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RESUMO
Este texto trata das concepções de qualidade de vida e sustentabilidade, e seu uso no
contexto da caatinga, em comunidades rurais, especificamente em comunidades
tradicionais quilombolas. Pretende ampliar a discussão sobre a implementação de
instrumentos que viabilize a convivência dessas populações com o semiárido de forma a
serem valorizados como administradores dos recursos de que dependem a vida no planeta
(água, solo, floresta, clima etc.). Discute as questões paradoxais que envolvem a relação
do ser humano com o sertão nordestino, desde a política de comiseração ainda praticada
pelos governos, e a riqueza natural (fauna e flora) e imaterial (saberes tradicionais) que
se interrelacionam nesse contexto, dando a dimensão do nível de complexidade que
envolve a temática. Com o auxílio de vários teóricos (FERNANDES, 2008; LEFF, 2009;
TOLEDO, 2009; SACHS, 2010; CONTI; SCHROEDER, 2013) foi trazido para o campo
analítico/reflexivo, novas abordagens sobre a essencialidade de ser efetivado um novo
paradigma, no qual a população rural, especificamente as tradicionais, sejam respeitadas
nas questões que promovam o aumento no nível de sua qualidade de vida, bem como
enquanto detentoras de saberes essenciais para a sedimentação de sociedades
sustentáveis.
1. Introdução
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vida que só tem lugar em centros urbanos, de preferência na “capital”, onde as pessoas
tem acesso a centros de excelência em medicina, moram em condomínios fechados,
possuem automóvel, estão conectados à Internet 24 horas por dia, vão ao supermercado,
tem acesso com regularidade a cinema, teatro, casas de shows, etc.
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quilombolas que vivem no semiárido nordestino, no bioma caatinga, no que se refere aos
incentivos para o desenvolvimento da agricultura familiar, a preservação da cultura de
manejo da fauna e flora sertaneja, à construção de moradias com estruturas sanitárias que
viabilizem o sistema de saneamento básico, a efetivação de um projeto pedagógico que
valorize os saberes tradicionais da população in foco, em “um processo de reapropriação
social da natureza dentro dos princípios e valores de uma racionalidade ambiental e de
uma política da diversidade e da diferença” (LEFF, 2009, p. 12).
Hoje, o termo qualidade de vida é quase um “chavão”. Tem sido utilizado como
se dispensasse qualquer explicação. Entretanto, como veremos, o seu significado não está
entre as definições consideradas simples e consensuais.
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Para o Grupo de Qualidade de Vida da divisão de Saúde Mental da OMS,
“qualidade de vida é a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da
cultura e sistemas de valores nos quais ele vive em relação aos seus objetivos,
expectativas, padrões e preocupações” (WHOQOL GROUP, 19943), nos dando uma
percepção mais ampliada no que diz respeito a esse conceito, o que nos reporta às diversas
dimensões da vida humana: social, cultural, psicológica, profissional, biológica etc.
Assim, a preocupação com o conceito de "qualidade de vida" refere-se a um “movimento
dentro das ciências humanas e biológicas no sentido de valorizar parâmetros mais amplos
que o controle de sintomas, a diminuição da mortalidade ou o aumento da expectativa de
vida” (idem) (grifo nosso).
3 Organização Mundial de Saúde - OMS/ Divisão de Saúde Mental -Grupo Whoqol; Instrumentos de Avaliação de
Qualidade de Vida (WHOQOL) 1998 ; http://www.ufrgs.br/psiquiatria/psiq/whoqol1.html. Acesso em 24/05/2014.
4 Burguesia constituída de investidores pouco estimulados e avessos à riscos, que sucede à burguesia comerciante
européia do Sec. XVIII. (BOBBIO, Noberto. Estado, governo e sociedade: por uma teoria geral da política. 14ª ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007.
4
humana em seu locus vital. Tendo o conceito de qualidade de vida como fundamento
desses indicadores, enquanto um direito de cidadania, no qual, segundo a OMS, “a noção
de qualidade de vida deve servir de base para um compromisso ético de uma sociedade
garantidora da vida, onde as potencialidades humanas não sejam brutalizadas nem a
natureza destruída” (ibid).
