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CONFLITOS E SOCIABILIDADE NOS ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS: PROJETOS

QUAPÁ-SEL E OBSERVATÓRIO DE CONFLITOS URBANOS DE BELO HORIZONTE:


ESTUDOS PRELIMINARES E COMPARABILIDADE COM A CIDADE DO RIO DE
JANEIRO.

- Prepared for delivery at the 2009 Congress of the Latin American Studies
Association, Rio de Janeiro, Brazil June 11-14, 2009 –

Lucia Capanema Alvares, PhD, Profa. Adjunta, UFMG


Alice Calhau Guimarães, bolsista Pro-Bic, UFMG
Debora Barreto Amaral Teixeira, ex-bolsista Pro-Bic, UFMG
Guilherme J. Amílcar Lemos Marques, doutorando, UFRJ

Resumo
A geografia nova de Milton Santos entende o espaço como total, no qual a dialética
das sociedades se estabelece com o espaço, que é forma-conteúdo, ou seja, abriga a
vida que o anima. Daí que “quando a sociedade age sobre o espaço, ela não o faz
sobre os objetos como realidade física, mas como realidade social, formas-conteúdo”
(SANTOS, 2002, p. 109). Os lugares são espaço de resistência, onde se encontram e
conflituam as diferentes racionalidades, sistêmicas e comunicacionais (HABERMAS,
1981). São assim, além de espaços de manutenção da produção/reprodução
capitalista-industrial, territórios do novo, do conflito. Para Bourdieu “é na relação entre
a distribuição dos agentes e a distribuição dos bens no espaço que se define o valor
das diferentes regiões do espaço social reificado.” (BOURDIEU, 1997, p. 161). Daí
decorre o interesse pelas diferentes dialéticas estabelecidas pelos diferentes
segmentos da sociedade com os diferentes espaços urbanos, particularmente os
espaços livres, privilegiados lugares da ação urbana.
Informações sobre a conflitualidade urbana constituem fonte inesgotável de
conhecimento das realidades urbanas, das dinâmicas sociais através das quais
nossas cidades "falam". A diversidade e multiplicidade da cidade aparecem, quase em
estado virgem, nos conflitos, eles mesmos dispersos, múltiplos e diversos. Atores,
objetos e objetivos de conflitos, temporalidades, formas, geografias, retóricas e
simbologias oferecem um quadro complexo e diferenciado da cidade. Movimentos
sociais organizados e manifestações de multidões, ações coletivas na justiça ou
abaixo-assinados, inúmeras são as formas através das quais a cidade expõe sua
desigualdade e, mais do que isso, elabora as formas de enfrentá-la.
O artigo pretende discutir como a cidade estruturada na desigualdade dos lugares
interage com os movimentos sociais manifestos e ou originados nos espaços livres
urbanos. Serão abordadas as principais formas, locais, objetos, coletivos mobilizados
e agentes reclamados pelos conflitos, como indicadores das insatisfações dos
cidadãos diante do espaço desigual nas cidades de Belo Horizonte, Minas Gerais e
Rio de Janeiro, Brasil.

1. Introdução
As possíveis leituras, a definição e os significados dos conflitos urbanos são
atualmente objeto de discussão e estudos nos meios acadêmicos, podendo obedecer
a vários critérios, ou seja, trata-se de um conceito aberto, em construção. Para efeito
deste trabalho, considera-se que conflitos urbanos são todo e qualquer confronto ou
litígio relativo à infra-estrutura, serviços ou condições de vida urbanas, que envolva
pelo menos dois atores coletivos e/ou institucionais (inclusive o Estado) e se manifeste
no espaço público (vias públicas, meios de comunicação de massa, justiça,
representações frente a órgãos públicos etc.). Entende-se ainda, grosso modo, que os
conflitos são respostas da população à ausência ou inadequação de políticas públicas
relativas à qualidade de vida e aos espaços urbanos. Assim, os resultados obtidos
representam uma chave de leitura da cidade. Chave esta que nos inicia não só nos
coletivos mobilizados de cada localidade onde se dão os conflitos, mas também nas
carências estruturais, concretas, e segregadas/segregadoras; mais ainda, nos remete
à fundamental questão da formação da esfera pública, em que a formação própria dos
espaços públicos é causa e, sistematicamente, fruto, da ação cidadã.
Chama-se de espaço público os bens de uso comum do povo, como ruas, praças,
parques, imóveis públicos e todos os lugares de apropriação pública, onde se realizam
ações da esfera pública, que podem ser livres ou edificados, de propriedade pública
ou privada. É onde se pode observar as relações entre seus elementos construídos ou
não e os fluxos de pessoas e mercadorias. Os espaços livres urbanos são o território
próprio à vida pública e à manifestação de conflitualidades. Estes espaços são como
espinhas dorsais da cidade, profundamente capilarizados pelo tecido urbano,
constituindo, normalmente, o maior percentual do solo das cidades brasileiras.
O trabalho tem como objetivo apresentar o trabalho que vem sendo desenvolvido em
Belo Horizonte relativo às qualidades do espaço público e aos conflitos nele
manifestos. Especula também, pela primeira vez, a comparabilidade dos conflitos
urbanos coletados nas cidades do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte.
O projeto de pesquisa “Sistemas de Espaços Livres e a Constituição da Esfera Pública
Contemporânea: Estudos de caso em metrópoles-cidades e novas territorialidades
urbanas brasileiras” – Quapá-SEL, coordenado pelo núcleo de paisagem da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, vem sendo
também desenvolvido no Departamento de Urbanismo da Universidade Federal de
Minas Gerais segundo suas várias vertentes. O projeto global pretende mapear e
estudar os sistemas de espaços livres, em nível nacional, segundo as perspectivas do
planejamento físico-territorial, da qualidade ambiental, da sociologia urbana e da
gestão pública. O objetivo primeiro da pesquisa é o estudo dos padrões existentes nos
sistemas de espaços públicos na cidade brasileira incluindo-se aí as bases técnicas
dos agentes geradores e gestores destes espaços e as referências sócio-culturais dos
usuários frente à demanda e as formas de apropriação nas diversas realidades
nacionais, ou ainda a contribuição de diferentes sistemas de espaços livres para a
constituição da esfera de vida pública contemporânea em diversas realidades urbanas
brasileiras.

Já o Núcleo Belo Horizonte (Quapá-SEL/BH) tem entre seus objetivos gerais verificar
quais as principais formas de apropriação e quais as relações entre diferentes práticas
espaciais dos diversos elementos dos sistemas realizadas por distintos grupos sociais;
pretende também avaliar a contribuição de diferentes sistemas de espaços livres para
a constituição da esfera de vida pública contemporânea na realidade belo-horizontina.
Entre os objetivos específicos de interesse para o presente trabalho estão: Explorar a
constituição e a gestão da esfera de vida pública contemporânea sob a perspectiva da
instituição, manutenção e uso dos sistemas de espaços livres em Belo Horizonte;
mapear as demandas sociais, as sociabilidades estabelecidas por vias conflituosas ou
não, e as formas de apropriação social nos processos de preservação, reabilitação e
uso dos espaços livres.

