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AGÊNCIA DOCENTE E CRITICIDADE NA FORMAÇÃO INICIAL DE

PROFESSORES DE LÍNGUAS

Katia Bruginski Mulik1 - USP/ SEED-PR


Eliana Gonçalves Santiago Edmundo2 - Univali/ SEED-PR

Eixo – Formação de Professores


Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
Este artigo objetiva analisar as concepções dos alunos de um curso de graduação em Letras
Português-Inglês/Português-Espanhol com relação à formação crítica de professores no
contexto acadêmico. A metodologia deste estudo consistiu na aplicação de um questionário
composto por cinco perguntas abertas para 32 alunos oriundos de uma faculdade particular
situada na região central da cidade de Curitiba no Estado do Paraná, no segundo semestre do
ano de 2015. Desse grupo de participantes, 12 eram alunos ingressantes e 20 cursavam o último
semestre. Além das visões sobre criticidade trazidos pelos acadêmicos procuramos identificar
as práticas existentes no curso de Letras e na instituição, como um todo, que proporcionam (ou
não) o desenvolvimento dessa formação crítica. Como base teórica para a análise recorremos
aos estudos sobre letramento crítico e agência pautadas em Ahearn (2001), Lopes (2013) e
Jordão (2014). Além disso, mobilizamos algumas discussões relacionadas à formação de
professores a partir de Duboc (2012), Monte Mór (2013) e aos estudos de autores da área de
linguística aplicada e educação como Jordão (2013) e Gimenez (2005). Dentre alguns dos
resultados, percebemos que houve grande dificuldade em conseguir conceituar o termo ‘crítico’
por parte de alguns participantes. Outro aspecto mencionado foi a falta de diálogo entre as
diferentes disciplinas que compõe o curso graduação e entre os cursos de mesma natureza,
entendendo que as trocas de saberes e negociações de sentido entre as áreas podem ampliar o
desenvolvimento crítico. Foi sinalizado, pela grande maioria dos alunos que, ‘assumir uma
postura crítica’ tem sido algo bastante exigido pelos professores, porém poucos docentes
parecem assumir essa postura em suas aulas. Conclui-se ainda que os graduandos consideram
importante o desenvolvimento da criticidade no processo de formação inicial, contudo, indicam
que há poucas práticas no espaço acadêmico que potencializam essa formação.

1
Doutoranda em Estudos Linguísticos e Literários na Universidade de São Paulo (USP); professora de língua
inglesa na Educação Básica na rede pública do Estado do Paraná (SEED-PR). E-mail: katiamulik@yahoo.com.br
2
Doutoranda em Educação na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI); professora de língua inglesa na
Educação Básica na rede pública do Estado do Paraná (SEED-PR). E-mail: eliana_edmundo@yahoo.com.br.
ISSN 2176-1396
24704

Palavras-chave: Formação de professores. Formação crítica. Graduação em Letras.

Introdução

Estudos recentes na área da Educação e da Linguística Aplicada têm apontado alguns


desafios que o professor do século XXI enfrenta diante da complexidade que as transformações
sociais e econômicas têm ocasionado, assim como a inserção cada vez mais recorrente das
tecnologias digitais nas relações humanas. Para Monte Mór (2013), uma das habilidades que
essa nova configuração de mundo exige é o “desenvolvimento crítico”. Documentos oficiais de
ensino, como as OCEM3 (2006), assim como as DCEB-PR - LEM4 (2008) trazem alguns
aspectos nesse sentido, defendendo que ideias centrais como “sujeitos críticos”, “pensamento
crítico”, “leitor crítico”, “senso crítico”, “trabalho crítico”, “letramento crítico”, “alunos
críticos” e “olhar crítico” passem a integrar as práticas educacionais contemporâneas.
Partindo dessa questão do desenvolvimento crítico, buscamos, neste artigo,
problematizar a necessidade de olhar para esse aspecto dentro da formação inicial de
professores de línguas. Entendemos que essa formação crítica, capaz de ser transposta em
práticas pedagógicas, precisa estar articulada com as atividades que a universidade oferece ao
acadêmico nos mais variados espaços e situações. Vinculada a essa ideia, este estudo objetiva
analisar as percepções de graduandos dos cursos de Letras Português-Inglês e Português-
Espanhol com relação à formação crítica, bem como se as práticas existentes no curso de Letras
e na instituição, como um todo, proporcionam (ou não) o desenvolvimento para essa formação.
Para tanto, foi realizada uma pesquisa através da aplicação de um questionário com perguntas
abertas para alunos ingressantes e concluintes dos cursos supracitados.
Essa preocupação com relação à criticidade na formação de professores surgiu a partir
de questionamentos dos próprios graduandos. Na época, no segundo semestre de 2015, uma das
professoras autoras deste artigo, estava coordenando um grupo de Iniciação Científica voltado
para alunos do curso de Letras. As leituras que estavam sendo feitas permeavam conceitos como
“letramento crítico”, “pedagogia crítica”, “formação crítica e cidadã” dentre outros. Nas

