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DOS TRdnSPORTES
no BRdSIL
-sef Barat
A EVOLUÇÃO
DOS TRANSPORTES
NO BRASIL
JOSEF BARAT

A EVOLUÇÃO
DOS TRANSPORTES
NO BRASIL

FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA

INSTITUTO DE PLANEJAMENTO ECONÓMICO E SOCIAL

Rio de Janeiro
1978
Barat, Josef

A evolução dos transportes no Brasil I Josef Barat . - Rio de Janeiro :


IBGE : IPEA, 1978.

xiv, 385p. : ii.

1. Transportes - Bras i l. I. IBGE. 11 . IPEA. III. Título.

IBGE. Biblioteca Central CDD 380.50981


RJ-1 BG E/78-04 CDU 656.1 /. 7(81)
SUMARIO

INTRODUÇAO
I - TRANSPORTES NA ECONOMIA BRASILEIRA 1
CAPÍTULO I - O S~tor ~ra!l~portes na Economia Brasileira: uma pers-
pectiva hlStonca .............................. .. ...... . 3
CAPÍTULO II - Planejamento em Transportes
Parte I - Aspectos teóricos do planejamento em trans-
portes . .. . .. .............................. . 99
Parte II - Metas dos planos governamentais para
transportes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
CAPÍTULO III - Política de Transportes: avaliação e perspectivas em face
do atual estágio do desenvolvimento do Pais . . . . . . . . 149
CAPÍTULO IV - Economia Regional e Plano-Diretor Rodoviário: uma con-
tribuição para a análise do problema das rodovias ali-
mentadoras e rurais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181
CAPÍTULO V - Nota sobre a Formulação de Política; Planejamento/Pro-
gramação para o Setor de Transportes . . . . . . . . . . . . . . . . 211
II - TRANSPORTES E DESENVOLVIMENTO REGIONAL . . . . . . . . . . . . . . . 223
CAPÍTULO VI - Os Desequilíbrios Regionais nas Economias Subdesen-
volvidas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 225
CAPÍTULO VII - O Investimento em Transporte como Fator de Desen-
volvimento Regional: uma análise da expansão rodoviá-
ria no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243
CAPÍTULO VIII - Corredores de Transportes e Desenvolvimento Regional 267
III - TRANSPORTES E DESENVOLVIMENTO URBANO . . . . . . . . . . . . . . . . . 297
CAPÍTULo IX - O Planejamento dos Transportes nas Areas Metropoli-
tanas . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . 299
CAPÍTULO X - Transportes Públicos e Programas Habitacionais (em co-
laboração com Maurício Sá Nogueira Batista) . . . . . . . . . . 319
CAPÍTULO XI - Transporte e Ecologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 329
IV - TRANSPORTES E A CONJUNTURA PETROLíFERA . . . . . . . . . . . . . . 341
CAPÍTULO XII - Crise do Petróleo e Reformulação da Política de Trans-
portes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 343
CAPÍTULO XIII - Nota sobre a Crise de Combustíveis e os Transportes Ur-
banos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 377
INTRODUÇAO

1 - O presente livro, cujo material tive a grata incumbência de


organizar para publicação, é formado por doze artigos publicados entre
1969 e 1975. Apesar de reunir trabalhos isolados, ele apresenta grande
homogeneidade na exposição e abrange os principais temas da moderna
economia dos transportes. O autor, que é, possivelmente, o economista
brasileiro que vem contribuindo de maneira mais constante e siste-
mática para a formação do pensamento econômico sobre a política
nacional de transportes, participou de todos os grandes debates em
torno dos problemas do setor. Como conseqüência disso, este livro, que
reúne seus principais trabalhos, proporciona visão bastante completa
e integrada do assunto.
Acreditv, portanto, que ele servirá não apenas ao economista pro-
fissional, que se preocupa com o desenvolvimento do País nos seus
aspectos globais e setoriais, como também ao aluno que se inicia no
aprendizado da matéria. As eventuais lacunas de um trabalho que não
foi escrito com a finalidade específica de constituir livro de texto, são
mais do que compensadas pelas vantagens de análise enfocada sobre
a experiência brasileira no setor.
Ao se preparar a matéria para publicação, algumas opções foram
feitas. A primeira delas refere-se à atualização de dados. Optou-se por
manter as estatísticas utilizadas nos trabalhos originais, pelos seguintes
motivos:
a) diante das deficiências do sistema estatístico do País (dados
mais abundantes só existem para os anos do Censo) a atualização seria,
em boa part~, impossível ou irrelevante;
b) coma os dados usados são quase sempre de tipo estrutural,
ou seja, sujeitos à modificação lenta, a situação descrita pelo autor
não difere muito da atual;
c) finalmente, e de importância bem maior, a matéria oferecida
no livro vale, sobretudo, pelos seus aspectos analíticos, em relação aos
quais as estatísticas têm função meramente ilustrativa.
Outra opção foi no sentido de manter o texto original dos artigos.
Tratando-se de matéria interligada, era inevitável a repetição de certos
temas e idéias. Esta é, contudo, mais aparente do que real, visto que
os assuntos são retomados sob ângulos diferentes, o que contribui, in-
clusive, para realçar-lhes o conteúdo.

VII
Nas seções seguintes serão recapituladas, rapidamente, as quatro
partes em que foi dividido este trabalho, a saber: a experiência brasi-
leira no setor transportes, transportes e desenvolvimento regional,
transportes e desenvolvimento urbano e os problemas resultantes da
crise petrolífera. O objetivo da recapitulação é menos de oferecer uma
síntese do que apontar os aspectos fundamentais do pensamento do
autor, sublinhando sua concatenação lógica.
2 - A pTimeira parte é dedicada ao exame direto da experiência
brasileira, desdobmndo-se a análise em três partes: aspectos históricos,
a experiência de planejamento e situação presente e perspectivas.
Mostm o autor que, no período pré-industrial, o sistema brasileiro
de transportes se compunha de fer?"Ovias, ligando o interior aos portos,
e da navegação que unia entre si as diferentes Regiões do País e estas
ao exterior. Esse sistema, baseado em regiões econômicas semi-isoladas,
era incompatível com o surto industrial concentrado em maior paTte
no eixo Rio-São Paulo. Como a produção deste se orientava essencial-
mente pam o mercado nacional, tornava-se indispensável um sistema
verdadeiramente interno de transportes. As ferrovias, com sua multipli-
cidade de bitolas, elevados custos de construção e longo período de
maturação, dificilmente poderiam se adaptar à nova estrutura produ-
tiva do País. A solução foi a montagem de rede rodoviária interligando ,
de forma direta, as diferentes Regiões do País.
As ?"Odovias apresentavam, ent1·e outras vantagens, tarifas mais
flexíveis e menores custos fixos. Uma série de circunstâncias especiais
fez, no entanto, com que assumissem papel excessivamente grande no
sistema de transportes do País. Em toda parte do mundo as fe1·rovias
viram, de fato, nos últimos anos, reduzida sua importância Telativa .
No Brasil, todavia, seu declínio foi excessivo. Algumas causas do fenô-
meno são facilmente identificáveis. De um lado, as tarifas não se adap-
tavam aos aumentos de custo decorrentes da inflação; de outro, as
pressões políticas e sindicais inflamm, excessivamente, as folhas de
pagamento. Entre 1961 e 1970, nada menos de 90 % dos subsídios ao
sistema de transportes foram orientados para cobrir os déficits das
ferrovias. No transporte marítimo, pressões sindicais e outras criaram
sérios problemas, tanto nos portos cotno na navegação de cabotagem.
Tais problemas, unidos aos elevados custos de reformulação do sistema
ferrovia-porto-navegação, determinamm o uso do transporte rodoviário
em situações nas quais outras modalidades seriam economicamente
aconselháveis. Tal fenômeno era tanto mais sério quanto é verdade
ser o transporte ferroviário especialmente bem adaptado às rotas tran-
cais de grande densidade de tráfego. O transporte rodoviário, mais
flexível, é especialmente indicado para apoiar esses troncos. Quanto
ao transporte marítitno de cabotagem, tem importante papel a desem-
penhar ao longo da costa, especialmente no que diz respeito a partidas
concentradas de carga granelizável ou sujeita a métodos de unitização.

VIII
O impacto dos fatores desfavoráveis às ferrovias e ao sistema
portos-navegação foi agravado pelo imposto único sobre combustíveis
e lubrificantes que, embora pago de certa forma por todos, tinha seus
resultados orientados exclusivamente para o transporte rodoviário.
Existia, pois, aí, um subsídio implícito de real importância.
Sem dúvida, a concentração dos fluxos de carga em grandes portos
altamente especializados é normal; tampouco se pode ignorar o acerto
econômico do abandono de ramais ferroviários deficitários. Condenáveis
são os excessos registrados no Brasil. No decorrer da análise o autor
sublinha o fato de que, em economia como a brasileira, que atingiu
certo nível de desenvolvimento, a criação de "corredores de transporte"
(do qual os "corredores de exportação" constituem um tipo), é indis-
pensável para se chegar a um sistema de transportes equilibrado e de bai-
xos custos. O que preside à concepção do "corredor" são as possibilidades
de complementação funcional, hierarquizando soluções para as dife-
rentes escalas envolvidas (ligações tronco, secundárias e alimentadoras).
O transporte aeroviário constitui caso à . parte. O autor mostra
como, no início da década dos sessenta, o drástico aumento de tarifas
provocou importante declínio nos fluxos de tráfego. Em 1968 ainda
não haviam sido recuperados os níveis do início da década. Sublinha
o problema da concentração da demanda em algumas poucas rotas.
Opina que a integração nacional exige ligações regulares com cidades
menores (a partir de 100 mil habitantes) e propõe que, para tanto,
se procure sistema economicamente viável, através da adoção de equipa-
mento apropriado às diferentes rotas e níveis de demanda.
Passando ao planejamento dos transportes, sublinha a importância
de entrosá-lo com o planejamento global e setorial do País. A menos
que isso seja feito, graves erros serão cometidos. A localização, por
exemplo, de complexo industrial em área inadequadamente servida
por transporte poderá causar prejuízo permanente ao País. Outro as-
pecto importante é o planejamento intermodal. Para que o sistema
de transportes seja eficiente, é indispensável que as modalidades ferro-
viária, rodoviária, marítima e a combinação destas, sejam escolhidas
levando em conta suas vantagens comparativas específicas. O autor
pede, outrossim, como condição de racionalidade, que a tarifa cubra
os custos reais do serviço prestado. A exceção, obviamente, seria a do
transporte urbano de massa onde o interesse público pode exigir subsi-
diamento direto de determinadas atividades, sem que isto represente,
necessariamente, prejuízo à eficiência.
Passando ao exame do planejamento dos transportes no Brasil,
mostra que foi historicamente deficiente. As primeiras preocupações
sérias com o setor foram de tipo indireto, ou seja, não estavam em
causa deficiências específicas do setor, mas a repercussão dos seus
elevados déficits no equilíbrio orçamentário e monetário do País. Muito
especialmente, nossa política de transportes primava pela completa
despreocupação com a integração intermodal.

IX
A situação melhorou após 1965 com o aparecimento do GEIPOT.
No referente ao aspecto executivo permaneceu, todavia, a descoorde-
nação entre os órgãos responsáveis.
Concluindo suas considerações sobre o assunto, o autor propõe
divisão de trabalho entre o Ministério do Planejamento e o dos Trans-
portes. O primeiro se encarregaria do planejamento intersetorial de
transportes ajustando este setor às necessidades do restante da eco-
nomia; o segundo se preocuparia, fundamentalmente, com o planeja-
mento intermodal, ajustando e combinando os diferentes meios de
transporte para atender, de maneira económica e eficiente, às neces-
sidades da economia.
Referindo-se às perspectivas do transporte brasileiro, aponta três
linhas pelas quais se deve pautar a política do setor:
a) criação de rotas ou "corredores" selecionados, com serviços
eficientes e baratos, para atender a grandes fluxos de mercadoria como
sejam: indústrias de base (siderurgia, cimento, etc.), cereas graneli-
záveis e produção resultante da exploração intensiva de recursos
naturais; ·
b) estabelecimento de vias pioneiras (que deverão, no entanto,
ser apoiadas por investimentos complementares);
c) ampla rede de atendimento do tráfego local (no Brasil, até o
momento, a preocupação é apenas com a ligação de pontos distantes).
De maneira geral, uma correta política de transportes implicará.
a longo prazo, na diminuição da importância relativa das rodovias em
benefício das ferrovias, portos e navegação. Diminuir a importância
relativa não significa, todavia, que a curto e médio prazos o problema
seja colocado em termos de trade-off e em prejuízo das necessidades
de recursos do setor rodoviário. Este continuará sendo o mais impor-
tante no quadro da economia nacional, especialmente através dos efeitos
multiplicadores de seus investimentos (emprego, renda, indústria de
bens de capital, etc.).
3 - Estudando os transportes como fator de desenvolvimento
regional, o autor começa com análise geral do problema, passando de-
pois à experiência brasileira para chegar, finalmente, aos papéis espe-
cíficos das rodovias alimentadoras e locais e dos corredores de trans-
porte.
O autor, inicialmente, aponta os mecanismos básicos do subdesen-
volvimento regional. Mostra que nos países desenvolvidos o problema
não é tão grave, o que leva a pensar que seja algo transitório. Na ver-
dade, contudo, certos mecanismos que operam nos países menos desen-
volvidos neutralizam a eventual influência de torças corretoras.
A melhor infra-estrutura e a urbanização mais intensa das regiões
de maior desenvolvimento relativo, ao proporcionarem níveis mais altos
de produtividade, atraem investimentos os quais são feitos freqüente-
mente, com base em poupanças oriundas de regiões atrasadas. Existe,

:X
pois, movimento centrípeto nas áreas mais ricas acompanhado de
movimento centrífugo nas áreas pobres.
Circunstâncias históricas determinam a prosperidade inicial de uma
região e essa vantagem tende a se alargar através de processo acumu-
lativo que a distancia, cada vez mais, dos padrões médios de renda
do País.
Analisando, no Brasil, as relações entre centro-sul e Nordeste,
sublinha que as forças capazes de comunicar o dinamismo da primeira
à segunda, não foram bastante fortes e, além disso, o Nordeste viu-se
obrigado a comprar no centro-sul artigos caros e onerados por elevados
custos de transportes.
Passando ao exame direto do problema de transportes lembra que,
para o efeito dinâmico dos pólos principais (aquisição de matéria-prima,
o fornecimento de mercado, etc.), ser disseminado espacialmente, é
necessário que sejam ligados adequadamente à sua área de influência.
Reconhece que o impacto dos transportes no desenvolvimento regi-
onal é complexo. Efeitos negativos são registrados quando novas ligações
baixam o custo dos transportes, eliminando a proteção que suas elevadas
tarifas proporcionavam às atividades locais. Da mesma forma, a aber-
tura de uma estrada pode encorajar a emigração dos elementos mais
jovens e dinâmicos, tornando o perfil demográfico da área menos favo-
rável ao desenvolvimento.
Mostra o autor que, com o início do processo industrial e o surgi-
mento de uma rede verdadeiramente interna de transporte, ocorreram
os seguintes tipos básicos de investimentos rodoviários:
a) eixos trancais pamlelos às ferrovias (ligando interior ao
litoral);
b) eixos trancais paralelos ao litoral;
c) rodovias de penetração, ampliando a fronteira econômica do
País;
d) investimentos locais em rodovias alimentadoras.
Tais investimentos foram, quase sempre, feitos sem estudos prévios
do que resultou esvaziamento de algumas regiões. Distorção especial-
mente grave, e que examinaremos a seguir, foi o abandono das rodovias
alimentadoras às autoridades locais que se revelaram, quase sempre,
incapazes de atender à demanda do setor reduzindo-se, conseqüente-
mente, o influxo positivo dos eixos trancais.
Tendo examinado os aspectos genéricos do impacto dos transportes
no desenvolvimento regional, o autor passa a considerar o papel funda-
mental das esquecidas (no Brasil) rodovias alimentadoras e rurais.
Colocando a questão em termos de Plano Diretor Rodoviário retoma,
em maior profundidade, a tese anterior de que os planos rodoviários
devem se basear em cuidadoso estudo da economia a ser atendida. A
determinação de zonas de tráfego, dos saldos exportáveis e necessidades
de importação, são alguns dos pontos essenciais a serem considerados.

XI
Um Plano Diretor completo deve abranger:
a) rodovias trancais com tráfego de longa distância e ligando
centros de grande expressão económica;
b) rodovias alimentadoras, destinadas a canalizar a produção
local para as primeiras;
c) estradas rurais ou vicinais, tipo fazenda-mercado.
Afirma que um dos grandes problemas do sistema brasileiro de
transporte acha-se no descaso pelas rodovias alimentadoras, o que
dificulta o pleno aproveitamento da capacidade de transporte oferecida
por grande número de rodovias trancais.
A par das rodovias alimentadoras, a política do setor deve cuidar
dos chamados "corredores de transporte" destinados a atender aos eixos
de grande fluxo de carga. Após longa análise técnica da questão o
autor se lança em considerações de ordem prática de grande rele1:1ância,
sobretudo, por destruírem as ilusões dos que consideram os "corredores"
como panacéia universal.
Mostra que fazem parte de um sistema mais amplo de transporte.
Devem ligar pontos de grande potencialidade de tráfego e se apoiar
em 1·edes alimentadoras locais bem estruturadas. Implicam no abandono
de investimentos preexistentes, devendo, portanto, ser lançados apenas
quando os eixos atuais registrarem forte congestionamento com subs-
tancial elevação de custos. Os "corredores", finalmente, homogeneízam
e combinam racionalmente as modalidades de transporte, levando em
conta o tipo de mercadoria a ser deslocado. Como conseqüência disso,
permitem substancial redução de custos.
Os "corredores de transporte" têm, outrossim, importante impacto
positivo na região a que servem. A baixa dos custos de transportes
permite que aumentem sua produção ou se lancem em novos tipos de
atividade.
4 - Examinando o sistema de transporte no quadro urbano, o
autor começa por estudar as modalidades usuais nas áreas metropo-
litanas. Elas se compõem de três tipos básicos:
a) transporte de massa apoiado em trens suburbanos, e metrô
(e eventualmente bondes ou ônibus de grande capacidade em vias
isoladas);
b) ônibus e microônibus utilizados como complementação da
modalidade anterior;
c) autos particulares e táxis .
Os dois primeiros tipos constituem o sistema de transporte de massa,
configurando o último, o sistema de transporte individual. Nas cidades
modernas estamos diante de intensa disputa entre os dois sistemas
com crescente predomínio do primeiro.
Na Europa e América do Norte dos fins do século XIX e começo
do século XX, o sistema de transporte urbano - especialmente nos
conglomerados metropolitanos - tendeu a se apoiar, fundamental-

.XII
mente, em trens suburbanos, bondes e metrô. No período seguinte, o
transporte individual teve certo ganho, voltando, todavia, mais recen-
temente, a predominar a primeira solução com a crescente importância
do transporte subterrâneo através do metrô. Em cidades de portes
grande e médio observou-se, inclusive, a modernização dos sistemas de
bondes transformando-os naquilo que se convencionou chamar de
"p1·é-metrô". Com isso tornou-se possível uma transição para o metrô
através de aumentos programados da escala de operação.
O autor apresenta interessante análise sobre o papel do bonde. A
importância deste tende, geralmente, a declinar. Em muitas cidades,
todavia, esse recuo é lento. Seus baixos custos permitem que constitua
solução transitória quando utilizado em linhas isoladas do restante
do tráfego. Com o passar do tempo essas linhas são, assim, gradualmente
transformadas em metrô.
No Bmsil do começo do século, o sistema trem suburbano-bonde
podia ser considerado razoavelmente eficiente. A partir de 1950, o bonde
foi abruptamente eliminado, passando a utilizar o ônibus em grande
escala, concorrendo este, inclusive, com o trem suburbano. O automóvel
particular adquiriu crescente importância. Surgiu, como conseqüência,
distorção extremamente grave que, entre outras coisas, onera forte-
mente as classes de menor renda (no Grande Rio e Grande São Paulo
é normal que o trabalhador dispenda uma hora e meia para chegar
ao local de trabalho).
Examinando o transporte urbano diante dos programas habitacio-
nais, sublinha as características especiais da ocupação do solo urbano
no Brasil. Esta obedece a dois modelos. Temos, em primeiro lugar, um
modelo que se poderia chamar de - norte-americano - em que o centro
principal de negócios (central business district) perde substância e
sua periferia imediata é ocupada por classes de baixa renda (casas
de cômodo, por exemplo). Ocorre, em segundo lugar, um modelo dua-
lístico subdesenvolvido pelo qual, diante da inexistência de infra-estru-
tura urbana na periferia das grandes cidades, esta é abandonada à
população mais pobre. As classes de maior poder aquisitivo permanecem
dentro da malha urbana mais densa concentrando-se fortemente
(ocupação vertical) naquelas áreas restritas onde a infra-estrutura é
adequada. O processo difere, nesse caso, radicalmente, do que se observa
nos Estados Unidos.
O autor se refere, em seguida, ao problema dos conjuntos habita-
cionais populares. Em junção do preço dos terrenos eles são insta-
lados na periferia, criando-se no local infra-estrutura de água, esgoto,
etc. Como o sistema de transportes não é adequado, essas populações
perdem, contudo, a vantagem que lhes trazia a proximidade do local
de trabalho.
Passando ao tema do transporte e ecologia, o autor afirma que o
problema a ser considerado não é apenas o da preservação do meio
ambiente, mas também - e principalmente - o do uso do solo.

XIII
Mostra, inicialmente, que se não forem tomadas medidas de preser-
vação ecológica, estradas turísticas destinadas a tornar acessíveis sítios
de grande beleza natural, podem resultar na própria destruição dos
atrativos que se pretende valorizar. A travessia de cidades históricas
por rodovias tiveram, em alguns casos, efeitos desastrosos. O transporte,
em vez de se constituir em fator de preservação do patrimônio natural,
histórico e cultural passa, ao contrário, a ser elemento ativo de ação
predatória.
Passando ao exame dos transportes e do uso do solo nas áreas
metropolitanas, mostra o absurdo da supervalorização do transpo1·te
individual. Uma das conseqüências do fenômeno é o agravamento do
problema de concentração de renda. No antigo Estado da Guanabara
foram implantados túneis e elevados que, embora financiados pelo
conjunto da comunidade, só podiam ser utilizados por automóveis.
O absurdo da situação está em que a valorização do transporte
individual acaba afetando, negativamente, mesmo seus supostos bene-
ficiários. As classes médias são, de fato, afetadas negativamente pela
concorrência que lhes move o automóvel na disputa do espaço urbano.
5 - A impoTtância excessiva concedida, no Brasil, ao transpoTte
rodoviário, teve como corolário, a forte dependência do petróleo. Na
parte final do livro, o autor recapitula os fatores objetivos e subjetivos
que nos levaram a essa situação, mostrando o que ocorrerá no futuro.
Entre 1960 e 1970, o transporte rodoviário foi multiplicado poT
1,94, as ferrovias por 1,40, os portos e navegação por 1,30, e a aero-
náutica civil por 0,50. Entre 1970-72, a situação se modificou radical-
mente sendo os fatores de multiplicação de 1,26 para o transporte rodo-
viário, 1,81 para ferrovias, 2,23 para portos e navegação e 2,96 para
transporte aéreo. A situação tende, portanto, a se corrigir. A correção
não pode, todavia, representar drenagem excessiva de recursos do setor
rodoviário, pois este, além de seu papel pioneiro e desbravador, ainda
tem responsabilidades elevadas em termos de conse1·vação e seguTança
do tráfego.
Com respeito ao problema petrolífero, no entanto, o autor acha
que, a curto prazo, não há solução "mágica". Considera que os resul-
tados de um eventual racionamento seriam marginais. É preciso definir
uma estratégia de longo prazo e fixar prioridades para alternativas.
Isso resultará das soluções de âmbito tanto regional (corredores de
transporte com largo uso de ferrovias), quanto metropolitano (metrô
e, eventualmente, bondes), que permitirão economias substanciais de
petróleo.

João Paulo de Almeida Magalhães

XIV
I - TRANSPORTES NA ECONOMIA BRASILEIRA
Capítulo I - O SETOR DE TRANSPORTE NA ECONOMIA
BRASILEIRA: UMA PERSPECTIVA HISTóRICA *

1. Apresentação; 2. Introdução; 3. O transporte ferroviário; 4. O


transporte marítimo e a situação dos portos; 5. O transporte rodo-
viário; 6. O transporte aéreo; 7. Conclusão.

1. Apresentação

O papel do setor de transportes nos diferentes estágios do desenvolvi-


mento econômico brasileiro, as relações de complementaridade ou com-
petição entre modalidades, as funções históricas específicas de cada uma,
além da subordinação dos aspectos operacionais, administrativos e fi-
nanceiros tanto a uma perspectiva histórico-institucional de prazo mais
longo quanto ao quadro setorial em seu conjunto, têm sido aspectos
negligenciados na nossa literatura sobre transportes 1 • Este trabalho
constitui-se, por conseguinte, em contribuição para o entendimento do
atual processo de expansão setorial e para especulações quanto a pers-
pectivas futuras, na medida em que as direções indicadas foram seguidas
por sua abordagem.
Cabe advertir, todavia, que seu objetivo limitou-se mais a sistema- 1
tizar e ordenar conhecimentos e informações concernentes ao setor,
para fins de formulaçã~ de política e no âmbito de uma abordagem
macroeconômica, do que propriamente chegar a resultados e conclusões
de hipóteses pesquisadas empiricamente 2 • O trabalho será de utilidade,
neste sentido, para a abertura de futuros caminhos de pesquisa aca-
dêmica e de instrumento de análise para aqueles que têm a responsa-
bilidade de formular a política setorial.
* O presente documento resulta de atualização e revisão geral, feita no IPEA, em
1971, do original apresentado pelo autor no Seminário para Análise do Processo de
Formulação de Política Governamental, Setor Transporte, realizado pela Escola Brasileira
de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas em outubro de 1968, e publicado em
Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 7 ( 4): 105-199, out./dez. 1973.
1 Constituem-se exceções a este respeito os excelentes trabalhos de Abordar, Baer-
Kerstenetzky-Simonsen e Daros, citados ao longo do texto.
2 Muitos dados estatísticos e informações sistematizadas neste trabalho só aparece-
ram em publicações oficiais, depois de sua divulgação preliminar (Cf. Ministério dos
Transportes. Anuário estatístico dos transportes. GEIPOT. 1970 e 1971)

3
A presente análise da atuação do setor de transportes na economia
brasileira foi dividida em cinco partes: uma de caráter introdutório
geral e as restantes correspondendo às diversas modalidades de trans-
porte consideradas separadamente. Incluiu-se, ainda, um apêndice
referente às regressões inseridas no trabalho com o intuito de descrever,
ao longo do texto, o processo de expansão setorial. Nas partes corres-
pondentes às modalidades de transportes, procurou-se apresentar des-
crição objetiva, com informações factuais detalhadas, e estabelecer
abordagem homogênea para a sua análise. Assim, para cada modali-
dade foi utilizada, sempre que possível, a seguinte ordenação metodo-
lógica: a) perspectiva histórica e relações com os estágios de desen-
volvimento da economia brasileira; b) aspectos operacionais; c) as-
pectos administrativos e organizacionais; d) aspectos financeiros;
e) diretrizes principais de política para seu desenvolvimento futuro
e correção das principais distorções existentes.
Para os transportes marítimo e aéreo, foram levados em conside-
ração somente os aspectos relativos aos fluxos internos de carga ou
passageiros. Desta maneira, a navegação de longo curso e o transporte
aéreo internacional não foram incluídos nesta análise a não ser quando
circunstancialmente ligados aos fluxos internos. Por outro lado, as in-
dústrias automobilística e naval, embora vinculadas de maneira impor-
tante ao setor, também não foram consideradas, uma vez que seu estudo
mais aprofundado escapa às dimensões desta análise.

2. Introdução
O setor de transportes tem importância fundamental na operação do
sistema econômico, pois os serviços que produz são, praticamente, absor ·
vidas por todas as unidades produtivas. Como produção basicamente
intermediária, esses serviços têm o nível e a localização de sua demanda
influenciados pelo desenvolvimento econômico geral, uma vez que o
crescimento da produção e do consumo de bens e serviços, a especia-
lização da atividade econômica no espaço e as modificações estruturais
afetam aludidos nível e localização de maneira decisiva. Por outro
lado, dado a presença difundida destes serviços no processo produtivo,
o setor de transportes, em termos dinâmicos, também atua, muitas
vezes, como determinante das atividades de outros setores, criando sua
própria demanda.
O investimento em transportes, por conseguinte, tem importância
fundamental na localização da atividade econômica, numa economia
em crescimento, pois os fluxos que ligam áreas de produção e consumo
freqüentemente não se encontram bem definidos do ponto de vista
espacial. O investimento em transportes, atuando como poderoso fator
no espaço econômico, condiciona novos esquemas de divisão geográfica

4
do trabalho nessas economias, influenciando a localização de atividades
industriais, extrativas e agrícolas. Não se deve, entretanto, exagerar os
efeitos daquele investimento sobre a expansão econômica regional ou
o alargamento de mercados. Outros fatores que não dependem do sim-
ples aumento da capacidade de deslocar bens e serviços entrariam em
jogo 13 •
No Brasil, o setor de transportes (incluindo uma parcela menos
importante de comunicações em geral) é responsável pela geração de,
aproximadamente, 6% do produto interno bruto (PIB). Esta partici-
pação percentual situa-se dentro de uma faixa de 6 a 10% observada,
geralmente, em países industrializados ou em desenvolvimento (Tab. 1).
Foi tentada a identificação de uma correlação positiva entre as duas
variáveis estudadas conforme gráfico 1. A curva que melhor se ajustou,
entre várias regressões feitas, foi uma parábola do segundo grau. Na
função, Y representa o item transportes e comunicações e X o PIB
ao custo de fatores, ambos expressos em bilhões de dólares correntes:
Y = 0,00001554X2 +
0,072373X - 0,039595 (1)
(0,00000763) (0,006203)
(R 2 = 0,99483)
A tabela 2, por sua vez, indica que a participação dos investimentos
em transportes na formação bruta de capital atingiu a importante
proporção de 35,7% do total, em 1970 4 • Nota-se por esta tabela que a
participação dos investimentos em transportes já chegou a atingir
proporções situadas em torno dos 40%, o que pode, à primeira vista,
parecer exageradamente elevada. Se a participação elevada constitui-se,
de certa forma, num dado estrutural de nossa economia, alguns efeitos
conjunturais contribuíram para destacá-la. Assim, no período 1965/67,
por exemplo, se correto o montante dos investimentos em transportes,
a elevada participação na formação de capital pode ter resultado da
conjugação dos seguintes fatores: a) crise generalizada na economia
reduzindo a formação de capital; b) reativação dos investimentos
rodoviários bem como relativa autonomia destes e da indústria auto-
mobilística em face da crise mencionada. li: interessante ressaltar que,
para o período de 1960/70, a proporção dos investimentos em trans-
portes no Brasil é bastante alta, relativamente aos padrões interna-
cionais, constituindo-se num fenômeno que merece estudo mais apro-
fundado~.

3 Wilson, George W. The impact of highway investment on development. Washington,


Tho Brookings Institution, 1965.
4 Nos investimentos em transportes estão incluídos os acréscimos na produção de
veículos em geral, sendo que, no caso dos veículos rodoviários, estão incluídos os acréscimos
na produção de veículos de carga e 50% da produção de automóveis de passageiros.
5 Cabe assinalar que as participações percentuais poderão estar distorcidas em função
da não-homogeneidade dos dados relativos à formação bruta de capital fixo e os investi-
mentos em transportes, devido à dualidade de fontes e critérios. Entretanto, embora não
precisas, tais relações percentuais são indicadores que servem para dar idéia acerca da
ordem de grandeza da participação do setor no total da formação de capital fixo.

5
Tabela 1

Participação percentual dos transportes e comunicações no produto


interno bruto: ano de 1968
(comparações internacionais)

Produto interno
Transportes e
bruto ao custo comunicações Participação
Países de fatores (em milhões percentual
(em milhões deUS$)
deUS$)

África do Sul 13 503 1 215


Argentina 15 51U 1 552 10
Austrália' 24 116 1 929 8
Brasil 24 !)60 1 498 6 ,
Canadá1 50 107 4 510 9
Estados Unidos 795 600 47 736 G

Espanha 24 017 1 681 7

Finlândia 7 158 501 7

França 110 512 5 526 5

Grécia 6 278 439 7

Índia1 ;3!) 523 1 581 4

Indonésia 10 509 210 2

Israel 3 700 333 9

Itália 66 8G3 4 680 7


Japão 132 053 10 565 8
Noruega 8 19!) 656 8
Reino Unido 87 535 7 003 s
Uruguai 1 555 121 8

FONTES: Yearboolc oj National Accounts Statistics. 196!). ONU. Statist·ical Yearboolc. 1970. ONU.
Instituto de Planejamento Económico e Social (IPEA). Ministério do Planejamento e Coor-
denação-Geral.
1 Ano de 1967.

6
GrÓfico
Regressão entre o produto interno bruto e transportes e comunicofões :
Ano de 1968
comparaf_ãa internacional)
BILHÕES DE US S BILHÕES US 5
~o
" ~o
"'
10 ESTADOS UNIDOS ,..:;
~ 40 / 40
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~ 30
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20
.."' 20 /
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0: JAPÃO
(
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/

I
I
10 I 10
I s
I
REINO UNIDO
I
/
/' I
/
I ' '~I FRANÇA
I

CANADÁ...--- ITÁLIA
I
4 I
I

3 3

AUSTRM_I ,'
ESPANHA.' /,
ARG'ENTINA •--- - • INDIA
I
AFRICA 00 SUL;-- BRASIL
FINLliNOJA NORUEGA I
GRE,CI~.,; ....... '• , / t
URU G~U~A:!_I_,._,=c:-~~-:...=:-~-----:- ' ' • ' I NDONESIA
0~~~--~--_L__L__L_L_L~L_________L_____L_~L_~~~~~~~------~~--~--------~~J
3 4 6 1 .8 9 lO 20 30 40 50 60 70 80 90 100 209 300
PIB
Tabela 2

Investimento em transportes em relação à formação bruta


de capital fixo: período 1960-70
(em milhões de cruzeiros correntes)
Discriminação 1960 1961 1062 1963 1064 1965 1966 1967 1968 1909 1970
(1) (1)

Produto interno bruto 2 755,7 4 052,1 6 601,4 11 928,6 23 055,0 36 817,6 53 724,1 71 486,3 99 879,8 133 116,9 174 624,1

Formação bruta de capital fixo 466,6 696,6 180,6 2 098,8 3 804,3 5 404,5 8 199,4 10 324,2 16 034,7 21 948,9 28 950,6

Investimento em transporte 196,3 226,1 4A2,0 699,2 1 191,0 2 069,3 3 091,2 4 253,6 5 830,0 7 992,9 10 336,1

Formação bruta de capital fixo como


percentagem do PIB 17,0 17,2 17,9 17,6 16,5 14,7 15,3 14,5 16,7 16,5 16,6

Investimento em transporte como per·


centagem da formação bruta de ca·
pita! fixo 42,1 32,5 37,4 33,3 31,3 38,3 37,7 41,2 35,0 36,4 35,7

FONTES: Centro de Contas Nacionais-FGV/Conjuntura Económica, vol. 25, n.• 9, 1071. Ministério dos Transportes - Divisão de Estatí.stica.
1 Estimativa.
No período 1950/1970, enquanto o produto real cresceu a uma
taxa média anual de 6,4%, o setor de transportes (incluindo comuni-
cações) cresceu a 7,97, revelando acentuado dinamismo como elemento
formador do produto (Tab. 3). O gráfico 2, por sua vez, mostra, para
o período 1950/1970, através da regressão efetuada para os índices de
evolução do setor de transportes e comunicações (Y) em função da-
queles do produto real (X), o acentuado grau de relacionamento das
duas variáveis que permite, dentro de certos limites, estimativa da
evolução do setor para hipóteses de crescimento do produto real:
Y = 0,001218X2 + 0,880810X + 6,03350 (2)
(0,0002332) (0,106380)
(R 2 = 0,99732)
O dinamismo do setor parece resultar, em grande parte, de estran-
gulamento crônico na capacidade de oferta dos serviços de transportes.
As taxas de crescimento do produto real para transportes foram, em
geral, maiores do que aquelas verificadas globalmente para a economia 6 •
Tudo indica que a elasticidade-renda pelos serviços de transportes de
carga, para o período citado, foi relativamente elevada no Brasil, fal-
tando, contudo, estudos setoriais que permitam identificar coeficientes
da elasticidade-renda pela demanda dos serviços de carga e de passa-
geiros para diferentes períodos 7 • Os incrementos relativos ao tráfego
de carga, tendo sido maiores que os do produto interno bruto, poderiam
indicar que os investimentos em transportes realizaram-se mais para
ajustar ex post a capacidade de oferta às exigências da demanda.
Além da elevada participação que o setor de transportes tem na
formação do produto interno bruto e na formação bruta de capital fixo,
ele apresenta uma significativa participação no emprego de mão-de-obra
para os mais diversos níveis de qualificação. Assim, pelo Censo de 1970
a participação da mão-de-obra empregada pelo setor (ainda incluindo
comunicações) na população ativa era da ordem de 4,3% 8 •
Cabe lembrar que em 1950 este contingente era de 4,1% e em 1960
de 4,8%, tendo havido, no período 1950/1960, um acréscimo na parcela
da população ativa absorvida pelo setor a uma taxa média de cresci-
mento anual de 4,6%, taxa esta bastante superior às dos acréscimos
das populações ativa e total no período, conforme mostra a tabela 4.
Pode-se verificar, por outro lado, que já no período 1950/1970 a expan-
são da mão-de-obra empregada no setor fez-se a um ritmo bem inferior
(1,4% em média ao ano) aos crescimentos das populações ativa e total.

6 Pelo quadro 3, dividido o período maior em subperíodos característicos das fases


de crescimento da economia, verifica-se em todos estes a taxa média de crescimento anual
elo setor de transportes e comunicações superando aquela correspondente ao produto real.
7 DAROS, Eduardo José. Os transportes no Brasil. Revista Brasileira de Trans-
pOrtes, Rio de Janeiro, 2 (1) :23-36, jan./mar. 1967.
8 Convém ressaltar que esta mão-de-obra refere-se apenas à operação dos transportes,
estando a parcela de construção da infra-estrutura incluída na construção civil.

9
Tabela 3
tndices de crescimento do produto real e do setor
transportes-comunicações: período 1950-70
(1949 = 100)

Transportes e
Anos Produto real
comunicações

1950 106,5 109,5


1951 112,8 121,3
1952 122,6 130,0
1953 125,7 143,3
1954 138,4 155,3
1955 147,0 161,3
1956 152,6 169,5
1957 164,9 182,7
1958 177,6 193,9
1959 187,5 212,5
1960 205,7 249,3
1061 226,9 257,6
1962 238,8 279,2
HJ63 242,5 301,0
1964 249,6 305,8
1965 256,4 311,3
1966 269,5 331,9
1967 282,4 a57,8
1968 308,7 389,4
1069 1 336,5 434,8
19701 3G8,5 499,8

Taxas de crescimento médio anual por períodos

Transportes e
Períodos Produto real comunicações

1950/55 6,8 8,1


1956/60 7,7 10,2
1961/65 3,1 4,7
1966/70 8,1 10,7
1950/70 6,4 7,9

FONTES: Instituto Brasileiro de Economia- Centro de Contas Nacionais. FGV. Conjuntum


Económica. v. 25 n. 9/71. Instituto de Planejamcnto Econômico e Social (IPEA) - Ministério
do Planejamento e Coordcnac;ão-Geral.
1
Estimativa preliminar.

10
GrÓ fico 2

Regressão entre os (ndices de evolu~<-õo do setor transportes


e comunico~õ'es e do produto real
1950-1970

1:: soo r-.,----r--r--.---.--.---,---.---r---,r--.,---.--""M...---, I) O o


.
10
(,).

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340

I
64 I
, .... 6~

300 63 r'

260

220

180 ISO

1'40 140

lO O
100 140 160 220 260 300 340

PRODUTO REAL

11
Tabela 4

Participação do setor de transportes e comunicações na população ativa:


Anos de 1940 -- 1950 -- 1960 e 1970

1940 1950 1960 1970 Taxa de crescimento anual


Discriminaçi\o
Em10001
habitantes % Em10001
habitantes % Em 1 000
habitantes
I % Em10001
habitantes % 1940/1950 1 1950/1960 1 1960/1970

- Auricu.ltur<J
(incluindo pecuária) 8 968 64,1 10 254 59,9 12 163 53,7 13 071 44,2 1,4 1,7 0,7

II - lndústri<J
(incluindo atividades ex-
trativa e construção civil) 1 414 10,1 2 347 13,7 2 963 13,1 5 264 17,8 5,2 2,4 õ,9

III - Serviços
(excluindo o item IV) 3 141 22,4 3 819 22,3 6 436 28,4 9 951 33,7 2,0 5,4 4,5

IV - Transportes e comunica.çD'e•
(incluindo armazenagem) 479 3,4 697 4,1 1 089 4,8 1 259 4,3 3,8 4,6 1,4

V - População atiro 14 002 100,0 17 117 100,0 22 651 100,0 29 545 100,0 2,0 2,8 2,7

VI - População total 41 236 51 944 70 119 93 204 2,4 3,0 2,9

FONTES: Ministério do Planejamento e CoordenaçAo-Geral. Proorama Estraté()ico de Desenrolrimt11to, vol. 1; Anuário Estathtico do Brasil, IBGF, 1971.
De acordo com as indicações, na tabela 5, pode-se concluir que à expan-
são do emprego na operação dos serviços de transportes, verificada no
período 1950/ 1960, não houve a contrapartida de acréscimo ao mesmo
ritmo do nível de produtividade média do seu contingente de mão-de-
obra. Com efeito, a taxa de crescimento anual da produtividade média
para o período 1950/ 1960 foi de 1,4 % o que significou um ritmo de
expansão bem inferior ao do sistema econômico como um todo (3,4%)
e, especialmente, ao da produtividade do setor industrial (4,6%). Já
na década de 1960, o incremento médio anual da produtividade média
do setor de transportes alcançou 2,2 %, enquanto que o do sistema
econômico era de 3,3 % e o do setor industrial de 2,8 % 9 •
Em termos relativos, a operação do sistema de transportes contava
com um nível de produtividade média mais próximo ao da indústria
em 1950, 100 e 106 respectivamente, passando a níveis mais afastados em
1960 e 1970 (115 e 165, respectivamente, em 1960, e 143 e 218 em 1970).
Isso foi devido, em grande parte, ao extraordinário desenvolvimento do
setor industrial no período mencionado. Tudo leva a crer, entretanto,
que tal perda de posição deveu-se, também, ao próprio descompasso
entre os ritmos de expansão do emprego e da produtividade na pres-
tação dos serviços de transporte. Com efeito, a política de absorção
indiscriminada de pessoal esteve intimamente ligada à alta partici-
pação do setor público na sua operação (excetuando-se o transporte
rodoviário) e a ausência da preocupação com eficiência e racionalidade
no desempenho do sistema de transportes. Tratando-se de setor produ-
tivo como outro qualquer, a operação em moldes empresariais vinha
sendo negligenciada, utilizando-se critérios de absorção e seleção de
mão-de-obra que prevaleciam na máquina burocrático-governamental.
É evidente que tais deficiências não se deveram à participação do
setor público por si mesmo, o qual tem mostrado, em outras atividades,
excepcional dinamismo e produtividade, mas à persistência de segui-
mentos arcaicos de uma atividade pública ainda ligada a padrões de
comportamento pré-industriais. Cabe assinalar, entretanto, que embora
operando na atualidade com níveis de produtividade ainda baixos, re-
centes esforços governamentais têm sido feitos no sentido de imprimir
ao setor maior eficiência no desempenho de suas funções, começando
a apresentar alguns resultados significativos, como será demonstrado
em partes subseqüentes deste trabalho ao se analisar a evolução e o
comportamento das diversas modalidades de transportes.

ll A metodologia usada na estimativa do produto real no setor de transportes e comu-


nicações difere daquela usada para o levantamento da renda interna a preços correntes.
No caso da estimativa a preços constantes, é possível que haja uma sobrestimativa do setor
transportes e comunicações. Neste caso, a taxa de crescimento da produtividade, estimada
a partir do produto real, estaria superestimada. A observaçã o só é válida em termos de
tJ:txas de crescimento. No caso de valores absolutos para 1960, o nível de produtividade do
setor de transportes, tomando a partir da Renda a preços correntes, pode, por sua vez,
estar subestimado (cf. GóES, Magdalena Araújo. O setor transportes nas contas nacionais.
Rio de Janeiro, IPEA, 1971. Mimeogr. ) .

13
Tabela 5
Produtividade média do setor de transportes e comunicações e índices
de produtividade média relativa: Anos 1950 - 1960 e 1970

Discriminação II - ln-
I - Agri- dústria
III - Ser- IV- Trans-
(incluindo
cultura viços portes e
(incluindo atividades (excluindo V - Total
comuni-
extrativas o item IV)
pecuária) cações
e constr.
Anos civil)
-
1050
Renda interna 11 510,8 10 139,1 18 66.5,6 2 83G,O 43 151,5
(Cr$ 106 de 1970)
Pessoal ocupado 10 254 2 347 3 819 697* 17 117
(1 000 habitantes)
Produtividade mérlia 1 122,6 4 320,0 4 887,6 4 068,9 2 521,0
(Cr$/hab. ocupado)

1960
Renda interna 17 976,6 19 982,3 36 367,1 5 114,9 79 440,9
(Cr$ 106 de 1970)
Pessoal ocupado 12 163 2 963 6 436 1 089* 22 651
(1 000 habitantes)
Produtividade média 1 478,0 6 743,9 5 650,6 4 696,!) 3 507,2
(CrS/hab. ocupado)

1970
Renda interna** 21 469,0 46 689,9 67 442,8 7 344,2 142 945,9
(Cr$ 106 de 1970)
Pessoal ocupado 13 071 5 264 9 951 1 259* 29 545
(1 000 habitantes)
Produtividade média 1 642,5 8 869,7 6 777,5 5 833,4 4 838,2
(Cr$/hab. ocupado)

Taxas de crescimento anual da produtividade média

I I - ln-
dústria
I - Agri- III - Ser- IV - Trans-
(incluindo portes e
cultura viços V - Total
Pcrloclo atividades (excluindo comuni-
(incluindo extrativas
pecuária) o item IV) cações
e constr.
eivil)
-
1950/1960 2,8 4,6 1,5 1,4 3,4
1950/1970 1,9 3,7 1,6 1,8 3,3
1960/1970 1,1 2,8 1,9 2,2 3,3

14
tndices da produtividade média relativa
(Setor transportes e comunicações em 1950 = 100)

II - In-
I - Agri- dústria III- Ser- IV- Trans-
(incluindo
cultura viços portes e
Anos atividades V - Total
(incluindo (excluindo comuni-
pecuária) extrativas o item IV) cações
e constr.
civil)

1950 27,6 106,2 120,1 100,0 62,0


1960 36,3 165,7 138,9 115,4 86,2
1970 40,4 218,0 166,6 143,4 118,9

FONTES: Ministério do Planejamento e Coordenação-Geral, Programa Estratégico de Desen-


volvimento. Anuário Estatistico do Brasil, do IBGE. Conjuntura Económica, v. FGV. 25,
n. 9, 1971.
Notas: 1 No pessoal ocupado está incluída a atividade de armazenagem.
2 O dado para 1970 está baseado no crescimento constante verificado em 1967/1968, dada a
ausência de taxas de crescimento da renda interna por setores.

A consideração dos aspectos relativos à produtividade da mão-de-


obra empregada no setor, embora a nível agregado, leva a crer que os
estrangulamentos do desenvolvimento econômico imputados ao sistema
de transportes não se deveram somente às carências na infra-estrutura
viária mas também às deficiências operacionais e à estagnação tecno-
lógica.
Apesar da sua importância fundamental para o desenvolvimento '
da economia brasileira, o setor de transportes sofreu historicamente
uma quase completa ausência de integração, entre as suas diferentes
modalidades, e deficiências na coordenação das políticas modais. Por
razões peculiares ao País, a serem descritas posteriormente, o sistema
de transportes cresceu através de graves distorções na composição da
demanda. Assim, o transporte rodoviário foi responsável, em 1970, pelo
atendimento de 73% das toneladas-quilômetro deslocadas neste ano
(Tab. 6). Embora existam indícios de agravamento neste desequilíbrio,
espera-se que a ação governamental deverá ser exercida no sentido de
fazer retornar aos transportes marítimo e ferroviário grande parte da
carga densa de média e longa distâncias, perdida para o transporte
rodoviário.
J
Este processo de substituição intermodal intensificou-se no pós-
guerra devido à incapacidade das outras modalidades em fazer frente
aos acréscimos nos fluxos de produção. Se já existia, nesse sentido,
tendência resultante da revolução tecnológica, representada pelo avanço
do transporte rodoviário - mais flexível em relação às origens e des- />
tinos das cargas, mais econômico para as cargas de manufaturados etc.

15
Tabela 6
Evolução do tráfego de mercadorias no Brasil: período 1950-70
(em bilhões de toneladas-quilômetro e percentagens relativas ao total)

Rod oviário F erro,·iário(l) Marftimo(2) Aéreo(") Total Índice de


crescimento
Anos do produto
real
t/km % t/km % t/km % t/km t/km % (1945 = 100)
I I I I "'
/0
I
1950 10,8 38,0 8,3 29,2 9,2 32,4 0,1 0,4 28,4 100,0 106,5
1951 13,4 40,9 8,8 26,8 10,5 32,0 O,l o·>
,v 32,8 100,0 112,8
1952 16,3 45,8 9,1 25,6 10,1 28,4 0,1 0,3 35,6 100,0 122,6
1953 19,7 49,7 9,2 23,2 10,6 26,8 0,1 0,2 39,6 100,0 125,7
1954 22,3 51,9 9,4 21,9 11,1 25,9 0,1 0,2 42,9 100,0 138,4
1955 23,1 52,7 9,3 21,2 11,3 25,8 0,1 o., 43,8 100,0 147,9
1956 25,5 52,2 9,7 19,9 13,5 27,7 0,1 0,2 48,8 100,0 152,6
1957 26,8 52,7 10,2 20,1 13,7 27,0 0,1 0,2 50,8 100,0 164,9
1958 32,0 56,6 10,5 18,6 13,9 24,6 0,1 0.2 56,5 100,0 177,6
1959 37,3 57,9 12,5 19,4 14,5 22,5 0,1 0,1 64,4 100,0 187,5
1960 42,6 60,5 13,2 18,7 14,5 20,6 0,1 O,l 70,4 100,0 205,7
1961 46,8 61,5 13,8 18,1 15,4 20,2 0,1 O,l 76,1 100,0 226,9
1962 52,0 61,4 14,5 17,1 18,1 21,4 0,1 0,1 84,7 100,0 238,8
1963 58,0 64,7 15,1 16,8 16,4 18,3 0,2 0,2 89,7 100,0 242,5
1964 54,5 67,5 16,0 16,7 14,8 15,5 0,2 0,2 95,5 100,0 249,6
o •)
1965
1966
1967
71,6
82,0
67 ,5
68,9
18,7
19,0
19,7
17,6
16,0
ló,5
17,7
14,6
14,9
0,2
0,2 ·-
0,2
106,0
118,9
100,0
100,0
256,4
269,5
282,4
93,9 70,1 14,7 20,2 15,1 0,2 0,1 134,0 100,0
1968 107,5' 71,5 21,5 14,3 21,2 14,1 0,2 0,1 150,4' 100,0 308,7
1969 123,1* 72,1 24,8 14,5 22,7 13,3 0,2 0,1 170,8° 100,0 236,5'
1970 140,0' 73,0 30,2 15,7 21,6 11,2 0,2 0,1 192,9' 100,0 386,5'

Taxas de
crescimento
anual Rodovias Ferrovias .Y!ar ítimo Aéreo Total Produto real
1950-1970 13,7 6,7 4,4 3,5 10,1 6,4
%

FONTES: Anuário EBtatíBtico dos Transportes, 1970. FGV. Conjuntura Econ6mica, ''· 25, n.• 9, 1971. Ministério doe Tranepcrtcs, SUNAMAM e DNEF
Mini•tério da Aeronáutica, DAC. Ministério do Planejamento e Coordenação-Geral, IPEA
Notas: (1) Não inclui animais.
(2) Cabotagem.
(3) Incluindo tráfego internacional (somente carga).
• Estimativa preliminar.
- no Brasil a substituição deu-se de forma muito mais acelerada. O
período de maior dinamismo no desenvolvimento industrial coincidiu
com a desagregação dos sistemas ferroviário e de cabotagem. A partir
de certo momento, o próprio avanço exagerado do transporte rodoviário,
no atendimento da demanda, passou a dificultar também as condições
de recuperação das outras modalidades. A tabela 6 mostra a evolução
no atendimento da demanda pelos serviços de transporte de carga,
Sfgundo as diferentes modalidades, no período 1950/1970. A tabela 7
mostra, por sua vez, esta evolução para o transporte de passageiros,
no mesmo período.
Pela tabela 6 pode-se observar que a evolução do tráfego de mer-
cadorias através de rodovias evoluiu, no período 1950/1970, a uma taxa
de crescimento médio anual de 13,7% enquanto que o produto real
crescia a uma taxa correspondente de 6,4%. Tratando-se estes últimos
20 anos de período de implantação e consolidação da estrutura indus-
trial no País, através de um processo de substituição de importações
e consolidação do mercado interno, em futuro próximo, para consecução
de estágios posteriores do desenvolvimento industrial, será necessária
a redinamização do transporte de carga ferroviário e marítimo, para
os fluxos densos de carga resultantes de processos de especialização
produtiva. Deve-se ter em vista, principalmente, a modernização tecno-
lógica destes setores, para fazer face aos estágios mais avançados de
industrialização e à ampliação das relações econômicas com o exterior.
Na tabela 7 verifica-se, por outro lado, que o transporte rodoviário
(inclusive carros de passeio) é responsável, atualmente, por mais de
96% do transporte total de passageiros no Brasil. A evolução do trans-
porte rodoviário de passageiros no período de 1950/1970 fez-se a uma
taxa média anual de 12,3%, correspondente a uma evolução da renda
disponível do setor privado à taxa de 6,6% a.a. substituindo, de maneira
acelerada, as funções desempenhadas pelas demais modalidades de
transporte, inclusive o aéreo.
Nos gráficos 3 e 4 são feitas regressões entre o tráfego de merca-
dorias e o produto interno bruto, assim como do tráfego de passageiros
e a renda disponível do setor privado. Dado o interesse, para estudos
relativos ao setor transportes, da evolução global do tráfego de merca-
dorias ou de passageiros, essas variáveis foram localizadas como depen-
dentes respectivamente, do produto _interno bruto e da renda disponível
do setor privado. Encontrou-se bom relacionamento dentre os pares de
variáveis, permitindo levantamento de estimativas ou de previsões a
curto prazo para as variáveis dependentes, dadas hipóteses de cresci-
mento do produto ou da renda disponível:
a) tráfego de mercadorias (Y) e produto interno bruto (X)
logcY = 0,00001884X2 + 1,3333 log,X - 1,0940 (3)
(0,000004843) (0,10164)
(R 2 = 0,99147)

17
Tabela 7
Evolução do tráfego de passageiros no Bmsil: período 1950-70
(em bilhões de passageiros-quilômetro e percentagens relativas ao total)
Evolução
da renda
Rodoviário(!) Ferroviário(2) Maritímo(~) Aéreo Total disponível
do setor
Anos priYado
(100 CrS de
passfkm % pass/km % pass/km % pass/km % pass/km %
I I I I I 1970)

1950 21,1 76,31 5,5 19,80 0,05 0,18 1,0(4) 3,62 27,65 100,00 42 855,0
1951 23,1 75,62 6,2 20,29 0,05 0,16 1,2(4) 3,93 30,55 100,00 44 402,5
1952 2.5,4 77,08 6,2 18,82 0,0.5 0,15 1,3(4) 3,9.5 32,95 100,00 49 386,6
1953 27,9 77,63 6,."i 18,0:) 0,04 0,11 1,5(1) '4,17 3.5,94 100,00 50 115,5
1954 30,7 78,04 7,0 17,70 0,04 0,10 1,6(4) 4,07 39,34 100,00 5-1 832,7
1955 33,7 78,48 7,.5 17,47 0,04 0,09 1,7(4) 3,96 42,94 100,00 50 688,6
1956 37,0 79,83 7,7 16,61 0,05 0,11 1,6 3,45 46,35 100,00 61 552,5
1957 40,7 81,66 7,3 14,65 0,04 0,08 1,8 3,61 49,84 100,00 66 486,7
1958 44,7 82,26 7,6 13,99 0,04 0,07 2,0 3,68 54,34 100,00 69 329,9
1959 49,1 83,04 8,0 13,53 0,03 0,05 2,0 3,38 .59,13 100,00 72 963,G
1960 53,9 84,58 7,5 11,76 0,03 0,05 2,3 3,61 63,73 100,00 78 945,7
1961 59,5 86,19 7,5 10,87 0,03 0,04 2,0 2,90 69.03 100,00 91 163,0
1962 68,1 87,04 7,9 10,10 0,04 0,05 2,2 2,81 78,24 100,00 98 055,7
1963 78,0 88,30 8,2 9,29 0,04 0,05 2,1 2,38 88,34 100,00 98 530,0
1964 89,3 90,07 8,1 8,18 0,04 0,04 1,7 1,71 99,14 100,00 102 736,8
1965 101,3 91,14 8,3 7,40 0,03 0,03 1,6 1,43 112,23 100,00 105 214,9
1956 117,9 93,48 6,5 .5,15 0,02 0,02 1,7 1,35 126,12 100,00 107 884,7
1967 135,9 94,62 5,9 4,11 0,03 0,02 1,8 1,25 143,63 100,00 115 744,8
1968 158,8(5) 95,06 6,1 3,65 0,05 0,03 2,1 1,26 167,05(5) 100,00 123 547,2
1969 185,4(5) 95,83 5,9 3,05 0,06 0,03 2,1 1,09 193,46(5J 100,00 138 031,5(5)
1970 216,4(5) 96,63 5,4 2,41 0,05 0,02 2,1 0,94 223,95(5) 100,00 154 181,2(5)

Taxas de
crescimento
Rodovias FerroYias ~1:uítimo Aéreo Total
anual 6,6
1950- 1970 12,3 -0,1 -· 3,8 11,0
%

FONTES: Anuário Estatístico dos Transportes. 1970. FGV. Conjuntura Económica, v. 25, n.• 9, 1971. Ministério dos Transportes, SUNAMAM e DNEF.
Ministério da Aeronáutica, DAC. Ministério do Planejamento e Coordenação-Geral, IPEA .
No tas: (1) Inclu•ive carros de passeio.
(2) Somente interior.
(3) Cabotagem.
(4) Inclusive tráfego internacional.
(5) E~timativa preliminar.
GrÓtíco 3

Regressão entre o trafego de mercadorias e o produto interno bruto

pertodo 1950-1970

1~ 1~
210 21 o

190

18 0

170

160

150

/ 140
67 '

I
t
130 ·
I
I
66.'
I 120
I
I
I
C5 1 110

l I :lO
'
•t-
I
,I G3
I 90
I
• G:!
/
I ao
/
, • c1

70

I
60
..,,/se
~~ -·~7 50
55

40

30

2~L---~----J_--~~---L----L---~ _____L____L____J_____L____L___~-----1 20
58 60 70 80 90 IO:l 110 120 I JO 140 1!0 ICO 17 0 180
PIB
( EM BIL~?Es CRS- 1970
Grdtico 4
Regressão entre o tráfego de passageiros e a rendo disponfvel
do setor privado
pe rt'odo 1950-1970

PASS km PASS km
250

240 240

230

220 2 20

210 210

200

190 190

180 18 o

170 170
68/

JGO ISO

ISO I ISO

14-0
611 140
I
I
I
130 130
06: I
I
o
.
12 120
I
65 ,
I lO I I lO
I
100 100
64
I
90 fs3 90
I
ao "62 80
I

...... •'61
70 70

GO
59

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. ,,
íio 60

50 S6 57 ee

40
54 es 40

30 30

20 20
30 40 50 60 70 ao 90 100 110 120 130 140 150 160

RENDA
(Elo! BILHÕES DE C~$ ..... 1970)
b) tráfego de passageiros (Y) e renda disponível do setor pri-
vado (X)
log,Y = 0,00003468X2 + 1,1098 logcX - 0,89100 (4)
(0,000009645) (0,15093)
(R 2 = 0,98280)
O ajustamento de função exponencial, em ambos os casos, apre-
sentou-se adequado, especialmente para a primeira regressão. Observa-
se, no gráfico 4, que, devido ao fato de os últimos dados relativos à
renda disponível e ao tráfego de passageiros serem estimados, a curva
ajustada apresenta-se mais distanciada dos pontos observados nos
últimos anos, prestando-se menos, por conseguinte, a extrapolações dos
valores do tráfego.
Descartados os programas específicos de investimentos de cada
modalidade, que estabeleciam prioridades, sem critérios de maior racio-
nalidade na aplicação de recursos, e produtividade na prestação dos
serviços, e também sem a preocupação da análise de possibilidades de
usos alternativos em outras modalidades, os transportes não dispuse-
ram, até recentemente, de um planejamento efetivo no Brasil. Tal
ausência de planejamento integrado do setor acarretou desperdícios
sistemáticos de recursos em investimentos de viabilidade econômica
duvidosa, no passado. Tais desperdícios assumem maior importância,
se for levada em consideração a elevadíssima participação do sistema
de transportes na formação de capital da economia brasileira 10 • A
primeira preocupação com a coordenação da política de transporte e
com o planejamento do setor como um todo, que permitiria a sua
progressiva integração, surgiu com a criação do Grupo Executivo de
Integração da Política de Transportes (GEIPOT), em 1965.
Como resultado direto da atuação do GEIPOT, chegou-se a uma
avaliação detalhada das principais deficiências existentes e, em conse-
qüência, a definições básicas e diretrizes gerais, incorporadas, em parte,
à política de longo prazo do Ministério dos Transportes e ao Programa
Estratégico de Desenvolvimento, para o período 1968/1970 11 •
Cabe ressaltar, todavia, que a grande deficiência deste planeja-
mento setorial recente foi a sua falta de subordinação ao planejamento
global. Conseqüentemente, não foram avaliadas de forma desejável as
relações com - e os impactos sobre - os demais setores da economia,
decorrentes dos investimentos em transportes. A importância destes
últimos nos programas de absorção de mão-de-obra, na expansão de
mercado para produtos agrícolas e industriais, ou no aumento do poder
de competição internacional para novas mercadorias de exportação,
por exemplo, é ainda pouco conhecida no Brasil.
10 INTERNATIONAL BANK FOR RECONSTRUCTION AND DEVELOPMENT.
Report on current economic position of Brazil and prospects .-
transportation. Washington,
1966.
11 Cf. BRASIL. Ministério do Planejamento e Coordenação-Geral. IPEA. Program.'>
Estratégico de Desenvolvimento 1960/1970 - Setor de Transportes - Rio de Janeiro,
1969.

21
A atuação do GEIPOT foi, por outro lado, delimitada pelas próprias
condições econômicas do País, hoje substancialmente alteradas: a)
ausência ou imprecisão de definições de metas quantitativas para im-
portantes setores econômicos, principalmente aqueles cuja atividade
demandava grandes volumes de serviços de transporte; b) preocupação
da politica econômica, concentrada na correção de distorções inflacio-
nárias- pelas quais o setor de transportes era grande responsável -
e no aproveitamento de ociosidades na capacidade instalada, principal-
mente do setor industrial; c) ausência de uma tradição firmada em
estudos e pesquisas de transportes, associada à inexistência ou defi-
ciência de dados básicos de interesse para o planejamento do setor. l
Acontece que o recente desenvolvimento econômico do País, pelo
seu excepcional dinamismo, passará a requerer do sistema de trans-
portes maior eficiência e soluções modernas de escoamento e manipu-
lação de carga, incorporando o desenvolvimento tecnológico acelerado
prevalecente nas economias industrializadas. Enquanto isto, o planeja-
mento global requer, cada vez mais, um tratamento integrado do setor
de transportes com o restante da economia, sobretudo, dada sua natu-
reza de serviço intermediário, numa economia em desenvolvimento.
Os mecanismos de financiamento dos investimentos e da operação do
setor de transportes exigirão, por sua vez, exames aprofundados que
permitam a identificação das principais deficiências e que possibilitem
a apresentação de modernas alternativas de financiamento compatíveis
com as exigências, atuais e futuras, impostas ao desempenho do setor.
Os aspectos apontados, que pelas condições prevalecentes no período
1965-1968 não foram levados em conta nos estudos elaborados pelo
GEIPOT nas suas fases I e II e pelo planejamento governamental
resultante, induzirão a uma profunda reformulação na política de trans-
portes e na própria concepção dos estudos e pesquisas de apoio ao
planejamento. Estes deverão assumir características marcantemente
intersetoriais, possibilitando a geração de novos instrumentos gover-
namentais de seleção de prioridades. Isto porque a orientação geral e
os níveis de agregação da demanda pelos serviços de transporte serão,
cada vez mais, definidos a partir de objetivos concretos de exportações,
armazenagem, abastecimento, localização industrial e desenvolvimento
regional planejado. Será requerido, assim, um exame aprofundado da
expansão da oferta dos serviços, compatível com aqueles objetivos 1 ~.
Desta forma, a título de sugestões, pode-se apontar as seguintes
diretrizes básicas para orientar os estudos e pesquisas de apoio ao
processo de planej amen to dos transportes no País:
a) fornecimento de elementos básicos para a coordenação e orien-
tação futuras do setor de transportes em função de seu inter-relacio-
namento com o restante da economia;
12 IPEA. Setor de Transportes. Corredores de transportes. Rio de Janeiro , 1971
( Documento de trabalho, 1) . Mimeogr.

22
b) exame de aspectos intersetoriais ainda não abordados, sobre-
tudo naqueles pontos que identifiquem e esclareçam melhor o desem-
penho do setor de transportes como setor intermediário no sistema de
relações econômicas;
c) abordagem do setor de transportes dentro de um contexto
amplo de objetivos globais de desenvolvimento, considerando especifica-
mente as metas prioritárias definidas pelo Governo para preservar a
tendência recente de dinamismo da economia;
d) concepção de um instrumental de planejamento adequado ao
setor de transportes que leve em conta metas globais e setoriais de
desenvolvimento e que forneça elementos objetivos para a relação de
prioridades de investimento no setor;
e) detalhamento de estudos de "corredores" de ampla capacidade
de transporte de carga, no sentido de aproveitar as economias de escala
proporcionadas pela moderna tecnologia para atendimento de fluxos de
mercadorias selecionados e a introdução de técnicas de transporte com-
binado;
f) exame da adequação dos mecanismos atuais de financiamento
dos investimentos c operação, bem como avaliação de alternativas de
redistribuição de recursos entre níveis decisórios, modalidades, classes
de usuários e categorias de despesa.

3. O transporte ferroviário

O sistema ferroviário brasileiro implantado para atender às necessi-


dades de uma economia exportadora de produtos primários - com
ferrovias dirigidas do interior para os portos regionais - revelou-se
inadequado para responder aos estímulos do intenso processo de indus-
trialização, iniciado a partir da década de trinta. As profundas transfor-
mações estruturais da economia brasileira colocaram gradativamente,
como elementos mais importantes no movimento geral de carga, os
fluxos de bens intermediários e finais para o atendimento do mercado
interno. A capacidade instalada e a operação do sistema ferroviário
não foram flexíveis ou eficientes para transportar os acréscimos subs-
tanciais na oferta final de bens resultantes da industrialização.
O sistema econômico primário-exportador brasileiro, além disso,
dada a dimensão continental do País, sempre foi agregação de economias
exportadoras regionais, isoladas uma das outras. Os sistemas ferroviários
regionais, por conseguinte, devido à origem dos seus traçados, contri-
buíram pouco para a unificação dos mercados e a integração da fron-
teira agrícola em expansão, necessárias à consolidação das etapas supe-
riores do processo de industrialização 1 3 • As diferenças de bitolas e as
deficiências de traçado nos sistemas ferroviários existentes, de um lado,
13 Ver Cap. 7, pp. 247/ 269 .

23
e os altos custos de construção e os períodos mais longos de maturação
dos investimentos ferroviários, de outro, transferiram para as rodovias
o papel de destaque na consolidação de um mercado nacional.
A partir da II Grande Guerra iniciou-se o processo de deterioração
contínua do sistema ferroviário. As estradas de ferro, que ainda fun-
cionavam sob a forma de concessão e de propriedade privada, foram
encampadas pelo setor público. A obsolescência do equipamento e suas
deficiências operacionais transferiram-se para o setor público. Embora
centralizando decisões, através da criação da Rede Ferroviária Federal
S.A. (RFFSA), pelo Governo Federal e da Secretaria de Transportes,
pelo Governo do Estado de São Paulo, não se verificaram, na época,
alterações radicais no quadro existente.
As ferrovias integrantes do sistema da RFFSA e de propriedade, ou
administração, do Governo de São Paulo apresentaram graves desequi-
líbrios financeiros, resultantes dos déficits operacionais crônicos a que
estiveram submetidas. Absorveram as mais vultosas subvenções opera-
cionais concedidas ao setor transportes na década de sessenta. A exces-
siva pressão da folha de pagamento do lado da despesa, e a política tari-
fária inadequada- que não permitia cobrir os custos de operação- do
lado da receita, foram os principais fatores conjunturais responáveis
pelos déficits operacionais. De caráter estrutural, cuja solução continua
a exigir medidas de longo prazo, são os problemas de qualificação e pro-
dutividade da mão-de-obra e a persistência de grande número de trechos
e linhas antieconômicas 14 •
Com relação às subvenções concedidas ao transporte ferroviário, é
importante não perder de vista o contexto das políticas adotadas pelo
Governo Federal no que concerne à fixação de tarifas dos serviços pú-
blicos em geral, e em especial dos transportes, anteriormente a 1964.
Os efeitos inflacionários de tais políticas refletiram-se nas parcelas
crescentemente importantes da despesa governamental, destinadas a
cobrir déficits através de subvenções diretas, como resultado do imobi-
lismo tarifário nos serviços públicos 15 • As elevadas subvenções opera-
cionais, concedidas ao transporte ferroviário pelo Governo Federal, com-
parativamente com as destinadas às outras modalidades, estão indi-
cadas na tabela 8.
Pela tabela 8 observa-se que, nos últimos anos do período 1961/ 1970,
o setor ferroviário ainda participava com aproximadamente 90 % do
total das subvenções concedidas pelo Governo Federal ao sistema de
transporte. t; bem verdade que, a cruzeiros constantes, o montante das
subvenções concedidas ao transporte ferroviário declinou substancial-
mente a partir de 1964, embora em 1970 ainda atingisse a importante

H GEIPOT-BIRD. Brazil transport survey-report on the existin8 situation. New York,


Coverdale and Colpitts. 1967.
15 BAER, Wemer; KERSTENETZKY, Isaac; SIMONSEN, Mário Henrique. Trans-
porte e inflação: um estudo da formulação irracional de política no Brasil. Revista Brasileira
de Economia, Rio de Janeiro, 16 (4):159-74, dez. 1962, tab., gráf.

24
Tabela 8

Subvenções operacionais para o setor de transportes: período 1961-70


(em milhões de cruzeiros de 1970)

~ 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968(1) 1969(1) 1970
o

Total de subvenções 1 640,3 2 140,0 2 310,3 2 006,1 1 406,3 1 002,4 831,8 829,7 713,6 637,2

% 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Ferroviário 1 013,5 1 396,7 1 705,0 1 581,1 1 041,8 672,2 594,8 766,5 661,6 593,9

% 61,8 65,3 73,8 78,8 74,1 67,1 71,5 92,4 92,7 90,4

Marítimo 540,9 466,7 434,3 303,8 245,9 216,9 195,3 49,0 48,4 62,8

% 33,0 21,8 18,8 15,1 17,4 21,6 23,5 5,0 6,8 9,6

Portuário 17,7 78,3 57,0 31,4 39,1 56,1

% 1,0 3,6 2,5 1,6 2,8 5,6

Aéreo 68,2 198,3 114,0 89,8 79,5 57,2 41,7 14,2 3,6 0,5

% 4,2 9,3 4,9 4,5 5,7 5,7 5,0 1,7 0,5 0,0

Produto interno bruto 107 506,1 113 163,2 114 909,2 118 269,6 121 506,5 127 710,9 133 813,0 146 282,9 (2)159 453,3 (2)17 4 624,1

Subvenções como peroenta-


gem no PIB 1,5 1,9 2,0 1,7 1,2 0,8 0,6 0,6 0,4 0,4

FONTES: Ministério dos TraMportes - Departamento Administraçi\o - Divisão Orçamento. Ministério da Aeronáutica - Diretoria de Aeronáutica Civil -
Assessoria Eoonômioa. Ministério do Planeiamento - IPEA - Setor de Transportes. FGV, Conjuntura Econbmica, v. 25 - n.• 9, 1971.
(1) Refere-se aos recebimentos do exercício.
r;.., 2) Estimativa preliminar.
(J1
magnitude de Cr$ 590 milhões . . Observa-se, ainda nessa tabela, o
declínio no total das subvenções operacionais concedidas pelo Governo
Federal ao setor de transportes como um todo. Para o transporte aéreo
e o sistema portuário as subvenções caíram praticamente a zero ou a
valores relativamente pequenos. Para o transporte marítimo, por outro
lado, as subvenções concedidas às empresas de navegação, após atingi-
rem um nível mínimo de Cr$ 48,4 milhões no ano de 1969 (preços de
1970) voltaram a crescer, em 1970, atingindo o montante de Cr$ 62,8
~ilhões. Ao examinar-se as subvenções como percentagem do produto
mterno bruto, observa-se uma tendência crescente até 1963 - onde
atingiram a elevada proporção de 2% do PIB - e, a partir de 1964,
uma tendência ininterrupta de declínio daquela participação percen-
tual, atingindo 0,4 % do PIB, em 1970.
O transporte ferroviário apresenta, no Brasil, densidade média de
tráfego de mercadorias extremamente baixa, proporcionalmente à exten-
são territorial do País e ao comprimento das linhas exploradas. Pela
tabela 9, onde são feitas algumas comparações internacionais para o
ano de 1968, observa-se que o trabalho efetuado pelas ferrovias brasi-
leiras, em termos de toneladas-quilômetro de carga transportada, situa-
se em nível baixo relativamente àqueles parâmetros.
Assim, o percurso médio de uma tonelada transportada no Brasil
era no ano em questão, de 362 km, tratando-se de extensão relativa-
mente pequena quando comparada com percursos médios em países de
grande dimensão territorial. O índice de densidade média de tráfego -
qual seja, milhares de toneladas-quilômetro, por quilômetro e por ano
-situava-se, para o Brasil, em 672. Esta densidade é realmente pouco
significativa, se comparada à de países industrializados. Isto porque a
densidade do transporte de carga encontra-se muito mais relacionada
com a magnitude e diversificação do produto gerado num espaço eco-
nômico do que com as dimensões do espaço em si e da infra-estrutura
disponível dos serviços de transporte. Assim, países com pequenas exten-
sões de território e de linhas apresentam níveis significativos de trans-
porte de carga, devido à complexidade e ao grau de diversificação da
sua capacidade produtiva, bem como aos montantes da produção física
do setor industrial.
No Brasil, além do reduzido nível do produto relativamente à sua
população e território existe, também, baixa relação entre o trabalho
efetuado pelas ferrovias e o produto interno, embora o índice de tone-
ladas-quilômetro por unidade do PIB, como é mostrado na referida
tabela, seja mais favorável ao Brasil do que o índice de densidade média
de tráfego citado anteriormente. Cabe ressaltar, finalmente, que até
mesmo países em desenvolvimento (como a índia, por exemplo) podem
apresentar índices elevados de densidade, não só como resultado de uma
tradição ferroviária, como também devido à opção de prioridade no
desenvolvimento desta modalidade em face da estratégia global de cresci-
mento econômico.

26
Tabela 9

Tráfego ferroviário de mercadoria: ano de 1968


comparações internacionais

2. Toneladas- 4. Densid:1de
1. Comprimento
3. Percurso 5. Produto
quilómetro de de tráfego:
das linhas médio de milhares de interno G. Tonelada.-..
Países exploradas mercadorias uma tone!uda brulo ao custo quilómetro por
transportadas transportada t. km por km de fatores
(cm km) de linha c unidade PIB
(cm milhões) (cm km) (USS lOP)
por ano
---
1. Estados Unidos( 1 ) 340 400 1 077 827 S::!S 3160 695 1,6
2. Unif1o Soviética 133 600 2 274 800 841 17000 290(2 ) 7,8
3. Índia(1 ) 58 399 116 784 !;73 1999 40 2,9
4. França 37 104 6.3 209 271 1700 111 0,6
5. Brasil :J2 034 21 974 362 G72 25 0,9
G. Alemanha Ocidcn tal 29 845 58 728 um 2 000 Ll8 0,5
7. Polônia 2G G28 !)2 G3G 245 3 400 31(2) 3,0
S. lleino Unido 201 051 24 02G 1H 1 100 &~ 0,3
9. Tchecoslová.qui •1 13 317 5G 710 231 4 000 16(2) 3,5
10 . Espanha 13 687 8 245 27!) 700 24 013
11 . llomtinia 11 023CJ :17 249 25:1 3 300 11(2) 3,4

FONTES: Revue Générale des Chemins de Fer, Paris, Dunod Editcur, jul./ngo. 1970. Relatório tia Rede Ferroviária Federal S/A .
Rio de Janeiro, 1970. Statistical Yearbook, ONU, 1970.
( 1) Refere-se ao ano de 1966.
(2) Dado · referente ao produto nacional bmto no ano de 1968, eti timado pelo crescimento do índice do produto total.
(3) Refere-se ao ano de 1967.
O gráfico 5 apresenta o ajustamento de uma curva a partir de uma
regressão efetuada entre o tráfego ferroviário, em toneladas-quilômetro,
e o produto interno bruto, em dólares. Tendo sido considerados os va-
lores do tráfego e do PIB em termos per capita, a distribuição das
observações possibilitou um ajustamento razoável. Foi ajustada uma
função exponencial do tipo y = ax2 , que parece bem adequada para
relacionar os dados disponíveis, onde Y representa os diferentes mon-
tantes de toneladas-quilômetro de mercadoria per capita e X os valores
do PIB per capita em dólares para os países considerados. O coeficiente
de determinação encontrado foi de 0,778, significativo para 5%:
logcY = 0,26587 + 0,88407 logcX (5)
(0,10826)
(R~ = 0,77825)
A cross-section, nesse caso, pode permitir uma extrapolação, para
o Brasil, de seu tráfego ferroviário per capita, em função da evolução
do PIB per capita, em prazo mais longo, segundo padrões prevalecentes
em países desenvolvidos 16 •
Por outro lado, no que diz respeito exclusivamente à dimensão das
linhas férreas em exploração, nota-se em muitos países, atualmente,
tendência generalizada à redução da quilometragem total, através da
eliminação dos trechos comprovadamente antieconômicos. Eleva-se, com
isto, a produtividade geral do sistema ferroviário, permitindo enfrentar
a competição das rodovias nas linhas trancais. A tabela 10 mostra que,
em alguns países, como o Reino Unido e os Estados Unidos, esta redu-
ção foi drástica num período de 12 anos (1955-1968), beneficiando -
ou pelo menos não prejudicando- os níveis de carga manipulada pelas
ferrovias. A União Soviética e os países socialistas, de um modo geral,
constituem-se em exceções a essa tendência, pois suas ferrovias não
enfrentam o problema da competição rodoviária, uma vez que detêm,
praticamente, o monopólio na prestação dos serviços de transporte. No
Brasil a extensão das linhas exploradas reduziu-se de 37.092 km (índice
100) em 1955 para 32.054 km (índice 86,5) em 1968 o que pode ser
considerado como um bom desempenho.
Com efeito, a redução de linhas começa a assumir no País, grande
importância para o planejamento ferroviário. A manutenção e admi-
nistração de muitos trechos e ramais de operação não rentável (e às
vezes de linhas inteiras) constituem-se em pesado ânus para o sistema
ferroviário no seu conjunto, acentuando seus baixos níveis de produti-
vidade 17 • Isto é particularmente grave quando se constata que muitos
trechos, estações ou trens servem zonas com montantes de produção
H• Qualquer extrapolação desta natureza deve, todavia, ser encarada com reservas e
apenas como uma indicação grosseira das possibilidade de expansão do tráfego ferroviário.
Deve-se sempre ter presente a peculiaridade do processo evolutivo de nossas ferrovias.
17 Cf. a este respeito, BRASIL. Ministério dos Transportes. Plano de substituição
de linhas férreas antieconómicas. Rio de Janeiro, 1965. Relatório do Grupo de Trabalho
GT-FRA / 65.

28
GrÓf1co 5

Regressão entre o tráfego ferroviário (em toneladas- quil6metro


per copito) e o produto interno bruto (em dolares per copito)
ano de 1968

soco ~~~~~~~~~--~------,-----r---~--r--r-,r-r-r-----------~~r-------r---~
0
ESTADOS U" I OOS
5000

4 000

3 000

I
2 000 SUECIA

AUSTRhllh o

FRANÇA
FI NL ÂNO!A
0

ÁUSTRIA o
ALE MANHA OCIOENTA '
SUIÇA
I 000 0

900

eoo
700
. NORUEGA

soo
~o o
/,RGEIITINA
. Jt.PÂO

'
MEXICO
4CO

ITÁLIA
300 e CHILE
ORA:liL
ESPAI'lHA •
0

zoo

0
TURQUIA

e R.A.U .

0
PAQUISTÃO • I RÃ

zoo 4 00 GCO 800 IODO 2 000 4 000


PIB PER CAPITA
( us sI

29
física muito rarefeitos. Nestes casos, uma rodovia substitutiva seria
mais aconselhável para recolher as pequenas quantidades produzidas e
dispersas espacialmente 18 • Levado em consideração, ainda, o acelerado
deslocamento dos serviços ferroviários no atendimento da demanda
total, por parte das rodovias, verifica-se que são bastante prejudicadas
as possibilidades de competição com estas últimas nas linhas trancais,
em virtude da manutenção dos trechos e linhas antieconômicas. A im-
plantação de eficiente sistema de rodovias alimentadoras e estradas
rurais -permitindo a concentração do embarque de grandes partidas
de carga em silos ou armazéns de grande capacidade- viria favorecer
no Brasil, por sua vez, a maior utilização das linhas trancais ferroviá-

Tabela do gráfico 5
Tráfego fermviário (em toneladas-quilômetro per capita) e produto
interno bruto (per capita): ano de 1968
(comparação internacional)

PIB ao cu~to de t km prr capila


l'ubes fator per rapila (t km/hal.J.)
(Uf:)S(hal.J.)

Índia 78 ::!07
Paquil;tão 130 82
RAr 166 !),')
BraDil :28;~ 24.9
Irã 2!)8 82
Turquia :{3!) 157
Chile .'i~() 284
México 564 430
Argentina 65S .i47
Espanha 737 ~53
Itália 1 26!J :127
Japão 1 30S 58 fi
Áustria J 323 120
Finlândia 1 556 1 22:3
Alemanha Ocidental 2 041 J 013
~orucga 2 158 658
França 2 215 1 263
.\ustrálin 2 26!) L 671
Snfça 2 55!) 1 001
Snéda 2 !112 1 873
Estados Unido,; 3 !156 5 402

FO::\'TE: Stalistical Yearbool.- , ONU, 1!170.

18 JATOBÃ, Emerson Loureiro. Uma análise do sistema ferroviário brasileiro. Rio


<le Janeiro, 1965. Mimeogr.

30
rias, aumentando o poder de competição e a modernização tecnológica
das ferrovias, para o transporte de cargas densas em distâncias média
e longa 19 •
Cabe lembrar que o problema da redução de linhas e ramais, ainda,
é agravado pelas profundas repercussões e efeitos sociais que acarreta,
traduzidos em desemprego, dificuldade no uso alternativo dos recursos
humanos e materiais liberados, etc. A complexidade do problema tinha
determinado sistematicamente, no Brasil, a sua transferência para o
futuro, ao invés da opção, por um planejarnento que determinasse o
emprego dos fatores de produção em outros usos, inclusive mais rentá-
veis. Recentemente, começou a prevalecer, efetivarnente, a consciência
de que o transporte ferroviário teria que aumentar o seu poder de
competição nas rotas trancais de grande concentração de tráfego -
movimentando cargas densas granelizáveis ou partidas significativas
de carga geral unificada- enquanto a flexibilidade do transporte rodo-
viário seria mais adequada ao transporte de carga geral e à alimen-
tação dos troncos ferroviários e rodoviários de alta densidade, dentro
de urna concepção de "corredores" de escoamento de carga densa 20 •

Tabela 10
Extensão das linhas férreas exploradas: anos de 1955, 1966 e 1968
(comparações internacionais)

Extensão das linhas férreas

Países em índice
em quilômetros 1955 = 100

1955
I 1966
I 1968 1955
I 1966
I 1968

1. Estados Unidos 535 058 340 400 336 400 100,0 63,6 62,9
2. União Soviética 120 700 132 500 133 600 100,0 109,8 110,7
3. França 39 810 37 670 37 10-! 100,0 94,7 93,2
4. Alemanha Ocidental 31 047 30 128 29 845 100,0 97,1 96,2
5. Reino Unido 30 57!) 22 082 20 051 100,ú 72,~~ 65,6
6. Espanha 13 019 13 405 13 687 100,0 103,0 105,2
i. Brasil 37 092 32 463 32 054 100,0 87,6 86,5

FONTES: Revue Generale des Chemins de Fer, Paris, Dunod Editeur, jul./agos. 1970, Rela-
tório da Rede Ferroviária Fed!'ral 8/ A.

JD Como carga densa para o transporte ferroviário consideram-se as grandes partidas


de embarque de mercadorias passíveis de armazenamento, manuseio e transporte a granel
e dE' carga geral unificável em lotes homogêneos.
!!•l IPEA, Setor de Transportes. Corredores de Transportes. cit.

31
O problema da competição ferrovia/ rodovia tem sido grave no
Brasil, como já foi assinalado. Cabe entretanto separar, no processo de
perda de posição das ferrovias no mercado de transporte de carga, o
que seria devido a um fenômeno de natureza mais universal de substi-
tuição pelo transporte rodoviário e o que seria devido a deficiências
estruturais, operacionais e administrativas, que impossibilitaram as
ferrovias de disputar ativamente no mercado a prestação de serviços
para cargas que lhe são próprias. A tabela 11 mostra para um grupo de
países selecionados a relação percentual entre as toneladas-quilômetro
transportadas por ferrovias e por rodovias no total para o período
1960/ 1968. Nota-se uma tendência generalizada ao decréscimo da parti-
cipação das ferrovias no transporte total de carga, mesmo nos países
socialistas que, como foi dito, adotam uma política protecionista em
relação ao transporte ferroviário. Isto significa que é válido atribuir
ao fenômeno da perda de posição do transporte ferroviário de carga em
favor do rodovlário, uma "componente tecnológica" que seria o resultado
das consideráveis vantagens operacionais oferecidas pelo transporte
rodoviário para o transporte de carga geral. Haveria, entretanto, uma
"componente de eficiência" do transporte ferroviário que seria inversa-
mente proporcional à magnitude da sua perda de posição percentual
frente ao transporte rodoviário. Assim, a Alemanha Ocidental, por
exemplo, teve reduzida a participação de suas ferrovias na movimen-
tação total das toneladas-quilômetro de 42 para 38 %, entre 1960 e 1968,
enquanto a participação do transporte rodoviário também caía de 26
para 23 %. No Brasil, a redução da participação ferroviária no mesmo
período foi de 19 para 14 % enquanto a participação do transporte
rodoviário elevou-se de 61 para 72% :n.
Cabe agora examinar a evolução do transporte de carga, através
dos sistemas federal e paulista, desde 1961. Pela tabela 12, conside-
rando-se a tonelagem total anual movimentada pelos dois sistemas,
verifica-se que os volumes de carga pouco cresceram por um período
de nove anos. O sistema federal apresentou uma taxa média de cresci-
mentou anual da ordem de 1,9 % entre 1961 e 1970 enquanto que para
o sistema paulista o incremento médio foi de 0,8 % ao ano. Enquanto
isso, a Estrada de Ferro Vitória-Minas teve um acréscimo de 6,9 mi-
lhões de toneladas transportadas em 1961 para 28,8 milhões em 1970,
o que representou um incremento médio anual de 17,3 %. Já relativa-
mente às toneladas-quilômetro, observam-se acréscimos que revelam
aumento na distância média do deslocamento de cada tonelada. A expli-
cação deste aumento reside, provavelmente, na competição com o trans-
porte rodoviário, para percursos de curta distância, cada vez mais acir-
21 Para ressaltar o processo de deterioração do nosso transporte ferroviário a partir
do pôs-guerra, é interessante lembrar que, para o período 1951/1961, enquanto o produto
re-al da indústria cresceu de 148% e o da agricultura de 64%, as mercadorias transpor-
tadas nas ferrovias tiveram seu volume acrescido em apenas 20%. Por outro lado, enquanto
o índice de preços por atacado aumentava de 714o/0 no período, as tarifas ferroviárias para
carga sofreram acréscimo de 261% . (Cf. Baer, Kerstenetzky & Simonsen, op. cit.) .

32
Tabela 11
Importância relativa entre toneladas-quilômetro ferroviária e rodoviária
no total transportado: anos 1960 - 1965 e 1968
(comparações internacionais)

t-km

Paíl'<es 1960 1965 1968

I % Rod. I % Ferr. % Rod. I % Ferr. % Rod. I % Ferr.