O Quapá-SEL/BH vem fazendo levantamentos acerca da qualidade dos espaços


urbanos de Belo Horizonte através de pesquisas de opinião e formulários desde abril
de 2007; as pesquisas de opinião são feitas pelos alunos da disciplina “Introdução a
Arquitetura e Urbanismo”, do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFMG, utilizando-
se de questionários fechados, que são aplicados a transeuntes de vários pontos da
Regional Centro-Sul de maneira não aleatória; somam 616 entrevistados até março de
2009. Os formulários são preenchidos pelos próprios alunos dessa disciplina e das
“Paisagem e Turismo” e “Urbanismo e Turismo”, em grupos, e visam construir mapas
de percepção ambiental da região a partir de um compilado das metodologias
propostas por autores como Lynch, Norberg-Schulz, Cullen e Canter (cf. DEL RIO,
1999) e dos recursos locais conforme proposto pela Organização Mundial do Turismo
(OMT, 2003).

O Mapa dos Conflitos Urbanos do Rio de Janeiro, projeto piloto que deu origem ao
‘Observatório’, focalizou o período 1993-2002, compilando dados dos conflitos sobre
todo o período, tendo como fonte os jornais diários de grande circulação e pesquisa
relativa aos Inquéritos e ações propostas ao Ministério Público estadual ou propostas
pelo próprio MP, nas suas promotorias de meio ambiente e cidadania. Registrou,
sistematizou, classificou e produziu informações sobre lutas urbanas, movimentos
sociais e as múltiplas e diversas manifestações da conflituosidade da cidade, através
de uma base de dados geo-referenciada. A cada conflito identificado corresponde uma
ficha digital com um relato sintético, contendo, pelo menos, as seguintes informações:
cronologia, localização/área de abrangência; número de envolvidos e fonte, quando de
manifestações públicas; agentes coletivos e organizações sociais envolvidos; órgãos
governamentais envolvidos; objeto do conflito, reivindicações e respostas; expressões
jurídicas do conflito e outras informações relevantes; formas de manifestação do
conflito. A partir de 2003, o projeto ganha o nome de “Observatório de Conflitos
Urbanos do Rio de Janeiro”, já anunciando o desejo de formação de uma rede de
observatórios, porém guardando os mesmos princípios metodológicos.

O Observatório Permanente de Conflitos Urbanos do Rio de Janeiro tem como fontes


primárias quatro jornais impressos de maior circulação – Jornal do Brasil, Extra, O Dia
e O Globo -, um programa diário da rádio CBN, o telejornal RJTV (1ª e 2ª edição), o
Diário da Câmara Municipal do Rio de Janeiro e relatos enviados por movimentos
sociais e cobertura feita pela própria equipe do projeto. O caso carioca apresenta uma
impressionante compilação de dados qualitativos, em torno de 900 casos, não tendo
sido colocado em bases de dados que permitam explorações quantitativas. Outra
limitação metodológica é a ausência temporária de registros desde novembro de 2008.

O projeto Observatório de Conflitos Urbanos de Belo Horizonte obedece aos mesmos


princípios metodológicos, com algumas adaptações, como se verá a seguir. As fontes
utilizadas para a coleta de dados são três jornais diários de grande circulação –
Estado de Minas, Diário da Tarde e Hoje em Dia, os jornais televisivos locais “MGTV”
e “Jornal da Alterosa”, e o Diário Oficial do Município de Belo Horizonte, onde são
publicadas todas as pautas pertinentes às reuniões dos conselhos populares, palco
privilegiado de manifestação de conflitos e demandas dos cidadãos da capital mineira.
O Ministério Público não é utilizado como fonte em virtude dos entraves legais
apresentados. Em Belo Horizonte, além da criação das fichas digitais que alimentam a
base geo-referenciada e permitem análises qualitativas, os dados são periodicamente
transferidos a um banco de dados, cuja manipulação é feita através do programa
SPSS 16.0. Foram coletados cinqüenta e dois casos de conflitos manifestos; os dados
foram, por fim, organizados e categorizados em uma adaptação da metodologia
proposta por Kaspar (apud DENCKER, 2003) para compreender o perfil predominante
de casos (derivado da medida de centralidade conhecida por “moda”).

A opção por estas fontes de dados requer compreensão de seus limites e


potencialidades; além de seu caráter seletivo, pode-se perceber claramente a
parcialidade da imprensa quando trata de questões de interesse dos governos. Apesar
de se reconhecer esses limites, o uso do jornal impresso e televisivo como fonte de
pesquisa se justifica na medida em que ele informa, de modo sistemático, grande
parte dos conflitos que se dão na cidade. Ainda, muitas vezes, os atores envolvidos
nos conflitos procuram dar publicidade à sua luta a partir do uso de contatos em
jornais e com isso fortalecê-la. As coletas empreendidas pelos ‘Observatórios’
obviamente não expressam a totalidade dos conflitos que ocorrem na cidade, mas
representam um mapeamento possível, a partir das fontes selecionadas.

O caso do Rio de Janeiro apresenta dados a partir de 1993, enquanto o de Belo


Horizonte teve como marco inicial o mês de abril de 2008. Desta forma, as
comparações iniciais estão focadas mais concretamente no período de abril a outubro
de 2008, período coincidente de coleta nas duas cidades, enquanto uma compreensão
mais qualitativa, também objetivo comparativo deste artigo, pode se estender por todo
o período coberto pelo projeto “Observatório Permanente de Conflitos Urbanos”.

Enquanto o Quapá-SEL deverá contextualizar os conflitos nas regiões onde já foram


produzidos estudos territoriais e entrevistas com transeuntes, a análise comparativa
dos resultados dos registros do Observatório de Conflitos Urbanos do Rio de Janeiro e
os de Belo Horizonte deverá revelar as similaridades e as contradições dos próprios
processos e dos conflitos manifestos, bem como suscitar discussões metodológicas,
alimentando e balizando as expectativas de expansão do projeto. A comparação
tentará evidenciar as diferenças sócio-políticas entre estas cidades, que possuem
dinâmicas distintas.

2. Espaços Livres Urbanos

A discussão sobre os Sistemas de Espaços Livres Públicos foi recorrente na segunda


metade do século XX, tanto nos meios acadêmicos como nas áreas administrativas.
Nos estudos acadêmicos, parte-se do princípio de que em toda a cidade existe um
sistema de espaços livres públicos e privados, seja ele planejado ou casuístico, e que
o espaço público é um elemento urbano fundamental para o desempenho da vida
social, associado à idéia de localização, acessibilidade e distribuição, no tocante a
lazer e/ou conservação de recursos naturais.

Chama-se de espaço público não apenas aquele de propriedade pública (os bens de
uso comum do povo, as ruas, praças, parques, os imóveis do poder público, as
escolas públicas, os postos de saúde, os terminais municipais etc.), mas todos os
lugares de apropriação pública, onde se realizam ações da esfera pública.

Os espaços livres urbanos constituem um sistema complexo, dada a inter-relação com


outros sistemas urbanos que podem se justapor ao sistema de espaços livres.
Formam um sistema, apresentando, sobretudo, relações de conectividade e
complementaridade. Entre seus múltiplos papéis, por vezes sobrepostos, estão a
circulação urbana, a drenagem urbana, atividades do ócio, imaginário e memória
urbana, conforto ambiental, conservação e requalificação ambiental, e convívio
público.