3
Orientações Curriculares para o Ensino Médio
4
Diretrizes Curriculares para a Educação. Básica do Paraná – Língua Estrangeira Moderna
24705

discussões sobre os textos propostos, alguns alunos mencionaram a dificuldade de compreender


as várias noções de criticidade apresentadas pelos autores selecionados. Além disso,
começaram a questionar sobre a própria formação, ou seja, se as práticas sociais realizadas no
espaço acadêmico em que estavam inseridos estavam dando conta de prepará-los para atuarem
como professores críticos no futuro. Assim, os alunos participantes do grupo de iniciação
científica em conjunto com a professora coordenadora elaboraram um questionário (ver seção
sobre aspectos metodológicos) que foi aplicado aos acadêmicos ingressantes e concluintes.
Nosso artigo se divide em três seções. Após essa introdução, explanamos como a
metodologia de geração dos dados foi constituída, o instrumento utilizado e detalhamos o perfil
dos participantes. Na segunda seção, discutimos alguns aspectos voltados para a formação do
professor na contemporaneidade e, na terceira, fazemos um apanhado sobre as diferentes visões
de crítico apresentadas pelos participantes, recorrendo a apanhados teóricos sobre a temática.
Por fim, tecemos algumas considerações finais sobre o estudo realizado.

Aspectos metodológicos e contextualização da pesquisa

A geração de dados desse estudo foi realizada com a aplicação de um questionário


composto por cinco perguntas abertas (ver quadro 1) para 32 alunos dos cursos de Letras
Português-Inglês e Português-Espanhol oriundos de uma faculdade particular situada na região
central da cidade de Curitiba no segundo semestre do ano de 2015.
Quadro 1- Questionário aplicado aos acadêmicos de Letras

O presente questionário tem a finalidade de investigar sobre a formação e o desenvolvimento criticidade dentro
do curso de Letras. Não é necessário se identificar. Os dados revelados neste estudo servirão apenas como
caráter investigativo.

1) Você acha importante o aluno de Letras ter uma formação crítica? Sim ou não? Justifique.
2) O que você entende por formação crítica?
3) Que tipo de atividades são ou deveriam ser feitas para desenvolver sua criticidade? (atividades em sala e
atividades acadêmicas promovidas pela instituição)
4) Dada a resposta anterior, de quais atividades você já participa ou já participou?
5) Você tem espaço para expressar sua opinião em sala de aula? Com que frequência? Em quais disciplinas?
24706

Fonte: As autoras

Desse grupo de participantes, 12 eram alunos ingressantes (1º período) e 20 concluintes


(7º período5). Como já mencionamos anteriormente, o objetivo consistiu em examinar as visões
de criticidade trazidas pelos alunos, bem como identificar as práticas existentes no curso de
Letras e na instituição, como um todo, que proporcionam (ou não) o desenvolvimento para tal
formação. A apresentação e discussão dos dados obtidos foi realizada analisando as visões dos
alunos do 1º período e do 7º período simultaneamente. Optamos por não seguir a ordem como
as perguntas foram aplicadas, mas considerar o conteúdo e a forma como mobilizou a discussão.
Por isso, para auxiliar o leitor a perceber que pergunta está sendo contemplada fizemos
indicações em forma de nota de rodapé.
Para identificar os diferentes grupos de participantes, utilizamos ‘I’ para as respostas
dos alunos ingressantes e ‘C’ para as respostas dos concluintes seguidas de numeração para
referenciar o aluno respondente. As respostas foram selecionadas com base na recorrência de
ideias. Nas seções seguintes, as mesmas serão discutidas tecendo relações com referenciais
teóricos que informam sobre criticidade e formação de professores.