Bulgária 21 í-! ?"
~o G\l 31 63
Tchecoslováquia 10 89 12 88 13 í7
França 31 5R 32 45 42 48
Alemanha Oriental 12 82 15 80 18 7í
Alemanha Ocidental 26 42 34 35 23 ;~8
Noruega 49 51 55 4.5 .59 41
Polónia• ~ 91 9 86 11 82
URSS ti 86 G '>-}
v~ 7 80
Reino Unido 11 74 32 55 44 42
Holanda 23( 1
) 13(1 ) 2~1 lO 23 7
Canadáb ll(Z) 43(2) !) 42 9 42
Japão• 15 40 26 31 36 22
Brasil 61 19 68 18 72 14
Espanha• 4.'5(2) 18.(2) 53 15 56(3) 14(3)

FONTES: Gemis: Annual Budislin óf Tmnsport Statislics for Europe, Nações Unidas.
Stalisliques Internalionales des Transporls Ettropeens, 1966.
Especificas: • Stalislical Yearbool.: oj Poland, 1970.
b Canadian Faels

• Dados da Embaixada.
( 1) Dados de 1963. (2) Dados de 1961. (3) Dados de 1!J66.

rada. Isto fez com que as ferrovias se deslocassem para atendimento


da demanda pelos serviços de longa distância 22 • Mesmo assim, o tráfego
ferroviário - não incluindo a E.F. Vitória-Minas - expresso em
toneladas-quilômetro, tem crescido a uma taxa inexpressiva para o
sistema paulista e ligeiramente inferior para o sistema federal quando

22 Cabe lembrar, igualmente, que a aplicação de tarifas marginais decrescentes pelas


fe,·rovias brasileiras teria estimulado o tráfego de longa distância. Não obstante o fato de
s.•rem os custos unitários decrescentes com o aumento do trabalho realizado numa ferrovia,
comprovações empíricas mostram que o custo marginal por quilômetro é relativamente
constante. A cobrança de tarifas marginais inadequadas deve ter contribuído não só para
a formação de déficits ferroviários como também a alocação irracional de recursos pela
concE>ntração da produção e distâncias de transporte mais longas. (Cf. Abouchar, Alan.
Distância de transporte, custos operacionais e tarifas de carga nas ferrovias brasileiras. Re-
vista Brasileira de Transportes, Rio de Janeiro, v. 1 n. 1, jul./set. 1966).

33
Tabela 12

Evolução do tráfego ferroviário de mercadorias: período 1961-1970

Taxa de
crescimento
Discriminnção 1961 Hl62 1%3 1004 1905 lOGo 1067 HHlS 1009 1070 médio
anual
(1961/1010)
- - ---

J. Em milhares de toneladas

1. Sistema federal 27 499 26 104 25 145 27 M5 28 514 28 341 27 893 29 893 :)1 620 32 644. 1,9

2. Sistema paul ista 10 392 10 062 11 017 10 4&1 11 335 10 423 ü 722 11 673 11 314 11 128 0,8

3. E.F. Vit6ria-Minn• G SGS 7 905(1) 8 397 !) 002 11 96G 13 209 15 140 l:l 'i'l4 20 7·10 28 803 17,3

4. TotaJ (2) 44 758 4.4 071 HMI -1.7 ü98 51 81.5 ;,2 oo:1 52 459 56 280 63 674 72 575 .\5

ll. Em milhõts de t km

1. Sistema federal
(RFFSA) 7 499 8 229 7 676 8 155 s 906 9 233 9 oa-1 10 204 11 338 12 05G 5,4

2. Sistema paulista 2 909 2 812 3 061 2 823 3 161 2 8-U 2 693 3 342 3 203 3 151 0,9

3. E.l<'. Vit6ria-M inas 3288 3 933 4 266 4 005 (j 129 6 675 7 606 7 765 10 173 14 770 18,2

4. Tota1(2) 13 696 H 974 15 003 15 883 JS 000 JS 74!! 19 333 21 311 24 714 29 977 9,1

lll. Produto iutnno bruto

(em milhões de cruzeiros


de 1\)70) 107 500 113 163 114 909 118 270 121 505 127 'ill 133 813 146 283 159 453* 174. 624* .5,5

FONTES: Relatório DNEF. Relatório R FFSA. Relatório EFVl\1 Conjuntura Bcon6mica, FGV, vol. 25, n.• 9, 197!.
(I) Estimado (2 ) Não considerando ns demais Administrações.
comparada com o crescimento do produto interno bruto. A partir de
1968, entretanto, o sistema federal passou a ter acréscimo na tonelagem
anual, resultante do incremento no transporte de minério de ferro.
A E.F. Vitória-Minas, por sua vez, tem aumentado no período em
análise, de forma persistente e substancial, as suas tonelagens-quilô-
metro anuais, devido, igualmente, ao minério de ferro transportado em
uma distância média praticamente constante. O deslocamento de carga
dos sistemas federal e paulista, em toneladas-quilômetro, correspondia
a 76 % do total, em 1961 e a 50 %, em 1970.
Quanto ao transporte de passageiros, verifica-se, para o período em
questão, declínio persistente do número de passageiros transportados
pelas ferrovias integrantes da RFFSA, e tendência levemente ascen-
dente para as ferrovias paulistas, conforme os dados fornecidos pela
tabela 13. O mesmo acontece em termos de passageiros-quilômetro, em
virtude da competição rodoviária. Na RFFSA, a redução mais importante
do volume de passageiros aparece no tráfego suburbano - que repre-
senta hoje cerca de 70 % do tráfego total - indicando transferência
maciça para ônibus de linhas suburbanas. As deficiências na prestação
dos serviços, por parte da E.F. Central do Brasil e E.F. Leopoldina,
certamente são as maiores responsáveis por esta tendência.
A tabela 13, que apresenta a evolução do tráfego de passageiros no
período 1961/ 1970, permite verificar, ainda, que relativamente à taxa
média de crescimento anual do tráfego de passageiros neste período,
esta situou-se, em geral, bem abaixo do crescimento da renda disponível
do setor privado. O movimento de passageiros teve, para os sistemas
federal e paulista, taxas negativas de crescimento, com exceção do
movimento de passageiros suburbanos do sistema paulista, que cresceu,
no período, à taxa média de 3,6 %. O movimento total de passageiros,
computando interior e suburbano, decresceu à taxa de 3%. Conside-
rando-se o tráfego em termos de passageiros-quilômetro, o panorama
é aproximadamente o mesmo. Embora este tráfego relacione-se apenas
com o movimento de passageiros do interior, o sistema paulista apre-
sentou taxa de crescimento de 0,7 %, contrastando acentuadamente com
o sistema federal (- 7,6 %) . Isto pode significar que para o interior de
São Paulo, considerado o movimento total de passageiros declinante,
os percursos médios aumentaram, fazendo com que as ferrovias paulistas
passassem a disputar os passageiros nas longas distâncias.
Com referência à tabela 13 cabe lembrar, finalmente, que a dispa-
ridade entre os incrementos anuais da renda disponível global do setor
privado e da renda urbana per capita (6 % e 0,5 % respectivamente)
refletiria dois fenômenos: a) a forte pressão demográfica sobre as
cidades, em geral, e as áreas metropolitanas, em particular, deteriorando
os seus níveis de renda per capita; b) um crescimento desigual da
renda urbana, pois o processo de industrialização brasileiro, acarretando
uma intensa urbanização, possibilitou a formação de uma classe média
urbana e um operariado qualificado com níveis crescentes de consumo,
enquanto parte da população com níveis de renda mais baixos ficou

35
Tabela 13

Evolução do tráfego ferroviário de passageiros: período 1961-1970

Taxa de
crescimento
Discriminação 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 médjo
anual
(1961/1970)

I. Em milhões de passaoeiros
1. Sistema federal (RFFSA)
a) Interior 63,9 60,7 61,7 63,8 61,9 46,6 40,1 39,4 37,4 33,8 -7,4
b) Suburbano 335,3 363,5 345,6 325,1 291,3 255,5 252,8 274,0 266,2 248,8 -3,4
c) Total 399,2 424,2 407,3 388,9 353,2 302,1 292,9 313,4 303,4 282,6 -3,9

2. St~stema paulista
a) Interior 24,8 28,0 27,3 25,5 25,6 25,9 26,7 26,1 24,2 20,7 -2,1
b) Suburbano 19,6 18,1 17,1 19,6 21,9 21,6 23,7 25,7 26,2 27,0 3,6
c) Total 44,4 46,1 44,4 45,1 47,5 47,5 50,4 51,8 50,4 47,7 0,8

3 . Total(1)
a) Interior 88,7 88,7 89,0 89,3 87,5 72,5 66,8 65,5 61,4 54,5 -5,6
b) Suburbano 354,9 381,6 362,7 344,7 313,2 277,1 276,5 299,7 292,4 275,8 -2,8
c) Total 443,6 470,3 451,7 434,0 400,7 349,6 343,3 365,2 353,8 330,3 -3,0

II. Em milhões de passaoeirosf


quil6metro(2)
1. Sistema federal (RFFSA) 5 274 5 150 5 212 5 277 5 435 3 782 3 023 3 112 2 896 2 724 -7,6
2. Sistema paulista 2 291 2 605 2 662 2 529 2 513 2317 2 546 2 701 2 698 2 439 0,7
3. Estrada de Ferro Vitória-
Minas 247 263 288 286 271 270 231 245 251 259 0,5
4. Total 7 812 8 018 8 162 8 092 8 219 6 369 5 800 6 058 5 845 5 422 -4,2

III. Renda disponível do setor pri-


vado (em milhões de cru-
zeiros de 1970) 91 163 98 056 98 530 102 737 105 215 107 885 115 745 123 547 138 032(3) 154 181(3) 6,0

IV. Renda urbana/per capita (em


cruzeiros de 1970) 2 069 2 023 2 052 1 944 1 868 1 902 1 930 1 986 2 071(3) 2 160(3) 0,5

FONTES: Relatório das Estradas de Ferro do Estado de São Paulo. Relatório da RFFSA. Relatório da Estrada de Ferro Vitória-Minas. Anuário Estatís-
tico do DNEF. Conjuntura Económica, FGV, v. 25, n. 0 9, 1971.
(1) Excluída a Estrda de Ferro Vitória-Minas por ter um reduzido tráfego de passageiros.
(2) Somente passage:iros do interior.
(3) Estimativa preliminar.
marginalizada nas periferias urbanas, sobretudo, das áreas metropoli-
tanas. Pode-se imputar, desta forma, o crescimento do tráfego local
rodoviário urbano ao crescimento desigual da renda urbana estimulando
o consumo dos serviços de ônibus ou a utilização do automóvel, rele-
gando para as populações mais pobres e marginalizadas na periferia
suburbana - incapazes de pagar tarifas reais - os serviços ferroviários.
Esta é, com efeito, a raiz do círculo vicioso de desequilíbrios financeiros
das ferrovias no transporte suburbano de passageiros, pois os reajustes
tarifários para cobertura dos custos de prestação dos serviços - que
permitiriam a melhoria de eficiência do sistema e a conseqüente redução
futura daqueles custos- são inviáveis, em face da evasão dos usuários
de melhor nível de renda para o transporte rodoviário.
Em 1970, cerca de 52 % das linhas férreas em operação pertenciam
à RFFSA, 24% às ferrovias do Estado de São Paulo, 4% à Companhia
Vale do Rio Doce (CVRD) e 20% a empresas privadas. A quilometragem
atual e as densidades de tráfego correspondentes ao sistema ferroviário
são indicadas na tabela 14. Por ele, que indica os índices de carga e
pessoal do sistema ferroviário brasileiro para os anos de 1965 e 1970,
verifica-se sensível melhoria, não só no movimento geral de mercadorias
transportadas pelos diferentes sistemas, mas também - em alguns
casos marcantes- dos índices de produtividade dos serviços ferroviários.
Assim, a densidade de tráfego - expressa em toneladas-quilômetro,
por quilômetro de linha, por ano - aumentou consideravelmente para
os sistemas federal e paulista e, substancialmente, para as ferrovias
independentes (Amapá e Vitória-Minas).
A densidade média de tráfego para o Brasil, que situava-se em 539,
em 1965, aumentou para 942, em 1970. Por outro lado, a densidade de
tráfego medida em termos de toneladas-quilômetro por empregado e
por ano aumentou, igualmente, para os sistemas federal e paulista,
assim como para as ferrovias independentes. Cabe ressaltar que, para
estas últimas, o aumento foi de grandes proporções, praticamente dupli-
cando a densidade prevalecente em 1965. Embora o índice de produ-
tividade por empregado tenha sido bastante influenciado pelo acrés-
cimo verificado nas Estradas de Ferro Amapá e Vitória-Minas, a mé-
dia nacional, que situava-se, no ano de 1965, em 93, e passou, no ano
de 1970, para 178, foi influenciada também, no período, por uma sen-
sível melhoria da produtividade no sistema federal (61 para 97). Os
índices de densidade de tráfego por quilômetro de linha e por empre-
gado revelam que, efetivamente, nos últimos cinco anos, houve nítida
tendência de recuperação no sistema ferroviário, apesar das dificuldades
mencionadas relativamente à competição rodoviária.
Embora o setor público fosse, nas duas últimas décadas, proprie-
tário quase que exclusivo da rede instalada, seu número excessivo de
órgãos, tanto para operar quanto para expandir esta rede, com atri-
buiÇões semelhantes ou conflitantes, dificultou bastante uma homo-
geneização das decisões da política econômica referente ao sistema
ferroviário.

37
w Tabela 14
00

Quilometragem, índices de carga e pessoal do sistema ferroviário


brasileiro: anos de 1965 e 197G

t km úteis de Densidade de Densidade de


Extensão das mercadorias Número médio tráfego: 103 de t km tráfego: 103 de km
linhas em km transportadas• 106 de por km de linha por empregados
Ferrovias (1) empregados por ano por ano

1965
I 1970 1965
I 1070 1965
I 1970 1965
I 1970 1965
I 1970

I. Sistema federal 25 747 25 101 8 806,0 12 056,6 145 004 123 862 342 480 61 97
1. E.F. São Luís-Teresina 452 807 12,5 12,0 1 3~8 1 810 28 15 9 7
2. R.V. Cearense 1 759 1 379 104,2 162,8 4 629 4 099 59 118 23 40
3. R.F. do Nordeste 2 850 2 726 300,9 242,8 12 236 10 152 106 89 25 21
4. V.F.F. Leste Brasileiro 2 469 2 436 177,9 317,5 8 235 7 844 72 130 22 40
5. V.F. Centro-Oeste 4 105 3 663 431,7 1 095,2 14 031 12 323 105 299 31 89
6. E.F. Central do Brasil 2 983 2 823 4 019,7 5 838,0 44 604 37 613 1 348 2 068 90 155
7. E.F. Leoopldina 2 496 2 396 318,8 223,3 17 018 14 008 128 93 19 16
8. E.F. Noroeste do Brasil 1 636 1 607 530,1 649,6 8 447 6 869 324 404 63 95
9. E.F. Santos-Jundiaí 139 139 470,3 442,2 7 110 6 987 3 384 3 182 66 63
10. R.V. Paraná-Sta. Catarina 3 006 3 052 1 362,5 1 623,0 11 155 9 638 453 532 122 168
11. E.F. Santa Catarina 180 184 2,8 12,9 1 188 386 16 70 2 33
12. E.F. Da. Teresa Cristina 272 236 125,2 141,2 501 1 189 460 598 2'i0 119
13. V.F. Rio Grande do Sul 3 400 3 653 940,4 1 296,1 14 162 10 944 277 355 6(; 118

II. Sistema do Estado de S. Paulo 6 851 5 344 3 159,8 3 151,2 44 045 38 037 461 590 72 83
1. E.F. Sorocaba 2 181 2 017 1 664,4 1 739,3 20 187 17 505 763 862 82 99
2. Cia. Paulista de Estradas de Ferro 2 081 1 270 823,0 710,9 12 967 10 745 396 560 63 66
3. C ia. Mogiana de Estradas de Ferro 1 722 1 445 519,9 551,6 6 433 5 728 302 382 81 96
4. E.F. Arara.quara 653 431 132,7 117,3 3 374 3 082 203 272 39 38
5. E.F. São Paulo-Minas 167 134 19,9 31,8 713 586 117 237 27 54
6. E.F. Campos de Jordão 47 47 0,3 0,3 371 391 6 6 1 1

III. Fe-rrotias Independentes 1 265 1 657 6 293,3 15 047,1 8344 7 815 4 975 9 081 75! 1 925
1. E.F. Amapá 194 194 150,8 253,8 155 135 777 1 308 973 1 880
2. E.F. Tocantins 118 118 0,3 0,3 535 525 3 3 1 1
3. E.F. Vitória-Minas 653 935 6 129,4 14 769,7 6 310 6 525 9 387 15 796 971 2 264
4. Outras 300 410 12,8 23,3 1 344 630 43 57 10 37

I V. Total oeral 33 863 32 102 18 259,1 30 254,9 197 393 169 714 539 942 93 178

FONTE: DNEF. Ministério dos Transportes. IPEA. Ministério do Pianejamento e Coordenação-Geral.


(I) Incluindo bagagens e encomendas.
As entidades e autarquias governamentais, que tinham ou ainda
têm responsabilidade ou autoridade sobre certos estágios das operações
ferroviárias, ou sobre a construção de novas linhas, são as seguintes:
a) Ministério dos Transportes; b) Conselho Nacional dos Transportes;
c) Departamento Nacional de Estradas de Ferro (DNEF); d) Conta-
doria-Geral dos Transportes; e) Rede Ferroviária Federal S . A .
(RFFESA) ; f) Secretaria de Transportes do Estado de São Paulo.
Todos estes organismos, com exceção da RFFSA e da Secretaria
de São Paulo, são subordinados ao Ministério dos Transportes, de forma
direta. A RFFSA subordina-se indiretamente, dado ·s eu caráter de em-
presa autônoma, cuja estrutura é semelhante, em princípio, à de uma
empresa privada. A autoridade do Ministério seria, pela própria de-
finição da RFFSA, bastante limitada, teoricamente . Entretanto, na prá-
tica, ela é subordinada ao Ministério, e seu Presidente escolhido dire-
tamente pelo Ministro dos Transportes.
O DNEF, criado em 1941, ainda numa época em que as ferrovias
eram operadas por entidades federais, estaduais e empresas privadas
funcionando sob concessão, tinha por finalidade principal exercer con-
trole e supervisão sobre a expansão e operação das mesmas. Atualmente,
é uma autarquia vinculada ao Ministério dos Transportes, com autono-
mia administrativa e financeira (Lei n. 0 4. 012/ 62); cabe-lhe, pelo De-
creto-lei n. 0 832/ 69, executar a política nacional de viação ferroviária,
apenas como órgão de assessoramento e fiscalização. Teoricamente, mui-
tas das atribuições do DNEF são conflitantes com as da RFFSA, pois
sendo encarregado de estabelecer políticas de transporte ferroviário,
entra necessariamente na área de operação, que, pelo mesmo Decreto-
lei, é específica da RFFSA. Na prática, porém, o órgão limita-se
a planejar e supervisionar a construção de novas linhas por si só ou
em convênios com ferrovias específicas. A RFFSA também realiza inves-
timentos que se destinam, basicamente, à melhoria dos seus traçados,
terminais, reequipamento e serviços. A substituição de locomotivas a
vapor e de vagões obsoletos, bem como a melhoria dos serviços subur-
banos do Rio de Janeiro, são partes muito importantes dentro do pro-
grama de investimentos da empresa. Quanto aos investimentos do
DNEF, a parcela maior de recursos está comprometida atualmente com
a conclusão do Tronco Principal-Sul (TPS) 23 •
A RFFSA é uma empresa de capital misto, cuja distribuição acio-
nária do capital é, em termos percentuais, de 82,2 % para o Governo Fe~
deral, de 10,2 % para os Governos Estaduais e de 7,6% para os Municí-
pios. Foi criada com o objetivo de grupar e centralizar o comando das
ferrovias nacionais, permitindo-lhes um funcionamento mais eficiente,
através da eliminação dos múltiplos métodos burocráticos que dificulta-
vam a operação ferroviária. É portanto, responsável pela direção, ope-
23 Dos seus recursos para investimentos, o DNEF aplicou na construção do TPS 71%
em 1968, 62% em 1969 e 67% em 1970. (Cf. Programa Estratégico de Desenvolvimento,
cit.)

39
ração, manutenção, expansão e reequipamento das ferrovias, exercendo
sua autoridade diretamente, ou por intermédio das subsidiárias. Cabe à
RFFSA a orientação e a supervisão dos planos de operação das diversas
ferrovias, assim como o estabelecimento das suas respectivas políticas sa-
lariais e de pessoal, a promoção de estudos de viabilidade, o controle de
emissão de ações e a subscrição do capital e das garantias. Sua renda
pode advir de rendimentos, dividendos, taxas, tarifas de transportes,
contratos de trabalho de terceiros, subsídios do Governo Federal e juros
de depósitos bancários.
Recentemente foram feitas modificações na estrutura organizacio-
nal da empresa a fim de permitir maior flexibilidade, eficiência e auto-
nomia nas decisões de caráter administrativo. As estruturas orgânicas
das unidades de operação foram totalmente revistas para propiciar ra-
dical alteração na metodologia de trabalho, além de possibilitar, futura-
mente, agrupamento e integração efetiva das unidades de operação em
quatro sistemas regionais.
Quanto às ferrovias subordinadas à Secretaria de Transportes do
Estado de São Paulo, cabe ressaltar que em 1971 foi criada a FEPASA,
Ferrovias Paulistas S . A. , em presa pública que incorporou tanto o pa-
trimônio das ferrovias estaduais, cujo único proprietário era o Governo
paulista, quanto daquelas que apresentavam maior diversificação acio-
nária.
A situação financeira do sistema ferroviário federal, que transportou,
em 1970, cerca de 65 % do tráfego de carga e 60 % de passageiros, não
tem sido favorável 24 • Com efeito, em 1970, as receitas totais alcançaram
Cr$ 665,3 milhões, em contraposição a um total de despesas que montou
a Cr$ 1.130,8 milhões, aproximadamente, significando déficit de cerca
de Cr$ 465,5 milhões. A contribuição para a receita total da RFFSA
oscilou fortemente de acordo com a maior ou menor eficiência das di-
versas unidades operacionais. A mais importante foi apresentada pela
Estrada de Ferro Central do Brasil, superior a Cr$ 262,0 milhões, ou seja,
detentora de 39,4 % do montante global, secundada em ordem de gran-
deza pela Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, com cerca de Cr$ 89,1
milhões e pela Viação Férrea Rio Grande do Sul com Cr$ 69,8 milhões,
as quais contribuíram com, respectivamente, 13,4 % e 10,5% . As demais
apresentaram participações inferiores a 10 % . Por outro lado, os maio-
res déficits foram apresentados pela Estrada de Ferro Central do Brasil,
com Cr$ 121,3 milhões e pela Estrada de Ferro Leopoldina, com Cr$ 87,5
milhões. Somente o déficit da Central do Brasil representou, em 1970,
cerca de 26,1 % do déficit total da RFFSA. O coeficiente do tráfego, por
sua vez, calculado pela relação entre o montante de despesas e o de
receitas varia de 0,6 a 10,5, o que indica, para todas as unidades, a exis-
tência de gastos superiores ao volume das receitas, com exceção da Es-

24 As participações médias para o período 1961 / 1969 do sistema federal no tráfego


de carga e de passageiros foi de, respectivamente, 50 e 61 o/o em termos de t / km e pass/ km
( Cf. RFFSA. Anuário Estatístico, Rio de Janeiro, 1971).

40
trada de Ferro Santos-Jundiaí e da Estrada de Ferro Dona Teresa
Cristina, que apresentaram saldo positivo de Cr$ 3,5 e Cr$ 6,6 milhões,
respectivamente, no exercício de 1970 25 • No caso da Rede Ferroviária do
Nordeste, por exemplo, esta relação encontra-se em 4,8, o que indica
que para cada cruzeiro recebido, pela ferrovia, quase cinco são despen-
didos.
No que diz respeito ao caso específico das ferrovias do Estado de
São Paulo (21,8% do tráfego de carga e 29,3% do de passageiros em
relação ao total brasileiro, em 1970), deve-se salientar que a relação
entre as receitas e as despesas mantiveram-se praticamente inalteradas
no período 1961/66, havendo um pequeno decréscimo de 1967 a 1970.
Em 1970 as receitas totais do sistema paulista atingiram Cr$ 221,5 mi-
lhões, sendo as despesas de Cr$ 367,5 milhões, significando um déficit
de Cr$ 146,0 milhões para o sistema paulista. Para o total das receitas
contribuíram, em ordem de grandeza, a Estrada de Ferro Sorocabana
com Cr$ 118,4 milhões, ou seja, a 53,4% do total, seguindo-se a Com-
panhia Paulista de Estrada de Ferro, com cerca de Cr$ 61,4 milhões,
representando 27,7%, e a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro,
com Cr$ 28,4 milhões, participando com 12,8% daquele total. Os maio-
res déficits foram apresentados pela Estrada de Ferro Sorocabana com
Cr$ 47,6 milhões, significando 32,6% do déficit total, pela Companhia
Paulista de Estrada de Ferro, com Cr$ 45,3 milhões, e pela Companhia
Mogiana de Estradas de Ferro, com Cr$ 32,2 milhões que contribuíram
com, respectivamente, 31 e 22,1%.
Reconhecida a necessidade de colocar o sistema ferroviário em
condições de atender com eficiência - e em maior proporção do que
atualmente- à demanda pelos serviços de transporte, principalmente
na parte centro-sul do País, são necessários importantes investimentos
que, no entanto, só terão seus efeitos plenamente difundidos se forem
precedidos, ou pelo menos acompanhados, de reformulações básicas,
traduzidas nas seguintes diretrizes:
a) reestruturação administrativa e operacional, visando conferir
à RFFSA bases empresariais efetivas, que lhe permitam aumentar sua
eficiência, autonomia financeira e participação em bases comerciais no
mercado de serviços de transporte;
b) reestruturação completa dos órgãos ferroviários existentes,
absorvendo a RFFSA parte das atribuições dos mesmos;
c) eliminação acelerada de linhas e trechos antieconômicos, para-
lelamente à construção e melhoramento das rodovias substitutivas, por
parte do DNER.
d) transferência dos encargos financeiros, decorrentes da cons-
trução e exploração de trechos de interesse político ou privado, para os
interessados na continuidade dos seus serviços;
25 Cabe assinalar que a Estrada de Ferro Dona Teresa Cristina não possui tráfego de
passageiros, principal responsável pelos déficits operacionais do sistema ferroviário brasileiro.

41
e) racionalização dos investimentos através de elaboração de es-
tudos de viabilidade técnica e econômica, que justifiquem sua execução
e assegurem os recursos necessários dentro de prazos previstos;
f) concentração dos investimentos ferroviários na recuperação,
consolidação e modernização tecnológica de linhas trancais que apre-
sentam potencial de alta densidade de tráfego para mercadorias grane-
lizáveis ou para carga geral passível de manuseio em lotes homogêneos.
No que diz respeito à política tarifária e de subvenções governa-
mentais, é importante o papel destes instrumentos na correção das dis-
torções existentes na demanda. Assim, os custos reais devem, em prin-
cípio, refletir-se nas tarifas pagas pelos usuários do serviço, em condi-
ções razoáveis de eficiência 26 • Para isto, em relação às ferrovias, torna-se
urgente a correção de desequilíbrio cuja origem está nos subsídios que
este setor concede através da prestação de serviços que não são integral
ou parcialmente remunerados (serviços suburbanos, por exemplo) . Exis-
te, ainda, o problema crônico da redução das subvenções à RFFSA, o
que só poderá ser feito através da mencionada reorganização da em-
presa e da adaptação das tarifas aos custos reais de longo prazo para a
prestação dos serviços .
A participação do setor ferroviário no total dos investimentos em
transportes, no período 1964-1970, é indicada no anexo 2, para os siste-
mas federal (RFFSA e DNEF), estadual (ferrovias do Estado de São
Paulo e a Companhia Vale do Rio Doce - E. F. Vitória-Minas) .

4. O transporte marítimo e a situação dos portos

Com a quase totalidade da sua atividade econômica e população con-


centradas historicamente ao longo da faixa litorânea ininterrupta de
cerca de 8 mil quilômetros, o sistema econômico brasileiro teve na na-
vegação costeira o suporte básico para a integração dos diferentes pólos
primários-exportadores. A navegação constituiu-se, assim, no comple-
mento do sistema ferroviário, integrando longitudinalmente um arqui-
pélago econômico e social extremamente diferenciado, enquanto que
as ferrovias eram responsáveis pelo escoamento dos fluxos agrícolas e
extrativos no sentido interior-litoral. O grande número de portos exis-
tentes no litoral brasileiro, com as mais diferentes capacidades e muitas
vezes próximos uns dos outros, indica a importância que teve o sistema
de cabotagem no passado.
A partir do início da II Grande Guerra, entretanto, este sistema
começou a perder substância, devido tanto à impossibilidade de im-
portação de equipamentos e peças de reposição, como também à pró-
pria insegurança nas condições de navegação durante o conflito. No
pós-guerra, a frota mercante brasileira achava-se bastante diminuída

26 Daros, Eduardo José. Os transportes no Brasil. cit.

42
e, em grande parte, com navios obsoletos. A baixa rentabilidade, por
sua vez, impedia a canalização de investimentos para os serviços de
cabotagem, gerando, a partir daí, um processo cumulativo de inefi-
ciências.
Para um País com extensa costa marítima e economia em intenso
processo de industrialização, o transporte marítimo deveria desempe-
nhar papel fundamental de apoio ao desenvolvimento. Com efeito, o
deslocamento de grandes massas de mercadorias (principalmente gra-
néis sólidos e líquidos) entre pontos de embarque e desembarque dis-
tantes deveria ser efetuado primordialmente pelo sistema de navegação
costeira. Havendo, por outro lado, nítida especialização da atividade
econômica no espaço brasileiro, os fluxos de matérias-primas industriais
e alimentos, bem como produtos manufaturados de grande porte (mui-
tos bens de capital e consumo durável) destinam-se ou têm a sua origem
nos grandes centros urbanos e industriais. Estes centros são, no Brasil,
basicamente litorâneos ou muito próximos de grandes portos - como
nos casos de São Paulo e Curitiba - concentrando, em 1970, tanto os
22 portos principais como as aglomerações urbanas próximas, nada
menos de 20% da população total do País .
Se de um lado o mercado fundamental para a produção dos pólos in-
dustriais do centro-sul constitui-se, no momento atual, da agregação
destas aglomerações urbanas litorâneas, de outro lado, aqueles pólos
são os absorvedores das maiores quantidades de matérias-primas in-
dustriais e alimentos provenientes das Regiões Sul e Nordeste. Neste
esquema de divisão geográfica do trabalho, a navegação costeira deveria
ser modalidade de transporte com maior vantagem relativa para o
deslocamento longitudinal dos fluxos de grande densidade. Tal vanta-
gem relativa vinha sendo, entretanto, persistentemente inaproveitada
no Brasil.
O processo de deterioração da navegação costeira, iniciada no pós-
guerra, vinha-se agravando, dado a incapacidade do sistema em com-
petir com as outras modalidades (principalmente com as rodovias)
submetido que estava a ineficiências operacionais crônicas. Responsá-
vel pelo transporte de 32,4% do total das toneladas-quilômetro em 1950,
a navegação costeira teve, em 1970, sua participação reduzida a 11,2%.
Com o movimento geral de carga crescendo a uma taxa média anual de
10,1% no período 1950-1970, a tonelagem-quilômetro transportada por
navios de cabotagem cresceu apenas 4,4% (tabela 6). O transporte de
carga seca ao longo do litoral brasileiro sofreu, por sua vez, rápido
e persistente declínio a partir de 1956. Com efeito, a tabela 15 mostra
que o volume de tráfego em 1960 tinha atingido o nível prevalecente em
1950, passando em 1964 por um ponto mínimo. Em 1970, o transporte
de carga seca no litoral brasileiro estava, ainda, bastante aquém da
movimentação verificada em 1956.
Decompondo-se a carga seca nos seus dois principais componentes
verifica-se que foi a carga geral a principal responsável pelo rápido
declínio do volume de tráfego, enquanto que o movimento de granéis

43
sólidos - devido, principalmente, à constância dos fluxos de sal e car-
vão - permaneceu praticamente estável. Esta estabilidade, entretanto,
persistiu num período de intenso desenvolvimento da economia brasi-
leira (1955-1961), o que permite considerá-la, de certo modo, como uma
redução relativa, frente à competição do transporte rodoviário.
Na raiz da tendência declinante do tráfego marítimo de cabotagem
podem ser localizadas, dentre outras causas, a implementação do Plano
Rodoviário Nacional - com grandes investimentos nas ligações longi-
tudinais paralelas ao mar- e a implantação da indústria automobilís-
tica, além da deterioração da própria navegação, através das péssimas
condições operacionais dos navios mercantes e dos portos. Tais condi-
ções traduziram-se, em linhas gerais, na baixíssima produtividade dos
recursos humanos, excesso de tripulação, elevados índices de obsoles-
cência das embarcações, além de problemas de congestionamento e irre-
gularidade nas operações portuárias. É importante assinalar que gran-
de proporção dos acréscimos, da participação do transporte rodoviário
na demanda, fez-se em prejuízo da carga geral deslocada pela navega-
ção costeira 2 7 •
Por outro lado, enquanto houve declínio no movimento de carga
seca, o de granéis líquidos (petróleo cru e derivados) aumentou subs-
tancialmente no período. Para este tipo de carga e tendência foi de
incremento substancial, a partir da criação da Petrobrás e, posterior-
mente, com a expansão significativa da Frota Nacional de Petroleiros
(Fronape). A tabela 15 indica o movimento de carga na navegação
costeira, por principais grupos de mercadorias. Nota-se, através desta e
da tabela 16, redução drástica na relação entre cargo geral e granéis
sólidos, na composição total da carga seca e os incrementos substan-
ciais verificados no transporte de carga líquida.
É interessante assinalar que se em 1955 existiam 10 mercadorias
pertencentes ao grupo de carga seca com volume transportado superior
a 100 mil toneladas, em 1966 estas restringiram-se a somente cinco: sal,
carvão, açúcar, arroz e café 2 8 • Neste grupo somente alguns granéis
mantiveram seus fluxos estáveis (sal e carvão) ou crescentes (café), no
período 1955-1966. A partir de 1966 houve recuperação do transporte
marítimo para algumas mercadorias. Com efeito, carvão, sal, madeira e
café tiveram acréscimos nas quantidades transportadas. Em 1970 a
madeira e o trigo alcançaram, também, mais de 100 mil toneladas trans-
portadas. Na tabela 16 acha-se discriminado o movimento de carga
seca pelas principais mercadorias, para o período 1955-1970.
Na perspectiva histórica traçada, a situação dos portos acompanhou,
evidentemente, o processo de desagregação da navegação costeira. Assim,
o número de portos que em 1955 era de 142, reduziu-se para 127 em
'2 7 GEIPOT-BIRD. Brazil transport survey - Draft report on coastal shipping.
Ne,therlands Engeneering Consultants (NEDECO), Haia, 1966.
28 O tráfego de cabotagem de madeira sofreu uma recuperação no ano de 1967,
alcançando o volume de 108 mil toneladas persistindo no acréscimo até alcançar 124 mil
toneladas em 1969. Em 1970, no entanto, verificou-se uma redução para 101 mil toneladas.

44
Tabela 15

Tráfego de cabotagem por grupos principais de mercadorias:


período 1955-1970
(em milhares de toneladas)

Anos Granéis líquidos Carga seca Total

1955 454 5 285 5 739


1956 1 112 5771 6 883
1957 1 842 5 347 7 189
1958 2 086 5 336 7 422
1959 2 439 5 248 7 687
1960 3 142 4 724 7 866
1961 3911 4 305 8 216
1962 5 864 3 760 9 624
1963 6 189 2 650 8 839
1964 6 130 2 320 8 450
1965 6 206 2 459 8 665
1966 7 410 2 813 10 223
1967 9 069 2 745 11 814
1968 10 113 2 706 12 819
1969 11 169 3 118 12 287
1970 10 392 3 366 13 758

FONTES: Superintendência Nacional de Marinha Mercante- SUNAMAN. Grupo Execu-


tivo de Integração da Política de Transportes - GEIPOT.

1967, dos quais apenas 13 com movimento anual de carga superior a


100 mil toneladas. Neste ano, 74 portos tinham movimento anual in-
ferior a 2 mil toneladas, sendo por conseguinte a grande maioria dos
portos brasileiros insignificante do ponto de vista econômico 29 • É claro
que a redução do número de portos não reflete por si mesma a queda
violenta no movimento de carga marítima, em virtude da proliferação
de pequenos portos. Analisando-se, entretanto, a substancial perda de
carga dos portos importantes situados nas áreas mais desenvolvidas
do País, verifica-se que o colapso do sistema portuário nada ficou a
dever àquele da navegação costeira. Com efeito, os portos do Rio de
Janeiro e Santos foram os grandes prejudicados, com perdas superiores
a 50% no período 1955-1960. Cabe ressaltar que a redução no movi-
mento de carga geral nos dois maiores portos do País foi muito mais
violenta em relação aos deslocamentos para os portos situados no Sul do

29 Comissão da Marinha Mercante (CMM). Aspectos da navegação marítima brasi-


leira. Rio de Janeiro, set. 1967.

45
Tabela 16

Tráfego de cabotagem por principais mercadorias de carga seca:


período 1955-1970
(em milhares de toneladas)
Ferro,
aço e Farinha Ferti-
Anos Carvão Sal Madeira Açúcar Arroz Cimento produtos de Trigo Gesso Algodão lizantes Café Outros Total
meta- trigo
lúrgicos

1!)55 665 640 556 468 381 221 191 131 106 107 94 43 27 1 655 5 285
1956 579 697 564 746 435 228 193 115 253 107 119 44 19 1 672 5 771
1957 665 605 472 517 390 195 169 106 382 98 10-1 51 24 1 569 5 347

1958 590 678 488 411 401 139 147 132 309 91 87 95 32 1 736 5 326
1959 733 793 382 459 399 170 157 88 93 98 34 138 46 1 658 5 248

1960 641 742 292 507 245 218 107 56 72 121 40 214 92 1 377 4 724

1961 661 711 250 404 266 186 71 22 108 117 29 81 134 1 265 4 305
1962 716 776 176 395 213 112 58 60 4 122 20 59 134 915 3 760
1963 651 791 95 172 136 47 31 27 47 44 120 487 2 650

1964 704 581 78 229 65 47 25 10 17 38 102 423 2 320

1965 744 626 79 128 107 35 49 4 16 40 152 478 2 459

1966 742 734 78 116 235 55 60 4 10 14 112 652 2 813

1967 725 946 108 123 115 23 23 4 50 8 2 4 141 473 2 745

1968 821 871 108 113 94 39 135 525 2 706

1969 869 1 000 124 103 86 31 191 180 534 3 118

1970 917 800 101 103 74 57 478 107 629 3 366

FONTE: SUNAMAM, Departamento de Estudos e Planejamento - Divieão de Organização e Estatística.


País do que em relação aos do Norte. O colapso do sistema de nave-
gação foi, por conseguinte, muito mais intenso nos intercâmbios de
carga realizados na parte mais desenvolvida do País 30 •
A grande dispersão de portos no litoral brasileiro, que atenderam às
necessidades de integração longitudinal no passado, representa atual-
mente, face à evolução tecnológica do transporte marítimo, um obstá-
culo à concepção racional de um sistema portuário moderno . Tendo em
vista as importantes modificações introduzidas nos navios, no sentido de
especialização do transporte, e o aumento de suas capacidades, torna-se
cada vez mais importante a limitação do número de pontos de cantata
com os fluxos nacionais e internacionais de elevada concentração de
tráfego. Os grandes portos adquirem, assim, funções de polarização re-
gional, drenando tráfego dos portos secundários. As modificações estru-
turais no transporte marítimo condicionaram, desta forma, modifica-
ções importantes na economia portuária. Infelizmente os portos brasi-
leiros não acompanharam adequadamente a recente revolução tecno-
lógica do transporte marítimo. Envolvidos, quase sempre, pelos espaços
urbanos centrais, não dispõem de uma retaguarda para localizações
industriais, pátios de depósito de cofres de carga ou outros lotes unifi-
cados de carga geral, silos para as mercadorias granelizadas, espaço
para instalações especializadas de embarque, etc. Isto significa que a
sua produtividade é geralmente baixa.
A tabela 17 mostra para o ano de 1970 um índice de produtividade
para carga geral (tonelagem movimentada por metro linear de cais e
por ano) de cinco importantes portos brasileiros. Todos situam-se abai-
xo de um índice de 700 toneladas, considerado razoável para portos de
tamanho médio (200 mil toneladas de carga movimentada anual-
mente) 31 •
No Brasil, são denominados "portos organizados" aqueles que dis-
põem de equipamentos e instalações para atender às necessidades da
navegação e armazenagem de bens e que possuem uma administração
portuária. Os portos que, durante dois anos consecutivos, movimentam
carga superior a 150 mil toneladas podem ser considerados como perten-
centes a essa categoria. A administração portuária tem a seu cargo a
execução dos serviços portuários e a manutenção e reparo de suas ins-
talações . Sendo a exploração comercial dos portos monopólio do Go-
verno Federal, estabelecido por lei, este pode explorá-los: a) direta-
mente, através do Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis
(DNPVN); b) através de autarquias federais; c) através de concessões
aos estados, companhias de capital misto ou empresas privadas.
O Governo Federal detém sob o seu controle e supervisão a constru-
ção, a expansão e a operação portuária. Além disso, as empresas con-

30 GEIPOT-BIRD. Brazil transport stzrvey - Draft report on the ports of Rio,


Santos and Recife. Haia, Netherlands Engeneering Consultants, 1966.
31 SECRÉTARIAT D'ETAT AUX AFFAIRES ETRANGÉRES. Les differents medes
de transport. Paris, 1965.

47
cessionárias estão sujeitas a controle anual de seus balanços. O DNPVN
tem que aprovar a aplicação, por parte dos portos, dos recursos pro-
venientes da arrecadação da Taxa de Melhoramentos dos Portos, seja
para reparos, construção ou aquisição de equipamentos.

Tabela 17
tndice de tonelagem movimentada de carga geral por metro linear
de cais e por ano para cinco portos brasileiros: ano de 1970

1970

Portos Movimento de Índice


Extensão do
carga geral cais (em m) t/metro linear
(em t) cais/ano

Vitória 368 747 1 504,00 245,18


Recife 1 318 104 5 656,00 233,05
Santos 3 704 613 8 147,15 454,71
Paranaguá 711 699 1 590,00 447,61
Rio Grande 687 850 1 870,00 367,83

FONTE: Estatística Portuária, DNPVN, 1970. Anuário estatistico, SUNAMAM, 1970.

Sendo a exploração dos portos predominantemente de caráter não


comercial, o Governo Federal, ainda através do DNPVN, tem o poder
de aprovar as tarifas portuárias. Com isto, o usuário do porto é "defen-
dido" contra as tarifas consideradas desajustadas à exploração não
comercial. O lucro de uma empresa concessionária só pode atingir a
taxa de 10% anuais sobre o capital investido 32 • Os portos organizados
têm as suas características principais assinaladas na tabela 18. Observa-
se, por esta tabela, que o número de sociedades de economia mista é
ainda muito reduzido no conjunto dos portos organizados. Este tipo
de empresa seria mais adequado à exploração comercial dos portos, com
autonomia administrativa e agressividade na expansão do mercado para
serviços portuários .
O controle governamental da navegação costeira é exercida através
de dois órgãos: a Diretoria de Portos e Costa e a Superintendência Na-
cional da Marinha Mercante (SUNAMAM). A Diretoria de Portos está
subordinada ao Ministério da Marinha e exerce o controle das frotas de
navegação costeira, sendo encarregada, ainda, de uma série de tarefas
relacionadas à atividade dos navios mercantes tais como: a) concessão

32 A concepção da operação portuária como um serviço público não comercial apre-


senta áreas conflitantes com as modernas políticas que concebem os grandes complexos por-
tuários como empresas competitivas a nível regional. Exemplos significativos são os grandes
pontos europeus ocidentais (Amsterdã, Antuérpia, Havre e Hamburgo) que, através de uma
agressiva política comercial, disputam suas cargas em âmbito supranacional.

48
Tabela 18
Características principais de exploração dos portos organizados

Portos Tipo de administração Término da concessão

1 - Manaus DNPVN (admin~tração direta)


2- Belém Sociedade de Economia M~ta
3 - Fortaleza Sociedade de Economia Mista
4- Natal DNPVN (administração direta)
5- Cabedelo Administração estadual 2 003
6- Recife Administração estadual 1 998
7- Maceió DNPVN (admin~tração direta)
8- Aracaju Administração estadual l 994
9- Salvador Empresa privada 1 995
10- Ilhéus DNPVN (admin~tração direta)
11- Vitória Administração estadual 1 985
12 - Rio de Janeiro Sociedade de Economia Mista Pendente de Regulamentação
13- Niterói Administração estadual 1 999
14 - Angra dos Reis Administração estadual 1 999
15 - São Sebastião Administração estadual 1 994
16- Santos Empresa privada 1 980
17 - Paranaguá/Antonina Admin~tração estadual 1 992
18 - São Franc~co do
Sul Admin~tração estadual 2 011
19- Itajaí DNPVN (admin~tração direta)
20 - Imbituba Empresa privada 2 012
21- Lagtma DNPVN (administração direta)
22 - Rio Grande Administração estadual 1 994
23 - Pelotas Administração estadual 1 994
24 - Porto AJegre Administração estadual 1 994

FONTE: Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis, DNPVN.

de licenças para sua operação; b) promoção de inspeções periódicas de


segurança das embarcações; c) registro do pessoal de marinha mercante
e designação das tripulações para os navios; d) supervisão técnica da
construção naval.
A Superintendência Nacional da Marinha Mercante é entidade go-
vernamental autônoma ligada ao Ministério dos Transportes. Dentre
suas inúmeras atribuições destacam-se: a) supervisão e controle da in-
dústria de construção naval; b) concessão de subsídios aos serviços
marítimos que sofrem déficits; c) concessão de licença para viagens ex-
traordinárias a portos nacionais ou estrangeiros; d) estabelecimento
de linhas de navegação, organização de escalas de tráfego, modificação
das tarifas de transportes e dos salários do pessoal da estiva e da Marinha
Mercante; e) realização de investimentos e garantia de assistência fi-
nanceira com os recursos advindos do Fundo de Marinha Mercante 33 •

33 A partir de 30-2-70 a Taxa de Renovação da Marinha Mercante foi extinta. Em


contrapartida criou-se o Adicional ao Frete da Marinha Mercante (AFRMM) como re-
curso para o FMM. (Decreto-lei n. 0 1142, de 30 de dezembro de 1970).

49
A situação física da navegação de cabotagem, em 1970, apresentava-
se em franca recuperação com as empresas governamentais possuindo 21
navios que totalizavam 136.604 TPB e as empresas particulares 106
navios que representam um conjunto de 369-125 TPB (Tabela 19). Deve-
se ressaltar que no setor privado há, ainda, proliferação de pequenas
sociedades de armadores e firmas individuais que competem num com-
plexo mercado em que grande parte da carga é disputada através da
permanência da embarcação no porto. As empresas operam em sua
maioria com barcos de tonelagem inferior a 500 tdw 34 • A tabela 20
mostra, por sua vez, a idade da frota cargueira de cabotagem em ser-
viço, com as suas respectivas tonelagens. Em 1970, 53,7% da frota
(percentagem das TPB em relação ao total) tinha menos de 20 anos,
o que demonstra uma apreciável renovação da frota de cabotagem
brasileira (cabe assinalar que 36 embarcações correspondentes a 29,5%
do total de TPB tinham menos de 10 anos).

Tabela 19
Número e tonelagem das embarcações oficiais e particulares em
cabotagem: ano de 1970

N. 0 de Percentagem
Designação embarcações TPB (TPB em relação
ao total)

Oficiais 21 136 604 27,0


Particulares(1 ) 106 369 125 73,0
Total 127 505 729 100,0

FONTE: SUNAMAM. Departamento de Estudos e Planejamento = Divisão de Organização


e Estatística.
(1) Consideradas apenas as empresas com mais de 10 mil tpb.

A tabela 21 indica comparações internacionais na composição da


frota mercante por classe de tonelagem, inclusive petroleiros para o ano
de 1968. Dado a crescente especialização do transporte marítimo de
longo curso - com elevada concentração, em um número reduzido de
mercadorias, da tonelagem global transportada- as grandes correntes
de tráfego apresentam cada vez mais navios especializados de alta ca-
pacidade (petroleiros, graneleiros e minério-óleo). Assim, alguns países
desenvolvidos e tradicionais transportadores já apresentavam neste ano
grande participação percentual de unidades com mais de 20 mil tdw
34 A tonelagem deadweight (tdw) representa o peso do carregamento do navio (mer-
cadorias, combustível, água, lastro eventual etc.). É calculada para um carregamento má-
xtmo. A tonelagem bruta (TPB) representa o volume dos espaços interiores do navio, qual-
quer que seja sua utilização.

50
Tabela 20
Idade da frota de cabotagem em serviço: ano de 1970

N.• de Percentagem
Grupo de idade TPB (TPB em relação
embarcações
ao total)

O a 10 anos 36 148 830 29,5


10 a 20 anos 29 122 365 24,2
20 a 30 anos 47 187 240 37,0
30 a 40 anos 6 15 376 3,0
40 anos e mais 9 31 918 6,3

Total 127 505 729 100,0

FONTE: SUNAMAM. Departamento de Estudos e Planejamento - Divisão de Organização


e Estatística.

no total da tonelagem de sua frota: Noruega (14,3%), Reino Unido


(8,7%), Itália (8,3%) e França (7,9%). O caso da Libéria (35,8%)
é excepcional, visto tratar-se de frota com elevada incidência de navios
de outras nacionalidades que trafegam sob sua bandeira.
As empresas de navegação incorreram, no passado, em vultosos
déficits, cobertos por subvenções do Governo Federal, através da Su-
perintendência Nacional de Marinha Mercante. A Companhia de Na-
vegação Costeira, por exemplo, apresentou, em todas as áreas de atua-
ção, receitas invariavelmente inferiores às despesas, no período que se
estendeu de 1961 a 1968. Convém ressaltar que a maior pressão sobre
suas despesas proveio da folha de pagamentos. No que tange às em-
presas particulares, o problema das depreciações não era levado em
consideração adequadamente - inúmeros navios encontravam-se tão
velhos em 1965 que não necessitavam ser depreciados .ar;. Os subsídios
em termos reais reduziram-se, todavia, praticamente a zero, a partir
de 1965. Em 1970 as companhias privadas de navegação de cabota-
gem operaram quase em condições de equilíbrio financeiro. Cabe lem-
brar que, do total de carga seca transportada em 1966 (últimos dados
disponíveis), mais de 75% foram a contribuição destas companhias.
As subvenções às empresas governamentais reduziram-se igualmen-
te no período, muito embora continuassem elevadas até 1967, tanto
para o Lloyd Brasileiro quanto para a Costeira, cuja fusão permitiu, em
principio, melhor aproveitamento da frota mercante e a conseqüente
redução no desequilíbrio financeiro. A tabela 22 fornece, para o período
1961/1970, as subvenções do Governo Federal às empresas de nave-
gação.

35 GEIPOT-BIRD. Brazil transport survey - Dralt repor on COHtal úüpping, cit.

51
Tabela 21
Composição da frota mercante por classe de tonelagem *: situação
em junho de 1968
comparações internacionais
(em milhares de tdw)
Entre 0 ,1 e 1 Entre 1 e 4 Entre 4 e 7 Entre 7 e 10 Entre 10 e 20 E ntre 20 e 50 Acima d e 50 Total
Palees
N
I % N
I % N
I % N
I % N
I % N I % N
I % N
I %

1. Japão 6 926 73,0 1 038 12,8 220 2,7 361 4,4 200 2,5 283 3,5 86 1,1 8 114 100,0
2. União Soviétie& 2 087 45,9 1 464 32,2 350 7,7 296 6,5 243 5,3 110 2,4 4 550 100,0
3 . Reino Unido 2 022 43,9 638 13,9 300 6,5 558 12,1 688 14,9 357 7,8 41 0,9 4 604 100,0
4 . Estados Unidos 996 27,6 253 7,0 284 7,9 1 304 36,1 681 18,8 90 2,5 3 0,1 3 611 100,0
5 . Noruega 1 564 46,5 311 9,2 239 7,1 176 5,2 595 17,7 403 12,0 78 2,3 3 366 100,0
6. Alemanha Fe-
deral 1 896 66,3 506 17,7 212 7,4 80 2,8 84 2.9 71 2.5 10 0,4 2 859 100,0
7. Espanha 1 603 75,2 302 14,2 86 4,0 56 2,6 52 1,4 26 1,2 8 0,4 2 133 100,0
8 . Holanda 1 253 68,3 122 5,7 86 4,6 136 7,4 152 8,3 78 4,3 8 0,4 1 834 100,0
9 . Grécia 662 36,3 406 22,3 157 8,6 284 15,6 256 14,0 58 3,2 1 823 100,0
10. Libéria 53 2,4 118 5,3 131 5,8 330 14,7 808 36,0 759 33,8 44 2,0 2 243 100,0

11. França 922 56,3 238 14,5 122 7,5 104 6,3 122 7,5 115 7,0 15 0,9 1 638 100,0
12 . Itlllia 940 53,7 294 16,8 98 5,6 93 5,& 181 10,3 139 8,0 5 0,3 1 760 100,0

13. Canadll 934 69,0 241 17,8 71 5,2 42 3,1 62 4,6 4 0,3 1 354 100,0

14 . Suécia 668 55,7 152 12,7 103 8,6 78 6,5 114 9,5 70 5,8 15 1,2 1 200 100,0

15. Bra.sil 157 35,3 154 34,6 67 15,1 23 6,2 26 5,8 18 4,0 445 100,0

FONTE : Lloyd'e Rcgieter of Skipping. Stalislicallable8, Lor.don, 1968.


• Inclusive frota de petroleiro•.
l
Por esta tabela pode-se observar que. houve, a partir de 1964, um
declínio substancial nas subvenções concedidas às empresas de nave-
gação, tomados os valores em cruzeiros constantes de 1970. O montan-
te de subvenções concedidas às empresas governamentais, que em 1963
atingiam a 413,5 milhões de cruzeiros, reduziram-se para 34,9 milhões,
em 1970, havendo, portanto, uma redução de quase 92 % daquele total.
Das empresas governamentais, o Lloyd Brasileiro era a que recebia maior
volume de subvenções, atingindo, em 1963, quase a metade das sub-
venções concedidas às empresas governamentais. Seguiam-se em im-
portância as subvenções concedidas à Companhia de Navegação Cos-
teira, ao Serviço de Navegação da Amazônia 36 e ao Serviço de Navegação
da Baía de Guanabara. No ano de 1970, as subvenções ao Lloyd e à
Costeira deixaram de existir. No que diz respeito às empresas privadas,
as subvenções declinaram abruptamente a partir de 1964, reduzindo-se
a zero, a partir de 1968, como resultado da política de racionalização
financeira do setor .
A correção das deficiências no transporte marítimo inclui amplo
programa de investimentos, reestruturação administrativa e operacional
e qualificação dos recursos humanos, dentro das seguintes linhas de
ação:
a) aquisição ou financiamento de navios para redução gradual de
obsolescência da frota;
b) regularização das escalas e freqüência de navios nos portos, o
que possibilitará uma recuperação na confiança pelo sistema;
c) redução na quantidade de armadores, através da fusão em uni-
dades maiores permitindo o aumento de produtividade nos serviços;
d) melhoria organizacional das empresas e introdução de estatísti-
cas de fluxos e de sistema contábil padronizado;
e) solução do problema dos granéis sólidos (sal, trigo, carvão, fer-
tilizantes) ;
f) redução na quantidade de furtos e avarias.
Na navegação de longo curso o principal problema é o da partici-
pação da bandeira brasileira no mercado internacional de serviços de
navegação, cuja solução depende, em grande parte, das resoluções nas
conferências internacionais de fretes. Neste sentido, a política governa-
mental, nos últimos três anos, foi de excepcional sucesso, pois a par-
ticipação da bandeira nacional no transporte de longo curso de mer-
cadorias atingiu cerca de 38% no ano de 1970.
Maior ênfase merecem, também, os problemas de treinamento de
pessoal e melhoria organizacional das empresas de longo curso e ade-
quação dos navios aos novos sistemas de manipulação de carga
(containers roll-on-roll - off, lash etc.).

36 Pelo Decreto-lei n. 0 155, de 10-1-67, foi extinta a autarquia federal denominada


SNAPP (Serviços de Navegação da Amazônia e de Administração do Porto-Pará) e auto-
rizada a constituição da ENASA (Empresa de Navegação da Amazônia S.A.) e da Cia.
Docas do Pará.

53
Tabela 22

Subvenções do Governo Federal às empresas de navegação:


periodo 1961-1970
(em milhões de cruzeiros de 1970)

Discriminação 1 1961 1 1962 1 1963 1 1964 1965 1 1966 1 1967 1968 1 1969 1 1970

I. Empresas governamentais 371,5 351,6 413,5 287,3 245,0 213,8 193,1 56,4 36,4 34,9

1. Lloyd Brasileiro (CNLB) 184,5 165,0 195,8 121,2(1 ) 104,3 75,4 1,2

2. Companhia Costeira 98,6 95,0 105,5 76,8 68,4 72,4 64,1 o


3. SNBP 27,8 33,3 36,1 28,4 29,3 28,4 26,1 5,2

4. STBG 20,0 25,7 15,5 15,0 9,5 12,0 18,5 7,1 3,5
5. ENASA 10,5 11,7
6. Outras 60,6 38,3 50,4 45,4 28,0 28,1 24,8 18,7 17,6 14,5

II. Empresas privadas 174,4 115,0 20,9 16,5 1,0 0,2

Total 545,9 466,6 434,4 303,8 246,0 213,8 193,3 56,4 36,4 34,9

FONTE: SUNAMAM. Superintendência Nacional de Marinha Mercante. Ministério dos Transportes - Departamento de Admi-
nistração - Divisão de Orçamento Ministério do Planejamento e Coordenação-Geral (IPEA) - Setor de Transportes.

( 1) Inclui crédito especial.


(2) O Relatório da SUNAMAM só publica Cr$ 23,0 (7,5 recebidos diretamente do Tesouro)
(3 ) Crédito Especial - Decreto n. o 63 751, de 9.12 .1968.
Quanto ao setor portuário, sua recuperação depende, basicamente,
da reestruturação adminsitrativa operacional e contábil, através da
transformação das atividades portuárias em sociedades de economia
mista, com possibilidades de operação mais eficiente e com autonomia
financeira, inclusive, para realização de investimentos. Também é im-
portante a modernização e especialização da atividade portuária, me-
diante construção de terminais para os novos sistemas de manipulação
de carga, além do fechamento dos portos não econômicos ou sua trans-
formação em portos especializados (pesqueiros, graneleiros etc.) ou
alimentadores do sistema principal.
A participação do setor marítimo-portuário no total dos investi-
mentos em transportes, no período 1964/1970, é indicada no anexo 2,
para o sistema portuário (DNPVN e APRJ) e o financiamento de navios
através da SUNAMAM.

5. O Transporte Rodoviário

Os serviços rodoviários de carga, no Brasil, são prestados por um gran-


de número de empresas com dimensões variáveis e por transportadores
individuais. Há, portanto, para grande parte da carga transportada,
uma oferta diluída em muitas unidades de prestação de serviço que
competem num mercado altamente concorrencial. Para o transporte
de passageiros, o mercado brasileiro é regulado por intervenções gover-
namentais, tanto na fixação das passagens, quanto na dos itinerários.
Assim, para cargas, o transporte rodoviário apresenta a peculiaridade
de ter sua tarifa formada em condições de concorrência, enquanto que
os serviços ferroviários, portuários (assim como muitos tipos de carga
marítima) têm as suas tarifas formadas em condições monopolistas ou
oligopolistas s1.
Num contexto inflacionário, as tarifas rodoviárias foram muito
mais flexíveis frente aos acréscimos de custos, permitindo reajusta-
mentos imediatos. No caso brasileiro, essa vantagem relativa tornou-se
maior, historicamente, devido ao fato de serem as demais modalidades
de transporte atividades monopolistas do setor público, ou com sua
grande participação. As características usuais destas atividades so-
maram-se, portanto, inércia e dificuldades burocráticas para o reajuste
das tarifas .
No Brasil o transporte rodoviário é o mais importante no atendi-
mento à demanda tanto de mercadorias como de passageiros. Sua eleva-
díssima participação neste atendimento é, em parte, resultado contínuo
da acumulação de distorções na estrutura da demanda de serviços de
transporte no País, a partir do pós-guerra e, também, decorrência da
conjugação de fatores peculiares ao desenvolvimento econômico bra-
37 ABOUCHAR, Alan. Diatnostic of transport situation in Brazil. Escritório de Pes-
quisa Econômica Aplicada, EPEA, Rio de Janeiro, 1967.

55
sileiro. Em complementação à análise feita anteriormente para os
sistemas ferroviário e marítimo, pode-se dizer que a expansão dos in-
vestimentos rodoviários deveu-se, primeiramente, à sua proporção mais
baixa de custos fixos, relativamente às demais modalidades, possibili-
tando, numa economia em desenvolvimento, melhor utilização alterna-
tiva dos recursos escassos. Em segundo lugar, sobreveio a circunstância
dos seus custos variáveis de prestação dos serviços terem crescido a
um ritmo menor que os das ferrovias e da navegação costeira.
O transporte rodoviário, com efeito, envolve operações de carga
e descarga mais simplificadas- em geral de porta a porta- utilizando
relativamente menor densidade de mão-de-obra, com níveis de remu-
neração mais baixos, devido à ausência, no País, de fortes pressões
sindicais neste setor, como no caso dos sindicatos marítimo e ferroviário.
Além disso, a evolução dos seus custos variáveis foi menos prejudicada
pelo surto inflacionário, que atingiu com maior intensidade os trans-
portes marítimo e ferroviário, incapazes de adaptar tarifas ao ritmo de
acréscimo dos custos. Essas, quando aumentavam, faziam-no de ma-
neira desordenada e periódica para atender às pressões salariais, con-
tinuando a não cobrir adequadamente os custos de prestação dos servi-
ços. Assim, tiveram os seus volumes déficits operacionais cobertos por
emissões, que reforçaram cumulativamente a tendência inflacionária
geral. O transporte rodoviário, pelas suas características específicas,
oferece também maior rapidez e regularidade, bem como menor quan-
tidade de avarias nos seus deslocamentos. Assim, os incrementos de
carga geral resultantes do processo de industrialização foram desloca-
dos, em grande parte, por caminhão, reforçando cumulativamente a
expansão rodoviária 3s •
A alta participação do transporte rodoviário no atendimento da
demanda acarretou acréscimos substanciais na rede rodoviária total,
que aumentou de 64 mil quilômetros, em 1952, para 181 mil, em 1970,
e na frota de veículos cujo incremento, no mesmo período, foi de 590
mil para 3.127 mil unidades 3 9 • O crescimento da frota tradicionalmen-
te amparada nas importações - no âmbito de uma economia expor-
tadora de produtos primários - sofreu um bloqueio físico com a II
Grande Guerra, quando a frota existente passou a ser sobreutilizada.
No final do conflito, a disponibilidade de divisas permitiu a importa-
ção maciça de veículos, visando não só à reposição da parcela desgas-
tada da frota como, também, ao atendimento da demanda fortemente
reprimida. As importações seguiram ritmo crescente até a implantação
da indústria automobilística, estímulo adicional importantíssimo à evo-
lução do nosso transporte rodoviário. Assim, a participação de veículos
nacionais na frota evoluiu de zero porcento, em 1956, para 83 %, em
1970, revelando elevada proporção de veículos de fabricação nacional nos

38 Ver cap. 7, pp. 255-57.


39 Os dados da rede rodoviária referem-se às rodovias federais e estaduais, estando ex-
cluída a rede municipal.

56
acréscimos gerais da frota brasileira. A tabela 23 fornece dados históricos
sobre a extensão da rede rodoviária e a frota de veículos, para o pe-
ríodo 1950-1970.
Paralelamente, correlacionou-se o par de variáveis aí apresentadas
(cf. o gráfico 6). A extensão da rede rodoviária principal em quilô-
metros (Y) foi colocada como dependente do número de veículos au-
tomotores (X), encontrando-se um elevado coeficiente de determinação.
Este situou-se em 0,958 para a função melhor ajustada, um polinômio
do 3. 0 grau:
Y = 3118,4 + 0,156X - 6,75 .10-8X 2 + 1,16 .10-14X 3 (6)
(0,04896) (2,743 .10-8 ) (5,027 .10- 15)
(R 2 =0,95760)
O gráfico 7 apresenta, por sua vez, regressão entre a frota de auto-
móveis de passageiros (Y) e a renda disponível do setor privado, para
o Brasil (X). Pode-se observar, para o período considerado (1950/ 1970),
elevada correlação entre estas variáveis. Cabe reserva na análise da
série considerada- principalmente para os anos subseqüentes a 1966
- por existir uma divergência entre os dados fornecidos pelo IBGE e
aqueles levantados pelo GEIPOT até o ano em questão . A série elaborada
pelo GEIPOT é mais significativa, pois os critérios usados para levantar
o sucateamento da frota em relação aos acréscimos foram aprimorados
nos estudos deste órgão enquanto que o IBGE apresenta dados de regis-
tro de veículos. Chegou-se, nesta regressão, ao seguinte resultado:
logeY =- 1,18630 + 1,7855 log.,X (7)
(0,086538)
(R 2 = 0,95727)
Já o gráfico 8 apresenta a regressão entre o número de veículos
rodoviários e o produto interno bruto para um conjunto de 19 países.
Tanto a variável dependente quanto a independente foram considera-
das em termos per capita, observando-se através desta cross-section
elevada vinculação entre a dimensão da frota de veículos rodoviários e a
magnitude do produto interno. Pode-se notar que para países como a
Itália, o Reino Unido, a Austrália, a Austria, o Canadá e os Estados
Unidos, há uma proporção relativamente maior de veículos por habi-
tante em relação ao produto interno por habitante, notando-se uma dis-
posição dos pontos observados acima do padrão ajustado de relaciona-
mento entre as duas variáveis. Foi ajustada uma função exponencial de
tipo Y = ax, onde Y representa as diferentes frotas de veículos (núme-
ro de automóveis, caminhões, ônibus e utilitários) per capita e X os
valores do PIB per capita em dólares ao custo de fatores para os países
considerados:
logeY = - 10,2962 - 1,1598 log.X
(0,093308)
(R2 = 0,90088)

57
Tabela 23

Extensão da rede rodoviária federal e estadual e frotas de veículos


a motor: período 1950-70

N.o veículos Extensão da rede


Ano em km
Total (Federal + Estadual)
Carros-passeio(1 )

1950 254 187 425 938 55 900(2)


1051 315 214 510 864 59 500(2)
1052 366 350 584 289 63 347
1953 393 606 621 983 74 269
1954 414 945 654 383 74 898
1955 428 577 679 832 76 298
1956 445 008 707 739 82 452
1957 461 525 735 332 97 715
1958 503 023 798 857 102 180
1959 567 133 891 584 105 807
1960 639 781 987 623 108 277
1961 757 044 1 123 820 111 866
1962 867 601 1 261 558 115 957
1963 1 037 978 1 452 764 117 555
1964 1 236 329 1 674 079 121 022
1965 1 415 521 1 875 457 129 430
1966 1 587 173 2 079 065 136 379
1967 1 784 448 2 371 838 153 022
1968 1 897 968 2 490 914 162 770
1969 2 143 192 2 770 171 170 727
1970 2 464 285 3 126 559 181 011

FONTES: N.o de veículos: GEIPOT. Brasil transport survey. Phase 2, v. 13-B, p. 60-304
para. 1950/1966, e Veículos licenciados 1967/1970. IBGE. Extensão da Rede: 1952-1955 -
Anuário estatístico do Brasil, IBGE. 1956-1966 - DNER/DPO. 1967-1970 - DNER- Dí-
viEão de controle rod. Federais e Estaduais. ·
(1) Inclusive piclc-up, jeeps e ambulâncias.
(2) Estimativa.

58
Grcftico 6

Regressc1o entre a extensõc da rede rodovia'ria . e a frota de ve(c·ulos

perfodo 1952-19 70

ZOO~E~X~T;E~N~SA=-O~D~A~R;E~D;E~(E~M~M~I~LH~A=R~E~S~DE~K~H~)~--------~------~----~-------------,----------~

0 1970
/
/
"'

/
.~
, 65

-•--
GJ
62

soo 1000 1500 2000 2500 3000


vE{CULOS( EM MILHARES DE UNIDADES)

59
Gráfico 7

Regresscro entre o frota do automdveis e a renda dispon{vel do setor


privado -Brasil
perÍodo 1950-1970

MIL AUTOMÓVEIS
5 ooo !I 000

4 00 o 4 000

3 00 o 3 000

1970
69 I
'
~
I
. 2 00 o 68 I 2 000
•'
11
67,
(6 '(,

65 J

64

1000 ~I 63 I 000

9 o o 900

8 o o 800

7 o o 700

600 I
600
. • !:19
I

500 f58 500


__,~56
,.'s7
400 53 5.~· 55 400
I
5l,,
I
51.'
3 oo 300

20 o 200

lO o 100

20 30 40 50 60 70 GO 90 100 zoo 300

RENDA DISPONÍVEL DO SE.TO~ PRIVADO-( BILHÕES Cltl•ll'71l)


Tabela do gráfico 7
Brasil: frota de automóveis e renda disponível do setor privado
período 1950-70

Renda disponível
Anos (em bilhões de Frota de automóveis
cruzeiros de 1970) (em milhares)

1950 42,8 254,2


1951 44,4 315,2
1952 49,4 366,4
1953 50,1 393,6
1954 54,8 414,9
1955 59,7 428,6
1956 61,6 445,0
1957 66,5 461,5
1958 69,3 503,0
1959 73,0 567,1
1960 78,9 639,8
1961 91,2 757,0
1962 98,1 867,6
1963 98,5 1 037,9
1964 102,7 1 236,2
1965 105,2 1 415,5
1966 107,9 1 587,2
1967 115,7 1 784,4
1968 123,5 1 898,0
1969 138,0 2 143,2
1970 154,2 2 464,3

FONTE: Instituto Brasileiro de Economia, Centro de Contas Nacionais, FGV.


IBGE.

A ênfase nas soluções rodoviárias para o transporte de carga e


passageiros no Brasil, explicada anteriormente pela conjugação de vários
fatores de natureza histórica e institucional, poderá conduzir, no futuro,
a um tipo de relacionamento análogo ao daqueles países, embora a
níveis bem inferiores do PIB por habitante.
Um aspecto interessante a ser examinado é aquele relativo à com-
posição da frota em termos de carros de passageiros e veículos comer-
ciais em geral. O gráfico 9 apresenta um ajustamento que revela uma
tendência de evolução do peso relativo dos veículos de passageiros. As
variáveis estudadas foram a renda per capita (variável independente)
e a relação entre carros de passageiros e veículos comerciais (variável
dependente). Observa-se, grosso modo, um acréscimo na relação car-
ros de passageiros/veículos comerciais (caminhões pick-ups, ônibus etc.)

61
à medida que aumentam os níveis de renda per capita. Esta tendência
é mais nítida entre os países europeus afastando-se dela os Estados
Unidos. O Japão e a Itália não foram selecionados pelas suas carac-
terísticas atípicas. O primeiro por apresentar número de carros de pas-
sageiros inferior e o segundo por ter um número excessivamente gran-
de de carros de passeio relativamente aos veículos comerciais. O resul-
tado da regressão foi o seguinte 40 :
Y= (6,740 -7- 0,30416X - 0,011648X2 ) (9)
(R = 0,8132)
2

A maior preferência dos usuários pelo transporte rodoviário, veri-


ficada na última década em nosso País reflete, na verdade, uma situa-
ção de subsídio implícito, concedido a esta modalidade através da arre-
cadação do imposto único sobre lubrificantes e combustíveis líquidos e
gasosos. Com efeito, se os sistemas ferroviário e marítimo sempre fo-
ram fortemente subvencionados de forma direta pelo Governo Federal,
através de déficits orçamentários da União, o transporte rodoviário be-
neficiou-se de uma transferência de recursos provenientes de outros
se tores da economia. A arre,c adação do imposto único, com efeito,
nunca representou a contribuição real do usuário das rodovias, de vez
que os consumidores de combustível e lubrificantes líquidos e gasosos
estão disseminados pelo sistema econômico e, às vezes, não- se utilizam
diretamente das rodovias. Assim, no ano de 1969, enquanto a rede rodo-
viária recebeu para a sua expansão e conservação 79,5% do total arre-
cadado, através do Fundo Rodoviário Nacional, os usuários das rodovias
contribuíram com somente 72% daquela arrecadação total 41 • Houve,
portanto, uma transferência de recursos dos consumidores industriais
(óleos combustíveis e lubrificantes) e domésticos (gás liquefeito e que-
rosene) para a realização dos programas rodoviários. Os demais se tores
da economia transferiram, além disso, recursos para as ferrovias, pois
estas, com uma contribuição de apenas 2,5% para a arrecadação do
imposto único em 1967, receberam uma cota de 9,4%. Em 1969 as
ferrovias contribuíram com 2% e receberam a cota de 8%.
:F; claro que, relativamente ao sistema ferroviário, a drenagem de
recursos da economia como um todo é muito maior, pois, à parcela
referente do imposto único recebida, deve-se, ainda, somar os vultosos
déficits operacionais cobertos com a receita orçamentária da União.
Entretanto o subsídio que o sistema econômico concede ao transporte
rodoviário é também importante, embora não seja "visível'' 42 • Deve-se
levar em conta, ainda, que a distribuição do Fundo Rodoviário Nacional

40 A transformação logarítmica não foi efetuada, como em casos anteriores.


41 O Decreto-lei n. 0 1 091, de 1970, fixa em 74,5% a parcela da arrecadação do im-
posto único sobre lubrificantes e combustíveis líquidos, comprometida com o Fundo Ro-
doviário Nacional.
42 ABOUCHAR, Alan. A política de transportes e a inflação no Brasil. Rio de
Janeiro, EPEA, 1967. Mimeogr.

62
Gr&tico 8

I
Reoresslio entre a frota de ve1culos per copito e o produto
interno bruto per copito
comparog_õo internacional

1968

C, 400
I
AUSTRALlA •

0 1 300

DINAMARCA • • FRANÇA
.
suÉc1A

REINO UNIDO • LEMANHA OCID.


• SUÍÇA
0,200 AUSTRIA o 0
. NORUEGA
ITÁLIA •

_.JAPÃO

0,100 .
ÁFRICA 00 SUL o
0,090
0,080
ARGENTINA •
0,070 ESPANHA

OIC60

0,050

0,040

oMÉXICO
0,030 BRASIL
• • CHILE
/

0,020

0,010
100 200 400 600 800 1000 2000 4000
PIB PER CAPITA
( us $ )

FONTE: O NU- STATISTICAL YEARBOOK 1 1970

63
Tabela do gráfico 8
Frota de veículos per capita e produto interno bruto per capita
comparação internacional
ano de 1968

PIB ao custo de N. 0 veículos


P aíses fatores per capita per capita
(US$/hab.) (veic./hab.)

Brasil 283 0,029


Chile 521 0,028
M éxico 564 0,032
Argent ina 658 0,079
África do Sul 705 0,093
E spanha 737 0,070
Itália 1 269 0,170
,Japão 1 308 0, 125
Áustri a 1 323 0, 195
R eino Unido 1 586 0,230
Alemanha Ocidental 2 041 0, 211
Dinamarca 2 145 0,251
Noruega 2 158 0, 199
França 2 215 0,252
Austrália 2 269 0,363
Suíça 2 559 0,210
Canadá 2 630 0,373
Suécia 2 912 0,281
Estados Unidos 3 956 0,495

FONTE: Statistical Y earbook ONU, 1970.

não guardou, muitas vezes, uma relação direta com os investimentos


específicos ou com a utilização da rede e que o imposto único nunca
fez parte de um sistema global de encargos aos usuários dos serviços
de transporte em geral, e do rodoviário em particular 43 • As distor-
ções implícitas nos programas foram, por conseguinte, signifi-
cativas e representaram custo social elevado para a população brasileira.
Os investimentos em rodovias são bastante complexos, pois envol-
vem uma série de problemas na seleção das prioridades, apresentando
geralmente impactos sobre vários outros setores do sistema econômico.
A rede rodoviária brasileira atendeu a três funções básicas: a) ligações
longitudinais de longa distância entre os centros urbanos litorâneos;

43 DAROS, José Eduardo. O problema do financiamento de obras rodoviárias no


Brasil. Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisas Rodoviárias, 1969.

64
Grdfico 9
Regressão entre o r-ela!<_ão de carros de passageiros com vefculos comerciais
e o rendo per copito
com poras;lio internacional

Ul 7 000
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LUXEMBURGO o
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ESTADOS UNIDOS
5 000

0
FRANÇA
• NORUEGA

4 000 4 O:lO

• AUSTRÁLIA
o DINAMARCA

~000 3000

ESPANNA
.
1SRAEL
0

2 000

e COLiMBIA
IOOO~~·~P~A~R~A~G~U~A~I-------L-----------------L----------------_J_________________JIOOO .
O I 000 2000 3000 4000

-~ · ...... RENDA PER CAPITA(US S)


Tabela do gráfico 9
Relação de carros de passageiros com veículos comerciais e renda
per capita
comparação internacional
ano de 1969

Renda per capita Relação de carros de


País passageiros com
(em dólares)
veículos comerciais

Paraguai 195 1,046


Brasil 280 1,612
Colômbia 300 1,145
México 510 2,019
Uruguai 550 1,573
Argentina 610 1,756
Grécia 680 1,741
Espanha 680 2,638
Venezuela 805 2,446
Tchecoslováquia 1 140 3,190
I srael 1 150 2,100
Dinamarca 1 935 3,622
Austrália 1 990 3,737
Noruega 1 805 4,418
França 1 940 4,513
Nova Zelândi~t. 1 505 4,855
Bélgica 1 700 5,204
Finlândia 1 355 5,790
Reino Unido 1 460 6,361
Luxemburgo 1 740 6,667
Holanda 1 620 6,983
Alemanha Ocidental 1 682 6,058
Estados Unidos 3 578 4,825

FONTE: Statistical Yearboofc. ONU, 1971.

b) ligações transversais entre o interior e o litoral de longa ou curta


distância (inclusive as rodovias de penetração ou "pioneiras"); c) ro-
dovias alimentadoras nas áreas rurais.
Levando-se em consideração que essas três funções têm grande im-
portância na organização da rede, tanto no sistema federal quanto no
estadual e no municipal, torna-se difícil estabelecer prioridades na alo-
cação ideal dos investimentos, bem como avaliar os custos e os bene-
fícios envolvidos no desenvolvimento rodoviário de determinada área ou
região. Esta dificuldade existe também para a implantação e pavimen-
tação do sistema de rodovias dirigido das áreas agrícolas do interior para
os portos (a fim de reduzir os custos de exportação, por exemplo),
do sistema de penetração através de rodovias rurais e de colonização,
bem como das rodovias alimentadoras da rede troncal 44 •
44 Abouchar, Alan. Diagnostic ol the transport situation in Brazil. cit.

66
A execução, através da contratação e supervisão de empresas cons-
trutoras, dos programas rodoviários no âmbito federal, está a cargo do
Departamento Nacional de Estaradas de Rodagem (DNER). A implan-
tação de novas estradas, a pavimentação e melhoria, no período 1960/
1970, por parte do DNER, são apresentadas em termos de execução
física na tabela 24. O programa de obras apresentou queda brusca em
1964 (cerca de 50%), seguindo uma política de recuperação nos anos
posteriores. Aquela queda deveu-se, principalmente, ao rígido controle
das despesas públicas (inclusive de investimento) para enfrentar a si-
tuação caótica criada pelo avanço do processo inflacionário em 1963.
O programa de pavimentação apresentou, nos últimos quatro anos, de-
senvolvimento excepcional, atingindo, em 1970, a ordem de 2500 qui-
lômetros de acréscimo anual. Naquele ano, segundo estimativas do
DNER, o Brasil apresentava uma rede federal implantada com extensão
aproximada de 54 mil quilômetros. Somente no âmbito federal, a ex-
tensão de rodovias pavimentadas atingia quilometragem da ordem de
24 mil. Cabe ressaltar que, em 1960, esta extensão era de apenas 7600
quilômetros.

Tabela 24
Rodovias - evolução da rede rodoviária federal: período 1960-70
(em quilômetros de extensão)

Implantação Total da Total da Total da


Ano básica Pavimentação rede rede rede não
(1) implantada pavimentada pavimentada

1960 4 218,0 1 703,0 33 496,0 7 696,3 25 799,7


1961 2 866,8 537,5 37 714,3 8 234,3 29 480,0
1962 1 530,0 1 208,2 39 244,3 9 502,5 29 741,8
1963 1 651,8 932,4 40 899,1 10 434,2 30 464,9
1964 742,5 599,3 41 641,6 11 034,2 30 607,4
1966 1 947,9 812,3 45 096,2 12 727,8 32 368,4
1967 2 586,0 1 036,9 47 682,2 13 764,7 33 917,5
1968 2 193,2 2 204,9 49 875,4 19 352,0 30 523,4
1969 1 914,0 2 405,0 51 775,4 21 757,0 30 018,4
1970(2 ) 2 000,0 2 500,0 53 775,4 24 237,0 29 518,4

FONTE: Departamento de Planejamento do DNER.


(1) Inclui os melhoramento'!. (2 ) Previsão.

A expansão da rede rodoviária estadual tem sido, de certa forma,


independente das atividades do DNER e mostrado, geralmente, despe-
sas superiores à parcela do Fundo Rodoviário Nacional (FRN) que
lhe dizia respeito. Tem apresentado, também, a grave falha de não
levar em consideração, hístoricamente, os custos e os benefícios dos
projetas. O maior fluxo de investimentos rodoviários estaduais con-

67
siste na distribuição entre as rodovias interestaduais e as rodovias es-
taduais menores. A expansão rodoviária dos Municípios, por sua vez,
envolveu intensa política de pavimentação com revestimento primário.
O sistema de rodovias municipais sempre incluiu uma infinidade de
pequenas estradas, muitas das quais apenas trilhas carroçáveis ou es-
tradas não encascalhadas, com conseqüente dificuldade de tráfego nas
estações chuvosas. Assim, grande parte da parcela proveniente do FRN
foi e continua sendo empregada na manutenção destas estradas 45 •
A tabela 25 apresenta, para o período 1961/ 1970, a origem dos
recursos recebidos pelo DNER em cruzeiros de 1970. Pode-se verificar,
por esta tabela, que, embora o Fundo Rodoviário Nacional, desde a
sua criação, tivesse como finalidade básica o financiamento da expan-
são da rede rodoviária, apenas a partir de 1964 passou a desempenhar
efetivamente essa função. Assim, até este ano a participação percentual
do Fundo no financiamento da expansão da rede federal restringia-se
a cerca de 1/ 3 dos recursos totais recebidos pelo DNER, havendo par-
ticipação equivalente de verbas orçamentárias. A partir de 1964, en-
tretanto, observa-se declínio persistente na participação percentual da-
quelas verbas e acréscimo na importância do Fundo, que passou a con-
tribuir com equivalente a mais da metade - em alguns anos a 2/ 3
- dos totais recebidos pelos órgãos.
Desta forma, mesmo sabendo-se que o Fundo Rodoviário está longe
de representar participação efetiva do usuário no financiamento da
expansão e manutenção da rede rodoviária, nota-se, a partir de 1964,
preocupação maior com a participação do usuário na cobertura dos
custos e com a redução do ânus das atividades rodoviárias sobre a
economia como um todo. Mais recentemente, passaram a adquirir im-
portância os recursos externos, resultantes dos convênios do DNER
com agências internacionais de desenvolvimento (BIRD, BID, USAID
etc.) para financiamento da rede rodoviária federal. No ano de 1970, o
total de recursos recebidos pelo DNER atingiu Cr$ 3 506 bilhões, 28%
dos quais eram provenientes do Fundo Rodoviário Nacional, 8 % corres-
ponderam a recursos externos, 59% a recursos próprios (parte destes
correspondendo à antecipação de despesas, taxa rodoviária única e im-
posto sobre o transporte de passageiros) e o restante (5%) a verbas
orçamentárias 46.
Como se mostrou anteriormente, a conjugação de condições peculia-
res ao desenvolvimento econômico brasileiro favoreceu, nos dois últimos
decênios, um acelerado crescimento da participação do transporte rodo-
viário no atendimento da demanda setorial. Por outro lado, o processo
de destinação de recursos, através dos mecanismos de vinculação de
receita, gerou efeitos cumulativos que favoreceram a ampliação exten-
45 Abouchar, Alan, op. cit.
46 Cabe notar que em 1970 houve um acréscimo substancial no item "outros recursos"
igualmente pela entrada de recursos do orçamento federal através de programas especiais,
o que pode representar uma neutralização das medidas de aumento da participação do
usuário.

68
Tabela 25
Recursos recebidos pelo DNER: período 1961-70
(em milhares de cruzeiros de 1970)

Fundo Rodoviári0 Verbas orçamentárias Outros recursos


Nacional (inclusive créditos Recursos externos (inclusive recurso,; Total
Anos (1) adicionais) próprios)

Cr$
l % Cr$
I % Cr$
I % Cr$
I % Cr$
I %

1961 407 560 39 424 160 40 219 385 21 1 051 105 100
1962 401 012 33 370 683 30 451 867 37 1 223 562 100
1963 411 995 34 486 992 39 336 104 27 1 235 091 100
1964 429 616 52 275 396 33 121 256 15 826 268 100
1965 739 175 71 76 985 7 224 767• 22 1 040 927 100
1966 705 955 45 290 997 18 131 725 8 460 6Q4b 29 1 589 281 100
1967 771 285 58 70 617 5 61 757 4 448 038• 33 1 351 697 100
1968 881 768 60 101 836 7 76 336 4 440 334d 29 1 491 274 100
1969 1 051 612 51 155 741 7 273 145 13 600 773• 29 2 081 271 100
1970 996 087 28 144 960 5 285 849 8 2 079 407 1 59 3 506 303 100

FONTE: Contadoria-Geral do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem - DNER.


. Inclui Cr$ 169
b Inclui Cr$ 151
831
731
milhares
milhares
de
de
antecipação
antecipavão
de
de
despesas .
despesas.
o Inclui Cr$ 187 513 milhares de antecipação de despesas.
d Inclui Cr$ 265 717 milhares de antecipação de despesas.
e Inclui Cr$ 363 676 milhares de antecipação de despesas.
I Inclui Cr$ 327 119 milhares de antecipação de despesas.
(l)
co (1) Parte destinada ao DNER.
siva da infra-estrutura rodoviária, em prejuízo, muitas vezes, da re-
cuperação tecnológica e organizacional das ferrovias, portos e navega-
ção. Assim, as toneladas-quilômetro movimentadas por caminhões ti-
veram seus acréscimos influenciados tanto pela evolução geral da eco-
nomia, quanto pelos próprios investimentos na infra-estrutura rodo-
viária.
A escassez (e/ou não-confiabilidade) dos dados relativos aos inves-
timentos rodoviários na rede principal, para uma série temporal mais
longa, impede comprovação mais precisa da hipótese mencionada no
parágrafo anterior. Foi efetuada, todavia, uma regressão múltipla entre
as seguintes variáveis: toneladas-quilômetro transportadas nas rodo-
vias (Y) PIB (X1) e investimento na rede principal (X2 ) • A primeira
foi considerada como dependente de X 1 e X2 e esta última foi defasada de
um ano em relação às demais. Considerado o número reduzido de obser-
vações (10), o resultado da regressão foi interessante, como se expõe a
seguir: 47
Y = 0,009824 + 0,000127X + 0,094176X2
1 (10)
(0,001252) (0,068224)
(R2 = 0,98117)
Como modalidade mais importante no atendimento da demanda de
serviços de transporte, as rodovias devem ter sua capacidade de oferta
continuamente renovada para o atendimento das novas condições de
mercado, numa economia em processo de industrialização. Além disso,
suas relações, com as outras modalidades devem ser reformuladas no
sentido de correção das distorções mais evidentes. Para isto, as princi-
pais linhas de ação devem ser:
a) expansão da rede, dentro de uma concepção unificada do sis-
tema rodoviário (principalmente dos sistemas federal e estadual), a
custos mais baixos de construção e manutenção;
b) delegação da execução e manutenção das rodovias a entidades
privadas e órgãos habilitados, dentro de planejamento unificado do
sistema, para permitir a redução das atividades executivas dos órgãos
centrais;
c) implementação de programa de prioridades, tanto para cons-
truções quanto para pavimentação, utilizando os recursos disponíveis
de maneira mais racional para ampliar a capacidade de oferta;
d) revisão e implementação dos planos-diretores já realizados;
c) adaptação do transporte rodoviário às novas técnicas de inte-
gração intermodal (containers, roll-on-roll-off etc.);

47 Os dados para esta regressão foram obtidos do quadro 6 e do anexo 2. Cabe advertir
que o teste do valor de T para a variável X 2 apresentou pequena significância ao nível
de 5%.

70
f) organização das empresas de transporte rodoviário, de carga e
passageiros, em escalas de produção compatíveis com as novas neces-
sidades da demanda;
g) ampliação da oferta de rodovias alimentadoras, rurais e de
colonização para promover a integração de áreas ou regiões periféricas
aos núcleos mais dinâmicos da economia nacional e permitir o melhor
aproveitamento da capacidade instalada na rede principal.
A participação dos investimentos rodoviários no total dos investi-
mentos em transportes, para o período 1964/ 1970, é indicada no anexo 2,
com subdivisão dos investimentos na infra-estrutura rodoviária e nos
veículos automotores. Para os primeiros, são divididas as parcelas relati-
vas aos níveis federal, estadual e municipal.