Bauman (2007) descreve os espaços livres urbanos a partir da dicotomia gerada pelo
medo e seu contraponto, as possibilidades sociais de encontro com o outro. Enquanto
a ambição modernista propunha o aniquilamento e o nivelamento das diferenças, sem
jamais realizar tal façanha, a tendência pós-moderna aprofunda e as ‘calcifica’, através
da separação e estranhamento mútuos. No entanto, se por um lado os espaços
públicos conduzem a sensações de repulsa, por outro, a atração que exercem sobre
os indivíduos tem chance de superar ou neutralizar tal repulsão:
Uma reunião de estranhos é um lócus de imprevisibilidade endêmica e
incurável. [...] Os espaços públicos são locais em que os estranhos se
encontram e portanto constituem condensações e encapsulações dos
traços definidores da vida urbana. É nos espaços públicos que a vida
urbana, com tudo que a separa de outras formas de convívio humano,
alcança sua expressão mais plena, em conjunto com suas alegrias e
tristezas, premonições e esperanças mais características... (Bauman,
2007, p. 102).

[S]em suprimir as diferenças, de fato ele (o espaço público) as celebra.


O medo e a insegurança são aliviados pela preservação da diferença
juntamente com a capacidade de se movimentar livremente pela cidade.
[...] É a exposição à diferença que com o tempo se torna o principal fator
da coabitação feliz, fazendo com que as raízes urbanas do medo
venham a definhar e desaparecer. (Bauman, 2007, p. 103).
Tal como Bauman, Simmel destaca a importância das interações sociais, ou seja, do
espaço que obriga os indivíduos a formarem uma unidade – uma sociedade; o filósofo
entende a sociabilidade como a auto-regulação do indivíduo em suas relações com os
outros. [...] A vida humana manifesta-se no cotidiano onde se revelam os conflitos e as
contradições de cada sociedade em seus diferentes momentos históricos.

2.1 A esfera pública

Macedo, Robba e Queiroga1, citam Arendt (1958) para resgatar o conceito aristotélico
de vita activa e sua relação com os espaços urbanos de manifestação pública. Para
Arendt, a esfera de vida pública é a esfera própria da vita activa - ação política ampla
que concorre fundamentalmente para a construção da cidadania e das civilizações.

Na esfera pública as diferenças e divergências têm, ou teriam, a possibilidade de se


apresentar através dos discursos comunicativos (visando o entendimento mútuo, uma
verdade processual), daí decorrendo o acordo político em seu sentido maior, a noção
de interesse público, de bem público, constituído socialmente diante do conflito de
interesses, individuais ou de grupos. [...] A vida humana manifesta-se no cotidiano
onde se revelam os conflitos e as contradições de cada sociedade em seus diferentes
momentos históricos.

Os autores discutem ainda outro contraponto que tem como lócus privilegiado o
espaço urbano, este entre a individualidade particular e a própria genericidade
humana presente em cada indivíduo; contraponto exacerbado nos tempos atuais,
mostra a convivência, nem sempre pacífica, entre as esferas pública e privada, entre o
contemporâneo e o tradicional, entre o indivíduo, os grupos e o coletivo. Os espaços
livres urbanos são, portanto, território próprio à vida pública e à manifestação de
conflitualidades, para Macedo, Robba e Queiroga.

3. Desenvolvimento, Movimentos Sociais e Conflitos Urbanos

O discurso desenvolvimentista do século XX, que tinha como receituário estender ao


Terceiro Mundo (incluindo-se aí os ditos países em desenvolvimento) a modernidade e
o progresso desconsiderou alguns importantes aspectos históricos e estruturais: 1) a

1
MACEDO, Silvio, ROBBA, Fabio e QUEIROGA, Eugênio. Projeto “Quadro do
Paisagismo no Brasil/ Sistemas de Espaço Livres – QUAPÁ/SEL, 2006. Não publicado.
experiência européia de industrialização não foi repassada ao Terceiro Mundo; 2) os
países pobres não tinham colônias para explorar; 3) a estrutura de classes nesses
países era completamente diversa daquela encontrada no Primeiro Mundo,
principalmente naqueles adeptos ao modelo escravocrata e ao sistema de castas; e 4)
havia uma enorme diversidade cultural e política entre os países pobres (DOS
SANTOS, 1973).

Ao trazer uma industrialização parcial ao Terceiro Mundo, o desenvolvimentismo criou,


além da chamada dependência estrutural em relação aos países centrais, a criação de
estados fortes e intervencionistas baseados na centralização das decisões, no
autoritarismo, e na burocracia (CARDOSO E FALETTO, 1970); o aprofundamento das
relações sociais baseadas em desigualdades regionais e de classe; a prevalência dos
sistemas de conhecimento dominados pelo Primeiro Mundo sobre os sistemas de
conhecimento locais, desqualificando e marginalizando estes últimos (ESCOBAR,
1995). Os estratos de baixa renda nos países do Terceiro Mundo foram
quadruplamente penalizados pelo desenvolvimentismo e seu ideal de modernização:
Primeiramente, o processo de "modernização rural" desconsiderou suas
necessidades, conhecimentos, e modos de produção, excluindo os mais pobres do
mercado formal de produção e renda; em segunda instância, suas economias de
subsistência foram destruídas pela sua expulsão da terra; em terceira instância, os
problemas econômicos dos países empobrecidos causaram a redução de empregos e
de oportunidades no campo e na cidade; finalmente, em quarta instância, quando o
modelo desenvolvimentista não espalhou os prometidos frutos do progresso pelo
mundo, os governos endividados foram obrigados a cortar programas sociais de toda
sorte.

Os Estados Nacionais, bem como seus estados, províncias e municípios integrantes,


de tal sorte endividados e magros, embarcam então na competição por recursos
escassos, abraçando o recém-importado modelo militar estadunidense de
“planejamento estratégico”. Até os anos 1980, o Primeiro Mundo e as elites dos países
pobres continuavam a defender o desenvolvimento e o progresso como processos
lineares e universais, persuadindo ou forçando as classes médias e baixas a continuar
vivendo este paradigma. A disseminação deste discurso foi um entrave ao
reconhecimento do sub-desenvolvimento em todo o Terceiro Mundo, impedindo a
conscientização popular da necessidade de uma nova ordem mundial. No entanto,
setores da sociedade civil como grupos comunitários, religiosos, étnicos, femininos ou
de profissionais liberais, acadêmicos e ambientalistas começavam a conscientizar as
classes menos favorecidas dos descaminhos do desenvolvimentismo e da
necessidade de se criar novas alternativas de gerenciamento do estado.

A maioria dos movimentos sociais, bem como uma série de organizações não-
governamentais que agora ocupam lugar de destaque na América Latina, tem raízes
exatamente nas desigualdades sociais atribuídas à adoção do paradigma
desenvolvimentista nos anos 1960 e 1970. Em toda a América Latina, fatores como as
intervenções estrangeiras, o papel do estado e das elites locais, a concentração de
renda, a ausência de políticas públicas sociais, a proletarização das comunidades
rurais, e o crescimento da sub-classe urbana demandavam organização e luta por
melhores condições de vida, tanto na cidade como no campo. Os movimentos e
manifestações sociais que se materializaram nos anos 1970, de maneira geral, podem
ser entendidos como sementes de uma nova identidade para as classes menos
favorecidas, como símbolos de resistência à opressão, seja ela política, econômica ou
social. Eles apoiavam e valorizavam o questionamento em relação ao estado
centralizador e hierárquico e em relação à legitimidade do status das elites
(CARDOSO, 1983).
Torres Ribeiro (apud CÂMARA, 2006) aponta uma dupla natureza no processo de
modernização a partir dos anos 1980: Enquanto a tecnologia celebra a arquitetura
icônica e os grandes equipamentos de uso excludente, as experiências de
sobrevivência popular são apagadas do espaço público. A partir dos anos 1990 a
experiência democrática, presente na organização social dos anos 1970, passa a se
restringir aos momentos eleitorais. Segundo Câmara:
O espaço, que segundo a autora, apresenta as marcas da acumulação histórica de
normas que orientaram sua formação e sua apropriação, a partir da modernização
segmentada e seletiva do ambiente construído, “cria uma nova hierarquia e morfologia
urbanas que “guetificam” as áreas de moradia das classes populares (CÂMARA, 2006,
p. 38).

