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Humberto Mauro 0 documentario' Sheila Schvarzman H umberto Mauro nao passou & histéria do cinema brasileiro como um documentarista, embora tenha feito centenas de filmes curtos. Na verdade, sua trajetéria e 0 seu envolvimento paulatino com o género explicam a prépria evolucio ¢ as tensées da aceita- gio do filme documental no Brasil desde meados dos anos 1920 ea opgio oficial pelos filmes educativos nos anos 1930 até a ple- nitude do documentirio a partir dos anos 1950. Posado x natural Na primeira fase de sua carreira, em Cataguases (MG), a partir de 1926, Mauro faz filmes “posados” e partilha com o grupo de Cinearte, a revista de cinema carioca dirigida por Adhemar Gon- zaga, o reptidio ao filme “natural”, tido entao exclusivamente como “cavacio”, uma atividade que estaria nos ant{podas do ver- dadeiro cinema — o ficcional, encenado com atores, sob condigoes técnicas seguras, seguindo um roteiro preestabelecido e sem os are ranjos e falcatruas de cinegrafistas ambulantes que caracterizavam Parte dos realizadores de naturais de entao. A “verdadeira arte” que Mauro e Gonzai v ji opunha ao trabalho daqueles que se detinham nas paisagen? ~ if capital federal e do interior do pafs - em busca do caine .. selvagem, do inexplorado — indios, quedas d’4gua, animals “ 1. Bate vezo foi realizado a pati dats 70 € as imagens do Brasil, Instituto de Partamento de Histéria, Unicamp, 2000. ga buscavam fazer se Mau- Humberto ¢ de doutoramento De- Filosofia ¢ Ciéncias Humanas, 262 poct zes ou cangaceiros — que agucavam a curiosidade das Platéias up. banas, apresentando imagens de um pats distante da Civilizacio ¢ da modernidade que o posado buscava enfocar em seus enredos Evidentemente, o julgamento parcial sobre esses trabalhos docu. mentais variados encobriu a compreensao de obras significativas, Mas no era sé a onipresenga da paisagem, o “estribilho da nossa natureza”, conforme a critica de Mauro, que irritava os oposito- res do género, mas também a propaganda de politicos, que con- tribuia para desacreditar essa producao. Mauro, entretanto, péde experimentar como a cavacao nao funcionava apenas do lado dos cineastas. O diretor filmou a vi- sita do governador Anténio Carlos a Cataguases em 1929? na expectativa de receber subvengées do Estado para o seu Sangue mineiro (1929), mas nao recebeu um tostao sequer pelo trabalho € muito menos para o seu filme longo. Um ano antes ja havia feito Sinfonia de Cataguases (1928) inspirado no filme de Walter Ruttman,? por encomenda do prefeito. Entretanto, inseguro com a opiniéo de Adhemar Gonzaga, justificava seu deslize como parte da estratégia da produtora Phebo para se fazer conhecida e conseguir dinheiro.4 Portanto, no inicio de sua carreira, o filme nio-ficcional € um pecadilho que Mauro comete mais por necessidade do que por conviccao. Mas nao desgosta da experiéncia € chega a co- mentar com Gonzaga que essa atividade nao seria de todo con- s, seria em 1930 0 candi- ‘Mauro conmava je empréstimo 2. Antonio Carlos, 0 governador de Minas Gerai dato natural & sucessio do paulista Washington Luts, ¢ com a ajuda do provivel presidente para obrer um grand com financiamento a juros Soren Berlim, sinfonia de uma metrépole (1927). Hate a vesgion deses lines. Sinfonia de Gata a mentdrio sobre a cidade, e pela data, é-anterior & Sa ee no filme tuna metripole (Adalberto Kemeny, 1929), também insPi de Ruttman. fake HUMBERTO M44 MALRO Eo ne cues TAM 263 denivel servindo para reunir com maior facilid, cessdtio para 0 filme de enredo. Ponderacio q an aceitar poucos anos depois, a fim de mante Cinédia - funcionamento. Entretanto, s¢ examinarmos a obra ficcional de Cataguases entre 1925 € 1929 ¢ na Cinédia no Rio de Janeiro a Partir de 1930, € nitido em Mauro um olhar documental que se detém deliberadamente na descri¢ao das paisagens, das habitacdes, dos gestos humanos, do funcionamento de maquindrios e formas de trabalho, tratamento muito claro em filmes como Brasa dormida (1928), Sangue mineiro (1929), Ldbios sem beijos (1930) e Ganga bruta (1933). Em Mauro, desde os primeiros filmes, a camera funciona como um instrumento de desvendamento do teal. Como aponta Eric Rohmer, cineasta ¢ discipulo do critico André Bazin: “Tenho a sensagao que é muito dificil apresentar a realidade tal qual ¢, e que a realidade tal como é, € sempre e ser4 mais bonita que no meu filme. Ao mesmo tempo, somente o ci- lade © dinheiro ue Gonzaga terg T seu estudio ~ a nema pode dar a visdo dessa realidade tal como é: 0 olho nao consegue”.> Na ficgo de Mauro, o documentarista j4 se manifestava. E aqui vale lembrar também do filme carnavalesco Voz do carnaval (1933), rodado nas ruas do Rio de Janeiro e criticado por seu ex- tremo realismo, conforme se pode ver por telegrama recebido por Roquette-Pinto, entdo responsavel pela censura:“ Embora convencidos nao caber vosséncia responsabilidade filme Cinédia haver escapado censura protestamos contra cenas passadas tela Odeon mostrando gentis senhoritas vestidas maillot atitude constrangedora como também campanha derrotista contra Lloyd Brasileiro e aspectos folides dormindo pela avenida como estives- Pa 5 Eric Rohmer, Ensaio sobre a nogito de profundidade na musica: Mozart em Beethoven, p. 55, 264 DOCUMENTARIO NO BRASIL sem embriagados causando tudo isso péssimo efeito espitito es. trangeiros nos visitam — assinado Joaquim Rodrigues”. Além disso, a necessidade de sobrevivéncia dos INCipientes esttidios, como a Cinédia, faz que a antiga tejcicao ao filme ndo-ficcional seja deixada de lado. Os incentivos 4 exibicio de filmes curtos de cardter educativo, previstos pelo decteto 21.240 de 1932, tornam essa produgao atraente ¢ de exibigao certa, © filme natural