo

longe e disperso

pra sermos unos

no que é imerso

mas pra que imergir colher

sem açucar pra mexer?

endeusar sem cobra pra picar?


ela me olha nos olhos

seus dentes me tocam a boca

e assim lançamo-nos em maçã

com casca batida de café

e no doce do chá expulso o açucar

não quero o doce do doce do amargo

chega! só basta de afago!

é hora de transmutar o café

em chá decantado

e encontrar ela no ele que ela faz

recalcular a rota

d'onde se tem cobra entrelaçada

morde e pica e escorre resíduo

que bebamos e brindemos

a ambrosia dos líquidos –

o veneno é banquete farto

que temos que nos rir

desse infarto de querer sem ter que ir

lanço mão da minha deidade

pra ser menos humano

e me querer mais macaco

que eu gosto mesmo é dos bonobos

da sua inutilidade de rirem-me

em qualquer situação

e no riso mesmo tudo é só interpretação


porque sempre queremos prender o macaco

pra poder estudá-lo?

é sempre preso, nunca solto no mundo

marcado, solapado de irrealidade

que o silêncio dos meus lábios

dizem muito mais do que as

milhares de inutilidades que tenho falado

não falo, só vomito

é assim que imito tudo o que é dentro

pro fora no dentro poder cessar

e assim quanto mais me afasto

mais me interno no meu tato

consigo assim calar e no calado

do ralo do meu próprio lixo lançado

consigo limpar todo resquício

de pó residual de café e chá e casca

pra poder desentupir

os canos que me levam

de volta pra onde nunca fui

pra deidade do silêncio do vácuo

que só faz sentido

quando não tem mais matéria

nem em cima nem embaixo

e assim em flutuante cinestesia

posso falar calado de olhos abertos


e poder tocar qualquer ouvido

em som que nunca me foi dado

é só questão de entender

que de nada vale a cobra nos expulsar

do nosso paraíso se não for

pra bebermos do teu veneno

e brindarmos do teu pecado

que é tudo tão efêmero

pra querermos o tempo todo sermos juízo

e tentarmos sempre

retornar ao paraíso fechado


boa noite, tudo bem?

durma bem, como vai?

eu vou bem e você, tudo em paz?

ah, sim, claro, quer um chá?

de que? de cadeira?

porque você fala tanta asneira?

e café, você me traz?

você tem açucar?

você não gosta do amargo?

te dá muito pigarro?

e uma xicará? você me dá?

você me dá um gole do seu chá?

mas só tem uma xícara?

e se eu tivesse mais?

pra quem eu daria?

e sem "mas" você me veria?

de óculos ou coado?

o café ou eu?

decantado?

mas é um recado?

você quer ele puro ou com água?

café dura sem nada?

não te deixa acordado?

nem te dá ressaca?

me passa o chá?
de cadeira?

porque tanta besteira?

posso ser eu?

você quer outra bebedeira?

pra que?

pra passar a noite aqui?

não posso ficar perto de ti?

você vai me dar outra xícara de presente?

e se eu te der uma escova de dente?

to com hálito de café?

e se a gente tomar um chá?

e se a gente juntar nossas pastas?

pra arquivar o que?

a escova com a pasta não encaixa?

a minha e a sua?

coada?

a pasta ou a escova?

pode ser as duas juntas?

mas dá pra coar essa junção?

e se der?

acho que não.

...

...

