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AO UTILITARISMO1
SUMÁRIO
RESUMO
Essa pesquisa visa a investigar a teoria da justiça como equidade, que embora seja alvo de
censuras, como o pluralismo agônico de Chantal Mouffe, se impõem como teoria no tempo e na
história, supera as criticas e se posiciona como alternativa e refutação a teoria Utilitária. Para
tanto, inicialmente desvela-se a relação da visão comunitarista de justiça com o utilitarismo
clássico. A comunitária tem como preocupação central a comunidade e sua principal afirmação é
a relevância dela para a construção da boa sociedade, enquanto a utilitarista busca a
maximização da utilidade como norma de ação individual, das instituições e como critério de
justiça política baseada na utilidade. De cunho liberal, a teoria da justiça, espelhada nos
contratualistas estabelece como ponto de partida, a rejeição ao utilitarismo. Expressa que o
objetivo da teoria da justiça como equidade é fornecer um conjunto de princípios, que poderiam
ser utilizados para determinar se as instituições e as ações de uma sociedade são justas, e para
tanto, deveria postular princípios válidos para todos, independentemente da posição em que se
encontrem, pois entende que a cooperação social possibilita melhores condições de vida quando
comparadas a possibilidade de cada um viver e se organizar individualmente, segundo os seus
próprios interesses, e segundo o máximo de felicidade agregada. Assim, resultados com base
única na utilidade se chocam com os juízos sobre os direitos que os indivíduos possuem e que
não devem ser sacrificados no cálculo dos interesses sociais.
ABSTRACT
1. Introdução
2
Para justificar essa posição, inicialmente verifica-se a existência de duas teorias
sociais consideráveis, a comunitária e a utilitária. O comunitarismo se firma como
contestação a insuficiência do liberalismo, e não como teoria política econômica, já que
não alcançaria os ideais da comunidade. Já o utilitarismo busca na maximização da
utilidade o critério de comportamento individual e político a ordenar a sociedade, mas
que, entrementes não se posta como teoria de justificação moral de um Estado, pela
impossibilidade de aferição e distribuição justa da felicidade na sociedade.
Nesse contexto, e considerando que em sociedade, muitas coisas podem ser
caracterizadas como justas e injustas, Rawls, para constituir sua teoria com o objetivo e
superar o utilitarismo, atem-se à justiça distributiva de direitos e deveres das
instituições sociais básicas, operando através de constituições políticas, acordos
econômicos e sociais. Expressada na universalização e no ordenamento por princípios
que regulam o agir humano e social, a teoria proposta por Rawls define uma espécie de
acordo hipotético entre as partes produzido por meio do acolhimento e escolha dos
princípios da justiça que devem ser vinculados às instituições sociais, que, por oportuno,
representam um sistema público de regras de conduta.
Rawls introduziu em sua reflexão um constrangimento adicional que define como
“véu da ignorância (veil os ignorance)”, que implica somente ser possível conceber
igualdade incondicional da situação inicial se os indivíduos desconhecerem totalmente
sua situação particular.
Criticando essa teoria, Mouffe apresenta o modelo agonístico de democracia, que
se diferencia pelo objetivo proposto que não pretende a superação total do modelo
anterior, mas criticar pontos que considera frágeis na teoria rawlsiana. Em suas
querelas, funda-se na constatação de que não devem ser eliminadas as pessoalidades em
função de um acordo hipotético, mas construir mecanismos que sejam capazes de
mobilizar, dar existência a tais paixões e interesses dentro dos princípios e regras
democráticas. Sua teoria do pluralismo agonístico se mostra na forma de transformar as
relações antagônicas em relações agônicas num contexto político democrático sempre
dominado pelas questões de poder e de antagonismo.
Diante desse antagonismo, podemos perceber que Rawls pretendeu oferecer um
modelo procedimental capaz de conciliar igualitarismo e individualismo, inferindo que
as pessoas possuem diferentes valores e formulam diferentes projetos, por vezes para
além da sua própria vida e experiência individual. Assim, uma sociedade, para ser
3
considerada justa, deveria superar as diferenças a que são submetidos seus membros.
Para tanto, deveria postular princípios válidos para todos, independentemente da
posição em que se encontrem, pois a cooperação social possibilita melhores condições
de vida, o que deve ser realizado através do contrato social objetivando viabilizar a
justiça de forma cooperativa entre os membros da sociedade.
Dessa forma, a Teoria da justiça como equidade demonstra que o utilitarismo
fracassa enquanto teoria moral, não somente pelas dificuldades inerentes à tentativa de
quantificação da felicidade e de hierarquização qualitativa dos prazeres, mas em outros
aspectos, em especial que a justificação esteja centrada na maximização do bem-estar
coletivo, às expensas dos direitos de cada indivíduo, gerando uma situação que teríamos
de classificar como profundamente injusta.