deve passar entio pelo verniz educativo. Em 1932, Mauro vai realizar na Cinédia Como se faz, um jor- nal moderno, o primeiro filme curto sonoro realizado no Brasil,” ¢ A ameba,’ filme cientifico para o Museu Nacional, Enquadrando o filme natural: a censura e o cinema educativo A edigao do decreto 21.240, em 1932, marca uma inflexio na atividade cinematogréfica brasileira e do cinema documental em especial: incentiva-se a exibicao de filmes educativos, a cen- sura, antes local e policial, é unificada e sao criados mecanismos de incentivo 4 produgao cinematogrdfica com a redugao das ta- xas alfandegérias sobre o filme virgem. Desde o seu surgimento no Brasil, 0 cinema chamou a atengao de intelectuais, pol{ticos, religiosos, militares, médicos e educadores. Podemos arrolar um sem-ntimero de opinides cuja ténica é, por um lado, o fascinio absoluto por este ins mento moderno, capaz de ver e aproximar 0 desconhecido, © ABL, S/i 6. Telegrama de 7 de marco de 1933. Arquivo Roquette-Pinto, 7. Segundo Hernani Heffner, Maiotes ¢ Melhores: da Ci 8. Quando o filme é referido em Cinearte, aparece come TE einai nédia”’ sem especificar 0 seu diretor, Ver n. 361 © 360 Tt, que ¢ Heffner, Notas sobre 0 descobrimento do Brash P.1% Fado com pesquisador da Cinédia, afirma que Roquette ficara oP “Ameba, ditigido por Mauro para a Cinédia em 1992 Se HUMBERTO MAURO EO DOCUMENTARIO 265 salquer ¢ perceba, para ° bem ou para lo qu aro Ia 1 possibilidade des: lane © que niio se espera que mostre, gerando dat mos fundos de ordem moral, sobretudo em telagio As \ coisa sem que sinand mal & do, justamente por yisada, temores pl jangas. a realidade, durante todo este perfodo, até 1932, quando se institui uma censura nacional, muitas das opinises externa- das sobre 0 cinema passam pelo viés da moral. O cinema é apreendido como um instrumento de muitas possibilidades, mas que € preciso dominar corretamente, sabiamente. Para tanto, impée-se, por um lado, a existéncia de algum tipo de controle que impega a divulgacao indiscriminada de mensa- gens, sejam elas perniciosas as criangas ou a imagem do pais, e, por outro lado, medidas que incentivem a produgio e exibi- gio de um “bom” cinema nacional, como pleiteavam, por exemplo, Adhemar Gonzaga ou intelectuais e educadores como Roquette-Pinto e Jonathas Serrano, favordveis & produ- gio nacional de filmes educativos como parte de uma estra- tégia de transformagio cultural e modernizagao de forma mas- siva que atingisse eficazmente os iletrados. Nessa mesma linha, em 1935 Gettilio Vargas dird que o cinema é “o livro das imagens luminosas”.2 Essas duas posturas: a preocupagio com a qualidade ¢ o teor dos filmes dados a ver ao ptblico — sobretudo criangas — e a necessidade de produzir obras adequadas, que aproveitassem o “bom” potencial do cinema, como insiste Canuto Mendes de Almeida,!° em que estivessem refletidos de maneita honesta, —— > Getilio Vargas, © cinema nacional como elemento de aproximagio 7 habitantes do pafs. Discurso pronunciado na manifestagio promovida 1p, Peles cinematografistas, em 25 de junho de 1934. bases gerais ‘Joaquim Canuto Mendes de Almeida, Cinema conta cinemas bases ger Para un esboco de organizacao do cinema educative no Brasil. 266 MENTARIO NO BRASIL moral e civica a realidade nacional, explicam ¢ reivindicagdes que une educadores ¢ meédicos lepii res de cinema nacional, estrangeiro ¢ represent tio da Educagao e Satide. A preocupagio com estas postur. id apareci mais antiga que localizamos sobre cinema educa livro Cinema escolar, de Venerando da C Distrito Federal, de 1916. O autor é uM entusias cinema como veiculo de aprendizagem, Apreensivo, pore © que era oferecido ao puiblico, Parte para a produgio ir a pedagégicas” filmadas com os Proprios alunos, em que trans emogées “puras e sas”. Iniciativas semelhantes 4 de Vencrani da Graga, que entende o cinema educativo como um cinema fei- to na escola, para a escola e sobre a escola, Parecem ter se repeti- do também em Sao Paulo a partir de 1931,!! 4 Na public ; UIVO no. Bras; 1TAGAY INSpetor ¢ AGO, Portanto, pelas incipientes agdes de producio de filmes educativos que vao se realizando — com Venerando da Graga ou no Departamento de Instrugio de Sao Paulo, em 1931 - percebemos que o viés da censura reclamado por educadores ¢ intelectuais est4 associado a criagao do que vird a ser o cinema educativo nacional. Poderfamos dizer que de inicio surge quae como uma industria de substituigao: a falta de um determinado produto, cabe fabric4-lo segundo as especificagées dos interes sados. a Além disso, nesse mesmo decreto que nacinnele © governo provisério vai também i ie “ re so e aos produtores de filmes brasileiros”. O que exP jungao de interesses? J s 50: cultura elo Trabalho elt 11. Maria Antonieta Antonacci, (coord) 1930. Revisit nova e cinema educativo nos anos 1920-1? ; 10, dez. 1993. opin PE 12. E. Roquette-Pinto, O cinema ¢ 0 governos gd 920 os produtores cinematogra- deo final dos anos de 1920 os 5 8 Des’ ficos brasileiro: to de sua ativi . ional placni A oe definir como seria o cinema nacional a que aspiravam. Ao fini tudo de! ae waalioe ditos de cavagio. Produtores como Adhemar ae vereditavam que Ls lessee lanes que mostravam in- dios ou o interior primitivo denegriam a verdadeira imagem do Brasil, que seria moderna, desenvolvida e urbana. Adhemar Gonzaga estava no centro de um grupo de direto- res que, de pontos diferentes do pais, vinham realizando um in- cipiente, mas bem aceito, cinema regional, e buscavam reconhe- cimento de sua atividade — sobretudo, 0 espago de exibicdo nos cinemas, controlado inteiramente pela produgao e influéncia das inham tentando nfo sé conseguir © reconheci- Ss VI a : : dade perante 0 publico ¢ o Estado, mas sobre- iviam