...

me passa o café?
do Cáos eram – erram erros, Éros
encontro é quando -

a improbabilidade

do colapso

liquefaz com a

expectativa do ego

para tornar aprazível

a naturalidade do cáos
a caverna entoca

a toca acorda

a corda enforca

força que re-volta

encosta

em costa

de costas

pro mundo

que dá voltas
deixa

larga

solta

voa

avoa

encosta

abaixo

retesa

líquido

acima

abraça

riso

somos

seremos

fomos

estamos

queremos

quando

tanto

entremos

talvez

saindo

sempre

menos

ainda
sim

não

antes

depois

sempre

sorrindo

sigamos

ciganos

corda

bambeia

limbo
o elefante segue

segue em frente

cavalga sem amanhã

abre, caminha

em sol ardente

na escuridão

interna do seu ecrã

superfície lisa

rizoma de tecido

onde tudo o que tece

dá-se em liga

em nó desfeito

perecível

amanhecido anoitece

luar em movimento

magnetismo agreste

seco outono

árvores escalpeladas

cavalga inefável

o elefante

em retorno

de sua morada

em mudez dos gritos

espera interminável

do silêncio
embriagado lampejo

sinuoso embuste

caminho a esmo

defronte o véu partido

em seda, líquido

arguido retorno

escombros escritos

em constante contorno

consoam os timbres

em paletas multiformes

re-volúpia pequena

minúsculas pernas

galopando pontos

em linhas enormes

devoram trajetos

dejetos pútridos

sementes abjetas

objetos rútilos

canalizam semblantes

sombras e vultos

em todos os cantos

traços esvoaçantes

nas tinturas dos lutos

por onde velório


se é pra olhar

arranca pedaço d’alma

esbarra em regaço

estilhaça o sangue

estanca e acalma

afaga em brisa

o suor da retina

em íris arbórea

no som do caminhar

folhas que secam

que vão e voltam

e triscam na pisada

que vem em punhal

encontro do olhar

estalo da esquina

na curva do rio

noite em crisálida

esbanja claridade

no minguante luar

dura um instante

um infinito instante

o cheio redondo da lua

e logo torna ela

em retorno trajeto

de volta ao seu lar


é tudo tão cristalino

transparente como

um brilho ofuscante

que lateja a retina

em brio de neblina

amamenta de córnea

os pontos perdidos

dessas nossas linhas

essas fugas todas

e todo esse jogo

de esconder sem procurar

e assim poder se atravessar

como quem atravessa rua

no esbarrão da calçada

e se deixa em marca

de passo em passo

em cada marca passada

e no brilho todo

em semente de inverno

resguarda cada letra

do que ficou escondido

do que não passa

e deixa no agora

seu rastro de encontro

redemoinho eterno
que balança e mexe

com tudo e deixa

que venha em suspiro

de dentro do estômago

la bem no meio do fundo

de onde se afetam

todos os sonos

que acordam e se vêem

acordados de palavras

que dali não passam

e se passarem será desfeita

toda a nossa jornada


tensão sem intenção

o corpo grita parado

ele sente não no etéreo

mas na víscera

em si, no osso

no que é venéreo

em cada costela que desloca

pra fora do próprio dentro

do fora do corpo, atado

o corpo concatena

a linguagem dissocia

no tanto que digo

digo menos do que sinto

e mais do que penso

e nada entra em harmonia

um grande liquidificador

batendo afetos

fazendo-os girar e despedaçar

andando no inverso

em deslógica nuclear

em sentido reverso

ao que outrora beirou

o alto montanhoso

e se desfez em trajeto

em direção ao alto-mar
ressoam estalos

do martelo nos calos

dos dedos do cravo

em desejo

de não se poder ver

o que se está diante de si

e das pinças

em cordas

todas

estrondos

de fogos, enrosco

de alaúde

som, silêncio

um ruído fosco

e um desnude:

quando se

tocam os contrapontos?
e talvez só

o desbunde

de toda essa querela

esse requinte

todo em desmundo

me deslumbre na tua

ventania

teu cerco

que cerca cortesia

em escutar

qualquer vácuo

em nosso cáos

de tremendos ruídos

da nossa gritaria

emudecida pelo

giro e pelo traço

em sapato gasto

que se arrasta

por querer tecer

trajetória no solo

em tamanha patifaria

essa que se vai

e se vem no silêncio

nos quer e nos tem

em movimento
de flexão e extensão

a desdobrar curvas

nos braços

e mãos que compõe

pequenas cordas

de fugas em rotas

pra nos querermos

no som do que

em segredo de rastros

nos deixamos

pra nos guiarmos

em pisos descalços

em brisas rasas

que mesmo calados

o contraponto

em contrapoesia

de contrapartida

em contrarrevelia

de concentrarmos

no instante em salto

em que saltam as palavras

e que em trança

se encontram as notas

dedilhadas

em deleite querer
de lhe querer

em vôo de vento

em furacão

de tocarmos mudos

nossas reclusas asas


-oi, como vai?

-vou cedo e quando?

-ontem vou mar.

-ah, que nuvens te derretem?

-as mesmas que me despem.

-e como te alvorece?

-em sol latente.

-te estrelo.

-em ensejo?

-cortejo decolado.

-pra onde?

-pra hoje, molhado.

-quebra em onda?

-só quando sonda.

-o espaço-tempo?

-é, muito habituado.

-sendo é que se está.

-ah sim, como foi?

-amanhã sempre será.

-quer uma carona?

-se sair água do chão.

-imagina, são.

-quantos?

-aqueles que chovem.

-em prantos?
-não, em goles.

-de chuva?

-recanto, rio da curva.

-decanta em mar.

-é, desce montanha.

-pra ter com água.

-que me salga.

-e nos banha.

-além-céu derradeiro?

-desfila abaixo, então.

-em rota me acho.

-derradeiro.

-me vens ter com cerejas?

-só quando plantas.

-remanso que deseja.

-aguadeiro.
e é no repente que de repente a gente acontece

na fala torta ou mesmo no desdito

em tudo o que fica guardado no olhar

coloração emudecida, um grito

naquilo que prende o nó na garganta

e ata a nós em fio que vai tecendo

bordado de trança e rodopiados nessa dança

que ganha corpo e cresce esmorecendo

esvaindo com o sentido do impulso de partida

e substituindo o riso espalhafatoso

por um suspiro de saída

mas lembrando a gente mesmo

que esse ir e vir pra frente e pra trás

esse embrenhar-se no nosso entrar e sair

nessa dança mesmo que a gente faz

é que consiste a essência daquilo que nos conduz

nesse trançado da nossa trança

que tece nos nossos fios

os nós que a nós mesmos nos seduz

e permanecemos ligados

não em simbiose unificada

mas em bordado talhado

cada fio em fio emaranhado

que com o tempo se faz debandada

da nossa própria liberdade


de trançados nos desfazermos

e voltarmos a tecer da nossa veste

nosso próprio fio descabelado

e podermos deixar escapar

um nó de pingo d'água

que lava nosso couro pra levar

toda e qualquer sujeira corpo abaixo

mas que também nos faz aproximar

mais juntos e lavados

e nos faz ficarmos colados um no outro

depois do nosso banho de nós emaranhados

e saímos e entramos novamente em trança

a nos escorrermos em movimentos úmidos

deixando um pouco d'um no outro

nos nós molhados que vão secando

nos movimentos da nossa calorosa dança


o desdito

o que ficou

o que deixou

e se desfez

um grito

interno

calado

sufoco

de não poder

transparecer

atravessado

de dor

e pensando

porque?

como pode?