6. O transporte aéreo

O transporte aéreo teve rápida expansão no Brasil, após a II Grande


Guerra e ao longo da década de 1950. O tráfego de passageiros, em ter-
mos absolutos, mais do que dobrou, entre 1950 e 1960, e o tráfego de
carga, conquanto tenha igualmente crescido, não chegou a atingir valo-
res signüicativos. Nas linhas internas, tal expansão não se traduziu por
uma crescente participação desta modalidade nos totais de tráfego, em
razão do crescimento mais acelerado destes últimos, que resultou, prin-
cipalmente, do avanço do transporte rodoviário. Cabe ressaltar que o
tráfego aéreo de passageiros chegou a representar 4 % do tráfego total,
entre 1952 e 1955.
As circunstâncias de o País possuir dimensão continental, apresentar
diversidade sócio-econômica e fraca integração de suas Regiões, além de
ter grande parte do seu território mal servida pelos serviços de trans-
portes, impuseram à aviação civil um papel pioneiro na conexão das
regiões mais afastadas das aglomerações urbanas do litoral. Estas últi-
mas, por sua vez, intensificaram os contatos entre si, de maneira rápida
e eficiente, através da crescente utilização do transporte aéreo. Para o
transporte de passageiros, principalmente, a aviação civil consolidou
sua posição-chave na integração longitudinal dos diferentes pólos re-
gionais entre si e destes com suas áreas de influência.
No período situado entre 1960 e 1964, entretanto, verificou-se inver-
são dessa tendência de crescimento do transporte aéreo. Muito embora
o tráfego de passageiros continuasse a ter participação significativa no
atendimento da demanda total, houve decréscimo persistente nos ser-
viços prestados, traduzido em termos de passageiros e de toneladas-
quilômetro (Tabelas 6 e 7). O panorama da aviação civil apresentava,
nesta época, do ponto de vista operacional, baixos níveis de produtivida-
de tanto dos equipamentos utilizados como da mão-de-obra empregada,
além de falta de coordenação entre as múltiplas empresas, num con-
texto de tráfego estagnado.

71
A partir de 1966, verificou-se recuperação do tráfego aéreo o que
se pode atribuir, em parte, ao programa de reaparelhamento da avia-
ção civil, posto em execução no ano de 1965, e as severas medidas
governamentais destinadas à restauração da disciplina financeira e
administrativa no setor. Como reflexo desta recuperação, o número de
passageiros-quilômetro per capita passou a elevar-se a partir de 1965,
não tendo atingido, entretanto, os níveis que prevaleceram no final da
década de 50, conforme indica a tabela 26. Para o tráfego de carga,
por sua vez, as toneladas-quilômetro per capita permanecem extrema-
mente baixas, principalmente se consideradas relações mais elevadas
que prevaleceram até 1960 (Tab. 26) . Cabe ressaltar que, num con-
texto geral de crescimento rápido no tráfego de carga total, este índice
pode revelar incapacidade do setor aéreo de disputar com as demais
modalidades de transporte, o tráfego de cargas apropriadas.
Dentre as causas do processo de estagnação no tráfego aéreo, veri-
ficado no período 1960/ 1964, podem ser citadas, além da própria estag-
nação da economia brasileira iniciada com a década de 60, os aumen-
tos substanciais nas tarifas e a competição crescente com o transporte
rodoviário de passageiros. É importante assinalar que as tarifas refle-
tiam, anteriormente, situação de irrealismo em face do usuário dos ser-
viços aéreos regulares, uma vez que estes eram fortemente subsidiados
indiretamente pela política cambial do Governo, além de beneficiar-se
das amplas subvenções diretas concedidas pelo Governo Federal para
operação e reequipamento.
Os auxílios financeiros à aviação civil regular eram concedidos, in-
diretamente, da seguinte forma: a) dólares a custo inferior ao da taxa
de câmbio vigente para o mercado de importações, para os gastos em
peças sobressalentes e reequipamentos; b) isenção de impostos de im-
portação e de consumo em volume de equivalência aproximada a 20%
das receitas anuais; c) isenção de imposto sobre combustíveis e lubrifi-
cantes de aviação; d) isenção de pagamento ou pequena significância
das taxas de utilização da infra-estrutura aeroportuária e outras ins-
talações de terra 48 •
Desta forma, com uma política governamental que facilitava a im-
portação de aeronaves e peças sobressalentes, através de taxas de câm-
bio preferenciais - e que concedia subvenções diretas operacionais,
além de subvenções para a própria importação dos equipamentos - as
tarifas aéreas não poderiam refletir de maneira adequada os custos de
prestação dos serviços. O crescimento do tráfego era, assim estimulado
e apresentava, ainda, condições de competição ativa com outras mo-
dalidades de transportes, notadamente a rodoviária. A diversificação
de tipos e as compras excessivas de aeronaves forçaram um nível elevado

48 Pereira, Aldo. Aviação comercial no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,


1966.

72
Tabela 26
Evolução do tráfego aéreo interno em passjkm e tjkm per capita:
período 1956-70
(em milhões)

Anos Pass/km t/km


per capita per capita

1956 26,6 3,1


1957 28,3 3,3
1958 29,8 3,4
1959 30,2 3,6
1960 32,6 3,9
1961 28,3 3,4
1962 29,5 3,3
1963 27,6 2,9
1964 21,6 2,3
1965 19,3 2,0
1966 20,1 2,0
1967 20,7 2,0
1968 22,4(1) 2,1(1 )
1969 22,3(1) 2,1(1)
1970 22,5(1 ) 2,1(1 )

Taxas de crescimento

Período Pass/km t/km


pe1· capita per capita

1956:1960 5,2 5,9


1961:1965 - 10,0 -14,2
1966:1969 5,4 1,0
1956:1970 - 1,2 - 2,8

FONTES: Centro de Contas Nacionais - FGV. Ministério da Aeronáutica - DAC.


( 1 ) Inclui o tráfego de cabotagem das linhas internacionais.

73
de investimentos - sem a obediência a critérios econômicos - e con-
duziram a deficiências operacionais que não se refletiam nas tarifas co-
bradas aos usuários 49.
Com a reforma cambial de 1961, muitas formas de subsídios indire-
tos desapareceram, implicando reajustamentos tarifários que colocaram
o transporte aéreo em posição mais vulnerável à competição rodoviária,
principalmente nas curtas e médias distâncias. Somente em 1968 é que
o tráfego aéreo de passageiros - em termos de passageiros-quilômetro
- conseguiu aproximar-se dos níveis anteriores a 1960. Deve-se notar
que houve declínio I?ersistente no número de passageiros transportados
e, portanto, um aumento nas distâncias médias percorridas, conforme
mostra a tabela 27 .
Verifica-se, com efeito, que, no período 1956-1970, houve cresci-
mento para o tráfego de passageiros a uma taxa média anual de 1,9 %,
enquanto a renda per capita cresceu a taxa de 3,8 % . Por outro lado, o
volume de passageiros transportados decresceu cumulativamente a -3 %
ao ano. Desta forma, pode-se concluir que, para um movimento decli-
nante de passageiros embarcados e desembarcados nos aeroportos, o
aumento verificado no tráfego, medido em passageiros-quilômetros,
deveu-se, em parte, a um acréscimo nas distâncias médias percorridas.
O tráfego de carga, por sua vez, permaneceu estagnado nesse período,
acusando taxa média de crescimento anual de 0,6 % .
Se considerarmos o período mencionado dividido em subperíodos
característicos do desenvolvimento econômico brasileiro, verificamos que,
entre 1966 e 1970, houve notável recuperação do tráfego aéreo com cres-
cimentos anuais do movimento de passageiros-quilômetro e toneladas-
quilômetro da ordem, respectivamente, de 6,4 % e 5,2% para um cresci-
mento correspondente da renda per capita de 5,5 % . Deve-se ressaltar
que o movimento de passageiros embarcados e desembarcados cresceu
positivamente a 6 % ao ano nesse subperíodo. Já no subperíodo de 1961
a 1965, caracterizado como fase de ajustamento do transporte aéreo a
um novo realismo tarifário, verificaram-se taxas negativas de cresci-
mento para o tráfego de passageiros e carga, respectivamente da ordem
de -8 % e -7,7 % . O movimento de passageiros embarcados e desem-
barcados, por sua vez, decresceu negativamente a -10,8 % ao ano, ritmo
este que influenciou fortemente a taxa média anual verificada para
o período 1956-1970. A tabela 27 assinala igualmente que, entre 1961
e 1965, o crescimento da renda per capita situou-se em 0,7% anuais, o
que revelaria grande sensibilidade do tráfego aéreo às fases de recessão
ecenômica prolongada.
É importante assinalar, finalmente, que, apresentando tantas dis-
torções na parte operacional e na política tarifária, tornava-se impos-
sível considerar a demanda como fator básico de determinação dos
investimentos de infra-estrutura aeroportuária. Com efeito, as distor-

49 DAROS, Eduardo José. Os transportes no Brasil. Revista Brasileira de Transportes,


Rio de Janeiro, 2 (1) :23-36, jan./mar. 1967.

74
Tabela 27
Evolução do tráfego aéreo interno de passageiros e carga e da renda
per capita: período 1956-70

Passageiros- Toneladas- Renda


Anos Passageiros• quilómetro quilómetro per capita
(milhares) (milhões) (milhões) (Cr$-1970)

1956 ( .. . )e 1 643,9 193,4 988,7


1957 ( . . . )• 1 800,1 207,5 1 054,0
1958 4 602 1 957,1 226,3 1 053,8
1959 4 537 2 042,4 240,2 1 076,0
1960 4 645 2 273,3 270,0 1 131,1
1961 3 830 2 040,9 243,9 1 269,5
1962 4 348 2 186,9 244,8 1 327,2
1963 3 658 2 113,4 225,2 1 296,2
1964 2704 1 700,5 182,4 1 313,6
1965 2 539 1 573,6 160,8 1 307,6
1966 2 742 1 691,1 166,4 1 303,2
1967 2 896 1 797,1 174,5 1 358,9
1968 3 129 2 085,8b 190,9 1 409,8
1969 3 069 2 063,2b 196,6b 1 530,9 1
1970 3 237 2 140,1b 21l,Ob 1 662,11

Taxas de crescimento

Passageiros- Toneladas- Renda


Período Passageiros quilómetro quilómetro per capita

1956/1960 0,4° 8,6 8,7 3,5


1961/1965 -10,8 -8,0 -7,7 0,7
1966/1970 6,0 6,4 5,2 5,5
1956/1970 - 3,Qd 1,9 0,6 3,8

FONTES: DAC. Análise de indústria do transporte aéreo comercial brasileiro. FGV. Con-
juntura EconOmica, v. 25, n.• 9, 1971.

• Inclui o tráfego internacional regular.


b Foi incluido o tráfego de cabotagt:m realizado nas linhas internacionais.
• A taxa de crescimento refere-se ao biênio 1958/1960.
d Refere-se ao período 1958/1970.
• Dados não disponíveis.
1 Estimativa preliminar.

75
ções havidas nos custos de prestação de serviços aéreos e seus reflexos
nas tarifas cobradas aos usuários, pelas razões já citadas- além da polí-
tica de subvenções e a inexistência ou insignificância das taxas de utili-
zação das instalações aeroportuárias - levaram a um escalonamento
deficiente das prioridades de investimento em infra-estrutura. Isto por-
que essas prioridades pouca relação tinham com a possibilidade de evo-
lução de demanda real pelos serviços aéreos ou com a potencialidade
da geração de tráfego.
O aproveitamento dos assentos oferecidos pelas aeronaves comerciais
tem-se portado de forma irregular no Brasil, podendo-se dizer, entre-
tanto, que a relação entre passageiros-quilômetro efetivamente utilizados
e os assentos disponíveis foi relativamente baixa no passado, muito
embora, atualmente, situe-se em boa posição quando comparada com a
de outros países. A tabela 28 fornece alguns dados internacionais com-
parativos para o ano de 1968, sendo que para 11 países, inclusive o
Brasil, foram consideradas, somente, as empresas filiadas à lATA. A
mesma tabela apresenta os seguintes elementos: a) número de empre-
sas; b) número de aviões comerciais; c) passageiros-quilômetro trans-
portados; d) assentos-quilômetro disponíveis; e) coeficiente de aprovei-
tamento, qual seja, a relação percentual entre c e d.
Cabe lembrar que o índice de aproveitamento, quando excessiva-
mente elevado nas linhas regulares, pode revelar incapacidade do trans-
porte aéreo para fazer frente aos "piques" sazonais, pois a relação entre
os assentos oferecidos e utilizados é média anual. Assim, o aproveita-
mento médio muito elevado pode significar que os serviços aéreos são
inadequados para atender aos movimentos reais e potenciais na deman-
da em estações mais favoráveis. Por outro lado, índices baixos de apro-
veitamento revelam a existência de capacidade para prestação de ser-
viços superior às necessidades concretas e potenciais de crescimento do
tráfego. Com isto, torna-se evidente que existe subutilização dos equi-
pamentos disponíveis, com reflexos de baixa produtividade, ineficiência
e custos elevados para prestação dos serviços 50 •
Deve-se ter presente, ainda, que o índice de aproveitamento refere-
se sempre à determinada média de utilização diária das aeronaves. Isto
significa que podem haver índices de aproveitamento elevados que, ao
invés de refletir boa adequação da oferta à demanda, ao contrário, são
resultados de baixa· utilização horária do equipamento. No caso bra-
sileiro, os coeficientes de aproveitamento, relativamente baixos no pas-
sado, foram associados, ainda, a médias de utilização de equipamentos,
nem sempre satisfatórias. A excessiva diversificação da frota (global-
mente e dentro de cada empresa) e sua inadequação à infra-estrutura
aeroportuária fizeram com que os índices de aproveitamento associa-
dos aos índices de utilização horária dos equipamentos tornassem-se
indicadores de uma inadaptação crônica da oferta à demanda, existente
e potencial, pelos serviços aéreos .

!\O lATA. World Air Transport Statistics, n. 13, 1968.

76
Tabela 28
Tráfego aéreo de passageiros em 1968 - comparações internacionais

A) Número B) Número C) Passa- D) Assentos


de de geiros- disponíveis E) Aprovei-
Países empresas aviões quilómetro (milhões) tamento
. comerciais
b
(milhões)
c d
(C/D) (%)

Estados Unidos 15 1771 139 350 258 839 53,8


Canadá 5 196 6 049 9 902 61,1
Alemanha Federal 1 66 818 1 458 56,1
Françad 1 115 829 1 275 65,0
Reino Unido 2 125 1 438 2 341 61,4
Itália 1 93 922 1 562 59,0
Índia 2 80 1 352 2 136 63,3
Argentina 1 24 499 754 66,2
México 1 14 577 989 58,3
Japão 1 44 1 909 2 637 72,4
Brasil 3 186 1 894 3 236 58,5

FONTE: lATA. World Air Transport Statistics n. 13. 1968.


• Foram consideradas somente as empresas filiadas a lATA.
b Foram computados todos os aviões das companhias, inclusive os ligados ao tráfego interna-
cional.
• Somente sobre tráfego doméstico.
d Foram computados somente dados referentes a Air France.

Cabe ressaltar, finalmente, que o baixo aproveitamento das aero-


naves comerciais provocou, ao longo do tempo, despesas adicionais de
administração e operação que se traduziram em: a) ociosidade de pes-
soal empregado; b) consumo desnecessário de combustível e lubrifican-
tes; c) consumo desnecessário de peças de reposição e acessórios 51 •
O gráfico 10 apresenta regressão entre o tráfego aéreo interno de
passageiros e o produto interno bruto para um grupo de 22 países,
relativamente ao ano de 1968. Para não levar em consideração, no
tráfego interno, problemas de extensão territorial, preferiu-se utilizar
o movimento expresso em termos de passageiros transportados ao invés
de passageiros-quilômetro e consideraram-se as variáveis, dependente
e independente, em termos per capita. Embora a disposição dos pontos
observados esteja relativamente dispersa no diagrama, pode-se notar
tendência de evolução no tráfego interno de passageiros em relação ao
produto interno bruto per capita, segundo uma função de tipo expo-
nencial. Foi ajustada uma função exponencial do tipo Y = aXb, onde

51 Pereira, Aldo. Aviação comercial no Brasil. cit.

77
Y representa o tráfego aéreo interno medido em passageiros per capita
e X os valores do PIB per capita em dólares para os 22 países consi-
derados:
log 0 Y = - 10,622 + 1,1800 logoX (11)
(0,13370)
(R 2 = 0,7957)
O coeficiente de determinação, embora relativamente baixo (0,796),
permite que se visualise, grosso modo, através da cross-section, possi-
bilidades de evolução do tráfego interno em função de variações no
produto interno per capita.
Antes da II Guerra Mundial o Brasil possuía quatro empresas aéreas
organizadas operando, principalmente, em linhas de pequena e média
distâncias . No final da Guerra tais empresas sofreram um processo de
reequipamento, em grande parte para atender à descapitalização ocor-
rida durante o conflito, quando havia dificuldades de reposição de equi-
pamentos e suprimentos de peças para manutenção. No período do
pós-guerra e nos primeiros anos da década de 1950, como resultado di-
reto do término do conflito- quando havia grande disponibilidade de
mão-de-obra especializada e equipamento para serem absorvidos pela
aviação comercial - e também devido à política cambial do País, houve
profunda alteração da estrutura técnica e econômica do transporte aéreo.
Essa alteração refletiu-se no aparecimento de grande número de novas
empresas, chegando, praticamente, 25 delas a operar regularmente.
A década de 1950 caracterizou-se, como foi assinalado, por uma fase de
crescimento do tráfego, favorecendo a sobrevivência de numerosas em-
presas. A proliferação fez com que se chegasse, no final desta dé-
cada, à intensa competição de tarifas e horários, além de disputa por
novos mercados regionais e locais para o transporte aéreo. O que carac-
terizou, por sua vez, o período 1957-1960, a par do crescimento do tráfego
e da intensa competição, foi a completa ausência de coordenação na po-
lítica de investimentos e de operação, tanto por parte do Governo quanto
das empresas. Estas chegaram, muitas vezes, diante de certas possibili-
dades de expansão do tráfego, a improvisações que redundaram na im-
possibilidade técnica de operação para grande número delas.
As empresas aéreas sofreram, a partir de 1960, um processo de
fusão e conseqüente absorção ou fechamento de pequenas empresas sem
condições de operação. As fusões resultaram na constituição dos se-
guintes grupos operacionais ou consórcios: Cruzeiro (TAC e SAVAG),
VARIG (aerovias, Real, Nacional e Aeronorte), VASP (Lóide Aéreo,
TABA e NAB), SADIA (Salvador) e Paraense. Posteriormente, com o fe-
chamento da Panair do Brasil, suas linhas internas foram transferidas
para a Cruzeiro do Sul e as externas para a VARIG. Esta última em-
presa, portanto, passou a ficar dividida em dois grupos operacionais:
VARIG- rede aérea nacional e VARIG- internacional. Para os ser-
viços internos o Brasil possui, atualmente, três empresas privadas e uma
- a Viação Aérea São Paulo (VASP) - de propriedade do Governo do
Estado de São Paulo.

78
Grdfico IO

qegressc!o entre o tra'tego aéreo interno de passageiros per copito


e o produto i n te r no ""p-'e'-r_c::..o::..~:..P.:...it'-o::..
ano de 196 8

PER CAPITA

ESTADOS UNIDOS o
• NOVA ZELÂNDIA
0,500
I
AUSTRALIA • •
CANADÁ

ESCANDINÁVI
.
FINLÂNDIA 0

REINO UNID0 0

o ESPANHA
• FRANÇA
I
• ITALIA ·

CHILE 0 ÁFRICA DO SUL

ALEMANHA
0,040 • ARliENT IN A • JAPÃO •
BRASIL

0,020

PAQUISTÃO
.

0,003

PIB PER CAP ITA ( US S )


Tabela do gráfico l-0
Tráfego aéreo interno de passageiros per capita e produto interno
per capita. Comparação internacional
ano de 1968
PIB ao custo de
Pa,~sageiros
Países fatores per capita
(US~/hab.)
per capita

Índia 78 0,004
Paquistão 130 0,008(1 )
Brasil 283 o,m2
Irã 298 0,020
Turquia 339 0,023
Chile 521 0,051
México 564 0,022
Argentina 658 0,039
África do Sul 705 0,05G
Espanha 737 0,105
Itália 1 269 0,079
Japão 1 308 0,038
Finlândia 1 556 0,186
Reino Unido 1 586 0,168
Nova Zelândia 1 666 0.547
Alemanha Ocidental 2 041 0,041
França 2 215 0,095
Austr:ilia 2 269 0,398
Suécia, Noruega c Dinamarca 2 50!) 0,255
Sufça 2 559 0,427
Canadá 2 622 0,372
Estados Unidos 3 956 0,606

FONTE; Statistical Yearbook. ONU, 1970. JVorld Air Transport Statistic8, lATA.
(') Refere-se a 1967.

A situação física, no ano de 1963, da frota aérea comercial brasileira


era de 269 aeronaves, distribuídas da seguinte forma: Panair do Brasil
- 25, Consórcio Cruzeiro do Sul - 52, Consórcio VARIG - rede aérea
nacional - 95, VARIG - internacional - 6, Consórcio VASP - 67,
SADIA - 12, e Paraense, 12 aviões 52 • Esta frota apresentava excessiva
diversificação de equipamentos, com baixos índices de utilização média
diária das aeronaves e baixos níveis de produtividade, ambos aquém

52 Ministério da Aeronáutica, Diretoria da Aeronáutica Civil. Análise da situação


económica da indústria do transporte aéreo brasileiro, Rio de Janeiro, 1966.

80
Tabela 29
Comparação da situação física da frota aérea comercial brasileira:
anos de 1963, 1968 e 1970
(quanto ao número de aviões)

Empresas : 1963 1968 1970

Panair 25
Cruzeiro 52 48 32
Varig 101 90 45
Vasp 67 55 26
Sadia 12 8 8
Paraense 12 17 5
Total 269 218 116

FONTE: Ministério da Aeronáutica - Departamento de Aviação Civil.

dos mínimos exigidos para boa rentabilidade na operação aérea


(Tab. 30) 53 • Mais de uma dezena de marcas diferentes de aeronaves,
apresentando capacidade extremamente diversificada, compunham, na
época, a frota aérea comercial brasileira. Esta diversidade na compo-
sição da frota implicou vultosas despesas de manutenção, instrução,
tráfego e controle, que seriam bem menores se houvesse melhor seleção
e padronização do equipamento, em função da natureza específica e
das exigências do mercado brasileiro .
No ano de 1970 a frota aérea comercial brasileira dispunha de 116
aeronaves distribuídas por cinco empresas: VARIG- 45; VASP- 26;
Cruzeiro do Sul- 32; Paraense- 5; e SADIA~ 8. Do total de aero-
naves, 47 eram turbo-hélices de sete tipos diferentes, 13 jatos puros
de porte médio (cinco tipos diferentes) e, 18 jatos puros de grande porte
para linhas internacionais (cinco tipos diferentes). Observa-se que a
frota, globalmente, e a nível de empresa, apresentava, ainda, excessiva
diversificação (Tab. 30) . As pequenas empresas, explorando apenas
os serviços na faixa de turbo-hélice, em linhas de média ou baixa den-
sidade de tráfego, dificilmente apresentavam possibilidades de resulta-

53 Pela tabela 30 pode-se observar que, entre 1963 e 1970, houve uma sensível me-
lhoria nos índices de utilização média de certas aeronaves. Assim, para o Caravelle, houve
acréscimo de 4,50 para 7,52, para o Electra de 4,22 para 7,08, para o Boeing 707 (interna-
cional) de 4,05 para 9,52 horas/dia, respectivamente. Para efeitos de comparação interna-
cional, os fatores de utilização (período de permanência da aeronave no ar) da A ir France
para o Caravelle e o Boeing 707 são de, repectivamente, 6,34 e 10,15 horas/dia (médias
anuais), da Lufthansa para o Boeing 707-B é de 11,95, da TWA para o Boeing 707-B é
de 11,30 horas/ dia. Cabe lembrar que a comparação internacional dos dados de utilização
di'! aeronaves pelas empresas nacionais é dificultada pelo fato de estas usarem valores que
muitas vezes correspondem à utilização de calço a calço. Estes valorse superestimariam,
para as empresas nacionais, os seus efetivos fatores de utilização.

81
Tabela 30
Comparação da situação física da trota aérea comercial brasileira:
anos de 1963 e 1970
(quanto às marcas, tipos e configurações)
1963 1970

Utilização Utilização
média da média da
Tipos Número Tipos Número
aeronave aeronave
(horas/dia) (horas/dia)

DC-3 92 2,93 DC-3 Pax 28 1,65


DC-3 Carga 4 1,07 DC-3 Carga 1 3,50
C-46 Pax 33 2,74 Super C-46 Carga 5 1,17
C-46 Super Pax 6 3,27 C-82 2 0,15
C-46 Carga 3 2,38 DC-4 2 2,70
C-46 Super Carga 5 3,45 Dart Herald 6 6,06
FII-227-B 3 6,17
Scandia Pax 13 2,59 Avro P ax 9 7,02
Catalina Pax 5 3,56 YS-11A 8 5,24
Fairchild C-82 Carga 7 0,58 Samurai 6 5,43
Convair 240/340 440 Pax 29 3,16 Viscount 701 1 3,70
Lockheed Constellation Pax 10 2,09 Viscount 827 4 4,64
Lockheed Constellation G e H Pax 8 0,42 Electra Pax 8 7,08
Lockheed Constellation H Carga 3 0,14 Electra Carga 2 3,82
BACI-11 400 VASP 2 2,95
BACI-11 500 SADIA 2 4,84
Douglas DC-4 Pax 12 3,76 Caravelle 7 7,52
Douglas DC-6 B e C Pax 9 3,02 Boeing 737 5 6,08
DC-7 C-Pax 2 5,37 Boeing 727-100 4 4,08
Viscount 701 e 827 14 3,48 Boeing 707/441 2 9,62
Lockheed Electra 5 4,22 Boeing 707/341C Pax 6 10,62
DC-8 2 8,53 Boeing 707/341C Carga 1 11,66
Caravelle 10 4,50 Convair 990A 1 4,24
Boeing 707 2 4,65 DC-8 1 6,85
Convair Coronado 3 2,88

FONTE: Ministério da Aeronáutica - Departamento de Aviação Civil.


Tabela 31

Distribuição de número de passageiros pelas linhas aéreas principais


segundo a densidade de tráfego: ano de 1969
(continua)

Passageiros N. 0 de % tola] % total de


passageiros de passageiros
(dois sentidos) passageiros por densidade

A/la densidade
Recife-Galeão 74 40.3 4,7 6,3
Rio-Salvador 75 768 4,8 6,5
Rio-Porto Alegre 66 997 4,2 5,7
Rio-Brasília 91 233 5,7 7,8
llio-Congonhas 779 546 49,2 66,4
Congonhas-Porto Alegre 85 812 5,4 7,3

Subtotal 173 75() 74,0 100,0

M édia-alla densidade
Manaus-Rio 24 878 1,6 7,9
Manaus-Belém 20 067 1,3 6,4
Man aus-Brasília 11 433 0,7 3,7
Recife-Fortaleza 38 231 2,4 12,2
Recife-Salvador 35 326 2,2 11,3
ltecife-Congonhas 21 969 1,4 7,1
H.ecif e-Natal 16 763 1,1 5,4
Rio-Fortaleza 23 197 1,5 7,4
Rio-Belém 27 644 1,7 8,8
Campinas-Congonhas 11 499 0,7 3,7
Belém-Fortaleza 12 897 0,8 4,1
Salvador-Congonhas 25 548 1,6 8,2
Congonhas-Brasília 28 519 1,8 9,1
Congonhas-Campina Grande 14 780 0,9 4,7

Subtotal 312 751 1(),7 100,0

Baixa densidade
Manaus-Fortaleza 2 805 0,18 2,8
Manaus-Recife 469 0,03 0,5
Manaus-Campinas 11 0,001 0,01
Manaus-Congonha.~ 2 768 0,17 2,8
Manaus-Natal 76 0,005 0,1
Recife-Aracaj u 5 588 0,3S 5,6
H.ecife-Campinas 131 0,008 0,1
Recife-Belém () 768 0,62 9,9
Recife-Brasília 3 349 0,21 3,4
Aracaju-Fortaleza 482 0,03 0,5
Aracaju-Rio 5 867 0,37 5,9
Aracaju-Campinas 29 0,002 0,03
Aracaju-Salvador 5 342 0,34 5,4
Aracaju-Congonhas 1 006 0,06 1,0

83
(conclusão)

Passageiros N.• de %total % total de


passageiros de passageiros
(dois seu tidos) passageiro~ por densidade

Aracaju-Natal 144 0,009 0,1


Rio-Campinas 5 512 0,3:. 5,6
Rio-Campina Grande 3 036 0,32 5,2
Rio-Natal 8 053 0,51 8,1
Campinas-Fortaleza 8 0,001 0,01
Campinas-Salvador 263 0,02 0,3
Campinas-Porto Alegre 742 0,05 0,7
Campinas-Campina Grande 88 0,006 0,1
Campinas-Natal 2 0,0001 0,01
Belém-Salvador 4 0,0003 0,01
Belém-Congonhas 4 269 0,27 4,4
Belém-Brasília 4 697 0,30 4,8
Belém-Natal 724 0,05 0,7
Salvador-Fortaleza 3 621 0,35 5,7
Salvador-Brasília 8 929 0,56 9,03
Salvador-Natal 998 0,06 1,0
Congonhas-Fortalcza 4 407 0,28 4,4
Congonhas-Natal 1 581 0,10 1,6
Brasília-Fortaleza 3 180 0,20 3,2
N atai-Fortaleza 6 891 0,43 7,0

Subtotal 98 S40 6,21 100,0

Total Geral 1 585 350 100,0

FONTES: Ministério da Aeronáutica - Departammto de Aviação Civil. l\Iinistério do l'la-


nejamento e Coordenação-Geral (IPEA) - Setor de Transportes.

dos econômicos satisfatórios. Tal observação é válida para os casos da


Paraense e da SADIA, sendo que a primeira, efetivamente, viu-se im-
possibilitada de operar, após haver onerado substancialmente o Te-
souro Nacional. Em 1969 entraram em operação cinco Boeing 737, da
VASP. A frota de aviões a jato puro neste ano era constituída de: cinco
Boeing 737 (VASP) , dois One Eleven (VASP) e sete Caravelle (Cruzeiro) .
Os principais problemas relativos ao mercado interno brasileiro refe-
rem-se, primeiramente, à grande concentração da demanda em número
reduzido de ligações. Com efeito, cerca de 75 % do número de passagei-
ros deslocados nos dois sentidos concentram-se em seis ligações de alta
densidade de tráfego (Tab. 31) 54 • Por outro lado, havendo necessidade
de manter ligações de média e longa distâncias com localidades de fraco

5 4 A tabela 31 mostra que para 54 ligações troncais (interligando as capitais de


estados entre si, com a capital feaeral ou com aeroporotos próximos às capitais - Campinas
e Campina Grande, por exemplo) apenas seis classificam-se como ligações de alta densi-
dade respondendo por 74% do movimento de passageiros. Somente a Ponte Aérea Rio-
Congonhas responde por aproximadamente 50% daquele movimento.

84
potencial de geração de tráfego, para a realização de serviços em áreas
pioneiras onde a infra-estrutura é rudimentar, há necessidade premente
do escalonamento dos diferentes tipos de serviços a serem prestados.
Para a próxima década é provável que, com equipamentos mais
rápidos e oferecendo maior capacidade de tráfego, o transporte aéreo
tenda a fortalecer seu poder' de competição com as demais modalidades
de transportes, principalmente a rodoviária, apresentando vantagens
nas rotas de longa distância. Poderá apresentar vantagens, inclusive,
em ligações de curta e média distância, desde que sejam organizados
serviços regulares com equipamento adequado em cidades com mais de
100 mil habitantes, por exemplo, acompanhando os processos de urba-
nização rápida e de descentralização industrial e comercial que já co-
meçam a verificar-se, principalmente no centro-sul do País (Tab. 32) .
Cabe ressaltar que, se de um lado, a forte tendência à urbanização e ao
crescimento das grandes áreas metropolitanas reduz, de certa forma,
os pontos geradores de tráfego, fazendo com que o potencial de deman-
da seja nelas mais concentrado e reflita-se mais nas possibilidades de
geração de tráfego para rotas principais de média e longa distância, de
outro lado a tendência de desconcentração industrial ou de interioriza-
ção de determinadas atividades econômicas poderá constituir-se num
grande potencial de operação para linhas alimentadoras.
Desta forma, torna-se evidente que a evolução do transporte aéreo
deverá obedecer a uma adequação da capacidade dos equipamentos à
escala de prestação dos serviços, com conseqüentes ganhos de produti-
vidade do serviço prestado, por equipamento e por pessoal empregado.
Aludida adequação deverá levar em conta as densidades do tráfego nas
rotas, suas etapas médias e os índices resultantes de aproveitamento
ótimo do equipamento.
As escalas de prestação de serviço deverão ser situadas basicamente
nos seguintes níveis: a) serviços regulares em rotas principais; b) ser-
viços regulares em rotas secundárias e terciárias (menores densidades
de tráfego em etapas mais reduzidas, alimentando as rotas principais);
c) serviços de táxi aéreo não regulares; d) serviços de pequenos aviões
privados.
Tendo em vista essa divisão, as empresas aéreas deverão orientar-se
no sentido da especialização em determinada escala e/ ou numa divisão
regional de trabalho, para que haja maior produtividade e melhor apro-
veitamento do equipamento existente no País. Como a demanda nas
rotas principais poderá crescer num ritmo menor do que a capacidade
oferecida, dentro dos programas pretendidos de reequipamento, e sen-
do o mercado brasileiro para os serviços internos de transporte aéreo,
de dimensões restritas e instáveis, torna-se evidente a necessidade de
se promover fusões de empresas e/ou especializações para que os ser-
viços sejam prestados com maior eficiência.
A situação financeira das empresas aéreas foi, tradicionalmente, de
graves desequilíbrios. Tais desequilíbrios eram cobertos, parcialmente,

85
Tabela 32
Crescimento das populações total e urbana em relação ao tráfego aéreo
doméstico: período 1956-70

População Tráfego aéreo


População total urbana
Arios (em 1 000
(em 1 000 t /km
hab.) hab.) pass./km
(milhões) (milhões)

1956 61 837,5 26 350,5 1 634,9 193,4


1957 63 689,8 27 793,3 1 800,1 207,5
1958 65 608,7 29 296,3 1 957,1 226,3
1959 67 597,1 30 854,4 2 042,4 240,2
1960 69 658,1 32 486,9 2 273,3 270,0
1961 71 962,3 34 153,7 2 040,9 243,9
1962 74 208,7 35 882,9 2 186,9 244,8
1963 76 538,3 37 678,2 2 113,4 225,2
1964 78 954,3 39 533,2 1 700,6 182,4
1965 81 460,8 41 416,6 1 573,6 160,8
1966 84 062,3 43 410,0 1 691,6 166,4
1967 86 763,0 45 442,1 1 797,1 174,5
1968 89 567,6 47 531,2 2 085,8(1) 190,9(1)
1969 92 481,1 49 688,4 2 063,2°> 196,6(1)
1970 93 204,4 .52 098,5 2 140,1(1) 211,0' 0

Taxas de crescimento

Tráiego aéreo
População total População
Período
urbana
pass./km t/km

1956/1960 0,2 5,3 8,6 8,7


1961/1965 3,2 5,0 - - 8,0 --7,7
1966/1969 3,2 4,7 6,4 5,2
1956/1970 3,0 5,0 1,9 0,6

FONTES: Centro de Contas Nacionais - FGV. Ministério do Planejamento e Coorde-


nação-Geral- IPEA/Demografia. Análise da _indústria do transporte aéreo comercial brasi-
leiro. DAC.
m Inclui tráfego de cabotagem das linhas internacionais.

86
através de subvenções concedidas pelo Governo Federal, que compreen-
diam diversos tipos de transferências de recursos às empresas, a saber:
a) subvenções para estímulo à integração nacional (Rede de Integração
Nacional-RIN); b) subvenções para linhas aéreas internacionais; c) sub-
venções de emergência, para cobertura de déficits financeiros não pre-
vistos.
Além destas, as empresas aéreas recebiam, ainda, dotações diretas
para reequipamentos e auxílios governamentais diversos- na forma de
concessão de avais em nome do Tesouro - para reequipamentos, isen-
ções tributárias e subsídios indiretos já descritos. A evolução das sub-
venções correntes do Governo Federal às empresas aéreas, para o período
1961-1970, estão indicadas na tabela 33.
Incluindo o tráfego internacional, os serviços aéreos apresentaram
até 1967 resultados financeiros negativos, com despesas de operação
sistematicamente superiores às receitas. Tais resultados atingiram seu
máximo em 1962 (163,3 milhões a preços de 1970) declinando substan-
cialmente a partir de 1964, como resultado das medidas governamentais
impostas ao setor 55 • Como foi assinalado, grande parte dos déficits era
coberta através das subvenções diretas. Mesmo com recuperação finan-
ceira iniciada após 1964, as subvenções como percentagem dos déficits
ainda eram elevadas (Tab. 33). Posto que, anteriormente, parte dos
déficits acumulados pelas empresas não eram cobertos pelos recursos
governamentais diretos, é de se crer que até 1964 tenha ocorrido intenso
processo de descapitalização das empresas aéreas. Isto parece significar
que, no período de recuperação, os recursos oriundos das subvenções
estariam sendo utilizados, provavelmente para uma compensação do
processo de descapitalização das empresas.
A partir de 1964, portanto, passaram a ser definidos objetivos claros
quanto à necessidade de minimizar os déficits de operação das empresas
aéreas, através de programação adequada de linhas e vôos. Atualmente
foram praticamente suprimidas as subvenções diretas às empresas, com
exceção das subvenções RIN, cuja finalidade é compensar perdas opera-
cionais em linhas de baixa densidade de tráfego, necessárias à integra-
ção nacional. Os resultados financeiros positivos das empresas, em seu
conjunto, e a supressão das subvenções governamentais não implicam
necessariamente em situação de solidez empresarial, apesar da inegável
recuperação verificada no conjunto, pois os compromissos para o paga-
mento de reequipamento no exterior são elevados e dependem direta-
mente das receitas das empresas. Os compromissos das empresas são
pagos, como se sabe, em função de um percentual sobre a receita, em
relação ao ano anterior.

55 Ministério da Aeronáutica, Departamento da Aeronáutica Civil, DAC. Análise da


situação económica da indústria do transporte aéreo brasileiro. cit.

87
00
00

Tabela 33
Subvenções correntes do Governo Federal às empresas de transporte
aéreo: período 1961-70
(em milhões de cruzeiros de 1970)

Discriminação 1961 1962 1063 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970

1. Subvenção RIN 2,6 30,0 18,1 20,0 18,5 13.4 13,5 6,8 2,2 0,5

2. Subvenção internacional 7,6 23,3 14,3 12,5 8,0 5,8 5,4 2,7 1,2

3. Subvenção de emergência 63,3 57,0 29,9 19,1 8,1 5,4

4. Total de subvenções 10,2 116,6 89,4 62,4 45,6 27,3 24,3 9,5 3,4 0,5

5. Deepesas das empresas 601,5 676,7 6.55,8 607,2 600,9 613,2 605,4 720,1 811,2 886,6

6. Receitas das empresas 520,7 513,3 501,8 497,4 512,8 552,0 588,4 724,7 835,5 916,8

7, Resultado da operação - 80,9 -163,3 -154,0 -109,8 - 88,1 - 61,1 - 5,9 4,6 24,3 30,2

8. Despesas como percentagem de receitas 115,5% 131,8% 130,7% 122,1% 117,2% 111,1% 101,1% 99,4% 97,1% 96,7%

9. Subvenções como percentagem dos re-


sultados (Déficit) 12,6% 71,4% 58,1% ~6,8% 51,8% 44,7% 411,9%

FONTE: Diretoria de Aeronáutica Civil - DAC.


O setor aéreo nunca dispôs de planejamento adequado para opera-
ção e para investimentos na infra-estrutura aeroportuária. Somente a
partir de 1964 começou a prevalecer a consciência de que, para o trans-
porte aéreo, exceto em determinadas linhas domésticas que não dispu-
nham de meios de transporte terrestre alternativos e que deveriam ser
mantidas para atender a motivos não econômicos, o critério para fixação
de tarifas deveria ser o mesmo que o seguido pelas demais modalidades.
Isto significava que os custos reais totais, incluindo os juros e a depre-
ciação dos equipamentos de vôo, além dos gastos fixos de administra-
ção das empresas, deveriam ser cobertos gradativamente pelas tarifas.
Além disso houve, também, uma tomada de consciência, em relação à
operação dos aeroportos. Esta representaria, igualmente, custo real que
deveria refletir-se sobre as tarifas. A recuperação do que era gasto na
infra-estrutura dos aeroportos e a segurança do vôo deveriam ser asse-
guradas. Sem isto, haveria sempre o perigo de favorecer o transporte
aéreo, caso esses elementos não fossem computados no custo de pres-
tação dos serviços. Sabia-se, entretanto, que deveriam ser separados os
custos de infra-estrutura relativos às necessidades de caráter puramente
militar.
Outro aspecto que passou a merecer consideração das autoridades
governamentais foi o referente às subvenções concedidas ao transporte
aéreo. Não haveria, na verdade, justificativa para que o transporte aéreo
fosse subvencionado direta ou indiretamente. A inexistência ou pequena
significância das taxas de utilização dos serviços aeroportuários ( para
usuários e empresas) constituíam elemento adicional de sustentação
do irrealismo tarifário. O panorama da aviação comercial na época não
permitiria corte abrupto das subvenções governamentais diretas, mas era
necessário que estas fossem gradativamente diminuídas e concedidas
apenas nos casos de objetivos claramente definidos, através da perma-
nência dos serviços.
Os programas governamentais, a partir de 1964, passaram a dar ên-
fase às medidas e diretrizes que visassem à recuperação do transporte
aéreo. O Programa de Ação Econômica do Governo- PAEG- (1964-
1966) apresentava as seguintes diretrizes principais: a) ajustamento da
oferta à demanda dos serviços de transporte aéreo, através de raciona-
lização, consolidação ou redução de linhas e horários; b) desativação
das aeronaves excedentes com vistas à redução do passivo das empresas;
c) concentração dos investimentos na infra-estrutura aeroportuária dos
aeroportos de maior densidade de tráfego; d) adoção de política sala-
rial realista, visando à redução dos déficits das empresas 56 •
O Programa Estratégico de Desenvolvimento- PED- (1968-1970),
por sua vez, apresentou para o setor as seguintes diretrizes ou medidas:

56 Ministério do Planejamento e Coordenação-Geral. Programa de ação económica


do Governo - 1964/1966. cit.

89
a) elaboração de projetas e análises de caráter técnico e econômico
antes da execução de obras, compras de equipamentos, estruturação de
linhas; b) consolidação do sistema, já iniciado, de contribuição pelo uso
dos aeroportos e dos serviços de apoio à navegação aérea; c) operação
integrada, através da coordenação dos serviços atuais e futuros das vá-
rias empresas e conseqüente redução de custos; d) eliminação gradati-
va dos subsídios governamentais indiretos à aviação civil; e) supressão
gradativa das subvenções governamentais diretas às empresas de trans-
porte aéreo comercial 57 •
Além das medidas principais de reativação da aeronáutica civil lis-
tadas pelos planos do Governo e relacionadas como operação e novos
investimentos, outras medidas fazem-se necessárias, atualmente, para
dinamizar a prestação dos serviços aéreos regulares a saber:
a) necessidade de criação de mecanismos e soluções imaginativas
- adaptadas às condições brasileiras de nível e distribuição de renda
- para estimular o crescimento da demanda, através da incorporação
de novas faixas de consumidores ao mercado dos serviços aéreos de
pa.ssageiros;
b) em face do papel cada vez mais importante que o transporte
aéreo de carga desempenhará no deslocamento de mercadorias de alto
valor unitário, como decorrência das etapas superiores do processo de
industrialização, torna-se necessário um programa de reconversão de
aeronaves que contribua para a redução da ociosidade de oferta global
para o mercado interno;
c) atualização e aperfeiçoamento do processo de retribuição pelo
uso das instalações aeroportuárias e dos serviços de apoio à navegação
aérea, visando a constante melhoria das instalações e serviços;
d) estímulo à criação de empresas mistas para operação aeropor-
tuárias, de forma a introduzir padrões empresariais modernos nesta
operação;
e) integração e coordenação dos serviços de apoio às empresas de
navegação aérea, visando à redução dos seus custos de operação;
f) tendo em vista a rápida evolução da tecnologia da construção
aeronáutica e o estímulo à indústria nacional, promover a criação de
linhas alimentadoras das rotas troncais.
A participação do setor aeroviário no total dos investimentos em
transportes, no período 1964-1970, é indicada no anexo 2, para a infra-
estrutura aeroportuária (Ministério da Aeronáutica) e as aeronaves
(empresas aéreas).

57 Ministério do Planejamento e Coordenação-Geral, IPEA. Programa estratégico de


desenvolvimento - 1968/ 1970. cit.

90
7. Conclusão
Do que foi exposto neste trabalho pode-se sumariar, a título de con-
clusões, as principais relações entre os estágios de desenvolvimento da
economia brasileira e a evolução do sistema de transportes. Inicialmente,
quando a estrutura produtiva tinha uma especialização marcante na ex-
portação de produtos primários (matérias-primas e alimentos não bene-
ficiados ou semiprocessados), a estruturação do espaço geo-econômico
caracterizava-se pela descontinuidade, formando um arquipélago de ati-
vidades dependentes do mercado externo. Verificava-se, então, a concen-
tração das atividades econômicas, em geral, numa faixa litorânea restri-
ta, com acesso relativamente fácil à navegação de cabotagem ou de lon-
go curso. As atividades industriais ainda incipientes visavam, tão-somen-
te, o atendimento de necessidades urbanas elementares. Neste contexto
geo-econômico, cabia a sistemas ferroviários isolados a função principal
de escoar fluxos de produção primária no sentido interior-litoral e,
subsidiariamente, distribuir mercadorias importadas. A grande quanti-
dade de portos, associada a um bom sistema de navegação para a época,
propiciava uma integração longitudinal da faixa litorânea e o inter-
câmbio entre os pólos exportadores. Neste estágio, as ligações rodoviá-
rias surgem com um caráter exclusivamente local, atendendo aos cen-
tros urbanos e distritos municipais, sem comprometer a complementa-
ridade do sistema ferrovia-porto-navegação.
Com a intensificação do processo de industrialização, a partir da
década dos 40, alterou-se bastante a estruturação do espaço geo-eco-
nômico; do predomínio, quase absoluto, de unidades produtivas pequenas
e médias, disseminadas pelo espaço geo-econômico e produzindo para
mercados locais e regionais, chegou-se às tendências recentes de con-
centração industrial no eixo São Paulo-Rio de Janeiro, com mercados de
âmbito nacional, à medida que eram implantadas etapas mais avança-
das do processo industrial. Com a expansão e diversificação da oferta
final de bens, o deslocamento dos fluxos adicionais de bens intermediá-
rios e finais passou a ser feito com a participação crescente do trans-
porte rodoviário. A expansão da carga geral justificou a suplementação
da capacidade de transporte através das rodovias, surgindo, de início,
as primeiras ligações rodoviárias de âmbito interestadual e inter-re-
gional. Muitos investimentos na infra-estrutura rodoviária passaram a
objetivar, posteriormente, a função de transporte a longa e média dis-
tâncias, para consolidação de um mercado nacional, surgindo, na dé-
cada dos 50, as ligações troncais paralelas às ferrovias e ao mar.
A implantação de um sistema rodoviário principal acompanhou a
consolidação das etapas superiores do processo de industrialização. A
substituição de bens anteriormente importados fez-se no sentido dos
mais simples- para consumo semidurável e durável- aos mais com-
plexos: insumos básicos e bens de capital. As densidades e partidas de

91
carga justificavam, de certa forma, o uso intensivo do caminhão. O
processo de urbanização, por sua vez, intensificou-se aceleradamente e
tornou-se necessária a inclusão, ao espaço geo-econômico, de novas áreas
agrícolas e extrativas. A rápida incorporação de novas terras à economia
de mercado, para permitir o suprimento de matérias-primas e alimentos
aos centros urbanos, transferiu para o transporte rodoviário o papel
preponderante no deslocamento dos fluxos de longa e média distâncias.
Por outro lado, a implantação da indústria automobilística com sua
evolução bem sucedida, aliada à deterioração dos sistemas ferroviários,
portuário e marítimo - incapazes de atender às novas correntes de
tráfego devido às suas ineficiências - beneficiou de tal modo a expan-
são rodoviária, a ponto de gerar ao longo da década dos 60 uma hiper-
trofia desta modalidade no atendimento da demanda. Numa fase de
aguda transição no processo de industrialização, as ineficiências e dis-
torções do setor de transportes, visto em seu conjunto, colocaram-no,
entretanto, como ponto de estrangulamento comprometedor do próprio
desenvolvimento econômico. A partir de 1964, com efeito, o controle do
processo inflacionário e a redinamização do desenvolvimento acarre-
taram a necessidade de fortalecimento da infra-estrutura de transportes
e racionalização financeira do setor.
Acontece, porém, que superado o estágio de industrialização através
da substituição de importações e integração do mercado interno, a eco-
nomia brasileira busca consolidar um sistema industrial tecnologica-
mente avançado, com base na expansão e dinamismo do mercado inter-
no e maior integração do País em novos esquemas de divisão internacio-
nal do trabalho. Assim, as ampliações nas escalas de produção para aten-
dimento dos mercados interno e externo e os acréscimos de produtivi-
dade nos diferentes setores econômicos serão as principais características
do próximo estágio do desenvolvimento econômico brasileiro. O sistema
de transportes deverá atender às exigências de integração intersetorial
(pelo menos nas partes mais desenvolvidas do País), através de um
desempenho calcado na modernização tecnológica e maior eficiência
operacional. Para isto deverá ser buscada maior complementaridade
intermodal, recuperando tecnologicamente as ferrovias, os portos e a
navegação, através da concentração seletiva de investimentos em rotas
de elevada densidade de tráfego que justifiquem as aplicações de vulto-
sos recursos.
O sistema ferrovia-porto-navegação deverá ter, por conseguinte, um
lugar de importância no contexto global de movimentação de merca-
dorias, já agora numa função de deslocamento dos fluxos densos, resul-
tante da entrada do País em um novo estágio de desenvolvimento.
As rodovias, quer no âmbito de sistemas locais alimentadores, quer
no de ligações-tronco de longa distância, deverão continuar a ter seu
papel de maior relevância na movimentação de carga, mas "devolven-
do" ao sistema ferrovia porto-navegação parte do atendimento da de-
manda a ele atribuído pelas suas condições de ineficiência, falta de
agressividade comercial e desorganização administrativa.

92
Apêndice
As regressões realizadas neste trabalho tiveram o intuito precípuo de
descrever, ao longo do texto, o processo de expansão setorial, ilustran-
do-o através de gráficos que representaram relações funcionais básicas
entre variáveis significativas ou séries temporais. As relações consti-
tuíram-se na generalização de conjunto de dados históricos agregados,
para o Brasil e/ou cross-sections de dados comparativos internacionais.
Cabe lembrar que tais generalizações devem ser tomadas com reserva,
uma vez que os fenômenos econômicos examinados dependem, em geral,
de uma multiplicidade de influências, o que torna extremamente com-
plexa a observação do efeito de uma causa com interdependência de ou-
tras 118 • Sabe-se que a observação econômica obedece a critérios simpli-
ficadores que explicam a realidade com maior ou menor precisão de
acordo com a coerência e consistência interna das hipóteses iniciais
traduzidas num modelo. Este tira partido dos conjuntos de dados para
confirmar hipóteses, aprofunda o entendimento dos fenômenos e é re-
visto em função do teste da realidade objetiva.
Não se pretendeu com aquelas regressões atingir, todavia, objetivos
mais ambiciosos de elaboração de modelo econométrico. Sabe-se que, a
rigor, o ponto de partida da investigação econométrica é a construção
de um modelo, que envolve a correta especificação do fenômeno estu-
dado e do elemento estocástico que faz parte das observações, para per-
mitir a inferência estatística do conjunto de dados disponíveis 59 •
A escolha das variáveis e relações teve, entretanto, como fundamen-
to um conjunto de hipóteses de relacionamento funcional baseado em
dados observados empiricamente, que se constituíram num sistema ele-
mentar interdependente - de alcance explicativo forçosamente limi-
tado, considerado o nível de abstração proposto - com validade apenas
para as tendências evolutivas gerais do setor de transportes. As regres-
sões foram efetuadas a partir deste sistema e as dependências consi-
deradas foram de caráter puramente funcional, abstraídos, portanto,
os elementos aleatórios 60 • A confirmação das hipóteses permitiu identi-
ficar a expressão analítica das funções e, em alguns casos, dos conjuntos
de observações que sugeriram a mesma função.
Para o setor como um todo, as equações de regressão (1), (2), (3)
e (4) referentes, respectivamente, aos gráficos 1, 2, 3 e 4 do texto, foram

58 Malinvaud, E. Méthodes statistiques de l'économetric. Paris, Dunod Éditeur, 1963.


59 Cramer, J. S. Empirical econometrics, North Holland, Amsterdam, 1971.
60 No caso de agregados macroeconômicos, freqüentemente não é possível utilizar mé-
todos de análise estatística mais sofisticados que o da regressão e pouca coisa pode ser
dita sobre os fatores residuais. A não-distinção entre a parte sistemática e aquela aleatória
áo modelo seria possível no âmbito de modelos estocásticos, que especificam a distribuição
probabilística do fenômeno.

93
as mais relevantes e tiveram por base as hipóteses expressas no se-
guinte conjunto de equações:
T = Z(Z) (1)
U = Z (Z) 1 (2)
V = VV(VV) (3)
T = (m - r) U + (n - s)V (4)
z = vv + p + q (5)

AB variáveis do sistema são: T = produto do setor de transportes ;


Z = PIB ao custo de fatores; VV = renda pessoal disponível; U =
t
km/ ano e V = pass/ km/ ano, sendo Z e VV variáveis exógenas. Os parâ-
metros das identidades (4) e (5) que servem para completar as relações
estruturais do sistema são, por sua vez: m = valor médio de um t
km/ ano transportada; n = valor médio de um pass/km/ ano transpor-
tado; r = custo médio dos insumos de uma t km/ ano transportada;
s = custo médio dos insumos de um pass/km/ ano transportado; P=
tributação direta menos transferências e q = depreciação. Tais parâ-
metros são conhecidos ej ou determináveis empiricamente para fins do
sistema em questão.
Para o transporte rodoviário, as equações de regressão (6), (7),
(8), (9) e (10) referentes aos gráficos 6, 7, 8 e 9 do (item 5.) texto
tiveram por base o sistema:
R = S(S) (6)
S = Z 2 (Z) (7)
P = vvl (VV) (8)
P/ Q= vv2 (VV) (9)
aU = F (Z 1 I ,. ) (10)
z = vv + + p q (5)
s p
Q = Q + 1 (11)
I, = tR ,(12)

Onde: Z = PIB ao custo de fatores: VV = renda pessoal disponível: S =


frota total de veículos rodoviários; P = frota de veículos de passageiros;
Q = frota de veículos comerciais; R = rede rodoviária principal; aU =
t km/ ano transportada em rodovias e Ir = investimento, no ano anterior,
realizado na rede rodoviária principal, sendo que Z VV e Ir são variáveis
exógenas. Os parâmetros p e q já foram definidos e t representa o
custo de 1 km de investimento na rede principal.
Para as demais modalidades de transporte considerou-se o sistema:
~ u = z3 (Z) (13)
J..V = VV3 (VV) (14)
u = zl (Z) (2)
V = VV (VV) (3)

94
Onde 6U = t km/ ano transportada em ferrovias e .AV = pass/ km/ ano
transportado em avião são variáveis endógenas. AB t km/ ano trans-
portadas por navios (yU) podem ser obtidas por diferença pela identi-
dade: y = 1 - (a+ f3), considerada insignificante a movimentação de
carga pelo transporte aéreo.
AB expressões analíticas de cada relação funcional básica foram es-
colhidas, dentre diversas funções ajustadas, segundo o critério de me-
lhor ajustamento (erros-padrão dos coeficientes) e melhor coeficiente
de determinação (R!). Chegou-se, assim, à seguinte especificação das
relações funcionais:

T = a10 + a11 Z + a 12 Z 2 ; a 11 , a 12 >O (1)


u za (aso + aee ZIJ) > 1 , a 22 > O (2)
= 21 • a ; a 21
(aso + as~ w .e)
v = wa
31 o a ; a:11 > 1 , a 32 > O (3)
2
H, = a40 + a41 s -7- a4$ 8 ; a41, a42 > O (4)
s = as1 zafj!J ; a 52 > 1 (5)
p = a61 wa62 ; a62 > 1 (6)
p = a (a7o + a71 W + a79 W.t) ; ar1, arz > O (7)
Q
a U = a 80 -7- a 81 Z + as2 IT ; a 81 , a 82 > O (8)
{3 u
= a91 za8$ ; a92 > 1 (9)
XV = aiO 1 wa10 2 o o ; aJO . 2 >1 (10)
T = (m -r) U + (n - s) V (11)
z =W+p+q (12)
s p
=-+1 (13)
Q Q
Ir = 1R (14)
Neste sistema de relações interdependentes para o setor de trans-
portes, consideraram-se portanto, as variáveis agregadas relativas ao pro-
duto setorial, (T), movimentação global de carga e passageiros (U, V)
e participação das modalidades (aU, ()U, ÀV), como endógenas. A mo-
dalidade rodoviária apresentou um conjunto mais complexo de rela-
ções, devido tanto à sua predominância no atendimento da demanda
de carga e passageiros, como, principalmente, à maior interdependência
de fenômenos ao nível de abstração estudado. Assim, a rede principal,
inicialmente, e a frota de veículos, a seguir, foram tomadas como va-
riáveis endógenas. A variável investimento rodoviário (Ir), defasada de
um ano na relação com as t km/ ano movimentadas em rodovia, foi

95
considerada como predeterminada e instrumento de política de trans-
portes. Com efeito, uma decisão governamental de reduzir o investimen-
to na infra-estrutura rodoviária (por exemplo, através da destinação
de parte maior dos recursos vinculados ao Fundo Rodoviário Nacional
parà investimentos em outras modalidades) poderá alterar os coefici-
entes a, t3 e y da relação:
U = aU + f3U + yU
em períodos subseqüentes, favorecendo a maior participação dos trans-
portes ferroviários (aU) e marítimo (yU) no atendimento da demanda,
principalmente no que se refere à carga densa granelizável ou grandes
lotes de carga geral unificável.

Anexos
Anexo 1
indices utilizados para converter séries de valores correntes em
constantes

Deflator implícito Índice geral de preços


Anos disponibilidade interna
1949 = 100
1965/67 = 100

1950 111,2 1,1


1951 124,5 1,3
1952 140,9 1,4
1953 162,5 1,6
1954 197,2 21
1955
1956
230.4
283;9
ú
2,9
1957 321,3 3,3
1958 357,0 3,7
1959 461,4 5,1
1960 582,7 6,6
1961 776,9 9,1
1962 1 202,4 13 8
1963 2 139,7 24'2
1964 4 018,0 4Ú
1965 6 245,6 72,3
1966 8 670,8 99,7
Hl67 11 011,4 128,0
1968 14 073,5 159,0
1969 17 207,5 192,0
1970 20 611,9 230,0

FONTES: Fundação Getúlio Vargas. Conjuntura Econ{Jmica. v. 25, n.o 9, 1971. Anuário
Estatistico dos Transportes. 1970.
Nota: O índice do deflator implícito do produto serviu para deflacionar séries de produto ·~
renda, enquanto que o índice geral de preços serviu para as séries de investimentos.

96
Anexo 2
Investimento em transportes por setor: período de 1964-70
(milhões de cruzeiros de 1970)
1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970
Setores
CrS
I % Cr$
I % Cr$
I % Cr$
I % Cr$
I % Cr$
I % CrS
I %

TRANSPORTE RODOVIÁRIO ó 036,1 84,8 5 433,4 82,5 5 790,6 81,2 6 213,5 82,9 6 885,3 81,6 7 944,4 82,9 8 808,9 85,1
RODOVIAS 1 105,6 18,7 2 246,8 34,1 2 053,8 23,8 2 572,9 34,3 2 280,2 27,0 2 884,0 30,1 2 996,0 28,9
Federal - DNER (1) 189,1 3,2 720,5 10,9 500,6 7,0 1 277,8 17,1 1 010,8 12,0 1 106,9 11,6 1 161,9 11,2
Estadual - DERa (2) 787,8 13,3 1 297,6 19,7 1 332,7 18,7 1 171,7 15,6 1 100,2 13,0 1 564,1 16,3 1 607,1 15,5
Municipal (3) 128,7 2,2 228,7 3,5 220,5 3,1 123,4 1,6 169,!! 2,0 213,0 2,2 227,0 2,2

VEÍCULOS (4) 3 930,5 66,1 3 186,6 48,4 3 736,8 52,4 3 640,6 48,6 4 605,1 54,6 5 060,4 52,8 5 812,9 56,2
TRANSPORTE FERROVIÁRIO 529,8 8,8 769,1 11,7 720,7 10,1 642,2 8,5 524,9 6,2 632,2 6,7 750,8 7,3
Federai-RFFSA e DNEF (5) 400,6 6,7 541,4 8,2 565,0 7,9 377,3 5,0 272,2 3,2 378,3 4,0 409,4 4,0
Estadual-São Paulo (6) 85,3 1,4 158,4 2,4 90,4 1,3 130,3 1,7 101,8 1,2 102,2 1,1 102,4 1,0
CVRD (7) 43,9 0,7 69,3 1,1 65,3 0,9 134,6 1,8 150,9 1,8 151,7 1,6 239,0 2,3

TRANSPORTE JfARfTIMO 253,0 4,2 251,0 3,9 366, 1 5,2 404,5 5,4 632,1 7,5 641,6 6,7 441,4 4,3
Portos-DNPVN e APRJ (8) 55,9 0,9 36,9 0,6 83,0 1,2 147,5 2,0 204,8 2,4 239,0• 2,5 145,4• 1,4
Navios-SUNAMAM (9) 197,1 3,3 214,1 3,3 283,1 4,0 257,0 3,4 427,3 5,1 402,6 4,2 296,0 2,9

TRANSPORTE AÉREO 123,2 2,2 129,2 1,9 253,8 3,5 226,8 3,2 390,8 4,7 356,8 3,7 335,0 3,3
Aeroportos (10) 83,8 1,5 73,8 1,1 78,2 1,1 95,4 1,4 96,9 1,2 85,2 0,9 164,5 1,6
Aviões (11) 39,4 0,8 55,4 0,8 175,6 2,4 131,4 1,8 293,9 3,5 271,6 2,8 170,5 1,7

TOTAL 5 942,1 100,0 6 582,7 100,0 7 131,2 100,0 7 487,0 100,0 8 433,1 100,0 {) 575,0 100,0 10 336,1 100,0

FONTES: GEIPOT. Anuário E•tatlstico do• Tranaportes 1970. Anuário Estatlstico do Brasil. IBGE .
Nota: (1) 1960 - Cota DNER do FRN; 1961-70 - DNER (Relatório de 1970)
( 2) 1960-65 - GEIPOT; 1966-70 - DNER (Doe. - SCE)
( 3) 1960-70 - Cota dos Municípios no FRN
( 4) 1960-65 - Serviço de Estatistica dos Transportes; 1966-70 - GEIPOT (SCPD)
( 5) 1960-63 - Programa de Açil.o Imediata; 1964-70 - Relatórios anuais da RFFSA e do DNEF
( 6) 1960-70 - Estradas de Ferro do Estado de São Paulo
( 7) 1960-70 - Relatórios Anuais da Cia. Vale do Rio Doce
( 8) Execução Orçamentária
( 9) 1960-63 - Programa de Ação Imediata - MVOP; 1964-68 - Execução Orçamentária dos Orgão•

.
(10) 1960-65 - Relatório do BIRD de maiot65; 1966-68 - Relatório do BIRD dez./69; 1969-70 - Orçamento da 'C nião
(11) 1960-66 - Banco Central do Brasil· 1967-70 - Anuário Estatístico do Brasil - IBGE
<:0
-1 Ação d u Minist~rio dos Transportes - 1969/1970
Capítulo 11 - O PLANEJAMENTO EM TRANSPORTES *

Parte I

Aspectos Teóricos do Planejamento em Transportes

1. Introdução - a necessidade do planejamento econômico. 2. O se-


tor de transportes e o sistema econômico - as relações básicas. 3.
Objetivo de um plano de transportes. 4. Planejamento ao nível inter-
setorial - as relações do setor de transportes com os demais setores
da economia. 5. Planejamento ao nível setorial - relações entre as
diferentes modalidades de transportes. 6. Planejamento ao nível mo-
dal - a análise do emprego de recursos nas diferentes alternativas de
investimento de cada modalidade. 7. A expansão do sistema de trans-
portes no Brasil. 8. O sistema de transportes no Brasil e suas defi-
ciências.

1. Introdução - a necessidade do planejamento econômico


A história do século XX tem demonstrado que as economias subdesen-
volvidas ampliam bastante suas perspectivas de viabilidade a longo
prazo no processo de desenvolvimento quando conseguem: a) traçar
objetivos definidos e coerentes; b) estabelecer prioridades compatíveis
com aqueles objetivos; e c) utilizar, da melhor forma, sua dotação de
fatores de produção.
A necessidade de planejamento econômico independe do marco ins-
titucional ou do sistema político das sociedades, e corresponde à aspira-
ção geral de progresso material e padrões mais compatíveis de bem-estar
social.

* Trabalho preparado para palestra proferida em São Paulo, no I Simpósio de Admi-


nistração de Transportes na EAESP, Escola de Administração de Empresas de São Paulo,
da Fundação Getúlio Vargas e publicado em Revista de Administração Pública, Rio de
Janeiro, 5(1) :49-98, jan./jun. 1971.

99
As experiências bem sucedidas de desenvolvimento econômico no
nosso século evidenciam, ainda, a necessidade da formação de quadros
técnicos e administrativos de alto nível, bem como da destinação ma-
ciça de recursos para as atividades de pesquisa econômica e tecnológica.
Sem a formulação de objetivos definidos e sem uma consciência clara
das possibilidades de aproveitamento das suas aptidões, as sociedades
em desenvolvimento estarão condenadas à rígida dependência tecnoló-
gica exterior.
Não existe, porém, em muitos países em desenvolvimento, uma preo-
cupação amadurecida com a formação de quadros técnicos e adminis-
trativos estáveis que possam conduzir a bom termo o processo de plane-
jamento econômico durante vários períodos consecutivos. Sobrevindo
qualquer alteração de ordem política, por exemplo, as equipes são desti-
tuídas ou marginalizadas em suas atividades e especializações, cedendo
lugar a outras que elaborarão novos planos. É conveniente notar que
tais planos, muitas vezes, têm caráter acentuadamente promocional,
não correspondendo muitos dos seus objetivos à demanda real de maior
racionalidade econômica.
Como os planos carecem, geralmente, de um esquema de partici-
pação de representantes de empresários e de empregados ligados aos
diferentes setores de produção, torna-se difícil minimizar as decisões
de implementação de projetas de viabilidade econômica duvidosa, co-
muns na administração pública dos países em desenvolvimento. A exces-
siva burocratização do planejamento dificulta, portanto, maior realismo
e racionalidade nas decisões relativas a investimentos - notadamente
de infra-estrutura - pois, como se sabe, estas não estão ligadas, muitas
vezes, a necessidades empresariais e coletivas concretas ou a exigências
do desenvolvimento econômico nacional.
É claro que, apesar da substituição de planos, muitos dos objetivos
traçados e dos instrumentos de ação permanecem os mesmos, pois a
realidade econômica objetiva sobrepõe-se aos conflitos momentâneos na
superestrutura política e institucional. Mas isso se faz a um custo ele-
vado para as sociedades que não podem prescindir da atuação daqueles
quadros técnicos destinados a impulsionar seu desenvolvimento.
O planejamento em transportes, num país em desenvolvimento, tem
que ser visto não somente como parte desse conjunto de descontinuida-
des e limitações, mas também, como atividade que, por ser extremamen-
te complexa, enfrenta outras dificuldades que lhe são peculiares.

2. O setor de transportes e o sistema econômico


- as relações básicas
Sabe-se que no funcionamento do sistema econômico, o setor de trans-
portes desempenha papel fundamental prestando serviços absorvidos,
praticamente, por todas as unidades produtivas discriminadas no es-
paço econômico. Suprindo os outros setores de matérias-primas e in-

100
sumos em geral, deslocando mão-de-obra e distribuindo a produção
final, os serviços de transportes devem ser planejados numa economia
em desenvolvimento para atender, em geral, a uma demanda interme-
diária. Nestas economias, ao contrário do que se dá com as industria-
lizadas, o uso dos serviços de transportes apresenta maior homogenei-
dade, uma vez que se assemelha mais a insumos industriais, devido à
densidade ainda fraca de automóveis privados e da insignificante utili-
zação de transportes para fins sociais, militares, etc. 1 • Como os custos
do serviço de transporte incorporam-se aos custos de produção de outros
bens e serviços, daí tornou-se evidente que a sua operação deve-se fazer
da forma mais racional, em conformidade com as características econô-
micas de cada modalidade, de maneira que a prestação de serviços seja
feita ao menor custo econômico e com maior eficiência.
O investimento em transporte deve, por conseguinte, ser visto, numa
economia em desenvolvimento, como a soma de recursos disponíveis que
é desviada da produção corrente para gerar uma produção tipicamente
intermediária. Isso pode significar que os investimentos em transportes
serão, muitas vezes, condição necessária, mas não suficiente, para ace-
lerar o desenvolvimento econômico. -
Com efeito, o nível e a localização da demanda dos serviços de trans-
portes são influenciados pelo crescimento da produção e do consumo
de bens, vale dizer, pela existência de fluxo de transportes e de tráfego,
pela especialização da atividade económica e pelas modificações estru-
turais na economia 2 •
É necessário ressalvar, entretanto, que, absorvendo elevada propor-
ção da formação bruta de capital, os investimentos em trans-
portes não somente são condicionados pelo desenvolvimento econômico
geral, como também condicionam novas especializações, novos esque-
mas de divisão geográfica de trabalho, decorrentes da incorporação de
novos mercados. Não há dúvida, portanto, de que em virtude da absor-
ção geral dos serviços de transportes no processo produtivo, o setor-
transportes atua, muitas vezes, como determinante das atividades dos
demais setores, criando, de certa forma, a sua própria demanda.
Do ponto de vista das implicações monetárias do investimento em
transportes, deve-se lembrar que, nas economias em desenvolvimento,
pode gerar graves reflexos inflacionários uma excessiva concentração de
recursos nesses investimentos (sem que haja uma demanda real dos
mesmos). Assim, o setor público pode ser forçado a ampliar a d~po­
nibilidade interna de meios de pagamento ou mesmo a utilizar parte da
sua reserva de divisas para fazer face às pressões geradas por esses in-

1 ABOUCHAR, Alan. Public investment allocation and princing policy for transport-
ation. Instituto de Pesquisa Econômico-Social Aplicada (IPEA).
2 DAROS, Eduardo José. Os transportes no Brasil. Revista Brasileira de Transportes,
Rio de Janeiro, 2 (1) :23-36, jan./ mar. 1967.

101
vestimentos 3 • Por outro lado, quando se agravam as deficiências de
operação, os efeitos inflacionários passam a ser resultantes não so-
mente da necessidade de cobertura dos déficits operacionais, como tam-
bém da incorporação dos elevados custos de transporte aos custos dos
demais bens e serviços produzidos.
Cabe acrescentar, ainda, que numa economia em desenvolvimento
o investimento em transportes terá maior rentabilidade social na me-
dida em que contribuir efetivamente para a racionalização do uso do
capital escasso e/ou para absorção e, mesmo, transformação qualita-
tiva, do estoque de mão-de-obra.
Convenientes, a propósito, são algumas considerações relativas ao
aproveitamento da dotação de fatores de produção. De modo geral, nos
setores da economia onde prevalecem tecnologias ditadas pelas mais
recentes conquistas dos grandes centros industriais, torna-se pratica-
mente impossível sua adaptação às peculiaridades das economias em
desenvolvimento. É o caso dos investimentos em alguns setores indus-
triais bás\cos, tais como a siderurgia, a petroquímica, etc. Nesses casos,
o novo investimento, bem como a sua operação, estão mais rigidamente
condicionados à tecnologia vigente do que à dotação de fatores pro-
dutivos locais.
Sendo o setor de transportes, como foi visto, fundamental para a
atividade econômica, seus investimentos- e a operação futura,- desses
investimentos - deveriam, em princípio, condicionarem-se a padrões
tecnológicos e administrativos modernos. Acontece, entretanto, que nas
economias em desenvolvimento o setor de transportes, ao contrário dos
setores citados, não é considerado, muitas vezes, como produtor
de um insumo básico e, portanto, indispensável ao funcionamento do sis-
tema econômico. Isso, provavelmente, se deve aos limites impostos pelas
suas implicações óbvias de caráter social, político, de segurança nacional
e pela participação maciça do setor público nos seus investimentos e
operação.
Assim, muitos projetes de transportes, reconhecidamente inviáveis
do ponto de vista econômico, são freqüentemente implementados sob
justificativas de caráter político, estratégico-militar ou social. Além disso,
convém acrescentar que, devido à grande participação do setor público,
associam-se, em geral, investimentos em transportes a investimentos
sociais a fundo perdido (escolas, hospitais, melhoramentos sanitários,
etc.), para os quais, tradicionalmente, a remuneração dos recursos apli-
cados é, de certa forma, secundária.

3 Abouchar, Alan. A política de transportes e a inflação no Brasil. Instituto de Pes-


quisa Econômico-Social Aplicada (IPEA). Para Alan Abouchar, existe uma série de despesas
não justificadas que poderiam e deveriam ser eliminadas, uma vez que servem apenas
para a perpetuação de vários órgãos burocráticos governamentais. Segundo o autor, mesmo
depois de identificadas tais despesas e feitos os seus cortes, ainda restaria um déficit que
teria de ser combatido pelo lado da receita.

102
Convém notar, finalmente, que as deficiências na operação e nos
programas de expansão da capacidade do sistema de transportes não
se devem à atuação em si mesma do setor público, que tem mostrado
excepcional dinamismo e produtividade em outras atividades, mas ao
fato de esta atuação ocorrer através de segmentos arcaicos da ativi-
dade pública, ainda ligados a padrões de comportamento pré-industriais.

3. Objetivos de um plano de transportes

A expansão planejada de um sistema de transportes envolve o equacio-


namento de objetivos e instrumentos de ação num contexto de exigên-
cias e limitações extremamente complexo. O planejamento em trans-
portes, em primeiro lugar, não deverá nunca ser fim em si mesmo, mas,
sim, conjunto de meios para consecução de objetivos sócio-econômicos
mais amplos. Isso entretanto, não deve significar que os planos de in-
vestimentos de transportes se reduzam apenas a um conjunto de de-
cisões passivas, em relação às linhas de ação do planejamento global.
Com efeito, se de um lado o plano de transportes é sensível às
exigências e objetivos externos que emergem da estratégia global de-
finida para o desenvolvimento econômico, de outro lado, a função eco-
nômica de deslocar bens intermediários e finais no espaço tem objetivos
próprios que podem condicionar o próprio âmbito do planejamento
global.
Neste caso, o desenvolvimento econômico poderá exigir do sistema
de transportes objetivos econômicos de vários tipos, destinados a alcan-
çar vários resultados, a saber: a) facilitar a incorporação de recursos
naturais subutilizados ou não utilizados; b) estimular a produção indus-
trial; c) elevar os níveis de produtividade e facilitar o escoamento da
produção agrícola; d) estimular o desenvolvimento e a incorporação de
novas regiões através de projetas integrados. Poderá mesmo exigir obje-
tivos político-sociais, como por exemplo: maior integração nacional com
eliminação de tensões sociais e políticas resultantes do isolamento de
regiões; planejamento ou indução de movimentos migratórios; melhoria
dos padrões de atendimento social em regiões estagnadas e outras 4 •
O sistema de transportes deverá, entretanto, desempenhar sua fun-
ção de produtor de serviços intermediários de forma mais adequada à
sua operação econômica. Sendo assim, os objetivos internos do planeja-

4 Hutchinson, B. G. Transport planning and regional development. Engineering ]our-


nal, jan. 1967. B. G. Hutchinson adverte que os objetivos de um sistema de transportes consts-
tem num conjunto de definições operacionais, que identificariam as necessidades económicas e
sociais de uma coletividade, que o sistema deve procurar satisfazer. Os objetivos associados
com os sistemas regionais podem ser classificados em dois grupos: os internos, que se referem
às características operacionais do sistema em si, e os externos, que dizem respeito às de-
mandas funcionais impostas para o Sistema de Transportes pelo meio socioeconômico.

103
menta em transportes deverão ser: a) minimizar os custos operacionais
de prestação de serviço; b) minimizar os custos de capital; c) minimizar
o tempo de percurso; d) ampliar a segurança no transporte, etc. 5 •
Fica claro, por conseguinte, que os objetivos gerais da economia
estabelecem, muitas vezes, limitações às soluções ótimas de operação e
investimento do sistema de transportes. Isso significa que o sistema de
transportes estará sujeito a uma série de limitações de ordem física,
social, técnica, legal, etc. Um plano de transportes deverá ressaltar,
todavia, seus objetivos, internos, de tal forma que a função desempe-
nhada pelo sistema se sobreponha a decisões de caráter arbitrário, que
levam em pequena conta os aspectos econômicos da operação e dos in-
vestimentos.
Cabe assinalar, ainda, que a concretização de objetivos externos ao
plano de transportes implica na constituição em parte harmônica do
todo a que deve obedecer, qual seja a estratégia global de desenvolvi-
mento. Caso, entretanto, a estratégia não esteja bem definida e coerente
nos seus objetivos, a justificativa de projetas de transporte com base
em metas de desenvolvimento geral será sempre superficial, com grande
margem de riscos ou imprecisões para o futuro, certamente servindo
de pretexto para objetivos de caráter apenas promocional.
Sintetizando o já exposto, é de dizer que, para a indispensável
harmonia do plano de transportes com a estratégia de desenvolvimento,
é preciso ter presente que as diferentes etapas de desenvolvimento eco-
nômico exigem do sistema, além do desempenho de suas funções espe-
cíficas, uma expansão condicionada pelas próprias características do
desenvolvimento. Assim, os critérios de decisão da política de transportes
podem apresentar ênfase variável nos objetivos internos do seu planeja-
mento, de acordo com os estágios de desenvolvimento do país ou região.
Assim, por exemplo, o desenvolvimento de um sistema de comuni-
dades com um raio de comércio limitado em torno de vias navegáveis,
condicionaram, no Canadá, a construção de canais nos rios São Lou-
renço, Rideau e Ottawa, entre 1800 e 1850. Com isto, o objetivo implí-
cito na decisão era de prover o transporte de bens a um custo mínimo
de capital 6 • Nos Estados Unidos, a ocupação do meio-oeste e do oeste,

5 Odier, Lionel. Les interêts economiques des travaux routiers. Paris, Ministere des
Travaux Publics, 1962.
6 Hutchinson, B. G. Ibid. B. G. Hutchinson apresenta um quadro relacionando estágios
de desenvolvimento do Canadá com objetivos e critérios de decisão referentes ao sistema de
transportes, lembrando que o desenvolvimento envolve mudanças de valores e de atitudes.
Sendo assim, o técnico especialista em transportes pode ajudar estas mudanças, colocando
diante da coletividade alternativas significativas no sentido de ampliar suas aspirações. Seria
grave erro para o especialista ou planejador aceitar os objetivos correntes e o sistema de
valores e atitudes da coletividade como dados, no desenvolvimento de alternativas e soluções
de transportes. (0 anexo 1 do presente trabalho é baseado na idéia desenvolvida por esse
autor, no sentido de relacionar estágios de desenvolvimento com critérios de decisão e objeti-
vos se to riais) .

104
também entre 1850 e 1900, com o desenvolvimento de um comércio
extensivo, gerou investimentos no sistema ferroviário com o objetivo de
fornecer transoortes e estimular o desenvolvimento e a unidade nacio-
nal também a um custo mínimo de capital, diante das alternativas tec-
nológicas existentes. No Brasli, a consolidação dos estágios superiores do
processo de industrialização e a expansão acelerada da fronteira agrícola
do mercado interno 7 • Esses investimentos permitiram, igualmente, am-
pliar a oferta dos serviços de transporte ao menor custo de capital.
A industrialização acelerada do pós-guerra em muitos países euro-
peus e nos Estados Unidos colocou como objetivos básicos do planeja-
mento de transporte a redução dos custos de operação e manutenção,
o aumento da segurança e a redução dos tempos de percurso, com vis-
tas à maior racionalidade do processo produtivo. Em algumas economias
tipo welfare, as reduções na freqüência dos acidentes para a comuni-
dade e nos tempos de viagem para os usuários de veículos de passageiros
são realçadas, atualmente, em detrimento das próprias reduções nos
custos de operação dos veículos por quilômetro percorrido. Deve-se res-
saltar que dado o elevado nível de renda atingida nessas sociedades,
os objetivos do sistema de transportes passaram a ser tais que permitem
ênfase maior nos custos e benefícios sociais dos empreendimentos.
Atualmente, em países altamente industrializados, verifica-se, ainda, a
substituição de certas funções de transportes por sistemas especializa-
dos como oleodutos, condutores de granéis sólidos, facilidades urbanas
expressas, integração de sistemas receptores de carga, e outros.
Os exemplos são constatações, a posteriori, de como evoluiu o siste-
ma de transportes em economias hoje industrializadas. Não houve, em
muitas delas, evidentemente, um planejamento para se alcançarem os
objetivos e os critérios de decisão citados. Entretanto, nos países em de-
senvolvimento, onde coexistem etapas de desenvolvimento, em diferentes
regiões, o planejamento dos transportes poderá orientar-se por critérios
de decisões mais compatíveis com as características regionais e com as
necessidades do desenvolvimento nacional.
Assim, enquanto numa região o objetivo principal poderá ser o de
minimizar os custos de operação e tempo de percurso para prover ser-
viços de transportes mais eficientemente e em conformidade com as ca-
racterísticas econômicas de cada modalidade, em outra, a necessidade
de estimular o desenvolvimento econômico, promover a Unidade Nacio-
nal ou estabelecer suporte para projetos de colonização e ocupação ra-
cionais do Território, poderão colocar como objetivo central da expansão
do sistema de transportes o de cooperar com aquelas metas globais a
um menor custo de capital, assim maximizando os benefícios indiretos
dos investimentos.
7 Ver cap. 7, pp. 255-57.

105
4. Planejamento ao nível intersetorial - as relações do setor
de transportes com os demais setores da economia
Numa aproximação simplificada do problema, pode-se dizer que o pla-
nejamento de transportes envolve, primeiramente, o dimensionamento
e a combinação apropriada das capacidades futuras de prestação de
serviços pelas diferentes modalidades. Implica, em seguida, escalona-
mento das prioridades de investimentos que deverão atender ao cresci-
mento de uma demanda total e de demandas específicas por modali-
dades projetadas para o período de plano. O planejamento deverá levar
em consideração, ainda, a localização espacial da demanda futura, se-
gundo as diferentes necessidades das regiões que compõem o espaço
econômico nacional.
Para a determinação futura do nível e da localização da demanda
total dos serviços de transportes, torna-se necessário o conhecimento
dos incrementos na produção e no consumo aos níveis intermediários e
final, das modificações na estrutura econômica e na especialização de
atividades que acompanham o crescimento do sistema econômico. Os
principais elementos que afetam os níveis e os ritmos de crescimento
na produção e no consumo são: a) o crescimento populacional e as alte-
rações na participação e composição da população ativa; b) a descoberta
e a incorporação de novos recursos naturais ao processo produtivo; c)
acumulação de capital; e d) introdução de novas técnicas no processo
de produção. Por outro lado, as modificações e diversificações na estru-
tura de demanda de bens e de serviços dependerão de: a) crescimento
do nível de renda e alterações na sua distribuição; b) alterações na
dimensão e na composição etária da população; e c) alterações nos
padrões de consumo e evolução da propensão para consumir 8 •
Cabe salientar que as alterações na estrutura econômica que acom-
panham o processo de desenvolvimento - e que têm grande importância
para o planejamento de transportes - se refletem, ainda, na intensi-
ficação do processo de urbanização, através do deslocamento maciço
da mão-de-obra da agricultura para as indústrias e serviços urbanos,
além da intensificação das taxas de crescimento da produção indus-
trial. Tanto as modificações nas disponibilidades de fatores de produção
quanto na estrutura da demanda e da produção estão associadas aos
aumentos sucessivos da produtividade do trabalho e dos níveis de renda
real da economia.
Por conseguinte, a previsão do nível e da localização futura da de-
manda dos serviços de transportes é feita a partir das projeções macro-
econômicas - e, sempre que possível, regionalizadas - de população,
emprego, renda, consumo, produção física para os setores agrícola e
industrial, exportação e importação, variáveis essas que fazem parte
da estrutura básica de um plano de desenvolvimento.
8 Meier, Gerald & Baldwin, Robert. Economic development - theory, history and
policy, New York, John Wiley & Sons, 1963. Introdução e parte 1.

106
A importância do planejamento intersetorial evidencia-se, ainda,
nos problemas relativos à localização industrial. O desenvolvimento dos
transportes e a localização industrial devem ser estudados conjunta-
mente, a fim de que os fluxos provenientes dos centros de matérias-pri-
mas, e destinados aos suprimentos dos pólos de produção ou o movi-
mento dos fluxos de produtos finais originados nos complexos indus-
triais e destinados aos centros consumidores, façam-se de forma a mais
racional possível. Por outro lado, é necessário o estudo da localização
dos pólos industriais para que a determinação das capacidades futuras
de transportes esteja de acordo com a localização potencial dessas
indústrias. Com efeito, o padrão do desenvolvimento industrial e a loca-
lização de novos empreendimentos exercem no tempo uma decisiva in-
fluência sobre o montante e distribuição dos investimentos em trans-
portes. Sabe-se, ainda, que em grande número de atividades industriais
há uma forte correlação entre a eficiência nos serviços de transporte
e a capacidade de atingir níveis ótimos de produção.
Uma seleção deficiente de prioridades em projetes de transporte,
ou mesmo uma má distribuição de recursos entre modalidades, pode,
por sua vez, afetar as decisões de localização de complexos industriais,
arcando a economia nacional, no futuro, com os ônus daquela seleção 0 •
Por outro lado, em relação ao setor agrícola, um planejamento racional
de investimentos rodoviários pode estimular, por exemplo, a expansão
ordenada de fronteira agrícola, incorporando ao processo econômico
novas áreas de ocupação.
Cabe ressaltar que, no âmbito de um planejamento econômico
global, que busca o desenvolvimento cumulativo e autônomo de uma
economia onde existem desequilíbrios estruturais, o planejamento de
transportes desempenha função de grande importância nas possibilida-
des de geração de acréscimos de renda, de melhoria do bem-estar social
e mesmo no estímulo de novas possibilidades de progresso tecnológicos.
Como o investimento em transportes se constitui, em geral, na mais
importante parcela setorial da formação bruta de capital numa eco-
nomia em desenvolvimento, desempenha papel fundamental numa es-
tratégia global de crescimento econômico. Assim, uma limitação no vo-
lume destes investimentos ou uma falta de racionalidade na destinação
de recursos podem constituir-se em estrangulamento das possibilidades
da expansão da economia, devido, por exemplo, à carência de ligações
entre centros industriais e mercados potenciais, dificuldades de escoa-
mento permanente da produção agrícola, limitações das exporta-
ções, etc.
Isso porque a importância do setor de transportes não reside so-
mente no tipo de serviço intermediário que presta à grande maioria
dos seus usuários, mas, em certa medida, nas conseqüências mais di-
fundidas que dele resultam, tais como a incorporação de novos mer-

9 Dares, Eduardo José. Ibid.

107
cactos, estímulos à atividade econômica, elevação dos níveis de produ-
tividade, integração econômica permitida pelos maiores vínculos entre
atividades rurais e urbanas, etc.
Os investimentos, nesse setor, apresentnm ainda a característica
marcante de envolver períodos longos de maturação. Sendo assim, esses
investimentos devem orientar-se para além das necessidades quantita-
tivas presentes e previstas do siStema econômico, levando em conta,
também, as possibilidades de modificações estruturais e as alterações
tecnológicas futuras.
Nesse nível de planejamento situa-se, também, a preocupação bá-
sica com a aplicação de recursos escassos. Essa aplicação deve ser feita
ao mesmo nível de eficiência que em outros setores. Uma vez que o
planejamento em transportes está inserido num plano global de desen-
volvimento, é necessário saber se a aolicacão de recursos em transportes
corresponde à forma realmente mais produtiva diante de outras alter-
nativas econômicas e mesmo sociais.
A preocupação com a aplicação de recursos deve ser particular-
mente importante nas economias em desenvolvimento. Com efeito, o
setor de transportes, nessas economias é pressionado - talvez mais que
os demais - por certas considerações de ordem política, social e estra-
tégica, tanto na ampliação da sua capacidade quanto na sua operação,
pelo fato de ser largamente operado pelo setor público ou dependente
de recursos do mesmo. Todavia, sendo um setor da economia ligado à
operação de praticamente todas as unidades produtivas, como foi visto,
é necessário manter condicões mínimas de racionalidade e inte!Iracão
no seu funcionamento parã evitar distorções econômicas em cadeia 10 •
Nas economias em desenvolvimento, o recurso escasso é geralmente
o capital. Entretanto, o preço de capital raramente reflete a sua escas-
sez, quando se trata da construção da infra-estrutura de transportes
nessas economias. Com exceção dos investimentos nas frotas de veículos,
os recursos para o financiamento de investimentos de infra-estrutura
não são obtidos no mercado de capitais. Provêm, de um modo geral,
dos orçamentos ou dos fundos governamentais criados especificamente
para seu financiamento .