Formação de professores: questões do tempo atual

Pensar na formação de professores de línguas na contemporaneidade mobiliza questões


epistemológicas que recaem numa reflexão profunda sobre as novas formas de pensar e
construir o conhecimento, uma vez que convivemos com a pluralidade de saberes permeados
por diferentes relações sociais e de poder. Levando em conta que os significados são
construídos dentro de relações históricas, sociais e culturais específicas, “há sempre um limite
para aquilo que se pode interpretar. Isto é, há sempre, envolvidas nesse processo, operações de
inclusão e exclusão de saber e não saber (ou não saber ainda), e de conhecimento e ignorância
(LOPES, 2013, p. 943).
A formação inicial é o espaço onde os acadêmicos aprendem e desenvolvem grande
parte do conhecimento que irá conduzir suas práticas pedagógicas na vida profissional. Nesse
sentido, faz-se necessário problematizar as práticas que estão sendo trabalhadas no espaço

5
Duração do curso era 3 anos e meio, ou seja, sete períodos.
24707

acadêmico que visem promover uma formação cada vez mais crítica que possa subsidiar o
futuro professor para lidar com as complexidades presentes na vida educacional.
Para conhecer o que os acadêmicos pensam sobre a formação crítica na graduação,
perguntamos6 aos participantes da pesquisa sobre sua relevância e solicitamos que
justificassem as suas respostas. Os alunos do 1º período, em geral, foram unânimes ao afirmar
a sua importância, como podemos exemplificar nos excertos a seguir:

I1: Sim, pois assim também seremos profissionais críticos;


I2: A formação crítica é fundamental para o processo de formação do futuro
professor, pois somente dessa forma é possível desengessar o ensino;
I3: Sim, faz parte da real aprendizagem a formação de pessoas com opinião.

O participante I1 demonstra preocupação com o exercício de sua agência docente


entendendo que, para atuar como professor crítico precisa de formação para tal. Na
argumentação de I2, percebemos o interesse pela transformação nos modos de ensinar que
acontecem na escola, atribuindo à formação crítica a possibilidade para promover as mudanças
necessárias. Já os alunos do 7º período não apresentaram a mesma visão, como pode ser
observado nos próximos excertos:

C4: O estudante de Letras como futuro professor deve ter uma formação crítica diante
da realidade que o espera, a formação deve preparar o estudante com embasamento
teórico e prático.
C5: Penso que o curso oferece oportunidade ao aluno de desenvolver a sua
criticidade, mas acho que falta um direcionamento melhor por parte dos professores,
para ajudar o aluno a descobrir a forma mais “correta” de criticar.

Observamos que os participantes C4 e C5 atribuem ao professor a responsabilidade por


promover esse processo, seja indicando o embasamento teórico-prático, seja orientando o modo
correto de atuar criticamente o que, por sua vez, reforça a figura centralizadora do professor.
Nesse caso, a criticidade seria algo a ser ensinado e não algo construído a partir das experiências
vivenciadas no espaço acadêmico como, por exemplo, por meio das práticas de letramento
crítico.
A abordagem educacional conhecida como letramento crítico enfatiza essa necessidade
da interação dos alunos com o discurso nas aulas de língua, atribuindo um papel fundamental à