2 O utilitarismo e o comunitarismo
4
exatamente, da felicidade ou infelicidade que ela produz ou tende a produzir. Aplicado à
teoria política, o princípio utilitarista reza que a limitação coercitiva das liberdades
individuais por parte do Estado pode ser considerada como justificada na medida em
que suas consequências são úteis, e na medida em que o Estado tende a promover o
maior bem-estar ou felicidade da coletividade a ele submetida.3
3Pode-se complementar predita premissa afirmando que ainda que a restrição coercitiva das liberdades
seja em si mesma um mal necessário, ela estará justificada na medida em que for compensada por um
máximo de bem-estar ou felicidade proporcionado para a coletividade. Assim, para o utilitarista, a única
razão plausível para justificar a restrição das liberdades, cobrar obediência às leis e sancionar coerções
diante de sua desobediência está em mostrar que isso é mais vantajoso e útil, porque torna a coletividade
mais feliz.
4 O jurista Jeremy Bentham preferiu o estudo da teoria do Direito em lugar de exercer a profissão de
advogado. Além disto, era economista e filósofo que chefiou um grupo de pensadores ingleses, entre os
séculos XVIII e XIX, que ficou conhecido como grupo de radicais filosóficos ou “utilitaristas”. Seus
componentes pregavam por reformas políticas e sociais, entre elas uma nova constituição para o país, que
foi alcançado no ano da morte de Bentham. Os membros desta corrente trabalhavam em vista do mesmo
fim, e assim seus componentes uniram-se na reverência a seu mestre: Jeremy Bentham. Estes “radicais”
propuseram uma modificação no panorama filosófico e científico. As teorias defendidas em comum e
aplicadas a vários campos, tanto no social como no humano formaram uma doutrina que se sobrepôs às
escolas cartesianas e kantianas, pensamento predominante na época. O ponto de partida de sua doutrina
foi seus estudos sobre a ciência do direito, concentrado no jusnaturalismo. Sua teoria dizia que o pacto
entre os membros de uma sociedade deveria necessariamente ser feito um contrato anterior (original).
Partindo desta premissa, sustenta que se a autoridade suprema não cumpre suas obrigações para com os
súditos, ainda assim a obediência deve prevalecer. O entendimento da teoria proferida por Bentham e
sustentada por seus seguidores era que para a interpretação da norma deveria levar em consideração os
efeitos reais produzidos. A qualificação dos efeitos teria como base a utilidade, sendo o bom aquilo que
traz prazer e mau, o que causa dor. Complementando esta afirmação, sob o prisma social bom e justo é
tudo aquilo que tende a aumentar a felicidade geral.
5
de uma ação, no sentido de que a natureza colocou como possibilidades para a ação
humana a geração desses dois produtos finais: o prazer e a dor.5
o princípio que aprova ou desaprova toda ação qualquer que seja de acordo
com a tendência que ela parece ter a aumentar ou diminuir a felicidade da parte
cujo interesse está em questão, ou, que é a mesma coisa em outras palavras, a
tendência a promover ou opor-se a tal felicidade. Digo de toda ação, qualquer
que seja, e, portanto, não apenas toda ação de um indivíduo privado, mas
também toda medida de governo6
5 Segundo Freitas (1986, p. 44), “A primeira lei de natureza, para Bentham, consistiria em buscar o prazer
e evitar a dor, sendo necessário para alcançar tal escopo que a felicidade pessoal fosse alcançada pela
felicidade alheia. (...) A solução para encontrar a cooperação entre os homens, ele a aponta na identificação
de interesses, factível através da atividade legislativa do governo.”
6 Essa definição sobre o princípio da utilidade deve ser interpretada no sentido de que deve ser aplicado,
como principio a qualquer coisa que seja concebida para servir como o fundamento ou o início de uma
série de operações. Em alguns casos, de operações físicas, e também de operações mentais. O princípio
aqui em questão pode ser tomado como um ato da mente, como um sentimento de aprovação. Um
sentimento que, quando aplicado a uma ação, aprova a sua utilidade enquanto aquela qualidade pela qual
a medida da aprovação ou desaprovação conferida a ela deve ser governada.
6
principio não poderia dar conta da distribuição da felicidade, e sua maximização sem
denotar o modo como justo ou injusto que é distribuída socialmente, o que nos leva a
defender sua inaplicabilidade como teoria de justificação moral de um Estado. 7
7 É importante referir que a escola utilitarista utiliza-se de condições de avaliação das escolhas pessoais,
como por exemplo, de ações, de regras, de instituições e de partidos político, sendo que os componentes
dessa avaliação do agir humano com os critérios utilitaristas se verificam conforme o enquadramento do
tipo de ação e de utilidade, e são divididos em consequencialismo, welfarismo e o ranking pela soma.
