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A polêmica
acerca da
execução
da sentença
criminal
Da redação
N
o fim do mês de fevereiro deste ano, a Segunda Turma do Su-
premo Tribunal Federal concedeu habeas corpus coletivo (HC
143641) às gestantes e às mães de filhos com até 12 anos ou de
pessoas com deficiência que estivessem presas preventivamente, determi-
nando a substituição da prisão preventiva por domiciliar, sem prejuízo da
aplicação das medidas alternativas previstas no artigo 319 do Código de
Processo Penal, cuja redação foi dada pela Lei nº 12.403, de 2011.
A ação foi impetrada pelo Coletivo de Advogados de Direitos Huma-
nos (CADHu), sendo uma das advogadas a professora Eloísa Machado de
Almeida, da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas, também
coordenadora do projeto “Supremo em Pauta”, um programa criado com
o objetivo de analisar as principais decisões do STF e o impacto que elas
têm sobre a sociedade, a economia e a política brasileiras.
Em entrevista concedida ao UOL (Julgamentos excepcionais do Su-
premo agravaram a crise, diz pesquisadora – 20 dez. 2017), a professora
Eloísa afirmou que o Supremo “Não está funcionando como deveria. Os
Pierre Souto Maior defende a ideia de que “os recursos somente são processados
após o julgamento dos embargos. A prisão provisória, porém, pode ser questionada por
habeas corpus ou por recursos ordinários em HC”.
Fauzi Hassan Choukr declarou que o “trânsito em julgado é um conceito técnico
de domínio razoavelmente comum, e significa o esgotamento das vias recursais. Isso
não significa, em qualquer país que possua uma estrutura de devido processo legal, que
devam existir “embargos de embargos em agravo regimental contra decisão interlocu-
tória”, patologia muito típica do processo brasileiro e que tem suas raízes no defasado
sistema recursal e na inexistência de uma verdadeira oralidade de julgamento. Lem-
brando-se que oralidade não significa a verbalização de peças escritas”.
Para Rômulo Moreira, “é o que consta das nossas leis e da CF. Excepciona-se, por
óbvio, a possibilidade da decretação de uma prisão preventiva, hipótese em que o réu
aguardará o julgamento dos recursos na prisão”, explicou.
Carlo Velho Masi esclareceu que “os recursos de feição excepcional, especial e extra-
ordinário, possuem diversos requisitos legais e seus cabimentos são bastante restritos.
Toda legislação e jurisprudência acerca da admissibilidade desses recursos é direciona-
da a restringi-los ao máximo. Daí porque muitas ilegalidades gritantes só chegam aos
tribunais superiores em sede de habeas corpus. É necessário esgotar todas as instâncias
ordinárias para que um caso seja levado à apreciação do Superior Tribunal de Justiça
ou ao Supremo Tribunal Federal. A grande maioria dos processos nunca chegará a ser
apreciada por esses tribunais”, concluiu.
A partir destas últimas respostas as perguntas da Redação foram as seguintes:
Vanguarda Jurídica: Pode-se dizer que o próprio STF realizou julgamentos
excepcionais e, com isso, agravou a crise do sistema penitenciário, ocasionando as rebe-
liões e outras mazelas às quais a sociedade brasileira assiste?
Pierre Souto Maior: Não penso que a influência das decisões do STF chegue
a tanto. As dinâmicas internas do sistema carcerário têm pouca relação com as decisões
de juízes, mesmo dos que compõem os tribunais superiores. A não separação dos presos
provisórios dos condenados, o domínio político do cárcere por organizações criminosas
e o completo descumprimento da Lei de Execuções Penais por parte do Poder Executivo,
entre outros fatores, são bem mais relevantes para o funcionamento do sistema carcerá-
rio do que as decisões dos juízes. Edmundo Campos Coelho, na coletânea intitulada “A
Oficina do Diabo”, fornece um panorama histórico do descontrole do sistema prisional,
desde as décadas de 1960 e 1970, o que só vem se agravando mais recentemente”.
Carlo Velho Masi: O STF é uma corte política que julga casos jurídicos es-
pecíficos, com repercussão geral. Os reais responsáveis pela superlotação carcerária e
pelo aumento progressivo do número de presos no sistema carcerário são os juízes de
primeira instância, que decretam as prisões preventivas e mantêm os acusados presos
ao longo de toda a instrução processual. Afora isso, muitos dos presos em cumprimento
de pena, hoje, no país, estão em regime mais gravoso do que o necessário para os crimes
que cometeram. Não é apenas um problema legal, é muito mais um problema cultural.