mal com a ininterrupta ¢ lucrativa atividade companhias estrangeiras, j4 nessa época em sua maioria america- nas. Assim, discutia-se a natureza da propria industria cinemato- grdfica brasileira a surgir: se deveria se dedicar aos filmes natu- tais, feitos em sua maioria pelos cavadores, ou aos posados, filmes de enredo, realizados pelo segundo grupo. Participantes ativos dessa discusséo, educadores intelectuais querem aprovei- ‘aro cinema como instrumento de modernizagio, controlando 4s mensagens veiculadas e, na falta delas, produzindo aquilo que entendiam, deveria ser visto. Interessava aos produtores criar mecanismos que incentivas- Sem a exibicio de filmes e facilidades de produgio, como o bara- tae custo do filme virgem, sobre o qual incidiam pesadas Importacio. Em compensacao, como se viam também os representantes da nacionalidade — porque entre ramen fe eva muitos imigrantes — interessava a estes 0 depu- ‘om cinema nacional, eliminando as cavagées. E portanto, pelo viés da classificagao da qualidade ¢ dos Propésitos gi _— ; Positos sinceramente nacionais que deveriam pautar as produ- QOH DOCUMPSTAIIG HO BiCsSIL bes brasileivas que se pode entender a jungio de dey incentive de produtores com a demanda de Censura, poe tem o seu papel a censura cultural, Ela é que vai de que F Iquer filme, e sobr dara chancel cxibigao a qualquer filme, e sobretudo aos Curtas-mey a io produzidos para exibi bri en agens I 1} para 21640 obrigatéria cm t : : U papel coma antropdlogo Edgard Roquette-Pinto (futuro diretor do Nacional de Cinema Educativo), na medida em que nes acredita ele, ¢ acreditam os educadores, se poderia part forma mais ativa da sclegio do que era apresentado aos by influindo pelo mecanismo o mais moderno em sua formacio ¢ re generagio. O “sancamento” da nago justificava que interviessem, O incentivo 4 produgio ¢ exibigdo obrigatéria de filmes cur. tos ficava vinculado ao seu cardter educativo, cuja atribuigio de- pendia da avaliagio da Comissio de Censura:“Serao considerados educativos, a jufzo da Comissao, nao sé filmes que tenham por objetivo intencional divulgar conhecimentos cientificos, como rE bay Nacig. ‘odo 4 Censor » que se territério 1 cional. [af que encontra o 5 Institut, Se Papel, icipar de rasilciros, aqueles cujo entrecho musical ou figurado se desenvolver em torno de motivos artisticos tendentes a revelar ao piiblico os grandes aspectos da natureza ou da cultura”.!3 Por estes mecanismos postos em ago pelo decreto 21.240, pode-se perceber 0 desejo deliberado de controlar are produgao filmica nacional, ao mesmo tempo em que s40 — dos incentivos & produgio em geral. Entretanto, 0 mesme : a neficio to, ao baixar o custo da importagio dos filmes, benefi : nando a. realizagt : sileiros: dutores brasiler” ‘a devido ae fe ° ar com 4" Favela ds" aim portagéo de filmes estrangeiros, tor naturais a tinica safda plausfvel para os prod Mauro, nesse momento fora da Cinédi i de Ganga bruta (1931-1932), passa 2 ctraba hi Santos na Brasil Vita Filmes. E 14 que val © liza pbwco™ 932. Revista Nacional de 3. Decreto n. 21,240 de 4 de abril de | ano I, n. 1, out, de 1932, p. 12. HUMBERTO MAURO E © DOCL NTARIO. 269 5) € quatro filmes curtos educativos: As sete mara- mores 00 ke Janeiro, Inauguracao da VII Feira Internacional pilhas © si Cidade do Rio de Janeiro e General Osério, em de ae II, em 1935. Com o fracasso de Cidade mulher, 4 1934, ‘ otro longa-metragem, 0 diretor est4 desempregado. ie novo trabalho no Instituto Nacional de Cinema Educativo (Ince), orgao criado pelo Ministério de Educagio ¢ Savide em margo de 1936. O cinema educativo Apesar do incentivo & produgio privada de filmes educati- vos através do decreto 21.240 de 1932, em 1936 0 Estado pas- sa a produzir diretamente os filmes que julga necessdrios para suas platéias: transferia a si a atividade desordenada dos cavado- res, mesmo que o trabalho desses persistisse. Quando chama a si essa atividade, 0 novo Estado que se solidificava desde 1930 reconhece as virtualidades e a necessidade de utilizar e controlar 0 cinema como veiculo de massa, de propaganda e educagao. Constitui-se assim, ainda que de forma precdria, um estudio de filmagem, revelacio, montagem e sonorizagio de filmes. O Ministério da Educagio e Satide se utiliza desse potencial: sao re- gistradas as atividades do Ministério na satide publica, em en- contros e demonstracées cfvicas, ou na comemoragio das efemé- tides nacionais, embora a produc do Ince se distancie bastante da propaganda pura e simples, como € nitido nos filmes do De- Partamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Como jé dissemos, na constituigao da carreira de Mauro co- ™o documentarista, vemos se desenvolver as transformagées do ci- Rema no-ficcional brasileiro durante esse periodo. E se isso vale Va. Tea : '4. Todos esses filmes da produtora de Carmen Santos foram perdidos num incéndio, 270) DOCUMENTARIO NO BRASIL de forma exemplar para a carreira de Maur tores e técnicos que procuraram Persistir no les oriundos da cavacao, serdo empregados nesse mo MO aaue, ganismos estatais que produziam filmes, como 9 a Por op, : er o1 . de Documentagao do Ministério da Agricultura,!5 Seng , mui _ EHS Outros 4 Cinema, mesg," Desta forma, se Mauro comega sua carreira ne do cinema documental, como era feito nos anos Rae ° valor da década de 1930, com as dificuldades das produ a a ea adere ao projeto educativo sob controle do Estado, Gh au a Roquerte-Pinto, transformar em cinema aspiragdes € 4 vacionistas que buscavam modelar um Povo tido como infor, A partir de entao, a carreira de Mauro no cinema educatiy vai se consolidar — ainda que, quando posstvel, procure realizar filmes longos: em 1937 filma O descobrimento do Brasil para 9 Instituto