(…) desde que a sociedade actual passou a viver, não sob o signo da História,
mas sob o signo da Natureza, em simultâneo o trabalho deixa de ser, como no
passado mais recente, fonte de fortes identidades. Estes tendem a construir-se em
espaços mais alargados. As lutas sociais transferem- se também para outros
campos, constituídos em múltiplos domínios de afirmação de identidades. (…) À
medida que se multiplicam os factores de desagregação da natureza e aumentam
os condicionalismos da existência humana, estende-se e alarga-se igualmente a
concepção da qualidade de vida. (2008, p.2)
Nessa perspectiva a visibilidade das mudanças no estilo de vida das pessoas em
seu locus vital (relações sociais, culturais, parentais, trabalhistas, religiosa, ambiental)
mediante as mudanças e ameaças que a humanidade sofre desde o enfrentamento do
transito com seu excesso de ruídos, toxidade da atmosfera, violencias verbal e físicas; as
ameaças da alimentação que consome no corre-corre diário; a insegurança constante de
ser vítima dos mais diversos tipos de abuso: sexual, preconceito racial, homofobia,
xenofobia, roubo/furto, assassinato etc, envolvendo todos os povos qualquer que seja o
seu nível de desenvolvimento, revelando que a humanidade vive talvez o maior drama
ecológico5 de sua história. Portanto, se houver o entendimento sobre qualidade de vida
enquanto melhores condições de existencia do ser humano em qualquer região do planeta
onde se viva, necessário se faz levar em consideração os variados impactos culturais,
sociais e ambientais nas diversas populações provocados pelo estilo de vida vigente, o
qual é proposto/definido pela mídia, “braço” instrumental do sistema econômico
hegemônico.
5Estamos considerando o conceito de ecologia na vertente da Ecologia Humana, onde há “uma consciencia ecológica,
pelo amor, pelo respeito, pela admiração e pelo conhecimento do ecosssitema total do qual fazemos parte; por uma
ética que assegure a sobrevivencia da espeécie humana com qualidade, dignidade e integridade” ( KORMONDY;
BROWN, 2002, p, 444).
5
milhões), onde uma em cada quatro vive na zona rural (52%), sem nenhum tipo de
saneamento básico (53%), sem água potável (48%), população negra (71%), sendo que
“os menores municípios com população de até 50 000 habitantes da Região Nordeste são
aqueles cujos resultados são mais desfavoráveis, apresentando uma média de
analfabetismo para população de 15 anos e mais de idade em torno de 28%”. (Fonte
IBGE, 20106), leva à reflexão sobre a qualidade de vida de populações quilombolas que
vivem/interagem no e com o bioma caatinga, considerando que qualidade de vida não é
um conceito com identico alcance para a população das diferentes regiões brasileiras e
dos diversos estratos socioambientais.
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Divulga estudos descritivos e análises de resultados de tabulações especiais de uma ou mais pesquisas, de autoria
Institucional. A série Estudos e pesquisas está subdividida em: Informação Demográfica e Socioeconômica, Informação
Econômica, Informação Geográfica e Documentação e Disseminação de Informações.
http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv54598.pdf. Acesso em 25 de maio de 2014.
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revelando, de forma surpreendente a riquíssima diversidade biológica (vegetal e animal)
da caatinga, riqueza essa amplamente reconhecida pelos povos tradicionais ali existentes
(indígenas, quilombolas), através do uso da fauna e flora da caatinga enquanto alimento,
remédio, construção etc. Esses recursos, para Santilli (2008), devem ser merecedores de
uma proteção legal mais eficaz aos conhecimentos, inovações e práticas dos
povos tradicionais, que incluem desde propriedades medicinais de espécies
animais (e vegetais) até técnicas de manejo de recursos naturais, métodos de caça
e pesca, conhecimentos sobre os diversos ecossitemas e até as próprias
categorizações e classificação de flora e fauna. (p. 168)
O reconhecimento legal dos saberes tradicionais, especificamente no que diz
respeito ao uso secular dos recursos naturais da caatinga, como condição para a
reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica das práticas utilizadas por
comundiades quilombolas que vivem nesse bioma, garantirá sua valorização enquanto
conhecimento que viabiliza metodologias sustentáveis que remetem a uma identidade
cultural (usos, costumes e tradições) coletivamente elaborada, reproduzida e
compartilhada.
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o contexto histórico da relação “enviesada” que o sistema político-econômico brasileiro
vem tendo com o semiárido, possibilita uma análise/reflexão mais crítica sobre o que de
fato interessa a esse artigo: a relação entre qualidade de vida e sustentabilidade de
populações quilombolas na caatinga. Assim, saber que:
7 Semiárido brasileiro – SAB (CONTI, I.L.; SCHROEDER, E.O. (Orgs.) CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO
BRASILEIRO: Autonomia e Protagonismo Social. Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul – FAURGS/REDEgenteSAN / Instituto Ambiental Brasil Sustentável – IABS / Agência Espanhola de Cooperação
Internacional para o Desenvolvimento – AECID / Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome - MDS /
Editora IABS, Brasília-DF, Brasil - 2013.)