6
Questão 1.
24708

está última no processo de entender a existência de diversas práticas discursivas em cada


cultura, as quais são valorizadas de formas diferentes em nossa sociedade (DUBOC, 2012;
FOGAÇA e JORDÃO, 2007). Nessa visão, Jordão e Fogaça (2007, p. 100) argumentam que “a
sala de aula deve ser um espaço ideal e seguro para a reflexão e para a problematização de
diferentes questões, no qual os alunos e o professor se sintam confortáveis para questionar
diferentes perspectivas, inclusive as suas próprias”.
Assim, o papel das licenciaturas é fundamental para desenvolver uma formação que
valorize o contato com a diversidade de conhecimentos buscando preparar seus acadêmicos
para lidar com a pluralidade e reconhecer que “a sociedade contemporânea é um espaço em que
tem sido fundamental ainda relacionar saberes e reconhecer o potencial produtivo destas
relações, quer sejam elas de similitude ou de antagonismo” (JORDÃO, 2013, p. 86). Práticas
acadêmicas que ampliem as capacidades de negociação de sentidos, engajamento e participação
ativa se fazem essenciais para a construção de uma identidade crítica de seus discentes.
Para investigar a que tipo de práticas os participantes são expostos e como eles se
percebem no contexto acadêmico em que estão inseridos, perguntamos a eles se há espaço para
que possam expressar as suas opiniões nas aulas7 e, em caso afirmativo, com que frequência
isso ocorre e em quais disciplinas. Em suas respostas, os alunos do 1º período, de modo geral,
afirmaram que as oportunidades para se posicionarem em sala de aula são mais restritas, pois
elas ocorrem de acordo com a natureza da disciplina e conforme o planejamento cumprido pelos
professores, veja-se:

I6: Algumas matérias oportunizaram nossa participação, porém são poucas as que
ocorrem interação, como, por exemplo linguística, que é um monólogo do professor.
I7: Acho que sim, posso expressar minha opinião nas disciplinas de linguística,
gramática e literatura, pois os professores convidam à reflexão. Essa facilidade não
se aplica ao espanhol e metodologia, pois as aulas são extremamente tradicionais.

Já os alunos do 7º informaram que todas as disciplinas proporcionam espaço para


discussões e estão abertas para ouvir as opiniões dos alunos, veja-se:

C8: Espaço todos têm para expressar, mas as vezes fica tudo tão vago que não vejo
necessidade de minha opinião e nem perco meu tempo com isso.
C9: Acredito que todos temos, contudo, nosso ensino nessa instituição possui

7
Questão 5.
24709

ideologias engessadas.

Diante das respostas dadas pelos acadêmicos percebemos que, embora haja condições
para debates, o participante C8 não demonstra interesse por situações em que possa expor as
suas ideias. Ao afirmar que não deseja investir tempo nesse tipo de prática, ele parece não
considerar importante o que tem a dizer aos seus colegas ou professores ou, como o participante
C9, não acredita que seus discursos seriam ouvidos pelos outros que se encontram no contexto
institucional. Para C9, esses espaços são inócuos.
As respostas revelam como as práticas são realizadas no contexto acadêmico e, também,
que essa crítica a si mesmo pode ser entendida como o exercício de agência docente, conceito
relacionado a formação de professores e o desenvolvimento de saberes profissionais, ainda não
percebida pelos participantes. Para Ahearn (2001, p. 112), “agência se refere à capacidade
socioculturalmente mediada de atuar8”. Sob esta perspectiva, toda a ação é mediada
socioculturalmente, tanto na sua produção, quanto na sua interpretação. Nesse sentido, os
acadêmicos expressam suas críticas, tomando um posicionamento sobre como atuar no espaço
da sala de aula em que estão inseridos. De acordo com suas respostas, podemos afirmar que
exercer a agência nem sempre é participar dando uma opinião na forma de um comentário, por
exemplo, mas entender a necessidade de silenciamentos que podem oportunizar que o outro
possa manifestar seu posicionamento, ou ainda, se perceber um agente que está ou não
contribuindo para aquele conteúdo.
A temática da agência docente tem sido colocada em estudos recentes. A título de
exemplo podemos citar o trabalho de Duboc (2012) que, em sua tese de doutoramento, a partir
de uma pesquisa-ação colaborativa, discute a formação inicial de professores de língua inglesa.
A autora problematiza questões relacionadas ao currículo universitário recorrendo aos
pressupostos do letramento crítico como postura filosófica e conduzindo a ideia de “atitude
curricular”, delineada a partir do conceito de “brechas” que, segundo a autora, “emergem do
próprio contexto de formação de professores, de cujo processo resultaria o próprio
agenciamento dos sujeitos envolvidos”, sendo que a “atitude docente sobre essas brechas no