do Cacau da Bahia (com a colaboracao do Ince), em 1940, Argila, e, em 1952, Canto da saudade, em que 0 idedtio, a estrutura e os técnicos do Ince sao fundamentais para a sua real- zagao. Portanto, a carreira de Mauro torna-se indissocidvel de sua atividade como documentarista. Natureza do cinema educativo e suas transformac¢des , ios, O surgimento do cinema educativo no Brasil, a e de tentar controlar as imagens 4 do ess a realidade, instrumentalizan ue vi ciais, econdmicas © socials q detinham 0 por not é um processo n° Fine ncialidades, s¢) vem da necessidad duziam sobre o pais e su: imagens para as mudancas so riam, dirigidas por aqueles que definiriam a sua diregdo. Esse na nema, e esta inscrito em suas pote! hha, No temp? ia no da manivelt- 15. A este respeito ver Jurandyr Norom! tura consciente de filmes educativos ou de ‘la, 1550 ja é visivel nos filmes soviéticos dos anos “39s anos de 1930, com o fim do liberalismo em 920, € ne paises ocidentais, 0 formato se consolida na grande par lemanka, e também em paises como o Brasil. an nos paises europeus, commis iminéncia da guerra, cativo foi sendo absorvido pela propaganda, seja do nacionalismo contido nos filmes, em que o aga na Fei o cinema edu elo acirramento ae enone nreido pedagdgico confundia-se com a doutrinacao ideoldgi- col «a, seja pela absorcdo pura e simples pelos aparelhos de propa- ganda, como aconteceu com 0 Instituto Luce italiano, eliminan- do-se a preocupacao educativa. No Brasil, se houve essa tens4o muito clara, nos momentos em que Lourival Fontes tentou encampar o Ince ao DIP (entre 1939 e 1942), a encampacao nao chegou a se consolidar: 0 papel da educacio, vista pelo regime como “matéria de salvacao nacio- nal”, aliada as desconfiangas de Vargas em relacao as pretenses centralizadoras de Lourival Fontes, permitiram resguardar a au- tonomia do Ince. Além disso, Roquette-Pinto procurou demar- car nos filmes as temdticas educativas (énfase nos filmes cienti- ficos ou técnicos) e a distancia da propaganda aberta do regime. No entanto, parte desse distanciamento deve ser tributado a Ma- uo pelas caracteristicas da encenagao, em que muitas vezes 2 ideologia péde ser subvertida pela imagem. Os filmes de Humberto Mauro no Ince M. : 416 7 “uro realizou 357 filmes no Ince entre 1936 ¢ 1964. e . . woe Material, pode-se notar com clareza dois momentos distintos. baa 6.¢ ; ‘los Roberto de Souza, Cuatélago de filmes producids pelo Ince, pV Ai foniefeeors ! mes dc atnidos dados de diferentes catdlogos eo livro de rombo de fi 10 Ince, Um primeiro periodo, que vai de 1936 arg 104 : Ne o Novo © a influtnes coincide basicamente con o 0 c we quette-Pinto na definigao das temiticas ena '™portincia g atribufa 4 educagao aliada ao cinema, Gragas aes fluéncia do diretor junto ao regime, sio rea Um segundo periodo, que vai de 1947, momento q sentadoria de Roquette-Pinto, até 1964, ano do Ultimo fin Ne A irohval . d 7 2 Projet, do cinema educativo vao se esgarcando e 0 diretor Pode exe Ter seu trabalho com maior autonomia. A perda Paulatina do ly antes ocupado pela institui¢ao é visivel pela diminuigio to & mero de filmes — so apenas 118 — ¢ a mudanca de enfase nas te maticas. Além disso, 0 cardter pedagégico vai sendo definitiya. mente substitufdo pela preocupagao documental, O primeiro Ince — 1936-1947 No periodo de Roquette-Pinto, quando sio realizados 239 filmes, os assuntos de cardter cientifico predominam sobre os de- mais. A “Divulgacao técnica e cientifica” (quarenta filmes), a “Pesquisa cientifica nacional” (32 filmes), ou filmes de cariter “Preventivo-sanitario” (23 filmes) totalizam 95 filmes, A ciénci permeia ainda temas como “Riquezas naturais do Brasil” (15 fil mes), em que a Vitéria Régia, 0 Joao de Barro, ou Peixes do Rio dt Janeiro sao descritos e exaltados em sua configuragao morlolég ca tinica. A recorréncia desses temas demonstra o empenho a a atualizacfo e modernizacio técnica ¢ cientifica, ae not basico quanto académico, procurando ressaltar a con —_ as descobertas dos cientistas brasileiros, as solug6es om le nhosas ou a excepcionalidade de espécies da flora ui" Monstrag6es da natureza variada e prodiga que ©" torio nacional, forma ° restr HUMBERTO MAURO E © DOCUMENTARIO 273 ea natureza € prédiga, os homens de quem se fala séo mente “Vultos” (12 filmes): os Bandeirantes, Os incon- Barao do Rio Branco, esctitores, miisicos, ou Pensadores fachado de Assis, Carlos Gomes e Euclides da Cunha, |tos, invariavelmente, dados como Tesponsdveis pela al ou territorial do pais. Mas: 5 invari’ fidentes Fino M Herdis cuto™ grandeza espiritu * «Cultura Popular e Folclore”, tomados sob um viés erudito, também se convertem em filmes (11). Um bom exemplo é Pon- teio (1941), no qual se mostra a apreensfo erudita de temas mu- sicais populares do Nordeste pelo maestro Heckel Tavares. A en- cenagio de Mauro nio poderia ser mais eloqiiente: 0 maestro aparece fumando cachimbo, trajando botas e bombacha, a obser- yar com aten¢Zo um violeiro com seu chinelo e seu chapéu de couro. Em seguida, Tavares transforma os sons da viola numa pauta e aparece agora vestido de fraque, regendo a orquestra, tendo como fundo monumental 0 érgio do palco da Escola Na- cional de Musica. A cultura popular de “raiz” se legitima pela apreensfo erudita. O pitoresco e o regional saem do foco local e ginham, na tradugao erudita, os foros de representagao nacional. A partir de 1945, Mauro comega a filmar as Brasilianas, com misicas do cancioneiro popular recolhidas por Villa-Lobos, mas af a aproximagao é de outra natureza. De Ganga bruta (1931-1932) a Alberto Nepomuceno (1950), feito apenas com imagens de nuvens e a musica do compositor, até Velha a fiar (1964), titmo, Paisagem natural e sons sao elementos indissocid- vels da fatura maureana. Se outros assuntos como a “Educagio Fisica” (ito filmes) também mobilizaram as cameras do Ince em sua primeira oi ay e niimero de filmes “Oficiais” 2 sega ID 40, € inetrompiae? aes = “ Departament de Imprensa € Props Pidos por determinagao do Dep: ganda de Lourival Fontes. 