é tanto

o montante

do encanto

que em canto

afetado

no canto

quieto

calado

recanto

de não
negativar

o sim

que não

cala

não quer

calar

e assim

quem a quem

eu quero

eu mesmo

de mim?
pode ser que

em certa medida

a medida desmeça

e peça licensa

e se disperse

mas não se cansa

nunca despeça

pedido fadado

inverso rebocado

que quando mexe

talvez se meça

mas não deixe ir

não esqueça

que quanto

do quanto

que somos

no canto

na semente

do cosmos

é somente

da raridade

do encontro

um enorme ponto

de intersecção

desmedido
quando dei por mim

minhas mãos estavam suando

e deixando transparecer

o líquido do meu interior

e eu todo envergonhado

me sentindo exposto

e esvaziado daquilo

que não podia sair

e me vendo reflexo

do sulco do afeto de dentro

que esvai derme afora

e pulsa puro devir

querendo mesmo recolher

cada gota pra contar

quantas doses de mim mesmo

eu acabara de perder

e mesmo assim desesperado

nervoso, extasiado

eu queria mais

continuar dançando

e deixando a perna ceder

e o meu pé cair

pra benzer o chão pisado

e poder olhar no olho

que pisca em lágrimas


meu suor salgado

em um constante frenesi

e ali, me vendo frente a frente

à tua saia

fugindo e retornando

correndo e me caçando

me vi em mim

entrelaçado em ti

e entendi –

que quanto mais

a gente se encontra perdido

mais é no próprio perder-se

que a gente se quer rir


encanta e engrandece

toda viv'alma quebrantada na calma

de teus colares cores de lã espessa

condessa de minhas vestes

que em matéria de preces me ponho a sonhar

que quanto mais enaltece

mais divina dança me chama pra dançar

e teço véu de fio extenso de seda

lã espessa, não esquece

que quanto mais eu me ponho a mexer

trançar dos meus braços em teus abraços

me quebrar todo em despedaço

me amasso nos teus risos

e me acalmo nos teus discos

que sonham e encantam a tocar

cada micropartícula de vibração

de ação em descompasso a cantar

nós dois, enrolados e encaracolados

de cabelos que se laçam e descalços

embaraçam, estilhaçam nas notas o ar

sopro divino, leve, logo trino

em seu caminho, em nosso cruzamento

quanto mais me desvio mais paro

e espero la no meio do acostamento

a te guiar ao som da minha flauta


e a te seguir de volta em minha volta

voltamos e rodamos juntos, crus, em conjunto

numa sinfonia bela de tecidos raros

embaralhados dos nossos corpos a trançarem

e dançarem em cada regaço de cada parte

que novamente caço pra poder servir

no prato novo da hora do almoço

num banquete de devir

e não esqueça, deixe que ele aconteça

sobre minha toalha nova

toda feita da pele da tua cor

da mais fina lã espessa


quem é que sabe

da porção do que não se pode saber

daquilo tudo que vem e vai

sem nem dizer porque

daquilo que vem e fica

e marca e risca e rabisca

sem ao menos dizer:

-quando? aonde? o que?