Torres Ribeiro (apud CÂMARA, 2006) conclui que a economia se impõe à política e o
mercado ao Estado. Ainda, acirram-se os níveis de desigualdade e concentração de
renda; como resposta, o Estado adota políticas repressivas e “marketeiras”,
‘saneando’ as cidades de suas mazelas sociais e escondendo o que os investidores
não querem ver (CÂMARA, 2006). Conclui Câmara:
É nas cidades, e nas grandes cidades em particular, que se manifestam de maneira
mais aberta e brutal as desigualdades que marcam nossa sociedade. É [ali] que as
múltiplas formas de violência penetram o quotidiano e passam a constituir elemento do
próprio modo de vida na sociedade brasileira contemporânea. Os conflitos urbanos, em
sua complexidade e diversidade, permitem uma leitura inovadora e original acerca das
formas assumidas pela desigualdade e pela violência urbanas (CÂMARA, 2006, p. 39).
A compreensão da conflituosidade acerca dos problemas urbanos é fonte primária e
abrangente para o conhecimento das múltiplas realidades urbanas em suas dinâmicas
sociais e espacialidades. A cidade, heterogênea por definição, mostra de maneira
múltipla e através dos seus conflitos, suas fendas, seus anseios. Como ensina Vainer:

A diversidade e multiplicidade da cidade aparecem, quase em estado virgem,


nos conflitos, eles mesmos dispersos, múltiplos e diversos. Atores, objetos e
objetivos de conflitos, temporalidades, formas, geografias, retóricas e
simbologias oferecem um quadro complexo e diferenciado da cidade. Como e
onde se manifestam os conflitos? Que reivindicações, anseios e frustrações
emergem? De que maneira a desigualdade sócio-espacial se expõe a partir de
informações sistemáticas? Movimentos sociais organizados e manifestações
de multidões, ações coletivas na justiça ou abaixo-assinados, inúmeras são as
formas através das quais a cidade expõe sua desigualdade e, mais do que
isso, elabora as formas de enfrentá-la (VAINER, 20062)
É na manifestação cotidiana dos conflitos, e não nas explosões e crises muitas vezes
exploradas pela mídia para amanhã serem sepultadas por novo ‘furo’, que podem ser
encontradas e lidas as dinâmicas sociais através das quais nossas sociedades criam e
recriam a esfera pública, lócus da voz popular na cidade.

4. O caso de Belo Horizonte: Segregação Territorial e Conflitos Urbanos


Belo Horizonte foi fundada em 1897 para ser sede do Estado de Minas Gerais e
projetada para abrigar 200.000 moradores ligados à atividade administrativa e à
estrutura necessária a esta função primeira. Durante o século XX a cidade foi sendo
gradativamente ocupada: em suas áreas centrais, pela função residencial de elite, com

2
VAINER, Carlos. Projeto Rede Sul-Americana sobre Conflitos Urbanos. Rio de
Janeiro: ETTERN/IPPUR/UFRJ, 2005. Não publicado.
alguns enclaves comerciais; em suas áreas mais periféricas, pelos trabalhadores de
baixa remuneração e, em seguida, pelo uso de apoio aos ciclos industriais regionais. A
cidade iniciou, assim, sua vida econômica como prestadora de serviços
administrativos para, em seguida, adquirir também o caráter de centro de distribuição
de mercadorias; sua vida social foi pautada pela exclusão desde a fundação, quando
os antigos moradores do arraial foram expulsos da região central. Nos anos 50,
passou por um período de industrialização e atração de população advinda do interior
do estado e de estados próximos, sempre abrigando os mais abastados na zona
central-sul e os mais pobres nas periferias leste, oeste e norte, na Região
Metropolitana ou nas favelas incrustadas em locais pouco apropriados à ocupação. As
décadas de 1960 a 1980 em nada alteraram o quadro de profunda segregação
espacial; foi somente a partir de 1993 que iniciou-se um processo de inclusão social e
territorial mais profundo na capital mineira. O quadro, porém, ainda aponta as marcas
da longa história desigual e apresenta novas tendências de piora diante da mudança
nos quadros políticos da gestão municipal.

Assim é que os Índices de Desenvolvimento Humano da Fundação João Pinheiro


(IDH-M/FJP) para as regionais de Belo Horizonte para o ano 2000 são bastante
díspares, apesar dos bolsões de pobreza estatisticamente computados dentro das
regionais mais nobres (como a Centro-Sul), conforme mostra a tabela 1.

TABELA 1 – IDH-M/FJP das regionais de Belo Horizonte – ano 2000

Região Administrativa Índice de Desenvolvimento Humano Municipal

BARREIRO 0,787
CENTRO SUL 0,914
LESTE 0,837
NORDESTE 0,826
NOROESTE 0,835
NORTE 0,787
OESTE 0,853
PAMPULHA 0,870
VENDA NOVA 0,788
BELO HORIZONTE 0,839

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano na RM Belo Horizonte

Entre os moradores pesquisados no âmbito do Quapá-SEL/BH, 66% acham a região


ótima e 29% a acham boa, numa avaliação positiva de 95%; já entre os não
moradores que freqüentam a região pelo menos uma vez por semana, 39% a acham
ótima, 50% a acham boa (avaliação positiva de 89%) e 9% a acham razoável. Para os
moradores, o que há de melhor na região são o verde e a vegetação, os serviços e
comércio disponíveis (25% cada) e também a facilidade de acesso (17%), enquanto
para os não moradores freqüentes semanalmente (pelo menos), o verde e a
vegetação são a melhor característica (38%), seguidos dos serviços e comércio (19%),
da facilidade de acesso (17%) e das pessoas que freqüentam o lugar (10%). Para os
moradores, o que há de pior na região são o barulho (23%), o trânsito intenso (20%), a
insegurança (17%) e a sujeira dos espaços públicos (11%); já para os não moradores
que freqüentam a região pelo menos uma vez por semana, as piores características
são o trânsito intenso (31%), o barulho (25%), a insegurança (19%) e a sujeira dos
espaços públicos (8%);
4.1 Conflitos Urbanos em Belo Horizonte

Dos quarenta e seis conflitos registrados entre os meses de Abril e Outubro pelo
Observatório de Conflitos Urbanos de Belo Horizonte, 43,5% se referem à cidade em
geral, não se restringindo a um foco/localidade, como local do conflito (totalizando 20
conflitos), enquanto os 46,5% restantes se espalham pelos bairros, conforme tabela 2.

