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Anais do V Congresso da ANPTECRE

“Religião, Direitos Humanos e Laicidade”


ISSN:2175-9685

Licenciado sob uma Licença


Creative Commons

RICOEUR E A PSICANÁLISE
Paulo Antônio Couto Faria
Mestre em Teologia
FAJE – Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia
pauloantoniocoutofaria@yanoo.com.br
CAPES

ST 11 – PSICOLOGIA E RELIGIÃO

Resumo: Este trabalho funda-se na leitura dos textos que compõem a obra: RICOEUR, P.
Écrites e conférences 1. Autour da la psychanalyse. Paris, Seuil, 2008. O filósofo, procura
pensar o método psicanalítico, segundo os pressupostos de sua fenomenologia hermenêutica,
mais especificamente, da inteligibilidade narrativa. Nesta operação é possível inferir uma
proximidade epistemológica entre a situação analítica e a experiência religiosa nos seguintes
pontos: na intersubjetividade e necessidade de reconhecimento dentro da situação de
transferência; na relação da realidade psíquica e também a religiosa com os fatos da vida; no
esforço de estabelecer uma “lógica” para fatos dispersos e enigmáticos através da construção
de uma história com sentido e o esforço, semelhante, de exprimir o sentido da experiência
religiosa, nem sempre acessíveis de imediato; na força da imaginação como instrumento hábil
para expressar tanto o psiquismo quanto a mística religiosa, exigindo uma “semiótica da
imagem”; na relevância do exercício de “rememoração”, tanto para psicoterapia quanto para
experiência de Deus na história; na presença do desejo e da cultura como determinantes de
ambas experiências; e por fim, contemplar a fecundidade da inteligibilidade narrativa. Estas
inferências mostram-se de proveito para psicanalistas e teólogos (as) ou cientistas da religião,
pois, podem contribuir no arrefecimento de possíveis resistências entre as partes, como
vislumbrar possíveis interlocuções que podem potencializar tanto a situação de análise quanto à
experiência religiosa ou mística.

Palavras-chave: Ricoeur, Psicanálise, Experiência religiosa, Narratividade.

Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1112


O título desta comunicação é pretensioso demais para os limites de seu
conteúdo. Duas observações prévias a devem ser feitas. As inferências que seguem,
não contemplam toda a pesquisa de Ricoeur sobre a psicanálise, e nem mesmo as
mais conhecidas, a saber. “O conflito de interpretações. Ensaios de Hermenêutica.
Porto: Res, 1988”, e RICOEUR, P. “Da interpretação. Ensaios obre Freud. Rio de
Janeiro, Imago, 1977. A contribuição que ora segue circunscreve apenas a obra:
RICOEUR, P. Écrites e conférences 1. Autour da la psychanalyse. Paris, Seuil, 2008.
Neste conjunto de escritos, a incursão que o filósofo faz na obra Freudiana, visa
destacar a situação narrativa dentro da experiência analítica, tornando-a próxima de
qualquer outra experiência que requeira uma hermenêutica da narração. É neste ponto
que se pode fazer o paralelo, entre a experiência religiosa e situação de análise. A
referência primeira desta exposição é a experiência religiosa cristã. Não obstante,
procuramos situar de tal forma que, outras experiências religiosas, sediadas em
diferentes tradições, possam se reconhecer neste opúsculo.

A primeira observação de Ricoeur sublinha a distinção interna à situação


analítica, entre o dizer é dito: “A situação analítica não seleciona apenas o que é dizível,
mas o que é dito a um outro” 1(RICOEUR, 2008, p. 23) (Tradução nossa). Há uma dupla
filtragem dos conteúdos da linguagem que se apresenta na situação de transferência: o
que pode ser expresso segundo as condições da linguagem do sujeito falante e o que é
efetivamente expresso a outro. Estes filtros são marcos que delimitam o campo da
comunicação, o qual vai sendo ampliado em vistas a resignificação de experiências
recalcadas.

Isto que se observa na situação intersubjetiva da transferência em psicanálise


está próximo ao que acontece na experiência religiosa: a linguagem se mostra
deficiente, tanto para expressar o que é dizível, quanto para expressar o que pode ser
dito pelo sujeito a outro. O que nos chama atenção é que, tanto em psicanálise, na
situação de transferência, quanto na experiência religiosa, a relação intersubjetiva
proporciona níveis de compreensão que não seria alcançados pelo exercício isolado do
sujeito numa auto-reflexão. O outro, em ambas situações é um espelho que torna
possível colocar diante de si a própria experiência, a fim de torná-la significativa. Na
transferência temos o analista, na experiência religiosa, temos a figura do sábio ou do
teólogo.