10 Daros, Eduardo José. Ibid. Eduardo Daros chama atenção para as distorções resul-
tantes de uma política de preços que não traduza os custos reais totais dos vários serviços de
transportes. Estas podem ocorrer de três maneira: a) entre serviços de uma mesma modalida-
de; b) de modalidades distintas; e c) entre setores de produção. No primeiro caso, as distor-
ções resultam do fato de certos serviços pagarem os déficits de outros, não havendo déficit
no conjunto de uma mesma modalidade. A distorção intermodal surge quando o Governo
adota política discriminatória entre as várias modalidades. Normalmente as distorções inter-
modais são acompanhadas de distorções entre serviços numa mesma modalidade. Finalmente
a distorção intersetorial surge quando o setor de transportes, em conjunto, é subvencionado
pelo resto da economia. Este último tipo de distorção não tem necessariamente de ser
acompanhada das demais.

108
Para a avaliação dos investimentos em transporte, relativamente a
outros investimentos, é necessário levar em conta o conceito de custo
de oportunidade do capital. Com efeito, diante da escassez de recursos
para investimento, torna-se necessário, na aplicação de recursos na in-
fra-estrutura de transportes, saber se a remuneração resultante do seu
emprego será pelo menos tão alta quanto a remuneração de investimen-
tos alternativos. Daí resulta a necessidade de usar uma taxa de desconto
que reflita a remuneração do capital que poderá ser esperado, num ní-
vel acima das taxas de juros cobrados pelo Governo para financiar ser-
viços públicos e abaixo das taxas que os empresários pagariam por
empréstimos a longo prazo 11 •
Por conseguinte, no planejamento de transportes é necessário bus-
car uma racionalidade na estrutura de preços, tanto para os recursos
destinados a financiar investimentos, quanto para os próprios preços
dos serviços. Os projetas de investimento de transporte devem ser sub-
metidos, portanto, à avaliação econômica, como qualquer outro projeto
de investimento setorial.

5. Planejamento ao nível setorial - relações entre as


diferentes modalidades de transportes

Osistema de transportes que serve a um espaço econômico nacional


compreende diversas modalidades. A capacidade de prestação de ser-
viços deve ser desenvolvida tanto no sentido de atendimento das de-
mandas específicas de cada modalidade quanto no sentido de manu-
tenção de um equilíbrio entre a capacidade de atendimento individual
e a demanda total.
Assim, os investimentos planejados para ampliar a capacidade de
prestação de serviços das diferentes modalidades devem ser distribuí-
dos de tal forma que a demanda total dos serviços de transportes seja
atendida mais racionalmente a um custo econômico menor para as
atividades produtivas.
:É fundamental, nesse estágio de planejamento, que haja coordena-
ção dos investimentos, fazendo-se com que a capacidade das diferentes
modalidades seja desenvolvida como serviços complementares que

11 Adler, Hans A. Avaliação econômica de projetas de transporte. Revista Brasileira


de Transportes, jan./mar. 1967. Assinala Hans A. Adler que os juros realmente pagos consti-
tuem o custo financeiro do capital, o que freqüentemente não tem nenhuma relação com o seu
custo econômico, isto é, o custo de oportunidades do capital. Fundos de investimentos para
transportes supridos pelo Governo, freqüentemente, são postos à disposição em valores abaixo
do custo para o Governo. Ainda que cubram os custos, estes não refletem os custos econômicos
se os fundos forem obtidos compulsoriamente pelo Governo, direta ou indiretamente (p. ex.
através de impostos ou por obrigações que emprestam ao Governo abaixo dos índices de
mercado). Os fundos obtidos do exterior, por sua vez, implicam freqüentemente, taxas de
juros substancialmente inferiores ao custo de oportunidades do capital em países menos
desenvolvidos.

109
apresentem características próprias e vantagens comparativas específi-
cas. A rigor, o sistema de transportes em seu conjunto deve ser visto,
em cada etapa do processo de planejamento, como uma estrutura inte-
grada, sendo que em termos G.e inter-relação de cada modalidade com
as demais devem ser levadas em conta as possibilidades de especiali-
zação individual na prestação de serviços.
Cabe ressaltar que o planejamento dos investimentos se faz, em
geral, sobre uma rede já existente. Todas as decisões tomadas no pas-
sado relativamente à distribuição de recursos, bem como as distorções
existentes no atendimento da demanda, são dados para o planejamento
que não podem ser corrigidos a curto prazo 12 •
Além disso, o planejamento tem que levar em consideração a evo-
lução da rede de transportes existente, com sua história específica e o
papel desempenhado pelas modalidades, uma por uma, nas diferentes
etapas do desenvolvimento económico do País. É de grande importância,
igualmente, a análise das alterações estruturais verificadas no sistema
económico e de seus efeitos sobre a demanda de transportes, em geral,
e das características próprias de cada modalidade, em particular.
É conveniente esclarecer que, ao longo do tempo, verificam-se alte-
rações na composição da demanda dos diferentes serviços de transpor-
tes. Isso se deve, em parte, às alterações nas demandas específicas, que
resultam das próprias condições técnicas de melhor atendimento dos
acréscimos de fluxos. Mas, em parte, também, essas alterações são de-
vidas a distorções nos custos relativos com que as demandas são aten-
didas. Torna-se importante, portanto, além do planejamento adequado
dos investimentos, uma programação da política tarifária que permita
uma operação integrada do sistema de transporte dentro da perspectiva
de complementaridade intermodal mencionada anteriormente. Assim,
o usuário, ao pagar a tarifa do serviço, deve pagar efetivamente os
custos reais de sua prestação. Com isso, tornam-se mais visíveis às si-
tuações de complementaridade ou de competição intermodal.
Dentro do objetivo de coordenação, expresso na situação-limite em
que a demanda total deva ser atendida a um custo económico menor
para as atividades produtoras, é necessário que a demanda total seja
distribuída pelas diferentes modalidades de transporte da maneira mais
racional. Assim, examinam-se, nesse nível de planejamento, os fluxos
globais de mercadorias e passageiros, traduzidos em tráfego existente
e prevê-se a distribuição futura, isto é, que parcela da demanda será
atendida pelas diferentes modalidades, uma a uma.
O aperfeiçoamento do planejamento intermodal e as suas possibili-
dades de sucesso dependem, basicamente, da elaboração de um con-
junto de estudos de natureza técnico-económica. Esses estudos permi-
tirão complementar as projeções e estimativas provenientes do plane-
jamento global com dados mais concretos relativamente aos fluxos de
12 Duncan, Peter Douglas. A estrutura de planejamento para o setor transportes. Re-
vista Brasileira de Transportes, jul./ set. 1966.

110
transportes. É possível afirmar, com efeito, que somente através desses
estudos é que os planos de transportes podem ser integrados efetiva-
mente aos planos globais. Os estudos técnico-econômicos deverão per-
mitir, primeiramente, uma identificação geral das necessidades de trans-
portes, através de estudos detalhados das tendências futuras de deslo-
camentos dos fluxos de um conjunto de mercadorias agrícolas, extra-
tivas e industriais escolhidas. De modo geral, um número pequeno de
mercadorias (de 15 a 20) corresponde ao grosso de utilização da capa-
cidade das diferentes modalidades de transportes.
Para cada mercadoria o estudo é feito nos seguintes estágios:
a) condições correntes e localização mais importantes da pro-
dução;
b) condições atuais do consumo com análise da destinação dos
fluxos atuais por modalidades de transportes para os centros de consu-
mo mais importantes;
' c) sistemas de distribuição, estocagem e armazenamento da mer-
cadoria;
d) hipótese das tendências futuras da produção, do consumo e do
deslocamento dos fluxos, tendo em vista a distribuição mais racional
dos fluxos pelas diferentes modalidades.
Após a realização dos estudos de mercadorias e uma vez determi-
nados os principais fluxos futuros, esses são consolidados para que o
conjunto de fluxos seja distribuído preliminarmente pelas diferentes
modalidades nas rotas mais importantes.
Esta distribuição preliminar é feita com base no estudo da deman-
da atual dos serviços de transporte, refletida na distribuição do tráfego
de mercadorias e passageiros, pelas modalidades. Além disso, é estudado
exaustivamente o sistema de transporte atual, refletido nas diferentes
características administrativas, físicas, operacionais e financeiras das
diferentes modalidades. São feitos, a segÜir, estudos de custo do servi-
ço, examinando-se os custos de modalidades alternativas, de forma que
fiquem relacionadas as vantagens comparativas de cada modalidade. Os
estudos de custos, complementam, portanto, aqueles de mercadorias,
permitindo aperfeiçoar as projeções de distribuição do tráfego pelas
modalidades.
Cabe ressaltar, finalmente, um outro grupo importante de estudos
que se constituem naqueles que: a) relacionam grandes projetas de lo-
calização industrial com as necessidades de transporte futuras e b)
calculam a capacidade futura de transporte necessária para imple-
mentar planos de desenvolvimento regional em regiões selecionadas, que
possuem elevado potencial de expansão das atividades agropecuárias e
extrativas. Note-se que esse grupo de estudos é de grande importância
nos países em desenvolvimento com disponibilidades de recursos natu-
rais e mão-de-obra para serem incorporadas ao processo de desenvolvi-
mento mediante a seleção de projetas integrados de transportes, colo-
nização, expansão agropecuária, mineração, etc.

111
6. Planejamento ao nível modal - a análise do emprego de
recursos nas diferentes alternativas de investimento de
cada modalidade
Esse é o nível mais concreto do processo de planejamento em transpor-
tes. Nele são analisados os empregos de recursos nos diferentes investi-
mentos de cada modalidade. Para cada uma é feita uma análise exaus-
tiva do equilíbrio entre a capacidade instalada e o atendimento da de-
manda, análise de compatibilidade da mão-de-obra disponível com a
eficiência na prestação dos serviços, análise de política de preços e pro-
blemas de organização e administração 13 •
O planejamento nesse nível leva em conta, de forma detalhada, as
características tecnológicas e os custos de prestação dos serviços na
modalidade estudada. É feito a partir da comparação dos serviços esti-
mados com suas características técnicas e seus custos e, também, após
a divisão de tráfego para as diferentes modalidades previstas numa
situação futura em que prevalecerá maior racionalidade na prestação
dos serviços.
Além da minuciosa análise dos problemas relativos à operação e à
política tarifária, são feitas análises benefício-custo dos investimentos
necessários ao aumento da caoacidade de atendimento da demanda ou
à extensão da rede. -
Com base nas análises benefício-custo dos projetas, formulam-se
programas de investimentos - consolidados em Planos-Diretores para
cada modalidade, de acordo com as prioridades estabelecidas pelas rela-
ções mais altas fixadas naquelas análises. Tal programa deverá sofrer
correções ao longo do período de plano, em função das próprias altera-
ções que se verificam na demanda dos serviços específicos de cada mo-
dalidade.
Assim, como o objetivo principal do planejamento ao nível inter-
setorial é o de proceder à quantificação e à localização da demanda total,
bem como à destinação de recursos ao setor de transportes frente a
outras alternativas setoriais para o planejamento ao nível setorial, o
objetivo do planejamento ao nível modal consiste em fornecer: a) as

13 Duncan, Peter Douglas. Ibid. Peter D. Duncan lembra que a análise detalhada
da operação e do estabelecimento de preços de serviços de transportes, correntemente ofer-
tados por uma modalidade particular, fornece o ponto inicial de estudo do aperfeiçoamento
da modalidade para alcançar o crescimento previsto da demanda de seus serviços. Para
ferrovias, portos e navegação, freqüentemente se chegará à conclusão de que os melhora-
mentos substanciais, tanto em serviço quanto em capacidade podem ser feitos por mudanças
organizacionais e aperfeiçoamento técnico envolvendo relativamente poucos novos investi-
mentos. Isto já não acontece com o transporte rodoviário que, em virtude da sua grande
flexibilidade, de seu crescimento relativamente recente e da natureza privada de proprie-
dade dos veículos, tende a operar mais competitivamente e mais eficientemente do que as
modalidades citadas.

112
indicações da natureza e características tecnológicas e b) os custos dos
serviços dentro de uma estrutura de preços racional, também, para
aquele nível de planejamento.
Dessa forma, a etapa mais complexa do processo de planejamento
em transportes, para onde convergem as informações dos níveis mais
abstratos e mais concretos, é a da coordenação dos programas de inves-
timento e das políticas de operação das diferentes modalidades no âm-
bito de um plano setorial.
É fundamental, portanto, no processo de planejamento em trans-
portes uma visão coordenada das várias modalidades, notadamente da
ferroviária e rodoviária, além de uma integração de política aos níveis
federal, estadual e municipal para o alcance de maior integração re-
gional do sistema de transportes.
Por outro lado, o acompanhamento dos custos relativos das dife-
rentes modalidades e a concepção de uma política tarifária integrada
dependem, além de uma contabilidade de custos adequada ao nível de
empresa, de uniformidade no tratamento do problema pelas várias au-
toridades envolvidas quer quanto a definições e critérios, quer quanto a
métodos de análise.

14
7. A expansão do sistema de transportes no Brasil

Na fase em que predominou, como elemento determinante da geração


e crescimento da renda, a exportação de produtos primários, as ativi-
dades econômicas no Brasil caracterizaram-se por uma acentuada con-
centração numa estreita faixa litorânea com acesso ao sistema de na-
vegação de longo-curso. Os investimentos em transportes foram feitos
nas düerentes regiões no sentido de permitir o escoamento da sua pro-
dução primária para o principal porto regional, da maneira mais efi-
ciente. Por outro lado, a integração longitudinal dos diferentes pólos
de exportação se fazia através da navegação de cabotagem.
Nesse sentido, o sistema de transportes adquiriu uma feição na
qual havia uma complementaridade dos sistemas ferroviário e de na-
vegação de cabotagem. Com vistas aos objetivos de exportação, as redes
ferroviárias expandiram-se isoladamente, segundo sistemas regionais
que ligavam os importantes centros de produção e comercialização agrí-
cola aos portos regionais. A grande quantidade de portos no litoral bra-
sileiro, com diferentes capacidades, e muitas vezes, próximo uns dos
outros, indica, por sua vez, que a navegação de cabotagem desempenhou
um importante papel na integração longitudinal dos pólos exportadores
regionais 15 •

14 Para uma visão mais compreensiva da expansão do sistema de transpOI'tes no Bra-


sil no contexto do recente desenvolvimento econômico, ver anexo I.
Ui Ver cap. 1, pp. 27 a 51.

113
Com a acelerada industrialização, através de um processo de subs-
tituição de importações, o sistema de transportes teve que fazer frente
aos fluxos adicionais de bens intermediários e finais, para atendimento
do mercado interno. A expansão da capacidade de transportes se fez
através de maior participação do transporte rodoviário no deslocamen-
to dos fluxos resultantes da rápida expansão da oferta final. Começa-
ram a surgir as primeiras rodovias-tronco interestaduais, em geral pa-
ralelas à.s ferrovias e suplementando a capacidade de transporte dessas
últimas.
A capacidade de transporte das ferrovias era determinada pelos flu-
xos de exportação de produtos primários. O movimento de retorno de
produtos manufaturados- em geral importados- apresentava maior
valor por unidade de peso e requeria a utilização de menor capacidade.
Com a industrialização aumentaram os fluxos de produtos primários
agora necessários para o mercado urbano em expansão e os fluxos de
manufaturados. O alto valor desses últimos justificava a suplementação
da capacidade de transporte através das rodovias.
Com a consolidação dos estágios superiores do processo de indus-
trialização (produção de insumos básicos, bens de consumo durável e
bens de capital), verificou-se, também, a consolidação do mercado na-
cional. A expansão da fronteira agrícola com a ocupação de novas terras
permitiu a continuidade no suprimento de matérias-primas e alimentos
para a expansão industrial. Por outro lado, as manufaturas produzidas
passaram a atingir pontos cada vez mais remotos no Território Nacio-
nal. O transporte rodoviário desempenhou papel fundamental nesse es-
tágio do desenvolvimento econômico. Verificou-se nesse período, a con-
solidação de um sistema rodoviário de âmbito nacional. Cumpre res-
saltar que a implantação da indústria automobilística nessa época,
determinando um incremento substancial na frota de veículos, contri-
buiu decisivamente para o maior peso relativo do tráfego rodoviário
no atendimento da demanda total dos serviços de transporte 1 c .
Pode ser dito, por conseguinte, que simultaneamente com a inten-
sificação dos fluxos de carga resultante da expansão da oferta final -
entre 1947 e 1968 o PIB cresceu a uma taxa média anual de 5,9 % e o
Produto Industrial a 8 % - houve, também, uma intensa substituição
intermodal em favor do transporte rodoviário 17 •
A expansão excessiva do sistema rodoviário situa-se cumulativa-
mente como efeito e causa da deterioração dos sistemas ferroviário e de
navegação costeira. Com efeito, a proliferação de novos investimentos
rodoviários ao mesmo tempo que atenderam à pressão da demanda pelos
serviços de transporte, oferecendo um ajustamento expost, a partir de

lGV. cap. 7, p. 258, 260.


17Entre 1950 e 1966 o crescimento do tráfego rodoviário de carga, em toneladas-
quilômetro transportadas, se fez a uma taxa média anual de 10,2%, enquanto que o cres-
cimento do tráfe~o nas demais modalidades se fêz a apenas 4 ,6 %.

114
certo ponto a própria ampliação exagerada do transporte rodoviário na
composição da demanda passou a dificultar, também, as condições de
recuperação das demais modalidades 18 • Chegou-se, em meados da dé-
cada dos 60, a uma situação de hipertrofia do sistema rodoviário que
implicou, concretamente, o transporte ineficiente de muitos bens, dis-
torcendo a função econômica específica dos transportes, principalmente
nas regiões de maior desenvolvimento. Assim, o sistema de transportes
chegou a constituir-se num obstáculo às próprias possibilidades de de-
senvolvimento econômico.
Atualmente, numa fase de desenvolvimento em que se busca a ex-
pansão do mercado interno, através da incorporação de grupos popu-
lacionais à dinâmica do consumo de massa e o aumento do poder de
competição de produtos nacionais- especialmente dos manufaturados
- no mercado externo, cabe ao sistema de transporte, principalmente
na parte mais desenvolvida do País (centro-sul) operar dentro de maior
integração e coordenação setorial, com vistas ao atingimento de me-
lhores padrões de eficiência para não converter-se em fator de inibição
da nova dinâmica do desenvolvimento.
Dado, entretanto, a grande complexidade do espaço econômico bra-
sileiro, o sistema de transportes deverá favorecer a integração progres-
siva dos espaços circundantes dos núcleos industriais mais dinâmicos,
através de melhor distribuição espacial da atividade econômica. Para
isso, os investimentos em transporte deverão complementar as ações
governamentais no sentido de fortalecimento de blocos de investimentos
que resultem na criação de pólos de desenvolvimento de âmbito nacio-
nal ou regional.
Nas regiões mais desenvolvidas do País, portanto, as preocupações
básicas do planejamento em transportes devem ser:
a) aumento de eficiência do funcionamento das redes principais,
através da incorporação de tecnologia moderna ao transporte, embar-
que e desembarque de grandes massas;
b) estímulo à racionalização na distribuição espacial da atividade
econômica e ao melhor aproveitamento da rede principal através de
investimentos em sistemas de alimentação.
Nas regiões periféricas, por sua vez, o planejamento deve evoluir
no sentido de:
a) permitir a integração progressiva das regiões estagnadas ou
decadentes ao processo de desenvolvimento nacional;
b) apoiar projetas ou programas de desenvolvimento regional, co-
lonização ou ocupação racional do território nos quais os investimentos
no transporte participam como complementação de blocos de investi-
mento.

18 V. cap. 1, pp. 19-25.

115
8. O planejamento de transportes no Brasil e suas
deficiências
Sendo bastante recente, no Brasil, a experiência em planejamento glo-
bal, o planejamento em transportes ao nível intersetorial restringiu-se
apenas a alguns planos de desenvolvimento econômico 19 • Assim, o Plano
Trienal de Desenvolvimento Econômico-Social (1963-1965) incluiu o Se-
tor de Transportes no Programa Global de Investimentos com a desti-
nação de recursos para as diferentes modalidades, sem descer ao nível
de projetas prioritários. O Plano fez recomendações sumárias de medi-
das institucionais necessárias à reestruturação operacional do setor. Já
se chamava a atenção na época para a necessidade de revisão tarifária
dos serviços e a criação do Ministério dos Transportes para a coordena-
ção mais efetiva da política setorial. Já o Programa de Ação Econômica
- PAEG (1964-1966) estabeleceu um escopo mais detalhado de inves-
timentos para seu período de vigência e propôs linhas de ação mais
concretas para a recuperação econômica e operacional do sistema nacio-
nal de transportes. Sabe-se que este, em 1964, já havia quase atingido
a situação de colapso, principalmente no que diz respeito às operações
ferroviária, marítima e portuária.
Embora o setor de transportes não apareça explicitamente como
setor prioritário de atuação governamental nesses dois Planos, o fato
é que, em ambos, a política de redução do déficit de caixa do Governo
Federal implicou necessariamente propósitos de reorganização ou de
reestruturação do sistema de transporte. Este contribuiu de forma de-
cisiva, através das subvenções concedidas diretamente pelo setor pú-
blico para cobertura dos déficits operacionais dos serviços ferroviário,
portuário, marítimo e aéreo, além da elevada soma de recursos desti-
nados ao setor rodoviário- que se constituíram, na realidade, em um
subsídio indireto - por uma insuficiente contribuição do usuário na
cobertura dos custos de capital e manutenção. Isso tanto na sua parte
operacional, quanto na própria política de investimentos.
O Programa Estratégico de Desenvolvimento (1958-1970) por sua
vez, definiu a infra-estrutura econômica, em geral e a de transportes,
em particular, como área estratégica de prioridade de investimentos.
Esse Plano foi além da simples destinação de recursos para o setor e
da listagem de medidas de caráter operacional e administrativa. Com
efeito, houve uma preocupação em situar o setor de transporte como in-
tegrante do bloco de setores dinâmicos que proporcionariam, ao lado da
demanda e ao lado da oferta dos seus serviços, condições favoráveis para
expansão do Produto Interno Bruto a taxas elevadas 20 .

19 Uma análise mais detalhada dos objetivos gerais e específicos para transportes dos
planos governamentais, acompanhada de uma avaliação sumária dos seus resultados, é feita
na parte II deste trabalho.
20 Ministério do Planejamento e Coordenação-Geral. Programa estratégico de desen-
volvimento - transportes. set. 1969.

116
No que diz respeito ao planejamento setorial constata-se que o sis-
tema de transportes no Brasil evoluiu historicamente à margem de qual-
quer tipo de integração ou coordenação intermodal. Analisando-se a
situação do sistema de transportes no Brasil antes de 1965, verifica-se
que, durante pelo menos 15 anos, houve deterioração dos transportes
ferroviário e marítimo de cabotagem em favor de uma expansão des-
proporcional do sistema rodoviário. Essa expansão deveu-se- além da
acumulação contínua de distorções na estrutura da demanda, permi-
tida pela ausência de critérios econômicos nas decisões de investimentos
modais- à conjugação de fatores peculiares ao desenvolvimento econô-
mico brasileiro, vista anteriormente.
Poderia verificar-se, já na época, que a hipertrofia do sistema ro-
doviário, motivando uma excessiva concentração da demanda nos seus
serviços, culminaria, inevitavelmente, no transporte ineficiente e nos
custos econômicos elevados no deslocamento dos fluxos resultantes da
industrialização.
Somente a partir de 1965 foi iniciada a fase de planejamento seto-
rial. Essa atitude constituiu resultado de recomendações contidas em
diagnóstico preparado por uma equipe especializada no Banco Mun-
dial. Efetuou-se um levantamento completo da situação econômica na-
cional, tendo sido as deficiências operacionais dos serviços de transportes
e a orientação deficiente da política de investimentos apontadas como
sérias restrições às possibilidades de expansão da economia.
Com a criação do Grupo Executivo de Integração da Política de
Transporte- GEIPOT - foi realizada uma série de estudos setoriais,
desenvolvidos em duas fases. A fase I, iniciada em outubro de 1965, com-
preendeu a realização de Planos-Diretores rodoviários para quatro Esta-
dos (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Minas Gerais), um
Plano de ação para ferrovias brasileiras, inclusive as ferrovias do Es-
tado de São Paulo, estudos gerais sobre os portos do Rio de Janeiro,
Santos e ~ecife e o estudo sobre a situação da navegação de cabotagem.
A fase II, iniciada em 1967 e concluída em 1969, comnreendeu a reali-
zação de Planos-Diretores rodoviários para os demais Estados não abran-
gidos pela fase I, com exceção dos Estados de Amazonas, Pará, Acre e
Territórios. Durante as duas fases foram, também, realizados estudos
específicos da viabilidade técnico-econômica para determinadas rodo-
vias, inclusive o anel rodoviário da cidade de São Paulo.
No planejamento ao nível de modalidade, a atuação dos órgãos de
transportes restringiu-se sempre à elaboração de projetas de engenha-
ria específicos sem preocupação com a avaliação econômica dos mes-
mos, além de ausência de integração desses projetas nos de outras mo-
dalidades.
Mesmo após iniciados os primeiros estudos do GEIPOT com vistas
ao planejamento do setor de transportes, persistiu a falta de coordena-
ção entre os diversos órgãos que atuaram na mesma modalidade ou
em modalidades complementares, todos eles empenhados em programas

117
próprios de investimentos. Cabe lembrar que neste nível de planeja-
mento houve a experiência precária do Plano Nacional de Viação, e
seus desdobramentos por modalidade, que, a rigor, jamais teve carac-
terísticas de Plano. Na verdade, o PNV jamais elaborou cronogramas de
execução da parte física dos investimentos nem destinou recursos para
financiamento de obras escolhidas como prioritárias.
Finalmente, é importante fazer referência à conhecida duplicação
de tarefas e atribuições dos diversos órgãos que operam na mesma es-
fera, ao nível de cada modalidade. Isso sempre constituiu, evidentemen-
te, um entrave ao aperfeiçoamento do próprio planejamento e à busca
de maior racionalidade econômica nesse nível.
Sintetizando, é possível dizer que, no processo de planejamento dos
transportes, no Brasil, deve-se evoluir para uma situação em que caiba
ao Ministério do Planejamento e Coordenação-Geral: a) a determinação
das necessidades globais de serviços de transportes, dentro do contexto
do desenvolvimento geral; b) a coordenação dos investimentos no setor
de transportes com os demais setores da economia; e c) o estabeleci-
mento de diretrizes gerais para a análise dos projetas de investimentos.
Ao Ministério dos Transportes por sua vez caberia: a) coordenação
e compatibilização dos investimentos entre as diferentes modalidades,
isto é, o planejamento no nível setorial e b) a avaliação dos méritos
relativos e o estabelecimento de prioridades para os projetas especí-
ficos, isto é, o planejamento no nível de modalidade.

118
Parte 11

Metas dos Planos governamentais para transportes

1. Plano da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (1951/52). 2. Pro-


grama de Metas (1956/ 60). 3. Plano Trienal de Desenvolvimento Eco-
nómico-Social (1963/ 65). 4. Programa de Ação Económica do Governo
- PAEG (1964/ 66). 5. Programa Estratégico de Desenvolvimento -
PED (1968/70).

1. Plano da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (1951/52)


A) Objetivos gerais do Plano
Plano da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, elaborado em
1951/52, constituiu-se na primeira grande tentativa de planejamento
econômico feita no Brasil. Essa tentativa não passou, na verdade, de
um diagnóstico geral da economia brasileira com seleção de projetas
setoriais mais importantes e recomendações para sua implementação.
O Plano da Comissão ressaltou o empenho do Governo brasileiro
em combater as pressões inflacionárias, revelando ao mesmo tempo
consciência da necessidade de ser instituída uma política efetiva de
desenvolvimento econômico. O diagnóstico constatou o fracasso do Go-
verno Federal na manutenção e renovação da infra-estrutura e propôs
investimentos em setores especiais, principalmente na oferta de serviços
de transportes e de energia elétrica. Ficou constatado que a carência
dessas facilidades básicas vinha retardando o desenvolvimento do País 21 •
O Plano da Comissão Mista foi, basicamente, um programa de
investimentos públicos, cobrindo apenas parte dos investimentos neces-
sários em setores como o de transportes e o de energia. Foi orientado
para os projetas prioritários que não apresentavam perspectivas de
!! 1 COMISSÃO MISTA BRASIL-ESTADOS UNIDOS PARA DESENVOLVIMENTO
ECONÓMICO. Relatório Geral. Rio de Janeiro, 1954, v. 1.

119
financiamento privado adequado e propôs medidas para obtenção de
novos recursos tributários que remediassem a debilidade financeira do
Governo Federal 22 •

B) Objetivos do Plano no setor de transportes


O melhoramento e a recuperação do sistema de transportes cons-
tituía campo prioritário de ação para o Plano da Comissão. A ênfase
nesse programa de transportes variou bastante conforme as diferentes
modalidades. Constatou-se que, ncs anos anteriores, houve um acrés-
cimo considerável do tráfego rodoviário e aéreo, enquanto que as ferro-
vias e navegação de cabotagem não evoluíram no ritmo necessário
para atender à crescente demanda de transporte pesado numa economia
em expansão industrial.
O desequilíbrio anterior na distribuição de recursos para investi-
mentos resultou na estagnação ou retrocesso daquelas modalidades de
transporte mais adaptáveis às massas de mercadorias com baixo valor
unitário requeridas para o desenvolvimento industrial. Houve, por con-
seguinte, maior atenção por parte da Comissão Mista Brasil-Estados
Unidos para os projetas relativos à navegação de cabotagem e fluvial
e para o transporte ferroviário como métodos de transporte alternativos
em muitos casos economicamente mais justificados, de uma parte dos
fluxos gerados pela industrialização. O programa da Comissão visou,
portanto, essencialmente, à reabilitação mais do que à expansão do
sistema de transportes 23 •
Nos projetas elaborados pela Comissão Mista, foram feitas análises
de custos e benefícios (diretos e indiretos) dos projetas, com base em
investigações de campo, avaliação de mercados locais e regionais e
potencialidade econômica das regiões. O programa total de transportes
compreendeu um investimento da ordem de 220 milhões de dólares.
A maior parcela desse investimento coube ao Programa de Reequipa-
mento Ferroviário. Foram contemplados ainda com recursos, projetas
de melhoramento e dragagem de portos, navegação costeira e fluvial,
estaleiros e equipamento para conservação de estradas de rodagem 2 4 •

C) Objetivos e medidas por modalidades


Ferrovias
As prioridades dos investimentos ferroviários foram dadas à reabi-
litação e ao reequipamento das ferrovias que serviam às regiões mais
produtivas do País, estando, por conseguinte, relacionadas ao volume
22 Recursos adicionais captados sobre a renda e lucros não distribuídos na forma de
empréstimos compulsórios.
23 Ibid.
24 A criaçã o do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico, em 1952, possibili-
tou a destinação de recursos para o financi amento de grande parte do reequipamento e
melhoria das ferrovias , dos portos e da navegação costeira.

120
de tráfego existente. Estava implícita a política de concentração de
recursos em pontos críticos e não a pulverização sobre todo o sistema
ferroviário.
Os principais projetes ferroviários recomendados foram:
- aquisição de locomotivas Diesel para substituição das locomo-
tivas a vapor e aumento da capacidade de tração;
- aumento da capacidade total de transportes através da aquisi-
ção de material rodante (vagões de carga e passageiros) e;
- estabelecimento de prioridades de investimentos para reapare-
lhamento da via permanente entre as ferrovias e entre os trechos de
uma mesma ferrovia.
Portos
A ênfase no programa de portos consistiu nos projetes que visavam
ao acréscimo da capacidade de manipulação de carga e de armazena-
mento, bem como ao aperfeiçoamento de processos de operação para
melhor utilização das instalações existentes.
O programa de recuperação dos portos apresentou três aspectos
principais:
-dragagem;
- reequipamento ou expansão (em alguns casos) das instalações
portuárias e;
- reformas dos métodos operacionais.
Navegação
O programa de navegação da Comissão Mista foi particularmente
concentrado no reequipamento e consolidação da frota de cabotagem
do Governo. Foi dada entretanto ao setor privado de navegação oportu-
nidade de se beneficiar do programa de reequipamento. As empresas
beneficiadas seriam aquelas com maior experiência operacional e esta-
bilidade financeira.
Foram elaborados, também, projetes de modernização e expansão
da frota fluvial com prioridade àquelas que serviam às bacias dos rios
Paraná-Paraguai.
Rodovias
O programa rodoviário da Comissão Mista recomendou maior aten-
ção à pavimentação das rodovias, sempre que a densidade de tráfego
a justificasse.

D) Avaliação sumária do Plano


Como foi ressaltado inicialmente, o chamado Plano da Comissão
Mista Brasil-Estados Unidos não passou de um diagnóstico da economia
brasileira, com seleção de projetas setoriais e recomendações de medidas

121
para sua implementação. A grande maioria dos projetas recomendados
não foi implantada, por diversas razões de caráter político e institu-
cional. O diagnóstico teve, entretanto, o mérito de contribuir para o
aprimoramento das medidas de política econômica subseqüentes e per-
mitiu uma melhor compreensão do funcionamento da economia brasi-
leira. Parte da equipe que participou da elaboração do Plano viria a
trabalhar, posteriormente, na elaboração do Programa de Metas e, mui-
tos dos projetas e medidas recomendados pela Comissão seriam mais
tarde incorporados àquele programa.
No diagnóstico da Comissão foi desenvolvido o conceito de pontos
de estrangulamento, isto é, a percepção de que existiam certas áreas
de demanda insatisfeitas, que estrangulavam a economia e que justi-
ficavam a elaboração de projetas nas áreas de energia e transportes.
O diagnóstico acentuou que os desequilíbrios do desenvolvimento eco-
nômico brasileiro tinham provocado, principalmente, uma demanda in-
satisfeita de infra-estrutura econômica 25 •
O diagnóstico da Comissão elaborou também um conceito de pontos
de germinação que seriam basicamente o oposto do conceito dos pontos
de estrangulamento. Tal conceito partia do pressuposto de que a oferta
de infra-estrutura poderia desencadear novas atividades produtivas.
Esses dois conceitos serviriam de base para concepções posteriores do
Programa de Metas que consideraria como pontos de estrangulamento
ao desenvolvimento das deficiências nos sistemas de energia, transportes
e abastecimento. Por outro lado, o Programa de Metas, baseado no
conceito de pontos de germinação, justificaria a grande massa de inves-
timentos rodoviários e a meta autônoma de construção da nova capital.
É possível dizer, portanto, que, embora o Plano da Comissão Mista
não chegasse sequer a ser implementado, pode ser considerado como
um marco de referência na história do planejamento brasileiro que
daria origem mais tarde ao Programa de Metas.

2. Programa de Metas (1956/60} 26


A} Objetivos gerais do Programa
Programa de Metas preparado pelo Conselho de Desenvolvimento
para o período 1956/ 60 não representou propriamente um esforço coor-
denado de planejar a economia do País em seu conjunto. Os projetas
nos setores prioritários englobavam cerca de um quarto, apenas, da
produção nacional2 7 •
25 Lafer, Celso. O planejamento no Brasil - observações sobre o programa de metas.
São Paulo, Ed. Perspectiva, 1970.
26 Uma apresentação detalhada dos recursos programados para investimentos em trans-
porte segundo suas origens para os planos governamentais a partir do Programa de Metas,
é feita no anexo 2.
27 BRASIL. Presidência da República. Conselho de Desenvolvimento. Programa de
Metas. Relatório das Atividades de 1958. Rio de Janeiro, 1958.

122
O Programa apresentou, entretanto, pela primeira vez no Brasil,
a mobilização e coordenação de diferentes instrumentos da política eco-
nômica, visando a alcançar objetivos definidos. O Programa visou, fun-
damentalmente, à integração vertical da estrutura industrial e ao
desenvolvimento coordenado da infra-estrutura de energia e transportes
para apoio ao processo de industrialização 28 •
O Programa de Metas foi composto de um conjunto de projetes
distribuídos pelos setores prioritários representados pelas metas de
energia, transportes, alimentação e indústrias de base. Identificados
os setores prioritários e, dentro desses setores, estabelecidas as metas
-através da integração dos conceitos de pontos de crescimento e pontos
de estrangulamento (interno e externo), bem como da interdependência
entre as metas dos setores e a demanda derivada - o Programa pro-
curou fixar para cada meta um objetivo definido 20 • Os objetivos foram
quantificados projetando-se por extrapolação a composição provável
da demanda dos próximos anos.
Os objetivos quantificados foram testados e revistos durante o
período de aplicação do Plano através de um método de aproximações
sucessivas, conferindo ao Programa de Metas características de um
planejamento contínuo. Sendo assim, a técnica de planejamento utili-
zada era capaz de programar as metas de cada setor, mas incapaz de
coordenar ou testar a compatibilidade dos setores.
O sucesso na realização das metas principais deveu-se, basicamente,
à conjugação de uma série de elementos autônomos do processo de
desenvolvimento e, também, à criação de novas possibilidades de finan-
ciamento. Os elementos autônomos foram: a) substituição de impor-
tações; b) investimentos do setor público em áreas prioritárias; e c)
investimentos e financiamentos externos 30 •
Não havendo na ápoca um sistema financeiro que atendesse às
necessidades industriais e identificada a incapacidade do setor público
em atrair eficientemente recursos do setor privado, foram estruturadas
novas fontes de financiamento para o Programa. Em primeiro lugar,
houve um aumento na participação do setor público, desempenhando
um papel ativo na promoção do desenvolvimento. O papel do setor pú-
blico traduziu-se no acréscimo de participação do Governo na formação
de · capital e na operação de serviços públicos, bem como na concessão
de incentivos ao setor privado. Em seguida, houve uma coordenação

28 LESSA, Carlos. Fifteen years of economic policy in Brazil. Economic Bolletin


for Latin America. Santiago, v. 9, n. 2, 1964. Cf. A INDUSTRIALIZAÇÃO brasileira,
diagnóstico e perspectivas. Rio de Janeiro, IPEA, 1969. Estudo especial.
29 Os critérios para o estabelecimento de metas foram diretos (percepção da priori-
dade pela importância na parte de importações) ou indiretos (percepção da prioridade
da produção interna pelo impacto sobre a atividade econômica). Desses últimos resultou
o conceito de demanda derivada.
30 Ibid.

123
de medidas visando a atrair investimentos privados do exterior e a
assegurar créditos e empréstimos externos. E, finalmente, a concessão
de uma série de incentivos aos investimentos privados nacionais nas
atividades industriais englobadas pelos grupos executivos. Esses eram
os órgãos governamentais responsáveis diretamente pela concessão
desses incentivos 3 1 • As principais modalidades de ação governamental
no Programa de Metas foram: a) ação empresarial direta: neste
campo, coube às agências governamentais programar e executar os
investimentos em infra-estrutura e complexos industriais; b) ação
sobre os preços: o Governo criou incentivos à iniciativa privada, pública
e mista para a execução dos objetivos previstos nas metas; c) ação
sobre a formação de capital e a escala de produção, através de finan-
ciamentos, concessão de avais, isenções ou reduções de direitos e outorga
de subvenções cambiais para importação de equipamentos, coube ao
Governo facilitar a capitalização das empresas; d) ação sobre as expec-
tativas: enunciando suas metas de produção e divulgando o propósito
de propiciar meios para a execução das mesmas, pretendeu o Governo
agir favoravelmente sobre a propensão a investir do empresariado em
geral; e) assistência técnica, através de Conselho de Desenvolvimento
e do BNDE, era objetivo do Governo assegurar a coordenação das in-
versões públicas com as iniciativas privadas.

B) Metas no setor de transportes

O setor de transportes recebeu no Programa de Metas o tratamento


de setor prioritário para investimentos, uma vez que suas deficiências
de investimentos e de operação foram ressaltadas como obstáculos ao
alvo dos objetivos mais gerais do Programa, quais sejam os de expansão
e integração da estrutura industrial. O setor de transportes abrangeu
cerca de 30 % do total de investimentos inicialmente previstos no
programa.

Ferrovias
O Programa, no que se refere ao planejamento do transporte ferro-
viário, enfocou dois aspectos distintos, construção e reaparelhamento.
Na meta de construção foi dada prioridade a linhas com indiscutível
significação econômica e a variantes, destinadas a eliminar trechos
onerosos das linhas existentes, em que a densidade de tráfego justificasse
o investimento.

;n Deve-se ressaltar, igualmente, o papel do BNDE como agência de promoção do


desenvolvimento, financiando quer projetes de infra-estrutura básica, quer projetes de uni·
dades privada3 industriais.

124
Na meta de reaparelhamento foram elaborados aproximadamente
20 projetas, visando dar ao parque ferroviário a eficiência de operação
necessária. Os projetas referiram-se basicamente às seguintes metas:
- aquisição de material rodante de tração;
- aquisição de material rodante de transporte e;
- reaparelhamento da via permanente com aquisição de trilhos
e acessórios e substituição de dormentes.
A criação da Rede I<'erroviária Federal S.A. permitiu centralizar os
programas de reaparelhamento e construção ferroviária que vinham
sendo feitos lenta e desordenadamente em virtude da falta de uma
organização administrativa específica para o setor.
Rodovias
A modalidade rodoviária foi explicitada no Programa, como um dos
setores básicos do plano de desenvolvimento econômico do Governo
Federal. Em decorrência das deficiências do sistema ferroviário, as rodo-
vias foram consideradas como elemento preponderante do intercâmbio
entre as várias regiões do País.
A necessidade inadiável de construção, pavimentação e melhora-
mento da rede levou o Governo a programar o reforço de fundos finan-
ceiros para a execução desses investimentos.
Foi reformulada a programação rodoviária com o objetivo de trazer
para a administração federal um maior número de estradas federais,
tendo em vista o fato de que até dezembro de 1955, apenas 70% da
rede federal constante do Programa Qüinqüenal de Obras Rodoviárias
estavam a cargo do DNER.
As recomendações ej ou metas do Programa para o setor rodoviário
foram: a) Suplementação das verbas da União para a realização das
estradas do Plano Rodoviário Nacional integrantes do Programa Qüin-
qüenal de Obras Rodoviárias, ainda que com drástica redução de todas
as demais dotações destinadas a fins rodoviários; b) redistribuição de
verbas, favorecendo mais os serviços de pavimentação do que os de
implantação básica, nas futuras revisões de serviços e obras do Pro-
grama Qüinqüenal; c) adoção do tipo superior de pavimentação em
todos os trechos rodoviários cujo movimento diário excedia a 100 cami-
nhões ou 150 veículos em geral, evitando que as verbas destinadas à
pavimentação fossem consumidas em obras preliminares de melhora-
mentos, construções ou reconstruções prévias, as quais se devem cingir
ao mínimo exigido pelas condições de segurança; d) recomendação
no sentido de que fossem elevados os ágios aplicados a petróleo e deri-
vados, com a finalidade de reforçar os recursos destinados ao Plano
Rodoviário, tendo em vista que a diminuição do custo de operação dos
veículos em estradas pavimentadas seria sensivelmente superior aos
eventuais aumentos de custo ocasional, com a eliminação do favoreci-
mento cambial à importação do combustível líquido; e) regulamen-

125
tação de outras fontes de receita rodoviária, especialmente o pedágio
e a contribuição de melhoria, a fim de reembolsar o poder público dos
vultosos dispêndios, captando uma parcela de valorização que benefi-
ciaria as propriedades marginais, ou proximamente marginais, das vias
implantadas ou pavimentadas, e recompondo em parte seu poder de
investimento no setor; f) entrosamento mais efetivo do Banco Nacio-
nal do Desenvolvimento Econômico com os órgãos rodoviários federais
e estaduais para execução de programas plurianuais de investimentos,
garantidos pelas respectivas quotas do Fundo Rodoviário 32 e de Pavi-
mentação e sob a orientação técnica e supervisão do Departamento
Nacional de Estradas de Rodagem.
Portos
Projetas específicos para construção de novas instalações, reequi-
pamento e dragagem foram elaborados com base nas resoluções da
Comissão Mista Brasil-Estados Unidos que foram revistas e postas em
termos de plano de ação imediata e efetiva. Para tanto, o Governo
garantiu a obtenção de empréstimos externos e assegurou a suplemen-
tação dos recursos em moeda nacional com a criação do Fundo Por-
tuário Nacional 3 3 •
Navegação
A criação do Fundo de Marinha Mercante 34, a par de outras provi-
dências adotadas pelo Governo, visou a dar condições de realização de
um programa de construção naval ao País, que teria uma possibilidade
calculada de demanda superior a 100.000 TDW anuais. Com isso
começou-se a perseguir o objetivo de reaparelhar e ampliar a frota de
cabotagem e de aumentar a participação da bandeira brasileira no
transporte de longo curso, permitindo a liberação de divisas para o
alívio da pressão sobre o balanço de pagamentos.
O aumento de produtividade média do setor portuário, permitiria a
modificação da operação da frota de cabotagem, proporcionando maior
remuneração aos armadores quando descessem os períodos de imobili-
zação nos terminais marítimos.
As metas no setor marítimo foram as seguintes: a) fixação da
extensão em que seria conveniente atender as estimativas das necessi-
dades do mercado brasileiro para navios até 1960, tendo em vista a
disponibilidade de recursos em moeda nacional e em divisas para as
importações de navios; b) seleção das importações de navios, tendo
em vista a redução dos dispêndios cambiais ao mínimo necessário e
reforço do mercado com que contaria a indústria de construção naval;
c) aumento da participação de navios brasileiros no transporte de

32 Lei n. 0 2.975 de 27-11-1956.


~3 Lei n. 0 3.421 de 10-07-1958.
:34 Lei n .0 3.381 de 24-04-1958.

126
mercadorias no comércio exterior por etapas: inicialmente a aquisição
de embarcações, depois a construção em massa no país, e, posterior-
mente, a execução de reparos gerais em navios do tipo Lloyd-Nações;
d) no setor da navegação fluvial, a renovação e expansão da frota
SNAPP do SNBP e da CNSF.
A viação Civil
O plano de desenvolvimento do Transporte Aéreo compreendeu três
partes: o reequipamento do material de vôo, a infra-estrutura de vôo
e a indústria aeronáutica.
No que se refere a reequipamento, todo o material deveria ser im-
portado, em razão da inexistência de indústria aeronáutica no País.
Ao Ministério da Aeronáutica, aplicando recursos do Fundo Aeronáu-
tico 35 , coube o planejamento e funcionamento da infra-estrutura de
vôo.
Medidas de disciplinamento dos planos de reequipamento das em-
presas de aviação foram impostas, uma vez que os programas por elas
formulados foram mais amplos que a provável expansão de demanda.
Imposto um limite para a quota cambial disponível para investimentos
aeroviários, cada empresa recebeu parcela correspondente à sua parti-
cipação relativa no mercado.

C) Avaliação sumária do Programa


Um dos fatores de sucesso do Programa de Metas talvez tenha
sido o de não englobar a totalidade da produção, permitindo que uma
grande parte dos recursos para investimentos continuasse a ser distri-
buída através dos mecanismos tradicionais do sistema político e insti-
tucional brasileiro 36 • Isso facilitou a implementação do Programa, o
qual, embora não apresentasse uma compatibilidade ou coerência no
emprego dos seus instrumentos, contribuiu para o desenvolvimento dos
setores e metas prioritárias, evitando desequilíbrios mais graves, resul-
tantes da expansão industrial 37 •
35 Lei n. 0 3.000 de 11-12-1956. Decreto n. 0 41.148 de 13-03-1957.
36 Cf. O planejamento no Brasil - obs'O'rvações sobre o Programa de Metas. Celso
Lafer, cit. Para Celso Lafer, o sucesso do Programa de Metas, esgotando as virtualidades
de suas soluções administrativas, ocasionou problemas para os Governos subseqüentes pela
criação de novas zonas de incerteza. Assim, a economia brasileira passou de uma zona de
incerteza externa para interna, em virtude da industrialização com ênfase no mercado in-
terno, acarretando a necessidade de utilização de toda uma administração pública e não
apenas de alguns órgãos de ponta como no Programa de Metas, para prosseguir com su-
cesso no esforço de planejamento. O sistema econômico estaria diante não mais da im-
plantação de unidades produtivas em setores chave ou da superação de pontos de estran-
sulamento, mas sim diante do controle do funcionamento de um sistema muito mais com-
plexo. Dado o caráter difuso da competência na administração pública brasileira, tornava-se
difícil, logo após o Programa de Metas, a institucionalização do planejamento econômico no
Brasil.
37 Lessa, Carlos, Fifteen years of economic policy in Brazil. cit.

127
Diga-se, portanto, que dentro do âmbito de objetivos a que se
propôs, o Programa de Metas foi um exemplo de sucesso na formulação
e implementação do planejamento no Brasil. Do ponto de vista dos
transportes, um rápido balanço das metas propostas indica que houve
um grande sucesso nos resultados em relação às metas previstas.
Com relação às ferrovias, as metas físicas de aquisição de locomo-
tivas e vagões e de reaparelhamento da via permanente alcançaram
no conjunto, praticamente 75 % do previsto. Relativamente à construção
ferroviária, foram entregues 827 km de linhas atingindo-se cerca de
50 % da meta prevista. O volume de carga transportada, entretanto, no
período 1956/ 60, cresceu de cerca de 22 % e pode-se atribuir em grande
parte esse acréscimo ao conjunto das metas de construção e reapare-
lhamento ferroviário.
Com relação às rodovias, o programa de pavimentação alcançou
6.210 km equivalente a 207 % da meta de 3.000 km inicialmente prevista
e depois alterada para 5.000 km. A quilometragem de estradas federais
pavimentadas dobrou no período do programa. A meta de construção,
inicialmente prevista para lO.OOC km, e posteriormente revista para
13.000 km alcançou 14.900 km, ou seja 150 % da meta inicial.
Em portos, as metas de obras portuárias, reaparelhamento e dra-
gagem em conjunto atingiu cerca de 56 % das qualificações físicas
previstas para o período do Plano.
Na navegação, todas as metas previstas de incorporação à frota de
navios de longo curso, petroleiros e cabotagem, foram alcançadas. Final-
mente, nos transportes aeroviários foram acrescidas 13 unidades à frota
aérea, alcançadas as metas previstas de infra-estrutura e abertura de
novos campos de pouso as.
Da avaliação das metas quantificadas em termos físicos pelo Pro-
grama de Metas, verifica-se que para o conjunto do setor de transportes
o Programa apresentou um excelente desempenho, atendendo grande
parte das metas, não só inicialmente previstas, como também revistas
ao longo do período de execução.

3. Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico-Social


(1963/65)
A) Objetivos gerais do Plano
O Plano propôs-se corrigir as distorções economiCas e soc1a1s resul-
tantes do acelerado esforço de industrialização verificado nos anos pre-
cedentes. Foi elaborado num momento em que taxas de crescimento
relativamente menores do Produto Interno Bruto anunciavam um perío-
do de relativa estagnação para economia nacional. Associava-se a essa
estagnação uma rápida aceleração do processo inflacionário.

38 Programa de Metas. Relatório de atividades. cit.

128
O Plano definiu quatro objetivos fundamentais de política eco-
nômica: a) recuperação do ritmo de desenvolvimento econômico obser-
vado no período 1957/ 61 (cerca de 7 % ao ano); b) contenção progres-
siva do processo inflacionário; c) correções nas desigualdades de distri-
buição de renda, tanto sob o aspecto pessoal, quanto regional; d) ate-
nuação das pressões sobre o balanço de pagamento e reescalonamento
do endividamento externo.
Definiu, ainda, uma série de reformas econômicas e institucionais
necessárias para a consecução daqueles objetivos 39 .
Embora com o nome de Plano, não objetivou o Plano Trienal a
implantação propriamente do planejamento no Brasil. Tratou-se mais
de um esforço de transição em busca de um conhecimento mais siste-
mático da realidade econômica, permitindo maior eficiência na capa-
citação de decisão, através da hierarquização mais objetiva dos proble-
mas nacionais. Somente após essa transição e alcançados esses objetivos
mais imediatos é que seria possível dar maior profundidade à ação
de planejamento 4o.

B) Objetivos do Plano no setor de transportes


Inseriu-se a aplicação de recursos no setor de transportes, dentro
dos objetivos gerais de assegurar uma elevada taxa de crescimento do
produto e de melhorar as condições de vida da população. Para isso,
seria necessária a orientação dos investimentos tendentes a harmonizar
a estrutura da produção à demanda.
O Plano previu a aplicação de recursos no setor, segundo diretrizes
que permitissem evitar sua pulverização, obtendo dessa forma a maior
produtividade econômica e social. Além disso visou a assegurar, através
da expansão do sistema de transportes, a interligação das regiões de
grande potencial econômico. Com vista à correção das distorções do
sistema de transportes, foram consideradas - embora superficialmente
apenas- as compatibilidades do setor com o planejamento global e as
disponibilidades financeiras do País pa"a a execução do Plano.

C) Objetivos e medidas por modalidades


Ferrovias
O Programa objetivou, principalmente, corng1r deficiências estru-
turais do setor, através das seguintes metas:
- liberação de recursos materiais e humanos pela erradicação de
ramais ferroviários antieconômicos;

3 9 BRASIL. Presidência da República. Plano Trienal de Desenvolvimento Econô-


mico e Social. Síntese, dez. 1962.
40 Cf. Plano Trienal. cit.

129
- direção dos investimentos para trechos ou linhas de grande
significado econômico. Os investimentos foram programados para cons-
truções novas, remodelação de vias permanentes, bem como a moder-
nização de materiais rodante e de tração.
Navegação e Portos
A principal diretriz do Plano, nesse setor, foi considerar o navio
e o porto como unidades de operação conjugadas. Os objetivos foram
os seguintes:
- melhoria da produtividade dos portos através da alocação de
recursos, segundo as características da frota mercante brasileira;
- plena utilização dos estaleiros nacionais para a renovação da
frota mercante de longo curso e cabotagem;
- especialização das empresas estatais de transporte marítimo -
Costeira (cabotagem) e Lloyd (Longo Curso) .
Rodovias
O principal objetivo proposto, nesse setor, foi concentrar esforços
na conclusão dos empreendimentos que propiciassem maiores e mais
rápidos benefícios sociais. Para tanto, foi revisto o Plano Qüinqüenal
de Obras Rodoviárias com vistas a torná-lo compatível com a capaci-
dade de investimentos do País.
Aviação Civil
Os programas, nesse setor, foram estabelecidos em função de tráfego
existente e potencial, e incluiu serviços de proteção ao vôo e construção
e melhoramento de aeroportos, pistas e estações de passageiros. O Plano
propôs-se, também, a dar condições para que a frota aérea pudesse
operar não só internamente, mas também, em linhas internacionais.

D) Avaliação sumária do Plano


Embora o próprio Plano Trienal tenha realçado que tratava mais
de permitir eficácia na capacidade de decisão e um conhecimento mais
sistemático da realidade econômica, não se constituindo em profunda
ação de planejamento, o fato é que esse Plano, embora tenha diagnosti-
cado convenientemente a economia, não alcançou realmente seus obje-
tivos de promover o desenvolvimento e vencer a inflação.
A mudança política ocorrida em 1964 substitui o Plano Trienal pelo
PAEG, que conservou, entretanto, no seu capítulo de transportes, muitas
das recomendações feitas no escopo do Plano Trienal. Essas, com efeito,
tinham sido resultado da verificação objetiva de uma série de limitações
que as deficientes políticas de investimento e de operação tinham
imposto ao próprio desenvolvimento do País.

130
4. Programa de Ação Econômica do Governo
PAEG (1964/66)

A) Objetivos gerais do Programa


Os principais objetivos gerais do PAEG foram essencialmente os
mesmos do Plano Trienal. O PAEG, embora resultado de uma profunda
modificação política e institucional, não divergia muito do Plano pre-
cedente, no diagnóstico da economia brasileira, mas sim no corpo. ,de
soluções e medidas apresentadas. ·
Surgindo numa fase de relativa estagnação do desenvolvimento e
de um processo inflacionário à beira da hiperinflação, que tumultuava
as expectativas do mercado, o PAEG propôs-se atingir os seguintes ebje-
tivos básicos: a) reativação do ritmo de desenvolvimento econômico;
b) redução progressiva da inflação; c) redução dos desequilíbrios
regionais e setoriais; d) geração do emprego produtivo em ritmo
compatível com o crescimento da força de trabalho; e) redução dos
déficits do balanço de pagamento.
O PAEG definiu-se como um Programa de caráter indicativo para
uma economia de mercado, representando um esforço no sentido de
interpretação do processo de desenvolvimento econômico brasileiro e de
formulação de medidas de política econômica capazes de elimihàr Os
pontos de estrangulamento que impediam um desempenho satisfatório
dos agentes econômicos 41 •
Caracterizada a inflação como uma das causas -importantes na
explicação da estagnação econômica no período 1962-1964- e colocando
os fatores de ordem monetária como os mais importantes ria -alinién-
tação de um processo inflacionário que ultrapassava a-taxa -de 80%-áo
ano, o PAEG centralizou sua atenção mais imediata nos déficits crônicos
do orçamento federal, nos acréscimos de salários acima dos níveis de
produtividades e nas distorções de custos 42 •
É dentro dessa estratégia global que se situaram os objetivos con-
cernentes ao setor de transportes.

B) Objetivos do Programa no seio r de transportes -


Sendo o setor de transportes, na época de implantação do Programa,
tanto do ponto de vista das políticas de investimento quanto dos sistemas
de operação, um dos maiores reponsáveis (senão o maior) pelos fatores
de alimentação de curto prazo do processo inflacionário, logicamente

41 BRASIL. Ministério do Planejamento e Coordenação EconBmica: P~ograma de


Ação Económica do Governo. Rio de Janeiro, 1964. --
42 MARTONE, Celso L. Análise do Programa de Ação Econômica do Govemo. -In:
PLANEJAMENTO no Brasil. São Paulo, Ed. Perspectiva, 197Q.

131
o PAEG teria que consolidar um conjunto coerente e eficaz de metas
operacionais e diretrizes de política de investimento que permitissem o
saneamento do setor.
O Programa visou, conseqüentemente, ao eficiente e econômico
atendimento da demanda por transportes e a eliminação de dois focos
inflacionários -inflação de custos resultantes de uma crescente queda
de eficiência na aplicação dos fatores de produção e o efeito monetário
ocasionado pelas emissões necessárias à cobertura de déficits operacio-
nais. Para tanto visou-se à redução dos custos de transportes e a sua
gradativa e total transferência para os usuários através da cobrança
de fretes e tarifas realistas.
As metas operacionais visaram a dar maior aproveitamento aos
recursos existentes, através de medidas de caráter estrutural e comercial.
Do ponto de vista estrutural, visou-se a um melhor aproveitamento do
potencial gerencial através da reorganização administrativa das autar-
quias.
Comercialmente, era meta do Governo permitir às autarquias con-
correrem pelas cargas sem dependerem de subsídios e operarem sem
discriminação de preço para certas cargas e passageiros. Visou-se,
também, à melhoria da política trabalhista das autarquias, liberando-as
dos excessivos ônus com pessoal, através da utilização de organismos
de treinamento de pessoal.
Quanto à política de investimentos, a aplicação desses visou à
expansão dos sistemas de transportes a longo prazo, eliminando os
pontos de estrangulamento e destinando-os em maior parte à infra-
estrutura dos sistemas. O Programa advertia, ainda, quanto à necessi-
dade de seleção cada vez mais objetiva das obras (em termos de priori-
dades resultantes das relações benefício/custo) para a eliminação de
desperdício, representados pela falta de continuidade na execução
de obras e pela pulverização de recursos.

C} Linhas de ação do Governo por modalidades


A recuperação econômica e operacional do sistema nacional de
transportes condicionou-se ao seguinte elenco de medidas que deveriam
ser implementadas no período de urgência do Programa 43 •
Ferrovias
- limitação de novas construções ferroviárias, admitidas somente
implantações de comprovada justificação econômica;
- concentração dos investimentos na infra-estrutura, visando pri-
meiramente à eliminação dos pontos de estrangulamento, através de
melhoria dos traçados, ampliação dos terminais, pátios e armazéns,

43 Cf. Programa de ação econômica do Governo. cit.

132
mecanização do manuseio das cargas, além de certas unificações de
bitola;
- adequações do material rodante à estrutura das linhas e das
comunicações com vistas a maior densidade, rapidez e segurança das
composições;
- aumento da oferta do transporte ferroviário das cargas pesadas
sob condições operacionais e econômicas adequadas;
- dinamização comercial através do saneamento dos custos, da
maior captação de cargas em conseqüência do melhor serviço oferecido,
e de revisão tarifária que faça incidir sobre os usuários maior parcela
do custo;
- unificação das administrações ferroviárias por regiões geográ-
ficas;
- reexame dos processos operacionais objetivando elevar as densi-
dades de tráfego; a mais rápida e eficiente circulação dos trens, e o
melhor aproveitamento do material rodante; aceleramento do processo
de adequação dos quadros de pessoal, e da fixação de vencimentos justos
por serviços efetivamente prestados, conforme determinaria o est~.tuto
do ferroviário;
- desligamento do pessoal com direito à aposentadoria e provi-
mento das vagas por retreinamento e deslocamento do pessoal já
existente;
- revisão da legislação restritiva do tráfego ferroviário, bem como
a correção das rotinas que impedem maior produtividade.

Portos e Navegação
- recuperação dos portos brasileiros em função do volume de
tráfego e seus fluxos;
- recuperação da frota mercante à medida que se procedesse o
reequipamento, desburocratização e melhoria da produtividade dos
portos;
- restauração da disciplina portuária e redução da burocracia
existente no trânsito e desembaraço das mercadorias;
- modificação dos sistemas de operação portuária, objetivando
aumentar a produtividade e minimizar os custos operacionais;
- revisão da legislação referente ao pessoal marítimo, portuário e
de construção naval, buscando maior produtividade e remuneração justa
pelo trabalho efetivamente realizado;
- estímulo à iniciativa privada, através do agrupamento das micro-
empresas e da formulação de condições operacionais e econômicas está-
veis atraentes ao capital de risco.

133
Rodovias
- continuação da política rodoviária estabelecida pelo Decreto-lei
n.o 8.463 de 27-12-1945 44 ;
- atribuição aos usuários das rodovias de maior parcela do custo
de sua implantação e conservação, através do imposto único sobre
combustíveis e lubrificantes;
- garantia das liberdades econômicas dos transportadores rodo-
viários, ressalvada a segurança do tráfego e a coibição de práticas noci-
vas ao interesse público;
- prosseguimento da pavimentação de rodovias, com ordem de
prioridade consoante com os volumes previstos de tráfego, e melhora-
mento das rodovias de condições técnicas inaceitáveis nos casos em que
o tráfego não justificasse pavimentação;
- consolidação das vias de penetração em função do volume pre-
visto de tráfego, compatível com os dispêndios;
- sustação do início de obras novas que não as previstas no Plano
Preferencial;
- aceleramento do programa de rodovias substitutivas de trechos
ferroviários antieconômicos;
- programação das frentes de trabalho, com prioridade aos seg-
mentos vizinhos dos pontos geradores de tráfego.
Aviação Civil
- ajustamento da oferta à procura por transporte aéreo, através
da redução ou consolidação de linhas e horários;
- alijamento das aeronaves excedentes, com vistas à redução do
passivo das empresas aéreas;
- concentração dos investimentos na infra-estrutura;
- adoção de política salarial realista e justa.

D) Avaliação sumária do Programa


No âmbito do PAEG e na prática da sua execução, o objetivo que
emergiu como o mais importante - diluindo a preocupação com o
próprio desenvolvimento econômico e com a correção de distorções no
sistema- foi a inflação. O Programa partiu de uma interpretação da
inflação brasileira como inflação típica de demanda, adotando um
tratamento voltado para a redução do déficit de caixa do Governo
(aumentando a carga tributária ou utilizando outros meios de tirar
renda do setor privado) implantando esquemas de correção salarial,
que evitaria a elevação de salários acima dos seus acréscimos de produ-

44 Reorganiza o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem e cria o Fundo


Rodoviário Nacional.

134
tividade. Houve, porém, uma avaliação deficiente das causas estruturais
da inflação brasileira, levando, durante seu período de vigência, a uma
situação de coexistência do processo inflacionário com uma recessão
econômica.
Do ponto de vista do setor de transportes, entretanto, a estratégia
do PAEG teve efeitos extremamente importantes para a racionalização
de operações dos serviços, bem como para melhor seleção de investi-
mentos. Como o setor de transportes tinha sido, historicamente, no
Brasil, um setor de baixos padrões de eficiência na operação e sujeito
a fortes pressões de caráter político nas decisões de investimentos, a
drástica política de contenção do déficit orçamentário federal (que era
interpretada pelo PAEG como um dos focos mais graves de inflação
da demanda) foi extremamente benéfica para a recuperação do setor
de transportes.
Nesse sentido, o PAEG realizou um esforço de contenção de des-
pesas da União, procurando uma racionalidade na seleção de investi-
mentos prioritários e procurando implantar uma política de tributação
correta do usuário dos serviços de transportes. Procurou, ainda, reajus-
tar fretes e tarifas dos serviços produzidos pelas empresas públicas,
visando a maior competição entre as modalidades de transporte.
As metas e linhas de ação propostas pelo PAEG, bem como o diag-
nóstico feito pelo Banco Mundial em 1965, deram origem à criação
do Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes (GEIPOT),
com o objetivo de coordenar as políticas de investimento, operação e
de tarifas das diferentes modalidades. Todos os estudos realizados pelo
GEIPOT seguiram a filosofia implícita nas diretrizes do PAEG de racio-
nalização e recuperação do sistema de transportes no Brasil. O Pro-
grama apresentou, portanto, apesar das contradições internas da estra-
tégia de política global formulada, uma mudança de mentalidade das
autoridades de Governo em relação às seleções de prioridade e justifi-
cativas econômicas dos projetas.

5. Programa Estratégico de Desenvolvimento -


PED (1968/70)

A) Objetivos gerais do Programa


Elaborado numa fase de transição, entre a longa estagnação sofrida
pela economia brasileira e um ano de relativa recuperação, o Programa
Estratégico definiu como objetivo básico o desenvolvimento econômico
auto-sustentado. Paralelamente a esse objetivo básico, foram definidas
as linhas principais de ação através das quais seria atingido aquele
objetivo. Essas linhas consistiam na estabilização gradativa do compor-
tamento dos preços, responsabilidades do Governo na consolidação da

135
infra-estrutura, expansão das oportunidades de emprego, fortalecimento
e ampliação do mercado interno, e fortalecimento da empresa privada 45 •
Quanto aos objetivos básicos, portanto, o Programa Estratégico
não diferia, praticamente, do PAEG. Houve, sim, uma diferença de
orientação quanto aos meios de atingir as finalidades básicas de acele-
ração do desenvolvimento e contenção da inflação. O Programa Estra-
tégico apresentou um diagnóstico do comportamento da economia brasi-
leira no período 1964/ 1966 que indicava ser a situação de criile existente
na economia devido, em grande parte, à própria política econômica de
combate à inflação apresentada pelo PAEG 46 • Tal política levou, segundo
o Programa Estratégico, a uma diminuição do nível de atividade eco-
nômica, trazendo com isso pressões de custos e declínio no nível de
investimentos.
No que se refere à inflação, o Programa apresentou alguns ajusta-
mentos pragmáticos em conexão com a evolução do setor industrial.
O Plano tornou menos severa a política de controle inflacionário,
através de restrições menos drásticas à expansão dos meios de paga-
mento, particularmente aliviando o crédito bancário ao setor privado.
Tornou-se, por outro lado, mais severo o controle do déficit orçamen-
tário governamental com respeito às despesas do setor público. O con-
trole, entretanto, procurou defender os investimentos públicos dos cortes
indiscriminados de recursos e focalizar sua atenção nas despesas de
custeio, particularmente, de pessoal.
Uma das características principais do Programa Estratégico é que
no seu diagnóstico há uma consciência nítida das causas estruturais
que levaram à estagnação da economia brasileira e da necessidade de
propor concretamente alternativas de crescimento. O diagnóstico do
Programa apresentou, como dois grandes problemas, a redução das
oportunidades de substituir importações e a crescente participação do
setor público 47 • Como conseqüência, as decisões de investimento não
dependiam da dimensão efetiva do mercado, baseando-se mais em
expectativas de crescimento acelerado oferecidas pelas oportunidades
de substituição de importações. Por outro lado, a falta de orientação
na participação do setor público abriu o risco de deficiências na conso-
lidação da infra-estrutura e nos investimentos de grande poder de
expansão da demanda.
O Programa lembrou, ainda, a necessidade de uma política de
redistribuição de renda, que preservasse a capacidade de poupança e,
também, a necessidade de recuperação do atraso tecnológico e melhoria
de produtividade nos setores tradicionais da economia.

45 BRASIL. Ministério do Planejamento e Coordenação-Geral. Programa Estratégico


de Desenvolvimento. Rio de Janeiro, 1967. v. 1.
46 SAAD, Denysard João Alves. O Programa Estratégico de Desenvolvimento. ln:
PLANEJAMENTO no, Brasil. São Paulo, Ed. Perspectiva, 1970.
47 Ibid.

136
Foram estimadas metas quantitativas para o período de vigência,
com uma consciência clara da limitação da capacidade de poupança e
de importação e da necessidade de conciliar a expansão econômica com
as proposições de contenção inflacionária. Houve, ainda, uma compa-
tibilização de objetivos globais com os desdobramentos em objetivos
setoriais.

B) Objetivos gerais do Programa no setor de transportes


O Programa Estratégico apresentou uma prioridade de ação na
infra-estrutura econômica (transportes, energia e comunicações). O
setor de transportes apareceu, por conseguinte, como um setor priori-
tário indispensável para a dinamização do processo de desenvolvimento.
Os objetivos gerais para o setor eram: a) garantir ao País uma infra-
estrutura adequada e uma operação eficiente e integrada das várias
modalidades de transporte; b) proporcionar, do lado da demanda e
do lado da oferta, condições para a expansão do Produto Interno Bruto
a taxas elevadas, e c) orientar as empresas nacionais para o forta-
lecimento do poder competitivo, visando com isto ao aperfeiçoamento
das políticas de investimento e de tarifas.
No que concerne aos investimentos em transportes e sua operação,
o programa apresentou as seguintes definições de política:
- eliminação gradativa dos déficits operacionais e, conseqüente-
mente, das subvenções governamentais;
- orientação dos novos investimentos na infra-estrutura segundo
análise dos benefícios e custos econômicos dos projetas;
- tônica da operação dos serviços que deveria ter caráter nitida-
mente empresarial;
- coordenação da programação e execução dos projetas, com o
objetivo de compatibilizar os aspectos multisetoriais envolvidos que
permitisse a sua consistência com o planejamento geral do Governo.
Quanto à política tarifária, o PED enfatizou a sua necessidade de
adequação, de modo que os custos reais se refletissem nos preços pagos
pelos usuários, criando assim, condições para garantir o atendimento
das necessidades do usuário e a sua plena liberdade de opção 48 •

C) Linhas de ação por modalidades


Ferrovias
- consolidação do sistema ferroviário nacional, com inclusão das
ferrovias do Estado de São Paulo;
- descentralização executiva, com instalação das superintendên-
cias regionais;
4 8 BRASIL. Ministério do Planejamento e Coordenação-Geral. Programa Estraté/Poo
de Desenvolvimento - Setor de Transportes. Rio de Janeiro, 1969.

137
Anexo 1
Relação entre as etapas de desenvolvim ento económi co brasileiro
e a evolução do sistema de transportes
FASES E FUNÇÕES PRINCIPAIS
CARACTERÍSTICAS DESEMPENHADAS PELO
SISTEMA DE TENDf.:NClAS DE
BÁSICAS DO TRANSPORTES EIOU EXPANSÃO DO
PERÍODO D ESENVOLVIMENTO SISTEMA DE
OBSTÁCULOS AO
ECONÓMICO DESENVOLVIMENTO TRANSPORTES
BRASILEIRO ECONÓMICO
- economia exportadora de - escoamento dos fluxos de pro- - sistemas ferroviários isolados
pr odutos primários (maté- dução agrícola e extrativa no visando à ligação dos centros
rias-primas e alimentos); ar- eentido interior-litoral; produ tores e comercializado-
quip~lago de plantações tro- r es com os portos regionais;
- integração longitudinal rare-
picaie dependentes do mer- feita de um arquipHago eco- - grande quantidade de portos
cado externo; nômico e eocial diferenciado; e sistema de navegação de
1880/1930 - atividade econômica concen- cabotagem permitindo a in-
- distribuição de produtos ma- tegração dos pólos exporta-
t r ada numa faixa litorânea nufaturados - em geral im-
restrita e com acesso à na- portados - como função sub- dores regionais;
vegação de longo curso; sidiária ao deslocamento de - ligações rodoviárias de car A-
.. a tividade industrial incipien- fluxos de produtoe primários ter exc l usivamente l ocal
te visando ao atendimento no &entido interior-litoral.
de necessidades urbanas ele- atendendo centros urbanos
mentares. e distritos municipais.

-- economia em industriR.liza- - fluxos adicionais de bens inter- -· primeiras ligações r odoviá-


ção atrav6s de um processo mediários e finais para aten- rias de âmbito interestadual
do substituição de importa- dimento do mer cado interno; e inter-regional;
ções; - transporte rodoviário partici- - eixos rodoviários trancais pa-
- predominância de unidades pando no deslocamento dos ralelos às ferrovias para su-
p rodutivas industriais pe- fluxos adicionais resultantes da plementação das suas capa-
1930{1955 quenas e m6dias dissemina- expansão da oferta final; cidades ;
das pelo espaço econômico e - expansão e diversificaçi\o dos - investimentos rodoviários
produzindo para mercados fluxos de produto• manufatu- atendendo à pressão da de-
locais e regionais; rados - com alto valor por manda pelos serviços de
- primeiras tendências de con- unidade de p~o - justifican- transporte;
centração industrial em São do a suplementação da capa-
cidade de transportes através - desenvolvimento de uma r~­
Paulo e Rio de Janeiro com de de transporte aéreo com
a implantação de etapas das rodovias. conexão daA áreas mais afas-
mais avançadas no processo tadas do território nacional
de industrialização. com a civilização das aglo-
merações urbanas litorâneas.

- coneolidação das etapas su- - euprimento de matériae-primas - consolidaç~o do sistema ro-


periores do processo de in- e alimento para atendimento doviário nacional;
dustrinlizRção; integração do da acelerada expansão urbana - rodovias assumindo papel
setor industrial através da e industrial; preponderante no desloca-
implantação da produção de - ligaç11.o das novas áreas agri- mento doe fluxos de média e
insurnos básicos e bene de colas ocupadas com os princi- longa distAncia;
capital ; pais centros de coneumo e de - deterioração doe eistemae
- instalação de grande unida- comercialização; ferroviário e de navegação
des industriais concentradas - distribuição de manufaturas de cabotagem, incapacidade
1956/1063 eni polos (notadamente Hio produzidas nos pólos de desen- de atender às novas corren-
e São Paulo) e produzindo volvimento industrial a pontos tes de tráfego exigindo ra-
para um mercado nacional; mais remotos do território na- pidez e regularidade;
- instalaç~o e consolidaçl\o da cional; - desorganizn.ção administ ra-
indústria automobilística; - sistema de t ransportes como tiva das autarquias rest~un­
- expansão da fronteira agrí- ponto de estrangulamento ao sáveis pelos investimentos e
cola com incorporação de desenvolvimento económico; operação doe sistemas de
novas terras; transportes (setoree ferro-
- sistema de transportes como viário, portuário e de nave-
- consolidação de um mercado foco de alimentação do proces- gação);
interno de âmbito nacional so inflacionário, através dos
com configurações prelimi- deficits operacionais cobertos - intensificação das ligações
narea "d e consumo de massa. pelo orçamento governamental aéreas entre as grandes aglo-
e dos custos elevados resul- merações urbanas litorâneas,
tantes da ineficiência opera- com expansão do tráfego
cional e má distribuição de aéreo.
recursos para investimento.

138
OBJETIVOR E MEDIDAS
OBJETIVOS E DECISÕES SETORIAIS DEFINIDOS PRINCIPAIS DEFICffiNCIAS
GERAIS DE POLÍTICA PARA AS DIVERSAS NAS POLfTICAS DE
DE TRANSPOHTES MODALIDADES DE INVESTIMENTO E OPERAÇÃO
TRANSPORTES

- entrelaçamento das atividades - ausência de uma pohtica consciente - investimentos visando bàeicamente
ferroviária e portuária com a na- e de coordenação das medidas se- às exportações, gerando gravee di~
vegação de longo cureo, para su- toriaia visando a objetivos de efi- torções que Re constituíram, poste·
primento dos pa1ses industriali- ciência na operação explícitos, ou riormente, em obstáculos ao de.sen·
zados de insumos e alimentos, com de racionalidade de prioridades de volvimento:
ativos fixos, em grande parte, de investimento no setor.
propriedade privada externa;
a) isolamento dos sistemae ferroviá-
- concessão de previlégios de área, rios;
- provimento do transporte de mer- garantia de juros sôbre o capital
cadorias de exportação e o supri- investido, incentivos proporcionais b) deficiências de traçados dae fer-
à quilometragem construido., como rovias:
mento de manufaturas importa-
das para os centros urbanos ao medidas de estímulo à expansão dos c) decadência do• sistemas portuá-
menor cueto de capital e opera- sistemas portuário e/ou ferroviário. rio e ferroviário com o declinio da
çãol. importnncia das exportações, etc.

- primeiras formulações de políticas - criação do Fundo Rodoviário Na- - ausência de coordenação intermodal;
conscientes, no sentido de dotar cional e promulgação do Plano Ro- - ~eraçllo de distorções na infra-estru-
o país de uma infra-estrutura de doviário Nacional; tura devido ao deaequilíbrio na dis-
transportes para eliminar restri- - prioridades de construção para es- tribuição de investimentos;
ções e estimular o desenvolvi- tradas de rodagem troncais de ca-
mento econômico; ráter nacional (âmbitos interesta- - deficiências na atuação visando A
- elaboração do Plano Nacional de dual e inter-regional); reabilitação dos sistemas ferroviá-
Viação, por modalidades, visando rio, portuário e de navegação;
- atenção para a pavimentação de
à padronização e à uniformização rodovias com elevada densidade de - execução de obras sem justificativa
dos investimentos de cada mo- tráfego; econômica e de maneira descontínua
dalidade2; no tempo;
- ação governamental no pavimen-
- reequipamento da frota de cabo- - inadequação, obsoletiamo e falta de
to da infra-eetrutura e encampa- tagem; padronização dos equipamentos.
ç!lo de atividades privadas em - reequipamento ferroviário vieando
processo de deterioração econô- ao aumento da capacidade total de
mica e financeira. tração.

- melhoria do sifttema de tranepor- - maior número de estradas federais - ausência de coordenação intermodal;
tee apresentada como campo de trazidas para o llmbito da adminis- - implementação dos investimentos
atuação prioritária governamen- tração federal; por modalidade sem proiramação
tal; - maior preocupação e ênfase nos adequada e continuidade;
-· provimento do transporte e esti- programas de pavimentação; - ausência de estudos de viabilidade
mulo ao desenvolvimento e à in- técnico-econômica para justificativa
tegração nacional sem preocupa- - criação do Fundo Portuário Na-
cional; das prioridades nos investimentoe
ção de minimizar custos de capi- por modalidade;
·tal e operação; - criação do Fundo da Marinha Mer-
cante visando dar condições para a - ineficiência de operação, com cuetoe
- criação de fundos vinculados para implantação de uma indústria de elevados, resultantes doe baixoe nf:-
assegurar a expan!!ão da inf ra-es- veis de produtividade;
t:futura ou o reequipamento por construção naval;
modalidade; - erradicação de ramais ferroviários - irrealismo nas tarifas cobradas ao
anti-econômicos; usuário;
- subsídios diretos e indiretos à
importação de equipamentos de - reequipamento do material de vôo - emprêsas públicas despreparadas
.transporte não fabricados no pais; e de infra-estrutura aero-portuá- para competir pelas cargas.
- ação empresarial direta do setor ria; - falta de padronização de equipamen-
público nos setores em deteria- - disciplinamento da importação de to de transporte e inadequação à
. ração; · P.,quipamento e fusão de ernprêsa.s infra-estrutura.
- implantação e progressivs. nacio- (principalmente no setor aéreo).
nalização da produção de veículoe
rodoviários.

1 Objetivo de caráter geral implícito nas ações privadas e governamentais, sem contudo ser explicitado numa política oons-
oien te para o Setor.
2 Embora sem caráter de plano e eem um âmbito propriamente nacional o PNV constitui-se no primeiro esforço de visão
global do Setor. -
Anexo 1
Relação entre as etapas de desenvolvimento econômico brasileiro
e a evolução do sistema de transportes
Continuação
FUNÇÕES PRINCIPAIS
FASES E DESEMPENHADAS PELO
CARACTERÍSTICAS SISTEMA DE TENDf.:NCIAS DE
BÁSICAS DO TRANSPORTES E/OU EXPANSÃO DO
P ERÍODO DESENVOLVIMENTO SISTEMA DE
OBSTÁCULOS AO
ECONÓMICO DESENVOLVIMENTO TRANSPORTES
BRASILEIRO ECONéJMICO

- fase de transição no proces- - sistema de transportes como - hipertrofia do sistema rodo-


so de industrialização bra- ponto de estrangulamento ao viário gerando distorções no
sileiro; desenvolvimento económico; atendimento da demanda;

- redução das faixas de subs- - sistema de transportes ainda - estagnação do tr~tnsporte


tituição de importações e como foço de alimentação do marítimo com irregularidade
desaceleração do ritmo de processo inflacionário; nos serviços e obsoletismo
desenvolvimento econômico; da frota;
- sistema de transportes como
1964/1970 - controle do processo infla- elemento de estímulo à expan- - deficiência do transporte
cionário e redinamização do são do PIB, tanto do lado da ferroviário no atendimento
desenvolvimento econômico; demanda quanto da oferta dos dos fluxos de carga resul-
serviços. tantes dos estágios superio...
- necessidade de fortalecimen- res da industrialização;
to da infra-estrutura eco-
nomiCa, em geral, e a de - estagnação do tráfego aéreo.
transportes, em particular.

- consolidação de um sistema - suporte à integração das áreas - recuperação do sistema fer-


industrial tecnológicamente periféricas aos núcleos de mai- roviário na parte mais de-
avançado com base na ex- or dinamismo na parte mais senvolvida do país através
pansão e dinamismo do mer- desenvolvida do pais; da concentração de inves-
cado interno e maior inte- timento~ nos eixos de ele-
gração em novos esquemas - suporte à integração interse- vada densidade de tráfego;
de divisão internacional de torial (agricultura-indústria) na
trabalho; parte mais desenvolvida do - recuperaç5.o e integração doe
pais; sistemas portuário e de na·
1971/1975 - consolidação da integração vegação permitindo a sua
(perspec- econômica através da incor- - incorporação e integração das adequação ao avanço tecno-
tivas) poração de vazios econômi- partes menos desenvolvidas lógico;
cos e recuperação da peri- (regiões-problema) ao desen-
feria menos desenvolvida (es- volvimento nacional. - expans1ío da rede rodoviá-
tagnada ou decadente); ria de alimentação para me-
- suporte do sistema de trans- lhor utili•ação da rede prin·
- programação do desenvolvi- porte à ampliação do poder de cipal;
mento regional e da locali- competição e da participação
zação industrial condiciona- do país em frentes dinO.rnicas - estímulo à criação de uma
dos ao contexto do desenvol- do comércio internacional. rêde aérea de alimentaçilo
vimento nacional, permitin- das linhas-tronco para mai-
do maior dinamismo e efi- or incremento geral do trá-
ciência para a economia co- fego aéreo.
mo um todo.

140
OBJETIVOS E DECISÕES OBJETIVOS E MEDIDAS PRINCIPAIS DEFICffiNCIAS
GERAIS DE POLÍTICA SETORIAIS DEFINIDOS NAS POLÍTICAS DE
DE TRANSPORTES PARA AS DIVERSAS INVESTIMENTO E OPERAÇÃO
MODALIDADES DE
TRANSPORTES

- racionalização nos investimentos - reorganização do DNER e concep- - deficiência no sietema de tributação


e na politica tarifária; ção unificada do sistema rodoviá- aos ueuários das rodoviás;
rio nacional:
- racionalização na distribuição da
demanda pelas diferentes moda- - realização de estudos de viabilida- - conservação inadequada da rêde ro-
lidades; de e projetas finais de engenharia doviária;
para oe investimentos rodoviários:
- distribuição da demanda de trans- - continuação na politica de execução
porte ao custo mínimo de capital - continuação no programa de ex- de obras ferroviárias sem justifica..
e operação; tinção de ramais antieconômicos; tiva econômioa:

- estímulos ao fortalecimento do - criaç1io do Fundo Federal de De- - falta de padronização do material


poder competitivo das empresas senvolvimento Ferroviário para ferroviário rodante e de tração;
de transporte; aplicação em investimento!;
- inadequação de equipamentos por-
- eliminação gradativa de subven- - adequação de equipamento e regu- tuários;
ções para cobertura de déficits laridade do! serviços portuários;
operacionais e de subsldios para - irregularidade e baixa eficiência do
investimentos e manutenção. - recuperação dos serviços de nave- !istema de navegação;
gação de cobotagem e aumento da
participação da bandeira nacional - diversificação exceesiva da frota
no transporte de longo curso; aeronáutica e desajuste com a infra-
estrutura aeroportuária.
-- criação de Fundo Aeroviário;

- cobrança de tarifas aeroportuárias.

- aprimoramento de sistema de pla-


nejamento de transportes com a
implantação do 1.• Plano N acio-
nal de Desenvolvimento- Trans-
portes;

- sistema de transportes integrado, (a serem definidos no 1.• Plano Nacio-


com melhor coordenação inter- nal de Desenvolvimento - Trans-
modal, e com características tec- portes)
nológicas modernas para fazer
frente aos próximos estágios de
expansão agrícola e industrial;

- distribuição da demanda de trava-


porte ao custo mínimo de capital
e de operação;

- promoção de uma progressiva


equalização do desenvolvimento
regional ao menor custo total de
transporte.

141
Anexo 2

Distribuição percentual de recursos programados por


modalidade de transportes

Programa de Metas Plano Trienal PAEG PED


Subsetores
56/f>7 1 58 1 59/60 1 Tot. 63
I 64
I 65
I Tot. 64
I 65
I 66
I Tot. 68
I 69
I 70
I Tot.

Ferroviário 48 26 42 38 21 22 22 22 16 25 26 23 15 16 16 16

Rodoviário 35 40 21 26 li5 53 51 53 64 55 55 57 58 60 59 59

Marítimo 3 26 29 23 12 12 13 12 10 10 8 9 14 12 12 13

Portuário 10 5 6 11 7 7 8 7 6 5 6 6 9 9 10 9

Aéreo 4 3 2 2 5 6 6 6 4 5 5 5 4 3 3 3

Total 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100

FONTE: Programas de Governo.


- estruturação da modalidade em bases empresariais, com refor-
mulação da sua política comercial e de pessoal bem como o aperfeiçoa-
mento da sua contabilidade de custos;
- implementação de programas de investimentos concentrado em
projetas de maior rentabilidade econômica;
- continuação da política de erradicação de ramais e linhas anti-
econômicas.

Rodovias
- instituição de uma concepção unificada do sistema rodoviário
nacional, para efeito de concentração da atuação federal nas funções
de planejamento; supervisão e controle;
- aperfeiçoamento da execução de projetas rodoviários, mediante
a realização sistemática de estudos de viabilidade econômica e projetos
de engenharia final;
- reformulação do sistema de tributação aos usuários da rodovia,
com procura de novas fontes de financiamento;
- observância de critérios econômicos de prioridade na seleção
dos investimentos rodoviários.

Portos
- implementação dos Planos Diretores dos portos do Rio de Ja-
neiro, Santos e Recife;
- contratação de estudos de viabilidade técnico-econômica para
portos;
- construção de terminais especializados (sal, açúcar, milho, trigo
e derivados de petróleo).

Navegação
- fortalecimento da política de expansão e recuperação da nave-
gação de cabotagem; .
- expansão substancial da participação da frota mercante brasi-
leira na navegação de longo curso;
- política de consolidação das empresas de navegação;
- execução do novo programa de construção naval (24 liners de
12 mil TDW e 11 cargueiros de 5 mil TDW).

A viação Civil
- estabelecimento de sistema de contribuição do usuário pelo uso
das instalações dos aeroportos e serviços de apoio;
- eliminação gradativa das subvenções governamentais às empre-
sas de transporte aéreo comercial.