Esses, como componentes da avaliação utilitarista, podemos aferir no tocante ao consequencialismo que
todas as escolhas (de ações, regras, instituições) devem ser julgadas por suas consequências, ou pelos
resultados que geram. Assim, temos que a posição consequencialista de Bentham, Mill e Sidgwick, é uma
abordagem ética que trata do prazer ou satisfação dos desejos como o principal elemento do bem humano
e retrata a moralidade das ações como inteiramente dependente das consequências ou resultados para o
bem-estar do organismo. Quanto ao conquencialismo, Sen (2010, p. 84) refere que “Na verdade o enfoque
vai além de exigir apenas a sensibilidade para as consequências, pois determina que, em ultima analise,
nada a não ser as consequências pode ter importância.” Já o welfarismo, restringe os juízos sobre os
estados de coisas ás suas próprias utilidades, sem atentar diretamente para as coisas. Assim, a fruição ou a
violação de direitos e deveres, não é entendida como função apenas das informações sobre as utilidades
relativas a esse estado ou seja, o que importa para avaliação dos estados são as utilidades individuais
naqueles mesmos estados. E portanto, todas as escolhas devem ser julgadas em conformidade com as
respectivas utilidades que ela gera. E o ranking pela soma é o critério que requer que as utilidades de
diferentes pessoas sejam simplesmente somadas conjuntamente para se obter seu mérito agregado, sem
atentar para a distribuição desse total pelos indivíduos, ou seja, a soma de utilidades deve ser maximizada
sem levar em consideração o grau de desigualdade na distribuição das utilidades (ou seja, o que importa é
a soma: distribuição não importa)
7
Em relação a teoria do comunitarismo, esta pode ser entendida como uma
corrente de pensamento que essencialmente contesta a insuficiência da teoria e prática
liberal tanto econômica como política, sendo que, ao contrário do que sua designação
possa indicar, não é tanto a questão da comunidade que está em causa no centro da
controvérsia, mas a forma de entendimento do sujeito liberal e da justiça ligada à
distribuição de recursos sociais.8
Mas, por outro lado, como Frazer e Lacey (1993, p. 137) acusam, os comunitários
não deram uma explicação adequada do poder de institucionalizar as compreensões da
comunidade, sendo que o problema está no entendimento do que é, como se verifica esta
comunidade, e quais os modelos em que se baseia, o que não restou bem definido e
consagrado para sua apresentação como teoria.
9
Macintyre (2001) contribui com a ideia de que não é a esperança da eliminação das diferenças que
sustenta a base da teoria social, que deve reconhecer que não precisamos ser todos iguais entre si (para
todos os fins morais e políticos importantes) quando ninguém possui nem controla os meios de
dominação. Mas esses meios têm constituições diferentes em cada sociedade. Linhagem e sangue,
latifúndio, capital, cultura, graça divina e poder do Estado, sendo que tudo isso serviu, numa outra época,
para que algumas pessoas dominassem outras. O domínio é sempre mediado por algum tipo de bem
social. Embora a experiência seja pessoal, nada nas próprias pessoas determina seu caráter. Donde,
novamente, a igualdade, conforme sonhamos, não exige a repressão de ninguém. Precisamos entender e
controlar os bens sociais; não temos de esticar nem encolher seres humanos.
10 Chantal Mouffe (mouffec@wmin.ac.uk) é Professora de Teoria Política na Universidade de Westminster
(Inglaterra) e cientista política formada pelas universidades de Louvain, Paris e Essex. Lecionou em
diversas universidades da Europa, América do Norte e América Latina; organizou os livros Gramsci and
Marxist Theory, Dimensions of Radical Democracy, Deconstruction and Pragmatism e The Challenge of
Carl Schmitt; é co-autora (com Ernesto Laclau) de Hegemony and Socialist Strategy: Towards a Radical
9
A posição Mouffiana está voltada principalmente para os procedimentos
argumentativos adotados por Rawls na defesa da sua compreensão de justiça baseada
em direitos, uma concepção que, acredita, deveria ser defendida por outros meios. A
análise do pensamento político de Rawls o situa como um representante do novo
paradigma liberal.11
nossa identidade moral é determinada pelo grupo ou grupos com os qual nos
identificamos – o tipo de grupo como qual não podemos ser desleais e ainda
assim ser nós mesmos. (...) A teoria de Rawls toma como certa a existência de
um interesse próprio racional comum sobre o qual os cidadãos, agindo como
pessoas morais livres e iguais podem concordar (...). 12
Democratic Politics (1985) e autora de The Return of the Political (1993), The Democratic Paradox (2000)
e On the Political (2005). Nos anos 60, participou das lutas anticapitalistas e libertárias de sua geração.