8.
Traduzido do inglês: “agency refers to the socioculturally mediated capacity to act. According to this bare bones
definition, all action is socioculturally mediated, both in its production and its interpretation”.
24710

currículo [é] que irá possibilitar o agenciamento crítico” (DUBOC, 2012, p. 94-95).
Entendemos que o conceito de agência é caro à formação de professores e está bastante
vinculado ao desenvolvimento crítico, pois esse último recai na possibilidade de preparar
indivíduos para mudanças de atitude. Assim, “a educação da complexidade e da agência quer
ensinar professores e educandos a aprenderem a buscar autonomia, a se assumirem no mundo”
(MOROSOV; MARTINEZ, 2008, p. 150). Esse conceito de agência exige o exercício constante
do questionamento e da problematização, isso quer dizer, se perceber como sujeito
“desmembrado pela fragmentação da experiência” (CORACINI, 2003, p. 100). É um sujeito
cuja identidade não é fixa e que reconhece que os saberes estão em constante processo de
transformação.

Concepções de crítico

Conceituar o termo crítico é uma tarefa um tanto quanto desafiadora, pois implica
compreender diferentes perspectivas epistemológicas. Isso porque o conceito de crítico
apresenta diferentes orientações teóricas dentro das variadas abordagens educacionais. De
acordo com Pennycook (2003, p. 25), uma das acepções mais comuns refere-se ao pensamento
crítico “utilizado para descrever um instrumento que propicia uma análise mais rigorosa à
solução de problemas ou à compreensão textual, por vezes identificada como um artifício para
desenvolver uma ‘distância mais crítica’”. Nessa acepção, o desenvolvimento do pensamento
crítico parece estar bastante atrelado à noção de ferramenta de análise que possibilita o leitor
de texto, ou de mundo, tomar certa distância daquilo que se analisa. Esse conjunto de
ferramentas pode ser ensinado e se assemelha a visão de leitura crítica nas palavras de Freire e
Macedo (1987, p. 29), “ler não é simplesmente decodificar a palavra escrita ou a linguagem;
melhor do que isso, a leitura é precedida e entretecida pelo conhecimento de mundo. A
linguagem e a realidade estão dramaticamente entretecidas”.
Segundo Monte Mór (2013), a habilidade de ser crítico tem sido entendida como um
elemento basilar de propostas educacionais, tais como o letramento crítico. Para a autora, essa
habilidade crítica se configura em:

processo expansivo e de mão dupla, voltado para a sociedade de agora. Traduz-se no


24711

desenvolvimento de habilidades de percepção social, de construção de sentidos, do


reconhecimento de outras formas de construção de conhecimento (diferentes das
tradicionais legitimadas), de promoção de agência e de cidadania ativa, dentre outras
habilidades que despontam e se fazem conhecidas (MONTE MÓR, 2013, p. 45)

Buscando conhecer os entendimentos dos acadêmicos acerca de suas concepções de


“formação crítica”, formulamos a pergunta9 aos participantes que nos responderam o seguinte:

I10: Formação crítica é aquela voltada a construção em conjunto do conhecimento.


Uma construção sem preconceitos e contextualizada (interdisciplinar).
I11: Uma formação crítica é aquela que permite ao aluno refletir e ter acesso a várias
perspectivas. O contrário seria uma formação dogmática, de repetição de crenças e
teorias. A formação crítica permite a transformação social e a participação de todas
as pessoas.