Outro aspecto, digno de nota, é a relação entre a realidade material, os fatos tal
como se pode observar, e a realidade psíquica, não diretamente observável. Para a

1
“La situation analytique ne sélectionne pas seulement ce que est dicible, mais ce que est dit à un autrui […] le stade
de transfert”.

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surpresa e escândalo de um empirismo científico rigoroso, Ricoeur destaca que, na
situação analítica, a realidade psíquica se sobrepõe à realidade material. Não se pode
relacionar uma fobia e seus sintomas, sob a perspectiva da causa e efeito materiais,
pois, a lógica é outra, e, em boa parte dos casos, bastante difusa e opaca, que nem
mesmo as teorias psicanalíticas em curso dão conta, havendo sempre a necessidade
de interpretação. Na experiência religiosa também existe uma realidade espiritual que
se sobrepõe a realidade material. Um fato ordinário adquire um excesso de
significação, e se torna um evento extraordinário. Entre a significação do ordinário e a
do extraordinário não existe uma causalidade imediata, nem evidente. E por mais e
melhor que esteja sistematizada a teologia (mística), ela não funciona como um
catálogo classificatório, haverá sempre necessidade de interpretação.

A hermenêutica de Ricoeur provocou uma verdadeira avalanche de reflexões no


âmbito da interpretação da experiência religiosa cristã, introduzindo aí os critérios de
composição da narrativa, formada por símbolos e textos. Analogamente, a situação
analítica também se depara com símbolos e textos nos relatos de cada analisando,
portanto, aí se configura uma narrativa no sentido ricoeuriano. Então:

A situação analítica retém da experiência de um sujeito aquilo que é capaz de


formar uma história ou uma narrativa. Neste sentido, as “histórias de caso”,
enquanto que histórias constituem os textos primários da psicanálise. Este
caráter narrativo da experiência psicanalítica jamais foi discutido diretamente
por Freud [...] Mas, ele se refere indiretamente nas suas considerações sobre a
memória. (RICOEUR, 2008, p. 31).2 (Tradução nossa).

Uma “história de caso” é uma narrativa capaz de ser comunicada e acessível aos
demais, em seu sentido. Mas há um longo caminho a percorrer até compor a narrativa.
Assim, tanto o relato de um sonho, quanto uma experiência mística, apesar de estarem
repletos de significados latentes, ainda não são, propriamente, narrativas. Narrar e
narrar para outro, são condições para que o que está latente se apresente significativo.
Nesta atividade é decisivo o papel da memória. Um tema caro para Ricoeur, para a
psicanálise e também para a experiência religiosa: partindo da situação analítica “a
rememoração, portanto, é que deve tomar o lugar da repetição. A luta contra a
resistência é o que Freud chama Durcharbeiten (perlaboração) – não há outro princípio
senão aquele de reabrir o caminho da memória”. 3(RICOEUR, 2008, p. 36) (Tradução
nossa). Também na experiência religiosa, o fiel faz memória, em sua vida, da própria
vida de Jesus Cristo. Apesar de unidas na rememoração, para a experiência religiosa
ela tem o sentido de atualização da história de Cristo, enquanto que para a psicanálise,

2
La situation analytique retient de l’expérience d’un sujet ce que est capable d’entrer dans une histoire ou um récit.
En ce sens, les “histoires de cas”, en tant qu’histoires, constituent les texts primaires de la psychanalyse. Ce
caractère narrative de l’experience psychanalytique n’est jamais discuté directement par Freud [...] Mais il se refere
indirectement dans sés considérations sur la mémoire.
3
la remémoration, dès lors, est ce que doit remplacer la répétition. La lutte contre la résistance ce que Freud appelle
Durcharbeiten (“perlaboration”) – n’a pas d’autre but que de reouvrir le chemin de la mémoire.

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o sentido é distinto, mas igualmente exigente, trata-se fazer com que o sujeito aproprie
de sua história. Isto liga diretamente a outro tema precioso: o do reconhecimento.
O problema do auto-reconhecimento e aquele da reconquista do poder de
contar sua própria história, de continuar, inesgotavelmente, a dar a forma de
uma história à reflexão sobre si - mesmo. A perlaboração não é outra coisa
4
senão esta narração continuada. (RICOEUR, 2008, p. 62).(Tradução nosssa).