vem trazer seu canto

de vil e de encanto

que eu quero cantar contigo

quero compor esse afeto

que bagunçou todo o meu querer

quero ir para além

sem nem saber do teu aquém

somente sei que de

todo esse desbunde

essa patifaria na qual se deu

toda essa primazia

do jogo constante

do estar sem ser

do cáos que me coloca

diante da tua doçura

tua amargura de não saber

de não querer entender


e simplesmente deixar-se ir

na pureza de quem se despe

e se trasveste o tempo todo

de toda essa artimanha

de fazer com que o encontro

seja belo doce leve livre

emaranhado rugoso

que só deixa transparecer

toda essa negra solitude

do teu imenso e vasto bem querer


-mas o meu batom

ta ficando cinza

que é pro som

não desbotar

o meu tom

é o tom da brisa

que veleja em alto-mar


remo e invento meu mar na horda rochosa

de teus cabelos, lembranças e tranças

reentranças pro mundo novo no desvelo

da tentativa solapada de rolar

meu eu no teu e enrolar meus rabiscos

no desenho desmonte que creio

ser a matéria sublime do nosso encontro

transparagem por onde me escondo

pra quando menos esperar eu me venho

em mim e me reapareço a ti nos contentos

mais atentos do raiar das nuvens

dos teus raios em meus aposentos


gira

riso de ventania

que inspira furacão

e se expira em brisa

saliva de poeira

que engole maremoto

e escarra pétalas

gira flor

gira lisa, flor

em cabelo que me enrosca

tornado me aterrisa

e no olho do teu

olho em vácuo

teu sorriso no meu

me faz cócegas

e de lábio em língua

me contorna

me ensorrisa

gira lisa, flor

aonde flor –

flor irei

aonde flores –

flor iremos
retém o que importa

pois na estrada da vida

a reta é sempre torta


a-dentro amanheço, dentro à Mãe ouço
e é assim que se dá

que sempre se vai

e se demorou

aquilo que outrora vence

aqui em mim derrotou

derrocada de vida

que em minha alma

me habita

me conquista

e de grito em grito

uma caixa

como uma boneca russa

dentro em mim

um outro em outro

que me tira e me coloca

de pouco em pouco

camada de casca

cebola que chora

que engasga

me farta

dessa patifaria torpe

perfume doce

da minha debandada

me vou, fui

assim que em mim eu puder


eu partirei de dentro

para fora

rompendo as lascas

de cada rocha

da minha caixa

dura carapaça

que me atravessa

me transpassa

num todo qualquer

da minha eterna liberdade

revoada em vôo

que me inclina

do abismo pro horizonte

em rota de fuga

que me alucina

e me conjuga

verbo da minha

transitividade

que me desnuda

e me transpassa

e em reclusa me recria
não dou conta do futuro

não quero e nem tento dar

quero deixá-lo

à dureza de sua solitude

me esgueirar

me entregar

e me fornecer o que virá

é tão louco

pensar que de tanto

em tanto e quanto

tempo o tempo em mim

ficou pra trás

e como agora nesse momento

me vem à mente

que uma reflexão

ou mesmo um ensejo

uma pequena atitude

me satisfaz

e assim em pouco

na grandiosidade

da pequenês ignorância

eu me reservo à santidade

de me derivar

e poder me recalcular

toda a rota
e assim me guiar em direção

à frota das sementes

no vento em sol quente

por onde germinará

o fruto tão esperado

do deslocamento imune

de toda essa patifaria

torpe que é viver no capital

abaixo às roupas íntimas!

fiquemos é pelados

pro resguardo que nos prepara

e nos deixemos penetrar

pela semente mesmo

do vento que nos traz

e seremos apenas

ardentes fogareiros

de sol quente

do agora que não cessa

do tempo intermitente

não pára e nunca há de parar

o que vim fazer aqui?

não faço ideia

mas meu movimento

não tem juizo

e menos ainda é conciso


no seu esgueirar

e assim me pego

de pouco em pouco

me direcionando

ao que sempre sonhei –

debandar em revoada outra

que o grito da garganta rouca

me quer agorar

agora é a hora

sou eu e o mim mesmo

somos únicos nessa rota

me vou que o tigre

não espreita mais a águia

no seu eterno piar


a sensação

perdida em meio

à perdição

de não se encontrar

anseio de ir

pra onde possam

te mostrar

aqui, ali, olha:

à esquerda

não é assim

esqueça! não vai

nunca tem fim

essa eterna

caminhada

que se faz sob os pés

sob a própria vida

e entrelaçada à ela

é sempre indecisa

ventos sopram

velas acendem

o fogo no céu

o fogo adentro

adentram

é tudo afora

que transpassa
e conforma

o que de dentro

condiciona

condição que aprisiona

mas que se vê livre

sempre com o possível

tantos deles, partida

indo em direção

a onde lhe querem

investir o derradeiro

vôo de soslaio

por onde

o náufrago

recebe seu raio

que movimenta

e gera fricção

rápida

que esquenta

e da terra pro céu

se direciona

risos e espanto!