Recorrendo aos apontamentos dos acadêmicos podemos perceber que eles se


reconhecem dentro da noção de que os saberes não são fixos e estão em constante processo de
transformação, assim como suas próprias identidades. Os alunos do 1º período consideram que
a formação crítica é processual e interdisciplinar, como expressou I10, e também reflexiva na
afirmação de I11. Nesse sentido entendemos que “pensar sobre a base de conhecimento do
professor de línguas hoje significa levar em conta que [essas] definições não podem acontecer
sem análise das consequências de diferentes arranjos curriculares e análises das condições”
(GIMENEZ, 2005, p. 187) que esses professores enfrentarão no futuro. O desenvolvimento da
criticidade pode favorecer nesse sentido levando em consideração que a construção da “base de
conhecimentos está sempre sujeita às condições sócio históricas e aos mecanismos que
permitem que algumas propostas e não outras sejam aceitas como mais adequadas” (idem). Por
sua vez, os alunos do 7º período não enfatizam o modo como a formação acontece, mas a sua
finalidade, conforme as respostas de C12 e C13.

C12: Pessoas que buscam mudar o “seu mundo”, pensando em como uma
compreensão do mesmo, os auxiliará nesse processo, ou seja, alguém que tem
consciência da realidade e que busca modificá-la.
C13: Compreender aquilo que muitas vezes está nas entrelinhas. Pensar de uma
forma mais ampla, saindo da superficialidade e buscando maior aprofundamento em
tudo aquilo o que é exposto.

Chamou a nossa atenção o fato de um dos alunos concluintes demonstrar dificuldade

9
Questão 2.
24712

em relação à compreensão do tema tratado na questão formulada, pois o mesmo (C12) não foca
sua resposta na formação crítica dentro do espaço acadêmico. Isso pode indicar que esse aluno
não se percebe dentro de sua agência (DUBOC, 2012; AHEARN, 2001). No entanto, é colocado
pelos participantes que a formação crítica envolve um processo de tomada de consciência da
realidade que possibilita a transformação dessa realidade. Ainda nesse sentido, a formação
crítica, de acordo com C10 envolve um processo de leitura que vai além do que está nos textos
buscando ampliar formas de pensar e interpretar o que é dado. Essa visão se assemelha ao que
é colocado por Macedo e Freire (1987), uma vez que ler é muito mais do que um processo de
decodificação. Ainda dentro dessa questão, o participante C14 atribui às atividades do curso a
responsabilidade de explicitar esse tipo de formação, como podemos exemplificar no excerto
abaixo:

C14: Sinceramente não entendo nada, por isso acho que deveria ser melhor
apresentado ao longo dos estudos.

Podemos interpretar que C14 busca uma definição, ou explicitação do que se


caracterizaria uma formação crítica atribuindo aos professores, bem como ao espaço acadêmico
um esclarecimento. Isso pode se dar ao fato de esse aluno não se perceber como sujeito agentivo
o qual corrobora para a construção dos saberes docentes no espaço em que circula. C14 afasta
sua responsabilidade enquanto acadêmico de ser agente de seu processo de aprendizagem.
Sobre esse processo de agência, semelhante ao que é proposto por Monte Mór (2013),
Jordão (2014, p.139), entende que os conceitos de “transformação, criticidade e agência
precisam ser tratados juntos” quando dizem respeito ao letramento crítico. Para a autora, a
noção de agência crítica transformadora pode ser compreendida como maneiras ativas na
construção do mundo, de “caracterizar os sujeitos e os discursos que (n)os constituem,
posicionando-se diante deles de forma contingente, localizada, situada, porque relacionada
diretamente aos contextos (espaciais, históricos, políticos, epistemológicos) nos quais os
discursos são produzidos”. Tendo em vista a necessidade de os professores estarem
comprometidos com as complexidades presentes no contexto educacional e refletirem sobre
isso (JORDÃO, 2004, 2013; Monte Mór, 2013), a visão de C15 revela uma posição contrária a
essa perspectiva, com a seguinte resposta:
24713

C15: “Não. Eu acho que esse tipo de formação não nos leva a nada”.