Teve destaque também como feminista. Passou pelo marxismo, sempre na vertente contrária ao
stalinismo, mas abandonou alguns dos pressupostos metafísicos do marxismo. Foi influenciada pela
psicanálise e por Nietzsche. É identificada como pós-marxistas.
11 A concepção política adotada pelo liberalismo Rawlsiano, enquanto base para o consenso é criticada por
Mouffe (1996, p. 184), ao referir que “Na realidade, a ambição do «liberalismo político» é formular uma
lista definitiva de direitos, princípios e acordos institucionais inatacáveis e que constituam a base de um
consenso simultaneamente moral e neutro. Para esse efeito, estes pensadores liberais propõem- se deixar
de lado as questões religiosas, filosóficas e metafísicas «controversas», limitando-se a uma compreensão
estritamente «política » do liberalismo. Segundo acreditam, isto poderia constituir o fundamento comum
que ainda pode ser obtido, quando já não existe a possibilidade de um bem comum.”
12 Nesse mesmo sentido, segue afirmando Mouffe (1996, p. 193-194) que: “Não é minha intenção defender
um pluralismo total e não acredito que seja possível evitar a exclusão de alguns pontos de vista. Nenhum
Estado ou ordem política, mesmo liberal, podem existir sem algumas formas de exclusão. O meu
argumento é diferente. Pretendo defender que é muito importante reconhecer essas formas de exclusão
pelo que são e pela violência que significam, em vez de as ocultar sob um véu de racionalidade. Mascarar a
verdadeira natureza das necessárias «fronteiras» e modos de exclusão exigidos por uma ordem
democrático-liberal, fundamentando-os no carácter supostamente neutro da «racionalidade», cria efeitos
de ocultação que põem em causa o correcto funcionamento da política democrática.”
10
Temos que uma democracia pluralista exige um certo volume de consenso e que
ela requer a lealdade aos valores que constituem seus princípios ético-políticos.
Entretanto, dado que tais princípios só podem existir por meio de muitas interpretações
diferentes e conflitantes, esse consenso está fadado a ser um “consenso conflituoso”.
Esse é, com efeito, o terreno privilegiado de confrontação agonística entre adversários. E
para alimentar a lealdade a suas instituições, o sistema democrático requer a
disponibilidade daquelas formas de identificação com a cidadania em disputa, e assim
elas proveem o terreno em que as paixões podem ser mobilizadas em torno de objetivos
democráticos e o antagonismo transformado em agonismo.
13 Para Mouffe, esse consenso não pode existir, e devemos aceitar que cada consenso exista como
resultado temporário de uma hegemonia provisória, como estabilização do poder e que ele sempre
acarreta alguma forma de exclusão. Ideias de que o poder poderia ser dissolvido por meio de um debate
racional e de que a legitimidade poderia ser baseada na racionalidade pura são ilusões que podem colocar
em risco as instituições democráticas.
11
Uma diferença essencial apontada entre essa proposta e o modelo deliberativo de
Rawls é a de que, para o pluralismo agonístico, o objetivo da política democrática não é a
eliminação das paixões, dos próprios interesses da esfera pública, para aí se buscar um
consenso racional, mas justamente o contrário, é tarefa da democracia construir
mecanismos que sejam capazes de mobilizar, dar existência a tais paixões e interesses
dentro dos princípios e regras democráticos, ou seja, que se assegure a existência
conflitiva da dimensão humana, mas que transforme os inimigos em adversários dentro
das regras estabelecidas pelo jogo democrático.
Mas, como visto, Mouffe não apresenta um modelo teórico apto a superar o da
deliberação racional, se resumindo à desconstrução do modelo deliberativo baseado no
consenso. Não desenvolve normativamente o pluralismo agonístico, de forma a
promover sua aplicação em instituições que regulem e estabeleçam as disposições de
convivência e de implementação do principio agônico no contexto democrático.