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2.3. Populações tradicionais e a interface entre qualidade de vida e
sustentabilidade
A defesa da valorização das áreas rurais, ocupadas em grande parte por povos
tradicionais, principalmente indígenas e quilombolas, tem sido feitas por estudiosos de
ponta, entre os quais o pesquisador mexicano Víctor M. Toledo (2003, p. 173-174),
quando afirma que há necessidade de que seja reconhecida a importancia dessa população
pelos habitantes das áreas urbanas, as quais se expressam na seguinte assertiva:
Debe convertirse en un ser consciente de que los benefícios de los que disfruta:
oxígeno, agua, alimentos, materias primas, poaibilidades de recreación y
esparcimiento, se deben en buena medida a sus contrapartes rurales y naturales.
A transmissão de geração a geração dos saberes tradicionais acerca do uso e
preparo de plantas ou partes delas, conservando um vasto conhecimento acerca de
princípios ativos (para se fazer medicamentos, corantes, defensivos agrícolas, comésticos
etc.), coloca o Brasil entre os países megabiodiverso (juntamente com a China e a Índia)8,
o que lhe dá uma posição estratégica no cenário mundial nas mais diversas áreas
(Medicina/Farmaceutica, Agricultura/Alimentícia etc.), possibilitando maior visibilidade
8 Atualmente, fazem parte do grupo de megabiodiversos os seguintes países: África do Sul, Bolívia, Brasil, China,
Colômbia, Congo, Costa Rica, Equador, Filipinas, Índia, Indonésia, Madagascar, Malásia, México, Peru, Quênia e
Venezuela. Essas nações reúnem mais de 70% de toda a biodiversidade do planeta e representam 45% da população
mundial. (Fonte: Ministério do Meio Ambiente do Brasil. http://www.mma.gov.br/informma/item/5315-lucros-com-
biodiversidade-tem-que-ser-divididos-com-populacoes-tradicionais). Acesso em 25 de maio de 2014.
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da importancia dessas comunidades no contexto da sustentabilidade planetária. As
comunidades tradicionais são, portanto, exemplos vivos daquilo que Toledo (2003, p.
175-176) defende enquanto sociedade verdadeiramente democrática, na qual aja uma
economia ecológica, com “mercados alternativos, verdes e justos”, onde o “trabalho
coletivo tem a ver com a sustentabilidade da autonomia dos territórios e o fortalecimento
dos laços afetivos entre familiares, vizinhos e vizinhas, comadres e compadres”
(Relatório-MDA, 2013, p. 22).
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Ainda considerando as contradições existentes no que se refere às questões
relacionadas à sustentabilidade e qualidade de vida na caatinga, especificamente das
comunidades quilombolas, considerando-se também as discussões, ainda incipientes, no
que se refere a convivencia com o semiárido9 por parte da população ali residente, Leff
(2009), provoca a necessária reflexão desses conceitos quando trás a concepção de
racionalidade ambiental fundamentando-se na concepção do ambiente enquanto potencial
produtivo e sistemico, em um processo de articulação entre recursos naturais, processos
de transformação e produtividade sociocultural das comunidades envolvidas, no qual o
autor ressalta que
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A relação qualidade de vida-sustentabilidade evidencia-se na acertiva de Sachs
(2010, p. 28) quando ressalta a importancia da população rural em serem “capazes de
fazer serviços ambientais essenciais”, e de serem “os guardiões das paisagens”, bem como
administrarem “os recursos de que depende nossa existência – solos, águas, florestas e,
por extensão, climas”, evidenciando a incoerência conceitual de se trabalhar com o
conceito de qualidade de vida apenas no contexto urbano, e de desassocia-lo ao conceito
de sustentabilidade.
3. Algumas considerações
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societária: manejo dos recursos naturais, realização de serviços ambientais, preservação
de manaciais ecossitemicos, transmissão e proteção dos bens imateriais (saberes
tradicionais/populares).
REFERENCIAS
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MARTINS, Josemar da Silva ; LIMA, Aurilene Rodrigues. Educação com o Pé no Chão
do Sertão – Proposta Político-pedagógica para as Escolas Municipais de Curaçá.
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PELEGRINI, Sandra C. A. A gestão do património imaterial brasileiro na
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2010.
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ladrilhar?: Biodiversidade – como, para que e por que? / IEB / BENSUSAN, Nurit (Org.)
2ª ed. – São Paulo: Peirópolis; Brasília, DF: Editora da Universidade de Brasília, 2008,
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TOLEDO, Victor Manuel e BARRERA-BASSOLS; Narciso. A etnoecologia: uma
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Ambiente, n. 20, p. 31-45, jul./dez. 2009. Editora UFPR.
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