143
Anexo 2
Recursos programados para investimento em transporte, segundo
os planos de governo
(Cr$ Milhões de 1968)

Programa de metas Plano trienal


Recursos
1956/57 1 1958
I 1959/60 1 Total 1963 1964 1965 Total

FERROVIÁRIO
Orçam. União 178,8 116,2 685,4 980,4 279,7 316,1 305,4 901,2
Fundos 105,5 111,9 165,4 382,8
Outros Rec. Internos 146,0 68,6 312,9 527,5
Recursos Externos 3,0 3,0
Total 324,8 184,8 1 001,3 1 510,9 385,2 428,0 470,8 1 284,0
RODOVIÁRIO
Orçam. União 143,0 128,1 301,0 572,1 269,7 260,6 28,0 558,3
Fundos 98,3 128,1 190,7 417,2 727,5 779,4 1 057,0 2 563,9
Outros Rec. Internos 29,8 17,9 47,7
Recursos Externos
Deficit
Total 241,3 286,1 509,6 1 037,0 997,2 1 040,0 1 085,0 3 122,2
MARITIMO
Orçam. União 60,9 131,8 132,6 325,3
Fundos 50,7 127,0 208,6 153,1 103,6 134,9 391,6
Outros Rec. Internos 3,0 17,9 26,8 47,7
Recursos Externos 17,9 113,2 500,7 631,8
Teta! 20,9 181,8 685,4 888,1 214,0 235,4 267,5 716,9
PORTUÁRIO
Orçam. União 59,6 35,8 59,6 155,0 106,4 121,1 142,2 369,7
Fundos 95,4 95,4 22,0 18,0 29,0 69,0
Outros Rec. Internos 8,9 8,9
Recursos Externos (1) (I) (I) 161,9
Total 68,5 35,8 155,0 420,2 128,4 139,1 171,2 438,7
AÉREO
Orçam. União 100,6 124,1 131,6 356,3
Fundos
Outros Rec. Internos
Recursos Externos 26,8 20,9 47,7 95,4
Total 26,8 20,9 47,7 95,4 100,6 124,1 131,6 356,3
TOTAL
Orçam. União 381,4 280,1 1 046,0 1 707,5 817,3 953,7 739,8 2 510,8
Findos 98,3 178,9 444,0 721,2 1 008,1 1 012,9 1 386,3 3 407,3
Outros Rec. Internos 157,9 116,3 357,6 631,8
Recursos Externos 44,7 134,1 551,4 891,2
Deficit (DNER)
Total 682,3 709,4 2 399,0 3 951,7 1 825,4 1 966,6 2 126,1 5 918,1
PERCENTAGEM
Orçam. União 56,0 40,0 44,0 43,0 45,0 48,0 35,0 42,0
Fundos 14,0 25,0 18,0 18,0 55,0 52,0 65,0 58,0
Outros Rec. Internos 23,0 16,0 15,0 16,0
Recursos Externos 7,0 19,0 23,0 23,0
Deficit
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
iNDICE: 1968 = 100
Orçam. União 195,0 143,0 535,0 418,0 488,0 378,0
Fundos 13,0 23,0 57,0 129,0 129,0 177,0
Outros Reo. Internos 27,0 20,0 61,0
Recursos Externos 42,0 125,0 514,0
Deficit
Total 40,0 42,0 142,0 107,7 116,1 125,5

(I) Não há a distribuição do recurso por ano.


FONTE: Programas de governo.

144
PAEG PED
1964 1965 1966 Total 1969 1969 1970 Total

163,7 210,9 265,0 639,6 78,2 76,5 71,8 226,5


80,2 153,4 162,7 396,3 131,2 157,4 170,5 459,1
50,0 50,0 40,0 140,0
138,6 138,6 277,2
243,9 502,9 566,3 1 313,1 259,4 283,9 282,3 825,6

349,5 349,5 37,2 42,6 41,9 121,7


618,7 994,0 1 053,0 2 665,7 516,4 608,7 700,2 1 825,3
302,.5 293,1 282,6 878,2
139,2 147,2 286,4 101,6 88,4 2,4 192,4
24,0 44,6 46,6 115,'l
968,2 1 133,2 1 200,2 3 301,6 981,7 1 077,4 1 073,7 3 132,8

82,5 104,3 71,3 258,1 54,4 67,9 76,0 198,3


62,4 63,7 67,3 193,4 43,5 45,8 49,0 138,3
135,1 110,6 101,7 347,4
30,0 30,4 60,4
144,9 198,0 169,0 511,9 233,0 224,3 226,7 684,0

12,2 41,3 52,5 106,0 22,4 45,8 45,6 113,8


81,2 29,7 46,5 157,4 35,0 41,2 48,2 124,4
97,1 73,5 75,6 246,2
28,0 45,5 73,5 3,6 7,5 5,0 16,1
93,4 99,0 144,5 336,9 158,1 168,0 174,4 500,5

55,4 11,6 67,0 3,3 48,0 51,3


58,7 62,4 121,1 56,9 54,5 12,2 123,6
36,6 43,9 80,5 2,1 2,1
55,4 106,9 106,3 268,6 62,3 54,5 60,2 177,0

663,3 368,1 388,8 1 420,2 195,5 232,8 283,3 711,6


842,5 1 299,5 1 391,9 3 533,9 783,0 907,6 980,1 2 670,7
584,7 527,2 499,9 1 611,8
372,4 405,6 778,0 107,3 95,9 7,4 210,6
2 186,3 5 732,1 24,0 44,6 46,6 115,2
1 505,8 2 040,0 1 694,5 1 808,1 1 817,3 5 319,9

44,0 18,0 18,0 25,0 12,0 13,0 16,0 14,0


56,0 64,0 63,0 62,0 46,0 50,0 54,0 50,0
35,0 29,0 27,0 30,0
18,0 19,0 13,0 6,0 5,0 0,0 4,0
1,0 3,0 3,0 2,0
100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

339,0 188,0 199,0 100,0 119,0 145,0


108,0 166,0 178,0 100,0 116,0 125,0
100,0 90,0 85,0
347,0 378,0 100,0 89,0 7,0
89,0 120,0 100,0 186,0 194,0
129,0 100,0 10i,O 107,0

145
- operação integrada das empresas para coordenação dos serviços
de manutenção e apoio, visando à redução de custos.
- realização de estudos de viabilidade para execução de obras,
compra de equipamentos e estruturação de linhas.
- estudo de viabilidade para o estabelecimento do local do aero-
porto internacional para aeronaves de grande capacidade.

Notas relativas ao anexo 2

1. Programa de Metas
Transporte Ferroviário
Do total de Cr$ 1.510,9 milhões, Cr$ 1.111,5 milhões foram apli-
cados em Reaparelhamento e Cr$ 399,3 milhões em Construção Ferro-
viária, assim discriminados:
a) Reaparelhamento (Cr$ milhões)
BNDE ~O~
Orçamento da União 637,7
Recursos Externos 3,0
TOTAL 1.111,5

b) Construção Ferroviária (Cr$ milhões)


BNDE 26,8
Orçamento da União e BNDE 23,9
Orçamento da União 309,9
Cia. Paulista de Estrada
de Ferro e BNDE 11,9
Orçamento da União e
Estado do Paraná 11,9
Orçamento da União e
Estado de São Paulo 14,9
TOTAL 399,3

Transporte Rodoviário
O total de Cr$ 1.037 ,O milhões foi aplicado em construção e pavi-
mentação. O item Outros Recursos Internos corresponde a Créditos Adi-
cionais.

146
Transporte Marítimo
O total de Cr$ 47,7 milhões correspondente a Outros Recursos In-
ternos foi assim obtido:
(Cr$ milhões)
BNDE 11,9
Capitais Privados 20,9
Banco do Brasil 14,9
TOTAL 47,7

Transporte Portuário
Do total de Cr$ 420,2 milhões, Cr$ 309,9 milhões foram aplicados
em obras portuárias, dragagem e compra de equipamento. Os Cr$ 110,3
milhões restantes serão aplicados em pagamento de juros de emprés-
timos e financiamento e em obras segulares nos portos.
(Cr$ milhões)
Obras Portuárias 89,4
Dragagem 14,9
Equipamento 205,6
(inclusive 161,0 de recursos ex-
ternos)
TOTAL 309,9

Fontes de Recursos (Cr$ milhões)


Fundo Portuário 95,4
Verbas Orçamentárias 155,0
Taxa de Emergência 8,9
Recursos Externos 161,0
TOTAL 420,3

Transporte Aéreo
Os recursos para transporte aéreo constantes desse Programa cor-
respondem à subvenção para renovação da frota aérea comercial com
a compra de 42 aviões. Essas subvenções foram determinadas pelas
Leis 3.039 de 20-12-56 e 3.686 de 19-12-55.

2. Plano Trienal
Os recursos de Fundos para o setor rodoviário foram obtidos com
a soma da receita dos Estados e Municípios para investimento em rodo-
vias e a parte do Imposto único sobre Combustíveis relativa ao DNER.

147
3. Programa Estratégico de Desenvolvimento
Não estão incluídas as receitas dos Estados e Municípios relativas
ao Fundo Rodoviário.
No setor marítimo, em Outros Recursos Internos, estão incluídos
os recursos próprios da SUNAMAM que somaram Cr$ 142,5 milhões
no triênio.
No setor ferroviário, a parte relativa aos recursos orçamentários
corresponde a transferências, apenas, para o DNEF.

148
Capítulo III- POUTICA DE TRANSORTES: AVALIAÇAO E
PERSPECTIVAS EM FACE DO ATUAL ESTAGIO DE
DESENVOLVIMENTO DO PAIS *

1. Introdução; 2. A necessidade de revisão da política de transportes;


3. A opção pelo crescimento extensivo da infra-estrutura rodoviária;
4. A busca de maior racionalidade na destinação de recursos para
investimentos; 5. Conclusão.

1. Introdução

O grau de complexidade atingido pela estrutura econômica brasileira


no início da década de 70, traduzido não só em termos de diversifi-
cação produtiva como também de ampliação de escalas de produção,
foi alcançado por poucas economias em desenvolvimento. Consolidou-se
no País um mercado interno de proporções significativas, baseado no
dinamismo das demandas dos setores privados (empresas e unidades
familiares) e público (principalmente as grandes sociedades de econo-
mia mista). Numa combinação com características peculiares, compa-
rativamente a outras experiências de crescimento acelerado, diversi-
ficou-se amplamente o consumo de massa de bens e serviços e expan-
diu-se a demanda do setor público por bens de capital, induzindo à
sustentação de uma nova etapa no desenvolvimento industrial.
Por outro lado, o aumento de eficiência em muitas atividades in-
dustriais, extrativas e agrícolas, permitiu a participação do País em
novas frentes do mercado internacional, diminuindo consideravelmente
a dependência de sua pauta de exportações a um número reduzido de
mercadorias tradicionais.
Assiste-se, presentemente, à consolidação de um sistema industrial
tecnologicamente avançado com base no alargamento das fronteiras so-
ciais e regionais do mercado interno. O rápido processo de urbanização,
por sua vez, vem induzindo profundas reformulações nos sistemas de
abastecimento, comercialização e mesmo produção de matérias-primas

* Publicado em Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, 27(4) :51-83, out./


dez. 1973.

149
e alimentos. Cabe ressaltar, ainda, que o País vem reinvindicando, em
função do seu potencial produtivo, a participação em novos esquemas
de divisão internacional do trabalho, através da exportação em grande
escala, de bens manufaturados e semiprocessados. A tabela 1 oferece
uma comparação dos graus de complexidade das estruturas produtivas
e dimensões das escalas de produção, para um conjunto selecionado de
países em desenvolvimento 1 •
O exame objetivo das transformações recentes na estrutura econó-
mica, bem como das metas estabelecidas nos planos do Governo e das
empresas, permite vislumbrar, em linhas gerais, as perspectivas do de-
senvolvimento brasileiro para a presente década: rápida expansão in-
dustrial, modernização de segmentos do setor primário com vistas ao
atendimento dos mercados interno e externo, acentuação de processos
de especialização produtiva regional resultantes de vantagens compara-
tivas de localização e incremento substancial do comércio exterior.
Frente a estas perspectivas, as políticas setoriais deverão ser con-
cebidas em função dos parâmetros decorrentes da estratégia global de
desenvolvimento adotada. Assim, uma política setorial de expansão e
melhoria na disponibilidade de serviços básicos (energia, transporte e
comunicações), por exemplo, deverá examinar o inter-relacionamento
dos investimentos na infra-estrutura da sua operação e do seu meca-
nismo de preços com os níveis e as localizações das demandas por aque-
les serviços que resultarão do processo de desenvolvimento nacional.
Os objetivos, diretrizes e linhas de ação adotadas para atender no pas-
sado às necessidades de consolidação do mercado interno com base na
substituição de importações não serão necessariamente compatíveis com
o estágio de consolidação de um sistema industrial tecnologicamente
avançado, apoiado na expansão do mercado interno, na modernização
do setor primário e no dinamismo do setor exportador.
O sistema de transportes, como parte da infra-estrutura económica
do País, deve contribuir, portanto, de forma eficaz para a plena reali-
zação das metas governamentais e empresariais. Numa economia em
desenvolvimento, os serviços de transporte são de natureza predominan-
temente intermediária, atendendo às necessidades de deslocamento dos
fatores de produção e dos bens finais dos demais setores económicos 2 •
Cabe lembrar que o transporte constitui, geralmente, atividade-
meio no quadro das relações entre setores produtivos, influenciando ou-
tras atividades e sendo por elas influenciado. Conseqüentemente, as
interdependências entre o sistema de transportes e os principais seta-

1 Do conjunto selecionado, a Alemanha Oriental e a Espanha podem ser classificados,


eventualmente, como países desenvolvidos, principalmente no que se refere à complexidade
da estrutura industrial.
2 Abouchar, Alan. Public investment allocation and pricing policy for transportation.
Rio de Janeiro, IPEA, 1967.

150
Tabela 1
Comparações entre os graus de complexidade das estruturas económicas
e dimensões das escalas de produção para países
em desenvolvimento selecionados
- ano de 1970 -

Bens Intermediários Bens de Consumo Comércio Urbanização

Aço Deriv. de Papel de Automóveis Televisores População


Cimento (Prod. e/ou (Prod. de Importações Urbana
(Consumo
aparente
(Prod.
Petróleo
(Cap. de
Jornal
(Consumo
montagen a par. +
Exportações
(em 1 000
em em recept. em
em 1 000 t)
refino em em 1 000 1 000 (em 1 000 hab. e% da
1 000 t) 1 000 t) população
1 000 t)1 unidades) 2 unidades) dólares) total)

1. África do Sul 4 683 5 752 10 420 213 195 5704 10 280 (48%)
2. Alemanha Oriental (3 ) 8 843 7 987 10 650 83 127 380 8 464 12 553 (74%)
3. Argentina 3 286 4 726 23 980 262 169 181• 3 458 16 978 (71%)
4. Brasil 6 088 9 002 28 130 273 255 666 5 558 52 098 (56%)
5. Espanha 9324 16 536 39 950 194 463 719 7 102 19 369 (59%)
6. Hungria 3 070 2771 7 250 54 10 364 4 823 4 814 (47%)
7. !ndia 6 432 13 956 23 290 200 41 4 4 151 105 959 (20%)
8. Iugoslávia 3 425 4 399 12 000 89 109 320 4 553 7 968 (39%)
9. México 4 168 7 267 26 58o• 159 137 431 3 863 28 378 (59%)
10. Rumânia 6 429 8 127 16 000 57 16 280 3 811 8 258 (41%)

FONTE: Nações Unidas. Statistical Yearboolc, 1971 e Demographical Yearbook, 1971.


1 Equivalência em aço bruto.
.....
<:TI
2 Veículos de passageiros.
..... 3 Refere-se ao ano de 1969 .
res que demandam seus serviços devem ser periodicamente identificados
a fim de permitir um dimensionamento correto e uma localização ade-
quada das vias, instalações e equipamentos.
O rompimento de estrangulamentos que impedem a prestação ade-
quada dos serviços aos setores mais dinâmicos da economia, por ausên-
cia de investimento ou deficiência operacional, constitui-se na principal
função a ser desempenhada pelo planejamento do sistema de transpor-
tes na década de 70. Para que a economia como um todo opere com
maior eficiência é necessário que haja maior preocupação com a mo-
dernização tecnológica da atividade de transporte visando compati-
bilizar sua capacidade de prestação dos serviços às modificações de es-
cala e de técnicas que se verificarão em setores produtivos básicos. Deve
caber ao transporte, com efeito, um papel mais efetivo nas reduções de
custos, na localização racional das unidades produtivas e no estímulo a
processo de especificação produtiva regional.

2. A necessidade de revisão da política de transportes

A expansão do mercado interno, associada às oportunidades de inter-


câmbio externo, acarretou modificações importantes nas escalas de pro-
dução. Os novos dados da realidade econômica do País impõem a ne-
cessidade de uma revisão profunda na tradicional concepção da política
de transporte até agora centrada na ampliação extensiva da infra-es-
trutura viária. Torna-se imprescindível, pols, que os fundamentos da-
quela política se voltem para os problemas de operação, no contexto
mais abrangente do manuseio, acondicionamento e armazenagem das
cargas transportadas. A tabela 2 mostra, para algumas mercadorias
selecionadas, a evolução da produção fisica entre 1950 e 1970. Pode-se
observar pela mesma a evolução comparativas da prestação de serviços
de transporte expressa em índices das toneladas-quilômetro transporta-
das em rodovias e no conjunto das demais modalidades.
No quadro da estratégia global de desenvolvimento acelerado, emer-
girão, por certo, necessidades de transporte de grandes massas de mer-
cadorias entre determinados pólos de produção, transformação, consu-
mo ou exportação. A modernização do sistema de transportes deverá
assegurar, assim, para rotas ou "corredores" selecionado.s, o provimen-
to de serviços eficientes e baratos necessários: a) às indústrias de base
(siderurgia, cimento, derivados de petróleo etc.); b) à movimentação
de grandes massas de cereais granelizáveis (trigo, soja, arroz, milho
etc.); c) ao escoamento de produção resultante da exploração intensiva
de recursos naturais.
A política de transportes deverá orientar-se, desta forma, precipua-
mente, para objetivos específicos ligados: a) ao atendimento eficiente
das necessidades dos principais setores da economia - objetivos de efi-
ciência; b) à combinação de modalidades de transporte para o atendi-

152
Tabela 2
Evolução na produção física de mercadorias selecionadas
comparativamente à prestação dos serviços de transportes
- período 1950-1970 em índices elaborados a partir das
quantidades produzidas
(1950 100)

Especificação 1950 1960 1970

Aço 100,0 285,0 684,5


Cimento 100,0 320,4 648,1
Derivados de petr6leo1 100,0 289,4 542,0
Veículos 100,0 312,9
Milho 100,0 144,0 255,3
Trigo 100,0 134,0 311,4
Soja2 100,0 264,1 1 876,5
Transporte rodoviário3 100,0 394,4 1 304,6
Transporte não-rodoviário3 100,0 156,8 340,9

FL>NTES: Anuários Estatísticos do Brasil. IBGE. Setores de in1úst1Ü, energia e transportes.


IPEA.
1
Consumo, exceto asfalto, graxas, parafina e solventes.
2
1952 = 100,0.
3 Toncladas-qitilômetro transportadas.

mento de necessidades regionais de escoamento - objetivos de coorde-


nação. O sistema de transportes deve desempenhar sua função de pro-
dutor de serviços intermediários da maneira mais adequada às exigên-
cias de economicidade na sua operação. Neste sentido, os objetivos men-
cionados podem ser vistos como endógenos ao setor, uma vez que de-
correm das suas próprias características e funções no contexto da eco-
nomia como um todo, pois atender às necessidades de outros setores
implica atendê-las com eficiência.
Cabe lembrar, no entanto, que as perspectivas de modernização e
aumento de eficiência da estrutura econômica não excluirão, na pró-
xima década, por certo, a persistência de graves problemas de dua-
lismo econômico-social, decorrentes tanto da acumulação de desequi-
líbrios nos estágios anteriores do nosso desenvolvimento como também
das próprias transformações que se verificaram mais recentemente nos
padrões de produção e consumo. É importante ressaltar que desequilí-
brios nos níveis de produtividade entre setores - como também entre
atividades do mesmo setor - diferenças nos níveis de renda entre re-
giões e acentuada dicotomia entre os padrões de consumo urbano e
rural, continuarão a existir como obstáculo ao desenvolvimento futuro
e, de certa forma, até se intensificarão como condição e decorrência do
mesmo 3 •
3 Hirschman, Albert. Strategy of economic development. New Haven, Yale University
Press, 1958.

153
Ora, do ponto de vista espacial isto significa que os investimentos
governamentais na infra-estrutura econômica (energia, transportes e
comunicações) deverão atender, de maneira equilibrada e dentro das li-
mitações impostas pela realidade econômica-social do País, objetivos de
eficiência nas áreas mais desenvolvidas e objetivos de eqüidade que per-
mitam destinar recursos à recuperação de áreas ou regiões estagnadas
e à integração daquelas marginalizadas do processo de desenvolvimen-
to. Estes recursos destinados a promover a eqüidade deverão realçar o
papel dos investimentos governamentais como instrumento corretor de
desequilíbrios no processo de ocupação do território que, como se sabe,
decorrem da ação espontânea das forças de mercado na dinâmica do
desenvolvimento 4 • O importante é que a localização dos investimentos na
infraestrutura econômica contribua de maneira decisiva para atenuar os
desníveis regionais e promover um desenvolvimento mais eqüânime.
O desenvolvimento regional não deve ser visto, entretanto, como
um fim em si mesmo, desligado do contexto dos objetivos nacionais, mas,
pelo contrário, como um meio de racionalizar e promover o crescimento
mais acelerado da economia do País como um todo 5 •
Nesta ordem de idéias, caberá ao sistema de transportes continuar
desempenhando, também, seu papel pioneiro na integração econômica,
social e política de áreas desfavorecidas, quer pela ausência de ligações
com pólos nacionais ou regionais, quer pela precariedade com que é
feito atualmente o transporte de sua produção, devido à intermitência
das ligações existentes. Um certo número de vias pioneiras e a monta-
gem de uma ampla rede para o atendimento do tráfego local em áreas
rurais, para assegurar o escoamento contínuo da produção, são exem-
plos de investimentos necessários para promover maior eqüidade no de-
senvolvimento. Tais investimentos são por sua natureza essencialmente
rodoviários- com as raras exceções de atendimento à exploração inten-
siva de certos recursos minerais - pois implicam o atendimento de
fluxos de densidade mais rarefeita e envolvem custos de implantação
mais baixos e períodos de maturação reduzidos G.
Desta forma, na política de transportes estarão presentes, também,
objetivos decorrentes da estratégia nacional de desenvolvimento - ob-
jetivos de eqüidade e integração. Os diferentes estágios de desenvolvi-
mento econômico estabelecem, para o setor de transportes, objetivos de
caráter exógeno, importantes para o atendimento de necessidades re-
gionais e sociais. Caberá à nova política de transportes compatibilizar
objetivos setoriais endógenos e exógenos, de forma a impedir que as exi-

4 Myrdal, Gunnar. Economic theory and underdeveloped regions. London. Duckworth,


1957.
li Boudeviiie, Jacques. Les techniques recentes de Ia science economique régionale.
ln: Planification economique régionale, Paris, OECE, 1961.
6 Num país em desenvolvimento, com acentuadas diferenciações regionais e com uma
estratégia definida visando ao fortalecimento da unidade nacional e a ocupação de regiões
com baixa densidade populacional, cabe ao transporte aéreo importante parcela de respon-
sabilidade nas funções · pioneiras de promoção do desenvolvimento.

154
gências de recursos para projetas com reduzida significação económica
comprometam a eficiência das soluções adotadas para atendimento dos
segmentos mais significativos da demanda de transportes.
Todavia, cabe lembrar que a persistência de muitos problemas de
estagnação ou decadência económica regional não se deve à ausência
ou ineficácia do transporte, mas sim a fatores peculiares da estrutura
económica ou da disponibilidade de recursos naturais. Assim, por exem-
plo, áreas que apresentam grandes extensões de latifúndios ou prolife-
ração de minifúndios antieconómicos poderão dispor de boa rede rodo-
viária sem que isso represente um estímulo adicional à produção ou al-
terações nos níveis de produtividade. Por outro lado, a implantação de
rodovias pioneiras não garantirá por si mesma o aumento e diversifica-
ção da produção regional, necessários à consolidação de um processo
sustentado de desenvolvimento. A infra-estrutura rodoviária será, neste
caso, apenas um dos investimentos do conjunto necessário para a conse-
cução de tal objetivo 7 •
O grau de complexidade da estrutura económica brasileira, a gran-
de diversidade de características regionais e a multiplicidade de obje-
tivos económicos, sociais e políticos exigidos do sistema de transportes
pela estratégia de desenvolvimento, impõe aos formuladores da política
setorial, portanto, o inevitável estabelecimento de compromissos tanto
com objetivos de eficiência e coordenação, quanto com os de eqüidade e
integração. Futuramente, tais compromissos deverão ser subordinados,
todavia, cada vez mais aos interesses ditados pelo crescimento da econo-
mia como um todo.
Desta forma, o atendimento às ambiciosas metas de expansão in-
dustrial, através dos transportes ferroviários, hidroviários e rodoviário
altamente eficientes, por exemplo, deverá ser compatibilizado com a
implantação de eixos rodoviários pioneiros no quadro de limitação na
disponibilidade de recursos. Sabe-se que no passado, a excessiva preo-
cupação com aspectos políticos e regionais promoveu dispersão de re-
cursos e afetou a coerência dos objetivos, diretrizes e linhas de ação da
política setorial. Os planos governamentais, a partir de 1964, aperfeiçoa-
ram-se por sua vez, progressivamente, no sentido de traduzir nas suas
diretrizes e linhas de ação a realidade económico-social do País, embora
continuassem presos a alguns mecanismos tradicionais de destinação
de recursos, que impediram uma revisão profunda da política de trans-
portes.
Como decorrência do aperfeiçoamento do instrumental orçamen-
tário e das técnicas de avaliação de projetos, que afastaram, em grande
parte, o caráter regionalista, assistencial e promocional a ela atribuído,
a política de transportes vem sendo utilizada cada vez mais como ferra-
menta de apoio efetivo aos objetivos nacionais do desenvolvimento. É
importante lembrar, contudo, que tal política não conta ainda com

7 Ver cap. 7, p. 247.

155
definições precisas de prioridade, persistindo as indefinições quanto
a problemas cruciais de eficiência e modernização tecnológica no trans-
porte e manuseio de carga.
A política de transporte tem permanecido, com efeito, voltada
principalmente para a infra-estrutura viária. As rodovias continuaram
a apresentar-se como instrumento de promoção mais imediata dos ob-
jetivos de eqüidade e integração, reservando uma posição secundária
para os aspectos operacionais das outras modalidades de transportes,
que se consubstanciariam em metas bem definidas de eficiência e re-
cuperação. Neste sentido, dois importantes passos foram tomados re-
centemente na direção de uma reformulação da política de transportes:
o I Plano Nacional de Desenvolvimento 1972-1974 e o anteprojeto de re-
visão do Plano Nacional de Viação. Em ambos é dada maior ênfase nos
aspectos de modernização tecnológica e eficiência operacional, sem pre-
juízo dos aspectos sociais e regionais relevantes. Os projetas prioritá-
rios do I PND, por exemplo, evidenciam a preocupação do Governo Fe-
deral em concentrar recursos nos investimentos que possibilitarão a
transição da economia nacional para um estágio mais maduro de de-
senvolvimento industrial e de vinculação com o comércio internacional.
Em termos de planejamento, não se chegou, entretanto, a uma visão
integrada do relacionamento do setor de transportes com os demais se-
tores produtivos, nem a uma coordenação efetiva de programas e pro-
jetas das diferentes modalidades.

3. A opção pelo crescimento extensivo da infra-estrutura


rodoviária

A ênfase nos objetivos de crescimento extensivo da infra-estrutura viá-


ria, em detrimento daqueles relativos aos aspectos operacionais, esteve
presente, de maneira geral, ao longo da história dos transportes doBra-
sil. As metas de ligação de pontos distantes entre si consubstanciavam
uma estratégia ambiciosa de ocupação do território, face ao desafio da
dimensão do País. Além disso, como importadores de tecnologia, não
nos restavam muitas possibilidades de inovar técnicas, processos e mé-
todos operacionais, cabendo-nos tão-somente acompanhar, com maior
ou menor defasagem, o desenvolvimento tecnológico prevalecente nos
países industrializados. Num contexto de grande disponibilidade de ter-
ra, era mais fácil, na verdade, expandir as vias de transporte com o
fim de incorporar novos espaços para o sistema produtivo, ao invés de
tornar mais eficientes as ligações existentes, para utilização mais ra-
cional do solo já ocupado.
Desta forma, desde o sistema de incentivos quilométricos adotado,
em passado remoto, para estimular a implantação de linhas ferroviá-
rias, até à recente expansão da malha rodoviária principal, os Progra-
mas e Planos de Governo deram maior destaque aos aspectos infra-es-

156
truturais do transporte. Assim, o desenvolvimento do transporte rodo-
viário deve ser situado, numa primeira abordagem, nesta perspectiva
histórica. Cabe, por conseguinte, examinar mais detidamente as razões
da íntima associação de nossa política de transportes com as metas de
crescimento da infra-estrutura rodoviária.
Sabe-se que apesar dos recentes esforços do Governo Federal no
sentido de obter maior integração e complementariedade das diferentes
modalidades de transporte no trabalho global de movimentação de car-
gas, é constatada, ainda, uma elevada participação do transporte rodo-
viário no total das toneladas-quilômetro. Durante pelo menos duas dé-
cadas, anteriormente a 1964, houve deterioração dos transportes ferro-
viários e marítimo, acentuando em nosso País a tendência universal-
mente observada de substituição pelo transporte rodoviário. Este envol-
ve operações de carga e descarga mais simplificados e atende à maior
diversidade de pontos de origem e destino, constituindo-se a movimen-
tação de carga por caminhões, em significativo avanço tecnológico em
todo o mundo. No Brasil, ele foi ainda o instrumento mais ativo na
consolidação de um mercado nacional, integrando regiões e acompa-
nhando o rápido deslocamento da fronteira agrícola. Sem dúvida, o
crescimento extensivo da infra-estrutura rodoviária desempenhou im-
portante papel no desenvolvimento recente do País, decorrente de um
processo de substituição de importações e formação do mercado interno.
Os investimentos na infra-estrutura rodoviária adquiriram assim
crescente importância relativa na formação de capital do setor de trans-
porte como um todo, com grande ênfase nas ligações-tronco para aten-
dimento do tráfego de longa e média distâncias. Estas, sob a responsa-
bilidade do DNER e dos DERs estaduais, foram beneficiadas pelo grosso
dos recursos destinados à expansão da malha rodoviária, conforme mos-
tra a tabela 3-a, que apresenta a distribuição de recursos para investi-
mentos na infra-estrutura rodoviária para o período 1960-1970 8 •
É importante lembrar que a teoria da localização dá relevância ao
aspecto do relacionamento entre custos unitários de transporte em di-
ferentes distâncias e a racionalidade na localização das atividades eco-
nômicas, intermediado pela modalidade de transporte cujas caracterís-
ticas técnico-operacionais melhor se ajustem a densidades é distâncias 9 •
Acontece, porém, que com a expansão excessiva do transporte rodoviá-
rio de longa e média distâncias, parte da demanda, anteriormente aten-
dida pela navegação de cabotagem e ferrovias a um custo econômico
inferior - pelas suas características de densidade e distâncias envol-

8 Convém chamar atenção, aqui, para os dados de extensão da rede rodoviária que
aparecem na tabela 3-a, principalmente no que se refere à extensão municipal. Tais dados
não refletem a situação real da rede que seria obtida por cadastro. Os Municípios sobres-
timam sua quilome:ragem para captar mais recursos do FRN. Na falta de dados melhores,
usaram-se aqueles fornecidos pelo DNER.
9 Alonso, William, Location Theory. In: Regional development and plannint: a
reader. Cambridge, Mass., M.I.T. Press, 1964.

157
vidas- passou a ser movimentada em caminhões. Isto significou para o
funcionamento do sistema econômico a geração de ineficiências e o estí-
mulo a decisões locacionais deficientes.

Tabela 3-a
Investimentos na infra-estrutura rodoviária e expansão da rede:
período 1960 - 1970

Investimento Rede
(em milhões de cruzeiros de (em milhares de quilómetros
1972 e % em relação ao e % em relação ao total
total anual) anual)
Anos
Federal + Federal +
Estadual Municipal Estadual Municipal
(longa e média (local) (longa e média (local)
distância) distância)

1960 2 566.6 (95,8) 112,2 ( 4,2) 108,3 (23,2) 358,6 (76,8)


1961 2 257,3 (95,3) 135,3 ( 4,7) 112,0 (22,5) 386,8 (77,6)
1962 2 390,3 (94,7) 133,8 ( 5,3) 117,2 (22,4) 407,2 (77,7)
1963 2 055,4 (93,8) 136,6 ( 6,2) 119,6 (22,2) 419,6 (77,8)
1964 1 367,6 (88,3) 180,2 (11, 7) 123,2 (22,5) 425,3 (77,5)
1965 2 825,4 (89,8) 320,2 (10,2) 135,8 (16,9) 667,3 (83,0)
1966 2 566,6 (89,3) 308,8 (10, 7) 136,4 (14,9) 781,7 (85,1)
1967 3 429,3 (95,2) 172,8 ( 4,8) 153,0 (15,6) 827,9 (81,4)
1968 2 956,0 (92,6) 236,9 ( 7,4) 162,8 (15, 7) 873,2 (84,3)
1969 3 739,4 (92,6) 298,2 ( 7,4) 170,7 (15,8) 910,8 (84,2)
1970 3 876,6 (92,4) 317,8 ( 7,6) 180,6 (15,8) 963,6 (84,2)

FONTE: Departamento Nacional de Estradas de Rodagpm - DNER.


Nots.: As quotas do FRN destinadas aos municípios são, em geral, utilizadas para custeio acima
dos limites estabelecidos. Assim, os dados de investimento estão por certo sobrestimados.

O crescimento das cidades brasileiras, com efeito, esteve, de ma-


neira geral, mais ligado na origem a uma base exportadora do que ao
desempenho de funções regionais. Assim sendo, o transporte eficiente e
moderno - que favorecia os cantatas com o exterior através da arti-
culação ferrovia-porto-navio - precedeu o processo de industrialização.
Este localizou-se em alguns centros de comercialização e/ ou embarque,
que polarizaram fatores de produção e destinaram manufaturas para o
mercado nacional, justamente com base em disponibilidade de trans-
porte de longa distância 10 • A expansão rodoviária, ao consolidar a uni-
dade do mercado interno, continuou a desempenhar para estes centros
a função de transporte de longa distância, apenas substituindo o siste-

10 Stohr, Wolter B. Some hypotheses on the role of secondary 4rowth centers as agents
for the spatial transmission of development in newly developin4 countries - the case
of Latin America. Ontario, Internacional Geographical Union, 1972.

158
ma anterior mais voltado para os mercados internacionais. É interessan-
te assinalar que a perda da base de exportação e a ausência de funções
regionais próprias, em um grande número de cidades, se deu paralela-
mente à disponibilidade do transporte rodoviário de longa distância,
sem adequada comunicação local. Aceleraram-se, assim, processos de
esvaziamento econômico, acentuando-se o processo de concentração
econômica em poucas cidades primazes.
Face ao atual estágio do nosso desenvolvimento, por conseguinte, a
ênfase excessiva na implantação de rodovias para atendimento do trá-
fego de longa e média distâncias, sem atentar objetivamente para a
conservação das redes existentes e para os problemas de acessibilidade
nas áreas rurais e metropolitanas, não será inadequada para servir aos
objetivos de modernização, eficiência e descentralização da estrutura
econômica? E a recuperação tecnológica das ferrovias, navegação e por-
tos, para colocar o nosso sistema de transportes em dia com as novas
técnicas de acondicionamento e manuseio de granéis e carga geral uni-
ficada, não será relativamente mais importante daqui para a frente?
Observa-se pela tabela 3-b o acentuado dinamismo da modalidade
rodoviária relativamente às demais. É apresentado o desdobramento da
movimentação global de carga pelas diferentes modalidades de trans-
portes, expressa em índices referentes à tonelagem-quilômetro anual
entre 1950 e 1970, comparativamente à evolução do produto real. Vale
a pena, portanto, examinar, sumariamente, alguns condicionantes res-
ponsáveis pela disparidade no ritmo de crescimento modal, antes de
retomar a linha de raciocínio conduzida até aqui.
Vários fatores interagiram, com efeito, no sentido de condicionar o
crescimento extensivo da infra-estrutura rodoviária, entre os quais me-
recem ser destacados: a) a rápida expansão e consolidação de um mer-
cado de âmbito nacional; b) o crescimento na demanda por matérias-
primas e alimentos, resultante dos processos de industrialização e urba-
nização, que pressionou continuamente a expansão da fronteira agrícola;
c) o incremento da frota de veículos, principalmente após a implanta-
ção da indústria automobilística no País; d) a política de subsídios aos
usuários e a preservação de mecanismos de vinculação e transferência de
recursos tributários, destinados à expansão da rede rodoviária 11 •
Com relação à destinação de recursos ao setor rodoviário, cabe lem-
brar que este beneficiou-se, a partir do pós-guerra, das receitas vincula-
das oriundas do Imposto único sobre Combustíveis e Lubrificantes, ten-
do a seu favor, assim, um processo de causação circular, através do qual
os acréscimos na extensão rodoviária induziram à expansão da frota de
veículos e ao maior consumo de derivados de petróleo, ampliando cumu-
lativamente a disponibilidade de recursos para a construção de novas
rodovias e melhoria das existentes. Os financiamentos internos e ex-
ternos dependeram, por sua vez, do comprometimento da parcela do

11 Ver cap. 7, pp. 257-60.

159
Tabela 3-b
Evolução do tráfego de mercadorias por modalidade de transporte
em índices elaborados a partir das t-km transportadas
(1950 = 100)

Espedicação 1850 1960 1970

Rodoviário 100,0 394,4 1 304,6


Ferroviário 100,0 159,0 363,9
Marítimo 100,0 157,6 234,8
Aéreo 100,0 100,0 200,0
Produto real 100,0 193,1 346,0

FONTE: O setor de transportes na economia brasileira. IPEA, set. 1972.

Imposto único que constitui o Fundo Rodoviário Nacional, o que colo-


cou o setor rodoviário em posição privilegiada para a captação de recur-
sos adicionais para aplicação na infra-estrutura viária.
O gráfico 1 mostra uma regressão efetuada, para o período 1950-
1970, entre a frota de veículos e a extensão da rede rodoviária. A ex-
tensão da rede em quilômetros (Y) foi colocada como dependente do
número de veículos (X). Encontrou-se um elevado coeficiente de deter-
minação, que pode justificar as considerações feitas anteriormente.
Este situou em 0,958, significativo ao nível de 5%, e a curva ajustada
foi um polinômio do 3.o grau:
Y = 3118,4 + 0,156X - 6,75.10- 8X 2 + 1,16.10- 14:& (R 2 = 0,958)
Não há lugar no escopo deste trabalho para o exame aprofundado
da política de subsídios concedidos, no passado, ao transporte rodoviá-
rio. Será asinalado, contudo, que enquanto ferrovias, portos e navega-
ção foram fortemente subvencionados de forma direta, através da co-
bertura dos seus déficits com recursos do Tesouro da União, os progra-
mas rodoviários de construção e manutenção se beneficiaram de trans-
ferências de recursos provenientes de outros setores da economia. O sub-
sidiamento ao transporte rodoviário não foi menos importante do que
as subvenções diretas concedidas às demais modalidades, apesar de se
fazer, em grande parte, por intermédio de mecanismos indiretos de na-
tureza igualmente inflacionária. Nos programas rodoviários houve his-
toricamente aquilo que se poderia chamar de "desequilíbrio financeiro"
interno ao setor, na medida em que os recursos provenientes dos encar-
gos aos usuários cobriam apenas parcialmente o conjunto das despesas.

160
Tabela do Gráfico 1

Extensão da rede rodoviária e trota de veículos no Brasil:


período 1952-70

Rede
Rodoviária
Ano Ntlmero de veículos
(em km de extensão)
(1)

1952 63 347 584 289


1953 74 269 621 983
1954 74 898 654 383
1955 76 298 679 832
1956 82 452 707 739
1957 97 715 735 332
1958 102 180 798 857
1959 105 807 891 584
1960 108 277 987 623
1961 111 866 1 123 820
1962 115 957 1 261 558
1963 117 555 1 452 764
1964 121 022 1 674 079
1965 129 430 1 875 457
1966 136 379 2 079 065
1967 153 022 2 371 838
1968 162 770 2 490 914
1969 170 727 2 770 171
1970 181 011 3 126 559

FONTE: Grupo de Estudos para Integração da Política de Transportes- GEIPOT.


(1) Rede rodoviária principal (estadual + federal).

É lícito afirmar que os usuários das rodovias - proprietários e opera-


dores de veículos- não pagaram, na verdade, integralmente os custos
econômicos de utilização da infra-estrutura existente 12 •

12 Abouchar, Alan. A política de transportes e a inflação no Brasil. Rio de Janeiro,


IPEA, 1967. Alan Abouchar mostra em seu trabalho que, entre 1953 e 1966, o déficit
anual médio dos programas rodoviários totalizou 68% do déficit orçamentário da União.
Além de revelar a convivência paralela dos dois déficits, o autor demonstrou o seu inter-
relacionamento através do excesso de demanda governamental sobre a capacidade instalada
de construção e conservação rodoviárias.

161
GRÁFICO 1

Regressão entre a extensão da rede rodovi6ria e a frota de .veículos


(per iodo 1952- 1970)

EXTÉNSÃO DARE E (EM MILHARES DE Km . )


200

69 .-"
~.I>

61j>....... --~
I
I
67/ ,
/.

120

100

70

50

00 1000 1500 2000 ' 2500 3000


VEICULOS (EM MILHARES DE UNIDADES)

O Fundo Rodoviário Nacional, destinado à conservação, manuten-


ção e ampliação da infra-estrutura viária, e que representou, até 1970,
uma parcela de 79,5 % da arrecadação total do Imposto único sobre
Combustíveis e Lubrificantes, pode ser considerado individualmente co-
mo o mais importante encargo ao usuário das rodovias. Apesar de sua
grande importância direta e indireta como recurso vinculado ao setor,
já mencionada anteriormente, o Fundo não tem coberto ultimamente,

162
por exemplo, mais de 38% das necessidades anuais de investimento do
DNER, após a transferência a estados e municípios, conforme mostra a
tabela 3-c. A diferença seria coberta, parcialmente, por recursos ante-
cipados de receitas futuras, tomados como empréstimos, ou mesmo ge-
rados fora do âmbito direto do setor rodoviário.

Tabela 3-c
DNER: proporção do Fundo Rodoviário Nacional destinada a
investimentos: período 1967-72
em milhões de cruzeiros de 1972 -
Especificação 1967 1968 1969 1972

a) Recursos do FNR 2 179,1 2 601,8 3 021,1 2 938,5 3 300,4 3 530,4


b) Cota destinada a custeio (até 30%) 241,7 237,5 286,0 314,1 414,4 427,8
c) Transferência (Estados e Municípios) 1 307,5 1 228,7 1 471,5 1 561,9 1 699,7 1 773,5
d) Amortização de empréstimos 217,4 41,4 5,7 53,5 133,4 223,9
e) Despesas diversas de capital 83,0 104,4 122,2 212,6 279,4 248,4
!) Total (b + c + d + e) 1 879,6 1 612,0 1 855,4 2 142,1 2 526,9 2 673,6
g) Disponível p/investimento rodoviário
e amortização de empréstimos 209,5 989,8 1 135,7 796,4 866,5 856,8
h) Percentagem (g, a) 13,7% 38,0% 37,6% 27,1% 25,5% 21,3%

FONTES: Departamento Nacional de Eetradas de Rodagem - DNER. Transplan-Planejamento e Projetos


de Transporte S. A.

É conveniente lembrar que, atualmente, a estrutura da receita de


capital do DNER, por fonte de recursos, está mais dependente, sem dú-
vida, do usuário, na medida em que as dotações de capital provenientes
do Tesouro da União, na forma de créditos especiais reduziram-se a pro-
porções pouco significativas e surgiram a Taxa Rodoviária única e o
Imposto sobre o Transporte de Passageiros (1968), que nos últimos três
exercícios financiaram cerca de 15% da despesa de capital do DNER (ex-
clusive transferências). As antecipações de despesas e operações de cré-
dito são, por outro lado, receitas estreitamente dependentes do IULCLG,
cuja parcela vinculada ao DNER é comprometida em anos posteriores.
Contudo, uma observação importante a ser feita é que recursos do PIN,
Proterra, Prodoeste etc., vinculados recentemente ao DNER, podem re-
presentar a volta ao esquema de financiamento rodoviário através da
receita tributária geral 13.
Desta forma, portanto, importante parcela dos investimentos na
infra-estrutura rodoviária teria sido financiada pelo déficit orçamentá-
rio da União ou pela receita tributária geral. Além disso, a própria arre-

13 No ano de 1972, do total das receitas de capital do DNER (Cr$ 3 922 milhões),
45,3% dos recursos eram provenientes diretamente das fontes ligadas aos usuários, 31,4%
de antecipações e despesas, operações de crédito e repasses diversos de receitas próprias e
nada menos do que 20,3% de fontes exógenas ao orçamento do Órgão (PIN, Proterra, Pro-
vale e Prodoeste) .

163
cadação do Imposto único atingiu consumidores disseminados pelo sis-
tema econômico e que muitas vezes não se utilizavam das rodovias na
proporção de sua contribuição 14 •
O mecanismo de subvenções diretas a ferrovias, portos e navega-
ção refletiram, por sua vez, a ineficiência daquelas modalidades, decor-
rente de um longo processo de descompasso tecnológico, dificuldades
operacionais e desordem administrativa. As políticas de tarifas e de in-
vestimentos não se compatibilizaram com as transformações econômicas
do País, condenando os sistemas operacionais a um quadro tecnológico
ultrapassado e estimulando adicionalmente a expansão do transporte
rodoviário 15 • A partir de 1964, em decorrência das profundas modifica-
ções na política econômico-financeira, as subvenções foram reduzidas
drasticamente, como primeiro passo à recuperação daquelas modalida-
des. Atualmente, as subvenções operacionais concedidas a portos e na-
vegação praticamente se extinguiram e aquela concedida às ferrovias
reduziu-se, em 1970, a cerca de 1/ 4 do seu valor em 1963, a preços cons-
tantes, representando as mesmas cerca de 90% dos recursos do Tesouro
da União destinados à cobertura de déficits operacionais em transportes.
É interessante assinalar, todavia, que, mesmo após 1964, ano que
marca uma tomada de consciência em relação ao problema da recupe-
ração das ferrovias, navegação e portos, continuou a existir uma elevada
participação relativa dos investimentos no setor rodoviário. A tabela 3-d
mostra que, do total de investimentos realizados nas diferentes moda-
lidades de transportes (considerando-se a infra-estrutura viária, os ter-
minais e veículos) por todos os níveis da administração direta e indireta
do setor público e por empresas privadas e de economia mista, coube ao
transporte rodoviário participação não inferior a 82%, no período 1964/
1970, enquanto sua participação no total das toneladas-quilômetro mo-
vimentadas não excedeu 73%. Em 1970, 87% do montante de investi-
mento eram concentrados no transporte rodoviário e 7% no ferroviá-

14 O uso industrial e doméstico de derivados de petróleo pode implicar, com efeito,


em transferência adicional de recursos em favor do setor rodoviário no âmbito do próprio
Imposto Único, na medida em que os usuários de rodovias contribuem para a formação do
FRN em proporção menor ao que é destinado ao programa rodoviário. Em março de 1970,
a reformulação da estrutura de destinação de recursos do Imposto Único reduziu a parti-
cipação do FRN para 76,6%, corrigindo, de certa forma, distorções anteriores. Cabe lem-
brar, ainda, que no âmbito do próprio FRN exige uma transferência considerável de
recursos dos usuários urbanos para aplicações nas ligações de média e longa distâncias
feitas pela União e Estados. Aqueles usuários, embora constituindo a maioria dos contri-
buintes, sofrem as deficiências de investimentos em áreas urbanas - especialmente metro-
politanas - pois estes são de responsabilidade local. A vinculação da Taxa Rodoviária
Única ao Programa de Vias Expressas pode atenuar este desequilíbrio, na medida em que
os ônibus interestaduais e caminhões pesados também a pagam.
15 BAER, W.; KERSTENETZKY, I.; SIMONSEN, M. H. Transporte e inflação:
um estudo da formulação irracional de política no Brasil. Revista Brasileira de Economia,
Rio de Janeiro, 16 (4):159-74, dez. 1962, tab., gráf.

164
rio 16 ; o primeiro movimentava 73 % da carga e o segundo 16 %. Estas
proporções dão uma idéia do desequilíbrio intermodal na destinação de
recursos.

Tabela 3-d
Brasil: investimentos e movimentação de carga por modalidade de
transporte: período 1964-70
- em milhões de cruzeiros de 1972 e bilhões de toneladas-quilômetros -
Rodovibrio Ferroviário Ridroviário Total
.\nu
Invest. Invest. Invcst.
(Cri) t-km (Cr$) t-km (CrS) t-km Inveet. t-km
1
I 2
I 3
I (Cr$)
I
7 050,5 54,5 74.1,8 16,0 489,6 14,8 8 281,9 85,3
196~ 85,1% 63,8% 9,0% 18,8% 5,9% 17.4% 100,0% 100,0%
7 606,9 71,6 1 076,9 18,7 526.4 15,5 9 210,2 105,8
1965 82,6% 67,7% 11,7% 17,7% 5,7% 14,7% 100,0% 100,0%
8 106,8 82,0 1 088,9 19,0 673,7 17,7 9 869,4 118,7
1960 82,2% 69,1% 11,0% 16,0% 6,8% 14,9% 100,0% 100,0%
8 699,0 93,9 809,1 19,7 572,3 20,'! 10 170,4 133,8
1967 85,6% 70,3% 8,8% 14,7% 5,6% 15,1% 100,0% 100,0%
9 039,1 107,5 734,9 21,5 861,5 21,2 11 235,5 150,2
1968 85,8% 71,6% 6,5% 14,3% 7,7% 14,1% 100,0% 100,0%
11 122,1 123,1 885,0 24,8 959,1 22,7 12 966,2 170,6
1969 85,8% 72,2% 6,8% 14,5% 7,4% 13,3% 100,0% 100,0%
12 332,5 140,9 I 051,1 30,2 857,2 21,6% 14 240,8 192,7
1970 86,6% 73,1 % 7,4% 15,7% 0,0% 11,2% 100,0% 100,0%

FONTES: IPEA, Ministério do Planejamentc. GEIPOT, Miniatério dos Transportes


1 Rodovias federais, estaduais e municipaia e veiculos automotores.
RFFSA, DNEF, Ferrovias Pauliatas e E . F. Vit6ria-Minas.
3 D:-IPVN, SUNAl\IAN, CVRD e FRONAPE.

Os anos de 1965 e 1966 assinalaram um pequeno decréscimo na


participação percentual dos investimentos rodoviários, relativamente aos
demais. A preocupação maior do Governo Federal, na época, era com a
racionalização operacional, administrativa e financeira das ferrovias,
navegação e portos. O contexto da estratégia governamental era o de
perseguir uma drástica redução do ritmo inflacionário - para o qual o
sistema de transportes contribuia de maneira marcante- e a utilização
mais racional das capacidades instaladas, evitando elevações despropor-
cionais nos níveis globais de investimentos 17 • Mas, a partir do momento
em que as taxas de crescimento econômico se elevaram- expandindo
a oferta final de bens e serviços e, conseqüentemente, as movimentações

10 Dos 1 051 milhões de cruzeiros investidos no transporte ferroviário em material


rodante e tração, remodelação de pátios e linhas, etc., 334 milhões foram de responsabilidade
da CVRD na E. F . Vitória-Minas.
17 BRASIL. Ministério do Planejamento e Coordenação Geral. Pt·ograma de Ação
Económica do Governo - 1964-1966. Rio de Janeiro, 1964.

165
de carga, o processo cumulativo de interação do volume de carga trans-
portado em rodovia e o nível de investimento na infra-estrutura e veí-
culos, voltou a favorecer crescentemente o transporte rodoviário.
Paradoxalmente, conforme mostra a tabela 3-e, o tráfego terrestre
denso (mercadorias a granel ou granelizáveis) cresceu, no período 1963-
1970, a um ritmo muito superior ao do conjunto das categorias de trá-
fego. Aquela categoria, essencialmente ferroviária, cresceu num contex-
to de carência de investimentos destinados à modernização tecnológica
dos processos de armazenagem, acondicionamento, manuseio e trans-
porte, principalmente no que se refere às mercadorias granelizáveis.
Parte do crescimento do transporte de carga densa, resultante de mo-
dificações aceleradas na composição da demanda, foi desviada para ro-
dovias ao invés de utilizar-se de sistemas integrados ferrovia-navio, ca-
pazes de propiciar reduções de custos através das indivisibilidades con-
dicionadas por aumentos de capacidade e uso intensivo de técnicas de
granelização, em "corredores" com elevada densidade de tráfego 18 •

Tabela 3-e
Brasil: evolução do transporte interurbano de mercadorias por
principais categorias de tráfego
- em bilhões de toneladas - qUilômetro -

1963 1970 Taxa de


cresci-
mento
Categorias de tráfego média
anual
t-km % t-km % 1970/1963

l. Carga geral 72,4 80,7 160,1 78,7 !l,7


2. Tráfego terrestre denso 7,6 8,5 24,9 12,2 10,0
3. Tráfego de cabotagem para petróleo
e derivados 6,7 7,5 13,7 6,7 2,0
4. Tráfego de cabotagem para carga
seca a granel 3,0 3,3 4,9 2,4 6,1

Total 89,7 100,0 203,9 100,0 27,8

FONTES: Corredores de transportes e desenvolvimento regional. Pesquisa e Planejamento


Económico, n. 2, dez. 1972.

18 IPEA. Corredores de transportes. Rio de Janeiro, 1971 (Documento de Trabalho, 1).

166
4. A busca de maior racionalidade na destinação de recursos
para investimentos
A ampliação nas escalas de produção das indústrias de base e das ati-
vidades extrativas e agrícolas, a.ssociada à expansão das exportações de
toda uma gama de mercadorias que, para tornarem-se competitivas no
mercado internacional, deverão ter seus custos de transferência situados
abaixo de certos limites, solicitará dos transportes marítimo e ferroviá-
rio um atendimento compatível em escala e qualidade.
Com efeito, a maior difusão de técnicas de granelização para a car-
ga densa e o emprego intensivo das novas modalidades de unificação de
carga geral em lotes homogêneos (pranchas de carga contentores etc),
necessárias à compatibilização dos fluxos internos aos padrões inter-
nacionais de manuseio, transporte e estocagem de mercadorias, indu-
zirá uma reformulação profunda na política de transporte do País. No
nosso atual estágio de desenvolvimento, todavia, os problemas de coor-
denação intermodal deverão ser equacionados muito mais na faixa da
compatibilidade e integração de modalidades complementares, em cer-
tas rotas ou "corredores'', do que na faixa relativa às atividades de trans-
porte concorrente 19 •
Neste sentido, as estruturas administrativas dos portos e ferrovias
deverão ser moderni?.adas, de forma a aumentar a capacidade de res-
posta aos acréscimos da demanda. Por outro lado, deverá ser superado
o longo período de estagnação tecnológica, através de investimentos
maciços numa infra-estrutura modernizada e em novas instalações,
equipamentos e material rodante, sob pena de comprometer futuros es-
quemas de escoamento através do transporte combinado e para os quais
as soluções exclusivamente rodoviárias se revelam inadequadas. Tais in-
vestimentos deverão ser concentrados, obviamente, em um número re-
duzido de "corredores", onde a densidade de carga justifique o emprego
de modernas técnicas de manuseio e transporte.
O transporte ferroviário e a movimentação portuária apresentam
no Brasil, entretanto, densidades baixas quando comparadas a países
mais desenvolvidos. No caso das ferrovias, por exemplo, o índice médio
de densidade de tráfego (milhares de toneladas-quilômetro por quilô-
metro de via e por ano) situava-se, em 1970, em 942. Uma comparação
com países industrializados - inclusive com aqueles de pequena exten-
são territorial- mostra a pequena significância daquele valor. A den-
sidade de tráfego, na verdade, está muito mais relacionada com o nível
e diversificação da atividade produtiva - principalmente industrial e,
portanto, com a disponibilidade de carga densa transportável por ferro-
via, do que propriamente com a dimensão territorial ou a extensão de
linhas. A tabela 4-a apresenta a referida comparação para o ano de 1970.

19 Bourrieres, Paul. L ' économie des transportes dans Ies progra~es de dévéloppe-
ment. Paris, Presses Universitaires de France, 1964.

167
Convém lembrar que apenas três estradas de ferro no Brasil (E. F. Vi-
tória-Minas, E. F. Santos-Jundiai e E. F. Central do Brasil) apresentam
indicadores próximos às médias de países desenvolvidos e outras duas
com índices acima de 700 (E. F. Sorocabana e E. F. Amapá), situando-se
todas as demais abaixo do índice 500, considerado internacionalmente
como representativo do limite superior de fracas densidades de carga.

Tabela 4-a
Tráfego ferroviário de mercadorias: ano de 1970
(comparações internacionais)

Comprimento Toneladas- Densidade de


de linhas quilômetro tráfego
Países
exploradas transportadas (milhares de
(em km) (cm milhões) t- km/km/ano )

.\lemanha Federal 00 123 7:3 544 2 220

Brasil 32 102 :]() 2.'5.) 043


Espanha 15 5\J:l 10 340 633
Estados Unidos J34 85F 1 113 310
França 36 ow 72 07~) 2 000
Índia. r;g 0611 128 24f'" 2 171
México2 1!) 732 23 560 1 1\)1
Polôuia 23 311 \)!) 261. 4 258
Reino Unido 18 998 24 550 1 293
Tchecoslováquia. 13 308 55 010 4 201
2 \) 53.)
União Soviética 253 700 2 418 958

FONTES: Annual Bulletim oj 'l'ransport Statistics for Europc-Unilcd Nations, 1971.


Revtte Génémle d().~ Chémins de Fe>·, Paris, Dunod Editeur, jul./oct. 1\170.
1 Ano de 196R.
2 Ano de 106\J.

Com relação aos portos, pode-se fazer igualmente uma comparação


internacional para o ano de 1970, tomando como indicador a tonelagem
movimentada de carga geral por metro linear de cais e por ano. Trata-se
de um índice de produtividade que não leva em conta a movimentação
de carga em terminais especializados, mas que é bastante representativo
da eficiência de um porto. Observa-se pela tabela 4-b que os maiores
portos brasileiros têm seus índices situados abaixo de 700 toneladas,
considerado satisfatório para portos de tamanho médio (200 mil tone-

168
lactas de carga movimentadas anualmente 20 • Sabe-se que as modifica-
ções estruturais verificadas no transporte marítimo nas últimas décadas
acarretaram profundas modificações na economia portuária 21 •

Tabela 4-b
Movimentação de carga geral nos portos: ano de 1970
(comparações internacionais)

:Movimcn to de Extensão de Produtividade:


Portos Carga Geral Cais tonelada/metro
(em milhares de t) (cm metro~) linear de cais/ano

Paranaguá 711,7 1 590,00 447,61


Recife 1 318, l .') 656,00 233,04
Rio Grande 687,0 1 870,00 367,86
Santos
., 704,6
•} 8 147,15 454,71
Vitória :~68,7 1 504,00 245,15
Le Havrc " 500,0
u 1 93 1,16 1 812,38
Roterdã 27 000,0 34 040,00 819,62

FONTES : Departamento Nacional de P ortos e Vias Navegávei•. European Port Authorities.


Rolterdam - Europoort-Dclta-107 1/1.

Os portos brasileiros, todavia, não acompanharam adequadamente


a revolução tecnológica da navegação. Envolvidos, quase sempre, pe-
los espaços urbanos centrais, não dispõem de uma retaguarda para lo-
calizações industriais, pátios para depósitos de contentores ou outros
lotes unificados de carga geral, silos para mercadorias granelizadas,
espaços para instalações especializadas de embarque etc., apresentando
por conseguinte índices de produtividade muito baixos.

20 Convém lembrar que tais índices devem ser tomados com reserva, considerados
mais como uma primeira ordem de grandeza, pois o rendimento depende de inúmeros
fatores tais como: tipo de mercadoria, peso médio, modalidade de acondicionamento, mé-
todo de embarque, existência ou não de congestionamento etc. O índice de rendimento por
berço seria mais representativo da eficiência portuária, pois se relaciona mais diretamente
com o tipo de movimentação (Cr. Baudelaire, J. G. Port planning. Delta, 1971). A grande
dificuldade envolvida para obtenção dos índices de movimentação de carga geral por
metro de cais, obrigou-nos a considerar a extensão total dos cais, o que subestima os
resultados para a produtividade da carga geral. Com isso foi feito par!l todos os portos
da tabela 4-b, os dados são homogêneos e permitem uma comparação, grosso modo, dos
seus níveis de produtividade.
2 1 Winkelmans, W. Changements de struture dans la navigation maritime et leur
rapport avec le traffic portuaire - 1950/ 69. Echos des Communications, Bruxelles, Minis-
tere des Transports de Belgique, 1971.

169
Na medida em que a estrutura econômica brasileira se modificar ,
como resultado de um processo de diversificação e modernização do
setor industrial, é de se esperar que, do fluxo adicional de bens interme-
diários e finais a ser gerado, uma parcela significativa se traduza em
demanda pelos serviços de transporte ferroviário e marítimo.
Considerando o transporte ferroviário, apenas, pode-se observar,
através do gráfico 2, o ajustamento de uma curva exponencial (Y = aXb)
a partir da regressão entre o tráfego ferroviário, expresso em toneladas-
quilômetro per capita, e o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, em
dólares, para um conjunto de 24 países em diferentes níveis de desen-
volvimento, no ano de 1968. As toneladas-quilômetro (Y) foram consi-
deradas dependentes dos níveis do PIB (X) e o coeficiente de determi-
nação foi de 0,778, significativo ao nível de 5 %:
log Y = 0,2659 + 0,8811 log X
(0,10826)
(R 2 = 0,778)

Tabela do Gráfico 2
Tráfego ferroviário (em toneladas-quilômetro per capita) e
Produto Interno Bruto (em dólares per capita)
(comparação internacional: ano de 1958)

PIB ao custo de T-km


Paí~cs fatores per-capita per-capita
(USS/hab.) (l- kmfhab.)

Í ndia 78 207
Paquistão 130 82
R AU 166 95
Brasil 2~~3 240
I rã 2!18 82
T urquia 330 157
Chile 520 284
M éxico .564 430
Argentina 658 547
Espanha 737 253
Itália 1 260 327
J apão 1 308 580
Áustria 1 323 1 120
Finlândia 1 Mi6 1 223
Alemanha Ocidental 2 04 I I 013
Noruega 2 158 658
França 2 215 1 263
Austrália 2 260 ] 671
Suíça 2 55!1 1 001
Suécia 2 012 1 873
EUA a 056 5 402

FONTE : Statistical Y earboolc, ONU, 1970.

170
GRÁFICO 2

Regressão entre o tráfego ferroviário (em toneladas -quilômetro per copi1o)


e o Produto Interno Bruto (em dÓlares per copi la )
ano de 1968

6000
EUA o
5000

4000

3000

2000 SUÉCIA
AUSTR A LI A o
o

FRANÇ
FH,LÂNDIA o
• o
AUSTRIA
o
SUlCA
1000 AL !õi.IANHA OCIOSNTAL o o"
900
800
700 NORUEGA
o
JAPÃO
600 ARGENTINA o
o
500
MÉXICO
o
400

ITÁLIA
Q
300 CHILE
BRASIL
o ESPANHA
o

200

TURQUIA
o

R AU
100 j
~,,:
90 IRÃ
80 o

70
60

200 400 600 BOO 1000 2000 4000


PIB PER CAPITA
( US$)

171
Apesar de tal coeficiente não ser muito elevado, a cross-section rea-
lizada pode permitir uma extrapolação, grosso modo, do tráfego ferro-
viário do Brasil em função da evolução futura dos níveis do PIB per
capita 22 •
Embora considerando as perspectivas de evolução natural do tráfego
ferroviário e marítimo, é preciso admitir que para atingir plenamente
os fins de modificação substancial na capacidade de algumas ferrovias
e alguns portos - para que a redução de custos torne realizáveis am-
biciosas metas empresariais - será necessária uma revisão profunda
dos mecanismos tradicionais de destinação de recursos a fim de possibi-
litar a recuperação do descompasso tecnológico que aflige nosso trans-
porte, não rodoviário.
O resultado do processo cumulativo de expansão dos recursos para
rodovias, referido anteriormente, pode ser observado na tabela 4-c.

Tabela 4-c
Brasil : investimentos na infra-estrutura de transportes
- período- 1964-70
(em milhões de cruzeiros de 1972)

Rodovia~ .Ferro v ias<0 Portos l' Total •


.\nos hicl rovias

C1
Cr$
I /O Cr8
I % Cr8
I % CrS
I
C1
<0
-
l!J64 1 547,8 64,4 74 1,8 30,8 116,7 4,8 2 406,3 100,0
196-í :~ 145, 6 71,8 1 076,U 24,6 155,4 3, 6 4 377,9 100,0
1966 2 875,4 71,\l 1 008,9 25 , ~ 114,6 2,9 3 998,9 100,0
1967 3 602, 1 77,0 899, 1 10,2 180,6 3,8 4 68 1,8 100,0
1!168 ~; 192,!) 78,4 734,!) 18,0 147,2 3,6 4 075,0 100,0
Hl6!l 4 037,6 7!1,0 885,0 17,:'{ 18\J,6 :~,7 5 112,2 100,0
1()70 4 J\)4,1 -- •)
IJ , - 1 05 1,1 18,8 034,3 6,0 5 579,8 100,0

FONTES: IPEA, l\'Iinistério ci'l Pl:uwjamcnto. OEIPOT, M inistério dos T ransportes.


(I)
I ncluem material rodante c ele traçào.

Observa-se que, muito embora tenha havido acréscimos absolutos


nos recursos aplicados na infra-estrutura de transportes pelo setor pú-
blico e empresas de economia mista, a expansão do setor rodoviário se
fez às expensas da participação relativa menor das ferrovias e portos
no rateio dos recursos destinados à implantação e melhoria da infra-es-
trutura de transportes. Este fenômeno reveste-se de maior gravidade
quando se sabe que justamente as ferrovias e os portos constituíram-se
em estrangulamentos à eficiência do sistema econômico, por força, como

22 Ver cap. I , p . 30·32.

172
já foi dito, da estagnação tecnológica, desordem administrativa e defici-
ências operacionais verificadas anteriormente a 1961. Além disso, sabe-
se que grande parte dos recursos destinados às rOdovias traduziram-se
em ampliação extensiva da malha principal, sem uma compatibiliza-
ção adequada do tráfego de longa e média distâncias ao tráfego local,
rural e urbano (acessos urbanos, estradas alimentadoras e vicinais, etc.).
Mesmo que se considere que o Orçamento Plurianual de Investimen-
tos 1972-1974 já procura agir no sentido de diminuir a importância
relativa dos investimentos na infra-estrutura rodoviária, destinando
maiores somas de recursos ao reaparelhamento das ferrovias e portos
(tabela 4-d), é claro que os próprios mecanismos de destinação de re-
cursos a estes setores não são favoráveis à sua concentração num núme-
ro reduzido de empreendimentos com elevada eficiência. Apesar dos
grandes avanços verificados em termos de diminuição do financiamento
do déficit da RFFSA com recursos do Tesouro, da criação do Fundo de
Desenvolvimento Ferroviário, do aperfeiçoamento na distribuição do
Fundo Portuário e da Taxa de Melhoramento dos Portos, além da di-
versificação de fontes de financiamento internas e externas, continua a
haver dispersão de recursos, naqueles setores, em um número muito
grande de empreendimentos espalhados pelo Território Nacional, cuja
viabilidade técnico-econômica é duvidosa. A tabela 4-e mostra, para o
ano de 1971, a destinação de recursos para investimentos portuários.
Observa-se que o critério de distribuição das dotações orçl,tmentárias e
do Fundo Portuário Nacional obedece muito ao sentido de eqüidade ao
distribuir recursos entre um grande número de pequenos portos, sem
uma preocupação com funções regionais claramente definidas.
É conveniente lembrar que estudos de consultaria baseados na ex-
trapolação de séries históricas e visando aparentemente a "reaparelhar"
ferrovias ou portos, permitindo que órgãos governamentais obtenham
financiamento externo para compra de equipamento, pOdem não condu-
zir a alterações substanciais nas condições da infra-estrutura e instala-
ções. É da maior importância que em alguns "corredores", onde o po-
tencial de expansão de carga densa o justifique, sejam concebidas solu-
ções novas e arrojadas que concentrem recursos- desviando-os de em-
preendimentos com limitadas perspectivas futuras - ao invés de am-
pliar vegetativamente as capacidades de improvisar instalações que
rapidamente estarão fora de uso.
Na verdade, o que se afigura como mais importante é a reavaliação
profunda do mecanismo de destinação de recursos para investimentos
em transporte. É preciso evitar, no futuro, uma excessiva vinculação de
recursos ao transporte rodoviário e a continuação da tendência de dis-
persão por um número muito grande de empreendimentos de reduzida
eficiência, nas outras modalidades 23 • A orientação da política de trans-

:!3 Cabe notar que a concepção de expansão extensiva da infra-estrutura rodoviária


conduziu, igualmente, a uma dispersão de recursos neste setor por um número muito grande
de empreendimentos.

173
Tabela 4-d
Orçamento plurianual de investimentos: recursos programados para
investimentos em transportes pelo setor público: período 1972-1974
- em milhares de cruzeiros de 1972 -

Rodovia~< o Ferrovias Portos e Total


hidmvias
Anos
('I I
Cr$
I 7o CrS
I ,o CrS
I % Cr$
I %

1974 5 0!)7,9 73,1 1 480,2 21,2 394,2 5,6 6 972,3 100,0

FONTE: IPEA, SOF, !llinistério do Planejamento.


'0Nüo estão computados os rccur:;os a serem transferidos pelo PIN c PROTERRA.

Tabela 4-e
Distribuição percentual dos investimentos e movimentação de carga
nos portos brasileiros - 1971

Movimentação
Porto~ 1) FP!-1 2) F:\IP Total (1 + 2) de carga

lllanaus 2,77 1,74 2,06


Belém 0,49 2,19 1,56 4,4:3
ltaqui 25,43 !),45
Mucurípc 0,4!) 1,02 0,8:3 1,45
Cabedclo 0,37 0,60 0,50 0,36
Recife 12,35 2,56 6,20 3,68
Maceió 10,00 0,60 4,08 1,20
Aracaju 0,07 0,05 2,43
Salvador 3,70 1,39 2,25 1,02
Ilhéus 1,61 0,00 0,60 0,53
Vitória 40,2 2,52 6,15
Angra dos Reis 5,:30 0,37 2,20 0,71
~iterói 0,22 0,14 0,60
Rio de Janeiro 2,22 16,87 11,43 35,05
São Sebastião 0,66 0,41
Santos 9,07 56,54 38,92 20,51
Paranagu:i 20,37 1,39 8,45 4,7'1
Antonina 0,12 0.36 0,28
S. Francisco do Sul 0,99 0,22 0,50 0,2·l
ltajaí 2,35 0,66 1,28 0,()2
Imbitub:t 0,75 0,07 0,32 1,51
Itio Grande 0,00 2,84 1,79 4,75
Porto Alegre ·1,33 4,52 4,45 6,78
Pelo tas 0,07 0,05 0,61
Total 100,00 100,00 100,00 100,00
(Cr!; 81,0 (Cr$ 136,9 (Cr$ 217,9 (65 949 mil
milhões) milhões) milhõe~) toneladas)

174
portes deve se dar no sentido de conceber e hierarquizar sistemas inte-
grados do ponto de vista operacional e permitindo o emprego de técnicas
de acondicionamento, manuseio, armazenagem e transporte, compatí-
veis entre si. A tradicional tendência à política extensiva de ampliação
de capacidade, deve dar lugar a uma política seletiva de aplicação in-
tensiva e integrada de recursos em rodovias, ferrovias e portos de eleva-
do sentido econômico nacional.
Neste sentido, se parte dos recursos destinados ao setor rodoviário
for vinculada compulsoriamente a programas de investimentos coorde-
nados com terminais ferroviários e portuários e com centros de armaze-
nagem, de modo a enfatizar complementariedades do transporte combi-
nado e economias de escala de sistemas integrados de escoamento, será
possível, na próxima década, reformular profundamente as concepções
básicas da política de transportes, sem com isto atingir os programas
rodoviários pela simples restrição de recursos.

5. Conclusão
Em conclusão à avaliação da política de transportes e ao exame das suas
perspectivas para a década de 70, pode-se sumarizar, por modalidade,
as diretrizes mais importantes que deverão condicionar o processo de
modernização tecnológica e aumento de eficiência do setor.

5.1 Transporte ferroviário


a) Prioridade pela melhoria tecnológica, operacional e adminis-
trativa dos troncos ferroviários onde se verificam importantes densida-
des de tráfego- atuais ou potenciais- traduzidas por grandes massas
de mercadorias granelizáveis ou unificáveis em lotes homogêneos e sig-
nificativos, que tenham como origens (ou destinos) as grandes concen-
trações industriais, os importantes centros de consumo ou os portos re-
gionais; '
b) incentivo ao uso do transporte ferroviário, não através de sub-
sídios ou artifícios tarifários, mas mediante o aumento de eficiência-
resultante da sua especialização - e a ampliação do poder de compe-
tição - obtida através da maior agressividade comercial na prestação
dos serviços.

5.2 Transporte marítimo


a) Prioridade para a melhoria tecnológica e operacional da nave-
gação de cabotagem, incorporando inovações que se revelem adequa-
das à escala e características da prestação dos serviços no País, tendo em
vista a restauração da confiança do usuário e a disputa mais agressiva
de cargas adequadas ao transporte marítimo;

175
b) utilização cada vez maior · da navegação de longo-curso como
instrumento ativo da politica de fomento às exportações, através da
ampliação da oferta interna de navios especializados com elevada capa-
cidade unitária;
c) manutenção da política de maior participação da bandeira na-
cional no transporte de longo-curso, através de ativa atuação nas con-
ferências de frete, de acordo com os melhores interesses do País no co-
mércio marítimo internacional.

5.3 Sistema portuário


a) Concepção do porto como um pólo dinâmico de atração e distri-
buição de cargas entre o navio e o transporte terrestre, acompanhada
de uma hierarquização funcional dos portos do País segundo suas ca-
pacidades, funções nos comércios de cabotagem e de longo-curso e po-
tencial de polarização de tráfego ;
b) racionalização dos investimentos portuários, através da concen-
tração de recursos em um número reduzido de portos regionais com
elevado potencial de polarização e da montagem de um eficiente sistema
alimentador para aqueles portos regionais;
c) prioridade para adequação da infra-estrutura, equipamentos e
instalações dos grandes portos regionais à evolução tecnológica do trans-
porte marítimo, dando ensejo à implantação e operação eficiente de
terminais especializados para movimentação de grandes massas de gra-
néis, utilização intensiva de contentores, pranchas de carga e outros
métodos de unificação de carga geral.

5.4 Transporte rodoviário


a) Prioridade para a conservação rodoviária dos grandes troncos
federais, através da implantação de sistemas de pedágio ou de contra-
tos específicos com empresas especializadas, visando maior autonomia,
eficiência e dinamismo naquela atividade;
b) prioridade para o problema do tráfego local, rural e urbano,
para permitir uma utilização mais adequada da capacidade instalada
nos grandes troncos federais;
c) prioridade para a implantação de vias expressas com elevada
capacidade de tráfego para atender as grandes concentrações de via-
gens interurbanas no âmbito das áreas metropolitanas.
Nas diretrizes anteriores estão implícitos, evidentemente, os obje-
tivos de coordenação de investimentos e integração operacional de sis-
temas de escoamento, que deverão fundamentar a futura política de
transportes, no que diz respeito aos mais importantes "corredores de
transporte" do País, com ênfase no transporte combinado de merca-
dorias.

176
Convém lembrar, finalmente, .que aos postuladores daquela política
caberá também ter a preocupação com a futura disseminação geográ-
fica do nosso desenvolvimento econômico e social. Dessa forma, para
as áreas mais atrasadas do País, ou para os vazios econômicos que de-
verão ser incorporados à economia nacional, os investimentos em trans-
portes deverão ter a função primordial de eliminar obstáculos que im-
pedem a propagação espacial do desenvolvimento. Aqueles investimen-
tos deverão ser vistos todavia, não dentro de uma perspectiva regional
ou setorial, isoladas, mas sim como redes locais, alimentadoras e rurais
ou regionais de colonização, complementares e integradas a um con-
junto de prioridades básicas de alcance nacional.

Apêndice

A reformulação da política de transportes e o desenvolvimento regional


A reformulação na política de transportes implicará uma profunda
alteração na concepção básica da própria política de desenvolvimento
regional. Sabe-se que, no Brasil, o desenvolvimento de regiões estagna-
das ou a ocupação de novas fronteiras foram encarados historicamente
no âmbito restrito da política de valorização da região por si mesma,
independentemente do País visto em seu conjunto. Em muitos casos,
chegou-se a extremos de irracionalidade na localização industrial, como
decorrência de políticas de desenvolvimento de estados ou de regiões
formuladas com o intuito precípuo de repetir localmente as linhas bá-
sicas do modelo de industrialização nacional, através da substituição de
importações.
Uma nova perspectiva do desenvolvimento regional seria a de admi-
tir que este deve ser condicionado ao contexto de desenvolvimento do
País, para permitir maior dinamismo e eficiência da economia nacional.
As políticas regionais, portanto, deverão depender muito mais de uma
desconcentração geográfica racional das atividades dinâmicas e não de
uma simples descentralização da atividade econômica em geral 24 • Isto
com a finalidade de obter maiores economias de escala, favorecer a ten-
dência à concentração em unidades produtivas maiores e permitir uma
descentralização geográfica apenas para atividades que, no âmbito do
desenvolvimento nacional, usufruam de maiores vantagens comparati-
vas na sua localização.
Sabe-se que, no passado, as políticas de desenvolvimento regional,
particularmente na Região Nordeste, foram concebidas em termos dos
mecanismos de incentivo fiscal que favoreciam a aplicação de recursos
em atividades industriais e marginalizando, de certa forma, o setor pri-
mário. O Nordeste estaria repetindo, em escala menor, o processo de

24 Boudeville, Jacques. Les techniques récentes de la science economique ré,ionale.


op. cit.

177
desenvolvimento verificado no centro-sul do País, urna vez que sua in-
dustrialização seria baseada na substituição de importações, antes pro-
venientes do centro-sul. Os incentivos visaram, particularmente, ao se-
tor industrial da economia nordestina, procurando principalmente o
atendimento do mercado regional. O setor industrial nordestino prote-
geu-se historicamente da competição com as importações do centro-sul
em virtude da ausência quase completa de integração entre as econo-
mias. Esta ausência de integração deveu-se, de um lado, à falta de corn-
plernentariedade das suas estruturas de produção e, de outro lado, às
deficiências crônicas do sistema de transportes !!J.
A barreira de altos custos de transporte e a estagnação do intercâm-
bio entre o Nordeste o centro-sul garantiram, no passado, para a indús-
tria nordestina os mercados regionais. A melhoria das ligações rodo-
viárias prejudicou o poder de competição das indústrias tradicionais,
voltando-se a industrialização nordestina para os setores mais dinâ-
micos e competitivos com aqueles montados no centro-sul. Estaria sen-
do montada no Nordeste, urna estrutura industrial compe-
titiva, corno a do centro-sul, nos setores de bens duráveis e equipamen-
tos. A melhoria do sistema de transportes, ao invés de integrar estas
duas estruturas, poderá, ao contrário, acentuar a sua competitividade,
desde que não sejam racionalizadas certas complementaridades do pro-
cesso produtivo.
Cabe lembrar, por outro lado, que os programas de desenvolvimento
regional partiram, quase sempre, do pressuposto que o investimento em
transporte, especialmente o investimento rodoviário, geraria sua própria
demanda, dinamizando o desenvolvimento econôrnico. Abandonou-se
com isso a perspectiva de que o investimento em transportes relaciona-
se, fundamentalmente, com problemas de localização e desempenha uma
função econômica básica: a de deslocar mercadorias e fatores de produ-
ção 26 • Não foi dada a devida atenção, por conseguinte, às possibilidades
de esvaziamento econôrnico das regiões, na ausência de fluxos que jus-
tificassem economicamente os investimentos. Os investimentos em trans-
portes (especialmente rodoviários) adquiriram, nas regiões-problema,
aspectos de medidas de emergência, procurando fixar a mão-de-obra
através da melhoria das condições de vida locais. Muitas vezes, entre-
tanto, os efeitos foram diversos, acarretando drenagem de recursos pro-
dutivos e mão-de-obra para as regiões mais dinâmicas.
O aspecto da exploração intensiva de recursos naturais e montagem
complementar de estruturas de transformação foram relegados a plano
secundário nas formulações de política regional. Assim, não somente
as estruturas industriais do Nordeste e do centro-sul apresentam au-
sência de complementaridade, como também as próprias estruturas de
produção primárias. Um grande número de produtos agrícolas e extra-

!!~V. cap. 6, pp. 238 e seguintes.


26 Wilson, George W . The impact oi highway investment on development. Wa sh -
ington. The Brookings Institution, 1965.

178
tivos são competitivos entre o centro-sul e o Nordeste (p. ex., o algodão,
o açúcar, etc.), sendo que a excessiva ênfase em programas de indus-
trialização substitutiva não permitiu a formulação de política de espe-
cialização primária regional em níveis de eficiência compatíveis com a
manutenção do seu poder de competição.
Por conseguinte, ao invés dos investimentos em transportes aten-
derem à exploração eficiente e intensiva dos recursos naturais, foram
criadas infra-estruturas regionais de transporte com uma grande mar-
gem de capacidade não utilizada (o Nordeste, p. ex., é relativamente
bem dotado de rodovias). A ausência de condições eficientes de opera-
ção dos transportes criou, por outro lado, dificuldades para a colocação
de produtos primários dinâmicos no mercado externo e mesmo no mer-
cado do centro-sul.
É de fundamental importância lembrar, finalmente, que o sistema
de transportes das regiões-problema e das novas fronteiras de ocupação
do território, além de desempenhar uma função de promover a inte-
gração econômica e social de regiões periféricas aos núcleos mais dinâ-
micos, deverá objetivar, principalmente, o aumento das possibilidades
de desenvolvimento nacional, através da abertura de novas linhas de
exportação e abastecimento interno. As vias de transportes, por conse-
guinte, não deverão pura e simplesmente visar a ocupação do território,
mas sim servir de suporte básico às possibilidades de expansão do setor
primário - e da transformação da estrutura de produção primária de-
corrente - nas economias regionais.

179
Capítulo IV - ECONOMIA REGIONAL E PLANO-DIRETOR
RODOVIARIO - UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A ANALISE DO
PROBLEMA DAS RODOVIAS ALIMENTADORAS
E RURAIS*

1. Introdução; 2. Implicações regionais do plano-diretor rodoviário;


3. Plano-diretor e região-programa; 4. Zoneamento da região-progra-
ma; 5. Zonas de tráfego e efeitos polarizadores; 6. Determinação dos
fluxos de transporte; 7. Rodovia troncal e região polarizada; 8. Rodo-
via alimentadora e região homogênea; 9. Capacidade de geração de
tráfego de uma rodovia troncal; 10. A análise benefício-custo e o fenô-
meno de polarização; 11. Limitações no emprego da análise benefício-
custo; 12. Conclusões.

1. Introdução
Durante os últimos 30 anos de seu desenvolvimento, o Brasil apresentou
uma expansão muito rápida no que diz respeito a sua fronteira agrí-
cola. Esta foi, realmente, a única possibilidade de a agricultura acom-
panhar as elevadas taxas de crescimento do setor industrial. Com efeito,
foram bastante limitadas, neste período, as ampliações da oferta de
produtos agrícolas mediante utilização mais intensiva das terras culti-
vadas. A agricultura brasileira operou tradicionalmente a baixíssimos
níveis de produtividade e, desta forma, aquela oferta expandiu-se pela
linha de menor resistência: a ocupação de novas terras. Num país onde,
em princípio, a disponibilidade é praticamente ilimitada neste fator de
produção, a ocupação de terras fez-se de maneira desordenada e em
várias direções.
Assim, a expansão daquela fronteira foi acompanhada, de maneira
improvisada e com certa defasagem, pela criação de uma infra-estrutura
de transportes, comunicações e serviços básicos. Dada a necessidade de
atendimento urgente da demanda de matérias-primas por parte do se-

* Trabalho premiado no VI Simpósio de Economia Ro~oviária promovido pelo Ins-


tituto de Pesquisas Rodoviárias do Conselho Nacional de Pesquisas de 20 a 25 de julho
de 1970. Publicado em Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, 26 (2): 147-180,
abr./dez. 1972.

181
tor industrial e a premência no abastecimento com alimentos dos
núcleos urbanos em explosivo crescimento, a oferta de produção primá-
ria pode sustentar elevados custos de transportes. Estes resultaram das
distâncias, cada vez maiores, a serem cobertas desde os locais de produ-
ção até os centros de consumo. A estrutura oligopolística da indústria
brasileira localizada no eixo Rio-São Paulo, por sua vez, constituiu-se
num fator adicional de sustentação dos elevados custos de transporte.
Em conseqüência, além do encarecimento relativo da produção primária,
foram geradas distorções graves no mecanismo de sua comercialização.
Isto significou, muitas vezes, preços mais altos para o consumidor nos
centros urbanos e acréscimos de custos de produção para as atividades
industriais.
Esta expansão da fronteira agrícola poderia ser explicada pela
existência disponibilidades de terra e mão-de-obra, com custos alter-
nativos baixos, nas áreas ou nas regiões mais afastadas dos grandes
centros consumidores. Isto porque, apesar da extensão territorial do
país, houve uma limitação real no estoque de terras para o atendimen-
to das necessidades do mercado interno, devido a uma estrutura rígida
de propriedade da terra ou a um custo elevado de venda ou arrenda-
mento nas áreas que gozariam, em princípio, de maior vantagem com-
parativa em relação ao transporte. Em parte, o imobilismo desta estru-
tura agrária impedia, nas regiões mais próximas dos centros de con-
sumo, resposta adequada às necessidades de matérias-primas e alimen-
tos. Por outro lado, havia maior preocupação com a especulação e as
inversões na imobilização de terras do que adaptação ou criação de em-
presas agrícolas operando com melhor índice de produtividade. Na mes-
ma época ocorreu outro fator predominante: o intenso processo infla-
cionário que limitou os investimentos produtivos em favor da imobili-
zação em terras ou em bens imóveis, em geral, nos centros urbanos.
No que tange à infra-estrutura de transportes, a preocupação maior
foi atingir os limites da fronteira agrícola mediante grandes rodovias
trancais. Não foi levada em conta a integração de áreas vizinhas com
estas rodovias ou daquelas entre si. Assim, é ainda freqüente encontrar-
se, em regiões de colonização mais recente, amplas áreas de economia
de subsistência voltadas para o autoconsumo, por falta de uma inte-
gração efetiva com o mercado regional ou nacional. Mesmo quando estas
áreas se ligam com o resto do país, elas o fazem de maneira intermi-
tente, transportando sua produção a custos elevados. A iregularidade
dos fluxos e a deficiência ou inexistência de capacidade de regularização
local por intermédio de armazéns e silos constituem-se em fatores limi-
tativos à produção agrícola destas áreas.
No que diz respeito à análise dos investimentos em transportes com
a finalidade de alimentar grandes troncos ou penetração pioneira, so-

182
mente tem sentido considerar os investimentos rodoviários 1 • A vanta-
gem apresentada por ele, neste particular, é sua ampliação, de acordo
com o crescimento do tráfego. Os investimentos podem ser graduais,
desenvolvendo-se à medida que aumenta o nível de tonelagem média
transportada pela estrada. Isto não acontece, como se sabe, com o trans-
porte ferroviário, que necessita de investimento inicial muito grande,
podendo depois oferecer economias de escala.
Sendo decisivo para a sustentação do crescimento industrial o apoio
que este possa receber do setor agrícola, em termos de um excedente
alimentar a baixo custo, torna-se importante, nas condições atuais do
Brasil, aprofundar uma análise das inter-relações dos investimentos
rodoviários com o progresso das áreas que não têm ligação permanente
com os grandes eixos trancais ou as que se encontram isoladas da eco-
nomia de mercado. Com efeito, o atendimento que uma rodovia troncal
pode oferecer à região por ela servida fica limitado pela capacidade de
drenagem dos excedentes agrícolas através das rodovias alimentadoras
e rurais.
Dada a extensão territorial brasileira, a limitação de recursos dis-
poníveis para investimentos rodoviários e a característica extensiva da
nossa produção agrícola, estes investimentos concentraram-se histori-
camente na implantação da rede principal e mais recentemente no que
se refere ao melhoramento, integração e racionalização no seu uso. A .,. ~
grande expansão dos investimentos rodoviários gerou, como se sabe,
grave desequilíbrio na demanda de serviços de transportes no Brasil,
pois as grandes rotas troncais foram atendidas gradativamente em
maior proporção pelas rodovias. Uma racionalização melhor na deman-
da pelos serviços de transporte poderia distribuir de forma mais efi-
ciente a carga transportada, dando às ferrovias e à navegação a possi-
bilidade de maior participação no tráfego das rotas de elevada densi-
dade. Caberia então ao transporte rodoviário, além do deslocamento de
cargas apropriadas na rede principal, atingir regiões mais distantes ou
de menor intensidade de tráfego.
Não tem sido dada especial atenção, em termos de avaliação eco-
nômica, aos projetas de investimentos em rodovias de penetração, ali-{
mentadoras ou rurais, que permitiriam aos grandes troncos atender
uma superfície útil maior. Os planos-diretores do Grupo de Estudos
para Integração da Política de Transportes (GEIPOT) visaram, princi-
palmente, criar condições para o restabelecimento do equilíbrio da de-
manda pelos serviços de transporte e promover a integração e racionali-
zação do uso das redes principais. Restabelecido o equilíbrio na deman-

1 Os investimentos rodoviários para este fim devem ser considerados dentro de uma
concepção integrada de sistemas alimentares ou de colonização e, não, simplesmente, como
rodovias isoladas.