14John Rawls nasceu na cidade de Baltimore, Maryland, nos Estados Unidos da América (1921). Doutorou-
se em Filosofia e Letras na Universidade de Princeton (1950), na qual iniciou sua carreira acadêmica. Foi
professor da Universidade de CorneiI e da Universidade de Harvard (1962), pela qual foi nomeado
University Professor; título das mais altas congratulações acadêmicas, alcançadas por muito poucos
professores. Em Harvard, ocupou a cadeira de Filosofia Moral, disciplina que compreende as temáticas de
Ética, Política e Direito nos países de língua inglesa. Conferencista dos mais distintos em Universidades
dos Estados Unidos e outros países, especialmente Europa, elaborou suas obras a partir de suas
conferências e de seus artigos publicados em revistas de Filosofia, Política e Direito. Exímio conhecedor do
pensamento clássico, principalmente Platão e Aristóteles, e de Thomas Hobbes, John Locke e David Hume,
13
moldam todos os indivíduos desde o início de suas vidas, fato que, diante das
desigualdades de ingerência política, social e econômica, algumas pessoas têm melhores
oportunidades que outras, o que se traduz na questão da justiça social, que teria
justamente nessas desigualdades o lugar primário de atuação.15
dedicou-se com maior atenção a Jeremias Bentham e John Stuart Mill, mas o pensador do liberalismo
clássico que maior influência exerceu sobre Rawls foi Imanuel Kant (1724-1804). Iniciou seus escritos em
1951, com a publicação de um artigo com o título Outline of a Decision Procedure for Ethics. Em 1955 e
1958 levou à publicação outros dois textos intitulados, respectivamente, Two Concepts of Rules e Justice
as Fairness. Com a publicação, em 1971, de Uma Teoria da Justiça, o então desconhecido John Rawls
ganhou notoriedade. Este livro, tido como a sua obra-prima, começou a ser escrito em 1966 no
Philosophical Institute de Boulder, Colorado, nos EUA. Em seguida, ganhou uma segunda versão, em 1967-
1968, em Harvard, vindo a ser concluído em 1969-1970, no Center for Advanced Study da Universidade de
Stanford, Califórnia, nos EUA. Ele desenvolveu intensa atividade acadêmica e intelectual, especialmente na
década de 80 do século XX e primeira metade da década de 90 do mesmo século. Em 1993, ele reuniu no
livro O Liberalismo Político os seus principais escritos que se seguiram à publicação de Uma Teoria da
Justiça, por meio dos quais procurou esclarecer pontos da sua obra-prima, os quais foram objeto de
críticas ao longo de duas décadas, em alguns momentos chegando a ceder aos argumentos dos seus
interlocutores e revisar parte da sua teoria. Em 1999, Rawls publicou outro livro intitulado O Direito dos
Povos. Com um estilo de vida recluso, Rawls teve sua saúde debilitada a partir de 1995, quando sofreu o
primeiro de uma série de derrames que o atingiram. Ele morreu em 24 de novembro de 2002, aos 81 anos
de idade, em sua casa, em Lexington, Massachusetts, nos EUA.
15 Para Rawls (2002, p. 11), a Justiça se traduz na “atuação de seus princípios na atribuição de direitos e
deveres e na definição da divisão apropriada de vantagens sociais”. A teoria da justiça como equidade
estabelece que as instituições sociais básicas seriam responsáveis pela efetivação de direitos das pessoas
outorgantes ao pacto social concernente a escolher a aplicação dos princípios da justiça.
16 É uma maneira de raciocinar em que os cidadãos na democracia justifiquem suas decisões. A razão
pública é uma ideia política dirigida aos cidadãos, que devem conduzir as discussões dentro do que cada
um considera uma concepção de justiça, baseada em valores que se pode esperar que razoavelmente os
outros subscrevam.16
14
O acordo entre as partes produzido por meio do acolhimento e escolha dos
princípios da justiça deve ser vinculado às instituições sociais, que representam um
sistema público de regras de conduta. Refere Rawls que (2000, p. 58) “por instituição
entendo um sistema público de regras que define cargos e posições com seus direitos e
deveres, poderes e imunidades. Estas regras especificam certas formas de ação como
permissíveis, outras como proibidas, criam também certas penalidades e defesas (...)
quando ocorrem violações.” 17
A Posição original, elemento central da teoria, pode ser considerada uma escolha
racional, por onde em seu status quo inicial haveria uma deliberação racional na qual
necessariamente escolher-se-iam uns princípios antes de outros, ou seja, uma concepção
de justiça em vez de outra. São as realidades contextuais que determinarão as escolhas
nessa posição, através da incorporação de pressupostos aceitos. Todos poderiam
participar do processo da escolha dos princípios (propostas, razões), acreditando-se que
essa participação seria justamente a primazia da igualdade entre pessoas possuidoras
de senso comum. A solução adotada, e denominada de equilíbrio ponderado, como o
local hipotético, e ao mesmo tempo inalcançável, serve justamente para conduzir os
sujeitos ao consenso, ou ao menos para proporcionar o consenso pelo raciocínio
filosófico.