Existe uma forte cultura de encarceramento no Brasil e esta vem progredindo nos úl-
timos anos, impulsionada que é pelos meios de comunicação, que afetam a sociedade.
Os juízes da atualidade enfrentam uma intensa pressão social por decisões que atendam
aos anseios coletivos. Aqueles que se rebelam contra essa situação e insistem em seguir
uma linha constitucional (por vezes rotulada como “alternativa” ou “garantista”) mui-
tas vezes acabam isolados e têm suas carreiras obstaculizadas. O STF agravou a crise
penitenciária (por ele próprio reconhecida no julgamento liminar da ADPF 347) ao
permitir a execução provisória da pena.
Fauzi Hassan Chouckr: Não creio que seja possível chegar a essa conclusão
nem atribuir ao STF problemas estruturais da execução penal que são de responsabili-
dade das esferas estaduais e de órgãos do Poder Executivo em muitos casos.
Rômulo Moreira: O STF em alguns casos não levou em consideração o prin-
cípio constitucional da presunção de inocência.
Vanguarda Jurídica: Seria o próprio Supremo o grande problema? Um tri-
bunal dividido ao julgar casos muito polêmicos, com maioria apertada e inconsistente,
não gera o descrédito na Justiça? Operadores do Direito têm postado em seus perfis
das redes sociais terem visto tantos absurdos que acabam se entristecendo, concluindo
que o Judiciário já não mais sequer segue o senso comum. Não seria uma situação de-
primente o condenado ter que primeiramente ser encarcerado para, somente depois,
discutir se a condenação estava realmente correta?
Pierre Souto Maior: Sem dúvida que as divergências, assim expostas de
forma tão contundente como ultimamente, fragilizam o tribunal. Em alguns países,
prefere-se apenas divulgar o resultado do julgamento, sem exposição do número de
votos que compuseram a maioria. No Brasil, temos visto votos nos quais ministros
passam longas horas lendo suas razões. Isso consome o tempo do tribunal, já asso-
berbado de processos. Claro que se poderia resolver facilmente, por exemplo, esti-
pulando um tempo limite para cada ministro votar. Por várias razões, não se trata
disso com a urgência devida. Hoje, me parece que o STF está numa encruzilhada:
sofre uma demanda extrema da sociedade e não consegue priorizar os assuntos mais
relevantes, até porque a judicialização leva praticamente todo assunto (relevantes ou
irrelevantes) para o tribunal.
Carlo Velho Masi: O Supremo tornou-se uma corte politizada. Os debates
jurídicos ficaram em segundo plano. O Brasil precisa novamente de uma Corte Cons-
titucional, e não de um sodalício que discuta a significância do furto de uma galinha
(HC 12.190), tipo de caso que só chega até a mais alta corte do país em razão de os
juízes e tribunais inferiores simplesmente não respeitarem a Constituição, decidindo
como bem entendem cada caso. Logo, o Supremo é apenas a ponta do problema. A
grande dificuldade hoje é que os magistrados cumpram a Constituição e interpretem
as leis sob a ótica constitucional. Ao Supremo só deveria competir o julgamento de
teses, não de casos concretos. É da natureza das decisões colegiadas que haja diver-
gências. Por outro lado, atualmente, o STF parece estar dividido em dois polos ver-
não fica suspenso. Sobrevindo uma condenação é possível que o HC perca seu objeto.
No STJ e STF isso não raro ocorre, uma vez que a demora é tanta que acabam ocorren-
do inclusive os julgamentos colegiados em segundo grau e, assim, o paciente iniciar o
cumprimento provisório de pena.
Fauzi Hassan Chouckr: Volto a minha primeira resposta uma vez mais.
Toda prisão cautelar que se torna “indeterminada” perde sua natureza própria e se
transforma numa pena antecipada, o que é contrário ao processo no Estado de Direito.
Rômulo Moreira: É, às vezes, necessária, especialmente para garantir a apli-
cação da lei penal e por conveniência da instrução criminal. É uma prisão de natureza
cautelar, excepcional, provisória e provisional. Isso é muito comum. Nestes casos, os
tribunais vêm decidindo, inclusive o STF no caso do Palocci, por exemplo, que não deve
ser sequer conhecido o habeas corpus.
declaração –, a prisão após condenação por órgão colegiado e o limite para o prazo
para prisões preventivas seriam um avanço ou retrocesso?