Num campo temos o itinerário laborioso de libertação da memória das amarras


que impedem a ressignificão da própria vida (sentido psicanalítico), em outro campo a
identificação da própria história com um evento Absoluto que teve lugar no clímax da
história (sentido religioso). Assim se faz o percurso do reconhecimento: na experiência
analítica é objetivado o auto-reonhecimento; na experiência religiosa, trata-se de
reconhecer-se e ser reconhecido por um Outro Absoluto, nisto encontrando a sua
peculiaridade. Por razões diferentes, em ambas as experiências, a passagem da
repetição para narração é contínua, ad infinitum. De fato, se a dinâmica desta
passagem é bloqueada, é muito comum que estados místicos sejam considerados
patológicos e vice-versa. Em parte, isto pode ser explicado porque, a forma de atuação
dos mecanismos de distorção (que tendem à repetição), em psicanálise, se comportem
de forma análoga aos mecanismos de saturação de sentido (que tendem a outro tipo de
repetição ou ao silêncio), na experiência religiosa ou mística. De um lado encontramos
um mecanismo que pode travar a narrativa e a constituição de uma história. De outro
lado temos um mecanismo que pode obnubilar a narrativa dificultando a construção de
uma história. No discernimento, faz-se necessária tanto a figura do Teólogo sábio e
experiente, quanto do analista sensível ao significado da vida religiosa.

Estes elementos narrativos nem sempre foram levados em conta nas teorias
psicanalíticas. Isto se deve ao descompasso entre o fato psicanalítico, o processo de
investigação, a metodologia de tratamento das informações e a teoria psicanalítica
como tal. (RICOEUR, 2008, 79).

A questão preliminar com relação à prova em psicanálise refere-se à natureza


da relação suscetível de ser estabelecida entre a teoria, aquilo que vale como
fato em psicanálise [...] Na perspectiva de uma análise operacional, os termos
teóricos de uma ciência de observação devem poder ser religados a fatos
observáveis por meio de regras de interpretação ou de tradução que assegurem
5
a verificação indireta de seus termos. (RICOEUR, 2008, p. 34). (Tradução
nossa).

4
Le problème de l’auto-reconnaissance est celui de la reconquête du pouvoir de raconter sa propre histoire, du
pouvoir de continuer inlassablement à donner la forme d’une histoire à la réflexion sur soi-même. La perlaboration
n´est pas autre chose que cette narration continuée.
5
“La question préliminaire concernant la preuve em psychanalyse touche à la nature de la relation susceptible d’être
établie entre la théorie et ce qui vaut comme fait em psychanalyse.[...] Dans la perspective d’une analyse
opérationelle, les termes théoriques d’une science d’observation doivent pouvoir être reliés à des faits obersevables
par le moyen de règles d’interpretation ou de tradution que assurent la vérification indirecte de ces termes.”

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Enfim o modelo explicativo proposto por Freud, influenciado pela ciência do
século XIX, não corresponde à sua prática, tal como se dá na situação analítica. Esta
situação requer um processo apurado de interpretação, uma hermenêutica. Enquanto
que a teoria recorre a modelos psicogenéticos explicativos.

E por que há esta incongruência? O próprio Ricoeur explica que na relação de


transferência são estabelecidos compromissos mútuos, que são a condição de
possibilidade para o sucesso do processo analítico. “Esta união estreita entre diversas
formações de compromisso nos permite falar da psicanálise como um texto a decifrar”
(RICOEUR, 2008, p. 37).6 (Tradução nossa), contudo, isto não está incluso na teoria
psicanalítica, tal como formulou Freud. Ou se está presente, é de forma marginal. E
mais adiante o pensador francês explicita:

Mas, se nós nos detivéssemos nas implicações dos conceitos de texto e de


interpretação, nos chegaríamos a uma concepção totalmente errônea da
psicanálise. A psicanálise poderia ser puramente e simplesmente colocada sob
a égide das ciências histórico-hermenêuticas, paralelamente à filologia e à
exegese. Nós omitiríamos então os traços específicos de interpretação que só
podem ser captados quando o método de investigação esta junto ao método de
7
tratamento. (RICOEUR, 2008, p. 38). (Tradução nossa).

O analista tem diante de si um fato que requer interpretação, e por trás de si uma
teoria explicativa que, no melhor dos casos, pode oferecer uma tipificação e não uma
decifração. O tratamento se dá por uma situação hermenêutica, uma vez que a “psyche
é um texto a decifrar”, mas o suporte teórico não contempla a situação interpretativa.