183
da destes serviços, abrem-se para o transporte rodoviário novas perspec-
tivas de crescimento: as rodovias alimentadoras, rurais e as de coloniza-
ção.
Cabe lembrar que os planos rodoviários do GEIPOT visaram, ainda,
a determinar a rede rodoviária futura que se ajustaria à demanda pre-
vista, traduzida em termos de volume e qualificação das origens e des-
tinos de tráfego. Em função dos cálculos de custo de atendimento da
demanda e dos benefícios decorrentes da previsão do tráfego, foram es-
calonadas as prioridades de implantação e pavimentação. A escolha da
rede, entretanto, foi feita na tentativa de ajustar, apenas, o tráfego de
longa distância, mediante rodovias trancais (e um número reduzido
de rodovias alimentadoras).
Observa-se, entretanto, que áreas de grande potencial de desenvol-
vimento agrícola - e mesmo industrial- apresentam-se, atualmente,
desprovidas de ligações permanentes com as rodovias trancais de acesso
aos centros de produção industrial, consumo ou exportação. As deficiên-
cias fazem-se sentir na falta de integração das estradas locais com as
redes de âmbito estadual e regional, na não-transitabilidade nas épocas
de chuvas, bem como carência de atividades eficientes de conservação.
Do ponto de vista regional, estas deficiências implicam falta de dina-
mismo para as atividades econômicas locais ou mesmo em prejuízos
mais específicos como as perdas de safras agrícolas, falta de poder de
competição das mercadorias locais nos polos de consumo, etc.
Sendo assim, na medida em que sejam aprofundados os planos-di-
retores, descendo-se ao nível da rede local de alimentação para áreas ou
regiões de grande potencial econômico, poder-se-á obter maior produ-
tividade na aplicação de recursos destinados a investimentos rodoviá.
rios. Havendo melhor coordenação entre os diferentes níveis de planeja-
mento rodoviário, poderão ser obtidas efetivamente condições de maior
inter-relação entre os diferentes níveis de rede e, por conseguinte, maior
aproveitamento da principal.
Os objetivos deste artigo são os de fazer, inicialmente, uma apresen-
tação sumária do estudo econômico regional implícito na metodologia
benefício-custo. Reconhecendo que ela é utilizada modernamente para
a seleção de projetas rodoviários no sentido de minimizar critérios sub-
jetivos de escalonamento de prioridades, é feita, em seguida, uma ava-
liação crítica da mesma com o intuito de mostrar que, em alguns casos
particulares, sua aplicação revela-se insuficiente. O estudo econômico
regional que será apresentado e a consideração, apenas parcial, do trá-
fego gerado impõem forçosamente restrições à avaliação de projetas ro-
doviários de caráter pioneiro ou de alimentação das rodovias trancais.
Procura-se mostrar, ainda, que tais projetas constituem-se em empre-
endimentos de natureza diferente dos projetas de rodovias trancais. Não
havendo, por conseguinte, similaridade entre os mesmos, o planejamen-
to rodoviário deve utilizar critérios diferentes de avaliação, para efeitos
de escalonamento de prioridades. Este escalonamento deve fazer-se, por-
tanto, paralelamente e correspondendo a níveis de planejamento com-

184
plementares. Finalmente, a título de conclusões, são apresentados al-
guns pontos importantes a serem considerados no planejamento das ro-
dovias alimentadoras, rurais ou de colonização que constituem, atual·
mente no Brasil, ponto de estrangulamento à expansão do tráfego nas
rodovias troncais.

2. Implicações regionais do plano-diretor rodoviário


A elaboração de amplo estudo econômico regional é básica para um
plano diretor de investimentos rodoviários. Suas informações são indis-
pensáveis para avaliar e qualificar a atividade econômica geral da re-
gião, as possibilidades de especialização e as modificações estruturais
mais relevantes. Estas variáveis são importantes para a determinação
futura do nível e localização da demanda de serviços de transporte ro-
doviário e permitem prever um equilíbrio com aqueles que serão ofer-
tados pelo plano de investimentos. São identificadas mediante tal estu-
do, por conseguinte, as necessidades futuras destes serviços e a conse-
qüente adaptação da capacidade de oferta, além das inter-relações do
setor de transportes com as atividades dos outros setores da economia
regional.
No caso de regiões subdesenvolvidas, a necessidade de tal estudo
torna-se maior, uma vez que os investimentos dimensionados no plano-
diretor em função das imposições futuras da demanda podem, eventual-
mente, determinar alterações na estrutura da própria demanda de ser-
viços de transportes. Isto porque o plano-diretor é uma referência im-
portante na determinação da futura localização das atividades econô-
micas, para as quais aqueles serviços constituem insumo relevante.
A região em estudo (região-programa) é analisada por intermédio
de levantamentos estatísticos de caráter macroeconômico. Estes levanta-
mentos permitem analisar os diferentes aspectos econômicos que con-
dicionam a evolução da demanda de serviços de transportes. Propor-
cionam, ainda, melhor entendimento das inter-relações do desenvolvi-
mento econômico- e das alterações estruturais dele resultantes- com
o crescimento da demanda de transportes. Como conseqüência desta
análise regional, é possível efetuar-se projeções quantitativas da de-
manda futura, bem como previsões qualitativas sobre seu comporta-
mento e localização.
Os levantamentos estatísticos globais referem-se aos seguintes as-
pectos:
a) população e fluxos migratórios;
b) produção agrícola, extrativa e atividade pecuária;
c) produção de bens industriais intermediários e finais;
d) importações, exportações e movimento dos portos;
e) renda, investimentos e consumo;
f) frota de veículos rodoviários e dados médios de suas condições
operacionais;
g) tráfego de mercadorias por modalidade de transporte;

185
h) custos e características operacionais das principais modalida-
des de transporte na região, e
i) análise da distribuição presente dos fluxos e suas projeções fu-
turas.
A finalidade última de um estudo regional desta natureza, portan-
to, e a de determinar quais são os fluxos de produção presentes e quais
suas possibilidades futuras de expansão. Os fluxos atuais dispostos sobre
a rede existente de vias de transportes, mediante determinação do trá-
fego, permitem o estabelecimento de uma correlação entre fluxo e trá-
fego. Isolando-se a parcela dos fluxos atendida pelo transporte rodoviá-
rio, é estabelecida uma correlação entre estes fluxos e os veículos ne-
cessários ao seu atendimento, possibilitando a projeção do tráfego futuro
na rede rodoviária proposta pelo plano, segundo modelo específico de
crescimento de tráfego.
O plano-diretor rodoviário permitirá, portanto, a determinação do
volume e da natureza do tráfego na rede proposta e dos custos com
que será atendida a demanda prevista. A preocupação deste artigo res-
tringe-se mais à descrição das implicações regionais do plano, do que
propriamente aos aspectos de custos de atendimento da demanda, de-
terminação das escalas de prioridades na rede e respectivos esquemas
de financiamento.

3. Plano-diretor e região-programa
Um plano-diretor rodoviário é feito normalmente sobre um espaço
geográfico concreto, isto é, abrange uma área ou região bem definida
do ponto de vista espacial. A região-programa, objeto do planejamento
rodoviário, identifica-se com o espaço concreto. A análise das possibili-
dades futuras de investimentos rodoviários faz-se, em geral, sobre uma
rede já existente, levando em consideração a evolução do sistema de
transportes em conjunto, e o papel desempenhado pela prestação dos
serviços de cada modalidade no atendimento da demanda total, bem
como as características da região. O planejamento rodoviário é feito, em
princípio, para uma região específica, onde será localizada uma rede
futura, sendo que para este fim serão escalonadas prioridades de im-
plantação e pavimentação de trechos com base em relações entre benefí-
cios e custos do projeto.
Cabe lembrar, entretanto, que o planejamento rodoviário - tanto
a nível de plano diretor quanto de estudo de viabilidade- envolve uma
análise de fluxos. Assim, a indispensabilidade de identificação de fluxos
ultrapassa os limites físicos da área ou região, objeto de planejamento,
não coincidindo, portanto, a região-programa necessariamente com a
polarizada correspondente. Os pólos econômicos determinam esferas de
influência e, regra geral, pode-se delimitar uma fronteira de espaço po-
larizado para cada tipo de fluxo econômico analisado. A combinação de
um conjunto de fluxos permite o estabelecimento posterior de uma es-
fera de influência a mais geral possível. Isto significa que o planeja-

186
menta rodoviário lida concretamente com espaços polarizados e deve
levar em conta, como será visto adiante, relações entre áreas com carac-
terísticas dinâmicas e e1~tre as dependentes. Antes porém, cabe exa-
minar quais os níveis do planejamento rodoviário no âmbito da região
e como se processa o estudo regional que permite identificar os fluxos
de transporte.
As rodovias que formam a rede proposta pelo plano-diretor devem
ser classificadas de acordo com suas funções econômicas. São rodovias
trancais aquelas que, embora servindo ao tráfego local, têm como prin-
cipal função o atendimento do tráfego de passagem ou de longa distân-
cia. Interligam, portanto, centros de atividade econômica em escala
regional ou nacional.
As rodovias trancais são construídas segundo elevados padrões téc-
nicos. Quando bloqueadas no acesso lateral- ou com estes acessos con-
trolados - permitem grandes volumes de tráfego a altas velocidades
(freeways ou expressways). O conjunto de rodovias expressas e trancais
constituem o sistema rodoviário principal da região. Dado a extrema
complexidade das redes rodoviárias, os planos-diretores limitam-se, em
geral, ao âmbito do sistema principal, por representar a maior densi-
dade relativa do tráfego total da região.
Complementando o sistema principal, existe um de rodovias ali-
mentadoras ou secundário, cuja função econômica mais importante é a
de coletar tráfego das vias locais (e mesmo das vias urbanas) para ali-
mentar o sistema principal. Estas rodovias desempenham, também, a
função de distribuir o tráfego daquele sistema para as áreas rurais,
distritos e sedes municipais. Nas regiões subdesenvolvidas, a ausência
de planejamento para o sistema secundário constitui sério obstáculo
à integração regional, não permitindo que seja dado maior aproveita-
mento à capacidade do sistema principal.
Um terceiro sistema seria constituído de rodovias que servem ex-
clusivamente a um acesso local: são as estradas rurais ou do tipo "fazen-
da-mercado". Sua função especifica é a de atingir fazendas ou localida-
des, a partir das rodovias alimentadoras, não sendo objeto de planeja-
mento devido ao seu caráter acentuadamente local e suas simplificadas
condições técnicas. No Brasil este sistema- que pode ser chamado de
terciário - é constituído de grande parte das chamadas "estradas vici-
nais" ou "municipais".
Cabe ao planejamento rodoviário estabelecer, inicialmente, qual o
âmbito de atuação do sistema principal. Este deverá ter como objetivos
fixados, por exemplo: a) interligação de cidades com número mínimo
de habitantes, ou b) ligação de áreas com determinado nível de concen-
tração da atividade econômica em diferentes regiões 2 • É conveniente ob-
2 O sistema principal tem por função econômica básica atender as ligações de longa
distância:
a) dos centros produtores ou distribuidores de mercadorias agrícolas e extrativas com
os centros de exportação e consumo;
b) dos centros produtores de manufaturas e matérias-primas processadas com os cen-
tros de grande concentração de consumo ou atividades distribuidoras.

187
servar que, numa dada região-programa, as rodovias trancais brasilei-
ras, do ponto de vista administrativo, terão tanto caráter federal quan-
to estadual. O Plano-Diretor deve induzir, portanto, a coordenação des-
tas duas esferas de decisão, no sentido de selecionar os investimentos
economicamente mais rentáveis na região-programa.
Deverá o planejamento, em seguida, descer ao nível do sistema
secundário- e em alguns casos até mesmo ao terciário- para que seja
alcançada melhor utilização dos investimentos trancais e para permitir,
também, que sejam removidos os obstáculos à efetiva integração em
estudo aos centros mais dinâmicos do país ou de uma grande região.
Embora este assunto seja discutido em outra parte do trabalho, ca-
be lembrar, por ora, que o planejamento rodoviário, no nível principal,
deve focalizar, em princípio, sua atuação nas áreas onde se concentra a
atividade económica básica. Permitirá, assim, que as áreas mais desen-
volvidas tenham maiores possibilidades de sustentar seu crescimento
económico, por meio do acréscimo contínuo da eficiência no transporte
e da maior integração dos centros industriais aos mercados consumido-
res e às áreas fornecedoras de matérias-primas ou alimentos. As prio-
ridades dos investimentos serão estabelecidas em função do tráfego, ou
seja, considera-se apenas como relevantes os benefícios diretos ao usuá-
rio 3 •
No nível secundário, deve o planejamento procurar remover os obs-
táculos que impedem a disseminação dos efeitos resultantes do dina-
mismo industrial, bem como permitir acréscimos e especialização na
produção agrícola, mediante possibilidade de escoamento permanente
dos fluxos. Nas rodovias alimentadoras e rurais, em menor grau, e nas
rodovias de colonização, em grau maior, têm papel predominante os
benefícios indiretos. Convém ressaltar que neste nível de planejamento
~ especialmente no caso das rodovias de colonização - a política re-
gional deve ser essencialmente uma política de localização de desen-
volvimento nacional em função de um equilíbrio económico e social
desejado para a economia em conjunto 4 •
As tabelas 1 e 2 apresentam comparações entre a composição das
redes rodoviárias de países selecionados. As comparações são feitas no
que se refere à participação dos sistemas principal e secundário-terciá-
3 Embora as rodovias de colonização pioneira ou de caráter estratégico aparente-
mente pertençam, muitas vezes, ao sistema principal, devem ser consideradas, a rigor, como
rodovias integrantes do sistema secundário. Isto permitirá maior eficiência do planejamento
no nível principal.
<l BOUDEVILLE, Jacques. Les techniques récentes de la science économique régionale.
ln: PLANIFICATION économique régionale - Techniques d'analyse applicables aux
régions sous-dévéloppées. Paris, OECE, 1961. Jacques Boudeville assinala, como uma das
conclusões do seu trabalho, que uma região não pode ser concebida como entidade a ser
valorizada por ela mesma, independentemente da nação como um todo. Ao contrário, a
região deve ter o seu desenvolvimento conduzido no âmbito da nação, para permitir o maior
desenvolvimento da economia nacional. Em termos realistas, o desenvolvimento regional
deverá depender muito mais de uma desconcentração de atividades, motrizes e não de uma
simples descentralização da atividade econômica.

188
rio no total da rede e às densidades por áreas e população destes siste-
mas. Cabe advertir, que tais comparações apresentam uma série de limi-
tações que se devem principalmente a:
a) diversidade de anos com dados disponíveis;
b) diversidade de características dos sistemas de transporte (paí-
ses como a Itália, Espanha e Brasil dão ênfase ao transporte rodoviá-
rio em rotas troncais), e
c) dificuldade de estabelecimento de critérios comuns na com-
posição dos sistemas.

Tabela 1
Comparação internacional das redes rodoviárias, segundo os sistemas
(Em quilômetros de extensão e participação percentual no total da rede)

Sistema principal Sistema secundário


e terciário Sistema
Países (rodovias tronc11.is,
(estradas alimen- rodoviário
expressas e
tadoras, rurai~ total
auto-estradas)
e locais)

Finlândia (5) 11 275 107 957 115 232


9,8 90,2 100,0
França (1) 82 088 699 832 781 920
10,1 89,9 100,0
Alemanha Ocidental (3) 33 838 373 863 407 751
8,3 91,7 100,0
Inglaterra (4) 4 001 36 344 40 315
9,9 90,1 100,0
Irlanda (3) 15 900 67 372 83 281
Hl,1 80,0 100,0
Itália (5) 43 876 240 999 284 245
15,8 84,7 100,0
Espanha (2) 10 861 60 480 80 341
25,0 75,0 100,0
Japão (5) 27 402 977 418 1 004 814
2,7 97,3 100,0
Brasil* (5) 161 035 778 580 939 615
17,1 82,9 100,0

FONTES: International Road Federation. Trends in motorization and highway programs in


16 European countries. 1969. ONU. Statistical yearbook. 1969. Ministério dos Transportes.
Anuário Estattstico dos Transportes. 1970.
• O sistema principal corresponde às redes federal e estadual, havendo, por conseguinte, uma
subestimação na participação dos sistemas secundário e terciário.
(1) - 1961
(2) - 1964
(3) - 1965
(4) - 1967
(5) - 1968

189
Tabela 2
Comparação internacional das densidades das redes rodoviárias,
por superfície e por habitantes
(Em quilômetros de extensão por km2 de superfície e por habitante)

Sistema principal Sistema secundário


e terciário
(rodovias troncais, Sistema
(estradas alimen-
expressas e total
Países tadoras, rurais
auto-estradas) e locais)

P/km2
I P/Hab. P/km2
I P/Hab. P/km2
I P/Hab.

Finlândia (5) 0,03 0,41 0,31 0,01 0,34 0,04


França (1) 0,15 0,60 1,27 0,07 1,42 0,06
Alemanha Ocidental (3) 0,13 1,76 1,54 0,16 1,64 0,19
Grã-Bretanha (4) 0,02 13,79 0,14 1,51 0,16 1,36
Irlanda (3) 0,23 0,18 0,96 0,04 1,19 0,03
Itália (5) 0,15 1,19 0,79 0,21 0,94 0,18
Espanha (2) 0,04 1,64 0,12 0,53 0,10 0,40
Japão (5) O.D7 3,68 2,64 0,10 2,71 0,40
Brasil* (5) 0,02 0,56 0,09 0,11 0,11 0,10

FONTES: International Road Federation. Trends in motorization and highu·ay progmms in


16 Eumpean co1 . ntrie.~. 1969. ONU. Statistical yearboofc. 1969. Dados fornecidos pela Embai-
xada do Japão. Anuário Estatistico do IBGE. 1969. Ministério dos Transportes. Anuário
Estatistico dos Transportes. 1970.
* O sistema principal corresponde às redes federal e estadual.
(1) - 1961
(2) - 1964
(3) - 1965
(4) - 1967
(5) - 1968

As comparações servem, entretanto, para dar uma idéia - muito


geral, evidentemente- das composições das redes segundo os sistemas.
No caso brasileiro, o sistema principal foi considerado como a soma das
redes federal e estadual, devido à impossibilidade de serem utilizados
critérios mais objetivos. Embora o transporte rodoviário concentre-se
em rotas trancais, o critério usado subestima a participação dos siste-
mas secundário e terciário na rede total.
A tabela 3, finalmente, permite tais comparações entre o Brasil e
a região centro-sul, notando-se que a parte mais desenvolvida do País
é relativamente menos beneficiada pelos programas de pavimentação e
implantação federais.

190
Tabela 3
Comparação da rede rodoviária entre o total do Brasil e a
região centro-sul - ano 1958
(extensões em quilómetros e porcentagens)

Pavimentado Não pavimentado Total

Especificação Brasil Centro-sul Brasil Centro-sul Brasil Centro-sul

Km
I % Km
I % Km
I % Km
I % Km
I % Km
I %

Federais 19 352 45,7 14 167 43,0 27 499 3,0 7 021 1,2 46 852 5,0 21 188 3,4
% 41,3 66,9 58,7 53,1 100,0 100,0
Estaduais 19 274 45,5 15 331 46,5 94 909 10,6 46 918 7,9 114 183 12,1 62 249 9,9
% 16,9 24,6 83,1 75,4 100,0 100,0
Municipais 3 752 8,8 3 486 10,5 774 828 86,4 538 899 90,9 778 580 82,9 512 385 86,7
% 0,5 0,6 99,5 99,4 100,0 100,0
Totais 42 378 100,0 32 9S4 100,0 897 236 100,0 592 838 100,0 939 615 100,0 625 822 100,0
% 0,5 5,3 95,5 94,7 100,0 100,0

FONTE: Anuário Estattstico dos Transportes, 1970.

....co
....
4. Zoneamento da região-programa
O primeiro passo importante para o planejamento do sistema principal
constitui-se no zoneamento da região-programa. As zonas de tráfego
serão definidas pelos cruzamentos das rodovias trancais, chamados pon-
tos nodais. O número de zonas da região em estudo será, em princípio,
igual ao de cruzamentos nodais identificados. Isto porque, sendo as zo-
nas de tráfego necessárias para determinação dos fluxos de origem e
destino, toda a movimentação de carga dentro de uma zona utilizar-se-á
do mesmo ponto nodal para comunicação com o sistema viário principal.
Desta maneira, pela divisão por zonas estabelecem-se duas categorias
principais de fluxos: os locais, que se verificam no interior de uma zona,
e os de média e longa distâncias, que têm sua origem ou destino fora da
mesma. Estes últimos são os que mais interessam no Plano-Diretor, pois
traduzem os deslocamentos sobre as ligações entre dois pontos nodais
quaisquer. Em certos casos particulares, pode-se levar em consideração
mais de um cruzamento nodal dentro da mesma zona, dependendo da
densidade da rede principal e da intensidade a atividade econômica na
região em estudo.
É importante assinalar que o processo de zoneamento está funda-
mentado num princípio básico, que estabelece proporcionalidade entre
a área da zona de tráfego e o percurso médio. O número de zonas de
tráfego é de grande importância para a precisão do estudo de transporte.
Maior o número de zonas - dentro dos limites de proporcionalidade
entre a área da zona e o percurso médio - melhor a visão dos padrões
de tráfego atual e maior a homogeneidade das regiões escolhidas.
No Brasil, dada a extensão territorial e a divisão geográfica exis-
tente dos estados em zonas fisiográficas e municípios, os limites das zo-
nas de tráfego coincidem com um conjunto de municípios. As zonas fi-
siográficas, de modo geral, constituem-se em espaços extensos, e os mu-
nicípios em espaços não significativos do ponto de vista econômico para
a determinação dos fluxos de origem e destino. Um conjunto de muni-
cípios é, por conseguinte, a melhor dimensão para zona de tráfego~~.
Eventualmente, pode-se considerar apenas parcialmente um município,
na medida em que a existência de obstáculos naturais importantes, ou
mesmo a ausência de vias de comunicação, desvie parte dos fluxos para
outro ponto nodal. A delimitação da fronteira da zona de tráfego coin-
cide, de modo geral, com as fronteiras das unidades administrativas bá-
sicas que são os municípios. Isto facilita o levantamento de dados esta-
tísticos para cada zona. Em alguns casos, a fronteira da zona de tráfego
pode acompanhar, também, a de uma fisiográfica, desde que haja coin-

li O número de zonas de tráfego levantadas pelo GEIPOT, nas suas fases 1 e 2 (ex-
cluído os Estados do Amazonas, Pará, Acre e territórios), é de 350. Para a mesma área
de estudo, o número de zonas fisiográficas atinge apenas 200. O grau de detalhamento seria
ainda maior, não fosse a coincidência das zonas fisiográficas com as de tráfego - devido
à metodologia utilizada - no caso específico do Plano-Diretor de Minas Gerais.

192
cldência entre as duas. Os municípios devem ser grupados levando em
conta, ainda, o problema do desmembramento e das discrepâncias de
área que surgem nos diferentes censos. Essas diferenças devem ser re-
duzidas ao mínimo, pelo próprio critério de zoneamento.

S. Zonas de tráfego e efeitos polarizadores

Os pontos nodais, ou centro das zonas de tráfego, são também, na maio-


ria das vezes, os centros de comercialização da produção agrícola circun-
dante. Pesquisas locais revelam a direção em que fluem os excedentes da
produção agrícola, de modo que uma zona tenha no seu centro o ponto
de convergência dos mesmos. Os municípios próximos e com condições
de solo, clima, vegetação, etc. semelhantes apresentam atividades agrí-
colas razoavelmente uniformes, o que facilita o seu agrupamento. Na
medida do possível, uma zona não deve incluir padrões de produção agrí-
cola e taxas de crescimento muito diferenciados. Areas de atividade es-
tagnada ou decadente devem-se grupar separadamente das áreas em
expansão, de modo que os fluxos sejam projetados com mais segurança.
Por outro lado, os centros de zona, além do seu efeito aglutinador da
produção local, exercem um efeito de propagação do dinamismo de ou-
tras regiões, na medida em que são, também, centros de distribuição
das importações provenientes das grandes aglomerações urbanas, me-
diante tráfego de longa distância. Os efeitos polarizadores, resultantes
do dinamismo industrial e canalizados pelas rodovias trancais, propa-
gam-se às áreas circunvizinhas, por intermédio dos centros de zona.
A zona de tráfego tem, por conseguinte, no seu ponto nodal, a possi-
bilidade concreta de comunicação com o restante da região estudada,
em particular, e com o restante do Pais, de maneira mais ampla. Um
aspecto igualmente importante na determinação das zonas de tráfego
constitui-se na verificação das tendências de crescimento populacional
e do processo de urbanização de um grupo de municípios. Por exemplo,
taxas muito baixas de crescimento da população rural podem revelar,
para uma área bem definida, intenso processo de emigração para as suas
sedes municipais, os centros urbanos da região ou o restante do Pais. Es-
tando a mão-de-obra emigrante, anteriormente, em condições de subem-
prego- tratando-se de áreas muito atrasadas- e sendo a elasticidade-
renda do consumo rural de alimentos praticamente neutra, a produção-
física manter-se-á a mesma, enquanto que o nível absoluto de consumo
diminuirá. Neste exemplo, a área que sofre um processo de esvaziamen-
to da sua força-de-trabalho poderá acrescer no futuro seus saldos ex-
portáveis de alimentos.
Uma zona de tráfego constitui-se, pelo que foi visto, num espaço de-
finido mediante estrutura de produção homogênea e sendo também
visto como campo de forças, ou seja, possível de ser considerado como
193
polarizado pelo seu centro 6 • Entretanto, a zona de tráfego não é um
espaço definido com conteúdo de plano, uma vez que as suas unidades
constitutivas, os municípios, são administrativamente autônomas. As-
sim, para efeito de planos e de atribuições administrativas, ela não é
um espaço que possa ser considerado como um todo integrado. Se o
Plano-Diretor refere-se apenas a rodovias trancais, este último aspecto
é pouco relevante, pois as decisões relativas aos programas rodoviários
são tomadas em nível federal ou estadual. Tratando-se de um plano
para rodovias municipais, entretanto, a heterogeneidade administrati-
va de uma zona deve ser levada em consideração.

6. Determinação dos fluxos de transporte

No estudo dos fluxos de produção que se deslocam entre as zonas ou


entre a região e o restante do País, está admitida, implicitamente, a
hipótese de uma grande mobilidade dos fatores de produção e dos bens
e serviços entre essas regiões. Por conseguinte, não são levadas em con-
sideração as poEsibilidades de imperfeição dos mercados, as próprias de-
ficiências na infra-estrutura de transportes, nem o fato de que os flu-
xos não observam, por essas e outras razões, racionalidade absoluta no
seu deslocamento. Entretanto, esta hipótese de trabalho pode ser satis-
fatória quando se trata de analisar o deslocamento dos fluxos na rede
principal. Os pontos nodais, neste caso, serão unidades atomizadas em
"concorrência perfeita", relativamente à possibilidade de escoar sua pro-
dução pelos grandes troncos. No entanto, o critério do ponto nodal,
relativamente a um município ou a uma zona, poderá ser simplificação
grosseira, se os fluxos considerados forem apenas locais e de alimenta-
ção daqueles troncos.
Para se determinar os saldos exportáveis das zonas de tráfego, bem
como suas necessidades de importação, deve-se proceder a um levanta-
mento detalhado da produção agrícola e industrial dos municípios que
compõem a zona. Sua população, seus níveis de consumo, tanto dos
produtos agrícolas como de insumos industriais, também, são conside-

6 Perroux, François. L'économie du XXeme siécle. Press Universitaires de France,


Paris. O economista Perroux analisa os espaços econômicos a partir de uma conceituação
de espaço abstrato. A preocupação de Perroux é a de procurar um entendimento das rela-
ções econômicas, fora do âmbito dos espaços físicos e administrativos concretos. Sua análise
parte do nível de unidade de produção, que se define inicialmente do ponto de vista do
;:onteúdo de plano. Estes planos são o conjunto de relações entre a unidade de produção,
os fornecedores de insumos de uma parte e os compradores de sua produção, de outra. A
unidade de produção ao formular seu plano leva em conta os planos do governo, dos con-
correntes, etc. que interferem em seus cálculos de custos. Em seguida, a unidade de pro-
dução define-se como espaço polarizado na medida em que atrai ou repele fatores de pro-
dução, atuando como campo de forças. Finalmente define um espaço homogêneo com outras
unidades de produção, que independe do espaço e das distâncias concretas, quando apresenta
as mesmas condições de competição em relação a um mercado situado a distância física dife-
rente das unidades competidoras.

194
rados. Nesta base, deverão ser feitas as previsões sobre o nível e a loca-
lização da demanda de serviços de transportes na área. Devem ser le-
vadas em consideração, ainda, as possibilidades de especialização futura
da atividade econômica, mediante exame das vantagens comparativas
em relação a outras regiões. Este exame será importante, inclusive, na
determinação das zonas que são estudadas dentro da região. Com efeito,
a especialização provocará alterações radicais nos padrões de produção
e nos seus futuros saldos exportáveis. Um aspecto igualmente relevante
a ser considerado é o levantamento detalhado, junto às agências de fi-
nanciamento ou órgãos regionais do Governo, de projetas agrícolas, ex-
trativos ou industriais, que terão sua localização na região em estudo.
O levantamento da produção dos setores agrícola e industrial indi-
ca quais as atividades dominantes na área. As séries históricas de pro-
dução, a preços constantes, mostram as alterações ocorridas na estru-
tura do sistema econômico ou que poderão ocorrer futuramente. No
Brasil, a grande parte das zonas de tráfego é predominantemente agrí-
cola, o que se traduz por uma elevada participação percentual do setor
agrícola no valor agregado total da área.
Dada a ausência de séries indicativas dos valores agregados por
setor de produção ao nível municipal, deve-se proceder aos levantamen-
tos em termos de produção e não de produto. Para fins específicos de
planejamento de transportes, esta deficiência de dados de valor agrega-
do dificulta extremamente a determinação dos níveis de renda per ca-
pita e, conseqüentemente, de consumo per capita para a área. No que
diz respeito especificamente à determinação de fluxos, entretanto, são
muito mais importantes para um estudo de transportes as quantidades
indicadas pela produção física do que propriamente o valor, o que torna
as séries de valor agregado, de certa maneira, secundárias.
Assim, determinados por municípios e agregados para a zona de
tráfego os níveis de produção dos alimentos e matérias-primas mais im-
portantes, são estabelecidos os seus níveis de consumo pela população
local e pelas atividades industriais, se for o caso. Para os alimentos,
um coeficiente de elasticidade-renda é aplicado separadamente à popu-
lação rural e urbana, estabelecendo os seus níveis globais de consumo.
Em conseqüência, comparando-se com os níveis respectivos de produção,
ficam determinadas quais as quantidades retidas, se a zona é deficitária
ou se produz saldos exportáveis. As pesquisas locais, as contagens de
tráfego e os estudos de origem e destino determinam quais os caminhos
percorridos por estes saldos 7 • A partir dos fluxos de produção e consu-
mo e dos estudos de origem e destino, dimensiona-se o tráfego presente
de veículos de longa distância. Com base nos fluxos futuros, projeta-se
este tráfego para a futura rede rodoviária a ser proposta pelo Plano-Di-
retor.
7 As pesquisas locais englobam contagens de tráfego efetuadas em determinados perío-
dos do ano, em pontos selecionados da rede rodoviária existente, e enquetes de origem -des-
tino, nas. quais são obtidas dos veículos informações detalhadas sobre as mercadorias trans-
portadas, suas origens e destinos, etc.

195
As séries de renda real da zona servem para o dimensionamento do
tráfego local de automóveis e caminhões. Estabelecidas correlações en-
tre renda e número de veículos, são possíveis projeções das frotas locais
para o período do plano. A ausência de dados de renda ao nível munici-
pal poderá ser contornada com um levantamento indireto, pela sistema-
tização de dados acerca da arrecadação municipal, movimento bancá-
rio local, relação aplicações-depósitos dos bancos locais, etc 8 •
As séries de dados mais importantes para o estudo regional de um
Plano-Diretor rodoviário são, por conseguinte:
I
I a) população (urbana, rural e total);
b) produção agrícola, excetuando-se os produtos cujos fluxos são
exclusivamente locais;
c) produção extrativa e industrial;
d) renda, e
e) frota de veículos.
As projeções destas séries em nível regional deverão ser consistentes
com as projeções dos agregados em nível nacional. A partir destes levan-
tamentos são determinadas as fontes geradoras de uma demanda de ser-
viços de transportes, e, em particular, de rodoviários. As estimativas e
projeções dos saldos e déficits por zona de tráfego, dos principais pro-
dutos agrícolas, extrativos e industriais, permitirão uma previsão mais
ampla da demanda futura. Esta previsão não seria possível somente a
partir das projeções dos dados de tráfego, obtidos das pesquisas de ori-
gem-destino, ou de simples contagens de tráfego. As últimas não permi-
tem previsões satisfatórias dos fluxos porque não levam em conta, evi-
dentemente, dados de natureza estrutural na economia da região, sendo
"cegas" em relação às alterações ocorridas ou que poderão ocorrer futu-
ramente na estrutura do sistema econômico 9 • Sobre o cadastramento

8 Com a atual estrutura do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM) como


imposto sobre o valor adicionado, é possível aproximar o valor do produto primário e secun-
dário em nível municipal e mensalmente. Desta forma, o produto municipal seria igual a:
montante do ICM arrecadado
alíquota
+ estimativa de isenções + estimativa de evasão + pro-
duto terciário (estimativa). Esta seria uma aproximação ao produto municipal a preços
de mercado.
9 Oblin, M. Plan de développement au reseau routier de l'État du Minaa Gerais -
Métlwdes d'établissement. Resumo de exposição feita por M. Oblin em julho de 1966, em
Belo Horizonte. Esclarece M. Oblin no estabelecimento da metodologia para o Plano Rodo-
viário de Minas Gerais que a previsão da demanda pelos serviços de transporte rodoviário
deve ser feita por dois caminhos: a) estudo direto do tráfego e da frota de veículos e b)
estudo detalhado das atividades econômicas geradoras da demanda. Seguindo estes dois
caminhos, deve ser buscada uma síntese entre os dados de tráfego (contagens e enquetes
0-D) que são exaustivos mas "cegos" em relação a mudanças no sistema econômico e à
análise das atividades econômicas geradoras da demanda. Esta análise é explicativa, mas não
exaustiva, pois somente os principais fluxos de mercadorias são identificados. A conjugação
permitirá uma projeção do tráfego futuro que modelará a rede rodoviária a ser apresentada
pelo Plano-Diretor.

196
das vias de transporte e com base em pesquisas de campo, estimam-se os
percursos principais de escoamento dos saldos e déficits, bem como as
quantidades deslocada.s presentemente. Finalmente, a rede do Plano-
Diretor é proposta com base na.s alternativa.s de custo mínimo e me-
nor percurso para as quantidades a serem deslocada.s no futuro.

7. Rodovia troncal e região polarizada


Descendo-se do nível de Plano-Diretor para o de estudo de viabilidade
de uma rodovia troncal, os levantamentos econômicos mantêm-se essen-
cialmente os mesmos, alterando-se, entretanto, o tipo de análise que se-
rá realizada.
Para um estudo de viabilidade é necessária, inicialmente, a determi-
nação de uma zona de alimentação da rodovia. Esta compreende, geral-
mente, o conjunto de municípios localizados ao longo ou próximos da
rodovia, cujos fluxos de importação das sua.s necessidades ou de expor-
tação dos seus saldos de produção utilizam-se desta via troncal. A seme-
lhança da.s zonas de tráfego descritas anteriormente, uma elevada pro-
porção das zonas de alimentação da.s rodovias trancais no Bra.sil são pre-
dominantemente agropecuária.s. Isto significa que os fluxos exportáveis
são constituídos basicamente da produção primária destinada aos cen-
tros urbanos de comercialização ou de consumo. Os níveis de produção
da zona de alimentação é que determinam, em princípio, a capacidade
de geração de tráfego da rodovia troncal.
Esta.s zona.s, por conseguinte, alimentam as rodovias trancais de
um tráfego local (aquele que se verifica no interior da própria zona) ou
de um de média ou longa distância. Este último permite a identificação
da zona de influência da rodovia troncal.
A zona de influência é um espaço econômico mais amplo, que con-
tém em seu interior a de alimentação. Abrange os grandes centros ur-
banos de consumo dos fluxos de produção que têm origem nesta última,
ou que, simplesmente, a atravessam obrigatoriamente procedentes de
outra.s regiões. Abrange, igualmente, os centros industriais responsá-
veis pelo suprimento regular de produtos manufaturados para a zona
de alimentação. O conceito de zona de influência está, portanto, mais
associado à noção de espaço polarizado, enquanto que o de alimentação
indica, geralmente, mais a existência de um espaço homogêneo. Para
efeitos práticos, a zona de influência pode abranger um conjunto de
zonas fisiográficas ou mesmo, em alguns casos, os limites estaduais.
Para análise dos efeitos polarizadores de uma rodovia troncal, são
importantes os levantamentos no âmbito da zona de influência. Isto
porque, para a análise de uma região polarizada, é preciso formar um
quadro mais amplo - e cobrindo longas e médias distâncias - dos des-
locamentos de mercadoria.s e fatores de produção. A análise do fenômenn
de polarização envolve fundamentalmente identificação de fluxos.

197
Assim, por exemplo, os levantamentos das séries de população urba-
na e rural podem ser conduzidos em nível de zona de alimentação ou de
influência. O levantamento feito para esta última apresenta a vantagem
de poder identificar os movimentos migratórios mais importantes: emi-
grações da população rural da zona de alimentação ou sua urbanização
em relação a um espaço mais amplo. Desta forma, sobressaem mais cla-
ramente os centros de atração ou áreas de repulsão das populações ru-
rais.
Quanto à produção agrícola, os fluxos locais podem, no caso de
um estudo de viabilidade, adquirir maior importância, na medida em
que o intercâmbio entre os municípios da zona de alimentação utiliza-
se da própria rodovia troncal. É importante assinalar que os elementos
determinantes para o dimensionamento da capacidade de gerar trá-
fego dos investimentos rodoviários trancais, todavia, são os tráfegos de
média e longa distância, orientados para os provenientes dos grandes
centros. O tráfego local desempenha um papel relativamente secundário
na análise de uma rodovia troncal. Não cabe no âmbito deste artigo uma
análise específica do problema de tráfego. Vale ressaltar, entretanto, no
que se refere ao tráfego de longa distância, que além do tráfego origi-
nado na zona de alimentação, com destino aos pontos de influência, de-
verão ser igualmente considerados os fluxos de passagem pela rodovia
troncal, isto é, aqueles cuja origem e destino estão fora da zona de ali-
mentação. As matrizes de origem e destino, compostas a partir de le-
vantamentos de campo locais, permitem a identificação destes fluxos.

8. Rodovia alimentadora e região homogênea

As rodovias alimentadoras apresentam características técnicas inferio-


res às trancais. Ligam áreas que já mantêm relações de mercado
com os centros polarizadores da região 10 • A principal função econômica
de uma rodovia alimentadora é, por conseguinte, ligar os troncos rodo-
viários a áreas produtoras. Desde que seja preservado o tráfego de for-
ma permanente ao longo do ano, as rodovias alimentadoras possibilitam
maior aproveitamento da capacidade da rede principal, aumentando o
tráfego das rodovias que a compõem.
No Brasil, muitas áreas de elevado potencial de produção agrícola
- e mesmo industrial - não dispõem de ligações que ofereçam condi-
ções de tráfego em todas as estações do ano. As rodovias alimentadoras,
neste caso, possuem características técnicas muito precárias sem co-

10 Teríamos não só um caso particular de rodovias alimentadoras, mas também ro-


dovias de colonização que ligam os centros polarizadores com áreas que estão à margem da
economia de mercado ou com terras virgens. Tais rodovias seriam parte integrante de
blocos de projetos de colonização, pois sua implantação isolada de investimentos comple-
mentares pode provocar um esvaziamento da região.

198
bertura de terra melhorada ou revestimento de cascalho. Tais condições
representam, quase sempre, fator impeditivo ao crescimento econômico
e à melhoria do bem-estar social das suas populações.
São identificadas como áreas carentes de rodovias alimentadoras
aquelas que, possuindo já uma participação percentual elevada de terras
utilizadas para a cultura permanente, não têm rede complementar ade-
quada que permita um escoamento fácil e contínuo de sua produção
agrícola.
É importante identificar também aquelas áreas em que o tamanho
das propriedades agrícolas esteja situado em torno e abaixo da média
estadual. A ausência de rodovias alimentadoras constitui-se num obs-
táculo maior à especialização e ao crescimento em áreas de proprieda-
des agrícolas de tipo familiar, por exemplo, do que em áreas onde pre-
dominam latifúndios.
Do ponto de vista do setor industrial, as áreas devem apresentar
predomínio de pequenas unidades de produção que se dedicam às ati-
vidades tradicionais (têxteis, couro e peles, produtos alimentícios, etc.)
e operam a baixos níveis de produtividade. Estas unidades funcionam
com pequeno número de operários, o que caracteriza bem seu tamanho.
Na grande maioria dos casos, são unidades de produção do tipo familiar,
com trabalho administrativo e de direção exercidos pelos próprios mem-
bros da família proprietária. Uma ligação permanente com os grandes
eixos, ampliando os mercados destas unidades, poderá provocar, a lon-
go prazo, alterações importantes na estrutura e na organização das mes-
mas 11 •
Num plano-diretor de rodovias alimentadoras tornam-se importan-
tes, então, a análise da interação entre os investimentos nessas rodovias,
a produtividade agrícola e industrial e a melhoria do bem-estar social
nestas áreas. Tal plano teria que identificar a região-programa em fun-
ção das características de homogeneidade e atribuir maior importância
aos fluxos locais.
Como foi assinalado anteriormente, diante da complexidade da re-
de rodoviária e do seu rápido crescimento em regiões subdesenvolvidas,
geralmente os planos-diretores rodoviários limitam-se, apenas, ao sis-
tema principal. A ausência de planos específicos para rodovias alimen-
tadoras impede os efeitos polarizadores das áreas industriais dinâmicas
de atingirem regiões periféricas que, muitas vezes, estão bem próximas
daquelas áreas 12 • A falta de ligação permanente de áreas rurais com
11 Ver cap. 7, pp. 268-9.
12 Este é o caso, por exemplo, das áreas periféricas ao núcleo industrial dinâmico (Rio-
São Paulo) situadas no centro-sul. Na fase de rápida industrialização, houve a concentra-
ção de investimentos rodoviários no núcleo dinâmico - ou em rodovias troncais a ele
convergentes - aumentando suas vantagens comparativas e reduzindo as possibilidades de
expansão das regiões periféricas, pelas deficiências de infra-estrutura rodoviária, em parti-
cular, ou de serviços básicos, em geral. Muitas áreas de grande potencial econômico nos
estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná carecem, atualmente, de ligações
permanentes com os grandes troncos para escoamento da sua produção agrícola e industrial.

199
a rede principal acarreta grandes perdas da produção agrícola e um
encarecimento na sua comercialização. Além disso, o próprio planeja-
mento do sistema principal fica prejudicado pela citada limitação da
capacidade de geração de tráfego na rodovia troncal.

9. Capacidade de geração de tráfego de uma rodovia troncal


Cabe analisar, agora, o problema da capacidade de geração de tráfego
de uma rodovia troncal, no âmbito da metodologia que relaciona os be-
nefícios do projeto rodoviário aos seus custos. Sabe-se que o estudo econô-
mico regional para rodovias trancais, formulado segundo o roteiro ex-
posto anteriormente, enquadra-se na metodologia de cômputo dos bene-
fícios diretos de um investimento em transporte, que são os que afe-
tam diretamente o usuário dos serviços e a manutenção e administração
da via de transportes. Dentro de uma premissa de racionalidade nades-
tinação de recursos, efetua-se, a partir do zoneamento regional e conse-
qüente determinação dos fluxos de mercadorias, uma distribuição dos
fluxos globais pelas diferentes modalidades de transporte, traduzidas
num tráfego existente. Leva-se a efeito, a seguir, uma previsão dos flu-
xos e uma distribuição no tráfego futuro por modalidades com bases
nos custos comparativos, admitida a racionalização do sistema de trans-
portes. Antecipa-se, assim, que parcela da demanda total de serviços
de transporte será atendida em cada uma delas. Neste encadeamento,
prevalece a suposição básica de que a demanda total de serviços de
transporte será atendida a um custo total mínimo, em termos reais, pa-
ra o usuário dos serviços. Assim, no âmbito de Plano-Diretor, os fluxos
de mercadorias são compatibilizados com o tráfego distribuído pelas
diferentes modalidades de transporte.
No estudo de viabilidade, por sua vez, entra-se no mérito do investi-
mento específico na modalidade. Uma vez comparadas as vantagens do
serviço de transporte estimado com as características técnicas e os custos
da modalidade, entra-se na mensuração da demanda futura específica
do investimento. O estudo de viabilidade representa, portanto, um nível
mais concreto de planejamento, que implica a seleção de alternativas
entre diferentes modalidades de transportes ej ou a seleção de priorida-
des na execução do projeto.
É conveniente assinalar que o estudo de viabilidade de um projeto
rodoviário específico implica maior profundidade dos levantamentos e
estudos regionais. Pode permitir, muitas vezes, maior precisão da iden-
tificação dos fluxos e das previsões de tráfego, para o trecho objeto de
estudo, do que o Plano-Diretor.
No caso específico do planejamento rodoviário, os dados quantitati-
vos e o sentido dos fluxos, obtidos a partir de matrizes origem-destino,
são projetados para o futuro, segundo um modelo de crescimento do trá-
fego. Este crescerá de acordo com uma tendência normal (mantidas inal-
teradas as condições econômicas atuais) pela incorporação de tráfego

200
desviado de outras vias de transporte ou pelo desenvolvimento de novas
fontes geradoras de tráfego. De modo geral, seu crescimento faz-se pela
conjugação dos três elementos: tráfego normal, desviado e gerado.
Determinado o tráfego futuro, estabelece-se, então, uma relação
entre os custos do investimento e os benefícios decorrentes, ambos atua-
lizados nos seus valores. Custos e benefícios são expressos em termos
econômicos 13 • Os custos significam o comprometimento real de recursos
com um empreendimento: custos de construção, pavimentação, etc. Os
benefícios, por sua vez, representam liberação real de recursos, que se
traduz concretamente na redução dos custos de operação e manutenção
dos veículos que trafegarão na rodovia, além da avaliação de economia
no tempo de percurso e maior segurança no transporte de passageiros
e cargas. O conceito de liberação de recursos está estreitamente associa-
do ao cômputo de benefícios diretos, entrando apenas parcialmente no
mérito da geração mais ampla e difundida de recursos, como resultado
do investimento. Este ponto é de grande importância para a avaliação
crítica subseqüente quanto à aplicação da metodologia em questão para
certos casos, que objetiva o trabalho. Por ora, é conveniente um exame
mais detido, embora sumário, da conceituação dos benefícios.
A utilização da análise benefício-custo na elaboração e na avalia-
ção de projetas rodoviários acarreta sério problema no que diz respeito à
especificação e quantificação dos itens que se subordinam ao título "be-
nefícios".
De um lado, existem, como foi visto, os benefícios que favorecem di-
retamente a administração da rodovia (redução dos custos de manu-
tenção e da própria administração) e aqueles que afetam diretamente
o usuário. Estes últimos são, basicamente, os seguintes:
a) redução dos custos de operação dos veículos;
b) redução do tempo gasto no percurso;
c) redução de acidentes;
d) redução dos custos de carga e descarga de veículos, e
e) redução dos custos de perdas e danos no transporte.

Os benefícios que favorecem diretamente a administração rodoviá-


ria ou o usuário não são objeto de muita discussão e podem ser quanti-
ficados. Entretanto, os benefícios que se transferem para o sistema eco-
nômico como um todo, os chamados "benefícios indiretos", não estão
claramente definidos e nem sempre são passíveis de quantificação em

13 Para bens e serviços, é necessária a dedução de impostos indiretos, a adição de


subsídios ou transferências incidentes sobre os mesmos. Para os fatores de produção tor-
na-se necessária, também, a consideração do seu emprego alternativo, refletida no custo
de oportunidade.

201
moeda. Os "benefícios indiretos" seriam aqueles que se difundiriam pe-
lo sistema econômico, principalmente:
a) pela difusão dos benefícios diretos recebidos pelo usuário, co-
mo, por exemplo, redução dos custos de transportes, e
b) pelo surgimento de economias externas para atividades que
se localizam na região.
Entende-se, de uma maneira vaga, por "benefícios indiretos" de um
investimento rodoviário o conjunto de repercussões econômicas, sociais
e politicas sobre uma coletividade, resultantes de um investimento ou
de um conjunto de investimentos, a saber:
a) melhor aproveitamento dos fatores de produção e da capacida-
de da rodovia: absorção de mão-de-obra; aproveitamento de recursos na-
turais (inclusive terras); avanço tecnológico; geração de poupanças e
abertura de novas possibilidades de investimento; aumento da produção
local; redução das perdas da produção agrícola pela regularidade do
escoamento da produção; crescimento da produção de outras áreas, in-
duzido mediante renda adicional gerada na região ou efeitos estimulan-
tes interindustriais; abertura do leque de possibilidades de produção,
especialização e unificação de mercados dentro do País;
b) benefícios com implicações sociais e políticas: incremento ae
relações sociais e culturais entre campo e cidade; atendimento à política
de desenvolvimento regional; atenuação dos desníveis regionais; redu-
ção dos subsídios governamentais para a região; atendimento à politica
de integração com países vizinhos para unificação de mercados em es-
cala multinacional; especialização produtiva, e
c) maior integração do sistema de transportes.
A consideração de qualquer desses benefícios deve ser feita em ter-
mos líquidos, isto é, descontados os custos incorridos para sua efetiva-
ção. A ocorrência destas repercussões contribui, evidentemente, para
maior utilização da rede rodoviária troncal.
Deve-se assinalar que a metodologia "benefício-custo" eonsidera,
em parte, os benefícios indiretos na medida em que incorpora o tráfego
gerado ao crescimento do mesmo. Com efeito, observou-se anteriormente
que as regiões-programa são divididas em zonas de tráfego, para as
quais são estimadas as variáveis macroeconômicas mais importantes pa-
ra o crescimento da circulação de veículos. Nas taxas de crescimento pro-
jetadas para os fluxos de mercadorias e passageiros, está implícita, após
estudo exaustivo da economia regional, uma parcela do tráfego que re-
sultará daqueles acréscimos de produção que não seriam produzidos ou
transportados sem os investimentos rodoviários programados em cons-
trução ou melhoria.
Como resultado destes levantamentos e projeções, temos, ainda, a
identificação do dinamismo das diferentes zonas. Assim, as séries histó-
ricas e projeções de população, produção, consumo e renda podem reve-
lar zonas de rápido crescimento econômico (motrizes ou dinâmicas) e

202
zonas de crescimento induzido pelas primeiras (passivas ou induzidas).
Neste sentido, a metodologia leva em conta, parcialmente, o fenômeno
do crescimento econômico pelos pólos. Eles influenciam as áreas carac-
terizadas por um crescimento passivo ou com potencialidade de cresci-
mento.
Verifica-se da apreciação feita ao problema da conceituação mais
ampla de benefícios e ao conceito de tráfego gerado, que a análise be-
nefíci(}-custo não permite identificar, em sua totalidade, os fenômenos
de polarização resultantes do investimento rodoviário 14 •

1O. A análise benefício-custo e o fenômeno de polarização


Como em qualquer outro setor produtivo do sistema econômico, as de-
cisões de investimento no setor rodoviário colocam-se diante da impos-
sibilidade de implementação de todos os projetas julgados possíveis, em
virtude da limitação dos recursos para seu financiamento. Como setor
de infra-estrutura, cujos serviços serão insumos para outros setores, é
importante que a seleção de alternativas entre projetas similares ou
comparáveis, faça-se de acordo com critérios econômicos objetivos.
Neste sentido, apesar das conhecidas deficiências nos cálculos eco-
nômicos de custos de construção, benefícios, preços de insumos e fato-
res de produção, etc. que conferem às relações benefício-custo grande
margem de imprecisão, não há dúvida de que estas deficiências têm
repercussão muito reduzida sobre a ordem de prioridade estabelecida
para projetas similares 1 5.
Isto porque as dificuldades de cálculos e as limitações de dados es-
tatísticos afetam de maneira homogênea projetas da mesma natureza.
Sendo assim, as limitações na metodologia não se referem às técnicas
específicas de elaboração e avaliação dos projetas, mas sim à sua apli-
cação indiscriminada aos investimentos rodoviários em regiões subde-
senvolvidas.
Inicialmente, é conveniente ressaltar que nem sempre estão pre-
sentes algumas das premissas, implícitas no corpo teórico, que funda-
mentam a análise benefício-custo. Estas se referem, em certos casos, a
condições de mercado presentes apenas numa situação próxima à da
concorrência perfeita, a saber:
a) perfeita mobilidade dos bens e serviços e dos fatores de pro-
dução;

14 Cabe ressaltar, ainda, que mesmo o cômputo do tráfego gerado não engloba neces-
sariamente todos os benefícios listados. Haveria, assim, benefícios diretos e indiretos re-
sultantes do tráfego gerado e benefícios indiretos não incluídos no mesmo.
15 Eckstein, Otto. L'analyse des gains et couts d'un développment régional. Planifi-
cation économique regionale - Techniques d'analyse applicables au:r: régions sous-dévélop-
pées. OECE, Paris, 1961.

203
b) racionalismo econômico por parte do usuário pelos serviços de
transporte ou do seu produtor;
c) inexistência de restrições ou estímulos artificiais à oferta e à
demanda dos serviços de transporte, e
d) atomização dos pontos geradores e recebedores de tráfego.
Está implícita, também, a premíssa do pleno emprego dos fatores
de produção, sobre o qual muitas críticas já foram feitas relativamente
à metodologia benefício-custo .e da qual não se ocupará o presente ar-
tigo.
O sistema de transportes, como um todo, seria levado pela concor-
rência entre as diversas modalidades a uma situação de equilíbrio e a
uma utilização ótima dos recursos produtivos. Em países desenvolvidos,
com plena utilização dos seus recursos produtivos e sólida fixação espa-
cial das atividades econômicas, como resultado da maturação de um lon-
go processo histórico, as premissas de racionalidade no deslocamento dos
fluxos por meio das rotas de menor custo e da atomização dos pontos
geradores e recebedores do tráfego parecem ser válidas. Em países ou
regiões subdesenvolvidos, entretanto, havendo maior interdependência
entre os fatores que determínam o desenvolvimento econômico, as taxas
de crescimento dos fatores geradores do tráfego estão sujeitas a acelera-
ções- ou mesmo a flutuações- maiores. As modificações estruturais
provocadas por melhor especialização da atividade econômica podem
provocar alterações importantes nos fluxos transportados. Estes não são
bem definidos no espaço econômico e as correntes de tráfego estão su-
jeitas a grandes mutações em períodos relativamente curtos de tempo.
Por outro lado, pode-se verificar, também, certa ausência de mobi-
lidade no deslocamento dos bens e serviços, bem como dos fatores de
produção. Esta ausência de mobilidade decorre da precariedade da in-
tegração econômica e social entre as regiões, conseqüente de profundos
desequilíbrios regionais, e que se constitui numa característica do pró-
prio fenômeno do subdesenvolvimento econômico, visto em sua globa-
lidade.
O deslocamento de mercadorias fica, assim, sujeito a percursos mais
longos ou efetuados a custos mais elevados, devido à existência de obs-
táculos à utilização do que seriam as rotas de menor custo. As deficiên-
cias e distorções na própria infra-estrutura de transportes, na rede de
armazenamento, no sistema de comercialização, etc. constituem-se em
obstáculos importantes à propagação de efeitos dinâmícos dos centros
industriais nas regiões subdesenvolvidas. Por estas razões, torna-se di-
fícil admitir uma racionalidade no deslocamento de mercadorias e, por
extensão, um racionalismo por parte do consumidor ou do produtor dos
serviços, no sentido de demandar ou oferecer deslocamentos mais rá-
pidos ou adequados à modalidade mais conveniente do ponto de vista
técnico.

204
Este quadro espacial é agravado, evidentemente, pela existência de
uma série de restrições ou estímulos, na forma de subvenções e subsí-
dios às modalidades de transportes, e cuja análise escapa ao âmbito
deste artigo.
As premissas de um modelo de concorrência, que levariam a uma
distribuição ótima da atividade econômica no espaço, não correspondem,
portanto, à realidade objetiva de regiões subdesenvolvidas. Esta nos per-
mite verificar que os desníveis regionais podem aumentar na ausência
de políticas intervencionalistas 16 • E isto é válido, evidentemente, para as
distorções intermodais que dentro de uma moldura "liberalista" podem
igualmente aumentar, ao invés de diminuir, por efeitos cumulativos.

11. Limitações no emprego da análise benefício-custo


Em países ou regiões subdesenvolvidos, a análise regional em que se
fundamenta a metodologia benefício-custo pode ser utilizada na deter-
minação das prioridades que compõem um plano-diretor de rodovias
troncais. Como foi assinalado anteriormente, as hipóteses de trabalho
são satisfatórias quando se analisam os deslocamentos dos fluxos de
produção na rede rodoviária principal.
A afirmativa mais exata seria a de que as hipóteses podem ser ape-
nas parcialmente satisfatórias. E isto se deve à verificação de que a sua
aplicação à rede troncal abstrai-se da existência de um processo de cau-
sação circular cumulativa que pode provocar, mesmo ao nível troncal,
uma concentração das atividades de produção e de consumo ao longo
dos eixos que, por já disporem anteriormente de tráfego intenso, esti-
mulam a fixação destas atividades. Com isto, acentuam-se desequilíbrios
entre regiões ou áreas. Isto resulta do próprio cálculo dos benefícios
que se equivalem às reduções nos custos de operação e manutenção dos
veículos usuários. Ora, isto supõe que quanto maior o tráfego existente
e futuro, mais substancial é a redução de custos e, por conseguinte,
maiores os benefícios para os usuários de uma classe determinada de
rodovia. Assim, as prioridades estabelecidas nos planos rodoviários con-
centram-se, muitas vezes, em torno de determinados pólos, desfavore-
cendo regiões periféricas. Esta seria a primeira limitação da metodolo-
gia quando aplicada mesmo à rede principal.
Cabe ressaltar, ainda, com relação a este ponto, que o conceito de
benefícios diretos (redução dos custos, tempo de percurso, etc.) está
mais relacionado às economias externas, que propiciam uma acumula-

16 M}rrdal, Gunnar. Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. Rio de Janeiro,


Saga, 1965. Gunnar Myrdal observa que, de modo geral, se as forças de mercado
não são controladas por uma política intervencionista governamental, a produção industrial,
o comércio, os bancos, os seguros, os transportes - que numa economia em desenvolvi-
mento tendem a proporcionar remunerações acima da média - tendem a se concentrar
em determinadas regiões ou localidades, deixando o resto do país, de certo modo, estagnado.

205
ção de investimentos nas áreas que já dispõem das mesmas. Em termos
de propagação do dinamismo de áreas desenvolvidas, ou seja, dentro
de uma conceituação mais ampla e moderna de economias externas, o
sintoma de que os efeitos propulsores aumentam seria traduzido pelo
tráfego gerado. Donde se verifica que uma análise do sistema econô-
mico em termos de "relações centro-periferia" não se inclui na análise
dos benefícios diretos ao usuário da rodovia.
A segunda limitação refere-se ao fato de que a mesma apresenta-
ria vantagens para o escalonamento de prioridades apenas na rede de
rodovias trancais. O critério seria deficiente para as rodovias alimenta-
doras e de colonização. Na verdade, as próprias premissas descritas su-
põem de certa forma que já existe alimentação ótima dos troncos.
Acontece, entretanto, que, em regiões subdesenvolvidas, as possi-
bilidades de disseminação dos efeitos polarizadores das rodovias trancais
esbarram com a existência de obstáculos já mencionados. A falta de pla-
nos-diretores e critérios específicos de análise de projetos para rodovias.
alimentadoras e de colonização pode estimular a excessiva concentração
da atividade econômica nas áreas mais dinâmicas, em prejuízo da peri-
feria menos desenvolvida.
Assim, áreas homogêneas que constituem as zonas de alimentação
das rodovias trancais apresentam, muitas vezes, dificuldades de acesso
e deslocamento permanente dos seus excedentes de produção primária,
mesmo quando as áreas já mantêm relações de mercado com centros po-
larizadores.
No caso de rodovias alimentadoras, o cômputo dos benefícios diretos
ao usuário deve ser complementado por uma avaliaçrio de benefícios.
indiretos que reflita a interação entre os investimentos nestas rodovias,
a produtividade agrícola e industrial, bem como a melhoria do bem-
estar social nestas áreas.
Nas rodovias alimentadoras já existe tráfego, mas suas condições,
quando precárias, impedem a comunidade de usufruir uma série de be-
nefícios. Por outro lado, no caso particular de uma rodovia de coloniza-
ção, somente os benefícios indiretos justificariam a viabilidade de inves-
timento 17 • Cabe ressaltar, novamente, que o último tipo de rodovia só
tem significação econômica se integrada em conjunto de investimentos,
sendo que, neste caso, o cômputo destes benefícios deve ser o liquido dos
custos dos projetas complementares necessários para efetivar o inves-
timento rodoviário em questão.
Finalmente, a terceira limitação na aplicação da metodologi~ be-
nefício-custo refere-se ao caráter muitas vezes regressivo que o investi-
mento rodoviário pode assumir.

17 Hawkins, E. K. Investment in roads in underdeveloped countries. Bulletin of the


Oxford University lnstitute of Statistics. Nov. 1960.

206
•Com efeito, uma prioridade estabelecida com base em relação deri-
vada do tráfego, ou seja, do número de veículos, pode conduzir a distor-
ções sociais. O número de pessoas beneficiadas pelo investimento pode
ser reduzido e a relação benefício-custo, ao contrário, elevada 1 8 •

12. Conclusões
Em síntese, é importante reconhecer, inicialmente, que o investimento
rodoviário não é, por si só, uma condição suficiente para promover o
desenvolvimento econômico de uma região. Isto porque o crescimento do
tráfego depende, em grande parte, das possibilidades de crescimento
futuro dos fluxos a serem transportados. Tal crescimento, nas regiões
de desenvolvimento planejado, resultará da conjugação de vários inves-
timentos, inclusive dos rodoviários, bem como dos seus efeitos multipli-
cadores na produção e das modificações estruturais resultantes. Conse-
qüentemente, é necessário conceder o progresso de uma região-progra-
ma em termos de um complexo de investimentos nos diversos setores da
economia, sobretudo no industrial, que permitirá às aplicações de re-
cursos na construção rodoviária elevadas taxas de retorno em relação ao
capital investido, resultantes da própria natureza do processo de desen-
volvimento econômico.
Em seguida, é conveniente lembrar que o desenvolvimento recente
das técnicas de planejamento rodoviário, dentro da ordem de raciocínio
exposta, no presente artigo, foi dirigido no sentido da redução gradati-
va das apreciações subjetivas acerca da importância dos investimentos
no setor. Isto resulta da necessidade de assegurar uma aplicação mais
racional dos recursos econômicos disponíveis para investir naqueles em-
preendimentos que forneçam maiores benefícios para o sistema econô-
mico. ·
O que se observa, atualmente, é que a aplicação indiscriminada da
metodologia benefício-custo19 aos investimentos rodoviários em regiões
subdesenvolvidas pode apresentar, muitas vezes, os graves inconveni-
entes de:
a) concentrar investimentos rodoviários em áreas ou regiões que
se caracterizam por um dinamismo já acentuado, acarretando maior
concentração espacial da atividade econômica;
b) concentrar investimentos rodoviários no sistema principal,
prejudicando o desenvolvimento dos alimentadores, rurais ou locais,
mesmo nas regiões mais dinâmicas, e
c) acentuar a regressividade social dos investimentos rodoviários,
favorecendo, em certos casos, grupamentos sociais de níveis de renda
mais elevados e prejudicando soluções de tráfego que atendam a um
maior interesse coletivo.
18 Intemational Road Federation. Second pacific regional conference. Tokio, 1964.
19 Quando computados, apenas, os benefícios e custos diretos do projeto rodoviário.

207
Ocorre, entretanto, que para efeito de planejamento o investimento
rodoviário não pode ser diferenciado de outras formas de investimentos,
porquanto suas principais funções, na verdade, são os de propiciar o
deslocamento dos acréscimos de produção e de permitir a sua adaptação
às rápidas modificações nas características da demanda de seus servi-
ços. Os investimentos nas regiões de desenvolvimento planejado, por-
tanto, devem ser orientados sempre que possível pela referência à rela-
ção entre os custos e futuros benefícios de projeto, bem como ao custo
de oportunidade do capital.
Assim, mesmo nos casos em que se torna difícil a mensuração de
benefícios indiretos e nos quais a metodologia benefício-custo se revela
insuficiente, o investimento rodoviário pode ser encarado como um em-
preendimento que deverá promover o retorno do capital aplicado. Desta
forma, num plano integrado de implantação de um pólo de desenvolvi-
mento, por exemplo, os investimentos rodoviários deverão ter uma fun-
ção complementar. Sendo o capital o fat or de produção escasso na re-
gião, sua taxa de retorno deverá ser alta. Os investimentos rodoviários,
bem como os demais do setor público em serviços básicos (energia, co-
municações, etc.) deverão, em princípio, propiciar retornos futuros, à
margem, pelo menos iguais ao retorno dos investimentos marginais no
setor privado. Na verdade, o investimento rodoviário constituiu-se, no
caso, em parte de um plano global e integrado de desenvolvimento.
Cabe ressaltar que os benefícios resultantes não terão, em todos
os casos, caráter exclusivamente econômico no planejamento de uma
economia regional, pois talvez seja necessário enfatizar, por exemplo, a
maior integração da região ao restante do País, por razões de segurança,
a eliminação de tensões sociais ou políticas resultantes do isolamento
econômico da região, a indução de movimentos migratórios internos, etc.
Os próprios benefícios econômicos, como foi visto anteriormente, po-
derão ser indiretos, adquirindo a forma de expansão do emprego de
mão-de-obra, economias externas para novas unidades de produção ins-
taladas e melhoria dos padrões educacionais, culturais e sanitários :!o.
Pode-se dizer, portanto, que a avaliação de projetas e o escalona-
mento das prioridades dos investimentos rodoviários em regiões de de-
senvolvimento programado - principalmente quando se trata de in-
vestimentos em rodovias alimentadoras, rurais ou de colonização- es-
barram, por um lado, nas deficiências das análises convencionais de
avaliação de projetas rodoviários e, por outro, na ausência de alternati-
vas de análise resultante da grande dificuldad e de quantificação dos
benefícios indiretos. Esta quantificação permitiria, sem dúvida, a ava-
liação e o escalonamento mais objetivo das prioridades. O impasse pode
ser atenuado com a elaboração de modelos teóricos alternativos que in-
corporem, de forma mais precisa, os tráfegos gerado e desviado, de gran-
de importância nas regiões subdesenvolvidas.

20 V. cap. 7, p. 266.

208
Tendo em vista que existe em muitas regiões do Brasil, atualmen-
te, um estrangulamento à expansão do tráfego nas rodovias trancais
-que ampliam sua extensão implantada ou pavimentada a um ritmo
muito rápido- pode-se listar, a título de recomendações e como con-
seqüência da avaliação crítica feita neste artigo para a análise benefício-
custo, uma série de pontos que merecem o interesse e a implementação
de medidas por parte do setor público, no que se refere às rodovias ali-
mentadoras e rurais.
É conveniente relembrar que se, por um lado, aquele método de
avaliação de projetas constitui-se na melhor contribuição para a me-
lhoria da qualidade econômica dos mesmos, facilitando o estabelecimen-
to de prioridades para projetas similares, por outro, os grandes proble-
mas concernentes à estratégia de desenvolvimento de uma economia
regional exigem uma variedade mais ampla de instrumentos de aná-
lise 21,
Numa economia em desenvolvimento, a expansão da rede secundá-
ria - inclusive os projetas de rodovias de colonização - está intima-
mente ligada à estratégia do desenvolvimento regional. Assim, no que
se refere aos projetas de investimentos rodoviários naquela rede, pode-
se observar que:
a) o desenvolvimento econômico, não se difundindo de maneira
homogênea por todo o espaço de um sistema econômico regional, em
razão do fenômeno da polarização, pode conduzir à concentração ex-
cessiva de investimentos na infra-estrutura de transportes (notadamen-
te a rodoviária) nas áreas que já dispõem de economias externas ou de
escala resultantes da aglomeração contínua da atividade econômica;
b) há, por conseguinte, necessidade de medidas dos governos fede-
ral e estadual no sentido de ampliar a oferta de rodovias alimentadoras,
rurais ou de colonização, para promover a integração de regiões ou áreas
periféricas aos núcleos mais dinâmicos;

21 Eckstein, Otto. op. cit. Otto Eckstein assinala que a melhor contribuição que for-
nece a análise benefício-custo é a de promover a qualidade econômica dos projetas, graças
a uma concepção econômica mais racional, e a de facilitar a classificação de projetas
da mesma natureza. Estes projetas t êm, de maneira geral, o mesmo gênero de repercussões
no interior da região em estudo e estas não precisam ser apreciadas neste caso. Mas se o
objetivo da análise é mais ambicioso, como no caso de avaliar as conseqüências de diferen-
tes tipos de projetas, é necessária, então, a utilização de todos os instrumentos adequados
de análise econômica regional. A análise de entradas e saídas pode dar a medida de certas
atividades econômicas conexas que serão estimuladas na região. A análise da renda e do
consumo da região pode esclarecer as repercussões em cadeia de uma melhoria no poder
de compra. A análise de determinação da localização poderá fornecer elementos de avaliação
das atividades que serão atraídas para a região, como decorrência da melhoria no sistema
de transportes ou na infra-estrutura em geral. Otto Eckstein não crê que se possa obter
grandes resultados com a análise benefício-custo para um estudo regional mais amplo. Quan-
do se apresentam como benefícios e vantagens, importantes repercussões de origem regional,
é preciso igualmente proceder a cálculos paralelos do lado dos custos. Uma vez que a maior
parte dos gastos pode estar sendo efetuada fora da região, o cálculo perde sua precisão e
não se pode avaliar todas as repercussões concernentes ao lado dos custos.

209
c) dada a dificuldade de estabelecer a metodologia para a avalia-
ção de projetas rodoviários - principalmente para as rodovias ali-
mentadoras, rurais e de colonização - na qual muitos dos benefícios
indiretos podem ser quantificados, deve-se orientar tais projetas, em
regiões de desenvolvimento programado, no sentido de fazerem parte
integrante de blocos de investimentos em infra-estrutura, empreendi-
mentos agrícolas e atividades industriais;
d) é importante, no entanto, que o planejamento rodoviário não
se converta em planejamento regional, limitando-se, para isto, às suas
condições específicas do tempo, recursos e responsabilidade;
e) para essa finalidade torna-se necessária, após o amadurecimen-
to da experiência de elaboração de estudos de viabilidade, a pesquisa de
novos modelos de geração de tráfego que incorporem os tráfegos gera-
do e desviado, a fim de possibilitar o escalonamento objetivo de priori-
dades nos investimentos em rodovias alimentadoras, rurais e de colo-
nização, além dos métodos e sistemas mais apropriados para a execução
e implementação dos projetas de engenharia final;
f) estas rodovias, que têm grande importância no aproveitamento
ótimo da rede troncal, possuem características técnicas inferiores e têm
por função a preservação do tráfego em boas condições ao longo do ano.
Os projetas para tais investimentos não são similares- e portanto não
comparáveis- àqueles referentes aos investimentos na rede principal,
pois apresentam custos e benefícios de natureza heterogênea, devendo
ser objeto de planejamento específico;
g) impõe-se, por conseguinte, um trabalho de conceituação mais
precisa das rodovias alimentadoras, rurais e de colonização e o estabele-
cimento de metodologia apropriada para a elaboração e avalição dos
seus projetas, e, finalmente,
h) a identificação das áreas ou regiões com sistemas rodoviários
secundários e terciários deficientes, para a implementação de projetas
que permitam ligações permanentes com as rodovias trancais. Estas li-
gações resultarão em maior facilidade e continuidade no escoamento da
produção agrícola, bem como permitirão o alcance de maior integração
do seu desenvolvimento econômico e social aos centros de dinamismo
regionais e nacionais.

210
Capítulo V - NOTA SOBRE A FORMULAÇAO DE POLITICA/
PLANEJAMENTO/PROGRAMAÇAO PARA O SETOR DE
TRANSPORTES *

Dado as profundas implicações dos transportes com o processo econô-


mico, nas suas dimensões temporal (desenvolvimento) e espacial (orga-
nização regional-urbana), a definição setorial de política e a seleção dos
instrumentos de planejamento adquirem crucial importância nos está-
gios em que, por força de grandes transformações nas escalas e da
diversidade dos bens e serviços - intermediários e finais - produzidos,
são exigidas reformulações na estratégia e objetivos globais de expansão
da economia. Os transportes interagem, primordialmente: a) com o
desenvolvimento como um todo, na medida em que sua disponibilidade
tem implicações com as modificações dos estoques e combinações rela-
tivas dos fatores de produção e com as transformações na estrutura
das demandas intermediária e final; b) com a estruturação do espaço
geoeconômico, ao condicionar os padrões de organização do território
e localização de atividades.
Sabe-se que o desenvolvimento traduz-se, em última análise, por
acréscimos nos níveis de produtividade do trabalho e da renda 1 e que
a organização regional-urbana reflete a distribuição de atividades no
espaço e os desníveis naquelas variáveis macroeconômicas. Dos trans-
portes são exigidos, portanto, desempenhos ligados à eficiência e ao
dinamismo dos setores produtivos, contribuindo para elevar o binômio
produtividade-renda e propiciando, conseqüentemente, transformações
na estrutura econômica. Simultaneamente, faz-se presente a exigência
de objetivos de eqüidade sempre que os desníveis inter-regionais de renda
e produtividade acentuam-se e tenham que ser controlados pela ação
governamental, notadamente nos países em desenvolvimento 2 •

* Publicado na Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 8(1): 5-25, jan./


mar. 1974_
1 MEIER, Gerald & BALDWIN, Robert. Economic development: theory, history
and policy. New York, John Wiley and Sons, 1963. p. 202-3.
2 HIRSCHMAN, Albert. Interregional and intemational transmition of economic
growth. ln: THE ESTRATEGY of economic development. New Haven, Conn., Yale Uni-
versity Press, 1958. p. 183-201.

211
Se não existem dúvidas quanto à indução que os transportes exer-
cem sobre o processo econômico, na medida em que o provimento de
vias, instalações e equipamentos elimina obstáculos à propagação de
inovações, alargamento de mercados e mobilidade dos fatores de pro-
dução, é desnecessário lembrar que a capacidade de prestação dos ser-
viços de transporte é condicionada, em última análise, pela demanda
de um serviço de natureza predominantemente intermediária. Assim,
os níveis mínimos de demanda, o atendimento de fluxos localizados no
espaço geoeconômico e as exigências quanto à eficiência são elementos
que condicionam escala, localização e tecnologia, nas decisões relativas
a investimentos e métodos operacionais em transportes.
Desta forma, a promoção de maior eqüidade inter-regional, o sen-
tido de afirmação e integração da nacionalidade, a indução de novas
oportunidades de especialização produtiva e a eficiência no atendimento
às exigências decorrentes da modernização e ampliação de escala dos
setores produtivos são objetivos de política de transportes, muitas vezes
conflitantes entre si, a serem equacionados pelo administrador público.
O importante a ser ressaltado é que, da complexa trama de inte-
rações daqueles objetivos, as decisões quanto à expansão da infra-estru-
tura viária, melhoria de condições operacionais ou tarifação dos serviços
podem afetar - positiva ou negativamente - a eficiência dos setores
produtivos, a estrutura do espaço geoeconômico, a organização do sis-
tema de cidades e, mesmo, as próprias condições ecológicas. Ora, como
os investimentos em transportes - que são, em geral, onerosos - não
podem ser relocalizados fisicamente e suas indivisibilidades, quando não
adequadas à demanda, podem gerar ociosidades; as deficiências opera-
cionais transferem acréscimos de custos em cadeia e a tarifação dos
serviços, quando não reflete nem a escassez relativa dos fatores de
produção, nem a natureza da demanda, provoca distorções no sistema
de preços relativos, é fácil perceber que decisões deficientes e medidas
mal formuladas com relação aos transportes, em qualquer dos campos
mencionados, podem afetar de forma desfavorável o funcionamento da
economia, restringindo os efeitos de difusão característicos das ativi-
dades de transportes.
Desta forma, a definição de uma política de transportes, com ele-
vado grau de coerência interna e consciência das interações com
objetivos externos ao âmbito estritamente setorial, constitui-se em está-
gio prévio- situado em nível mais abstrato- à formulação de planos,
programas e detalhamento de metas físicas e financeiras. Mas como
conceituar uma política de âmbito setorial em face da multiplicidade de
implicações com o processo econômico?
Cabe lembrar, inicialmente, que um conjunto de metas e instru-
mentos, quer revelado explicitamente em apresentações formais, quer
derivado da existência implícita desses elementos nas medidas e pro-
nunciamentos governamentais, não define, por si só, uma política de
âmbito setorial.

212
Sabe-se, na verdade, que um conjunto de elementos sem a definição
de relações entre si não condiciona uma estrutura, pré-requisito para
a qualificação daquela política. Com efeito, sem a definição de conver-
gências, compatibilidades e complementaridades entre metas e instru-
mentos não se chega a objetivos de diretrizes para o setor como um
todo. Quando muito, cada modalidade de transporte ou cada esfera
decisória de governo apresentaria seus próprios objetivos e diretrizes
conflitantes, forçosamente, com outras modalidades e esferas decisórias,
pela ausência de uma concepção intermodal, admitindo, pelo menos,
que metas e instrumentos de âmbito modal ou de nível de governo
estejam relacionados entre si.
Uma estrutura constitui-se numa totalidade que possui suas pró-
prias características e relações com outras estruturas, não resultando
da simples agregação de elementos e características das partes. É im-
portante ressaltar que toda estrutura tem um sentido dinâmico e de
relações interpartes, operando transformações no todo 3 • Neste sentido,
as modalidades de transporte, através de combinações e complementa-
ridades, condicionam um setor que deve ser visto como um todo que
se transforma. Os objetivos e diretrizes setoriais são, desta forma, algo
mais do que a mera agregação de metas e instrumentos modais e mesmo
- quando estas existem - de políticas modais.
É importante ressaltar, todavia, que os objetivos e diretrizes defi-
nidos para o setor, em sua totalidade, ainda não bastam para determinar
a política setorial. O setor de transportes, como foi visto, relaciona-se,
de forma particularmente intensa, com os demais setores produtivos.
Sua política necessita de uma estratégia definida justamente em função
da interação dos transportes com a economia. Ora, as estruturas têm
propriedades auto-reguladoras, que não permitem às relações interpartes
dar origem a produtos e repercussões fora da mesma, não envolvendo,
por conseguinte, efeitos e relações com elementos externos a elas 4 •
Se a política setorial engloba elementos (metas, instrumentos, diretrizes
e objetivos) e relações (convergências, compatibilidades e complemen-
taridades), envolvendo tanto distintas modalidades quanto esferas
decisórias- e nisto condiciona uma estrutura- não se pode esquecer
aquelas estruturas exógenas que interagem com ela: políticas de desen-
volvimento, de estruturação do espaço e organização do sistema de
cidades, de modernização e aumento da produtividade dos setores pro-
dutivos, etc. A concepção de estrutura e, assim, condição necessária
porém não suficiente para definir uma política de transportes.
Torna-se necessário recorrer ao conceito de sistema, pois a definição
de política está intimamente vinculada aos processos de obtenção e
assimilação de informações, tomada de decisões e relacionamento entre

3 Piaget, Jean. The concept of structure. In: Scientilic thought: some underlying
concepts, methods and procedures. Paris, Mouton/Unesco, 1972, p. 37.
4 Piaget, Jean. ibid. p. 38.

213
estímulos exógenos e respostas 5 • Neste sentido, o sistema revela ele-
mentos que podem definir relações de causa e efeito e que, na sua
totalidade, perseguem determinados objetivos. Estabelece, portanto,
diretrizes, metas e instrumentos, como estímulos e respostas a elementos
gradualmente envolventes, constituindo-se de elementos endógenos e
exógenos ao setor de transportes.
Como um sistema, a política de transportes pode ser definida, desta
forma, em face das políticas dos setores produtivos mais importantes que
demandam a transferência de bens, serviços e fatores de produção, e
às estratégias de desenvolvimento global, regional e urbano. Cabe ao
administrador público, ao fundamentar suas decisões e formular planos
e programas, contar com um conjunto de estudos e diagnósticos que
propiciem uma visão integrada do setor com o processo produtivo, nas
suas dimensões temporal e espacial. A seqüência política-planejamento-
programação exige deste último estágio, que é o mais concreto de
atuação, a alocação racional de recursos. Sem isto, fica comprometida
a coerência na definição em diretrizes e objetivos de política e seleção
dos instrumentos de planejamento.
Ao formular programas de investimento, portanto, o administrador
público defronta-se com a escassez de recursos próprios e limites na
capacidade de endividamento, impostos pela oportunidade de usos alter-
nativos em outros setores. No setor de transportes, a existência de uma
vinculação de receita através do Imposto único sobre Lubrificantes e
Combustíveis e de mecanismos estáveis de transferências de recursos
por parte do Governo Federal- inclusive através de subvenções diretas
- criou nos administradores, por muito tempo, a ilusão de que os
recursos e a capacidade de endividamento eram inesgotáveis, justifi-
cando-se, com isto, a implementação de obras destituídas de critérios
seletivos de prioridade. A limitação de recursos não se deveria, neste
caso, à simples escassez de capital, mas sim à inadequada utilização
dos recursos existentes. Cabe lembrar que esta tendência tende a crista-
lizar hábitos de tomada de decisão e formulação de programas, incom-
patíveis com estágios de desenvolvimento nos quais são exigidos critérios
de maior eficiência na aplicação de recursos.
Atualmente, entretanto, uma série de técnicas de avaliação de
projetas e seleção de prioridades oferece a possibilidade de formulação
de estratégias globais de alocação de recursos. Por estas são realçados os
critérios de minimização de custos e maximização de resultados, propi-
ciando a ·seleção das obras que maiores vantagens apresentam para
o desenvolvimento econômico. Muitas vezes, inclusive, o administrador
público obtém resultados mais expressivos utilizando adequadamente
as facilidades existentes - através de uma racionalização operacional e
administrativa- do que simplesmente pelos acréscimos de capacidade.

5 Mesarovic, Mihajlo. Systems concepts. ln: Scientiiic thought; some underlying


concepts, methods and procedures, cit. p. 57-8.

214
O sistema de transportes, porém, constitui-se num dos principais
- senão o principal - fatores de condicionamento espacial do processo
de desenvolvimento. Suas repercussões regionais, sociais e políticas são
tão importantes que obrigam o administrador à tomada de decisões
nem sempre respaldada em critérios de avaliação técnico-econômica
de projetas. Isto não elimina, no entanto, a necessidade de o adminis-
trador público dispor de planos diretores e estudos de viabilidade téc-
nico-econômica, que cubram grande parte das alternativas de aplicação
de recursos através de métodos modernos de gestão. Nem elimina, por
outro lado, a necessidade de dispor, para a seleção e atendimento de
reivindicações políticas locais ou regionais, de técnicas de avaliação
objetiva destas reivindicações. O importante é que o administrador
disponha de um leque de alternativas para proceder, nas suas decisões,
com racionalidade e com maior consciência dos riscos envolvidos. Como
na prática uma série de pressões fazem-se concretamente sobre o setor
.. de transportes, nada impede, portanto, que as próprias reivindicações
políticas locais ou aquelas ligadas ao desenvolvimento de regiões mais
atrasadas sejam submetidas a técnicas de avaliação quantitativa, inte-
gradas, por exemplo, a "pacotes" de projetos dentre os quais os de
transporte são parte de uma concepção socioeconômica global. Esta
seria uma forma de incorporar ao processo de planejamento os dados
exógenos de natureza política, social ou militar.
Cabe lembrar, neste ponto, que a seqüência política-planejamento-
programação deve ser vista, ainda, sob a óptica da integração e compa-
tibilidade de diagnósticos, planos, estudos de viabilidade e projetas. Na
elaboração destas peças, atuam Governo e empresas privadas. Assim,
dentro de um esquema racionalmente concebido de divisão de trabalho
entre os setores público e privado, cabe às empresas de consultaria
apresentar ao administrador, após estudos exaustivos de quantificação
de custos e benefícios, alternativas de destinação de recursos, funda-
mentadas em conjuntos de premissas que atendam às finalidades téc-
nico-econômica, regional, político-social, etc. Torna-se imprescindível,
todavia, definir o limite de atuação daquelas empresas, lembrando que
a formulação de política, através da fixação de objetivos, diretrizes e
metas, o planejamento, nas suas fases de acompanhamento e avaliação
e o assessoramento de alto nível são funções típicas de Governo. As
empresas de consultaria cabe, tão-somente, complementar a capacidade
dos órgãos governamentais, realizando projetas, estudos, planos e diag-
nósticos específicos, no contexto de termos de referência claros e pre-
cisos e supervisionados por equipes técnicas governamentais de alta
competência. Não cabe nem a órgãos de governo fazer consultaria, nem
às consultarias fazer planejamento e prestar assessoria àqueles que têm
responsabilidade decisória.
A ausência de definição de um corpo coerente de política setorial ou
a inércia de instrumentos e mecanismos que pertencem a camadas
históricas já cobertas por outros estágios de desenvolvimento podem

215
revelar uma certa perplexidade do administrador público quanto à sua
atuação em face das transformações econômicas recentes. Uma forma de
fuga à realidade, muitas vezes, é a tendência à formulação de planos
ambiciosos e contratação de estudos complexos, quando poderia ser
desenvolvido um instrumental de planejamento mais simples e de maior
operacionalidade. Tal atitude implicaria, inclusive, maior racionalidade
no uso da capacidade técnica dos quadros governamentais e daquela
fornecida pelas empresas de consultaria.
Em um país como o Brasil os estudos de transporte, que se cons-
tituem na base para fundamentação da política setorial, devem simpli-
ficar a complexidade daqueles elaborados em países desenvolvidos, em
favor de abordagem objetivas e integradas 6 • A este respeito, poder-se-ia
examinar o tripé investimento-operação-preço, sobre o qual repousam
os fundamentos da política setorial, sob novos ângulos, relativamente
a algumas questões atuais que deverão estar presentes na formulação
de planos e contratações de estudos.
Investimentos: constata-se, presentemente, a ausência de estudo
de transportes com característica marcantemente intersetorial, capaz de
constituir-se em instrumento de seleção de prioridade de investimento
e concepção de modernos sistemas operacionais, a partir dos objetivos
concretos de desenvolvimento e de expansão dos setores mais dinâmicos
da economia. No atual estágio de desenvolvimento econômico do País,
com efeito, a consecução de objetivos ligados à consolidação de um setor
industrial tecnologicamente moderno, à ampliação das exportações, à
adequação dos sistemas de armazenagem e abastecimento, ao cresci-
mento do consumo urbano, à localização industrial, etc., torna-se depen-
dente do adequado dimensionamento e localização da capacidade de
transporte. É necessário, assim, que os investimentos propostos na infra-
estrutura de transportes resultem de uma articulação efetiva com os
objetivos de expansão dos mais importantes setores produtivos, sob o
risco de serem geradas ociosidades, ineficiências ou estrangulamentos.
Partindo-se dos objetivos de desenvolvimento e expansão dos setores
dinâmicos (siderurgia, derivados de petróleo, cimento, minérios, etc.) a
concepção básica de um estudo de natureza intersetorial seria a de
identificar o inter-relacionamento transportes-setores dinâmicos neces-
sário para atingir metas de expansão propostas. O nível de agregação
do estudo Iimitar-se-ia aos fluxos de carga de elevada densidade nas
média e longa distâncias em rotas selecionadas, englobando, com isto,
o grosso da movimentação de cargas no País. O resultado seria o de
permitir a atuação mais eficiente dos centros de decisão governamental,
formulando uma política seletiva de modernização e eficiência do sis-

O Cabe lembrar que a ausência ou má qualidade das informnções estatísticas toma,


em geral, inócua a sofisticação de estudos. Estes devem adquirir o caráter de diagnósticos
objetivos, sem a projeção mecânica de tendências, enquanto se aperfeiçoam, paralelamente,
os levantamentos sistemáticos e permanentes das informações. ·

216
tema de transportes. Tal estudo poderia ser concebido nos termos de
uma "matriz de transportes" 7 •
O que é produzido pelo setor de transportes, como foi visto, depende
basicamente da magnitude e diversificação das demandas intermediária
e final e os acréscimos nestas exigem a ampliação da capacidade de
transporte. Considerando os setores mais dinâmicos da economia, para
os quais o transporte é um insumo relevante, pode-se conceber uma
matriz de quantidades que reflita a estrutura tecnológica da economia
em face dos transportes, através das relações ou coeficientes dos insumos
relativamente ao produto do qual se tornam parte. A quantificação dos
.serviços de transportes, vistos como insumos, constitui-se, assim, na
óptica primordial para efeitos do dimensionamento da capacidade de
transportes.
Ter-se-ia, de início, uma matriz de tipo clássico input-output 8 , para
quantidades, onde em i linhas (modalidades de transportes e suas sub-
divisões) . e j colunas (setores intermediários e finais consumidores de
transportes) o consumo dos serviços poderia ser admitido como propor-
cional ao volume da produção do setor ou dependente apenas parcial-
mente deste volume pela consideração de outros fatores intervenientes 9 .
Para cada setor produtivo os transportes seriam considerados tanto
no que se refere à entrada de matérias-primas, quanto à saída de
produtos acabados, de molde a permitir a posterior desagregação em
mercadorias (isoladas ou em grupos) e em fluxos. Cabe lembrar que
nesta matriz, além do enfoque básico do transporte como insumo, ao
invés de ser buscada uma discriminação exaustiva de setores seria, ao
contrário, adotado um critério seletivo onde estariam representados

7 IPEA. Corredores de Transportes. Rio de Janeiro, 1972. p. 6-7 (Documento de


Trabalho, 1) mimeogr.
8 LEONTIEF, Wassili. Input-output economics. Oxford, Oxford University Press, 1966.
p. 13-29.
11 No caso de uma proporcionalidade ao volume de produção, teríamos :

X;;= a ;; X, (i = 1, 2, .. . m e j = 1, 2, ... n )

onde, X, 1 representa o volume de prestação dos serviços de transporte por uma dada mo-
dalidade , e X 1 o volume de produção de um setor J· No caso da hipótese do consumo dos
serviços de transporte ser dependente parcialmente de outros fatores, teríamos a função
consumo expressa por:

onde g, 1• é um coeficiente de correção que mede a influência do fator r. no consumo do


setor 1 e · r• o fator que influencia tal consumo. (Ver a este respeito, United Nations. Macroo-
economic models for planning and policy-making. Geneve, Secretariat of the ECE, 1967.
p. 112).
X· ·
De qualquer forma, chegar-se-ia a coeficientes técnicos de quantidades - " = s.
X;

217
apenas os setores e ramos que apresentam, individualmente, elevada
relação transporte/ produção 10 (agricultura e armazenagem de cereais,
petroquímica e refino, siderurgia, metalurgia, minerais não-metálicos
e material de transporte, por exemplo).
Como num dado momento, os coeficientes são determinados por
padrões técnicos relativamente rígidos e condicionamentos institucio-
nais, as estimativas de demanda podem ser válidas para períodos rela-
tivamente curtos. Cabe lembrar, todavia, que num país como o Brasil
é necessário ter presente que as distorções na própria estrutura da
demanda e o progresso tecnológico absorvido em saltos não permitiriam
simplesmente "projetar" os dados da matriz para o dimensionamento
futuro da capacidade de transportes.
Como o setor de transportes apresenta a peculiaridade de atender
não somente a um nível de demanda, como também a sua localização
através de fluxos de mercadorias entre origens e destinos, a matriz
acima deve ser complementada, por conseguinte, por outras duas, em
que se traduzam as trocas intersetoriais segundo mercadorias específicas
e principais rotas de escoamento.
No nível de agregação em que é proposto (restrito a um número
reduzido de setores e rotas), o estudo descrito poderá transformar-se em
instrumento básico de planejamento, ao fornecer indicações de adequa-
ção da capacidade de transportes às necessidades da demanda e na
medida em que tenha caráter eminentemente dinâmico e mantenha
nítido o conceito de que o transporte constitui-se em atividade-meio.
Operação: sabe-se que o recente desenvolvimento tecnológico dos
transportes tem enfatizado as necessidades e vantagens do transporte
combinado, em que as técnicas de granelização e unificação de carga
geral objetivam basicamente a redução dos custos de transferência.
A articulação dos investimentos em transportes com aqueles efetuados
10 A premissa básica seria a de j ~ h, sendo h o número de setores consumidores de
grandes volumes de serviços de transporte, nos quais:

x ..
-X "· >t I

'
sendo s um coeficiente arbitrado como elevado. Para uma modalidade de transporte
(i = k), por exemplo,

sendo p um coeficiente percentual que pode variar entre, por exemplo, 60% para o trans-
porte rodoviário e 80-90% para o ferroviário e marítimo, relativamente ao total de carga
movimentada no ano

218
DEMANDA INTERMEDIÁRIA DEMANDA FINAL

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6- URBANO Df MASM @

@-PI!IHCI""'- 0 0 - ""INCIPAL SOO DETERMINAOo\9 CON>IÇÕD e - COMPU:MEH"'M:

LONGA E MÉDIA DISTÂI\CIAS TRÁFEGO LOCAL

1- FERRCMÁRIO

o o o ..
j..AblD(PASS)
• @ •

@- PRINaPAI.. 0 - PRINCIPAL soe OETERMINADA8 CONDIQiX:a e - COIIIPLDIEN'TM

219
nas atividades dinâmicas que demandam seus serviços e a concepção
de sistemas operacionais integrados entre duas ou mais modalidades
de transporte com os pontos de transbordo ou consumo, definindo rotas
de esco~mento de fluxos densos de mercadoria, conceituam um "corredor
de transportes" 11 •
O conceito de "corredor de transportes", desde que preservado para
o escoamento de fluxos densos de mercadorias granelizáveis e grandes
partidas de carga geral, quer formadas em lotes homogêneos ou unifi-
cadas em cofres de carga, pode-se tornar um eficaz instrumento de
planeja~ento e coordenação de natureza intersetorial e intermodal, bem
como entre esferas decisórias de governo. A vulgarização do conceito e
a preocupação excessiva com a ampliação de capacidades específicas -
através ' da compra isolada de equipamento modal - pode, todavia,
comprometer o adequado dimensionamento das capacidades de escoa-
mento do transporte linear pesado ou dos meios complementares, bem
como a integração operacional das modalidades de transporte envolvidas.
Preços: sabe-se que os elementos que apresentam importância
fundamental no processo de determinação do preço de um bem ou
serviço são: a) a demanda dos consumidores; b) a oferta dos fatores
de produção e c) as características tecnológicas da produção. A função
do preço é a de limitar a demanda em face da escassez dos meios e diver-
sidade de alternativas de produção. Visto pelo ângulo da produção, o
preço de um bem reflete o seu custo e este, por sua vez, é determinado
pelos preços dos diferentes fatores de produção utilizados 12 • Tarifar
os serviços de transportes constitui uma particularização do pro-
blema mais geral de determinação de preços. Tomada a perspectiva
modal, as tarifas devem perseguir, através da melhor organização da
produção e conhecimento dos custos, a eliminação de divergências entre
custos e preços. Estes devem refletir aqueles em condições de eficiência
operacional, onde os ganhos de escala resultantes das indivisibilidades
de instalações e equipamentos, possam ser efetivamente transferidos
para os usuários.
Pode haver, por outro lado, uma divergência entre preços de mer-
cado e custos sociais, em razão do provimento da infra-estrutura pelo
Poder Público, como no caso dos transportes rodoviários e urbanos em
geral. As externalidades do lado do consumo, a não-correspondência,
muitas vezes, entre o contribuinte e o usuário, a necessidade de traba-
lhar com pseudomercados obrigam o administrador público a considerar
os custos em termos económicos amplos, através da análise benefício-
custo . ou de técnicas de cobrança de encargos do usuário 13 • Já o pro-

11Ver cap. 8, p. 272.