Pierre Souto Maior: Penso ser positiva a limitação da prisão preventiva a
um determinado número de dias. Claro que as situações mais complexas, por exem-
plo, processos com muitos réus e imputação de muitos crimes, necessitam de prazos
mais elásticos. Vejo como positiva tal limitação, mas desde que haja uma consequência
processual para o não cumprimento de tais prazos. Ou seja, extrapolado o prazo da
preventiva, a prisão deve ser relaxada ou até admitir cumprimento domiciliar. Se não
houver uma consequência obrigatória, os tribunais decidirão que os prazos poderão ser
excedidos, mantendo-se os réus presos preventivamente. Sou contra a chamada “jus-
tiça negocial”, seja na esfera civil, trabalhista ou penal. Esse tipo de sistema parte da
premissa equivocada de que as partes estão em posição de igualdade material e que,
por isso, podem dispor livremente de seus direitos. Evidentemente, as pessoas estão
em condições de absoluta desigualdade social, o que produz desigualdade jurídica, seja
entre si ou em relação ao Estado. Além disso, há direitos indisponíveis em jogo, entre
eles a liberdade individual e o devido processo legal, de modo que esse sistema só vem
agravar a seletividade penal. Veja-se, por exemplo, o descalabro que temos assistido
com as chamadas “colaborações premiadas”, cujo resultado prático, no geral, é premiar
os grandes corruptos (empresários, especialmente) com penas ínfimas, cumpridas em
suas próprias mansões, depois de devolverem ridículas somas de dinheiro (perto do
montante que desviaram), incentivando, ademais, acusações para lá de duvidosas entre
antigos parceiros. Um completo caos.
Carlo Velho Masi: A reforma global do CPP é imprescindível para atualizar
a legislação processual penal brasileira e adequá-la ao regime constitucional vigente.
Nosso CPP é o mais antigo das Américas e, embora já tenha sido parcialmente reforma-
do nos últimos anos, ainda necessita de muitas atualizações para compatibilizá-lo com
a Constituição e com o sistema processual penal por ela eleito, qual seja, o acusatório.
É preciso limitar recursos meramente protelatórios. Isso foi resolvido com adequação
pela reforma do CPC. O que não se pode é limitar a possibilidade de o recorrente ter
suas teses efetivamente apreciadas pelos órgãos revisores, que é o que vem ocorrendo
hoje no Brasil. Não há uma real reapreciação da decisão combatida. Existe, em muitos
casos, mera remissão aos argumentos já utilizados anteriormente, fazendo com que os
julgamentos colegiados se tornem, na prática, julgamentos decididos, na grande maio-
ria dos casos, exclusivamente pelo relator. Prisão-pena, segundo o atual texto constitu-
cional e segundo o CPP, só pode ocorrer após o trânsito em julgado da decisão penal
condenatória. Não importa se houve ou não julgamento por órgão colegiado. Trata-se
de cláusula pétrea, que sequer pode ser alterada na Constituição vigente. O STF deu a
esta norma uma interpretação que destoa da sua literalidade. Em outras palavras, leu
o que não estava escrito. Ampliou a norma em prejuízo dos acusados. Isso tudo com o
fundamento metajurídico de que esperar o trânsito em julgado gera impunidade. Li-
mite para a prisão preventiva entra dentro da lógica de que todo prazo sem sanção não
tem efetividade, e isso sim gera impunidade. Todas as prisões, independente da espécie,
deveriam ter prazo, pois o indivíduo precisa ter uma segurança jurídica mínima e saber
ao que estará passível de ser submetido. Hoje, uma pessoa que tem sua prisão preven-
tiva decretada não tem qualquer parâmetro de expectativa quanto ao tempo que tal
prisão durará, tendo em vista que os prazos legais são sistematicamente descumpridos
pelo Estado.
Fauzi Hassan Chouckr: As principais proposições mencionadas já forma
discutidas acima, com os destaques para a prisão cautelar e a duração razoável do pro-
cesso, assim como os limites legítimos do duplo grau de jurisdição. Os procedimentos
abreviados existem em quase todos os países e, em si, não constituem qualquer novida-
de no cenário brasileiro. Aliás, no contexto comparado é crescente a preocupação com
mecanismos alternativos ao processo e no processo para solução das causas penais,
assim como o estabelecimento de ritos adequados à complexidade do caso.
Rômulo Moreira: O anteprojeto que foi apresentado por uma comissão de
juristas, entre eles o professor Jacinto Miranda Coutinho, um dos mais capacitados e
preparados processualistas penais da América Latina, era muito bom. Privilegiava o
sistema acusatório e o princípio dispositivo. Espero que não sabotem o trabalho feito e
que não desnaturem a essência do que foi feito. A limitação de recursos e a prisão antes
do trânsito em julgado são retrocessos, obviamente. O limite para a prisão preventiva,
ao contrário, um avanço. A prisão provisória não pode se eternizar e se transformar em
verdadeira antecipação da pena, como vem acontecendo no Brasil.