A questão que acaba de ser tratada, também encontra lugar nas atuais
pesquisas sobre a experiência religiosa, investigada pelas Ciências da Religião e
Teologia. Mas, somente esta última, esta apta a assumir os compromissos pessoais
que são exigidos, na experiência religiosa. Somente a hermenêutica teológica pode
penetrar na especificidade mesma da experiência religiosa, mesmo que para tal, ela
recorra a outras ciências, tal como a psicologia, para explicitar o que o fenômeno tem
de psicológico, ou sociológico, ou antropológico. Se desta forma o fenômeno se
esgotar, então não se tratava propriamente de uma experiência religiosa. Mas, se a

6
“Cette parenté étroite entre diverses formations de compromise nous permet de parler de la psyche comme dún
texte à déchiffrer.”
7
“Mais, si nous nous bornions à dégager les implications des concepts de texte et d’interprétation, nous arriverions à
une conception entèrement erronée de la psychanalyse. La psychanalyse pourrait étre purement et simplement place
sous l’égide des sciences historico-herméneutiques, parallèlement à la philology et la exégèse. Nous omettrions alors
des traits spécifiques de l’interpretation que ne peuvent étre saisis que quand la method d’investigation est jointe à la
méthode de traitement.”

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atividade explicativa ainda for insuficiente para dar conta do fenômeno, então é a
teologia é que o pode penetrar no seu âmago de sentido.

Se julgarmos que a experiência religiosa se abrirá de forma nuclear a uma


abordagem tipicamente e somente histórica, estaremos cometendo o mesmo engano
que Ricoeur detectou na teoria Freudiana. Uma teoria que não dá conta da sua prática.
E é neste sentido que a prática acaba por “explodir” a teoria. Na experiência religiosa,
podemos dizer que, as CsR são um momento dentro do processo da reflexão teológica.
Não queremos, com isto, retirar a autonomia das CsR, mas afirmamos que, enquanto
se relacionam com a teologia, elas subsidiam a reflexão teológica, mas não a
substituem.

Retornando à situação analítica como uma situação de decifração narrativa, tira-


se daí outra conseqüência mais profunda. Ricoeur diz que, a situação narrativa tem
uma “inteligibilidade própria” que ele nomeia de inteligibilidade narrativa. “Somos, desta
forma convidados a refletir sobre o conceito de inteligibilidade narrativa que a
psicanálise tem em comum com as ciências históricas” 8(RICOEUR, 2008, p. 60).
(Tradução nossa).

Se, a experiência analítica estiver mais próxima de uma ciência histórica do que
uma ciência físico-biológica, em função da inteligibilidade narrativa, mais uma vez ela
se aproxima da experiência religiosa, que também compartilha com o mesmo tipo de
inteligibilidade, levado a cabo pela Teologia. Não só por que, boa parte das
experiências religiosas, estão registradas em textos, mas por que a própria vida tem a
estrutura de um texto. Ressalvando, que textos tratam de histórias que são fechadas, e
a vida é uma história aberta, por esta razão que a tarefa de se auto-narrar, em ambas
experiência as quais estamos tratando, é um trabalho contínuo.

Tanto na Teologia, que é a ciência da experiência religiosa, quanto na


psicanálise, há lugar para explicação no processo de hermenêutico de compreensão. É
que a interpretação incorpora a explicação, ou as explicações possíveis como um
momento interno da mesma compreensão. Desta forma é que acontece a verificação
em psicanálise. É uma tomada de posição a partir de diversas narrativas.

Esta é a possibilidade de inserir vários segmentos de explicação causal no


processo de auto-compreensão formulado em termos narrativos. É este desvio
explicativo que justifica o recurso aos meios não narrativos de prova [...]

8
“Nous sommes ainsi invites à réfléchir sur le concept d’intelligibilité narrative que la pychanalyse a en commum avec
les sciences historiques.”

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Generalizações, leis e axiomas constituem a estrutura não narrativa da
explicação psicanalítica. (RICOEUR, 2008, p. 63). (Tradução nossa).9

A situação analítica, sendo uma situação de palavra, exige da psicanálise uma


semiótica da linguagem. Nesta direção foram os esforços de J. Lacan, provocando
verdadeira revolução na teoria psicanalítica (RICOEUR, 2008, p. 107). Contudo a
narrativa dos sonhos põe em cena uma semântica dos desejos, desejos na maioria das
vezes escondidos nos recantos onde a linguagem silencia. É neste lugar, dos desejos
não ditos, que aparecem as imagens. Ricoeur, atento a esta realidade, destaca a
necessidade de uma semiótica da imagem, onde linguagem dá lugar a silêncios.