274 DOCUMENTARIO NO BRASIL Os filmes s40 pensados para 0 aprendizado, mas N30 come extensdo estruturada de um programa que as escolas Cumpriam og como material didatico ¢ pedagégico, € sim para uma audizncig maior, que variava de filme a filme, j4 que o Instituto Procuray suprir desde caréncias basicas de estudantes e analfabetos adultos até a documentacao da pesquisa de ponta. Nao raro eram Tealiag.. dos filmes “populares”, numa primeira versio em 16 mm para es. colas, mas destinados também “aos centros operarios, agremiacées esportivas ¢ sociedades culturais”,!7 posteriormente copiados em 35 mm para exibi¢ao nos cinemas, como complemento nacional; Dia da pétria, Ligao de taxidermia, Vacina contra raiva, O Desper. tar da redentora, Céu do Brasil, Os inconfidentes, Bandeirantes, ou os filmes propriamente educativos: Laboratério de fisica, Miisculos superficiais do corpo humano, Balangas, Alavancas, Morfogénse das bactérias, Museu Imperial de Petrdpolis, O Papel, Visitando Sio Paulo, Coreografia brasileira, entre outros. Nao se pode dizer, por- tanto, que seu cardter seja estritamente educativo. Vamos analisar a seguir alguns filmes exemplares das temati- cas mais significativas, observando nelas a forma de encenagio de Mauro, e€ suas preocupagoes recorrentes. Filmes oficiais Dia da pdtria mostra o desfile de 7 de setembro de 1936, praca Paris, com a presenga do presidente da Reptiblica ¢ ae dades. O desfile foi filmado em panoramicas ¢ planos en com a camera parada na lateral, mostrando a passage™ te o de soldados, da cavalaria, e os populares que assistem. 7 — Bistro genérico do evento, sem uma idéia preconcebida “ vast nacao, como se o objeto filmado — a parada militar ~ ° Ge nas Imagens reproduzidas conforme aconteciam- den” 17. Arquivo Gustavo “ c . 683/25 vembro de 1938, Ge 35.00.00/2, doe iAKio 275 A filmager™ feita com uma 86 camera restringe o registro de Angulos ~ © puiblico € 0 palanque, o publico € 0 des- nites : difer -riam ser, depois, montados de mais de um ponto aie pa de mai Jc vista criando sentidos novos que © artificio cinematografico de vistay Fula a tod FC izador. O ponto de vista da camera é 0 de um ctador postado na calgada: cla registra, mas nfo constréi o ecimento, recusando 0 contracampo, O presidente da Re- ca é uma figura distante, vista no palanque oficial com seu fraque € cartola, em meio a outras autoridades. A imagem nao mostra adesio do piblico. A camera € 0 publico séo espectado- res, A cimera, seguramente, um espectador indiferente. espe acont pili Ess antes de seu exemplo oposto mais extremo, os trabalhos de Leni Riefenstahl, como Triunfo da vontade, de 1935, em que a concepgao cinematografica do pré- prio acontecimento era parte de sua organizacao, ¢ o lugar das cameras rigorosamente previsto ¢ pensado em conjungao com os movimentos realizados por aqueles que desfilavam. O grande en- contro do Partido Nazista que Riefenstahl documenta em Triun- ‘fo da vontade era j4 pensado como filme. Nada disso pode ser identificado nesses filmes que nos restaram do Ince. es registros esto muito dis O patriotismo ¢ a identificagio entre a nac4o ¢ o presidente, que deveria vir dessas grandes comemoragées, nao mobilizam Humberto Mauro, nem sugerem uma forma particular de ence- hago, como se pode ver nos filmes do DIP, cujas cenas de aber- tura fundiam o mapa ou a bandeira nacional com a imagem de Cettlio Vargas. Nesse sentido, podemos contrapor Cé do Brasil, de 1936, ontrdrio de Dia da patria, € ar a posigao mas filme de “ciéncias naturais” que, ao ¢ Muito mais vincado pela nogio de patria. ‘Ao mostrat *S estrelas no céu, se fala do lugar do Bra il no universo, ‘ambém de um s{mbolo nacional inscrito na bandeira, cuja 1ma- io acompanhada do Hino a Bandeira, encerra um filme cujo “ma central & a astronomia. tipo 40 Fecorrentes em muitos o stava ausente deste que era por d Manifes Manifestag litros coramente efi 5 triburar i 7 nj. 1. Podemos tributar isso, em Parte, & faliy conte filmes, 125 Go, 0 vou Suga . ou & pr 8 mas é cl: ; acho formal,!” mas € claro pelas image; alta de inibirig 0 MS de ue cdlogo, Jo do a anes menta : equiiparnent, > que apuro 04 elabor dispomos que Mauro nao est4 nas paradas como um id phtria estava em OuLro lugar. sn as reportagens oficiais, a produgao se Testringe as outras teméticas, cuja estruturagao obedecia quase sempre 2 mesg continuidade: os filmes tém um comego, um meio ¢ um fin ordem. A introdugio, 0 desenvolvimento € a condusig Sio ne velmente por misicas diferentes, em geral dis. pontuados in sicas, que marcam cada ctapa como, na musica, os movimentos, Os filmes se iniciam com uma narragao didatica de cunho histd- sico, ilustrada com imagens de mapas, gravuras, fotos alusivas aon temas € bustos, monumentos ou timulos dos personagens que introduziram aquilo de es por Roquette-Pinto, : inventores ou benfcitore A locugio € feita muitas vez cm paut que se num tom claro, mas técnico, A imagem ilustra o texto. O desen- volvimento do tema fica a cargo de Mauro. Na conclusio de muitos dos filmes a musica ¢ a narragio enunciam esperangas de aprendizado ¢ mudangas, com o qual vém rimar, muitas ized imagens de bandciras, nuvens radiosas, criangas que sorriem Mesmo num filme técnico, como O telégrafo, apsoveite- ; oportunidade para enfatizar mensagens patridticas. Esse ie mentario termina com uma imagem do aparelho em prime mo plano, de onde surgem uma a uma as letras que ve Pondo a mensagem: “© BRASIL ESPERA QUE CADA UM ° O SEU DEVERY”, 14, Segundo fo ros pt aed fe de Almeida Mauro, filho ¢ fordgrafo de Maton Stor nfo gostava de reportagens, em que eT acontecimey ‘ * entos. Conforme depoimento oral. 0, todos os filmes, todos en nto de Do pon! pgitariame nte 0 a 2 eM apreso, sem que a presenga «an pri ; foca™ P , do professor s faga notar, O maximo que se vé se 5 ou Gop - 1p teenie Jo ¢ os, 04 0 COLO da pessoa que conduz a demonstra- mios, brag jo m 0 se 10sto. jo, nunca 0 su F 1 Alavanca, a Balanga, 0 sapo ¢ seus O sujeito dos filmes é jwculos, que adquirem vida propria, auténoma em Miisculos misculo superfciais do P descoberta, mostram O desenho ou a foto do seu inventor. Aqui romem:, mesmo se os filmes contam a histéria da resto de quem faz o experimento ou a de- nio hd interesse no monstragio, mas 0 aporte cientifico ou tecnolégico em si. Se iso, por um lado reitera a interveng.io do artificio cinematogra- fico, por outro, provoca o efeito contrdrio. ‘Tudo emana da ima- gem, como se a filmagem seus responsiveis nao existissem. oO mundo da ciéncia se naturaliza uma vez mais por esse efeito de transparéncia criado pela Amer, Esse procedimento faz que os acontecimentos de natureza fi- aparegam dentro de sua propria sica, quimica, elétrica, bioldgi autonomia, como se a filmagem e os artificios da prépria ciéncia € 0s artificios cinematograficos, usados para colocar as agées em televo, desaparecessem ¢ se manifestassem naturalmente, como efetivamente ocorrem. A ciéncia é ali apenas uma manifestacio da natureza emanando de si mesma. Nesses cendrios, enfocados des Fs Ps , "a forma por Mauro, as coisas adquirem naturalidade. Como em muita . zs luitas das paisagens onde o homem nao aparece, ou aparece com 0 A . Ht — © um pequeno elemento a mais — 0 universo cientifico vai lostra - . trando: reacdes elétricas, espasmos musculares, alavancas We se moy, 5 ; Vish Movem, peixes que soltam descargas elétricas, tudo se faz 'sivel, Mas 0 arritis 7 a © artificio técnico que torna visivel 0 nao- isivel desapa- » SC ay : : teza, em aga. Ele existe durante a filmagem, para que a natu Stas manifestacées varias, possa finalmente surgir com 4 mesma naturalidade de uma queda de dgua. No eg i ; é Mauro acredita efetivamente que o cinema dé contg i : a 5 que representa: € um classico. Objeq, A natureza portentosa Ea ciéncia que confere valor & natureza Nos filmes do In O foco estd voltado para seus aspectos utilitdrios, esclarecedor., de qualidades excepcionais. Conhecida ¢ submetida pelo i. mem. Elemento de decifracao e caucao desse Patriménio, ~ Vitoria régia, de 1937, que exalta as caracteristicas do Organis. mo da planta “mais bem armada da flora Jatino-americana”, éum bom exemplo desse procedimento. O filme traga o seu historico cientifico: a descoberta por Humboldt, passando por Goethe ¢ sua teoria da reprodugao floral que a fisiologia da planta, segundo o filme, confirma. Imagens em primeiro plano de sua estrutura ¢ do funcionamento de tanques de hortos botinicos, que simulam zs condigées ambientais do habitat original da planta, mostram que © filme nao busca apenas exaltar sua beleza ou seu tamanho extraordindrio como patriménio da terra americana, mas sobret- do o interesse cientifico que j4 despertara fora do Brasil. Contem- plada a descricdo botdnica e o reconhecimento da riqueza do p* triménio nacional, o filme dedica-se 4 visio estética da flor de beleza e perfume extraordindrios. a Jona as técnica Para colocar esse aspecto em relevo, Mauro aciona ae de cinema cientifico de Jean Painlevé, que consistem base : No registro minucioso e decomposto de Ee _ deur extremamente rdpidos e imperceptiveis, como 0 estilhaga vidro, ou longos como o desabrochar de uma flor. " Pode-se perceber, nas técnicas desenvolvides Pegs per Painlevé, uma ligac¢do direta com as pesquisas dese = do mor Jules Marey, no final do século XIX. A decompo mento buscada pelo fisiologista num process va frane® om posisse ae” endo chega © nie quer chegat 40 Cnetin (pie cone & qu ie para seus inventares), ¢ clararnetite seers fundame! i egos UtiTiZaC sesenede pf0C8908 io yh / cxperiénicias do fisiologista do sletilo HZ, desernete whe ntal Me los por Painlevé, que etn seus Hines “ a das imagens cin CAtnera lenita, Silene enn vheridhade das my mat maior, o que permite docurmentar devabhiadarietite pevignenes cuja rapidez 0 olho humane nao pode captar, ou, 40 capahee, la impressiio lenta, aliada 4 tiontayern acelerada, ores reine pel sos muito demorados ¢ da mesma forma dificilinente viskveis, resultado, nesse caso, € que pelo mecanistia ef npn cria-se a impressao virtual do desabrochar da flor. O filme se encerra com “a eclosao da flor”. Vortante, 2 tagao da beleza da mais significativa flor nacional ~ “gidria das florestas do Brasil” — é indissocidvel das técnicas cirier cas que o Ince manejava ¢ colocava 4 disposigéo dos ci Mauro vai se utilizar dessas técnicas nfo +6 no cinema cien- fico, mas também cm suas paisagens, em que o registro dos movimentos da natureza — das nuvens, do vento sobre a sio — ganham cm duragio ¢ intensidade, criando o efeito de be- leza particular que seus filmes dessas tematicas contém. Ou sej2 © Mauro Ifrico ¢ rural de Azuléio, de 1948, deve muito ao Mauro que filma a ciéncia. Lagoa Santa, de 1940, & dedicado ao naturalista dinamar- qués Peter Lund, que em meados do século passado liderou a ex- ploragéo de oitocentas cavernas calcdrias em Minas Gerais. Na Lapa do Sumidouro descobriu 0 cranio do Homem da Lagoa Santa, considerado ent americano, fio 0 mais antigo ancestral do homem » que se abre ros ¢ tons dentro do filme, que s¢ abr “um sdbio romanuce - HA intimeros regi com a canca i ™ 4 cangio popular preferida de Lund, 19. Stuane Dal, Stvana