A resposta dada por C15 diverge das demais respostas dadas pelo grupo a ponto de gerar
uma desestabilização. Com relação a esse tipo de posicionamento, Monte Mór (2014, p. 247)
nos coloca que “as visões sobre o inesperado e a revista às relações de poder proporcionadas
pelas situações de mobilidade trazem valiosas contribuições para os estudos de diversidade,
para o reposicionamento quanto ao outro e, necessariamente quanto ao eu”. Ao tomarmos os
pressupostos defendidos pelo letramento crítico entendemos que, embora gere algum tipo de
incomodo, por parte das pesquisadoras, o fato de o aluno não ver a importância de uma
formação crítica não indo de encontro com o que defendemos enquanto formadoras de
professores, reconhecemos que a existência de perspectivas divergentes faz parte das relações
interpessoais. Assim, o que se faz necessário diante de uma resposta como essa é a busca pela
problematização do pensamento, buscando entender o que o levou a pensar da forma como
pensa estabelecendo uma ética de ler-se-lendo (MENEZES DE SOUZA, 2011).
Com relação às práticas acadêmicas, perguntamos10 aos sujeitos participantes que
atividades são, ou deveriam ser, realizadas no curso de Letras e na faculdade, como um todo,
oportunizadas para propiciar o desenvolvimento crítico. A maioria dos alunos dos diferentes
períodos do curso citaram respostas semelhantes: debates, gincanas, visitas técnicas, palestras,
mesas redondas e seminários, conforme os exemplos que seguem:

I16: Mais palestras onde nós possamos expressar nossas opiniões críticas.
I17: Atividades que induzam o aluno a pensar de modo crítico e não mecanizado. A
instituição poderia proporcionar mais debates em relação com outros cursos.
C18: Atividades de mesa-redonda em sala de aula, já que é a nota motiva o aluno
(pelo menos por enquanto). Direcionar para atividades como: rodas de leitura,
produção de artigos em uma revista da instituição - Iniciação Científica.
C19: Muitas vezes os próprios professores cobram algo que eles mesmo não ensinam,
como a visão crítica, por exemplo.

Dos aspectos mencionados, observamos três apontamentos que merecem ser tratados.
Um deles é o fato de que os alunos almejam experiências extracurriculares, como mencionam
I16 e C 18. Com esse pensamento, parecem deixar de valorizar as experiências vivenciadas nas
aulas de línguas que, como explicam Jordão e Fogaça (2007), é um espaço privilegiado para

10
Questão 3.
24714

questionamentos sobre as diferentes perspectivas das leituras realizadas, inclusive as dos


próprios alunos. Outro ponto diz respeito à integração entre os cursos da mesma área do
conhecimento, pois o aluno C17 acredita que o encontro com outros colegas em situações de
debates pode ampliar o desenvolvimento da criticidade no contexto da graduação. A colocação
do aluno é bastante pertinente quando pensamos que o contato com diferentes saberes amplia
as nossas perspectivas interpretativas na medida em que favorece a percepção de que o
conhecimento é algo fragmentado, dinâmico e fluído, ou seja, construído de forma colaborativa.
Entendemos que há uma grande dificuldade de promover práticas dessa natureza dentro das
próprias disciplinas do curso de Letras e que cabe a nós, professores formadores, exercitarmos
com mais frequência práticas interdisciplinares e colaborativas a fim de corroborar para o
desenvolvimento crítico. No que diz respeito ao terceiro ponto, o aluno C19 entende que o
professor deve ser a referência como modelo a ser reproduzido, ou seja, ele sinaliza uma
concepção de criticidade como algo a ser ensinado, deixando de perceber que a atitude
transformadora da subjetividade é um processo que ocorre internamente, como afirma Jordão
(2004).
Ainda dentro dessa proposta, pedimos aos acadêmicos que levassem em consideração a
pergunta anterior e refletissem sobre o seu envolvimento nas atividades curriculares e
extracurriculares proporcionadas pela instituição durante o curso de graduação11. Como
resposta, apareceram relatos de participações em atividades externas e a menção a um debate
ocorrido na aula de gramática, como demonstram alguns excertos:

I20: Debates, palestras, mesas-redondas e seminários.


I21: Debate, na aula de gramática, nós adoramos!!!
C22: Já participei de grupos de discussões de direitos humanos e também sou
presente nas lutas para resguardar os direitos já adquiridos pelos professores do
Paraná.
C23: Participei de iniciação científica.