17 Para a realização de um acordo que seja considerado benéfico para todos, a concepção de equidade é
fundamental para o avanço da teoria da justiça de Rawls. Zambam (200, p. 63) esclarece que o “conceito
de equidade é fundamental, uma condição indispensável para se construir um acordo, pois situa as
pessoas em condições de igualdade, não permite privilégios oriundos de qualquer tipo de barganha. Entre
as conseqüências disso está a exclusão do uso de quaisquer formas arbitrárias que possam ameaçar as
partes ou o funcionamento das instituições.” Compreende-se como principal objetivo na teoria da justiça
como equidade (justice as fairness) ser base de sustentação para a sociedade, ordenando as instituições de
forma a cooperarem com as escolhas dos sujeitos pelos princípios da justiça. Nesse sentido, necessário
que as instituições públicas e privadas atuem na consecução das escolhas racionais operacionalizadas
pelas pessoas pelos princípios da justiça. Como infere Zambam (200, p. 68) “Viabilizar a teoria da justiça é
responsabilidade das instituições maiores da sociedade democrática, cujos princípios da igualdade e da
liberdade devem ter consideração prioritária.” Sonia Felipe (200, p. 149) define essas instituições básicas
da sociedade como “propriedade privada, constituição, mercado competitivo, família monogâmica,
organização e representação politico-partidária, liberdades civis, e outras, mais ou menos relevantes para
a justiça distributiva, dependendo do grau de desenvolvimento do sistema de cooperação social em
questão”.
15
livres e iguais e como estando situadas numa situação equitativa que permite que o
acordo se dê sob determinadas condições.18
“Afirmei que a Posição Original é o status quo inicial apropriado para assegurar que os conceitos básicos
nele estipulados sejam equitativos.” Acerca disso, e na medida em que a posição original pode servir como
essa base pública, pode-se obter um acordo entre os cidadãos concretos, a partir do acordo hipotético das
partes contratantes. E Segue Rawls (2000, p. 66) referindo que “um ponto de vista apartado dessa
estrutura básica abrangente, não distorcido por suas características e circunstâncias particulares, um
ponto de vista a partir do qual um acordo equitativo entre pessoas consideradas livres e iguais possa ser
estabelecido”.
16
Assim, cada pessoa que vai fazer parte do acordo hipotético estabelecido deve se
situar somente na perspectiva geral do conhecimento, ou seja, deve estrategicamente
olvidar das contingências particulares que permitem a exploração de circunstâncias
naturais e sociais em benefício próprio.20 Estando em igualdade de posição, a escolha
racional pelos princípios de justiça vai ser isenta de arbitrariedades. Essa perspectiva
geral das pessoas é esclarecida por Rawls (2000, p. 147):
Supõe-se, então que as partes não conhecem certos tipos de fatos particulares.
Em primeiro lugar, ninguém sabe qual é o seu lugar na sociedade, a sua posição
de classe ou seu status social; além disso, ninguém conhece a sua sorte na
distribuição de dotes naturais e habilidades, sua inteligência e força, e assim
por diante. Também ninguém conhece a sua concepção de bem, as
particularidades de seu plano de vida racional, e nem mesmo os traços
característicos de sua psicologia [...] Mais ainda, admito que as partes não
conhecem as circunstancias particulares de sua sociedade. Ou seja, elas não
conhecem a posição econômica e política dessa sociedade, ou o nível de
civilização e cultura que ela foi capaz de atingir. As pessoas na posição original
não sabem a qual geração pertencem [...] a fim de levarem adiante a ideia da
posição original, as partes não devem conhecer as circunstancias que as
colocam em oposição.
20 Para suprir as contingencias especificas do ser humano, Rawls, estabelece que racionalmente cada parte
do acordo social, renunciaria essas mesmas condições particulares em beneficio do coletivo. Essa renuncia
se daria quando as partes recebessem e reconhecessem o véu da ignorância como recurso para a
igualdade social. Quando as pessoas estão sob o manto desse véu elas possuem o conhecimento das coisas
e da justiça, mas o deixam de lado para o fim de promover a escolha dos princípios da justiça de forma
isenta e equânime. Acerca disso, Zambam (2004, p. 56) refere que “as partes mantêm suas características
específicas, tais como convicções partidárias, religiosas, morais, éticas, enquanto procuram realizar seu
projeto de vida seguindo suas concepções de bem”. Nesta mesma linha Segue afirmando Zambam (2004,
p. 56) “Rawls introduziu o conceito de véu da ignorância, como um artifício capaz de proteger as
circunstancias particulares de cada um dos participantes do acordo e de alcançar a igualdade pretendida.”