Tabela 2 – Local de origem dos conflitos – BH


Frequencia % válida
Cidade toda 20 43,5
Centro 4 8,7
Regional Barreiro 3 6,5
Regional Centro-Sul 5 10,8
Regional Leste 1 2,2
Regional Nordeste 4 8,7
Regional Noroeste 3 6,5
Regional Norte 2 4,3
Regional Oeste 1 2,2
Regional Pampulha 2 4,3
Regional Venda Nova 1 2,2
Total 46 100,0

Fonte: Observatório de Conflitos Urbanos de Belo Horizonte.

Interessantemente, a Regional Centro-Sul (soma do centro com outros bairros da


região), de maior IDH-M no ano 2000 (0,914 contra uma média municipal de 0,839), é
a que se apresenta como maior geradora de conflitos, totalizando 20%. Uma análise
mais detida dos aspectos qualitativos de tais conflitos demonstra que em sua maioria
foram gerados na Regional Centro-Sul porque se referem a equipamentos, serviços e
comércio ali localizados, como é o caso de dois conflitos relacionados ao Mercado
Central e de outros dois relativos a feiras e camelódromos, o que apenas aponta para
a evidência de haver mais equipamentos que atendem a toda a cidade em seu núcleo
central principal; somente dois conflitos, um relativo à segurança e mobilizado por
agentes de classe média e outro relativo a uso do espaço público em favela, não
podem ser vinculados a privilégios locacionais e centralidade, remetendo a
insatisfações de moradores da região.

As manifestações realizadas nos espaços urbanos propriamente ditos somam 54%:


Trinta e sete por cento dos conflitos tiveram como forma de luta a manifestação em
praça pública (20%) e/ou o fechamento de vias (17%), 11% a passeata, 4% a
ocupação de prédios ou terrenos e 2% as carreatas ou manifestações sobre rodas.

Já em relação ao local da manifestação, 28% se referem à cidade como um todo,


totalizando 13 casos manifestados em instâncias políticas, institucionais ou na
imprensa, sem referências geográficas. Entre os referenciados geograficamente 28%
se referem à Regional Centro-Sul, onde as manifestações obtêm maior atenção do
público em geral, do poder público e da imprensa. Ver tabela 3.
Tabela 3 – Local das manifestações – BH
Frequencia % válida
Cidade toda 13 28,3
Centro 8 17,4
Regional Barreiro 3 6,5
Regional Centro-Sul 5 10,9
Regional Leste 2 4,3
Regional Nordeste 5 10,9
Regional Noroeste 3 6,5
Regional Norte 2 4,3
Regional Oeste 2 4,3
Regional Pampulha 2 4,3
Regional Venda Nova 1 2,2
Total 46 100,0

Fonte: Observatório de Conflitos Urbanos de Belo Horizonte.

As questões mais conflituosas, como mostra a tabela 4, são as que se referem às


políticas públicas de gestão do território, destacando-se 22% relativas a transporte,
trânsito e circulação e 11% a acesso e uso do espaço público; agregam-se a estas
questões 7% dos casos relativos à moradia e à legislação urbana, e 4% às questões
ambientais. Assim, 51% dos conflitos manifestos estão diretamente relacionados à
gestão do território municipal, enquanto os outros 49% se referem a problemas de
saúde, educação e segurança públicas (somando 23%) e de vizinhança, nenhuma
delas desvencilhada da temática da segregação espacial.

Tabela 4 – Objeto do conflito - BH


Frequencia % válida
Transporte, trânsito e circulação 10 21,7
Saúde 5 10,9
Educação 4 8,7
Acesso e uso do espaço público 5 10,9
Parques, jardins e florestas 2 4,3
Legislação urbana 3 6,5
Moradia 3 6,5
Segurança Pública 2 4,3
Vizinhança 6 13,0
Outros 6 13,0
Total 46 100,0

Fonte: Observatório de Conflitos Urbanos de Belo Horizonte.

Quarenta e um por cento dos conflitos foram organizados por moradores ou vizinhos;
os outros grupos mais representados são os profissionais de uma mesma área, os
sindicatos e associações profissionais, estudantes, e outros movimentos sociais (9%
cada). Amigos e parentes assim como grupos ambientalistas comparecem em 4% dos
casos cada.

Pôde-se também constatar que há relações significantes entre o coletivo mobilizado e


a instituição reclamada (com 99% de certeza), o que pode indicar relações
estabelecidas anteriormente entre agentes reclamantes e reclamados, e entre o objeto
de conflito e a forma de luta (com 95% de certeza). Mais ainda, com 99% de certeza
podemos afirmar que há uma forte e positiva correlação entre o local do conflito e o
local de manifestação e com 95% de certeza podemos afirmar que há uma correlação
relativamente fraca e positiva entre o coletivo mobilizado e a forma de luta, também
indicando um saber pregresso.

Assim, vê-se que a moda (maior número de ocorrências) das manifestações


conflituosas é oriunda na Regional Centro-Sul em virtude desta centralizar
equipamentos e serviços municipais, ocorre em praça pública da Região Centro-Sul, e
demanda melhores políticas de gestão do território; a percepção dos entrevistados da
região como ótima ou boa, dotada de espaços verdes, e de fácil acesso, ficando as
poucas críticas por conta do barulho e trânsito intenso, e em menor grau pela
insegurança e sujeira dos espaços públicos em nada contraria os conflitos manifestos.
Outra forma de manifestação predominante é aquela feita por moradores e vizinhos,
com fechamento de vias, em torno da questão dos transportes e do trânsito nas áreas
periféricas da cidade; estes sim, desafiando a lógica territorial da cidade.

5. O caso do Rio de Janeiro: Segregação Territorial e conflitos urbanos

O Rio de Janeiro, apesar e além de ser uma das mais belas cidades do mundo, é
historicamente expressão viva das desigualdades brasileiras. As contradições entre
capital e trabalho e as desigualdades sociais e econômicas são traços estruturais e
marcantes, que irão se refletir no nível e nas formas de manifestação dos seus
conflitos. Para Maurício Abreu os investimentos públicos e privados sempre
privilegiaram os locais que asseguram retorno financeiro ao capital investido.

Resulta daí a acentuação das disparidades intrametropolitanas e, por conseguinte, do


modelo espacial dicotômico, no qual um núcleo hipertrofiado e rico (...) é cercado por
periferias cada vez mais pobres e carentes desses serviços, à medida que se
distanciam dele (ABREU, 1988, p.11).

O “paradoxo básico”, ainda segundo o autor, reside no fato de, por tanto buscar ser
uma cidade parecida com as européias ou americanas, ter o Rio tomado uma
configuração exatamente oposta à delas. Lá, os mais privilegiados procuram as
periferias “para que possam gozar as amenidades da urbanização moderna”. No Rio,
pela escassez de recursos investidos em bens urbanísticos e pela pouca renovação
da infra-estrutura, aconteceu o contrário. “A solução foi amontoar os ricos em torno
desses bens para que pudessem desfrutá-los ao máximo, e impedir a entrada dos
pobres no núcleo, ou expulsá-los para fora dele”. O resultado desse processo de
“depuração” a partir do núcleo foi um ordenamento de grupos sociais “a partir de suas
possibilidades de acesso e desfrute das vantagens urbanas de qualquer natureza (de
produção ou de consumo)” (ABREU, 1988, p.17-18).