Dobal, Etienne-fules Marey, ou de como ¥6o de um passaro abti ro para a invengio do einem a pulsagio do corpo ¢° a. am caminh 280 DOCUMENTARIO NO BRASIL Ao ilustrar a musica com aspectos das Tegides Petcortid Lund, Mauro produziu sua primeira Brasiliang20 ae | Por drvores, rochas, um lago com a Paisagem refletid, ttre, vando roupa e meninos pescando, o casario, pastando, um carro de bois. O tom das im: acompanhando a toada da cancao. A biografia de Lund, na} ¢4o de Roquette-Pinto, interrompe a observacio me dita locy. paisagem. O retrato tirado de livro e imag. Iva da ger : ens do Monument, funerdrio compoem o personagem histérico, A seguir, a camera se detém em Panoramicas e planos gerais sobre exteriores de varias cavernas, até penetrar no seu interior, 4 imagem composta por Mauro é sintomatica: vista de dentro para fora, a abertura da caverna tem uma semelhanga que nada leva a supor ocasional com o érgao sexual feminino. Na caverna, em meio ao magma fecundo, estio as estalactites e estalagmites, As imagens escultéricas sombreadas, que fazem pensar na imagem arquetipica ameacadora de uma vagina dentada, conduzem o es- pectador a uma viagem no tempo € no espaco: na imaginacio das origens. As sombras vo sendo iluminadas por pequenos fa- chos de luz, cujo progressivo aparecimento é cadenciado pela musica de Prokofieff ¢ fogos de artificio levados por varios figu- rantes. A cena torna-se cada vez mais luminosa e movimentads, até se encerrar subitamente, apés o climax marcado pela misica. Nesses poucos minutos, Mauro impée a0 filme um a mento ¢ idéias que parecem pertencer eee “ que retira o filme do seu registro especificamente ¢ ae informativo. A idéia que as imagens aes : seus de Roquette-Pinto é a de uma cépula entre ¢ mrabali oe sombra. Desde o infcio de sua carreira, Mauro (® iJeiras recolhidss eat bras ai partic de ivo e/ou ment le 10" 20. Pequenos filmes sobre cangées popular | la-Lobos ¢ Mario de Andrade, realizadas Pequenina. HUMBERTO MAURO E ® £0 bocumE CUMENTARIO 2g yr 1 que aqui acopla a idéia de criagao do unive Paar Tso. O o primeiro homem, ja nao é ap homem enas um fossil, ‘a Matureza ¢ do ‘Ma partir de um tismo da Lagoa Santa, éria viva, irrup¢ao, nascimento da Propri mas maté : prSpri° homem, ou antes, surgimento do home encontro entre luz e treva. Dessa alegoria extremamente inventiva — e especificament: cinematografica —, que arrebata do interior da terra 0 moments primeiro, a partir de um artificio de iluminagao da caverna, pas- samos & imagem do cranio do homem da Lagoa Santa e fésseis em primeirissimo plano, para que Roquette-Pinto explique suas caracteristicas. A fachada e a sala do Museu Nacional dedicada ao paleontdlogo encerram o filme. La esto devidamente deposi- tados e monumentalizados os sinais da origem. Poucas imagens sintetizam tao bem os registros e imagindrios diversos de Mauro e Roquette-Pinto como as alternancias de tom, de tratamento e de preocupagées que se observam nesse filme. As imagens interditadas ou proibidas Se o céu, a planta e o fossil sao alegorias da nagao e sio enfo- cados em primeiro plano, hd, contudo, dominios em que 2 ima- gem estava interditada: as doengas ¢ sua prevencao, outra das preocupacées do Ince e do préprio Ministério da Educagao ¢ Satide, O controle sobre o corpo era fundamental. Era necessirio fortalecé-lo, livré-lo de endemias causadas pela propria nacurez3, como a febre amarela, ou controlar doengas milenares, como 2 lepra, que faziam da satide publica nacional um problema con creto e premente. Nestes filmes o cardter eugenico associado s controles de satide piiblica e mental, que preocupayam neat wo Pinto ¢ 0 préprio Estado, sio particularmente —— Mesmo tempo omitidos, como se na objetiva estiv “ elementos lados, Aqui se inverte o enfoque particularizado a ee a excepcionais da natureza. Como num bindculo in jetiva se distancia da visio do obj eine a objetiva se Teto, Mesa fazer todos os estorgos parr mostni-lo, dy gartece a : . Kebre amarela oe bela Pundacig Ra ecall laboratorio: enqua panes Jer (L988) focaliza ut lab HAN 6 locutor flag bre amarela nao come una doenga — nao saberemos , os COMI 4 manifesta, os cuidadlos necessitios — veremos os Mosquitos te engaiolidos ¢ iN AS SAS © pats acy, ba compondo unr bale visual, Essa imagem conduz ponsiveis pelo mal devidamente classiticados, anados a al proximidade que o balangar de su, 4 OUuttas do testo tipo em que se ve a manipulagio tmictosedpica do ov dos insetos, tomados de tal forma, e com tal simettia, que o resultado na imagem é novamente surpreendente. O inseto au sudor da febre amarela dissolveu-se em pura forma, Aqui, Mauro dd mostras de se encantar com esse universo onde ve formas © contornos que s6 a lente da cimera revels Nessa filmagem, o ditetor usou a microcinematogratia de Jean Painlevé, filmando com lentes ‘speciais ¢ sobretudo aumentan- do a velocidade usual de impressio do filme, o que Ihe permite “ptr movimentos de que a percepgao ocular normal nao é ca paz. Dessa forma, os movimentos imperceptiveis dos insets adquitem vi bilidade inusual, que lhes confere beleza inusita- da. Esse cnvolvimento acentuado com as imagens do proces? de fabricagio da va combatendo, A nao m 5 = se esti Cina supera a preocupacao com o que s¢ ¢ la . conte! doenga desaparece, e a vacina passa a con S de forma negativa, pois a prevengao aspira a de imedmoda da doenga, convertendo-a em possibilidade de minio sobre mal, Combate S, CoOMo no filme me, We mostra a tetio da Educa doenga desde sex hospitals O tile inua invisivel. © anterior, a doencs inua invis i Nterior, a doenga conti do Mini histori * Isso. in 4 lepra no Brasil penetra no interior dos 440 do Servigo de Combate & Lepr © ¢ Satide em varios pontos do mi aparecimento no pafs, no século XVI HUMBERTO MAURO EO DOCUMENTARIO 283 0, no da a moléstia maior visibilidade. © foco S40 os edi gant, na a + + . 