1~CASSEL, Gustav. The mechanism of princing. ln: THE THEORY of social eco-
nomy. New York, Emest Benn, 1932. p. 137-64.
13 MARGOLlS, Julius. The demand for urban public services. ln: PERLOFF &
Wingo ed. Issues in urban economics. Baltimore, Johns Hopkins Press, 1968. p. 527-65.

220
blema de tarifação visto segundo uma perspectiva setorial introduz,
necessariamente, a consideração dos problemas de serviços substitutos
ou complementares, sendo que a tarifa de uma modalidade conterá em
:si o aspecto da distribuição intermodal. Tarifas irrealistas poderão adi-
cionar a demanda pelos serviços de uma modalidade, provocando dis-
torção na estrutura da demanda setorial e não refletindo a escassez
relativa· dos fatores de produção.
:É: este último aspecto que merece uma reflexão mais detida pois a
partir deste ponto o problema de tarifação do transporte extravasa o
âmbito meramente setorial. É interessante ilustrar este aspecto com
uma análise das repercussões da expansão do transporte rodoviário no
Brasil sobre a escassez de produtos de petróleo. Sabe-se que o cresci-
mento da demanda pelos serviços de transporte fez com que a oferta
se adequasse através da entrada no mercado de veículos rodoviários.
Embora os investimentos na sua infra-estrutura fossem mais baratos
e envolvendo menores períodos de maturação, não foram aproveitadas
as condições de custos decrescentes em determinadas rotas, que envol-
viam densidade de tráfego mais elevadas, implicando a entrada de novos
prestadores do serviço em acréscimos de custos. Não foram aproveitadas,
sobretudo, aquelas possibilidades de redução de custo decorrentes de
modificações tecnológicas nos métodos de prestação do serviço em moda-
lidades específicas - como a ferroviária e marítima - ou através de
técnicas de transporte combinado. Ao contrário, o transporte rodoviário
competiu com as ferrovias e a navegação, reduzindo ainda mais as
possibilidades destas disputarem cargas que lhes eram próprias.
Ora, se o transporte é, em geral, uma etapa intermediária no
processo produtivo, os custos elevados transferiram-se para outros seto-
res gerando ineficiências e onerando o consumidor. Mais ainda, a de-
manda pelo transporte rodoviário exerceu uma poderosa influência na
utilização dos produtos de petróleo. A diversidade de uso destes pro-
dutos e seu valor de escassez 14 elevam o preço dos transportes e, conse-
qüentemente, influenciam todo o processo de determinação de preços.
Diante das perspectivas sombrias quanto ao futuro do petróleo como
combustível, este aspecto assume gravidade muito maior. Não seria
indicado reexaminar a política de preços dos transportes rodoviários
tendo em vista um aproveitamento mais racional dos fatores e recursos
disponíveis? Não seria conveniente uma redução planejada no emprego
de combustíveis de petróleo nos meios de transportes, através da utili-
zação intensiva de condutos ou ferrovias eletrificadas para cargas densas
-especializadas em determinados "corredores"? A visão conjuntural do
problema da escassez do petróleo (medidas de racionamento e controle)
não deve ceder lugar, paulatinamente, a uma concepção de planeja-

14 O Brasil importa 75% das suas necessidade de consumo de óleo cru expressas em
toneladas e este item representa isoladamene 6,5% do valor em dólares de nossa pauta de
importações (dados de 1972) .

221
mento de longo prazo, visto tratarem-se, aqueles investimentos alterna-
tivos, de empreendimentos com longo período de maturação?
São tantos e tão complexos os problemas relacionados com a defi-
nição de uma política de transportes que cumpre, na etapa atual de
nosso desenvolvimento, reformular conceitos, discutir métodos e rever,
em profundidade, a tradicional concepção centrada na ampliação exten-
siva da infra-estrutura viária. Trata-se basicamente de olhar para os
problemas de operação, no contexto mais amplo do manuseio, acondi-
cionamento e armazenagem das cargas transportadas, bem como de
conservação e segurança das vias.

222
11 - TRANSPORTES E DESENVOLVIMENTO REGIONAL
Capítulo VI - OS DESEQUILIBRIOS REGIONAIS NAS
ECONOMIAS SUBDESENVOLVIDAS*

O interesse pelo estudo do desenvolvimento regional surge com o caráter


de pesquisa sistemática no após-guerra e coincide com a tomada de
consciência em relação ao problema do subdesenvolvimento, de maneira
mais ampla. Este interesse centrou-se, principalmente, na diferença
entre nações ricas e nações pobres. Atualmente, as atenções se voltam,
também, para o problema das diferenças de renda dentro de economias
nacionais, muito embora continuem a inquietar os cientistas sociais os
desequilíbrios existentes entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
Apesar de se repetir, dentro de um espaço nacional, idêntico fenô-
meno verificado no quadro internacional, a coexistência de regiões de
maior atraso relativo com pólos ou núcleos em estágios mais avançados
de desenvolvimento, apresenta um conjunto de mecanismos que estão
por trás dos desequilíbrios - bem como categorias e instrumentos de
análise - com características peculiares.
A observação atenta das diferenças regionais nos mostra que os
níveis mais baixos de renda e da produtividade do trabalho humano
se devem, de um lado, a fatores de ordem natural. Assim, por exemplo,
o clima desfavorável, a escassez de recursos naturais e o difícil acesso
aos centros nacionais de produção e consumo, devido à existência de
barreiras geográficas, ou a própria distância física seriam fatores res-
ponsáveis pelo empobrecimento relativo de regiões em relação às me-
didas nacionais. O contínuo desenvolvimesto da tecnologia faz, entre-
tanto, com que os fatores de ordem natural não sejam obstáculos de
caráter absoluto, que impeçam a difusão da atividade econômica.
Por outro lado, existem, também, fatores de ordem econômica que
acentuam as diferenças regionais. As concentrações de população já
existentes (que, através de um processo histórico de melhoria nos níveis
culturais, permite uma qualificação maior dos seus estoques de mão-
de-obra) e a distribuição do estoque de capital, particularmente aquele

* Publicado em Síntese Política Econômica e Social, R io de Janeiro, 9 ~36) :5-30,


out./dez. 1967.

225
investido na infra-estrutura e em serviços básicos, constituem, de ma-
neira geral, fatores que atuam no sentido da concentração espacial da
atividade econômica. Assim, as regiões situadas em torno dos centros
econômicos tradicionais tendem a ser, em geral, mais ricas e com maio-
res possibilidades de crescimento que as regiões situadas na periferia do
sistema econômico nacional.
Com efeito, a combinação dos fatores de ordem natural com os
fatores de ordem econômica nos permite verificar que o desenvolvi-
mento econômico se propaga, do ponto de vista espacial, no sentido
de uma rarefação gradativa da atividade econômica, bem como ocorre
uma diminuição acentuada nos níveis de renda, à medida que se atinge
a periferia do sistema. Estas regiões periféricas se caracterizam como
subdesenvolvidas, quando os seus baixos níveis de renda estão rela-
cionados a uma dependência quase que completa da economia da região
à atividade agrícola ou extrativa, e, em alguns casos, a um setor indus-
trial que opera em nível artesanal.
Neste sentido, as regiões de maior atraso relativo dentro de um
espaço nacional, via de regra, são exportadoras de produtos primários
(matérias-primas e alimentos) para as regiões mais ricas e industria-
lizadas do País, em troca de produtos manufaturados e serviços espe-
cializados. Por conseguinte, em linhas gerais, as diferenças estruturais
básicas entre essas regiões, no quadro de uma economia nacional, são
as mesmas que as diferenças existentes entre países subdesenvolvidos
e desenvolvidos. Deve-se assinalar, ainda, que a observação empírica
do fenômeno mostra desequilíbrios inter-regionais muito mais acentua-
dos nos espaços nacionais que, em seu conjunto, são subdesenvolvidos.
Assim, nas economias altamente industrializadas, as diferenças nos
níveis de renda entre as regiões mais ricas e aquelas mais pobres são
relativamente pequenas. Por outro lado, as regiões pobres desses países
se configuram, muitas vezes, mais como regiões deprimidas pela perda
de mercado ou pela superação tecnológica de uma atividade tradicional
- e, em conseqüência, por um desequilíbrio conjuntural na alocação
dos fatores de produção - do que propriamente como regiões subde-
senvolvidas. Desta observação se poderia concluir que a existência de
desequilíbrios regionais constituiria um fenômeno transitório, carac-
terístico do processo de industrialização, e que tenderia a desaparecer
tão logo fossem atingidos níveis elevados de renda e de produtividade,
mesmo na ausência de políticas de desenvolvimento regional. Entre-
tanto, se levamos em consideração as condições peculiares de desenvol-
vimento industrial do centro dinâmico da Europa Ocidental (Inglaterra
e vale do Reno) , no quadro do liberalismo econômico, verificamos que
os países que se lançaram mais recentemente na industrialização apre-
sentam uma tendência ao agravamento de seus problemas regionais.
Segundo Gunnar Myrdal, o liberalismo econômico, ao contrário da

226
concepção clássica da teoria econômica, tem atuado nesses países, no
sentido de aumentar, e não diminuir, as desigualdades regionais 1•
As diferenças regionais nos países subdesenvolvidos podem ser
consideradas como uma característica comum à grande maioria desses
países. Estas diferenças podem apresentar-se em diversos graus, mas
correspondem ao mesmo fenômeno histórico: o setor moderno da eco-
nomia foi introduzido de fora para dentro num sistema econômico
que, em seu conjunto, ainda guarda características de atraso, em
relação aos sistemas desenvolvidos. Formavam-se, nas economias sub-
desenvolvidas, estruturas híbridas de produção, em função de uma
atividade exportadora complementar - em termos de fornecimento
de matérias-primas minerais ou agrícolas e alimentos - aos centros
dinâmicos da economia mundial.
Ives Lacoste observa, na sua tipologia das economias subdesenvol-
vidas, que o setor moderno concentrou-se, desta maneira, nos núcleos
urbanos situados próximos ao litoral, ao longo dos eixos tradicionais
de circulação e nas zonas de produção e comercialização das merca-
dorias de exportação 2 •
A diferença entre as regiões de economia moderna e aquelas quali-
ficadas de tradicionais, constituídas principalmente de amplas áreas de
economia de subsistência e voltadas para o autoconsumo, torna-se cada
vez mais nítida na medida em que as regiões tradicionais resistem, com
suas forças de inércia, aos impactos externos que ameaçam romper
o seu equilíbrio, e as regiões mais modernas conseguem um desenvol-
vimento auto-sustentado. Estas últimas têm, de início, seu desenvolvi-
mento condicionado a um impulso exógeno ao sistema econômico: a
demanda externa por produtos primários. Posteriormente servem de
base- dado o volume de economias externas já existentes e o mercado
constituído pela parcela da população integrada ao circuito monetário
- para a implantação de uma economia industrial de alta produti-
vidade.
Por outro lado, as áreas de maior atraso relativo têm suas origens
em fatores históricos e institucionais (características da ocupação do
território, sistema de propriedade da terra, etc.) além dos fatores, natu-
rais e econômicos já mencionados.
1 MYRDAL, Gunnar. Teoria económica e re~iões subdesenvolvidas. Rio de Janeiro,
Saga, cap. 3. Para Gunnar Myrdal se as forças do mercado não forem controladas por
uma política intervencionista, será provocado um processo cumulativo, descendente ou
ascendente, quando uma mudança em uma variável econômica ou sociol6gica é grande e
suficientemente persistente de maneira a provo~ar um acréscimo ou decréscimo nas quan-
tidades econômicas inter-relacionadas: renda, poder aquisitivo, demanda, investimento e
nível de produção.
2 LACOSTE, Ives. Les pays sous-dévéloppées. Paris, Presses Universitaires de France,
cap. 1. Para Ives Lacoste, a frágil integração nacional, isto é, não s6 a existência de
profundos desequilíbrios regionais em termos de renda e de produtividade, mas também,
o isolamento econômico das régiões, constitui característica constitutiva do subdesenvolvi-
mento.

227
É interessante assinalar que o desenvolvimento da atividade de
exportação de produtos primários, em países de grande dimensão geo-
gráfica, que contaram historicamente com vários pólos de atividade
primário-exportadora, gerou um problema adicional: a ausência de
integração efetiva entre as diversas regiões do País. O policentrismo
administrativo e político reflete, com efeito, o fato de que os vínculos
entre as regiões dentro do País eram muito mais fracos do que os
existentes entre cada região e o exterior.
Nos países subdesenvolvidos, o desequilíbrio regional é condicionado,
por conseguinte, pela existência de dois tipos superpostos de desequi-
líbrio característicos das economias subdesenvolvidas: o setorial e o
estrutural. O primeiro é resultante da profunda disparidade nos níveis
de produtividade entre os setores agrícola e industrial, uma vez que a
agricultura, nesses países, apresenta não só baixos rendimentos por área
cultivada, como, também, baixíssima produtividade por unidade de
mão-de-obra empregada no setor. O segundo caracteriza-se pela coexis-
tência de um setor pré-capitalista de produção, artesanal ou de subsis-
tência, com um setor capitalista de elevada produtividade e operando
a um complexo nível tecnológico. Isto faz com que se diferenciem, dentro
do mesmo setor de produção, as atividades que utilizam tecnologia
moderna e aquelas que mantêm métodos arcaicos de produção. O setor
capitalista é altamente concentrador de benefícios, resultantes de sua
alta produtividade, enquanto que o setor pré-capitalista é progressi-
vamente marginalizado, na ausência de uma politica consciente de
integração econômica.
Nas regiões de maior atraso relativo, que vegetam, em seu estado
de pobreza ou estagnação, existe, em geral, um profundo desequilíbrio
entre os estoques de fatores de produção, que provoca uma tendência
cumulativa de "esvaziamento econômico" da região. Elas são, via de
regra, relativamente mais pobres em recursos naturais, mas nos países
subdesenvolvidos, pode-se dizer que as disparidades regionais estão
muito menos relacionadas a este fator. Mais do que pobres em recursos
naturais, essas regiões são carentes de um inventário de suas riquezas
minerais, estudos de solo, etc., o que resulta num desconhecimento de
suas potencialidades de desenvolvimento. Muitas vezes, os fatores de
ordem institucional, como, por exemplo, o sistema de distribuição das
terras cultiváveis, são mais importantes para a determinação de desní-
veis regionais do que a própria limitação de recursos naturais. Assim,
nas regiões onde a atividade agrícola é condicionada a um sistema de
latifúndios que só permitem a exploração extensiva do solo à baixa
produtividade, ou a um sistema de proliferação de minifúndios, este
dado de ordem institucional, associado à existência de um estoque de
capital rarefeito (resultante da própria impermeabilidade da exploração

228
do solo a novas técnicas) propicia uma fuga maciça da mão-de-obra em
idade de trabalho para os centros mais dinâmicos da economia nacionais.
Por outro lado, o próprio excedente econômico da região, traduzido
em termo de poupança, se destinará, também, a esse centros dinâmicos,
através de uma drenagem do sistema bancário, em busca de aplicações
mais rentáveis e, muitas vezes, de caráter especulativo 4 • A baixa relação
aplicação-depósito do sistema bancário local mede, em geral, a evasão
de recursos de uma região de maior atraso relativo para os centros mais
dinâmicos da economia nacional. É muito pouco provável que esta baixa
relação reflita grande disponibilidade de caixa, pois as economias subde-
senvolvidas, em seu conjunto, estão sujeitas, em geral, a grave pressões
inflacionárias.
Agravando ainda mais esta evasão de poupanças ocorre, também,
o fato de que sendo o sistema econômico nacional, em seu conjunto,
subdesenvolvido, é usual a concentração da quase totalidade dos seus
investimentos nas áreas mais favorecidas pela existência de uma infra
estrutura de serviços básicos (notadamente facilidades em transportes,
energia, comunicações eficientes, etc.) onde a rentabilidade do capital
investido é mais elevada a curto prazo.
Além dos deslocamentos dos fatores de produção, trabalho e capital,
o processo de esvaziamento da região se processa, ainda, através do fun-
cionamento do comércio inter-regional. Embora o mecanismo da relação
de trocas entre produção primária e secundária seja um fator muito
mais determinante dos desníveis internacionais, no âmbito de um espaço
nacional, também se verifica a sua atuação, na medida em que as regiões
mais pobres permanecem essencialmente agrícolas. Por outro lado mes-
mo que estas regiões disponham de um setor industrial incipiente, di-
ficilmente ele resistirá a posição competitiva mais forte da indústria loca-
lizada nos centros mais dinâmicos, seja pela baixa produtividade relativa
em que opera, seja pela impossibilidade de proteção tarifária de sua
"indústria nascente" em relação ao restante do País.
Nos países subdesenvolvidos, onde o processo de industrialização
encontra-se em seus primórdios, existem, por conseguinte, tendências
cumulativas acentuadas no sentido de enriquecimento das regiões mais
ricas e pauperização relativa crescente das regiões mais pobres. Uma
economia nacional em crescimento se apresenta como uma combinação
de elementos ativos ou propulsores (atividades geograficamente aglo-
meradas, pólos de desenvolvimento industriais) e de elementos passivos
(regiões dependentes dos pólos de desenvolvimento, periferia voltada
para a atividade de subsistência). De acordo com a análise deste fenô-

3 UNITED NATIONS. Problems of Regional Development and Industrial Location


in Europe. Economic Survey of Europe, 1954.
4 MYRDAL, Gunnar. Teoria económica e regiões subdesenvolvidas. Rio de Janeiro,
Saga, cap. 3.

229
meno, feita por François Perroux, os primeiros elementos induzem, em
princípio, o crescimento dos segundos 5 •
O processo de desenvolvimento econômico está intimamente rela-
cionado à diversificação crescente da capacidade produtiva do sistema
econômico, baseada nà especialização e no dinamismo do seu setor
secundário. Dado a própria natureza do processo de produção industrial,
que se caracteriza por uma preocupação empresarial com os custos
tanto dos fatores de produção quanto dos insumos, a localização das
novas unidades produtivas obedecerá a um critério de maior raciona-
lidade no que diz respeito à disponibilidade de serviços básicos e à
proximidade dos mercados consumidores. Mesmo as unidades indus-
triais que têm necessidade de localização próxima às fontes de matéria-
prima encontram um obstáculo à dispersão geográfica, na ausência
de disponibilidade de capital social básico. Assim, a atividade econô-
mica tende a se concentrar nas regiões já tradicionalmente ricas, em
prejuízo da periferia do sistema.
Por outro lado, o processo de industrialização está, também, asso-
ciado, em grande medida, à urbanização. Pode-se dizer, em princípio,
que a formação dos grandes complexos urbanos modernos é um reflexo
da existência de uma atividade industrial diversificada. Estes complexos
urbanos constituem, dentro das regiões mais ricas, um fator adicional
de atração. Nos países subdesenvolvidos - que se constituem, por sua
vez, em uma periferia das economias desenvolvidas da Europa e América
do Norte - a urbanização adquire características peculiares e reflete
outras tendências, além da correspondência na industrialização. Com
efeito, as populações urbanas nesses países estão se expandindo muito
mais rapidamente que as da Europa Ocidental e dos Estados Unidos
por ocasião da Revolução Industrial, no século XIX.
Na grande maioria de países que estão entrando, recentemente, no
processo de industrialização, a urbanização não tem uma base ade-
quada neste processo. Além do mais, o grosso da urbanização nesses
países se está fazendo dentro de um contexto econômico, sociológico e
mesmo político, distinto daquele que prevaleceu na Europa Ocidental,
no início do século XIX, e, nos Estados Unidos, no final do século XIX
e início do XX 6 • A própria evolução exponencial da tecnologia, assim
como a necessidade dos sistemas econômicos operarem a um nível de
5 François Perroux. L'Ecorwmie do XXeme Siecle. Presses Universitaires de France,
Paris, Capítulo "Les Pôles de Croissance". François Perroux assinala que, dentro de um
pólo industrial geograficamente aglomerado e em crescimento, observam-se efeitos de inten-
sificação da atividade econômica devidos à proximidade e ao estreitamente dos contatos hu-
manos. A aglomeração industrial urbana gera consumidores a graus de consumo cada vez
mais diversifi-cada em relação ao consumo dos meios rurais. Necessidades coletivas emergem
e se encadeiam. Do ponto de vista da produção, surgem novos tipos de produtores: em-
presários, trabalhadores qualificados; quadros técnicos industriais e urbanos se formam e se
interinfluenciam, participando eventualmente de um espírito coletivo. Na ausência de obs-
táculos à propagação, esta aglomeração espalhará seus efeitos pelo restante da economia.
Nos países subdesenvolvidos, entretanto, a propagação é estancada pelo isolamento econô-
mico das regiões atrasadas.
6 United Nations. United Nations Seminar on Re{1ional PlannitiJl. Tokyo, 1958.

230
concentração crescente das unidades produtivas, contribuem decisiva-
mente para que esta urbanização se defronte com problemas peculiares.
Desta maneira, o rápido desenvolvimento das comunicações e dos
transportes, tornando os padrões de consumo dos grandes complexos
urbanos mais "visíveis", acarreta, nos países subdesenvolvidos, uma
atração adicional sobre as populações marginalizadas das regiões po-
bres, que afluem aos grandes centros urbanos, mesmo sem a contra-
partida de um emprego nas atividades industriais e correlatas.
Podemos caracterizar, desta maneira, dentro das regiões mais
desenvolvidas e dinâmicas de uma economia nacional, um movimento
cumulativo de sentido centrípeto, que associado ao movimento centrí-
fugo, já descrito para as regiões de maior atraso relativo, tende a
provocar desequilíbrios cada vez maiores entre as regiões.
Se as forças de mercado não são controladas por uma política
intervencionista consciente, que vise quebrar as tendências cumula-
tivas mencionadas, as atividades econômicas da alta produtividade se
concentrarão em determinados centros ou regiões, deixando o resto
do sistema econômico relativamente estagnado.
Não considerando os fatores de ordem natural, cuja superação se
torna possível através do contínuo desenvolvimento de tecnologia, o
poder de atração de um pólo econômico se origina, principalmente,
num fato histórico: o de ter iniciado aí um movimento, com êxito, no
sentido de uma acumulação crescente de economias externas e internas,
que fortificaram e mantiveram o seu crescimento contínuo, em detri-
mento de outras regiões onde, ao contrário, prevaleceu a estagnação
ou regressão relativa 7 •
A expansão deste pólo produz uma série de "efeitos regressivos"
ou "propulsores" em outras regiões, e é o saldo destes efeitos que
determinará, em última análise, se o impacto do pólo foi benéfico ou
prejudicial a essas regiões.
No caso brasileiro, os grandes desequilíbrios regionais têm sua
origem na evolução histórica das diferentes economias regionais pri-
mário-exportadoras. Cada uma delas reproduziu o fenômeno da forma-
ção de estruturas híbridas de produção. Com efeito, cada um destes
sistemas econômicos regionais constituiu-se de um núcleo dinâmico
vivendo em função do mercado internacional, cercado de uma economia
de subsistência ou de um vazio econômico. Estas economias regionais
evoluíram segundo uma dinâmica própria e independente do sistema
econômico nacional 8 • Por outro lado, sua situação de "semi-autarquia"
7 Myrdal, Gunnar. Teoria Económica e Regiões Subdesenvolvidas. Sage, Rio d e
Janeiro. Capítulo 3.
8 Castro, Antônio. Raízes Históricas dos Desequilíbrios Regionais em Economias Sub-
desenvolvidas. Contribuição do Centro de Desenvolvimento Econômico CEPAL-BNDE, ao
1.° Congresso Brasileiro de Desenvolvimento Regional. Antônio Castro assinalada que algu-
mas nações subdesenvolvidas reúnem dois ou mais complexos exportadores. Sendo assim,
o país em seu conjunto terá a sua heterogeneidade multiplicada pelo número de economias
regionais primário-exportadoras. Cada uma delas reproduz o fenômeno mais ou menos de-
finido de um eixo dinâmico diretamente ligado ao exterior e cercado de uma massa rela-
tivamente inerte.

231
em relação ao país, em conjunto, constituiu historicamente um obstáculo
à formação de verdadeiro mercado nacional.
Desta maneira, de acordo com as flutuações da demanda externa
por seus produtos primários ou por uma exaustão dos seus recursos
naturais, estas regiões e1;itagnaram, involuíram integralmente para uma
economia de subsistência ou evoluíram para estágios mais avançados
de desenvolvimento econômico. Assim, nas diferentes regiões criaram-se
movimentos de sentido centrífugo, onde predominaram os "efeitos re-
gressivos" (caso da economia açucareira nordestina) ou de sentido
centrípeto, onde predominavam os "efeitos propulsores" (caso da eco-
nomia cafeeira paulista). Em outras regiões, a transferência da de-
manda externa, ou o seu colapso, interrompeu abruptamente um
processo de formação de economias externas e internas (caso da
economia da borracha na Amazônia).
O Brasil apresenta, portanto, um quadro de diferenças regionais
extremamente complexo, em que coexistem estágios distintos de desen-
volvimento econômico. Partindo historicamente de uma situação de
isolamento e grande diferenciação regional, tende para uma integração
crescente, na medida em que o seu pólo dinâmico tenha condições não
só de levar os seus efeitos propulsores às regiões periféricas, como
também de neutralizar, através de uma absorção efetiva dos fluxos
migratórias, os efeitos regressivos provocados nas mesmas 9 • É interes-
sante assinalar, ainda, que na medida em que a integração econômica
das diferentes partes de um complexo nacional condiciona uma efetiva
integração política e administrativa, pois é bem nítido um fenômeno
de interdependência, que Jacques Boudeville chama de "integração
horizontal" 10 , historicamente, no Brasil, as diferentes regiões não tive-
ram a condução de sua atividade econômica harmonizada com os obje-
tivos perseguidos pelo sistema político-administrativo federal.
O quadro I, apresentando a Renda Interna do Brasil, distribuída
pelas suas regiões geoeconômicas no período 1950-60, permite uma pri-
meira visão de conjunto das nossas diferenças regionais *.
De início, verifica-se que os desequilíbrios atuais refletem, ainda,
a justaposição histórica de economias em diferentes fases de atividade

9 CASTRO, Antônio Barros de. Raízes históricas dos desequilíbrios regionais em


economias subdesenvolvidas. ln: CONGRESSO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO
REGIONAL, 1. Araxá, 14/ 20 fev. 1965. Anais ... Araxá, BDMG, 1965.
10 BOUDEVILLE, J . R. Note sur l'intégration des espaces économiques. ln: CON-
GRESSO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL, 1. Araxá, 14/20 fev.
1965. Anais ... Araxá, BDMG, 1965. Para Jacques Boudeville, o crescimento e o desenvol-
vimento estão ligados à integração. Com efeito, eles resultam de um processo que aumenta
o grau de interdependência entre os setores econômicos e os grupos sociais e entre as
regiões econômicas políticas.
• A divisão do espaço econômico nacional em regiões geoeconômicas, feita pela Fun-
dação Getúlio Vargas, para efeito de distribuição espacial da renda, tem como base so-
mente a noção de homogeneidade das diferentes economias estaduais, não levando em conta
a nação de espaço polarizado.

232
Quadro 1

Renda total, população e renda per capita por regiões


geoeconômicas - 1950 - 1960

Te.x& mêdi& de
1950 1960 crescimento e.nue.l (%)
1950·1960
N.• Regiões geoeccnômicss
Rende.
total
Popu·
lação
Rende.
p/capita
Rende.
total
Popu·
!ação
Renda
pfcapita Renda
total
I Popu·
lação
IRenda
pfcapita
(1)
I (2)
I (3) (1)
I (2)
I (3)

Ac-AM-PA-AP-RO Cr$/número 4 960.0 1 845 2 688.3 7 764.7 2 547 3 048 .5 4.6 3.3 1.3
e percen- 2.3 3.6 63.4 2.2 3.6 60.8
tual/índice
II MA-PI 3 464.3 2 629 1 317.7 6 001.2 3 718 1 614.0 5.6 3.5 2.0
1.6 5.1 31.1 1.7 5.3 32.2
III CE-RN-PB-PE-AL -SE 22 629.8 10 509 2 153.3 33 434.2 12 561 2 661.7 4.0 1.8 2.1
10.3 20.2 50.8 9.5 17.9 53.1
IV BA 9 910.7 4 835 2 049.3 16 394.8 5 948 2 756 .3 5.1 2.1 3.0
4.5 9.3 48.3 4.7 8.5 55.0
v MG-ES 26 532.7 8 740 3 035.7 37 920.3 11 289 3 359.0 3.6 2.6 1.0
12.0 16.8 71.6 10.8 16.1 70.0
VI RJ 9 651.1 2 297 4 201.6 15 891.8 3 383 4 697.5 5.1 4.0 1.1
4.4 4.4 99.1 4.5 4.8 93.7
VII GB 32 770.7 2 377 13 786.5 47 315.6 3 285 14 403.5 3.7 3.3 0.4
14. 4.6 325.1 13.5 4.7 287.2
VIII SP 71 127. 9 133 7 787.9 113 336.7 12 763 8 880.0 4.8 3.4 1.4
32.3 17.6 183.6 32.2 18.2 177.0
IX PR-SC 15 689.8 3 677 4 267 .o 32 730.8 6 327 5 173.1 7 6 5.6 2.0
7.1 7.1 100.6 9.3 9.0 103.1
X lts 19 246.8 4 615 4 621.0 32 134.1 5 356 5 999.6 5.2 2.5 2.6
8.7 8.0 109.0 9.1 7.6 119.6
XI MT-GO-DF 4 293.0 1 737 2 471.5 8 771.5 2 942 2 981.4 7.4 5.4 1.9
1.9 3.3 58.3 2.5 4.2 59.4

Total 220 276.5 51 944 4 240.6 351 695.6 70 119 5 015.6 4.8

3.1 1.7
100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0

Deflator Implícito 100,0 100,0 544,9 1144,9

t-.:1 FONTE - Fundação Getúlio Vargas, Instituto Brasileiro de Economia.


c,.,
c,., NOTA - (1) Em milhões de cruzeiros de 1950. (2) Em milhares. (3) Em cruzeiros de 1950.
primano exportadora. Também é nítida a diferenciação das regwes
no que diz respeito ao seu dinamismo. Assim, existem as regiões que,
total ou parcialmente, estão em visível decadência ou depressão econô-
mica, apresentando baixos incrementos médios anuais em seus níveis
de renda, traduzidos numa participação relativa decrescente no total
da Renda Interna do País (exemplos ex-Guanabara, Minas Gerais-Es-
pírito Santo). Existem, ainda, as regiões estagnadas, cujos incremen-
tos de renda apenas se aproximam da média nacional (exemplos: Norte,
Rio Grande do Sul) e finalmente aquelas que apresentam um cre:\ici-
mento bastante superior à média nacional e cujo dinamismo permite
uma alteração substancial em sua participação relativa no total do
País (exemplos: Paraná-Santa Catarina, Mato Grosso-Goiás). Escapa às
dimensões do presente trabalho a análise detida das peculiaridades dos
processos de desenvolvimento de cada região geoeconômica. Cabe, no
entanto, ressaltar que no complexo contexto de desequilíbrios regio-
nais, anteriormente descrito, pode-se inferir, esquematicamente, um
desequilíbrio maior e bem nítido.
Trata-se da profunda disparidade existente entre o chamado cen-
tro-sul e o restante do País. Com efeito, nos últimos decênios, foi aquela
parte da economia nacional a que se mostrou mais dinâmica e que
logrou efetivamente transitar do ciclo de economia primário-exporta-
dora para um desenvolvimento industrial baseado num processo cumu-
lativo de substituição de importações. O centro-sul do País constituiu-
se, portanto, no pólo dinâmico da economia nacional (basicamente
montado sobre o triângulo São Paulo-Rio de Janeiro-Belo Horizonte) e
tem como tarefa, a médio e longo prazo, exercer um impacto positivo
no restante do sistema, através de um saldo dos efeitos propulsores
sobre os regressivos.
Tal tarefa, entreta " , numa economia de dimensões continentais
como a brasileira, caracterizada por marcantes disparidades espaciais,
assume proporções graves. Isto porque este pólo dinâmico terá que ab-
sorver uma enorme massa de atividades pré-capitalistas ou artesanais
e de populações marginalizadas. Abstraindo a Região Norte, dada a
sua fraca densidade demográfica e a sua pequena participação relativa
no total da Renda Interna do País, o desequilíbrio regional básico da
economia brasileira fica reduzido à dicotomia centro-sul e Nordeste.
Em termos de renda per capita, verifica-se, inicialmente, ainda pelo
quadro I, que a diferença entre o nível mais alto do centro-sul (ex-Gua-
nabara) e o mais baixo do Nordeste (Maranhão-Piauí) atinge uma pro-
porção de, aproximadamente, 9 para 1. Esta proporção se reduziu no
decênio 1950-60, uma vez que em 1950 era de 10,5 para 1. Esta redução
pode levar, numa primeira aproximação ao problema, à suposição de
que os desequilíbrios regionais, no Brasil, estão se reduzindo através
de uma efetiva propagação dos efeitos dinamizadores do pólo de de-
senvolvimento nacional, localizado no centro-sul. Este argumento seria
reforçado pela constatação das elevadas taxas de crescimento da econo-

234
mia nordestina, após a implantação da SUDENE. Uma análise mais
detida, no entanto, deve ser feita para melhor compreensão deste fe-
nômeno.
O desequilíbrio entre o Nordeste e o centro-sul, que tem suas ori-
gens históricas na decadência secular e desagregação da atividade ex-
portadora do açúcar no Nordeste, intensificou-se nas últimas décadas,
na medida em que se formava no centro-sul do País um núcleo indus-
trial extremamente dinâmico e que permitiu a esta região um desen-
volvimento auto-sustentado. Sendo adotada a partir da Grande De-
pressão de 1929 uma política cambial ativa de defesa da atividade ex-
portadora, esta atuou simultaneamente como uma política de proteção
do setor industrial ligado ao atendimento das necessidades mais ele-
mentares do mercado interno, desencadeando um processo de substi-
tuição de importação dos produtos industriais 11 • Este processo cumu-
lativo localizou-se geograficamente no centro-sul do País, pelo fato de
ser esta a região que apresentava melhor infra-estrutura e disponibili-
dade de serviços básicos - acumulada a partir da atividade cafeeira -
e um mercado de grande dimensão originário da existência de uma par-
cela da população substancialmente integrada numa economia mone-
tária. Uma política cambial e de defesa do nível de renda e de emprego
na atividade cafeeira, que foi extremamente favorável ao desenvolvi-
mento do centro-sul, muitas vezes, no entanto, atuou de maneira des-
favorável em relação ao Nordeste, cujos produtos de exportação eram
marginalizados na pauta nacional.
Assim, enquanto que no centro-sul o núcleo dinâmico da economia
nacional apoiava seu rápido desenvolvimento na substituição gradual
- e cada vez mais complexa- das importações de produtos manufa-
turados e tirando partido de uma acumulação prévia de capital da
atividade exportadora do café, o Nordeste tinha não só uma atividade
exportadora incapaz de financiar o seu desenvolvimento, como também
um reduzido mercado interno. Desta maneira, enquanto a estrutura de
fatores de produção no Sul do País se adaptava de modo mais flexível
a um processo de industrialização que se beneficiava das crises de ex-
portação (depressão da década de 30) ejou das restrições nas impor-
tações (II Grande Guerra), o mesmo não acontecia com o Nordeste.
Pelo contrário, na medida em que novas oportunidades se abriam no
Sul, houve uma emigração em massa da força-de-trabalho e uma evasão
de poupanças em busca de aplicações mais rentáveis, intensificando o
"esvaziamento" da Região.

1 1 TAVARES, Maria da Conceição. Auge e declínio do pro·cesso de substituição de


importação. Boletim Econômico, v. 9, n. 1, mar. 1964. Este artigo descreve detalhadamente
a mecânica do processo de substituição de importação como modelo de desenvolvimento
na América Latina e informa as características e os estágios deste processo na economia
brasileira.

235
Por outro lado, o Nordeste essencialmente agrícola, num contexto
de limitação na capacidade para importar da economia brasileira como
um todo, passava a importar produtos manufaturados provenientes do
Sul com uma relação de trocas desfavorável agravada por um elevado
custo de transporte.
O Nordeste, por conseguinte, sofreu uma drenagem violenta de re-
cursos, seja através do deslocamento de fatores de produção, seja -
embora em menor escala- através de um intercâmbio, de bens e ser-
viços, desfavorável com o centro-sul. Assim, este último recebia, não
só transferências vultosas de poupanças drenadas através do sistema
bancário ou do sistema tributário federal, mas também transferência
de população que se constituiu numa reserva de força-de-trabalho para
o Sul. Esta reserva subempregada favoreceu a industrialização desse
núcleo, na medida em que os baixos níveis salariais aí prevalecentes
permitiam maiores margens de lucros e, conseqüentemente, mais rápi-
da cumulação de capital.
Por outro lado, a rápida expansão da atividade industrial no Sul
não criou demandas significativas por matérias-primas e alimentos na
região nordestina, de um lado pela deficiência aguda no sistema de
transportes que tornava extremamente oneroso o intercâmbio, e de outro
pela ausência de complementaridade entre a estrutura de fatores de
produção do Nordeste com a do centro-sul, associada, por sua vez, à
baixíssima produtividade de sua agricultura de subsistência. Assim, os
efeitos propulsores, na Região, da industrialização do Sul foram muito
pequenos.
A partir do momento em que a economia do centro-sul logrou se
desenvolver com base num núcleo industrial de elevados níveis de pro-
dutividade, houve uma tendência para um desequilíbrio crescente entre
as duas Regiões. Deve-se levar em conta, no entanto, que este núcleo
industrial alcançou o seu maior dinamismo no período em que eram
substituídas as importações de bens manufaturados de consumo durá-
vel e insumos industriais, uma vez que este processo se fazia atendendo
às necessidades de um mercado reprimido pelas restrições às impor-
tações e a uma demanda de elevada elasticidade-renda. Assim, na me-
dida em que as possibilidades de substituição para esses bens tendem a
se esgotar e existe, também, uma dificuldade de avanço nas substitui-
ções de grande número de matérias-primas e bens de capital, verifica-se
uma quebra no ritmo de expansão deste núcleo. Enquanto que a difi-
culdade de substituir certa gama de matérias-primas reside na ausên.-
cia de disponibilidades internas em recursos naturais ou numa insu-
ficiente produção doméstica, o problema dos bens de capital relacio-
na-se com a inexistência de um eficiente sistema nacional de financia-
mento dos mesmos (excetuando-se a margem de equipamentos alta-
mente especializados que não têm condições de produção interna).
Assim, esta quebra no ritmo de desenvolvimento de uma Região
que é responsável pela geração de cerca de 70% da renda interna ten-
deu a reduzir o desequilíbrio entre o centro-sul e o Nordeste.

236
Por outro lado, é importante assinalar que, com a criação da
SUDENE, tem o Governo Federal procurado implementar na região
nordestina um processo de desenvolvimento econômico auto-sustenta-
do, através de uma ruptura no mecanismo de mercado, que tradicional-
mente vinha atuando contra a Região. A partir de 1959, toda a ação
da SUDENE se concentrou na criação de estímulos para retenção das
poupanças do Setor Privado da economia nordestina na Região. Assim,
esta drenagem diminui com a criação de oportunidades de investimen-
tos locais, através da ação comandada pelo Setor Público na ampliação
da infra-estrutura regional.
Desta maneira, tem-se implantado um núcleo industrial do Nor-
deste, que vem alterando a estrutura do sistema econômico local. Esta
alteração, para um sistema que, em seu conjunto, opera a um baixo ní-
vel de renda, implica elevadas taxas de crescimento. Pode-se dizer, ain-
da, que o desenvolvimento econômico do Nordeste está repetindo, em
escala menor, aquele processado no centro-sul, uma vez que sua base
é um processo de substituição de importações provenientes do centro-
sul, visando ao setor industrial da economia nordestina, principalmente
o atendimento do mercado regional.
Este setor industrial nascente protegeu-se da competição com as
importações do centro-sul em virtude da completa ausência de integra-
ção das duas economias. Na base desta falta de integração, temos, de
um lado, a não complementaridade das estruturas de fatores de pro-
dução, já mencionada, e, de outro, a dependência do intercâmbio a um
sistema de transportes inviável. Com efeito, a partir do após-guerra,
dado o colapso e a incapacidade de recuperação do sistema de navega-
ção costeira e a estagnação do transporte ferroviário, toda a integra-
ção Nordeste-centro-sul passou a ser feita através do transporte rodo-
viário. Esta ligação, de início feita em precárias condições, evoluiu para
uma situação de predominância, trazendo para si as cargas que normal-
mente deveriam ser transportadas por ferrovia ou por cabotagem, o
que implicou custos de transporte adicionais, pois o transporte rodoviá-
rio deveria ser utilizado basicamente para pequenos volumes de elevado
valor unitário. A navegação costeira ficou reduzida praticamente aos
fluxos de sal e petróleo.
Apesar do impulso da ligação rodoviária, o intercâmbio entre o
Nordeste e o centro-sul permaneceu estagnado no decênio 1950-60, pois
o fluxo de mercadorias não chegou a atingir proporções signifcativas.
Dessa maneira, a barreira dos altos custos de transportes e a estagnação
do intercâmbio garantiram para a indústria nordestina mercados cujas
demandas apresentavam elevada elasticidade-renda, à semelhnça do
que tinha acontecido com o núcleo dinâmico do centro-sul em outras
circunstâncias.
Um fato que merece especial atenção, no que diz respeito à im-
plantação de um setor industrial de alta produtividade na economia
nordestina, é que esta implantação se fez, em grande parte, com re-

237
Quadro II

Renda total interna, renda per capita e população por regiões


geoeconômicas agregadas - 1950 - 1960

Taxa média de
1950 1960 crescimento anual (%)
1950/1060
N.• Regiões geoeconômicas
Renda
total
Popu·
laçi'lo
Renda
p/capita
Renda
total
Popu-
laçA o
Renda
pfcapita Renda
total
I Popu-
lação
I p/capita
Renda
(1)
I (2)
I (3) (1)
I (2)
I (3)

AC-AM-PA-AP-RO(Norte) Cr$/número
e percen-
tualf!!"lice 4 960 . 0 1 845 2 688.3 7 764.7 2 547 3 048,5 4.6 3.3 1.3
2.3 3.6 63.4 2.2 3.6 60.8

II CF..-RN-PB-PE-AL-SE-BA
(Nordeste-Este) 32 540.5 15 344 2 120 .7 49 829.0 18 509 2 692.1 4 .3 1.9 2.4
14.7 29.5 50.0 14 .2 26.5 53.7

III PR...SC-MT--GO-MA-PI
(Fronteira Agrícola) 23 447.1 8 043 2 915.2 47 503.5 12 987 3 657.7 7.3 4.0 2.3
10.6 15.5 68.7 13 .5 18.5 72 . 9

IV MG-ES-R.J-GB-SP-RS
(Centro-Sul) 159 328.9 2 671.2 5 964.7 246 598.5 3 607.!1 6 835.5 4.8 3.1 1.4
72.4 51.4 140.7 70.1 51.4 136.3

Total 220 276.5 51 944 4 240 .7 351 695.6 7 011.9 5 015.6 3.1 1.7
100.0 100 . 0 100 .0 100.0 100.0 100.0

Deflator ImpUcito 100,0 100,0 544,9 544,9

FONTE - Contas Nacionais do Bra8il 1947-1964., Fundação Getúlio Vargas, Instituto Brasileiro de Economia.
NOTAS - (1) Em milhões de cruzeiros de 1950. (2) Em milhares. (3) Em cruzeiros de 1950.
• Observação - A Fundação Getúlio Vargas não fornece separadamente os dados de Renda Interna para os Estados que compõem uma regi:to geoeconõmica·
Desta maneira, os Estados do Piaul e de Santa Catarina foram incluídos na Fronteira Agrícola, dada a impossibilidade de excluí-los das suas regiões geo-
,econômic::t.s.
cursos provenientes do centro-sul, através dos incentivos fiscais e finan-
ciamentos concedidos às atividades prioritárias. Verificou-se no último
qüinqüênio, com efeito, um movimento de capitais no sentido Sul-Nor-
deste que, de certa maneira, poderá neutralizar a médio prazo o movi-
mento tradicional de esvaziamento da região. É importante, por outro
lado, saber até que ponto €Ste movimento é puramente conjuntural, na
medida em que estas aplicações de recursos estariam refletindo muito
mais uma fuga da situação prolongada de crise da economia do cen-
tro-sul.
Assim, a análise do desequilíbrio entre o Nordeste e o centro-sul
deve levar em conta, de início, que a criação da SUDENE de um lado
e a redução do ritmo de desenvolvimento do centro-sul na década de
60, de outro, estariam atuando no sentido da diminuição do desnível.
Uma vez, no entanto, que o parque industrial do centro-sul retomasse
níveis mais elevados de crescimento, o desequilíbrio voltaria a se agra-
var. Além disso, é importante considerar um terceiro fator que atuou
significativamente no sentido de diminuir ou pelo menos não agravar
este desequilíbrio: o contínuo deslocamento da fronteira agrícola.
O quadro II mostra que no decênio 1950-60, justamente o período
no qual o dinamismo da economia brasileira atingiu o seu máximo, é o
deslocamento da fronteira agrícola que se constitui na grande válvula
de pressão para os problemas demográficos brasileiros. Este desloca~
menta provocou uma dinamização substancial da atividade econômica
em algumas regiões tradicionalmente inseridas no setor de subsistência
(Paraná-Santa Catarina, Mato Grosso-Goiás e Maranhão-Piauí). Assim,
o setor de subsistência tem crescido através de uma ocupação contínua
de novas terras. Esta ocupação permite uma absorção dos excedentes
demográficos provenientes das áreas estagnadas ou decadentes - prin-
cipalmente no Nordeste- bem como um acréscimo da oferta agrícola,
através de uma utilização extensiva dos solos. Os dados relativos à
população, nos quadros I e II, mostram claramente a absorção dos
excedentes demográficos por parte das novas frentes de produção agrí-
cola.
Mais importante do que constatar a simples absorção dos exce-
dentes demográficos numa agricultura extensiva, é pesquisar as pos-
sibilidades desta fronteira agrícola ser efetivamente integrada aos pólos
dinâmicos da economia nacional, isto é, se a evolução das estruturas
destas regiões novas tenderá a uma complexidade maior ou fechar-se-á
para uma posterior decadência ou estagnação, quando diminuírem as
pressões demográficas. Jacques Boudeville assinala que, enquanto o
deslocamento da fronteira agrícola norte-americana surge como um
agente de integração e de crescimento, os vazios econômicos interme-
diários ao dualismo dos países latino-americanos, ao contrário, consti-
tuem muitas vezes uma manifestação de desintegração e frenagem 12•
12 BOUDEVILLE, Jacques R. Note sur l'integration des espaces économiques. ln:
CONGRESSO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL, 1. Araxá, 14/20
fev. 1965. Anais ... Araxá, BDMG, 1965.

239
Por outro lado, a fronteira norte-americana se constituiu num agente
de crescimento dentro de um contexto de distribuição de renda extre-
mamente equilibrado e uma estrutura de fatores de produção harmô-
nica, o que não é, evidentemente, o caso brasileiro.
Finalmente, o quadro II revela, ainda, com os seus dados de po-
pulação e de renda per capita, um aspecto a mais na análise do dese-
quilíbrio: os intensos movimentos migratórios internos têm atuado,
sistematicamente, no sentido de favorecer o crescimento da renda per-
capita nas regiões de emigração e de dificultar o crescimento nas regiões
mais dinâmicas do sistema, que, além de suportar o seu crescimento de-
mográfico, ainda tem que absorver uma imigração que não encontra
contrapartida de emprego nas atividades dinâmicas. Assim, muitas ve-
zes, a taxa de crescimento da renda per capita é reformada pelo proble-
ma de migração interna.
Por outro lado, a própria renda total de algumas áreas de centro-sul
tem crescido a ritmo lento, em razão são só de problemas tipicamente
locais (ex.: a desagregação da ex-Guanabara como centro político-ad-
ministrativo do País, após a transferência da Capital Federal), mas
também como reflexo de impasses estruturais que afetam a economia
do centro-sul como um todo (ex.: a incapacidade de Minas Gerais-Espí-
rito Santo se integrarem globalmente no pólo dinâmico em função da
rigidez de sua estrutura agrária).
A ausência de dados de renda a partir de 1960 para o conjunto do
País impede uma análise mais profunda do problema. Muitas das su-
posições feitas podem ser confirmadas, no entanto, pela análise com-
parativa dos quadros anteriores com o quadro III.

240
Quadro III
tndices do produto real segundo Unidades da Federação
(Base: 1950 = 100)

Taxa média de crescimento (%)


Regiões e Estados 1950 1955 1960 1964
1950-55
I 1955-60
I 1960-64
I 1950-64
I - NORTE
AM 100,00 121,60 234,86 290,50 4.0 14.1 5.5 7.9
PA 100,00 130,61 158,38 228,37 5.4 3.9 9.6 6.1
II - NORDESTE-ESTE
PI 100,00 130,73 161,21 252,47 5.5 4.3 11.9 6.8
CE 100,00 101,16 131,31 213,43 0.3 5.3 12.9 5.6
RN 100,00 106,26 146,85 147,16 1.2 6.7 0.1 2.8
PB 100,00 119,35 146,48 168,46 3.6 4.2 3.6 3.8
PE 100,00 110,21 124,66 147,77 2.0 2.5 4.3 2.8
AL 100,00 110,12 152,58 168,32 1.9 6.7 2.5 3.8
SE 100,00 111,78 137,38 155,59 2.3 4.2 3.2 3.2
BA 100,00 110,44 131,34 156,29 2.0 3.5 4.4 3.2
ES 100,00 128,88 181,55 249,67 5.2 7.1 8.3 6.8
III- FRONTEIRA AGR1-
COLA
MA 100,00 144,84 176,85 288,74 7.7 4.1 13.0 7.9
PR 100,00 162,29 297,17 318,32 10.1 12.9 1.8 8.6
MT 100,00 145,53 239,83 352,55 7.8 10.5 10.1 9.4
GO 100,00 163,34 288,28 453,66 10.3 12.0 12.0 11.4
IV - CENTRO-SUL
MG 100,00 123,56 150,38 162,19 4.3 4.0 1.9 3.5
RJ 100,00 143,19 193,91 250,59 7.4 6.3 6.6 6.8
GB 100,00 106,87 148,75 134,91 1.3 6.8 2.4 2.2
SP 100,00 134,51 198,23 226,.'>4 6.1 8.1 3.4 6.0
se 100,00 141,12 186,43 218,60 7.1 5.7 4.1 5.4
RS 100,00 142,03 148,93 175,85 7.3 1.0 4.2 4.1
V- BRASIL 100,00 131,81 175,24 207,52 5.7 5.8 4.3 5.3
N)
IJ:o.
..... FONTE - Fundação Getúlio Vargas, Instituto Brasileiro de Economia. .
Capítulo VIl- O INVESTIMENTO EM TRANSPORTE COMO
FATOR DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL- UMA ANALISE
DA EXPANSAO RODOVIARIA NO BRASIL *

1. Introdução. 2. Pólos de Desenvolvimento. 3. Necessidade de Mu-


danças Estruturais. 4. Conseqüências da Criação de Pólos. 5. Ausên-
cia de Integração. 6. Expansão do Transporte Rodoviário. 7. Causas
da Expansão Rodoviária. 8. Tendências dos Investimentos Rodoviários.
9. Política de Desenvolvimento.

1. Introdução
O sistema econômico dispõe de um potencial de mão-de-obra, recursos
naturais e de capital, e é com base neste potencial produtivo que ele
gera bens e serviços destinados ao consumo de sua população, à
reposição do equipamento desgastado e à expansão do estoque de ca-
pital existente. A maneira cada vez mais complexa pela qual os homens
efetuam a divisão social de seu trabalho faz com que as unidades
produtivas funcionem integradas mediante uma extensa corrente de
trocas de bens e prestação de serviços, elevando o nível geral de pro-
dutividade do sistema. Esta complexidade na distribuição funcional
e espacial da atividade produtiva exige, por sua vez, uma participação
crescente do setor transportes no deslocamento dos fluxos de bens finais,
gerados no sistema econômico, assim como dos bens intermediários e
fatores de produção necessários à geração daqueles bens finais.
O setor transportes constitui-se, portanto, dentro do contexro do
sistema econômico, num dos mais importantes setores da produção
intermediária, uma vez que alimenta todo o resto do sistema de um
serviço indispensável à operação de cada unidade produtiva. Tanto no
que diz respeito ao suprimento de matérias-primas e de combustíveis,
ao deslocamento da mão-de-obra, bem como à distribuição do produto

* Este ratigo é uma versão refundida e ampliada do trabalho apresentado ao 4.0 Sim-
pósio de Economia Rodoviária, promovido pelo Instituto de Pesquisas Rodoviárias, IPR,
CNPq. Publicado em Revista Brasileira de Economia, Rio d11 Janeiro, 23(3) :25-52, jul./
set. 1959.

248
final, o serviço de transportes é um insumo que está presente em pra-
ticamente todas as unidades produtivas disseminadas pelos diferentes
setores de economia. Daí ser este serviço caracterizado como um insumo
difundido.
A análise em termos dinâmicos do sistema econômico mostra que
o investimento em transportes constitui uma importante componente
de sua formação de capital 1 Este investimento é, por conseguinte,
estratégico para uma política de desenvolvimento econômico, princi-
palmente se é levada em conta a sua alta relação produto-capital, nota-
damente nas regiões que se encontram em estágios incipientes de desen-
volvimento. Embora na prática sejam observadas correlações positivas
entre incrementos nas facilidades de transportes e acréscimos de pro-
duto, tudo indica que o investimento em transportes deve ser encarado
sempre como uma soma de recursos disponíveis que é desviada para a
futura geração de um serviço caracterizado, em geral, como uma pro-
dução intermediária que atende às necessidades de outros setores. Isto
significa que o investimento em transportes pode ser uma condição
necessária, mas não suficiente, para o desenvolvimento econômico de
uma região, uma vez que são observáveis modestos índices de cresci-
mento econômico em regiões bem servidas de infra-estrutura de trans-
portes.

2. Pólos de Desenvolvimento
O sistema econômico só pode contar, efetivamente, com os recur-
sos naturais e humanos acessíveis às atividades econômicas num
dado momento histórico e a um determinado estágio de evolução tec-
nológica. No caso específico dos recursos naturais à disposição do sis-
tema, observa-se que estes não são constantes, variando segundo as
inovações tecnológicas e/ ou a incorporação e a valorização de novas
áreas 2 •

1 Wilson, George W. The lmpact oi Highway lnvestment on Development, Washing-


ton, The Brookings Institution, Transport Research Program, Capítulo 1.
George W. Wilson assinala que, se existe uma relação entre a formação de capital e o
desenvolvimento económico, deverá haver alguma relação entre o investimento em trans-
porte, que é uma importante componente do agregado formação de capital, e o desenvol-
vimento. É provável mesmo que a composição de um agregado seja, muitas vezes, mais
significativa do que a magnitude do agregado em si. O autor ressalva, entretanto, que
sendo o setor transportes importante na absorção de recursos escassos, qualquer investi-
mento mal dirigido ou mal localizado no setor terá um impacto negativo de graves pro-
porções sobre todo o sistema económico.
2 Castro, A. e Lessa, C. Introdução à Economia - Uma Abordagem Estruturalista,
Rio de Janeiro, Editora Forense, Capítulo 1.
Os autores realçam que, em oposição ao conceito caracteristicamente estático de natu-
reza, o estoque de recursos naturais com que pode contar um sistema económico nada
tem de constante, podendo variar segundo o avanço da ocupação territorial, das facilidades
de transportes e do levantamento de existência destes recursos.

244
Considerando o aspecto da produção de bens e serviços, a incor~
poração e a valorização de uma nova região, através de um investi-
mento adicional no sistema de transporte, permitirá um maior acesso
às fontes (e conseqüente expansão na oferta) de matérias~primas, bem
como uma incorporação de mão~de~obra nas atividades de mais alta pro-
dutividade, através de sua transferência dos setores menos eficientes.
Por outro lado, analisando o aspecto da distribuição de bens e serviços,
esta incorporação permitirá uma expansão de mercados, toda vez que
estes dependeram de um alargamento da área geográfica 3 •
Novas unidades produtivas poderão se localizar, portanto, dentro
de uma região dinamizada por uma facilidade de transporte, tendo em
vista mais freqüentemente uma redução de seus custos variáveis em
matérias-primas e, de modo mais raro, na mão-de-obra. Por outro lado,
unidades produtivas localizadas fora da região beneficiam-se de um
acréscimo de receita resultante de um incremento na demanda de seu
produto final, sendo que num caso e noutro a facilidade em transportes
está atuando no sentido de valorizar uma dada região, gerando fluxos
adicionais de bens e serviços e de renda. Os acréscimos de renda na re-
gião corresponderão a um incremento nos diversos tipos de pagamentos
ligados às novas contratações de fatores de produção locais ou prove-
nientes de outras regiões bem como aos pagamentos resultantes de
uma intensificação nas compras e vendas de bens e serviços. A análise
do desenvolvimento econômico deve levar em conta, portanto, a orien-
tação espacial da atividade econômica e concentrar suas atenções no
setor transportes que é o mais relacionado com os problemas de locali-
zação, pois sua função econômica básica é a de vencer o obstáculo da
distância.
O desenvolvimento econômico não se difunde de maneira homo-
gênea por todo o espaço de um sistema econômico. Pelo contrário, a
observação empírica do desenvolvimento de diversos sistemas tem mos-
trado que o fenômeno de crescimento da renda e da produtividade do
trabalho humano manifesta-se através de pólos de desenvolvimento,
difundindo-se pelo sistema econômico, em seu conjunto, por diferentes
canais propagadores, com intensidades variáveis e com efeitos finais
diferentes do ponto de vista espacial. Em economias subdesenvolvidas,
que contêm amplas áreas de auto-suficiência e de isolamento econô-
mico, observa-se com grande nitidez as dificuldades e os obstáculos que

a Wilson, George W. ibid., Capítulo 1. George W. Wilson observou que desde a


colocação de Adam Smith que "a divisão do trabalho é limitada pela dimensão do mercado"
muitos realçaram esta seqüência: melhor transporte amplia o mercado que incrementa a
\iivisão do trabalho (especialização), que aumenta o nível de produtividade, esquecendo-se
de que a relação do transporte a esta seqüência é parcial e indireta. Isto porque a expansão
de um mercado, muitas vezes, não depende somente de um alargamento da área geográfica,
mas, também, de outros fatores como o acréscimo do poder de compra da população, preço
e qualidade dos produtos preferenciais dos consumidores, fatores estes que não dependem
necessariamente da capacidade de deslocar bens e serviços.

245
impedem a propagação dos efeitos dinamizadores dos pólos de âmbito
nacional e regional. Por outro lado, o livre jogo das forças de mercado,
ao contrário da concepção clássica da teoria econômica, atua no senti-
do de aumentar (e não diminuir) as desigualdades regionais, gerando
um processo cumulativo de expansão nas áreas que já dispõem de eco-
nomias externas (mão-de-obra qualificada em vários níveis, comunica-
ções fáceis, etc.). Estas observações conduzem à concepção moderna de
que é possível dinamizar regiões estagnadas (onde prevalecem baixos
níveis de produtividade), pela implantação de pólos de desenvolvimento.
Muitas economias nacionais procuram atenuar os seus desníveis regio-
nais através da intervenção consciente e do controle das forças do mer-
cado, criando o que François Perroux, na sua teoria do pólo de cresci-
mento, denomina de "pólos complexos", onde, por exemplo, um centro
de extração de matérias-primas é acoplado a um centro de produção
de energia e, através de uma rede de instalações em transportes, aos
centros de transformação e de consumo 4 •
Um sistema econômico nacional em crescimento se apresenta,
portanto, como uma combinação de elementos ativos ou propulsores
(indústrias motrizes, pólos de indústrias, atividades aglomeradas geo-
graficamente, etc.) e de elementos passivos (indústrias dependentes,
regiões dependentes dos pólos aglomerados, etc.) 5 • Os primeiros indu-
zem os segundos a um processo de crescimento, na medida em que são
eliminados os obstáculos que impedem a propagação dos efeitos dos
elementos ativos (deficiências e distorções na infra-estrutura de trans-
portes, por exemplo, constituem-se em obstáculos importantes nas re-
giões subdesenvolvidas).
É importante assinalar, entretanto, que nos sistemas econômicos
subdesenvolvidos, em seu conjunto, estes obstáculos são de difícil su-
peração através de medidas isoladas. Com efeito, a ausência de uma
integração efetiva entre as diversas regiões constitui por si mesma uma
característica do próprio subdesenvolvimento, revelando a existência
de causas estruturais profundas. Assim, a eliminação dos obstáculos
que impedem a disseminação dos benefícios dos núcleos mais dinâmicos
depende de um planejamento coordenado, que envolva vários aspectos
do problema, desde a estrutura e disponibilidade dos fatores de pro-
dução até a distribuição da renda, sendo a inexistência de uma sólida

-i Perroux, François, L'Economie du XXeme Siecle, Paris, Presses Universitaires de


France, Capítulo Les Pôles de Croissance. Para François Perroux, o desenvolvimento econô-
mico de uma região se faz através de uma inter-relação entre indústrias motrizes e indústrias
dependentes. As primeiras, são um elemento-chave, em relação ao conjunto da economia.
Em toda estrutura de uma economia articulada existem que constituem pontos privilegiados
de aplicação de forças ou dinamismo do crescimento. Quando estas forças provocam um
acréscimo no débito de uma indústria motriz, promovem uma expansão e um crescimento
de um conjunto maior. Assim, os lucros das indústrias dependentes são induzidos pelos
débitos da indústria motriz, o que se constitui numa definição mais ampla e moderna de
economias. externas.
5 Perroux, François, ibid., Capítulo Les Pôles de Croissance.

246
infra-estrutura de transportes, em particular, e de comunicações, em
geral, um elo numa cadeia maior de obstáculos.
Assim, por exemplo, os mercados internos dos países subdesenvol-
vidos não são suficientemente amplos e integrados - inexistindo geral-
mente uma rede coordenada de transportes- para justificar a implan-
tação de indústrias que dependem de economias de escala para operar
eficientemente. Estas indústrias, quando instaladas, operam, na maio-
ria dos casos, a uma capacidade de produção inferior à normal, subutili-
zando, em conseqüência, as suas instalações fixas. Ao contrário das in-
dústrias tradicionais, que visam principalmente ao atendimento de uma
demanda local (como, por exemplo, a indústria têxtil, de produtos ali-
mentares, de bebidas, etc.), aquelas que requerem tecnologia mais com-
plexa em relação às existentes, têm dificuldade de subsistir sem um
acesso aos mercados de massa 6 • Este acesso dependerá não só das pos-
sibilidades de uma melhor combinação dos fatores de produção, melhor
distribuição da renda, etc., mas, também, da existência de melhores
facilidades em transportes.

3. Necessidade de Mudanças Estruturais


Para a moderna teoria econômica, os fluxos de produção aumentam em
uma região acarretando modificações estruturais e flutuações nas taxas
de crescimento. Com efeito, em uma região dinamizada por um pro-
cesso de desenvolvimento econômico, verificam-se, além de acréscimos
absolutos nos níveis de produção dos diferentes setores, alterações es-
truturais básicas. Alguns aspectos destas alterações dentre outros, são
deslocamento de mão-de-obra de setor primário, o desenvolvimento, den-
tro deste setor, da produção de matérias-primas e produtos alimentares
para suprimento do núcleo industrial em expansão. No setor secundário
ocorre o aparecimento de novas indústrias com funções de produção
mais complexas e o desaparecimento progressivo de indústrias que
operam em nível artesanal. Haverá neste setor, portanto, taxas de cres-
cimento diferentes para as indústrias locais, bem como uma alteração
em suas participações percentuais no total da produção industrial da
região. Um outro aspecto importante, observado à luz do conceito de
pólo de desenvolvimento, é o fenômeno da difusão do crescimento de
uma indústria ou de um conjunto de indústrias.
A formação de uma base viável para uma estrutura industrial mo-
derna em economias subdesenvolvidas requer, por conseguinte, mudan-
ças estruturais violentas nos dois setores não industriais que servirão
de apoio ao desenvolvimento do setor secundário: agricultura e capital
social básico, sendo que neste último insere-se, fundamentalmente, o
serviço de transporte. Assim, cabe ao investimento em transporte a fun-

G Owen, Wilfred. Strategy for Mobility, Washington, The Brookings Institution,


Transport Research Program, Capítulo 3.

247
ção-chave de deslocar os incrementos nos fluxos de produção da região,
bem como a necessidade de se adaptar às rápidas modificações na pró-
pria estrutura de demanda pelos seus serviços. Os benefícios deste in-
vestimento terão que ser medidos em relação a um período de tempo
futuro e não terão, muitas vezes, caráter exclusivamente econômico,
pois muitos benefícios não econômicos, tais como uma maior integração
nacional, eliminação de tensões sociais e políticas resultantes do isola-
mento da região, planejamento ou indução de movimentos migratórios,
etc., poderão ter um aspecto relevante num plano de desenvolvimento
e valorização regional.
Para efeitos de programação econômica, os custos de transportes, an-
tes dos investimentos realizados, poderão ser considerados infinitamente
altos e, sendo assim, como constituindo limitação de caráter absoluto
para permitir as modificações estruturais e a integração da região. Por
conseguinte, os novos investimentos, bem como a melhoria de serviços
implicarão condições mais vantajosas em termos de custos, velocidade,
segurança, etc. podendo induzir à expansão dos padrões produtivos exis-
tentes, permitir uma crescente especialização ou criar possibilidades
inteiramente novas para a atividade produtiva da região.

4. Conseqüências da Criação de Pólos


Um núcleo industrial em expansão ou um pólo de desenvolvimento
gera, portanto, um impulso que dinamiza o espaço econômico regio-
nal - muitas vezes em seus pontos mais remotos - por intermédio
das demandas ampliadas por seus produtos e de outros efeitos multi-
plicadores da renda, que implicam um processo cumulativo. Assim, de
acordo com o princípio de causação circular e cumulativa introduzido
na teoria econômica por Gunnar Myrdal, a implantação de um núcleo
gerador de renda provocará uma série de reações sucessivas, que tende-
rão a por em movimento o sistema econômico regional na direção da
mudança inicial, ou seja, permitirão um acréscimo contínuo do nível
de renda local 7 • O investimento em transporte atuará, neste caso, no
sentido de reforçar esta tendência, uma vez que o serviço de transporte
constituirá uma parte importante das demandas ampliadas geradas
pelo novo pólo.
Existem casos, entretanto, em que o investimento em transporte
poderá atuar em sentido contrário, isto é, provocando um declínio sis-
temático do nível de renda da região. Em primeiro lugar pelo fato de
que a industrialização inicial em uma região requer, por vezes, a pro-
teção dos altos custos de transporte como uma defesa contra a compe-
tição da produção a baixos custos de outras regiões. É o isolamento, em
escala regional, da indústria nascente que opera em escala de produção

7 MYRDAL, Gunnar. Teoria económica e regiões subdesenvolvidas. Rio de Janeiro,


Saga, cap. 3.

248
e níveis de produtividade mais baixos. Com efeito, numa economia sub-
desenvolvida, muitas vezes, os efeitos regressivos tendem a anular os
efeitos propulsores. Assim, por exemplo, um investimento em transporte
ou a substancial melhoria das instalações existentes poderão provocar
·o. desencadeamento de efeitos dos seguintes tipos: emigração em massa
da mão-de-obra em idade de trabalho para regiões mais ricas, tornando
desfavorável a distribuição etária da região, transferência de capitais
em busca de aplicações mais vantajosas, decréscimo da demanda efetiva
local e decréscimo de renda. Se um determinado setor da economia local
é afetado por uma desvantajosa competição com outras regiões ou por
uma transferência de mão-de-obra e capital, como resultado de um
investimento em transportes, e se estas perdas não são compensadas
por uma expansão em outros setores desta economia, este investimento
reforçará a tendência no sentido de ampliar o desequilíbrio regional.

5. Ausência de Integração
O sistema de transporte no Brasil sofreu historicamente uma dupla
ausência de integração: a descontinuidade espacial no sentido da defi-
nição de uma economia nacional e a falta de complementaridade entre
as diferentes modalidades de transporte. Examinaremos, sucintamente,
estas duas limitações dentro de uma perspectiva histórica mais ampla
e veremos como, em linhas gerais, o setor transportes se inseriu nos
modelos de desenvolvimento da economia brasileira.
A raiz da primeira limitação está no desenvolvimento autónomo
dos diferentes pólos de economia primário-exportadora num País de
dimensões continentais. Estes, com efeito, sempre se integraram
diretamente aos principais centros industriais europeus (e mais
recentemente aos norte-americanos) que, de um lado, eram os gran-
des consumidores da sua produção de matérias-primas e do seu exce-
dente de alimentos, e de outro, os supridores das suas necessidades de
produtos manufaturados. Estes pólos regionais se tornaram rapida-
mente dependentes de um sistema internacional de mercados (tradi-
cionalmente o mercado mais importante era o da Grã-Bretanha) e se
integraram, por conseguinte, muito mais neste sistema do que num
esquema de divisão interna de trabalho, que pudesse propiciar a cons-
tituição e ampliação de um mercado nacional.
Assim, os investimentos em transporte foram feitos, nas diferentes
regiões, no sentido de permitir o escoamento da sua produção primá-
ria para o principal porto regional, da maneira mais eficiente. Com
relação a este aspecto, o retorno dos fluxos de exportação dos pólos pri-
mário-exportadores para os centros industriais europeus se materia-
lizava na absorção, via importações, tanto de manufaturados leves de
consumo, como também, e principalmente, de equipamento pesado.

249
Assim, a infra-estrutura de transporte nessas economias regionais pri-
mário-exportadoras absorvia grande massa de equipamentos pesados,
convertendo-se num fator ponderável de continuidade no dinamismo
dos estágios superiores de industrialização daqueles centros. Além dis-
so, permitiu um aumento substancial da produtividade e conseqüente
diminuição de preços da produção primária que tinha acesso aos mer-
cados mundiais em melhores condições de competitividade, barateando
relativamente os insumos do aparelho produtivo europeu. Os sistemas
portuário e ferroviário do País constituem-se num exemplo bem nítido
deste entrelaçamento das diferentes regiões primário-exportadoras como
uma economia mundial em que prevaleceram estas condições de especia-
lização internacional, no século XIX e primeiras décadas do século XX 8 •
Vale ressaltar que, dada a insuficiência das ferrovias - e mais
tarde de rodovias, no seu primeiro estágio de construção - com tra-
çado paralelo ao mar, houve historicamente no Brasil uma interde-
pendência entre a ferrovia e a navegação. Assim, as ferrovias de uma
dada região manipulavam cargas de exportação no sentido interior-li-
toral e seus retornos importados em sentido inverso. Nos portos regio-
nais, verificava-se uma conexão direta com a navegação, quer dos fluxos
de carga para o exterior, quer para a comunicação com as demais re-
giões do País. Cabia à navegação neste sistema a ligação longitudinal
entre os diferentes pólos primário-exportadores. As ferrovias, por con-
seguinte, foram mais complementares do que competitivas da cabo-
tagem.
Com a ruptura do esquema descrito de divisão do trabalho no plano
internacional e o deslocamento efetivo do comando mundial da velha
economia industrial inglesa para os Estados Unidos, as repercussões
sobre os pólos primário-exportadores não poderiam deixar de ser im-
portantes. Com efeito, o comando de uma nova revolução industrial
passa de um país - e de certo modo de um continente - em que a
limitação do fator recursos naturais impunha a necessidade de vultosas
importações para a cobertura de seus déficits de insumos e alimentos,
para um País que não só dispunha de gigantescas reservas deste fator,
como também se permitia gerar um excedente cada vez maior de pro-

8 Myrdal, Gunnar, ibid. Capítulo 2. Gunnar Myrdal assinala que os Governos coloniais
construíram estradas-de-ferro, portos, etc., ou propiciaram condições de segurança política
e rentabilidade econômica, sem as quais estas inversões não teriam sido feitas pelas empre-
sas privadas. Afirma ainda que estas empresas representaram passos importantes no
sentido de criar condições futuras para o desenvolvimento dos países colonizados. A
afirmativa de Myrdal cobre apenas uma parte da realidade, pois se esquece de assinalar que a
infra-estrutura de transportes assim criada gerou graves distorções que se constituíram,
posteriormente, em obstáculos ao desenvolvimento.

250
dução primária 9 • É nesta mudança de vinculação externa que encon-
traremos as raízes da segundo limitação do sistema de transportes bra-
sileiro: a falta de complementaridade entre as diferentes modalidades.

6. Expansão do Transporte Rodoviário


Com efeito, a integração da economia brasileira à norte-americana
num novo esquema de divisão internacional do trabalho fez-se quase
que de maneira coincidente às fases superiores do processo de substi-
tuição de importações, que sucedeu cumulativamente à crise da econo-
mia primário-exportadora do País como um todo. É certo que esta
integração existia de algum modo no modelo primário-exportador, pois
nossa principal fonte de divisas resultava de um produto primário pe-
culiar: o café. A economia norte-americana sempre foi grande consu-
midora deste produto e, por ocasião da transferência do comando da
economia mundial, já cresciam bastante nossas vinculações com este
novo mercado em termos de exportações primárias 10 • Os sistemas fer-
roviário e portuário instalados atendiam razoavelmente, na época, a
nova orientação do nosso comércio exterior. A grande depressão de
1929 e, posteriormente, a Segunda Guerra Mundial marcam, entretan-
to, o surgimento de um setor industrial de grande dinamismo dentro
do sistema económico brasileiro, através de um processo de substituição
de importações. E é neste setor industrial em expansão que se deve
buscar os novos laços de vinculação com uma nova ordem na economia
mundial 11 •
No setor transportes, os Estados Unidos lideram a violenta expan-
são do transporte rodoviário que suplanta tecnologicamente as ferro-
vias para muitos tipos de carga, principalmente carga geral. Esta alte-

9 No caso da Inglaterra, é notório, a partir das Leis de Trigo, a transferência para o


plano internacional da relação de trocas entre os setores agrícola e industrial extrema-
mente desfavorável para este último, em razão dos custos crescentes de exploração da terra
num contexto de limitação deste fator de produção. Excetuando o caso do carvão - en-
contrado em abundância em solo inglês - a lei dos rendimentos decrescentes poderia ser
estendida a todo o setor primário.
Assim sendo, tomara-se historicamente vantajoso para o setor industrial inglês expan-
dir-se através de uma divisão de trabalho internacional, pela qual importava as suas ne-
cessidades de produtos primários. Dentro de certos limites, poderíamos dizer que os demais
núcleos industriais da Europa Ocidental desfrutaram vantajosamente também da liberali-
zação do comércio internacional no século XIX.
10 Em oposição, teríamos os casos das economias argentina, uruguaia e chilena, que
acompanharam a decadência do setor industrial inglês, pelo fato de seus produtos de ex-
portação serem produzidos abundantemente nos Estados Unidos (carne e trigo da Argentina
e Uruguai) ou superados tecnologicamente pela criação de sintéticos (casos do salitre
chileno e da lã uruguaia).
11 Na economia mundial, de país participante exclusivamente da oferta final de ma-
térias-primas e alimentos, passa o Brasil, gradativamente, a colaborar na oferta de manu-
faturados leves, mais tarde bens intermediários e de capital - dentro de um processo de
descentralização em escala mundial do setor industrial da economia norte-americana.

251
ração nos transportes atinge as regwes exportadoras do Brasil justa-
mente no momento em que se desarticulam os sistemas ferroviário e
portuário, cujos ativos fixos eram em sua grande maioria de proprie-
dade inglesa. Após a Segunda Guerra Mundial, uma importante parcela
das reservas cambiais acumuladas durante o conflito foram utilizadas
pelo Governo Federal para a aquisição destes ativos, muitos dos quais
obsoletos e em acelerada desagregação. As razões da aquisição foram,
em parte, a existência desta disposnibilidade de divisas que possibili-
taria efetivamente ao Governo Federal centralizar sob seu comando e
adaptar a rede marítimo-ferroviária à.s novas condições de desenvolvi-
mento do País e, em parte, à.s pressões dos proprietários dos ativos vi-
sando a reconvertê-los em outras possibilidades de investimento com
maior rentabilidade. Por sua vez, o Governo, ao adquiri-los, não estava
em condições de operá-los eficientemente, além de herdar o seu obsole-
tismo. Esta operação deficiente da rede marítimo-ferroviária acelerou a
tendência de modificação na estrutura da demanda pelos serviços de
transporte em favor do rodoviário.
Assim, a substituição intermodal se fez de maneira desordenada e
muito mais rapidamente que nos Estados Unidos e em outros países
industrializados. A explosão dos investimentos rodoviários e grandes
importações de veículos, amparadas na disponibilidade de divisas do
após-guerra, deram início à ascensão do transporte rodoviário, que seria
consolidada mais tarde com a implantação da indústria automobilís-
tica. Como pano de fundo daquela explosão, temos o rápido crescimen-
to da oferta final de bens com base na produção interna- resultado
do grande dinamismo do setor industrial brasileiro - que teve amea-
çada a sua continuidade diante do estrangulamento no sistema de trans-
portes.
É interessante assinalar, ainda, que o dinamismo dos pólos primá-
rio-exportadores regionais não foi capaz de permitir que as ferrovias
promovessem alterações estruturais profundas no interior das regiões.
Isto devido às próprias características das atividades exportadoras que
definiram fluxos de produção constantes e, por conseguinte, fluxos de
tráfego constantes por longos períodos. Já o dinamismo dos pólos indus-
triais do centro-sul, provocando correntes de tráfego com grandes mu-
tações, tendo que atender, muitas vezes, à vasta extensão territorial do
País como um todo e dando ao capital usos alternativos mais rentá-
veis, ressaltou a sua maior capacidade de resposta às necessidades da
demanda pelos serviços de transporte. Os investimentos em rodovias
corresponderam, assim, a uma saída pela linha de menor resistência.
Seu papel pioneiro se configurou diante da ocupação de novas áreas,
principalmente pela urgência de acompanhar a expansão da fronteira
agrícola.
A grande possibilidade de integração, num amplo mercado nacio-
nal, das economias regionais primário-exportadoras desconectadas entre
si, resultou do violento desequilíbrio introduzido nos sistemas de trans-

252
portes pela evolução do transporte rodoviário. Com efeito, embora esta
unificação de mercados sempre encontrasse grandes obstáculos por parte
dos interesses políticos nas regiões tradicionais de exportação, a partir
de um determinado momento os grandes troncos rodoviários começa-
ram a se multiplicar quando o núcleo industrial São Paulo-ex-Guana-
bara buscou novas fontes de abastecimento de matérias-primas e, mais
tarde, novos mercados.
Além disso, na raiz dos grandes desequilíbrios regionais no Brasil,
encontram-se não só estruturas de fatores de produção não comple-
mentares, como muitas vezes atividades econômicas (tanto agrícola-
exportadoras, agroindustriais e industriais) de caráter competitivo.
Apesar do avanço da industrialização, uma grande parte das indústrias
tradicionais locais sempre se beneficiou de uma proteção resultante da
barreira dos altos custos de transporte. Sua função era a de atender
um mercado de âmbito regional, em complementação a uma oferta final
composta de bens provenientes em sua grande maioria do exterior. O
rompimento desta barreira sempre representou uma ameaça de desa-
gregação deste sistema industrial- com baixos níveis de produtividade
e altos índices de obsolência de seu capital- no confronto com os mes-
mos tipos de atividade industrial localizados no eixo ex-Guanabara-São
Paulo. A total ausência de integração das ferrovias regionais e a dete-
rioração acelerada da navegação costeira, principalmente no após-guer-
ra, garantiram por longo tempo esta proteção.
A explosão vertiginosa da industrialização no eixo ex-Guanabara-
São Paulo, a partir da segunda metade da década dos anos 50, provocou,
no entanto, uma ruptura desta situação de equilíbrio. Foram lançadas
as bases de uma efetiva integração de mercados de âmbito nacional,
liberados pelo complexo industrial instalado neste eixo, através da cons-
trução e consolidação dos grandes troncos longitudinais do sistema
rodoviário. Assim, as regiões que haviam estagnado no ciclo primário-
exportador (Nordeste, Bahia, etc.), ou aquelas que por características
peculiares tinham estagnado nas atividades agroindustriais ou indus-
triais de pequeno porte (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, etc.) pas-
saram gradualmente a se incorporar a um mercado nacional, sofren-
do, de um modo geral, intensa drenagem dos seus fatores de produção
ou beneficiando-se, em alguns casos, de uma nova especialização geo-
gráfica.

7. Causas da Expansão Rodoviária


A expansão dos investimentos rodoviários no Brasil deveu-se, portanto,
a uma multiplicidade de fatores, por vezes atuando simultaneamente.
Assim, do ponto de vista macroeconômico, os investimentos rodoviários
foram função: a) do crescimento do Produto Real; b) do crescimento
da Renda Real de um segmento da população urbana; c) da implanta-

253
ção da indústria automobilística, fatores que determinaram, em última
análise, o incremento substancial da frota de veículos; d) do crescimen-
to da demanda por matérias-primas e alimentos pelo núcleo industrial
do centro-sul, pressionando continuamente a expansão da fronteira
agrícola; e) da necessidade de expansão e consolidação de um mercado
nacional para as manufaturas deste núcleo, e f) da politica de subsídios
concedidos ao transporte rodoviário.
Na realidade, os dados disponíveis das Contas Nacionais revelam,
numa análise de longo prazo, um crescimento persistente, embora irre-
gular, do Produto Interno brasileiro. Por outro lado, o crescimento do
trabalho efetuado pelo transporte rodoviário, medido em toneladas-qui-
lômetro de carga transportada, revelou um crescimento muito mais rá-
pido do que o do Produto. Isto significa que, simultaneamente à expan-
são da oferta final, resultante do processo de industrialização - deter-
minando uma intensificação dos fluxos de carga - houve, também,
uma intensa substituição intermodal em favor do transporte rodoviário.
Através da análise da tabela I, torna-se evidente que as elevadas taxas
de crescimento do tráfego rodoviário de carga revelam que os investi-
mentos nesta modalidade atenderam mais à pressão da demanda pelos
serviços de transporte, oferecendo um ajustamento ex-post.
Por outro lado, o processo de industrialização brasileiro acarretou
uma intensa urbanização, possibilitando a formação de uma classe mé-
dia e de um operariado urbano com níveis globais crescentes de consu-
mo. Estes núcleos urbanos em expansão geraram, por conseguinte,
fluxos crescentes de tráfego de caminhões para longa distância, tanto
para o atendimento de suas necessidades de alimentos, quanto para o
suprimento de matérias-primas industriais. Examinando-se, entretanto,
a série de crescimento da renda per capita da população urbana, veri-
fica-se que ela é negativa para o período de análise. A explicação desta
tendência estaria, entre outras razões menos importantes, na caracte-
rística altamente concentradora da renda do próprio processo de indus-
trialização, forçando a marginalização crescente das populações rurais
que afluíram para as cidades nos últimos 20 anos. No entanto, é válido
afirmar que neste quadro geral de declínio da renda urbana, foi per-
sistente o crescimento do nível da renda real de um segmento da popu-
lação urbana, constituído de parcelas da classe média e assalariados
ligados aos serviços e indústrias de maior dinamismo.
A implantação da indústria automobilística e sua rápida expansão
num contexto econômico fortemente dual, firmou-se na existência deste
segmento urbano, além de beneficiar-se de mecanismos financiadores
e redistributivos de renda 12 • O crescimento, no tráfego local urbano, de
12 Estes mecanismos, na maioria das vezes, têm um caráter altamente regressivo,
transferindo pequenas poupanças para grupos de altas rendas.