A concentração de equipamentos e de serviços urbanos no núcleo (característica


histórica do desenvolvimento urbano carioca) fez com que esta área da cidade fosse
intensamente ocupada. Os trabalhadores, desde as décadas de 1940 e 1950, vêm
ocupando intensamente os morros da Zona Sul, Centro e Tijuca para a construção de
moradia. As políticas governamentais de remoção desses moradores para as
periferias foram acompanhadas pela ocorrência de diversos conflitos. Desta forma,
pode-se afirmar que o núcleo nunca fora ocupado apenas pelos ricos, sendo esta
parte da cidade também marcada pela desigualdade econômica e social e pelos
conflitos resultantes desse processo de “depuração” assinalado por Abreu.
A partir dos anos 1980 esse quadro apresenta algumas significativas mudanças. O
país passa por um período de crise econômica marcado pelo baixo crescimento
econômico. A economia do Rio de Janeiro, por ser altamente influenciada pelas
políticas recessivas e expansionistas, foi significativamente atingida. Para os
trabalhadores, a crise teve como principais efeitos o crescimento do desemprego, a
crescente precarização das relações de trabalho com a expansão dos biscateiros e
trabalhadores autônomos e a perda de poder aquisitivo dos salários. Ao mesmo
tempo, ocorreu uma grande concentração de renda.

A crise econômica dos anos 1990 influenciou também a disputa de poder na cidade e
portanto as manifestações de conflitualidade. Ao fim destes anos observa-se que a
reconfiguração do emprego operário e do assalariamento, o desemprego e a
precarização do trabalho fragmentaram e fragilizaram socialmente os trabalhadores na
sua capacidade de criar uma esfera pública na cidade, aumentando por conseguinte a
centralidade das classes médias.

Desde 1993 e até fins de 2008, o grupo político do ex-prefeito César Maia controla o
executivo municipal. Político assumidamente conservador e de direita, logo no primeiro
ano de seu primeiro mandato adotou a idéia da realização de um planejamento
estratégico para a cidade. O Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro (PECRJ)
representou o primeiro passo para a implementação de um novo modelo de gestão
urbana no Rio de Janeiro.

Um novo tipo de urbanismo baseado na execução de determinados projetos


com os quais se espera alavancar a dinâmica urbana desejada. Tais projetos
se traduzem em intervenções físicas – como o Rio Cidade, o Teleporto e a
Linha Amarela, entre outras aparentemente pontuais e fragmentadas, mas que
são articuladas a partir de uma estratégia de desenvolvimento face aos novos
desafios colocados pela globalização (COMPANS, 1997, p. 1721).
Entre as características deste novo tipo de urbanismo destacam-se: a flexibilização
dos controles urbanísticos; a centralidade da execução de grandes projetos; a
cooperação público-privada; e a necessidade de construir e/ou modificar a imagem da
cidade, fazendo-a capaz de “atrair investimentos” internacionais. Essa forma de
urbanismo pode ser chamada de “urbanismo de resultados” (ASCHER, 1994). Quanto
à implementação das ações estratégicas:

São exatamente aquelas que dizem respeito às melhorias na infraestrutura


urbana, à criação de áreas empresariais e à atratividade econômica que têm
sido executadas. (...) Foram claramente priorizadas em detrimento daquelas
que tratam do emprego, da qualidade de vida e da democratização da
Administração Pública (COMPANS, 1997, p.1729).
No segundo mandato (2001–2004), César Maia faz elaborar o segundo Plano
Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro, “As Cidades da Cidade”, com doze planos
estratégicos regionais (PECRJ, 2002), seguindo a mesma linha política e estratégica
anterior. Assim, vê-se crescer no Rio de Janeiro, a adoção de um modelo que
claramente prioriza os interesses do capital em detrimento das classes trabalhadoras e
da população em geral. Já nos primeiros meses da administração Eduardo Paes (2009
- ), o que se anuncia parece ser a adoção sem atenuantes do ideário neoliberal,
expresso em programas como seu carro-chefe publicitário “choque de ordem”.
5.1 Conflitos urbanos no Rio de Janeiro
No período entre abril e outubro de 20083, foram registrados no Rio de Janeiro cem
casos. Vinte e seis por cento dos registros referem-se à cidade toda como local
gerador do conflito; cabem às regiões administrativas mais privilegiadas
historicamente – Centro (com 12%), Zonas Sul I (com 12%), Zona Sul II e Barra da
Tijuca, um total de 32%. À Ilha do Governador e à Tijuca cabem 7% cada; destacam-
se ainda Zona Norte (6%) e Grajaú e Vila Isabel (5%), conforme mostra a Tabela 5.

Tabela 5 – Origem dos conflitos – Regiões Administrativas do RJ


Frequencia % válida
Cidade toda 26 26,0
Bangu 2 2,0
Barra da Tijuca 3 3,0
Centro 12 12,0
Grajaú e Vila Isabel 5 5,0
Grande Irajá 3 3,0
Grande Méier 2 2,0
Ilha Governador 7 7,0
Jacarepaguá 3 3,0
Leopoldina Norte 1 1,0
Lins de Vasconcelos 1 1,0
Santa Cruz/Guaratiba 4 4,0
Tijuca e Adjacências 7 7,0
Zona Norte 6 6,0
Zona Oeste 2 2,0
Zona Sul I 12 12,0
Zona Sul II 4 4,0
Total 100 100,0

Fonte: Observatório Permanente de Conflitos Urbanos do Rio de Janeiro.

Quanto à forma de manifestação do conflito, 74% ocorreram em espaços livres


urbanos propriamente ditos, sendo 41% em praça pública, 15 % em passeatas, 7%
através de fechamento de vias, 5% carreata, motociata, bicicleata, 5% depredação, e
2% ocupação de prédios e ou terrenos; os outros 26%, foram manifestos através de
meio de comunicação (7%), paralisação e/ou greve (4%), Ministério Público e/ou
judicial, e abaixo-assinados, cartas, solicitações etc (3% cada), e outros (8%),

Já em relação ao local da manifestação, 12% se referem à cidade como um todo, ou


seja, não tiveram fronteiras definidas ou foram manifestos em instâncias políticas,
institucionais ou na imprensa, sem referências geográficas. Dentre os conflitos
manifestos nos espaços livres urbanos, as áreas historicamente privilegiadas são
palco para 57% do total com 42 casos, sendo 31% na Administração Regional Centro
(23 casos), 11% (ou 8 casos) nas Zonas Sul I e II cada, e 4% na Barra da Tijuca (3
casos), como se vê na tabela 6.

3
Note-se aqui, e já antecipando a questão da comparabilidade metodológica e processual que se discutirá
na próxima seção, que o Observatório Permanente de Conflitos Urbanos do Rio de Janeiro não vem
registrando os conflitos manifestos na cidade desde outubro de 2008. A comparação numérica inter-
municipal fica assim restrita a este período.
Supondo-se que os conflitos gerados nestas áreas privilegiadas em conjunto são ali
manifestos, há um total de 25% de casos gerados na vulgarmente chamada “Zona
Norte” e manifestos na também chamada “Zona Sul”, seja pela visibilidade das
manifestações, seja pela proximidade aos agentes reclamados.

Tabela 6 – Local de manifestação dos conflitos – RJ


Frequencia % válida
Cidade toda 12 12,0
Bangu 1 1,0
Barra da Tijuca 3 3,0
Centro 28 28,0
Grajaú e Vila Isabel 5 5,0
Grande Irajá 3 3,0
Grande Méier 2 2,0
Ilha do Governador 7 7,0
Jacarepaguá 2 2,0
Leopoldina Norte 1 1,0
Lins de Vasconcelos 1 1,0
Santa Cruz/Guaratiba 3 3,0
Tijuca e Adjacências 6 6,0
Zona Norte 4 4,0
Zona Oeste 1 1,0
Zona Sul I 11 11,0
Zona Sul II 10 10,0
Total 100 100,0

Fonte: Observatório Permanente de Conflitos Urbanos do Rio de Janeiro.