um estalido

encanto divino

que remenda os pontos

encontros perdidos
do céu com a terra

em paz de sina

que soa sino em revôo

de partida

fui, deu minha hora

vou assim

embora de mim mesmo

pra outro momento

do meu próprio agora

nessa imensa

imensidão sem fim


corre pelas veias

a areia do horizonte

do fogo que incendeia

e em movimento outro

se coloca em desmonte

é momento de voltar

cuidar de esvaziar

descer, deixar afundar

e puxar o ar conforme

a corrente cresce

levando pra outras águas

outros mares

à deriva dos afetos

certeza única de que

somente o que é costurado

é que se tece

e em agulha que perfura

a correnteza perpassa

meus outros eus pulam o muro

e me encontram em alto mar

escasso, falta de água

certeza do colapso

mas é assim em momentos como esse

que nado e nado e nado

nado pra me sentir no fundo


do meu oceano em emenda pura

na água costurado

seca que me perdura

me seca e na secura

me mostra piracema em direção às nuvens

me movo em novo encontro

e no retorno à terra quem é que sabe

se la estará ela a espera

de tudo aquilo que sentimos

e de tudo o que nos invade


tem frutinha

com semente pequena

que nasce em volta

e se faz casca

no próprio azedo

no caminho em rota

que a faz ser vento

no próprio semear

gomo que nasce dentro

floresce afora

e faz todo orvalho secar

mas ele volta

em conta gotas

pingando cada floral

escolha de recanto

da vida em remanso

pra poder traçar

caule da terra

pro céu em canto

e assim tocar

as notas amadeiradas

do sereno em cristal

que pinça carícia

nas pequenas bolhas

de universos que se vêem


dentro da gota

em cada folha

de cada galho

de cada veia que leva

alimento da base

pro topo do orvalho

e assim consome

vida em ciclo

que não pára em semente

e somente se vê

em constante movimento

de ser quente no sol

quando bate no topo

de ser calor da terra

que vem do interior

deixando o frio da noite

tocar as extremidades

e conduzir semente

do ventre em tenra idade


entro num círculo

e de repente me enquadro

nas arestas divido

todo meu corpo

meu recanto divino

e em movimento resguardo

na minha saudosa liça eu cerco

me interno e me contento

me acabo e reinvento

toda minha batalha

e contra meus próprios moinhos

me lanço a cantar a navalha

e traço corte transversal

estilhaço a pele

me escalpelo e me penduro

dissecado em órgãos no varal

me deixo a secar e a escorrer

pra outrora tornar

a me vestir

e assim poder por aí

em elegância toda remendada

me rir em riso devaneio

na minha arte debandada

e me encontro sempre a partir

e partido me reencontro
escarifico minha armada

e em derme toda rasgada

corro e danço e pulo

em descompasso todo

em grito mesmo que rouco

meu médico e meu monstro

em diálogo de fala sagrada

e acendo o fogo

e conclamo as forças

pra iniciar findado retorno

de me descolar em contorno

de me refazer em costura

de juntar todas as vísceras

e me rejuntar em candura

e assim lanço rezo

em direção à terra

e ela me lança em torno dos céus

me encontro sempre em brasa

que incendeia com a estrada

e me expulso do banco dos réus

pra tecer elo de ligação

das extremidades com o ventre

e assim em transeunte passagem

do meu protagonismo de mim mesmo

me pego sendo meu próprio horizonte


meio borrado no fundo da minha vida

rezando em tinta minha própria paisagem


pode ser que as palavras despalavrem

e pode ser que a lavoura deslavre

pode ser também que todo o revolver da terra

resolva colher em água o que foi derramado

mas mesmo que lavado fosse tivera sido

eu bem que gostei da tua água ter bebido

e embriagados tivéssemos ido embora

num grito mesmo fomos pra bem longe outro dia

e em giro de sincronia da enxada que estalara de raíz

eu mesmo me arei e me semeei e quase que por um triz

teria deixado eu passar o agora que acabarei

mas me contendo em semente pude abrir

e quebrar grão duro que fui amanhã

e só assim eu em cortesia artesã

pude tecer os fios dessa chuva

e assim pingar em conta gotas as linhas d'água

pra poder trançar fios de rizoma embevecido

e assim descer do trator e largar tudo em máquina

pra deixar os pés em dor sentirem a leveza do riso

e em motor eu me desfaço e na tua água...