Acerca desse ponto de vista, José Nedel esclarece (2000, p. 58) que “O véu de ignorância – veil of ignorance
- põe entre parênteses o conhecimento das circunstancias particulares dos participantes do acordo, das
‘desigualdades de nascimento e dons naturais [...] imerecidos’, das contingências arbitrárias que
estabelecem desigualdade entre os homens, razão por que seus efeitos devem ser anulados. De fato deve
ser excluído qualquer conhecimento que tenda a dar origem ao preconceito, à distorção e à confrontação
dos homens entre si.”
17
os princípios da justiça possuem quatro características principais básicas: são
universais, gerais, irrecorríveis e públicos.21
Acerca do primeiro princípio, afirma Rawls (2002, p.68) que ele “simplesmente
exige que certos tipos de regras, aquelas que definem as liberdades básicas, se apliquem
igualmente a todos e permitam a mais abrangente liberdade, compatível com uma
liberdade igual para todos.” Podemos inferir que isso significa que não se deve fazer
distinções arbitrárias entre os cidadãos, posições de classe, cor, raça, credo ou riqueza,
sendo que essas particularidades não servem de critério para a atribuição ou para a
supressão de direitos e de liberdades básicas, assim como de vantagens econômicas e de
postos políticos.
21 Acerca dessas características, Zambam as esclarece (2004, p. 73), “são gerais porque expressam
características e relações que são de todos, universais porque devem ser aplicados de forma igualitária a
todos os participantes da sociedade, não podem ser objeto de recurso por ser esta a instancia ultima de
decisão publica de justiça, e são públicos porque devem ser conhecidos e acessíveis as pessoas de todas as
gerações”.
22Mesmo que um ideário social, a consagração de liberdades iguais a todas as pessoas, e sua inoperância e
inaplicabilidade possível, é verificada quando Zambam (2004, p. 69) afirma que “Embora Rawls reconheça
ser impossível relacionar a totalidade das liberdades.” as elenca, ao menos aquelas que são fundamentais
ao sistema político e social e indispensáveis para a teoria da justiça, Rawls (2000, p. 52) expressa que “A
liberdade política (o direito de votar e ocupar cargo público) e a liberdade de expressão e reunião, a
liberdade de consciência e de pensamento, as liberdades da pessoa, que incluem a proteção contra a
prisão e detenção arbitrárias, de acordo com o conceito de estado de direito.” Nesse mesmo sentido, mais
amplificado por José Nedel, as liberdades abrangem ainda (2000, p. 199) as "De palavra, de consciência, de
religião, de possuir (direito de propriedade), de habeas corpus, de reunião, de participação política,
mesmo que na forma de desobediência civil e de recusa por motivo de consciência.” E, arremata Rawls
(2000, p. 345) “assim como as liberdades especificadas pela liberdade e integridade da pessoa, e
finalmente, os direitos e liberdades abarcados pelo império da lei.”
18
A ideia fundamental do segundo princípio é a de que, em todos os setores da
sociedade, deveria haver, de forma geral, iguais oportunidades de cultura e de realização
para todos os que são dotados e motivados de forma semelhante, e justamente acerca da
extensão da compreensão do que seja igualdade equitativa de oportunidades, esclarece
Rawls (1998, p. 61):
Trata-se de uma noção difícil e não totalmente clara (...) ela é introduzida para
corrigir os defeitos de igualdade formal de oportunidades (...) Para tanto, diz-se
que a igualdade equitativa de oportunidades exige não só que cargos públicos e
posições sociais estejam abertos no sentido formal, mas que todos tenham uma
chance equitativa de ter acesso a eles. Para especificar a ideia de chance
equitativa dizemos que supondo que haja uma distribuição de dons naturais,
aqueles que tem o mesmo nível de talento e habilidade e a mesma disposição
para usar esses dons deveriam ter as mesmas perspectivas de sucesso,
independentemente de sua classe social de origem, (...)
23 O respeito pelo princípio da diferença compreende a preocupação com o agir social, derivando
consequências, conforme Zambam (200, p. 81) “sobre a responsabilidade no processo produtivo e a
consequente contribuição para a viabilidade da justiça como equidade, todos tem responsabilidade
social.” E segue analisando, com exemplos de nossa atualidade “Um exemplo no qual se pode verificar esta
co-responsabilidade é o pagamento de impostos, visto que a riqueza de que cada um é portador tem uma
função social. Concluindo, os impostos arrecadados dos mais privilegiados são utilizados para a promoção
das necessidades básicas dos menos favorecidos, que não possuem bens primários e possibilidades de
atender as suas próprias carências. Podemos, igualmente citar impostos diretos, tais como o IPVA
(Imposto sobre Veículos Automotores), que são cobrados das pessoas que possuem veículos próprios e
utilizados para a manutenção das estradas e rodovias, onde transitam também os menos favorecidos.