Considerando-se o coletivo mobilizado, 32% se referem a moradores ou vizinhos, 14%


a grupo de amigos ou parentes, 12% estudantes, 9% profissionais da mesma área e
ONGs, cada, 7% outros, 6% sindicatos e associações profissionais, 5% associações
de moradores, 3% outros movimentos sociais, 1% parlamentares e movimentos de
moradia e sem-teto, cada.

Dos conflitos registrados, 26% referem-se ao Governo Estadual como instituição


reclamada, 19% à Polícia Militar e Governo Municipal, cada, 12% ao Governo Federal,
6% outros, 5% à sociedade como um todo, 4% empresa privada, 2% Poder Judiciário,
pessoa física, companhia de água, cada, 1% Polícia Civil e companhia de luz, cada.

Já analisando os objetos de conflito, 42% correspondem à segurança pública, 15%


saúde, 13% transporte, trânsito e circulação, 6% educação, 5% acesso e uso do
espaço público, 4% moradia e infra estrutura urbana, cada, 3% outros, 2% energia e
gás, 1 % referente a outros objetos (vizinhança; patrimônio histórico; parques, jardins e
florestas; legislação urbana e uso do solo; água, esgoto e drenagem), conforme a
tabela 7.
Tabela 7 – Objetos dos conflitos manifestos – RJ
Frequencia % válida
Energia e Gás 2 2,0
Transporte, Trânsito e
13 13,0
Circulação
Saúde 15 15,0
Educação 6 6,0
Infraestrutura Urbana 5 5,0
Acesso e Uso do Espaço
5 5,0
Público
Parques, Jardins e
1 1,0
Florestas
Água, Esgoto e
1 1,0
Drenagem
Legislação Urbana 1 1,0
Moradia 3 3,0
Segurança Pública 42 42,0
Vizinhança 2 2,0
Patrimônio Cultural 1 1,0
Outros 3 3,0
Total 100 100,0

Fonte: Observatório Permanente de Conflitos Urbanos do Rio de Janeiro.

Nas áreas historicamente privilegiadas pelas políticas públicas urbanas - Centro, Zona
Sul I e II e Barra da Tijuca, os conflitos manifestos em espaços livres urbanos tomam,
em sua grande maioria, a forma de manifestações em praça pública – 26 casos em 42
(perfazendo 62%) ou a forma de passeata – 12 casos em 42 (29%), ambos de alta
visibilidade; a maior ocorrência de coletivos mobilizados é o de moradores e vizinhos
(11 casos ou 26%) seguido pelos amigos e parentes (7 casos), enquanto a segurança
pública é o tema mais presente (50% dos casos), reclamado junto ao governo estadual
e à Polícia Militar (24% e 19% dos casos respectivamente, somando 43%).

Nas demais regiões da cidade, as manifestações em praça pública são a forma


dominante (63% dos casos), organizadas por grupos de moradores e vizinhos (42%
dos casos), majoritariamente sobre o tema segurança pública (63%) ou acerca da
saúde pública (21%), reclamados junto à Polícia Militar (PM) e ao governo do estado
(33% e 29% dos casos respectivamente, somando 62%).

Uma comparação entre as duas grandes regiões (“Zona Sul” e “Zona Norte”), permite
afirmar que enquanto as manifestações conflituosas se parecem na forma geral
predominante, os conflitos manifestos na “Zona Norte” são mais fortemente
organizados por grupos de moradores reclamando acerca da segurança pública junto
à PM. As análises qualitativas, mais que corroborar tal fato, indicam que na “Zona
Norte” muitas das manifestações são contra ações inadequadas e de natureza violenta
da própria PM, enquanto nas regiões historicamente privilegiadas, grupos de vizinhos
e também de amigos reivindicam em maior proporção mais ações da PM, garantindo
proteção não só à vida, mas também ao seu status quo.

Pôde-se também constatar que há relações significantes entre o local de origem de


conflito e coletivo mobilizado, objeto do conflito e agente reclamado (com 99% de
certeza), o que reforça a questão da territorialidade de benefícios; da mesma forma,
há relações entre o coletivo mobilizado e o objeto, a forma de manifestar e o agente
reclamado, e entre o objeto de conflito e o local de manifestação (com 95% de
certeza), indicando as escolhas por visibilidade feitas pelos coletivos mobilizados. Mais
ainda, com 99% de certeza podemos afirmar que há uma forte e positiva correlação
entre o local do conflito e o local de manifestação e com 95% de certeza podemos
afirmar que há uma correlação relativamente fraca e positiva entre a forma de luta e o
local do conflito.

6. Análise comparativa dos dados

Tomando a perspectiva comparada e contando não só com os resultados de 15 anos


de conflitos coletados no Rio de Janeiro, mas também com uma leitura mais qualitativa
e global do trabalho pelos seus pesquisadores, algumas questões relativas aos
resultados preliminares e outras processuais foram apontadas.

Os quadros comparativos – apresentados nas tabelas 8, 9 e 10 evidenciam a


diversidade de questões prementes em cada município. Enquanto as questões
relativas às políticas públicas municipais (transporte, saúde e educação) são as de
maior expressividade na capital mineira, somando 42% dos casos, a segurança
pública soma, como categoria única, 42% dos casos no Rio de Janeiro. Em ambas
cidades, o coletivo mobilizado mais ativo é o de moradores e vizinhos, especialmente
em Belo Horizonte; o caso carioca evidencia a participação de grupos de amigos e
parentes – o que qualitativamente chama à lembrança as muitas passeatas
promovidas por famílias vítimas da violência exibidas pela imprensa. A tabela 10,
“instituição reclamada” mostra grande discrepância entre os dois casos: Em Belo
Horizonte, a instituição mais reclamada é a prefeitura (46% dos casos), enquanto a
Polícia Militar foi alvo de apenas duas manifestações, dirigidas ao Corpo de
Bombeiros; no Rio, ao contrário, Prefeitura Municipal e Polícia Militar (com 19% cada)
são igualmente instadas, enquanto a entidade mais acionada é o governo estadual
(26% dos casos). Considerando-se que a PM é entidade estadual, a instância mais
reclamada é na verdade instada em 45% dos casos.

Tabela 8 – Quadro comparativo “Objeto do Conflito” – Belo Horizonte - Rio de Janeiro


Objeto do Conflito Belo Horizonte Rio de Janeiro
Transporte, trânsito e circulação 22% 13%
Saúde 11% 15%
Educação 9% 6%
Acesso e uso do espaço público 11% 5%
Moradia 7% 3%
Segurança pública 4% 42%
Fonte: Observatório de Conflitos Urbanos de Belo Horizonte e Observatório
Permanente de Conflitos Urbanos do Rio de Janeiro.

Tabela 9 – Quadro comparativo “Coletivo Mobilizado” – Belo Horizonte - Rio de


Janeiro
Coletivo Mobilizado Belo Horizonte Rio de Janeiro
Moradores ou vizinhos 41% 34%
Profissionais da mesma área 9% 9%
Sindicatos e associações 9% 6%
profissionais
Outros movimentos sociais 9% 3%
Estudantes 9% 12%
Grupo de amigos e/ou parentes 4% 14%
Fonte: Observatório de Conflitos Urbanos de Belo Horizonte e Observatório
Permanente de Conflitos Urbanos do Rio de Janeiro.