7 os do leprosdrio, os profissionais e os €quipamentos. Uma cq ver se Ve um. doente sendo examinado, mesmo assim, de trel fici uni forma rpida € sutil. (Qs doentes nao tém rosto ou identidade. O que interessa fo- calizar € 0 gesto € 0 olhar do especialista, j4 que o filme nao ensi- na ao espectador como ele mesmo poderia identificar os sinais da enfermidade. A auséncia de qualquer indicagio normativa deixa caro que a reportagem € uma demonstragao do cuidado do go- yerno em relacdo aos necessitados, de quem se ocupava com todos os recursos disponiveis. Nesse filme a preocupagao com a satide publica e mental, isolando do corpo social os doentes, é singular: o filme explica que pela Constituicao brasileira os leprosos podiam se casar, e com isso constituir prole. O resultado dessa prole era responsabi- lidade do Estado: se a crianga fosse saudavel era devidamente se- parada dos pais e levada para asilos que dela se ocupavam. Irmas de caridade velam por pavilhdes onde os bebés sao devidamente preservados da heranga negativa portada por seus pais. O Estado garantia o fortalecimento da raga: ocupava-se do bebé até a sua maioridade, quando, depois de aprender algum oficio, podia dei- Xar as instituigdes. Mostra-se ao ptiblico o que o governo faz por seus desvali- dos. Nao se ensina a cada cidadao, ou melhor, a cada espectador, Como se prevenir ou como reconhecer-se doente. Enumeram-se °8 servigos de acordo com o grau da necessidade, 0 ntimero de Pessoas atendidas, O leigo é tomado por incapaz de identificar a doenca, P i jimpa, as- O resultado final desse tratamento é uma imagem limp: a i e das “Ptica, redobrada pelo branco constante dos ambien a X i; im aes dos profissionais, o que acaba produzindo també: on éj so A jue re ° “8 de distancia, Distancia do filme em relagao 20 4 MENTARIO espectador em ae a doenga. Ela esté em outro em se ocupe dela. e, entretanto, que hé uma preocupagio ¢ um tes. sito em nao tomar as pessoas ae Perto, mostrando deformida. a Mas essa auséncia da dor da Be filme uma irrealidade Tecon- fortante. A imagem mente, mas é€ caer dos mitos que essa assepsia forografica encobre: a separagao nitida e asseguradora entre o mundo dos saos e dos enfermos, 0 que sé revela 0 estigma da doenga, 0 paternalismo do Estado, e sobretudo a descrenga na capacidade do espectador de contribuir para seu 0 combate, Essa postura, que nao reconhece no ptiblico um interlocutor capaz de agir pensar, parece indicar a descrenga total na sua capacidade de apreensio, algo contraditério com as posturas de um cinema que se quer educativo. Ao contrario disso, o filme é a aco e o cuidado sao prerrogativas de esclarecidos distincia do lugar, ¢ hd qu E evident intransitive a quem os necessitados devem apelar. O tinico sujeito do filme é o especialista respaldado pelo Estado provedor e onisciente, que domina a incerteza e se ocupa inclusive das novas gera¢Ges, que a irresponsabilidade dos doentes tenderia a perpetuar. Como se pode ver, nesse pais excepcional, o povo nio existe. A imagem se detém apenas em especialistas e sdbios. A natureza ea ciéncia se impdem sobre um corpo social sem representagio. Quanto & histéria, existe como berco de herdis que dao consis: téncia a nagao. E apenas de herdis mortos que os filmes tratam. Os herdis da nacado O despertar da redentora (1942), dedicado & Princes CO! 15, : . ts nsagra a visio caritativa sobre a escraviddo, comum —__ 21, 0s Inacio Melo Souza tem observagées bastante semelh a le filmes de sate puiblica realizados pelo bib. Ver Ago ¢ imagine A ica? ditadura: cont jos de comm di role, coergaéo e propaganda polttica nos mel twrante o Estado Novo, p, 421-422. a Isabel, no pe HUMBERTO MAURO EO DOCUMENTA My ahs siodos agregando a redencao um despertar, M 4 aurora do conto em que se bas arrativa, institui a origem pata a agéo que se configura em 1888: a Abolicio é ° ermpriment0 de um pacto entre Isabel ¢ Deus ocortido em 1862 - quando a princesa tinha 16 anos ~ destinado a por fim aquela “coisa horrorosa que era a escravidio. Como Jesus ¢ Moisés, ela € escolhida pela providéncia. aria Kugenia Celso, essa ni; Isabel ¢ a irma Leopodina vao ao bosque fazer um P L4 observam a natureza: Isabel mostra para a irma a re: asseio, io de uma planta carnfvora que se fecha ao toque de um graveto, Em seu passeio, as princesas nao se detém na beleza das flores, como seria natural em mogcas. Isabel é caracterizada como uma obser- yvadora atenta da natureza e suas caracter{sticas excepcionais, com as quais se maravilha. Em meio a essa expedicio, surge a cativa perdida, ¢ Isabel se enternece com sua triste histéria, contada por meio de insergdes em que vemos a sua fuga e a mae sendo vendi- da e separada da filha, histéria cantada por uma cangio de Heckel Tavares em tom lacrimoso, que exila os negros 4 condi- cao de piedade, exaltando o seu sofrimento, como se esse fosse resultado no de um sistema social implantado e vigente por s¢- culos, mas uma maldade com “aquela pobre gente” a quem so- mos tao devedores. Isabel espanta-se com o relato da fome e dos castigos, como Mas eis se na redoma em que vivesse a escravidao nfo existisse : que surge o feitor e a senhora que reclamam 4 moga desconheci- daa devolugao de sua propriedade. Sao interrompidos pela ama a filha de sua alteza d ; ; e Isabel que, arrogante, avisa que aquela era = 1 levé- ay Isabel intercede em favor da menina, que Pad Diante da recusa da proprietaria, a ama lembra-lh ¢ ve ea ‘just i > © pagard a senhora a in! sia Néa “justica personificada” ¢ pagard A ser “aS%0 devida, e que D. deni-

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