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Com o objetivo de garantir a justiça e a estabilidade numa sociedade pluralista,
Rawls propõe a ideia de um consenso sobreposto, o que certifica a unidade numa
sociedade democrática bem ordenada, constituída por doutrinas filosóficas, religiosas e
morais abrangentes e, por isso, divergentes e contraditórias. Para isso, é necessário que
as instituições sejam reconhecidamente justas e que os cidadãos estabelçam com elas
uma relação de fidelidade, de tal forma que ajam de acordo com a justiça, com a certeza
de que os demais agirão da mesma forma.
Rawls parte do fato concreto e põe a mão na ferida aberta da realidade com
coragem de assumir uma posição arriscada (teoria dos dois princípios). Consciente em
aceitar certas críticas e melhorar sua teoria, procurou sempre, sem abandonar sua
originalidade, buscar o melhor modo para trazer soluções a uma cultura necessitada de
justiça. A justiça como equidade não tem a pretensão de conduzir a estrutura social de
forma igualitária, pois a assunção de um critério de equidade não abandona o
reconhecimento das desigualdades, mas intenta um direcionamento sinérgico que deve
beneficiar a todos.
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5 A refutação de Rawls ao utilitarismo
Tudo isto parece muito sensato, mas deixa Rawls insatisfeito. Ainda que o
utilitarismo conduza a juízos correctos acerca da igualdade, comete o erro de não
atribuir valor intrínseco à igualdade, mas apenas valor instrumental. Isto quer dizer que
a igualdade não é boa em si, é boa apenas porque produz a maior felicidade total.
Rawls defende que resultados deste tipo chocam com os nossos juízos
ponderados sobre os direitos que os indivíduos possuem e que não devem ser
sacrificados no cálculo dos interesses sociais. As pessoas possuem diferentes valores e
formulam diferentes projetos de vida, sendo que alguns destes valores e projetos
estendem-se para além da sua própria vida e experiência individual. Então o ponto de
partida da teoria Rawlssiana da justiça é esta rejeição ao utilitarismo, que remete ao
objetivo da teoria da justiça como equidade que é o de fornecer um conjunto de
princípios, que poderíamos usar para determinar se as instituições e as ações de uma
sociedade são justas.
6 Conclusão
Só que, antes, e com maior força teórica, parecia que o utilitarismo era a teoria
mais sistemática e abrangente disponível para fornecer uma base de comparação entre
instituições e práticas sociais alternativas. Mas Rawls passou a considerar o utilitarismo
insatisfatório, a começar pelas dificuldades implicadas nessa ideia da maximização da
felicidade. Com efeito, entende não ser possível calcular e comparar a proporção de
felicidade produzida pelos diferentes ordenamentos político-jurídicos.
Ao passo que a nossa concepção de justiça parece tomar a liberdade como sendo
o bem maior, incondicional e irrenunciável, pois em uma sociedade justa as liberdades
da cidadania igual são consideradas invioláveis e os direitos assegurados pela justiça
não estão sujeitos à negociação política ou ao cálculo dos interesses sociais. Logo, a
qualificação da ação pelo critério da felicidade não pode ser considerado justo e
autêntico.
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Diante disso, Rawls pretendeu oferecer um modelo procedimental capaz de
conciliar igualitarismo e individualismo. A justiça como equidade aproximar-se-ia mais
do ideal filosófico, mesmo sem atingi-lo, pois, na posição original, os juízos ponderados
(juízos em que as qualidades morais sofreriam menor distorção) e o equilíbrio refletido
(senso de justiça que corresponderia aos juízos ponderados na posição original)
prevaleceriam diante de outras concepções tradicionais de justiça. Assim, se uma
concepção de justiça for comumente aceita e essa mesma for satisfeita pelas instituições
sociais básicas, a ideia de justiça seria como que uma carta fundamental para a
sociedade.
Uma sociedade, para ser considerada justa, deveria superar as diferenças a que
são submetidos seus membros. Para tanto, deveria postular princípios válidos para
todos, independentemente da posição em que se encontrem, pois a cooperação social
possibilita melhores condições de vida quando comparadas a possibilidade de cada um
viver e se organizar individualmente, segundo os seus próprios interesses.
Essa concepção de justiça como equidade deve ser adotada como fundamento da
cooperação social, e os princípios escolhidos devem ser incorporados à estrutura básica
da sociedade, onde as pessoas devem instrumentalizar seu senso de justiça ao agir
básico em sociedade, para que se produza igualdade equitativa a todos.
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na Teoria Discursiva. In: OLIVEIRA, Nythamar de; SOUZA, Draiton Gonzaga de. [org.].
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