assim em tempo outro eu desvio da velocidade

e recalculo meu tempo e espaço

e mesmo que nessa aguaceira toda seja o esterco plantado

é no plantio que ardi em queimadura vívida


que a lavra terra há de um dia que fomos

ser amanhã à nós o que ontem será nossa ressaca


as vezes as vezes que me seguem

são somente meses que ressecam

a estação da cheia

e me levam pra bem longe

no mar onde a noite candeia

e o sol vem se pôr nas nuvens

em céu todo pintado de cristais

pontinhos de brilhos e de estrelas

que vem trazer a mensagem do caminho

me mostrando a verdade ardente e fugaz

me iluminando, aquecendo o meu frio

e mesmo em cintilante quadro

que pinto ao observar

me misturo com a pintura

e me vejo andando em corredeira a descansar

meus pés à beira-rio

mãos que saúdam a beira do mar

e mesmo que eu me lave o rosto

e me encontre novamente limpo

me ponho a perguntar

o que será de mim quando estiver no limbo?

quero novamente reviver a sensação da montanha

a despencar das mãos

a água do mar que me esvai e me entra

em estalactites pontiagudas
e me perfuram o chão

que mal chegou a me benzer

mas que ficou ali a me olhar

e me encarando chegou até a me dizer:

-desce aqui, to aqui te esperando

não é da queda que o medo do impulso lhe salta?

vem e sê uno comigo, espatifa teu crânio

me joga terra abaixo na tua própria encosta

sei que teu desoriente me cumprimenta

me chama de sol quente

areia fina, rocha dura que ilumina e me acalenta

e conclama teu caminho envolvente

vem e te inebria no meu ventre

pra poder retornar ao que é de ti tão irreal

e reencontra tua outra mão em par

pra beijar o chão e cantar o teu lual

(ao que respondi)

-sabe, você que fica aí me provocando

todo cantando de pó das estrelas

de passado todo passado em recanto

e me chama pra beijar teus pés

me diz uma coisa: você sabe mesmo

o que em mim é teu encanto?