Sobre as atividades valorizadas pelos alunos, entendemos que estas podem ser vistas
como forma de ampliação do engajamento com novas e diferentes formas de saber, embora não
se possa garantir que o desenvolvimento crítico aconteça. Concordamos com Jordão (2004, p.
9) ao afirmar que “a agência localizada tem implicações também nos espaços mais distantes e,

11
Questão 4.
24715

para agir [...] é preciso modificar-se internamente, é preciso desenvolver atitudes


transformadoras das próprias subjetividades”. Dito de outra forma, trata-se de um processo que
envolve, primeiramente, mudanças internas e para o qual a educação pelas línguas contribui de
forma significativa. Isso porque o ensino e a aprendizagem de línguas promovem possibilidades
de confronto e negociação de sentidos com o outro e, assim, o entendimento dos nossos
procedimentos de significação.
Por outro lado, os alunos I21, C22 e C23 citam exemplos cuja natureza envolve
atividades voltadas para um processo interno, pois participar de um debate, de uma discussão
ou de uma iniciação científica exige uma postura de autonomia e de protagonismo por parte do
acadêmico. Diante do que buscamos discutir sobre a questão da criticidade dentro da formação
inicial de professores, as reflexões desses alunos reforçam o olhar voltado para a expansão da
noção de agência, no espaço acadêmico, para que se percebam como construtores de
conhecimentos e saberes profissionais e não mero receptores.

Considerações finais

Neste artigo procuramos discutir a formação inicial de professores e a questão da


criticidade a partir de uma pesquisa realizada no contexto de um curso de Letras. A partir dos
resultados provenientes da aplicação de um questionário, constatamos a dificuldade dos
graduandos, tanto iniciantes como concluintes, em se perceberem como sujeitos agentes
inseridos num processo de formação crítica e em compreenderem a necessidade dessa formação
docente para uma atuação em seus espaços de trabalho.
Sob a ótica dos participantes do estudo realizado, as dificuldades parecem residir na
falta de atividades que promovam diálogos entre as disciplinas do curso de graduação Letras,
bem como com outros cursos da mesma natureza, ofertados pela instituição, pois os alunos
entendem que os debates podem auxiliar em seu desenvolvimento crítico, favorecendo o
compartilhamento de saberes entre as áreas do conhecimento e o contato com o outro nas
diferentes negociações de sentido. Sabemos que o diálogo entre as diferentes áreas nem sempre
é tão fácil de ser estabelecido, ainda mais quando consideramos as dificuldades de desenvolver
práticas interdisciplinares dentro do próprio curso de Letras as quais precisam serem superadas.
24716

Contudo, precisamos criar estratégias para fortalecer esse diálogo no próprio curso e fora dele
ampliando as redes de contado dos acadêmicos e a descompartimentalização dos saberes.
Certamente, esses são entraves relevantes para o processo formativo dos futuros professores.
Entretanto, não nos é possível afirmar que a melhoria de tais aspectos possibilita o preparo
desses alunos para mudanças de atitude e, por conseguinte, para o exercício da agência docente.
O que a literatura da área tem apontado é que a abordagem reflexiva pode estimular a reflexão,
auxiliando o futuro professor a descobrir as dimensões de suas ações e a sua capacidade crítica.
Nesse artigo, exemplificamos representações do nosso trabalho como formadoras de
professores, por meio das percepções dos alunos. Entendemos que os resultados encontrados
podem servir como subsídios para as transformações necessárias os quais nos convidam para o
exercício constante de questionamento. Algumas das questões que nós fizemos durante a
análise dos dados e gostaríamos de compartilhar são: ‘Que professores somos? Que professores
queremos formar?’. Esperamos que nosso trabalho possa contribuir para que outros formadores
de professores problematizem suas práticas no ensino superior a fim de favorecer o
desenvolvimento crítico de seus futuros professores.

REFERÊNCIAS

AHEARN, Laura. Language and agency. Annual Review of Anthropology, n. 30, p. 109-137,
2001.

BRASIL. Orientações curriculares para o ensino médio. Linguagens, códigos e suas


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