Tabela 10 – Quadro comparativo “Instituição Reclamada” – Belo Horizonte - Rio de


Janeiro
Instituição Reclamada Belo Horizonte Rio de Janeiro
Governo Municipal 46% 19%
Governo Estadual 17% 26%
Governo Federal 11% 12%
Polícia Militar 2% 19%
Sociedade como um todo 4% 5%
Empresa Privada 11% 4%
Fonte: Observatório de Conflitos Urbanos de Belo Horizonte e Observatório
Permanente de Conflitos Urbanos do Rio de Janeiro.

Evidencia-se que, enquanto no Rio de Janeiro o principal objeto de conflitos é a


segurança pública, em Belo Horizonte aparecem o transporte, o trânsito e a circulação;
viu-se ainda que o caso de Belo Horizonte apresenta um novo tipo de objeto
conflituoso, a gestão e a administração pública em si mesmas, ainda não
categorizado. A tabela 9 sugere que as associações de bairro e similares são ainda
entidades mais fortes e representativas nas manifestações conflituosas de Belo
Horizonte, enquanto no Rio especula-se sobre o declínio dos movimentos sociais
como vias de manifestação em prol dos coletivos informais e mais circunstanciais,
formados por amigos e vizinhos.

Quanto à segregação territorial, privilégios e centralidades, vê-se que em Belo


Horizonte o maior em número de ocorrências das manifestações conflituosas é
oriundo na Regional Centro-Sul em virtude desta centralizar equipamentos e serviços
municipais, e não por demandas específicas de seus moradores, que a consideram
ótima ou boa em 95% dos casos entrevistados para o Quapá-SEL. Na Centro-Sul, as
manifestações demandam melhores políticas de gestão do território. Outra forma de
manifestação importante é aquela feita por moradores e vizinhos, com fechamento de
vias, em torno da questão dos transportes e do trânsito nas áreas periféricas da
cidade.

Já no Rio de Janeiro, os conflitos manifestos na “Zona Norte” representam 43% e são


mais fortemente organizados por grupos de moradores reclamando das ações
inadequadas e de natureza violenta da PM, enquanto nas regiões historicamente
privilegiadas, grupos de vizinhos e também de amigos reivindicam em maior proporção
mais ações da PM, garantindo proteção não só à vida, mas também ao seu status
quo.

A tabela 10, “Instituição Reclamada”, por fim, suscita a questão da pertinência da


manifestação em termos de seu alvo. No caso de Belo Horizonte, e partir da
manipulação dos dados, pôde-se constatar que os objetos situados por lei dentre as
competências municipais tiveram como instituição reclamada o município na grande
maioria dos casos, e assim sucessivamente nos âmbitos estadual e federal, o que
indicaria conhecimento cidadão do papel das instituições governamentais. O caso do
Rio de Janeiro pede novos estudos.

Quanto às questões processuais da experiência comparativa, constatou-se


principalmente que as fontes de informações foram (e devem ser) adaptadas conforme
a realidade política e midiática de cada cidade. Outras questões metodológicas
emergentes foram a dificuldade de identificação de fronteiras entre bairros nos
conflitos em que mais de um bairro está envolvido; a conceituação do objeto “acesso e
uso do espaço público” suscitou questionamentos quanto à caracterização dicotômica
público-privado e não uma caracterização de espaços livres de uso coletivo como um
conceito mais contemporâneo; por fim, discute-se a inclusão de manifestações de
cunho primordialmente trabalhista que envolvem também questões urbanas. Deve-se
considerar que algumas análises comparativas não puderam ser realizadas até então,
devido a diferença de tempo de registro dos conflitos pelo Observatório Permanente
de Conflitos Urbanos e o Observatório de Conflitos Urbanos de Belo Horizonte.
Enquanto o Rio de Janeiro alimenta seu banco de dados desde 2004 e abarcando um
universo temporal que data de 1993, o projeto mineiro está atuante desde março de
2008.

7. Conclusão

O trabalho se apresentou como um estudo comparativo entre os resultados de registro


do Observatório Permanente de Conflitos Urbanos do Rio de Janeiro e do
Observatório de Conflitos Urbanos de Belo Horizonte, este último contextualizado
pelas entrevistas do Projeto Quapá-SEL.

Considerando o conflito urbano como uma manifestação coletiva que representa uma
consciência popular das deficiências que se apresentam na cidade, entendemos o
estudo destes como uma forma abrangente de análise da qualidade de vida urbana e
chave de leitura das conflituosidades. Assim, quando comparamos duas cidades de
dinâmicas tão diversas como Belo Horizonte e Rio de Janeiro, podemos fazer uma
leitura complexa através dos resultados que afirmam essas diversidades.

O Rio de Janeiro tem como objeto de conflito mais reclamado a segurança pública,
que corresponde a 42% dos registros, enquanto em Belo Horizonte o objeto reclamado
com predominância é relativo a transporte, trânsito e circulação. Esse dado já ressalta
alguns pontos previsíveis, considerando a repercussão da violência da cidade carioca,
e em Belo Horizonte, a questão relativa às políticas públicas territoriais.

Tendo como vista o coletivo mobilizado, tanto o Rio de Janeiro como Belo Horizonte
apresentam “moradores ou vizinhos” como principais reclamantes. Enquanto no Rio de
Janeiro os coletivos mobilizados reclamam ora mais serviços da Polícia Militar (na dita
“Zona Sul”), ora uma PM menos violenta (na “Zona Norte”), em Belo Horizonte, os
moradores das áreas menos centrais reclamam por melhores políticas públicas de
gestão do território, seja quando se manifestam na Região Centro-Sul, seja junto às
suas moradias. Em ambos os casos, fica patente a territorialidade da ação estatal,
beneficiando sempre as regiões centrais e sul em detrimento das periferias.

Outro fator em que nota-se grande disparidade é o relativo à instituição reclamada. Em


Belo Horizonte, quase 50% dos conflitos reclamam do governo municipal e nenhuma
manifestação reclama à Polícia Militar propriamente dita. Já no Rio, o Governo
Estadual é o predominantemente solicitado, com 45% dos casos (incluindo-se aí a
Polícia Militar, com 19%) seguido pelo Governo Municipal, com 19%.

Após uma análise dos benefícios resultantes do projeto sob a ótica da construção de
um estudo compreensivo sobre as cidades, sua formação e problemas reclamados,
vê-se a justificativa de expansão do Observatório para outras cidades. Além de uma
ampliação do banco de dados que geraria uma possibilidade concreta de estudos
comparativos, teríamos também a ampliação da difusão do projeto dentro das
comunidades locais, fazendo com que estas recorram ao Observatório para registro
das suas reivindicações.

A concretização do projeto testou com sucesso o rigor, riqueza e consistência da base


conceitual, bem como comprovou a operacionalidade da metodologia de pesquisa e a
flexibilidade e facilidade de manejo do banco de dados, especialmente desenhado
para os fins do projeto. Finalmente, é preciso salientar que os resultados apresentados
pelas comparações têm caráter preliminar e que estudos mais profundos deverão
determinar as relações de causalidade nos conflitos registrados no Rio de Janeiro e
Belo Horizonte.

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