beijo teu vento que me sacode o chão

em cada olhar de espanto


ao lembrar do teu chamado

em guardar no corpo tua visão

e lembro do grito que me fez equilibrar

na beira da escada e me pôde concentrar

em descer e tremer a perna no teu vão

em debandada de fugir ao mesmo tempo no encontro

do que em mim é de mim tão desencontrado

que é o sentido todo desse contorno

que a vida tem me abandonado

e assim posso seguir a descer-te

corpo de encosta abaixo pra saudar teus pés

pra seguir meu caminho no mapa do traço

e continuar a desenhar meus pontinhos

no céu que me guia em noite de lua a deitar

teus cristais em noite serena

a derramar teu véu de brilho cintilante

no meu caminhar de cada passo na terra

nesse pedaço da tua encosta que no pó me embrenha


talvez a vista da terra

seja só miragem do horizonte

que te coloca em movimento

externo ou talvez interno

em constante desmonte

e vejo assim que a imensidão

do mar em ondas que balançam

te levam pra bem longe

pra outro lugar

onde você realmente possa

mesmo ausente dançar sua dança

e ainda sim a terra fica la

à vista, parada

mas em movimento constante

do coração que pulsa

consonância ondulante

que vem e se embrenha com tua saia

e vai e volta e te leva pro alto

do alto da onda do meio do mar

onde finalmente ninguém vai ouvir

teu grito rouco e a vida

a determinar que você fique ali

e sinta o cheiro salgado do céu

a tocar teus pés em brisa molhada

e assim possa fazer com que caia


por cima das nuvens

teu mundo todo e venha a lhe mostrar

em montante desanuviar

o movimento da tua saia

e mesmo que você queira sentir

a terra sólida sob os teus pés

é nas nuvens das ondas do céu

que ele vem saudar e lhe dizer –

que pra descer e tocar a terra

antes é preciso saber ouvir o seu

e deixar que os pés

eles mesmo façam ver o piso do entardecer

e movam a terra do chão

fazendo-a ela mesma pisar forte

no líquido sob os teus pés

te mostrando o caminho da corrente

em direção ao teu próprio norte


na minha terra

todo mundo planta, todo mundo colhe

premissa divina, indivisa

que aquele que do acalanto se alimenta

na poesia se recolhe

pra semear e florescer

o transpirar da pele

transbordada em alvorecer

nasce gente, morre quente

intermitente

cáos a dissipar

caminhos, traços, rotas

em sobrevoo de faltas sem preencher

que só o que vazio está

pode a si mesmo aquecer, ecoar

som que viaja e ressoa em toda a superfície

do teu corpo em meu corpo

a roçar e suar e suspirar

suspiro doce no toque da tua mão

nos cabelos de seda, lã espessa

que faz da tua defesa o ataque

que me espera

sem querer me interpela

querela do nosso jogo a transmutar

que quanto mais se aproxima


menos me ponho a camuflar

meus movimentos todos em desejo

de contigo, comigo e conosco neste ensejo

fazer teu sol dar lugar ao meu luar


parece que o doce do perfume

dilui no álcool do suor

rio caudaloso que consome

o fluxo que vai ficando cada vez maior

vamos nos evaporando

e nos decompondo

em pele morta da terra que semeia

esse coração pulsante

e venoso do sangue que transporta

para o ventre do sistema nervoso

meus alvéolos delirantes

salto da única veia

seus glóbulos cor de qualquer coisa

densamente me provocam

nódulos no cerne desse arco-íris

todo colorido em tons de rosa

e assim me vem ao corpo

todo desmantelado

ja não mais conjunto

dos seus nós desfeitos

e de ossos cortados, desatados

de seus restos fiz um colar

pra botar em meu pescoço

e assim poder desfilar

esse húmus molhado


ligeiramente grosso

cheio de minhocas a trançar

no meu rosto ja pútrido

em meus afetos moídos

tudo retorna às cinzas

nesse alimento que nascerá

apontando do interior da terra seu caule

uma flor, uma folha, fruto outrora nutrido

que torna a se diluir em suor

do perfume etílico que evapora pelo ar


eu danço pra dançar o fogo que vem iluminar

eu canto porque é no canto

que o sopro d'alma vem acalmar

eu teço teia de elo com a terra

pra enraizar meu corpo todo na força

que consome minha energia

reconecta com o cosmo

em vórtice de outros possíveis

desacontecimentos que intemporalizam

minha caminhada rumo ao mar, à água

sinto a brisa leve cintilante no ardor do rosto

que brilha com o sol em meu posto

lá da ponte, do farol

no nada que ilumina minha trilha

minha estrada

puxo a rede pra reter em minha teia

o brilho dos cristais, aclamada

noite bela que no luar candeia

qual labirinto que me traz

de volta pras margens e logo me levam

novamente pro meio da areia

rolo, pulo, brinco, salto

quanto mais me enrosco

meu corpo todo se gruda das pequenas rochas

que enturvam minha vista


no emaranhado do novo banho

que lava a aura, limpa e decola

em vôo que parte d'água pro céu

em bater de asas teço nova rota

desço e subo e faço manobras

pra me deixar levar pela melodia da semente

da nova nota, descrente de chegar onde quero estar

poder levar no caminho do caminhar

o presente do momento

instante único de planar

e poder viver, ser/estar na própria intempérie

de cair novamente e voltar a encher meu corpo

de sal, banho de energia à beira-mar


há um momento

no impulso em que

o corpo permanece

estático e é aí

que revemos

a (in)certeza do salto

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