Minha hipótese de trabalho é que o universo de discurso apropriado à


descoberta psicanalítica é menos linguístico do que fantástico. Reconhecer esta
dimensão fantástica, exige, por sua vez, uma teoria apropriada da imagem, bem
como contribuir para seu estabelecimento e pleno reconhecimento de sua
dimensão semântica. (RICOEUR 2008, p. 124).10 (Tradução nossa).

Nem tudo que vem à linguagem é linguagem, o caso da repetição acima citado,
aponta nesta direção. Assim as expressões desconexas que não encontram lugar nas
linguagens ordinárias, por ser incapazes de organizar o desejo, se mostram sob forma
de imagem, que, tal como a palavra, deve ser interpretada. Nada mais próximo da
experiência religiosa do que esta percepção do filósofo francês quanto à situação
analítica (RICOEUR, 2008, p. 129). De modo especial, a experiência mística rompe com
a linguagem e a própria teologia se faz apofática, que seria a expressão mais próxima
do mistério. Se na experiência analítica a imagem, a princípio, figura o escondido, o
pré-lingüístico, aquém da linguagem, na experiência religiosa, também a princípio,
mostra o pós-linguístico, aquilo que rompe a linguagem, está além dela.

Uma das contribuições mais inusitadas de Ricoeur para a psicanálise, diz


respeito à relação desejo e cultura. O desejo é o ponto de partida na psicanálise,
contudo é o desejo posto dialeticamente frente à cultura, regulado por ela, afinal é a
cultura que forma as estruturas do superego, instância imediata legitimadora dos
desejos. E dentro da cultura estão os valores morais e a religião. O desejo, assim posto,
quebra alguns paradigmas quanto à concepção de que as demandas psicanalíticas
estão enclausuradas num subjetivismo solipsistico. Não é possível entender as

9
“C’est la possibilité d´insérer plusiers segments d’explication causale dans le processus d’ auto-compréhension
formulé en termes narratives. Et c’est ce detour explicative que justifie le recours à des moyens non narratives de
preuve.[...] Généralizations, lois et axiomes constituent la structure non narrative de l’explication psychanalaytique.”
10
Mon hypothèse de travail est que l’univers de discours approprrié á la découverte psychanalytique est moins une
linguistique qu’une fantastique générale. Reconnaître cette dimension fantastique, c’est à la fois requérir une théorie
appropirée de l’image et contruibuer à son établissement dans la pleine roconnaissance de sa dimension sémantique.

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demandas do desejo sem entender a cultura na qual está inserido. (RICOEUR, 2008, p.
167).

Também a experiência religiosa, de modo especial a mística, seria privilégio de


uns poucos alumbrados se não se situasse dentro da cultura. Podemos dizer que um
dos critérios de verificabilidade da consistência da experiência religiosa é sua relação
com seu meio cultural. Apesar de que, nesta experiência, a instância última do desejo é
Deus (vindo de Deus e a Ele se dirigindo), e não a cultura. A cultura é o lugar onde o
desejo de Deus é comunicado e realizado.

Conforme nossa pretensão inicial, fomos traçando paralelos entre as duas


experiências, mediadas pela inserção da inteligibilidade narrativa, a qual Ricoeur
desenvolveu. Resistimos dar o título de Ricoeur e a experiência religiosa, não obstante
tenha sido ela a segunda protagonista deste trabalho. Isto põe em evidência, a
virtuosidade da hermenêutica ricoeurina de unir mundos, pensamentos, ciências. O
caso da experiência religiosa e experiência analítica é apenas um traço desta grande
tela, que faz do pensamento do pensador francês uma arte, a arte de interpretar.

Referenciais

RICOEUR, P. Image et language en psychanalyse. In: RICOEUR, P. Écrites e


conférences 1 Autour da la psychanalyse. Paris, Seuil, 2008, p. 105-140.

Ricoeur, P. La question de la preuve em psychanalyse. : RICOEUR, P. Écrites e


conférences 1. Autour da la psychanalyse. Paris, Seuil, 2008, p. 19-71.

RICOEUR, P. Psychanalyse e herméneutique. In: RICOEUR, P. Écrites e conférences 1


Autour da la psychamalyse. Paris, Seuil, 2008, p. 73-103.

RICOUER, P. Psychanalyse et valeurs morales. RICOEUR, P. Écrites e conférences 1


Autour da la psychanalyse. Paris, Seuil, 2008, p. 167-204.ENVIAR até 31 de maio de
2015.

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