254
Tabela 1
Evolução do tráfego de carga e crescimento do PIB do
Brasil - 1950 - 1966

Anos Taxas Médias de


Especificação Crescimento Anual

1950 1956 1961 1966 1950/5611956/6111961/6611950/66

I. PR ODUTO I N TERNO BRUTO: 253,3 340,2 475,7 570,1 5,0 6,9 3,7 5,2
(Em bilhões de Cr$ de 1950)

1- I ndústria<ll 50,9 66,0 85,1 114,7 4,4 5,2 6,1 5,2


2- Agricultura<2 > 61,4 75,2 . 90,8 108,2 1,4 3,8 3,6 3,6

II. EVOLUÇÃO DO TRÁFEGO DE CARGA: 34,0 51,7 74,4 116,4 7,2 7,6 9,4 8,0
(Em bilhões de tonjkm)

1- Transporte Rodoviário 17,3 29,8 46,8 82,0 9,5 9,5 11,9 10,2
2 - Demais Modalidades 16,7 21,9 27,6 34,4 4,6 4,7 4,5 4,6

FONTE: Fundação Getúlio Vargas, I nstituto Brasileiro de Economia.


Observações: u> Os valores do Produto para o Setor são líquidos.
<2 > Os valores do Produto para o Setor são líquidos.
automóveis e caminhões, deve ser imputado a este crescimento parcial
da renda urbana. A tabela II indica os crescimentos da Renda Urbana
e da frota de veículos a partir de 1950. É importante assinalar que, em-
bora uma boa parte do crescimento da frota de veículos tenha-se con-
centrado nas maiores aglomerações urbanas (principalmente no Rio de
Janeiro e São Paulo), contribuindo tão-somente para a intensificação
do tráfego local, é inegável que o tráfego de longa distância sofreu um
substancial acréscimo, principalmente a partir de 1956.
No desenvolvimento econômico brasileiro, a partir de 1950, coube
aos investimentos rodoviários, sem dúvida, um importante papel na eli-
minação dos obstáculos que impediam a propagação dos elementos ativos
ou propulsores do núcleo industrial dinâmico situado no centro-sul do
País. Foi possível a integração e uma certa ampliação de mercados,
antes isolados ou auto-suficientes, alterando radicalmente o antigo pa-
norama policentrista e isolacionista das diversas regiões que compõem
a economia brasileira. A expansão rodoviária impôs, inclusive, profundas
alterações nos demais setores da economia, sobretudo no setor agrí-
cola. Assim verificaram-se importantes modificações nos padrões de
comercialização, a introdução do forte contingente de mão-de-obra assa-
lariada- muitas vezes flutuante e deslocando-se por grandes distâncias
- bem como a sua modernização, mormente no centro-sul e em
certas áreas da fronteira agrícola. No entanto, dadas as características
peculiares da industrialização brasileira, operando para um mercado
limitado, a expansão rodoviária teve limitadas as suas próprias possi-
bilidades de dinamização do processo de desenvolvimento. Ela permitiu,
ao longo do período, aberturas marginais de mercado, principalmente
nos momentos de crise do setor industrial. Isto se fez através da cons-
trução de alguns eixos trancais ou de penetração e deve ter contribuído
de maneira importante para ampliar a distorção intermodal.
Escapa às dimensões deste artigo uma análise da política de sub-
sídios concedidos ao transporte rodoviário. É importante assinalar, con-
tudo, alguns dos seus aspectos mais gerais, uma vez que se constituiu
em fator relevante na geração do atual desequilíbrio entre as diferentes
modalidades. Com efeito, os usuários das rodovias - proprietários e
operadores de veículos - nunca pagaram integralmente os custos eco-
nômicos, tanto na utilização da infra-estrutura existente, quanto na
prestação dos serviços. O Fundo Rodoviário Nacional 13 , que representa
uma parcela de aproximadamente 80 % da arrecadação total do Imposto
único sobre combustíveis e lubrificantes em geral, destinado à conser-

13 Decreto-lei n. 343 de 1967 fixa em 79,5% a parcela de arrecadação do Imposto


Único sobre combustíveis e lubrificantes, comprometida com o Fundo Rodoviário Nacional.

256
vação, manutenção e ampliação da rede rodoviária, não chegou a co-
brir, recentemente, a metade das necessidades totais 14 •
Isso significa que, mesmo na hipótese de serem aqueles 80% do Im-
posto único arrecadados integralmente dos usuários das rodovias e agre-
gando, ainda, a este montante a arrecadação dos impostos sobre o con-
sumo de autopeças, importações de componentes, licenciamento de veí-
culos, etc., ainda assim praticamente a metade dos custos econômicos
totais seriam pagos por outros setores da economia 15 • Deste modo, o
restante dos programas de conservação, manutenção e ampliação seria
financiado pela receita tributária geral e pelas emissões de papel-moeda.
Além disto, como na arrecadação do Fundo, entram óleos combustíveis
e lubrificantes de uso industrial, bem como gás e querosene de uso
doméstico, torna-se evidente que há uma transferência de recursos dos
outros setores do sistema econômico no âmbito do próprio Fundo Ro-
doviário. Provavelmente, nos últimos 20 anos, efetuou-se maior volume
de transferências de recursos de outros setores através do mecanismo
inflacionário, representando um ônus para a atividade econômica glo-
bal. Resta saber se este ônus teria sido compensado pelos acréscimos de
produto e de produtividade, resultantes da propagação dos elementos
dinâmicos e propulsores do desenvolvimento do núcleo industrial, como
conseqüência direta da ampliação das facilidades de transporte rodo-
viário.
Do ponto de vista regional, a tabela 3 mostra que a distribuição
do Fundo Rodoviário Nacional, nas suas parcelas relativas aos estados
e municípios, tem favorecido crescentemente a integração do restante
do País à economia industrial do centro-sul. Esta redistribuição de re-
cursos, em favor das áreas menos desenvolvidas do País, associada aos
acréscimos das participações relativas na frota de veículos e na exten-
são da rede rodoviária, acentua, sem dúvida, a importância dos progra-
mas rodoviários numa política geral de correção dos desequilíbrios re-
gionais. Os dados da tabela 3 confirmam, em grande parte, a flexibi-
14 BRASIL. Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica. Plano Decenal
de Desenvolvimento Econômico e Social. Rio de Janeiro, 1967. Tomo 3, v. 2 - Trans-
portes.
No Plano Decenal (p. 75/76) são apresentados os percentuais do programa rodoviário
cobertos pelo Fundo Rodoviário Nacional. São os seguintes para o período 1960~66:

1960- 33,2
1961 - 48,3
1962 ~ 41,4
1963 - 46,9
1964 - 45,9
1965- 56,8
1966- 47,2
Vale a pena ressaltar que o ano de 1965 foi um ano de reativação substancial dos
investimentos rodoviários, após a retração verificada no ano de 1964.
15 A participação de recursos externos no financiamento total dos programas rodoviá-
rios não tem ultrapassado 10% nos últimos anos.

257
1:\:)
c.n Tabela 2
(X)

Crescimento da renda urbana e da frota de veícu los no


Brasil - 1950 - 1966

Anos Taxas Médias de


Especificação Crescimento Anual

1950 1956 1961 1966 1950-5611956-6111961-6611950-66


I
I - RENDA URBA..l\l"A TOTAL
(Em bilhões de Cr$ de 1950) 153,3 202,5 2-!(),6 274,3 4,7 4,3 1,() 3,7

II - POPULAÇÃO URBANA
(Em Cr$ 1 000 de 1950) 18 789 25 760 33 180 41 ()22 5,4 5,2 4,8 5,1

III- RENDA URBANA PER CAPITA.


(Em Cr$ 1 000 de 1950) 8,16 7,86 7,52 6,54 - 0,6 - o,a - 2,8 - 1,4

IV- FROTA DE \~ÍCULOS - TOTAL 425 938 707 789 1 123 820 2 079 065 8,9 9,7 13,1 10,4
1 - Automóveis 236 048 394 226 6S2 456 1 461 010 8,9 11,6 16,5 12,1
2 - Camionetas 18 139 50 782 74 588 126 163 18,7 8,0 11,1 12,9
3 - Ónibus 14.314 21 832 30 825 46 025 7,3 7,1 8,4 7,6
4 - Caminhões 157 437 240 94() 335 951 445 867 7,4 6,9 5,8 6,7

V- TRÁFEGO DE CARGA- TOTAL


(Em 1 000 000 ton./km) 17 300 29 803 46 800 81 982 9,5 9,5 11,9 10,2

1 - Tráfego de Carga Local 3 390 5 561 8 420 14 102 8,6 8,6 10,9 9,3
2 - Média e Longa Distância 13 910 24 242 38 380 67 880 (),7 9,7 12,1 10,4

FONTES: Fundação Getúlio Vargas, Instituto Brasileiro de Economia e GEIPOT- Coordenação Econômica.
lidade e o caráter pioneiro do transporte rodoviário no Brasil. Não exis-
tindo, no entanto, uma consciência clara da importância dos progra-
mas rodoviários como poderoso instrumento de integração regional, os
investimentos se fazem sem uma fundamentação econômica precisa,
podendo, muitas vezes, gerar outras distorções. Com efeito, pela mesma
tabela, verifica-se que em 1961 o centro-sul, possuindo 84-% da frota
nacional de veículos e 62% da rede rodoviária, recebia somente 58%
do FRN. Em 1966, mantida, praticamente, a mesma participação no
FRN e possuindo 82% da frota, a extensão de sua rede correspondia a
63% do total. O restante do País beneficiou-se de um aumento na ex-
tensão da rede rodoviária muitas vezes superior ao acréscimo dos seus
veículos e das suas necessidades reais pelos serviços rodoviários.
Do ponto de vista setorial, a substituição intermodal deveu-se, além
da já mencionada deterioração do sistema ferroviário e de cabotagem,
à redução da capacidade de frota marítima existente, ao obsoletismo
do equipamento ferroviário, bem como aos altos custos operacionais
destas modalidades. Estes fatores contribuíram muito para que o trans-
porte rodoviário entrasse em competição no deslocamento de carga geral
e mesmo de granéis, apesar de seus custos elevados para o tráfego de
longa distância 16 • O atraso nas operações de carga e descarga nos por-
tos, em virtude do seu congestionamento, o encarecimento relativo des-
tas operações e a baixa produtividade da mão-de-obra empregada nas
mesmas, a política de financiamento indiscriminado dos déficits de
operação das ferrovias por parte do Setor Público, são motivos de ordem
microeconômica e operacional que estão igualmente na raiz da expan-
são rodoviária.

8. Tendências dos Investimentos Rodoviários


Sendo o espaço econômico brasileiro extremamente diferenciado, no
que diz respeito às características regionais, os investimentos em rodo-
vias obedeceram ao longo do tempo a quatro tendências básicas de orien-
tação, embora sem sistematização e coerência:
a) Os investimentos em eixos trancais paralelos às ferrovias e de
sentido geralmente transversal, que contribuíram para maior integra-
ção dos espaços econômicos regionais e complementaram as ligações
ferroviárias interior-litoral. Os primeiros investimentos rodoviários obe-

16 As características técnico-econômicas do transporte rodoviário colocam-no em po-


sição vantajosa no transporte de cargas de elevado valor unitário. Como conseqüência da
industrialização do País, houve um incremento geral da relação valor/unidade de peso
para os fluxos de carga.
Assim, o transporte rodoviário, que se beneficiaria normalmente dos acréscimos na
oferta final de bens produzidos internamente, absorveu ainda os fluxos de bens intermediá-
rios e finais de outras modalidades. Deve-se ressaltar, ainda, que o caráter fortemente oligo-
polista do sistema industrial brasileiro e a operação de unidades produtivas mal dimensio-
nadas permitiu a cobertura dos elevados custos de transporte.

259
Tabela 3
Desequilíbrio na distribuição regional da frota de veículos - Rede
Rodoviária - e do Fundo Rodoviário - 1950 - 1966

1950 1956 1961 1966


Especificação
Núm. Núm. Núm. Núm.
I %
I %
I %
I %

1. FROTA DE VEÍCULOS
Centro-Sul <1> 372 865 87,5 615 098 86,9 945 218 84,1 1 697 905 81,7
Restante do País 53 073 12,5 92 691 13,1 178 602 15,9 381 160 18,3
Brasil 425 938 100,0 707 789 100,0 1 123 820 100,0 2 079 065 100,0

2. EXTENSÃO DA REDE RODOVIÁRIA (km)


Centro-Sul 310 993 66,5 307 527 61,6 577 499 62,9
Restante do País 156 455 33,5 192 023 38,4 340 614 37,1
Brasil 467 448 100,0 499 550 100,0 918 113 100,0

3. DISTRIBUIÇÃO DO FUNDO RODOVIÁ-


RI0 <2>
(Cr$ 103)
Centro-Sul 560 64,9 1 100 59,7 14 035 58,0 266 473 57,6
Restante do País 303 35,1 748 40,3 10 153 42,0 196 377 42,4
Brasil 863 100,0 1 857 100,0 24 188 100,0 462 850 100,0

ll> Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, ex-Guanabara, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
<2> Parcelas relativas aos Estados e Municfpios (60% do FRN)
deceram a esta tendência. Nas décadas dos anos 30 e 40 tivemos a cons-
trução das rodovias Rio-Petrópolis, São Paulo-Santos, Rio-São Paulo, etc.
Até 1930 todos os fluxos interestaduais eram feitos pelas ferrovias ou
cabotagem. As poucas rodovias existentes se restringiam ao âmbito mu-
nicipal ou estadual.
b) Os investimentos em grandes eixos trancais geralmente para-
lelos ao litoral, de sentido longitudinal, que contribuíram para maior
integração do espaço económico nacional e que passaram a desviar trá-
fego da navegação de cabotagem; constituem-se no início de um tráfego
de longa distância significativo no Brasil. A partir da década dos anos
50 tivemos a implantação das ligações São Paulo-Curitiba, Curitiba-Por-
to Alegre, Rio-Belo Horizonte, Rio-Salvador, etc., servindo basicamente
às áreas industrializadas do País.
c) Os investimentos em rodovias de penetração - também cha-
madas pioneiras, visando acompanhar a expansão da fronteira agrí-
cola ou a colonização de vazios económicos. A partir de 1956, tivemos
uma sucessão desses investimentos, tais como as ligações Belo Horizon-
te-Brasília, Brasília-Belém, Cuiabá-Porto Velho, São Paulo-Brasília, etc.
d) Os investimentos locais em rodovias alimentadoras dos gran-
des troncos, que permitiram a entrada, no circuito monetário e de co-
mercialização dos pequenos produtores (minifúndios e propriedades fa-
miliares). A escassez destes investimentos, entretanto, constitui-se num
dos mais importantes pontos de estrangulamento do sistema rodoviário
atual.
Os dois primeiros níveis mereceram, desde a criação do Plano Ro-
doviário Nacional, especial atenção dos planejadores, embora de ma-
neira desordenada e sem a utilização de critérios económicos para a
avaliação objetiva das propriedades requeridas 17 • Os planos rodoviários,
por outro lado, nunca examinaram as possibilidades de construção dos
eixos pioneiros, ou de colonização, dentro de uma perspectiva econó-
mica e social mais ampla. Não recorreram ao suporte de estudos econó-
micos regionais, para a avaliação destes investimentos e indicação dos
seus impactos, positivos ou negativos, sobre os estoques de fatores de
produção e sobre a capacidade de intercâmbio das regiões servidas. Só
recentemente, com o fortalecimento do sistema de planejamento federal
e a maior comunicação entre os diversos planos setoriais, é que se po-
derá avaliar estas decisões em função das necessidades reais do desen-
volvimento económico nacional.
Um balanço da expansão dos investimentos rodoviários, nas últi-
mas décadas, acusou certamente elevados benefícios diretos, pois aqueles
resultaram do atendimento às pressões contínuas da demanda insatis-

17 A relação das rodovias pelo Plano Nacional de Viação - Setor Rodoviário, obe-
dece a uma classificação segundo quatro tipos principais: a) radiais, b) longitudinais, c)
transversais e d) diagonais. Trata-se, evidentemente, de uma classificação mais preocupada
com a justificativa geométrica, do que propriamente econômica, dos investimentos rodo-
viários.

261
feita pelos serviços de transporte. Além disso, foi gerada, igualmente,
uma grande massa de benefícios indiretos. Estes foram não somente de
caráter econômico (consolidação de um mercado nacional, expansão da
fronteira agrícola, maior mobilidade interna da mão-de-obra, entre ou-
tros), como também de caráter social e político (possibilidade de inte-
gração da economia nordestina decadente ao dinamismo do centro-sul
e quebra do isolamento de amplos contingentes populacionais, por exem-
plo). No passivo desta expansão devem ser incluídos os elevados custos
sociais dos investimentos rodoviários (financiamento inflacionário dos
investimentos, drenagem de recursos dos outros setores e pressões sobre
o balanço de pagamentos) e a acentuação de muitas distorções regionais
(esvaziamento econômico destas regiões). Apesar dos custos elevados,
tudo leva a crer que os investimentos rodoviários apresentaram um sal-
do positivo, ao cumprir um papel de destaque na moldagem das atuais
feições da moderna economia industrial brasileira.
No entanto, se o saldo foi positivo dentro de condições históricas
específicas, nada permite extrapolar uma igual vantagem para con-
dições futuras. Em outras circunstâncias, os custos sociais poderão ultra-
passar, de muito, os benefícios sociais decorrentes. Assim, levando-se em
conta que aproximadamente 95% da Renda Nacional, como também da
população do País, se concentram atualmente numa faixa costeira de
600 quilômetros desde o Maranhão até o Rio Grande do Sul 18 , a prio-
ridade de curto e médio prazos deve ser dada, sem dúvida, para áreas
onde se concentra a atividade econômica básica. Estas áreas geram flu-
xos crescentes de tráfego pesado de longa e média distâncias, devendo
a atenção ser mobilizada para os estrangulamentos mais imediatos na
rede básica de longa distância, ou seja, nas rodovias trancais e na ali-
mentação mais ampla das mesmas. Com isto, estarão sendo lançadas
as bases de uma efetiva integração econômica nacional e correção do
desequilíbrio básico da economia brasileira: aquele entre o centro-sul e
o Nordeste. Pelo menos no que diz respeito à faixa litorânea onde se
encontram os grandes centros urbanos consumidores, tanto de pro-
dutos manufaturados - que se constituem no grosso da carga geral
transportada pelas rodovias- como de grande número de matérias-pri-
mas industriais e alimentos, esta integração será viável.

9 Política de Desenvolvimento
É conveniente salientar, entretanto, que dentro de uma perspectiva di-
nâmica e de longo prazo, a formulação adequada de uma política rodo-
viária, deverá levar em consideração que o sistema econômico brasileiro
18 Ibid. p. 19.
Segundo o Plano Decenal, em 1960, os dezessete estados litorâneos situados abaixo
do Maranhão (inclusive Minas Gerais) possuíam 92% da população brasileira, ou seja
64,7 milhões de habitantes. Para a renda, a situação era semelhante: a proporção da
Renda Interna gerada por estes estados foi de 95% no mesmo ano. Adverte o Plano não
ser de se esperar que tal situação venha a se alterar substancialmente nos próximos quin-
ze anos.

262
apresenta uma forte tendência à concentração espacial da atividade
econômica, sobretudo no que se refere às atividades industriais.
Existe, assim, um núcleo industrial dinâmico, cujos efeitos dinamiza-
dores atingem uma parte limitada de espaço econômico nacional. Este
núcleo e sua área de influência são circundados por uma periferia sub-
desenvolvida e dependente, ou por vazios econômicos. Isto significa que
uma política rodoviária de longo prazo deverá ser orientada objetiva-
mente para o atendimento das necessidades específicas destas duas par-
tes e deverá, mormente, ter um caráter interativo para possibilitar uma
integração progressiva das mesmas 19 •
Para a parte mais desenvolvida do País, uma política de investi-
mentos rodoviários deve, em princípio, permitir um aumento persis-
tente na eficiência da atividade econômica existente 20 • Deve permitir, de
maneira mais ampla, uma crescente integração dos centros industriais
às areas abastecedoras de matérias-primas e produtos alimentares, as
quais poderão se constituir, também, em mercados para os seus produ-
tos 21 • Neste sentido, os Planos Diretores elaborados pelo Grupo Exe-
cutivo de Integração da Política de Transportes (GEIPOT), cujas prio-
ridades se basearam fundamentalmente nas alternativas de redução no
custo econômico de operação e manutenção de veículos usuários das
rodovias - segundo a relação entre benefícios diretos e custos - satis-
fazem, em parte, a esta formulação. A preocupação destes Planos foi,
todavia, exclusiva em relação às redes trancais de rodovias, visando o
seu melhoramento, integração e racionalização no seu uso e atendendo
aos principais pontos geradores de tráfego. Foram colocados em posição
secundária os investimentos complementares na rede de alimentação.
No caso brasileiro, entretanto, esta omissão pode ser particularmente
grave, pois não só a própria capacidade de geração de tráfego nas rodo-
vias trancais estará sendo subestimada, como também haverá um re-
forço na tendência à concentração do desenvolvimento em áreas res-
tritas, mesmo no interior da parte mais desenvolvida do País.
Isto porque a metodologia do cômputo dos benefícios diretos aos
usuários favorece, geralmente, a concentração espacial da atividade eco-
nômica, pois a oferta crescente dos serviços de transporte se localiza

10 A consideração de políticas rodoviárias específicas para o núcleo industrial dinâ-


mico e sua área de influência, bem como para as áreas subdesenvolvidas circundantes e/ ou
vazios económicos, baseia-se, guardadas as proporções e peculiaridades do setor transportes,
em analogia à tese formulada pelo economista João Paulo de Almeida Magalhães, no que
se refere às diretrizes básicas de uma política global de desenvolvimento económico.
20 MAGALHÃES, João Paulo de Almeida. Sugestão para uma política de desenvol-
vimento econômico em condições de escassez de mercado. IPEA, 1968. (Doe. para discussão
interna)
21 Não se entra, neste artigo, no âmbito do transporte urbano e suburbano, que se
constitui numa parcela ponderável do tráfego de carga e passageiros. A necessidade de
Planos Diretores que regulem a sua expansão parece, entretanto, evidente.

263
justamente nas áreas que já possuem alta densidade de tráfego, indu-
zindo cumulativamente nas mesmas a localização das atividades de
produção e de consumo.
Trata-se, portanto, de uma metodologia criada para justificar a
seleção de investimentos em regiões onde os fatores de produção são
praticamente utilizados em sua plenitude e onde as unidades produti-
vas já estão localizadas de maneira mais consistente no espaço. Neste
caso, os fluxos de produção obedecem a uma tendência quase que auto-
mática de deslocamento, através das linhas de menor custo, das áreas
que apresentam excedentes de produção para aquelas que são defici-
tárias. Desta maneira, o problema da especialização da atividade econô-
mica é, de certo modo, omitido. Em regiões subdesenvolvidas, entretanto,
há maior interdependência entre os fatores que determinam o cresci-
mento econômico. As modificações estruturais provocadas pela maior
especialização da atividade econômica podem provocar alterações subs-
tanciais nos fluxos transportados. Estes não são, por conseguinte, muito
definidos espacialmente, nem seus deslocamentos obedecem à raciona-
lidade implícita na metodologia.
Além disso, em áreas com acentuado grau de subdesenvolvimento
ou em vazios econômicos passíveis de colonização, o tráfego existente
não permitirá, evidentemente, grandes benefícios com a redução nos
custos de operação. As possibilidades do tráfego futuro gerado seriam,
nestes casos, determinantes das possibilidades de realização do investi-
mento 22 •
Para as áreas mais atrasadas do País, ou para os vazios econômicos
que deverão ser incorporados à economia nacional, o investimento ro-
doviário deverá ter a função primordial de eliminar os obstáculos que
impedem a propagação dos efeitos dinamizadores dos pólos de desen~
volvimento. Uma disseminação geográfica futura do desenvolvimento
econômico e social, com efeito, somente será possível através da im-

22
HAWKINS, E. K. Investiment in Roads in Underdeveloped Countries. Institute
oi Statistics Bulletin, Oxford University, 1960. Segundo E. K. Hawkins, nas Regiões subde-
se~volvidas, o que prevalece em termos de benefício são os indiretos, amplamente distri-
bmdos pelo sistema e·:onômico, e não os que fluem diretamente aos usuários dos investimentos.
Com efeito, nestas regiões, parecem ser as economias externas os mais importantes resultados
do investimento em transportes. No caso específico das rodovias pioneiras, seria o tráfego
gerado ou induzido o fator determinante. Assim, os benefícios indiretos surgem, muito mais
através das economias externas possibilitadas pela rodovia e não atribuídas aos usuários,
do que da difusão pelo sistema econômico dos benefícios diretos recebidos pelos usuários.
Hawkins assinala, ainda, que a adaptação às condições específicas de uma região requer,
muitas vezes, alterações na ênfase da metodologia benefício/custo. Em algumas economias
altamente desenvolvidas da Europa ou nos Estados Unidos, a redução no tempo de viagem
para os usuários ou a redução na freqüência dos acidentes para a comunidade, para citar
um exemplo, extremo, podem ser realçadas, muitas vezes, em detrimento das próprias
reduções nos custos de operação dos veículos por quilómetro percorrido. Em outro extremo
teríamos as áreas em acentuado grau de subdesenvolvimento ou os vazios económicos, onde
as possibilidades de tráfego futuro devem ser realçadas como fator determinante.

264
plantação de uma boa rede de rodovias alimentadoras e de colonização,
complementares a um conjunto de investimentos básicos. Isto significa
que, para estas áreas, é necessária uma política rodoviária que atenda
às suas necessidades específicas. Esta política deverá complementar
toda ação governamental no sentido de fortalecimento de blocos de
investimentos que resultem na criação de pólos de desenvolvimento de
âmbito nacional ou regional.
Finalmente, o caráter interativo da política rodoviária é definido
pela importância que têm os investimentos rodoviários na formulação
das políticas globais de absorção de mão-de-obra, de agricultura e abas-
tecimento, de incorporação de mercados para a produção industrial,
etc. A política rodoviária deverá possibilitar, em última análise, uma
melhor distribuição espacial da atividade econômica, favorecendo a
integração progressiva dos espaços circundantes dos núcleos industriais
mais dinâmicos. Isto somente será possível, entretanto, se tal política
se constituir em uma parte harmônica de uma totalidade maior: a
estratégia global de desenvolvimento econômico.

265
Capítulo VIII - CORREDORES DE TRANSPORTES E
DESENVOLVIMENTO REGIONAL*

1. Introdução; 2. As economias de escala em um sistema integrado


de escoamento; 3. O processo de aprofundamento da especialização
produtiva regional; 4. As necessidades de modernização tecnológica e
integração de etapas do processo de escoamento; 5. Conclusões.

1. Introdução
Os Corredores de Transportes que, em última análise, visam à implan-
tação de infra-estruturas e sistemas operacionais modernos para o trans-
porte, manuseio e armazenagem e comercialização dos fluxos densos
de mercadorias (minérios, cereais, petróleo e derivados e, mesmo,
grandes partidas de carga geral unificada) permitirão, do ponto de
vista do mercado interno, uma crescente integração dos grandes centros
industriais e suas áreas adjacentes às regiões abastecedoras de matérias-
primas e alimentos. Por outro lado, com relação às exportações, a racio-
nalização e a integração das diferentes etapas do processo de escoamento
propiciarão ao País a possibilidade de participar, em condições compe-
titivas, de frentes dinâmicas do mercado internacional.
O recente desenvolvimento tecnológico dos transportes tem enfa-
tizado as necessidades e vantagens do transporte combinado. Tanto
nas técnicas de granelização, como nas de emprego dos cofres de carga
ou formação de lotes homogeneizados de carga geral, o que se objetiva,
basicamente, é a redução considerável dos custos de carga, descarga
e transbordos de uma modalidade para outra. Os custos de transfe-
rência das mercadorias diminuem em função da redução dos custos
diretos envolvidos naquelas operações, bem como da maior rotatividade

* Este trabalho representa a consolidação, em um quadro de referência teórico, dos


principais conceitos desenvolvidos pelo autor e técnicos do Setor de Transporte do IPEA
durante os anos de 1971/72 e que deram origem, posteriormente, ao Programa dos Corre-
dores de Transportes, consubstanciado no I Plano Nacional de Desenvolvimento para o
período 1972/73. Publicado em Pesquisa e Planefamento Económico, Rio de Janeiro, 2 (2):
301-338, dez. 1972.

267
dos veículos, alcançada pelo menor tempo de permanência destes nos
terminais. O transporte combinado implica a disponibilidade de infra-
estruturas, veículos e instalações terminais que permitem a formação
de conjuntos operacionais integrados e eficientes.
A conexão entre os pontos de contato com os fluxos densos de
longo curso e as regiões de elevado potencial de produção (agrícola,
extrativa e industrial) diretamente ou por intermédio de redes alimen-
tadoras e locais definiria um "Corredor de Transportes" para exporta-
ção. Este seria a particularização de um conceito mais amplo de "corre-
dores de transportes".
Os "corredores" seriam definidos como segmentos do Sistema de
Transportes, ligando áreas ou pólos entre os quais ocorre, ou deverá
ocorrer em futuro próximo, intercâmbio de mercadorias de densidade
tal que justifique a adoção de modernas tecnologias de manuseio, arma-
zenagem e transportes, tendo-se em vista principalmente a granelização.
Exigem aplicações intensivas de capital, mas proporcionam reduções
significativas nos custos de transferência de mercadorias 1 .
No primeiro caso, são as possibilidades do comércio internacional
e seus reflexos na evolução tecnológica - condicionante de novos tipos
de veículos - que determinam o dimensionamento da capacidade dos
portos (e aeroportos) e, conseqüentemente, da sua retaguarda de trans-
porte para atender ao tráfego denso de superfície (ferrovias, vias nave-
gáveis, dutos e rodovias-tronco expressas). No segundo caso, em termos
mais amplos, são as potencialidades de expansão da produção (resul-
tante das disponibilidades de fatores de produção mobilizáveis num
dado momento e em certas regiões) e as possibilidades de expansão do
consumo final urbano ou intermediário-industrial, que permitirão iden-
tificar as grandes concentrações de embarque e desembarque de carga,
as quais, em última análise, dimensionarão a capacidade do transporte
linear para atendimento do tráfego denso.
O "corredor" consistiria, portanto, primeiramente na articulação
de investimentos em transportes com aqueles efetuados nas atividades
dinâmicas que demandam seus serviços. Em seguida, na concepção de
sistemas operacionais integrados entre duas ou mais modalidades de
transportes (ferrovia, via navegável, dutos, rodovia-tronco e/ ou rodovia
alimentadora local) com os portos, os centros de beneficiamento pri-
mário, processamento industrial e/ ou com as centrais de abastecimento
metropolitano, permitindo o equacionamento do escoamento dos fluxos
densos de mercadorias (principalmente granelizados).
Um quadro de referência teórica do conceito de "corredores de
transportes" e sua inter-relação com o processo de especialização pro-
dutiva regional é apresentado nas seções seguintes.

1 BRASIL. Ministério do Planejamento e Coordenação Geral. IPEA. Corredores de


transportes. Rio de Janeiro, 1972 (Documento de trabalho, 1) Mimeogr.

268
2. As economias de escala em um sistema integrado
de escoamento
Considere-se o exemplo de uma determinada região com condições de
clima e solo favoráveis a uma especialização na produção de cereais.
Os acréscimos verificados na produção, associados ao processo de espe-
cialização produtiva, permitem, em princípio, maior atendimento da
demanda interna bem como um incremento nas exportações.
Examinando o problema da disponibilidade de serviços de trans-
porte, manuseio e armazenagem dos cereais produzidos, verifica-se que
somente a implantação ou melhoria de facilidades na infra-estrutura,
e a concepção de sistemas operacionais modernos para aqueles serviços,
possibilitarão a crescente e desejável integração entre a região produ-
tora e os grandes pólos de consumo ou pontos de embarque. As conse-
qüentes reduções nos custos finais dos cereais e seus derivados (óleos,
farelos, etc.) se constituirão em fator da mais alta importância na
conquista de novos mercados e na preservação da continuidade no pro-
cesso de especialização produtiva regional.
O conceito de "corredores de transportes" pode ser esquematizado
a partir do confronto de duas situações alternativas de escoamento de
produção regional. Na Situação I, o transporte e o manuseio dos cereais
são feitos em sacas com custos médios unitários crescentes após um
determinado volume de escoamento.
A infra-estrutura, os equipamentos e instalações para o transporte,
manuseio e armazenagem dos cereais são fatores fixos a curto prazo e
a função de produção para o escoamento não permite rendimentos
crescentes acima de um dado grau de utilização da capacidade insta-
lada. Com efeito, haverá uma sobreutilização da mesma à medida que
cresce o volume escoado e, além disso, a própria discrepância nas
capacidades instaladas para as diferentes etapas do processo de escoa-
mento constitui-se em limitação ao seu melhor aproveitamento.
Na Situação II, são feitos investimentos em instalações fixas e
melhorias para a implantação de facilidades de granelização. Neste caso,
verificam-se reduções substanciais de custos médios unitários a partir
de uma determinada quantidade transportada. A homogeneidade nas
capacidades instaladas para as diferentes etapas, permitindo um trata-
mento integrado do processo de escoamento dos cereais, assim como as
indivisibilidades criadas com os novos investimentos, darão origem a
uma nova fase de rendimentos crescentes. Cabe lembrar, quanto ao
aspecto das indivisibilidades, que na função de produção anterior po-
derão ser aumentadas as toneladas-quilômetro/ ano produzidas, sem a
necessidade de aumentar a disponibilidade de fatores na mesma pro-
porção. Favorecendo a redução de custos para o escoamento de grandes
massas de cereais granelizados, os corredores servirão de suporte ao
processo de especialização regional no quadro de objetivos de desenvol-

269
vimento nacional (exportações, abastecimento metropolitano, etc.),
conforme será mostrado a seguir.
Na Situação I, a safra de cereais é recolhida em sacas em uma
das unidades produtoras da região (U). Esta unidade produtora é
ligada a uma rodovia estadual alimentadora de revestimento primário
(r 1 ), por meio de uma estrada rural de terra (r o). A produção é levada
em caminhões médios até o ponto de interseção com uma rodovia
federal troncal (r~ ) e daí ao porto (Z). Na situação assinalada, a safra
recolhida por caminhões médios na unidade produtora é levada dire-
tamente a Z ou concentrada em armazém geral situado no ponto de
interseção A para o posterior transbordo em caminhões pesados que
circularão na rodovia troncal, o que possibilitará a maior concentração
de partidas de sacaria naqueles veículos.

U - unidade produtora de cereais


r0 - estrada rural ou vicinal
r1 - rodovia estadual alimentadora
r2 - rodovia federal troncal (somente utilizada para escoamento de
sacaria na Situação I)
f - ferrovia (somente utilizada na Situação II)
A - interseção da rodovia estadual alimentadora com a rodovia fe-
deral troncal onde está situado um armazém geral (Situação I)
A' - localização de armazém geral portuário (Situação I)
Z - porto de mar com capacidade de recebimento de navios de longo
curso
B - interseção da rodovia estadual alimentadora com a ferrovia que
conduz a Z, onde está situado um silo coletor com facilidades
de granelização (Situação II)
B' - localização de silo portuário com facilidades de embarque do
cereal a granel (Situação II)

Em Z , a carga é armazenada em armazéns gerais e embarcada


com a utilização de empilhadeiras e, na borda do cais, por meio de
guindastes ou paus de carga de bordo. Existe ainda uma ferrovia (f)
que interseciona a rodovia alimentadora estadual em B, mas na Situa-
ção I não está sendo convenientemente utilizada por inexistência de

270
equipamento e instalações de infra-estrutura pata granelização 2 • A
utilização plena de vagões de carga para transportar a produção de
cereais em sacos não atrai o usuário devido ao número maior de opera-
ções de transbordo, com as conseqüentes implicações de tempo perdido
e eventuais avarias.
Na Situação II estão instalados silos nos pontos B e B', coletor
e portuário, capazes de granelizar a produção, bem como de manter
estoques de compensação. A ferrovia dispõe de instalações e equipa-
mentos apropriados para manuseio e transporte de cereais a granel e,
com a ensilagem, pode manter uma boa rotatividade entre os pontos
B e Z. Em Z, por sua vez, há um terminal de embarque para cereais
granelizados, dotado de condições suficientes para operar economica-
mente embarcações de grande capacidade, notadamente graneleiros. As
condições de profundidade no canal de acesso e no terminal graneleiro
são tais que permitem a atracação das embarcações de grande capaci-
dade. Cabe lembrar que na Situação I tais embarcações não poderiam
operar economicamente.
Para a definição do investimento necessário à efetivação de qm
sistema tecnologicamente avançado de escoamento da produção, tal
como o concebido na idéia dos "corredores de transportes", o problema
básico consiste em explicar o significado das quantidades mínimas de
escoamento dos cereais produzidos na região, a fim de justificar aquele
investimento.
Considere-se, agora a composição do custo total por t-km trans-
portada na Situação I. Sendo Y o custo total em cruzeiros e X as quan-
tidades transportadas de cereais em t-km/ ano, pode-se definir uma
função 3 :
y = y x 2 + ~ X + a, onde:
a=~ À1 a1 =F
i
sendo, O ~ /..1 ~ 1
e F representa a soma dos custos fixos totais das instalações necessárias
ao escoamento da produção de cereais para a qual: a1 representa o
custo em cruzeiros das facilidades de infra-estrutura, equipamentos e
instalações e À1 representa um coeficiente de utilização das mesmas
especificamente para o escoamento da produção de cereais.
y X 2 + .~X= V
sendo, y > o e~ > o
2 Cabe lembrar que o tráfego denso de superfície, dentro da concepção de corredo-
res de transportes, poderia ser atendido por outros tipos de transportes linear pesado, a
saber: rodovia-tronco de alta capacidade, via navegável ou duto, dependendo das condições
do sistema de transportes e/ou do tipo de mercadoria a ser transportada.
3 A função foi especificada tão-somente com o propósito de facilitar a exposição teó-
rica.

271
onde V representa os custos variáveis totais equivalentes aos custos de
manutenção e operação dos veículos rodoviários, de transbordos ma-
nuais de carga ensacada, da operação de armazenagem e do tempo de
permanência nos armazéns e o custo de embarque no porto. y > o e
~ > o são condições que caracterizam a convexidade da função espe-
cificada.
O Gráfico 1 mostra a função de custo total decomposta nas parcela.s
de custo fixo e custo variável (Y = F + V). Cabe lembrar que, a rigor,
a parcela de custo fixo engloba duas componentes: a da participação,
sobre os custos das infra-estruturas, instalações e equipamentos, relativa
à sua utilização para o escoamento dos cereais (Aa) e aquela relativa
à participação sobre aqueles custos, do transporte de outra.s mercadorias
que não cereais (1 - 'A) a. Assim, na verdade o custo fixo da Situação I
seria:
F = a = Âa + (1 - A) a

Como o que se pretende neste quadro de referência teórica ao


conceito de "corredores de transportes" é a comparação de uma Si-
tuação I com uma Situação II, na qual é implantado um sistema mo-
derno para escoamento de cereais, considerou-se naquela apenas a
incidência de custos fixos sobre o transporte de cereais ("custos fixos
do escoamento de cereais") abandonando-se a parcela dos fixos que,
embora incidindo obviamente sobre o escoamento de cereais - pois

.GRÁFICO I

CUSTO TOTAL y
(em Cr$)

V=
l Yx' + /3X

j
F: O< XO<{,,·~:·~· ~~· ·~·~~· ~· ·~ ;~: ~: ~: ~.: ~: :~ : ~·: ~:·~: ~:· :~ : .~{:~ :i. ~j·'i:_ ~: _,:~i·l~:·~ :. ~ E·';·~:·i :~ i:~'.!:~· :.~ · ·:~· :·~x'
.. .. ..
~.:.<<<<·>>>:-:.:-:-:-:.:-:-:-:-:·> .·.·.·.<·:-:-:-:.
..

~(I- X)()( OUTRAS MERCADORIAS X

o ~J~---------------------~~~~~~
QUANTIDADES ESCOADAS

(em t - km/ano)

272
trata-se da utilização da mesma capacidade já instalada - correspon-
deriam à utilização para o transporte de outras mercadorias 4 • Esta
simplificação corresponde no gráfico à transposição de eixo, tornando:
F = a = Âa = ~ À1 a1
i

Daqui para a frente, feita esta ressalva, pode-se trabalhar na


Situação I considerando-se F como o "custo fixo do escoamento de
cereais".
Pode-se definir, por outro lado, uma função de custo médio uni-
tário decorrente da função anteriormente definida:
y a
yX + ~ + -onde:
X X
a À1a1 F
-=~---
X i X X

corresponde ao rateio dos custos fixos totais pela quantidade movi-


mentada de cereais.

V1 é a parcela dos custos variáveis que é constante, em termos unitários,


em relação à quantidade de cereais transportada ou em relação à dis-
tância percorrida 5 •
yX = ~ <~A-101) = v2x
i

V 2 X é a parcela dos custos vanaveis que, em termos médios unitários,


dependerão do volume de carga e da quilometragem percorrida, onde
g 1 representa os custos operacionais que dependem das quantidades e

4 Quanto mais próximo da unidade estiver o valor de À, tanto mais necessita a abor-
dagem do escoamento da produção no âmbito de um sistema de "corredor de transportes"
definido neste trabalho, uma vez que maior é o grau de especialização produtiva da região
considerada.
Cabe notar que ~}.1 <
1 no caso da existência de capacidade ociosa global ou de indi-
visibilidade nas instalações necessárias. Na Situação I alguns fatores têm disponibilidde
limitada, provocando estrangulamentos e re-duzindo a capacidade global do processo de escoa-
mento instalada, impedindo rendimentos crescentes a partir de um determinado volume de
escoamento.
5 São fixos apenas dentro de certos limites de carga transportada. Entretanto, para
efeitos de análise presente esta pat·cela pode ser considerada como fixa em termos médios
unitários.

273
distâncias e ~L1 um coeficiente de utilização para o caso do transporte
-e manuseio dos cereais, sendo,

vl + v;!x = xv
Com relação à parcela de utilização das facilidades de infra-estru-
tura, equipamento e instalações para o escoamento da produção de
cereais, ou seja, quanto aos custos fixos totais da Situação I, estes
podem ser decompostos da maneira que se segue:
F = ~ Y1a1
Í=O

onde cada termo representa:


Âo a0 adicional dos custos de construção e conservação da estrada
rural ou vicinal de terra (r0 );
J.1 a 1 adicional dos custos de construção e conservação da rodovia
estadual alimentadora de revestimento primário (r1 );
1..2 a2 custos de construção e conservação da rodovia federal troncal
pavimentada (r2 );
1..3 a 3 custos da frota de veículos rodoviários leves e médios;
1..4 a4 custos da frota de veículos rodoviários pesados;
1..5 a 5 custos de construção e conservação das instalações de armaze-
nagem nos armazéns gerais (A e A');
1..6 a6 custos de construção e conservação das instalações portuárias.

Por sua vez, com relação às duas parcelas dos custos variáveis mé-
dios unitários (V 1 e V2), temos de um lado:
4
V1 = ~ b1, onde cada termo representa:
i= o

b0 custo de produção e estocagem dos cereais colhidos na unidade


produtora;
b1 custo de ensacamento na unidade produtora sem o retorno da
sacaria;
b2 custo dos transbordos manuais da mercadoria em sacos;
b3 custo da operação de armazenamento e do tempo de perma-
nência nos armazéns gerais (A e A');
b4 custo das operações de embarque não-mecanizado nos navios;
e de outro:
2
v~ =~ !!1 g1, onde:
i= o

274
!lo go custo de manutenção e operação de veículos rodoviários leves
na rodovia rural ou vicinal em terra (r0 );
l!1 gl custo de manutenção e operação de veículos rodoviários leves
na rodovia estadual alimentadora de revestimento primário
(r1);
~ g 2 = custo de manutenção e operação de veículos rodoviários pe-
sados na rodovia federal troncal pavimentada (r2 ).
Tem-se, portanto, que V2 pode ser apresentado como uma função
específica do volume de carga transportada e da quilometragem per-
corrida, mesmo considerando os desdobramentos em partes fixas g 0 ,
glo g2 ...
V 2 = f(X), sendo X medido em toneladas-quilômetrojano.
Seria conveniente admitir, para simplificação da Situação I, que
os veículos rodoviários são plenamente utilizados durante todo o ano
e não há incidência de encargos sobre a capacidade ociosa no custo
da t-km transportadas. Os custos de armazenagem levam em conta,
por sua vez, a depreciação do produto.
Para a Situação II, pode-se, neste momento, definir uma função
de custo total análoga àquela definida para a Situação I:
y = y X 2 + ~ X + â.
Neste caso, todavia, a representaria o montante anual dos custos
fixos das instalações necessárias para o escoamento da produção através
de moderna tecnologia de granelização dos cereais:
â. = ~ Àl âl
i
A função de custo médio decorrente seria:
y - ~ ~
X = y X +~ + X' onde

Torna-se interessante definir agora a diferença:


~ - a = ~ À1 â1 - ~ /.1 a1 O

O= q ~
-/.1i a1- + m ~ /.1 a1 - m ~ /.1 a1 - n ~ /.1 a1, onde:
i i
m ~ /.1 a1 = ma representa a proporção de custos fixos na Si-
tuação I que permanecem na Situação II,
sendo m < 1 e, para simplificação, mantidos
os mesmos coeficientes de utilização da Si-
tuação I;

275
representa a proporção dos custos fixos iniciais
da Situação I não necessários para o escoa-
mento dos cereais em granel na Situação II;
representa os novos custos fixos em novas
instalações, equipamentos e infra-estrutura,
bem como melhorias nas facilidades existentes,
necessários para a Situação II;
O= q ~ 1 â1- n ~ Â.1 a1representa a diferença líquida entre os novos
custos fixos e aquela parcela dos custos fixos
já existentes na Situação I, porém não mais
necessária na Situação II.
Portanto, na Situação II: ·
~ -
a = ~ /,1 a1
-=m ~ Â.1 a1 +O
i i
Para o caso em análise:
a = Ào ao + Â.1 a1 + l..a aa + Â.6 a6 + O, pois as parcelas de custos da
frota de veículos rodoviários pesados, dos armazéns gerais e da cons-
trução e manutenção da rodovia federal troncal não permanecem na
Situação II.
Nos custos fixos ter-se-ia, por conseguinte, alguns dos custos fixos
iniciais definidos na Situação II.
~ 8 ~
a = ~ /..1 a1 onde,
i= o
que representa o adicional dos custos de construção
da estrada rural ou vicinal de terra (r0 );
que representa o adicional dos custos de construção
e conservação da rodovia estadual alimentadora de
revestimento primário (r1);
dos custos das frotas de veículos rodoviários leves e
médios;
dos custos de construção e conservação das instala-
ções portuárias;
custo de melhoria da rodovia estadual alimentadora
(que passa a ser pavimentada) e da estrada rural ou
vicinal de terra (que passa a ter revestimento pri-
mário);
custo da melhoria, conservação e implantação de
sistemas de granelização na ferrovia (f) 6 ;
6 Esta parcela de custo fixo poderia representar também os custos de melhoria para
transformar a rodovia-tronco em via expressa de alta capacidade de tráfego ou os custos
de melhoria de uma via navegável ou de implantação de um duto.

276
custo de instalação de silo coletor e silo portuário
com facilidades de granelização (B e B');
custo de instalação de sistema de embarque do cereal
a granel no porto (B');
adaptação do calado do porto aos graneleiros de
grande capacidade.
8 ... -
Assim, O = l:
i= 4
A1 a 1 - {1..2 a2 + Â4 a4 + Â5 a5}

Pode-se concluir que F> F, sempre que haja a implantação de


8 - -
uma Situação II, respeitada a condição de que l: À1 a 1 em termos abso-
i=4
lutos seja maior que Àz a2 + 4 a4 + Â5 a5. Cabe lembrar, todavia, que
o custo médio unitário na Situação II F poderá ser menor, dentro
X
de certos limites, à medida que aumentem os valores de X.
Com relação à parcela dos custos variáveis totais que não varia
em termos unitários (V 1), tem-se na Situação II:
~ = ~bl
i
Novamente cabe definir a diferença
~ - ~ = ~ b1 - ~ b1 = E
i i
E = q ~ b1 +m ~ b1 - m ~ b1 - n ~ bt, onde:
i i i i

m ~ b1 = m~ proporção dos custos na Situação I que perma-


i necem na Situação II;
n ~ b1 = n~ proporção dos custos na Situação I que são supri-
i midos na Situação II;
q ~ b = 1 q~ novos custos que surgem na Situação II;
i
E = q~ b1 - n ~ b1 representa a diferença líquida entre os novos
i i custos que surgem na Situação II e os custos da
Situação I que são suprimidos na Situação II.
A expressão da parcela dos custos variáveis totais, que não varia
em termos unitários, é para a Situação II:
2
vl = ~ 61> onde:
i=o

277
que representa o custo da produção e estocagem dos cereais
na unidade produtora 7 ;
custo do ensacamento na unidade produtora com o retorno
da sacaria;
custo da operação de ensilagem e do tempo de permanência
da mercadoria nos silos (coletor e portuário) com a graneli-
zação dos cereais.

Na Situação II, por conseguinte:

i i

No caso que está sendo examinado:


+
~ ~

~ = ~ b1 = bo E, onde:
i

E = b1 + b2 {b1 + b2 + ba + b4}, pois apenas b1 (custo da pro-


dução e estocagem dos cereais colhidos na unidade produtora) perma-
nece na Situação II.
Para que V1 < V I> é necessário que b 2 + b4 (custo dos transbordos
manuais mais o das operações portuárias não-mecanizadas) tornem-se
proibitivas por adicionarem custos extras de espera e congestionamento
na Situação I, que só poderão ser resolvidos com a passagem para a
Situação II. Em última análise, são dificuldades de embarque e trans-
bordos para grandes quantidades movimentadas que, elevando os ânus
sobre o valor da mercadoria em trânsito ou estocada, permitirão uma
posição vantajosa de vl em relação a vl.
Estes custos independem, a rigor, da quantidade de cereais escoada
ou da distância percorrida. A quantidade e a distância influirão, todavia,
na forma de "custos de congestionamento". Cabe examinar agora o
comportamento das parcelas dos custos variáveis totais que são função
das quantidades e distâncias (V$ e V2 ).

7 Pode-se admitir aqui, para precisar melhor o rac10cmto, que existirá uma Situação
III onde o custo de produção dos cereais se reduzirá devido à existência do sistema mo-
derno e integrado de escoamento implantado na Situação II. Na Situação II, todavia, os
custos de produção ainda permanecem os mesmos que na Situação anterior (I), pois não
houve tempo ainda para promover a modernização do Setor produtivo. A Situação III
implicaria, como será visto adiante, a redução do custo de produção pelo decréscimo nos
custos de transporte dos insumos usados na produção agrícola, entre outros fatores. Apenas
para simplificação teórica, admitiu-se que os coeficientes de utilização da infra-estrutura
de transportes da Situação I permaneceram os mesmos na Situação II. Numa Situação III,
entretanto, tais coeficientes seriam modificados.

278
Os custos variáveis que, em termos médios unitários, dependerão
do volume de carga e da quilometragem percorrida (V 2 ) são, na Si-
tuação II:
y X= (~1 g1) X
yX - yX ·= ~ (~1 g1) X - ~ (!11 g1) X = 'l'
i i
'I' = q ~ (~1 i1> X + m ~ (f11 g1) X - m ~ (!11 g1) X -
i i
- n ~ (!11 g1) X onde:
i
m ~ (f11 g1) X =m y X proporção dos custos na Situação I
i que permanecem em II;
n ~ (!11 g1) X = n y X proporção dos custos na Situação I
i que são suprimidos em II;
'l' = q ~ (~1 Yt) X - n ~ (fl1 g1) X
1 diferença líquida entre os novos
i i custos na Situação II e a parcela
de custos da Situação I não neces-
sários para o escoamento dos cereais
no sistema modernizado.

A expressão que permite identificar os componentes de V 2 é:


~

v2 = ~ ~1 i11 onde:
i = o

custo de manutenção e operação dos veículos rodoviários


leves na rodovia rural ou vicinal melhorada em revesti-
mento primário;
custo de manutenção e operação dos veículos rodoviários
leves na rodovia estadual alimentadora melhorada através
de pavimentação;
custo de manutenção e operação ferroviárias com a fer-
rovia adaptada para o tráfego intenso de granéis;
~ ...
!-ta ga custo das operações de embarque mecanizado através das
novas instalações terminais;
custo da capacidade ociosa do equipamento de graneli-
zação na entressafra 8 •
8 Tal custo poderá ser consideravelmente reduzido na Situação III, quando a mo-
dernização do setor produtivo poderá permitir um plano de rotação de culturas, tal como
acontece, por exemplo, com o consorciamento trigo-soja.

279
Cabe ressaltar que se deve levar em conta o custo da capacidade
ociosa do equipamento de granelização de entressafra, mesmo admitindo
que a localização mais racional dos silos e armazéns melhoram o escoa-
mento dos fluxos no tempo.
Na Situação II tem-se, portanto:
yX = }.; (~1 gl) X + 'I', onde:
i
4

'I' = }.; i1 gl - {!lo go + f.l1 gl + f.l2 gz}, para o caso em exame.


i= o
Para que Vz < Vz, é necessário que ~3 g3 + ~4 g4 sejam menores,
em uma determinada escala de escoamento, que os "custos de conges-
tionamento" (bz + b4 ) definidos anteriormente.
Cabe lembrar aqui que o tráfego ferroviário na ferrovia melhorada
será não somente resultante do tráfego desviado da rodovia troncal,
mas também o tráfego gerado pelas próprias condições de escoamento.
O acréscimo do tráfego gerado medirá o aprofundamento da especia-
lização regional a partir da Situação II.
Podem-se esquematizar as situações descritas para os custos totais
e os custos médios unitários nos seguintes gráficos:
GRÁFICO 2

... ,.. .... "'\.


Y= '!X 2 +/3X+Q(
CUSTO TOTAL (SiTUAÇÃO 11)
(em Cr$)

ex

X
Xn Xn +p QUANTIDADES ESCOADAS
(em t/Km/ono)

Raciocinando-se em termos de custo total, verifica-se que existe


um ponto determinado (Xn) para o qual os custos nas duas situações
se igualam. A partir daí qualquer acréscimo na tonelagem transpor-

280
GRÁFICO 3

cusro MÉDIO .:!._


UNITÁRIO X
(em Cr$/t-Km)

(SITUAÇÃO I)

c!.>
X n
(SITUAÇÃO 11)

X
t-...-----X-<'n=~X~;.:;n~+~P===-'-'-"'X'---0-U-:-AN~TI DADES ESCOADAS
· n+S (em t/km/ono)

tada se fará a custos totais mais elevados no sistema de escoamento


definido como Situação I, do que naquele definido como Situação II
(Y,. + >
P Y,.).
Desta forma, pelo gráfico da situação de custo total (Gráfico I),
tem-se no ponto X,.:
.....
Y-Y=O
y X + ~ X + ; - yX ~X - a =
2 2
- O
(y - y)X + W- ~)X + (;; - a) =
2
O
'I'X + eX + O = O
2

A solução desta equação do segundo grau, a partir dos parâmetros


'1', e e O, que são obtidos na prática através de levantamentos de custos,
permitirá a estimativa da quantidade de cereal que justificará a im-
plantação ou melhoria de facilidades de transporte, armazenamento e
manuseio, dentro da concepção integrada de investimentos e operações
para escoamento de granéis, designada como "corredor de transportes".

3. O processo de aprofundamento da especialização


produtiva regional
Procurou-se chegar, através da seleção de componentes de custo, a um
quadro de referência teórica do conceito de "corredores de transportes"
dentro de uma visão integrada do problema do escoamento de cereais

281
(produção-armazenamento-manuseio-transporte). Tal quadro de refe-
rência no nível de abstração apresentado é propositadamente amplo
para permitir uma abordagem conceituai genérica dos "corredores".
Na prática, entretanto, a solução mais econômica de escoamento deverá
ser apontada em função de diagnósticos específicos que levarão em
conta as características de cada "corredor" e as alternativas concretas
de combinação intermodal.
Sabe-se, até aqui, que modernas tecnologias de transporte combi-
nado e de integração das operações de manuseio, armazenagem e trans-
porte, permitem em determinadas condições a redução substancial dos
custos de escoamento da produção. Estas tecnologias exigem, entretanto,
grandes investimentos e o abandono de sistemas previamente existentes
que só podem e devem ser abandonados quando os "custos de conges-
tionamento" se tornam excessivamente onerosos. O problema básico é,
portanto, o de determinar os níveis de melhoramento em função da
densidade do tráfego e inadequação dos sistemas de manuseio e arma-
zenagem, tomando como parâmetros as diferenças líquidas entre os
novos custos a serem incorridos na Situação II e a parcela de custos
existentes na Situação I , embora não necessários ao sistema moderni-
zado de escoamento dos cereais em grão.
É interessante assinalar agora que além da avaliação da viabili-
dade do "corredor" em termos da relação entre custos e quantidades
mínimas, há que se considerar o efeito de aprofundamento da espe-
cialização produtiva regional tornado possível em função da existência
do "corredor". Como atua a implantação de um "corredor de trans-
portes" no sentido de promover aquela especialização?
Inicialmente, com relação ao problema do uso da terra, pode-se
proceder à análise seguinte: no quadro da teoria da renda diferencial
do fator terra (Ricardo), a limitação física na disponibilidade de terras
agriculturáveis forçaria a utilização das terras menos férteis como
resposta aos estímulos da demanda resultantes da industrialização e
da urbanização 9 • Tal limitação condicionaria a produção agrícola a
uma lei de rendimentos decrescentes para quantidades fixas de tra-
balho e capital. A partir do momento em que se torna necessária a
utilização de terras de menor fertilidade, surgiria a renda da terra,
que se tornaria tanto maior quanto maior a diferença de quantidade
das terras incorporadas relativamente às de maior fertilidade já ocupa-
9 A análise de Ricardo refere-se à utilização das terras disponíveis para a produção
de alimentos e matérias-primas num contexto de limitação física deste fator para a explo-
ração extensiva, nos primórdios da Revolução Industrial na Inglaterra e Europa Ocidental.
Embora Ricardo já fizesse referê ncia ao fato de existir a renda da terra em relação a
áreas menos b em situadcs e m face dos mercados consu midores - num redocínio análogo ao
feito para a ocupação de terras de menor fertilidade - foi na verdade Von Thünem quem
primeiro se preocupou especificamente com o problema dos efeitos dos custos de trans-
portes sobre a localização da produção a grícola. Ver Von Thünem, J. H. Isolated State;
Án English Edition of Rer Isolierte Stat. lnd. C. M. Wantemberg Oxford-New-York: Per-
gamon Press, 1966.

282
das. A existência de uma renda diferencial usufruída por determinado
número de agricultores resultaria do fato de ser o preço final dos
alimentos de consumo urbano e matérias-primas industriais, determi-
nado pelo custo de produção das terras de menor fertilidade 10 •
Se num contexto de grande disponibilidade de terra (mesmo não
considerando que o estoque do fator possa apresentar grandes variações
de qualidade) for levado em conta o fator distância, pode-se também
dizer que o fator determinante do uso do solo para fins agropecuários
é a renda da terra. A forma de utilização da terra que possibilite a
maior renda deslocará as outras, estabelecendo padrões de ocupação
do território em função da proximidade dos mercados 11 • A localização
da produção agrícola depende, em grande parte, da disponibilidade e
condições de prestação dos serviços de transporte. As mercadorias que
têm baixo valor por unidade de peso, por exemplo, não podem suportar
a elevação de fretes devido à cobertura de maiores distâncias. Isto
determina, em princípio, a localização de sua produção à maior proxi-
midade dos centros consumidores. É clássico o exemplo da maior limi-
tação das áreas de comercialização do leite em torno dos centros de
produção do que as dos seus derivados (creme, manteiga e queijo).
Para estes, as áreas de comercialização seriam mais amplas devido aos
seus valores mais elevados, que permitiriam suportar maiores custos
de transferência. Isto significa que, em relação a um mesmo centro
consumidor, as terras destinadas à produção de leite ocupariam os
espaços mais próximos enquanto que aquelas destinadas à produção
de derivados poderiam se localizar a distâncias maiores. As terras
ocupadas para a produção de leite se beneficiariam, portanto, da exis-
tência de uma renda em relação às terras mais afastadas, ocupadas
pela produção de laticínios. O que se depreende deste mecanismo é
que quanto maiores os custos de transportes em função da distância,
menores os rendimentos da terra, resultando daí o pagamento de uma
renda pela faculdade de exploração das terras de melhor localização
em relação ao mercado.
Assim, os deslocamentos de fronteira agrícola corresponderiam, no
primeiro momento, à utilização da terra para mercadorias menos
"nobres" do ponto de vista comercial. Considerando-se mercadorias dis-
tintas, a produção de hortigrangeiros e leite se beneficiaria da exis-
tência de uma renda em relação, por exemplo, ao café e este em relação
aos cereais. Por outro lado, para uma mesma mercadoria o afastamento

lO Ricardo, D. The Principies of Politicai Economy and Taxtation, Londres: Deut


and Son, 1937.
11 Duan Jr., E. S. The Location of Agricultura] Production, Gainsville: University
of Florida Press, 1954. É interessante ainda consultar o Estudo de O. Vergara Filho que
examina o problema do uso alternativo da terra ao longo da Rio-Bahia, em termos de
vantagens comparativas de produção e como função de distância dos grandes mercados;
"Highway Improvement and Regional Development with Special Reference to Agriculture:
A Case Study of the Rio-Bahia Highway in Brazil", Tese de doutorado, apresentada à
Universidade de Purdues, 1971.

283
físico em relação a culturas mais prox1mas dos centros de consumo,
determinaria, através da elevação do seu custo de escoamento, uma
renda em favor das culturas melhor localizadas.
Viu-se que na Situação II os custos da produção e estocagem dos
cereais na unidade produtora ainda permanecem os mesmos que na
Situação I (b'o = b1). Por outro lado, o custo médio unitário de escoa-
mento da tonelada-quilômetro de cereal reduz-se com a maior raciona-
lidade e integração das operações, beneficiando-se de acréscimos na
escala de prestação dos serviços: aumento nas quantidades, aumento
. tAanc1as
nas d 1s . ou amb os ( X'
Y' < y ) -x
Expressando-se a renda da terra como função da distância, pode-se
estabelecer a relação:

R E (p - bo) - E ( ~ . K } onde:

R renda da terra por unidade de área;


E rendimento físico da terra por unidade de área;
P preço de mercado por unidade do cereal, que independe das
condições de produção a nível da unidade produtora;
bo custo unitário de produção e estocagem do cereal na unidade
produtora;
custo unitário de escoamento do cereal, já definido;
K distância do mercado.

_Cabe lembrar que esta relação tem sua validade explicativa res-
trita a condições de uma economia fechada, rendimentos constantes
e gradiente de transportes uniforme. Apesar das restrições apontadas,
a relação tem interesse para o exame do inter-relacionamento da renda
da terra com os custos de escoamento dos cereais.
Pode-se dizer que o nível dos custos de transferência das merca-
dorias influencia a inclinação de R, pois, pelo Gráfico 4 observa-se que
a função R = f(K) terá em ~ mantido o rendimento da terra cons-
tante 12 - o elemento determinante do seu coeficiente angular. Isto
significa que o escoamento pelo sistema do "corredor de transportes",
com custos de transferência mais baixos ao longo de uma rota, condi-

12 Numa Situação III, o rendimento deixaria de ser constante em razão da moderniza-


ção da atividade agrícola. ·

284
ciona um declínio menos abrupto da renda por unidade de área para
distâncias maiores do mercado 13 •
Em síntese, pode-se dizer que a proximidade do mercado permite
o pagamento de elevada renda da terra. Pelo Gráfico 4 observa-se que
a função R = f (K) tem o seu valor máximo em R = E (p - b0 ) e
diminui na medida em que aumentam os valores de K (distância) em
relação à origem (mercado). Por outro lado, R se torna nulo quando
P - bo
K= Y/X
Se a linha R 0K 1 representa a Situação I, verifica-se que, neste
caso, a renda da terra cai abruptamente até o limite K = K1. Isto
significa que os custos de transporte elevados induzem o pagamento
de rendas muito elevadas nas localizações próximas ao mercado. Dado
as dificuldades de escoamento, as atividades produtoras de cereais
buscam a proximidade do mercado (centros de abastecimento, comer-
cialização ou processamento) como uma compensação pelas dificul-
dades de escoamento. Com a diminuição dos custos de escoamento
(passagem de -,i para ~:
1
na Situação II), a linha RoK2 representa
a possibilidade de extensão das atividades produtoras a novas áreas.
A disponibilidade de serviços modernos e integrados para o escoamento
permite um declínio mais suave da renda da terra em relação à dis-
tância, ou seja, as unidades produtoras de cereais podem localizar-se a
maiores distâncias do mercado. O pagamento de altas rendas se orien-
tará para as atividades mais "nobres" que a cultura de cereais: leite,
hortigranjeiros, etc.
O Gráfico 4 revela, por conseguinte, que a existência do sistema
de "corredor de transportes" provoca, através das reduções nos custos
de escoamento e da indução de novos níveis de produção, uma redefi-
nição na utilização do espaço para agricultura, favorecendo a localização
da cultura de cereais a distâncias maiores do mercado 14 • Cabe lembrar
que a partir do ponto X,., onde é feita a opção pelo Sistema de "corre-
dor", verifica-se um aumento da quantidade escoada (de X,. para
X,.+ P no Gráfico 3), como uma decorrência do aumento e~tensivo da
produção. Somente numa Situação III é que se verificariam acréscimos
de produção devidos ao uso intensivo da terra.

13 Também não se deve deixar de considerar o fato de que um "corredor" deverá


servir para escoar a produção de áreas significativamente produtivas ou que apresentem
um elevado pontencial de produção, fato que contribuirá também para diminuir a inclina-
ção de R, pois os acréscimos de renda que estas terras relativamente mais produtivas
pagarão àquelas próximas do mercado aumentarão muito suavemente em função da pro-
dutividade da terra.
H Hoover, E. M. The Location of Economic Activity, New York: McGraw-Hill, 1948.
Hoover chama atenção para o fato de que, mesmo que todo o espaço territorial se apre-
sentasse uniformement& do ponto de vista da qualidade da terra, padrões de vantagens
comparativos apareceriam como resultados de localizações relativas.

285
GRAFICO 4
R
RENOA DA TERRA
(Cr$/ho)

Kz DISTÂNCIA DO MERCADO.
(em km)

K2 -K 1 = ACRÉSCIMO DA ÁREA
CULTIVADA

Desta forma, além do problema de modificação dos padrões de uso


da terra, cabe ainda analisar o aspecto de favorecimento, através da
existência do sistema do "corredor", à redução de custos na atividade
produtora de cereais. Com efeito, haverá uma Situação III na qual se
verificarão reduções nos custos de produção como decorrência do
decréscimo nos custos de transporte dos insumos utilizados na produção
agrícola. A passagem da Situação II para a Situação III se traduziria,
portanto, na modernização das unidades produtoras de cereais com a
conseqüente redução nos seus custos de produção. O Gráfico 5 mostra
que, sendo,
Z = f(U, W,)

a função de produção agregada para o conjunto de unidades produtoras


da região, onde (os demais fatores e insumos considerados constantes):
U representa o fator terra;
W representa a agregação dos insumos cuja variação nas quanti-
dades utilizadas dependem diretamente dos custos de trans-
portes (fertilizantes, implementas, etc.).
A passagem da Situação I para a Situação II possibilitaria, através
da redução dos custos de transportes, um barateamento de U relati-
vamente a W, acarretando um acréscimo na sua utilização. Assim, os
aumentos de quantidade produzida decorreriam neste caso, como já foi

286
visto, de um uso extensivo de U, através da incorporação de novas
terras à atividade produtora de cereais, mantida inalterada a partici-
pação relativa de W. O ponto P2 na linha de iguais custos U 1 W 0 (Si-
tuação II) representa melhor alternativa de produção que o ponto P 1
na linha U oW o (Situação I) . A linha U 1 W 0 decorre do acréscimo na
utilização de U (U1 - U0 ).
Já a passagem da Situação II para a Situação III implicaria o
emprego de maior proposição de W relativamente a U, passando-se para
um novo nível de produção como resultado de uma utilização intensiva
da terra: o ponto Pa na linha de iguais custos U1 W1 representa uma
consolidação do aumento de quantidade produzida como decorrência
tanto do uso intensivo de W (W1 - W 0 ) num segundo período de pro-
dução, quanto da modificação nos padrões de uso da terra, através da
incorporação de novas quatidades de U, num primeiro período imedia-
tamente posterior à implantação do Sistema de Escoamento pelo
Corredor.

GRIÍFICO 5

TERRA U
Cem ha)

u,

AU
(USO EXTENSIVO
DA TERRA)

Uo

INSUMOS AGRÍCOLAS
(QUANTIDADES)

~------~~-===~==~----------~-- w

A "linha de escala" P1P2PaP4 refletiria exatamente os acréscimos


nos níveis de produção como decorrência, inicialmente da conjugação
de um decréscimo do custo relativo da terra permitindo a incorporação
de quantidades adicionais deste fator com a redução dos custos de
escoamento dos cereais (P1 P 2 ) e, em seguida, do decréscimo dos custos
de transporte de insumos agrícolas, permitindo a utilização mais inten-
siva dos mesmos (fertilizantes, implementas, etc.) (P~3 ). Finalmente,
a consolidação no tempo dos novos padrões de ocupação do solo, tor-

287
nando a longo prazo mais elevado o custo da terra como conseqüência
da sua valorização para usos cada vez mais "nobres", forçará a utilização
adicional de insumos com o objetivo de explorar mais intensivamente
as terras destinadas à produção de cereais (P 3P4).

4. As necessidades de modernização tecnológica e


integração de etapas do processo de escoamento
Enquanto que no continente europeu e, em parte, na América do
Norte, as ferrovias constituem a malha que permite o acesso a uma
grande quantidade de pontos do espaço, nos países subdesenvolvidos,
em geral, e no Brasil, em particular, as ferrovias, em virtude de condi-
ções históricas específicas, foram desenvolvidas no sentido linear ou, no
máximo, como sistemas isolados.
As ferrovias que se constituíram em ligações de um número redu-
zido de pontos com elevadas concentrações de produção, consumo ou
embarque, e se especializaram no transporte dos fluxos de carga densa
foram as que, em nosso País, sobreviveram à competição rodoviária
mantendo bom desempenho administrativo e operacional. Cabe lembrar
que, mesmo nos países em que as ferrovias foram desenvolvidas em ma-
lha, o transporte ferroviário se torna na atualidade cada vez mais espe-
cializado para fazer face à competição rodoviária.
A infra-estrutura rodoviária, por sua vez, implantada a custos de
construção mais baixos e com períodos mais curtos de maturação dos
investimentos, teve maior capacidade de resposta aos estímulos decor-
rentes da dinâmica de expansão industrial 15 • Nos últimos trinta anos,
o Brasil assistiu à implantação de uma malha rodoviária cuja densida-
de, apesar da dimensão continental do País, é elevada mesmo compa-
rada a padrões internacionais.
Se os veículos rodoviários podem atingir grande parte do território
nacional através desta malha rodoviária, ainda que existam considerá-
veis deficiências na rede alimentadora e local, pode-se atribuir àqueles
veículos a maior responsabilidade pelo transporte de carga geral, pelo
fato de este tráfego ser composto de maior diversidade de pontos de
origem e destino e ter seus carregamentos feitos, geralmente, em pe-
quenos lotes. Os requisitos de velocidade e segurança para este tipo de
carga são, por sua vez igualmente atendidos pelo transporte rodoviário.
Entretanto, no que se refere ao transporte de carga densa, em geral,
e aos granéis, em particular, uma melhor divisão intermodal deve ser
o objetivo atual de uma política de transportes que vise ao apoio aos
objetivos globais de eficiência, modernização e ampliação do poder de
competição do Setor Industrial e redução de custos no Setor Primário.

15 Ver cap. 5, p. 256-7 e cap. 1, pp.59-60.

288
Tabela 1
Densidade das malhas rodoviárias - comparações internacionais
(Em quilômetros de extensão por km de superfície e por habitante)
2

Sistema Total Sistema Secundário e Terciário (ll


Pa!ses
km/km2 (2) lcm/Hab. (2) km/km2 (2) km/Hab. (2)

Gr!I-Bretanha (1967)) 0,16 5 1,36 0,14 7 1,51


Alemanha Ocidental (1965) 0,64 2 0,19 2 1.51 2 0,16 4
França (1961) 1,42 3 0,06 6 1,27 3 0,07 7
Itália (1968) 0,94 6 0,18 3 0,79 5 0,21 3
Japão (1968) 2,71 1 0,10 4 2,64 1 0,10 6
Finl~dia (1968) 0,34 7 0,04 7 0,81 6 0,04 8
Irlanda (1965) 1,19 4 0,03 8 0,96 4 0,04 8
Espanha (1964) 0,16 8 0,40 5 0,12 8 0,53 2
Brasil (1968) 0,11 9 0,10 4 0,09 o 0,11 5

FONTES: International Road Federation - "Trends in Motorization and Highway Programa in European Coun•
tries", l!J6ó. Nações Unidas - "Statistical Yearbook," 1960.
(1) F!stradas alimentadoras, rurais e locais.
(2) Ordem crescente de grandeza comparativa.

As ferrovias e o transporte marítimo devem, pelas suas próprias ca-


racterísticas tecnológicas e operacionais, especializar-se no transporte
dos fluxos de carga densa, para o qual existem relativamente poucos
pontos de origem e destino e onde se verificam importantes reduções
de custos quando melhor utilizada a capacidade instalada. Esta espe-
cialização não exclui, evidentemente, a participação destas modalidades
nos fluxos de carga geral 1 a.
No caso da navegação de cabotagem, desde que garantida a eficiên-
cia nos serviços portuários, deve ser mantida naturalmente uma partici-
pação no intercâmbio de carga geral. Com efeito, se considerada, de um
lado, a grande concentração que se verifica no Brasil da população
urbana, da atividade industrial e da renda numa estreita faixa litorâ-
nea, e de outro, a modernização tecnológica nos métodos de unificação
da carga geral, maiores são as razões para se pensar em termos de
transporte combinado mesmo para lotes específicos de carga geral.
Fundamentalmente, a concepção dos "corredores de transportes",
deve visar: a) a uma adequada complementaridade entre malhas viá-
rias que permitam atingir maior diversidade de pontos de origem e
destino e o transporte linear pesado, seja ele por ferrovia, rodovia-tron-
co expressa, via navegável, seja por duto ou uma combinação de duas
ou mais destas modalidades; b) quando a alternativa de transporte ma-

16 BRASIL. Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, IPEA, Plano Decenal


de desenvolvimento Económico e Social, 1967-1973, Rio de Janeiro, 1966.

289
Tabela 2

Tráfego interurbano de mercadorias do Brasil - evolução do volume


por principais categorias de tráfego 1963 - 1970
(Erri bilhões de toneladas/quilômetro)

Taxa de
I Crescimento
Categorias do Tráfego 1963 % 1970 % Média Anual
1970-1963
I
1 - Carga Geral 72,4 80,7 160,4 78,7 9,7
2 - Tráfego Terrestre Denso 7,6 8,5 24,9 12,2 16,0
3 - Tráfego de Cabotagem para Petró-
leo e Derivados 6,7 7,5 13,7 6,7 2,0
4 - Tráfego de Cabotagem para Carga
e Granel 3,0 3,3 4,9 2,4 6,1

Total 89,7 100,0 203,9 100,0 10,8

FONTES: SUNAMAM - Relatório 65/71. RFFSA - Relatório 63 e 71 - Fluxograma


de Transportes DNEF - Anuário Estatístico - 70 IPEA - Setor de Transportes

rítimo na média e longa distâncias for a mais desejável, a uma ade-


quada complementaridade entre a malha viária e o transporte linear
pesado, a instalação portuária e o navio 17 .
Sabe-se que a operação do transporte marítimo, fluvial, ferroviário,
por dutos e rodoviário, em vias-tronco de alta capacidade, é suscetível
às economias de escala. Isto significa, como foi visto anteriormente, que
aumentando o grau de utilização da capacidade instalada, ou seja,
aumentando o tamanho e/ ou velocidade dos veículos de um lado e, in-
tensificando o uso da infra-estrutura de outro, os custos de transporte
elevam-se em proporção menor que o crescimento da tonelagem trans-
portada, dentro de certos limites.
Ora, entre pontos selecionados em que se "verificam grandes concen-
trações de embarque ou desembarque de carga, principalmente granéis,
é possível a coordenação de investimentos e integração operacional das
redes de acesso, transporte linear e pontos de transferência. Definidos

17 Com a mencionada modernização tecnológica do transporte aéreo, este, em alguns


casos específicos, p ode ser o mais indicado por razões de rapidez e oportunidade de colo-
cação de mercadorias e a complementaridade deve se fazer com a instalação aeropor-
tuária e o avião. Um "corredor" articulado com o transporte aéreo se basearia, eviden-
temente, no alto valor de certos fluxos de carga, especialmente aqueles destinados ao
mercado externo.

290
de um lado, o conjunto de projetas de transportes e de outro, as técnicas
de manuseio, estocagem, armazenagem e transporte, torna-se possível
a montagem de infra-estrutura integrada desde as zonas de concentra-
ção da produção até os pontos de concentração de consumo industrial
e urbano, ou os terminais de embarque para o transporte de cabotagem
ou longo curso.
Dentro desta concepção de transporte combinado e articulação en-
tre produção, comercialização, armazenagem, processamento e embar-
que, cabe a um segmento de transporte linear pesado e às instalações
terminais de embarque marítimo, (quando for o caso de transbordo
para cabotagem ou long~curso) papel decisivo na definição de capa-
cidade de transporte do "corredor" e, conseqüentemente, na redução
dos custos.
A seleção dos "corredores", portanto, repousa fundamentalmente
nas possibilidades efetivas de disponibilidade de tráfego denso que jus-
tifique a implantação ou melhoria de condições operacionais de uma
ligação linear pesada. Como a maior parte deste tráfego é mais ade-
quada ao transporte ferroviário (ou dutos) e como a maior parte do
tráfego denso é limitada a poucas linhas e poucas mercadorias no Bra-
sil, conclui-se que forçosamente a definição de "corredores" tem um
caráter de seleção rigorosa entre um número limitado de projetas. Tais
projetas, entretanto, são de grande importância no rateio da tonela-
gem-quilômetro anual de carga densa transportada no País.
A concentração do tráfego denso de mercadorias (principalmente
ferroviário) e algumas rotas principais, de um lado, e o acelerado
crescimento na produção de algumas mercadorias primárias elaboradas
ou semiprocessadas, destinadas ao consumo interno ou às exportações,
de outro, possibilitaram a definição preliminar dos "corredores" no I
Plano Nacional de Desenvolvimento. Os acréscimos na produção e ex-
portação de cereais (e seus derivados), por exemplo, refletiram o início
de um processo espontâneo de especialização econômica regional que
poderá ser consideravelmente reforçado, a nosso ver, com o programa
de implantação dos "corredores" na Região Sul do País.
Se for levado em conta, ainda, o recente impulso nas exportações
de minérios, polpa e cavacos de madeira, cereais, bem como óleos e de-
rivados de produtos agrícolas, torna-se fácil perceber a importância
crescente que terão, em futuro próximo, os processos modernos de em-
barque a granel. Estes permitirão, através de significativas reduções
nos custos, a entrada do País em novas frentes do comércio interna-
cional, nas quais a falta de regularidade no suprimento, as deficiências
de qualidade e a ausência de tradição como fornecedor têm alijado o
Brasil de oportunidades de acréscimo em sua receita cambial.
Atualmente, todavia, verifica-se, ao lado do grande dinamismo das
exportações de mercadorias granelizáveis, uma diminuta participação
-bem como um lento crescimento- das exportações de granéis atra-
291
Tabela 3
Tráfego denso de mercadorias em 1970, principais mercadorias trans-
portadas em ferrovias*** em concentrações de tráfego acima de 100
milhões de ton.-km/ ano
(Em milhões de toneladas-quilômetro/ ano)

EFNOB
M crcadorias EFCR VFCO RVPSC VFRGS EFS CMEF EFVM Total
EFSJ

1. Minério de Ferro 3 915 14 130 18 128


2. Cimento 398 167 110 1 291
3. Carvão Mineral 150 338 662
4. Ferro e Aço Laminados 353 134 133 653
5. Calcá.rio 150 325
6. Clinquer 102 102
7. Úleo Combustível 175 189
8. Úleo Diesel 163 229
9. Gasolina 145 152 116 413
10. Café 178 117 499
11. Madeira 310 250 741
12 . Trigo 165 324 599
13. Milho 182 112 100 427
14. Soja 104 104
15. Adubos 105 277
Hi. Forragens 228

SubtctaJ>l> 4 996 621 1 150 649 !l90 589 451 14 601 24 867

Totai< 2l
5 323 1 095 1 623 1 296 1 092 73!) 551 11 769 29 975

FONTES: DNEF - Anuário Estatístico - 1970. RFFSA - · Relatório - 1971.


Obs. - Os espaços em branco correspondem tanto a quantidades inferiores a 100 milhões de ton-km/ano quanto à am:ência de trans-
porte.
<ll Subtotal relativo às 16 mercadorias. ••• CMEF - Companhia Mogiana de Estradas de Ferro.
<2 > Total referente a todas as mercadorias transport.adaR. EFCB · -· Estrada de Ferro Central do Brasil.
EFVM - Estrada de Ferro Vitória a 1\Iinas. EFNOB - Estrada de Ferro Noroeste do Brasil.
RVPSC - Rede Viação Paraná-Santa Catarinn.
VFCO - Viação Férrea Centro-Oe~te. EFSJ - Esfrada de Ferro Santos a Jundiaí.
VFRGS - Viação Férrea do Rio Grande do Sul. EFS - Estrada de Ferro Sorocabana.
vés dos três portos mais importantes do País 18 • Assim, torna-se neces-
sária, na implantação de projetas ligados aos "Corredores de Transpor-
tes" definidos no I PND, a adoção criteriosa de moderna tecnologia de
granelização, através do tratamento harmônico e integrado das opera-
ções de comercialização, armazenagem, manuseio e transporte para per-
mitir o escoamento contínuo de grandes quantidades de mercadorias.

Tabela 4
Especialização regional na produção de cereais: evolução da tonelagem
produzida e da participação percentual no total da produção nacional
1967-70
(Em milhares de toneladas)
I • A!/.t :,. ~

tÍ~ ., Taxa de
Crescimento
Produtos 1967 1968 1969 1970
Médio Anual
1970-67

1. Milho no Paraná 2 229 2 497 2 712 3 559


(% em relação BR) 17,4 19,5 21,4 25,0 12,5%
2. Soja no PR e SC 122 178 245 421
(% cm relação BR) 17,1 27,2 23,2 29,0 36,0%
3. Trigo no RS 482 665 1 066 1 449
(% em relação Bll) 76,6 77,7 77,6 78,5 33,0%
4. Trigo no PR 75 114 221 283
(% em relação BR) 11,8 13,4 16,1 15,4 39,0%
5. Arroz no RS 1 281 1 286 1 354 1 543
(% em relação BR) 18,9 19,3 21,2 20,4 4,7%
6. Óleo de Soja no PR 13 15 17 47
(% em relação BR) 19,6 20,0 17,5 28,2 38,0%
7. Óleo de Soja em SP 7 13 15 37
(% em relação BR) 10,7 17,5 15,1 22,6 50,0%

FONTES: IBGE - Anuário Estatístico. IPEA - Setor de Transportes.

Isto tornará os seus preços competitivos no mercado internacional ou


menos onerosos para o consumo interno, intermediário ou final, e po-
derá dar ensejo ao revigoramento de economias regionais com elevado
potencial produtivo, através de um aprofundamento das suas especia-
lizações.

18 O complexo Tubarão-Vitória não é levado em conta em razão da especialização


completa em exportação de granéis do terminal de Tubarão (minério de ferro).

293
Tabela 5
Saídas para cabotagem e longo curso de mercadorias a granel ou grane-
lizáveis pelos portos dos corredores 1966-70
(Em milhares de toneladas/ ano e % do total Brasil)

Milho Farelos Arroz Café Minério Petróleo ~


Portos Soja Trigo
derivados

Rio Grande (1966) 111 138 259 985


(1) 92% 83% 35% 13%
(1970) 253 478 245 79 1 160
85% 100% 26% 100% 11%
Paranaguá (1966) 6 177 425
(2) 5% 28% 25%
(1970) 24 891 499
85% 61% 46%
· Santos (1966) 438 195 36.'} 431
(3) 70% 47% 21% 6%
(1970) 580 409 388 730
39% 43% 36% 7%
Rio (1966) 144 2 883 2 303
7% 22% 30%
93 4 006 3 868
(1970) 9% 14% 36%
Tubarão (Hl66) 114 10 098
(4) 7% 36%
(1970) 66 22 000
6% 79%
Brasil (1966) 121 627 10 416 740 1 704 13 033 7 724
(1970) 299 1 470 478 944 79 1 081 27 731 10 607

FONTES: SUNAMAM - Anuário - 1970 e 1966. DNPVN - Estatísticas dos Principais Portos. IPEA - Setor de Transportes.
N OTAS: (1) I nclui Porto Alegre e Pelotas. (2) I nclui Antonina. (3) I nclui São Sebastião. (4) Inclui Vitória.
Tahela 6
Exportação de longo curso - 1965-70
(Em milhares de toneladas)

S=tos Paranaguá Rio Grande

Anos Graneli- Granéis Graneli-


Granéis Granéis Granel i-
sólidos záveis % sólidos záveis % sólidos záveis %
(5) (5) (5)
(4) (1) (4) (2) '(4) (3)

1965 254 691 2,7 220 100,0 23 263 11,4


1966 431 990 2,3 189 100,0 25 508 20,3
1967 180 818 4,5 318 100,0 128 328 2,6
1968 649 1 308 2,0 620 100,0 42 299 7,1
1969 412 783 1,9 80 503 6,3 530 525 1,0
1970 713 1 191 1,7 1 161 1 183 1,0 404 577 1,4

FONTES: Granelizáveis - CACEX e DNPVN. Granéis sólidos - DNPVN.

(1) Milho, açúcar, suco de laranja e farelos. (2) Milho, soja e farelos. (3) Soja, farelo e arroz. (4) Meno~ : minério, carvão e trigo.
(5) Percentagem de granelizáveislgranéis sólidos.
5. Conclusões
D o que foi exposto neste trabalho, podem ser ressaltados os seguintes
pontos a título de conclusões:
a) em algumas áreas ou regiões do País (notadamente no centro-
sul) deve ser coordenada a expansão em malha do sistema rodoviário
com o transporte linear pesado para atendimento dos fluxos de elevada
concentração de tráfego. Deve haver, ainda, a articulação do transporte
linear pesado com os portos para permitir o escoamento contínuo e a
baixo custo da produção destinada à cabotagem ou ao longo curso;
b) a garantia de escoamento contínuo e eficiente da produção
dará ensejo a especializações regionais, no quadro dos objetivos nacio-
nais de desenvolvimento, através da exploração intensiva de recursos
naturais e montagem complementar de estruturas de transformação;
c) dados a concentração crescente dos fluxos internacionais em
notas principais para o tráfego denso e para as grandes partidas de carga
geral e a evolução tecnológica do transporte de longo curso, torna-se
urgente a adequação dos sistemas integrados de transporte de âmbito
regional às modernas técnicas de granelização e de unificação e forma-
ção de lotes homogêneos para a carga geral;
d) para compatibilização das tendências regionais de especializa-
ção produtiva com os objetivos nacionais e harmonia das metas de
produção setoriais, fazem-se necessários estudos regionais aprofunda-
dos que conduzam ao detalhamento de projetas integrados no âmbito
dos "corredores de transportes".

296
III - TRANSPORTES E DESENVOLVIMENTO URBANO
Capítulo IX- O PLANEJAMENTO DOS TRANSPORTES NAS
AREAS METROPOLITANAS*

1. Introdução; 2. Os níveis de planejamento; 3. Complementaridade


e competição; 4. As opções do planejamento; 5. Os objetivos do pla-
nejamento; 6. Sistema de Transportes e Padrões de uso do solo; 7.
Sistema de Transportes e Padrões de Distribuição de Renda; 8. Espaço
Metropolitano e Mercado de Trabalho; 9. Conclusões.

1. Introdução

A programação coordenada dos investimentos e a concepção de siste-


mas operacionais integrados de transportes tornam-se cada vez mais
importantes no contexto do planejamento global das âreas metropoli-
tanas. Primeiramente, porque a disponibilidade de serviços de transporte
condiciona o processo e os padrões de expansão das âreas urbanas e
metropolitanas e define ou reorienta os padrões de uso do solo. Em
seguida porque, além de se constituir em condicionante de opções loca-
cionais, um sistema de transportes racionalmente concebido constitui
também importante instrumento de redistribuição de renda em
favor das populações economicamente menos favorecidas nestas
âreas e fator de elevação dos níveis de vida em geral, na medida em
que são proporcionados ganhos de tempo e conforto aos usuârios. Final-
mente, porque os transportes constituem fator de integração, compa-
tibilização e racionalização dos mercados de bens e serviços, assim como
fatores de produção.
O objetivo do presente trabalho é examinar a problemâtica do
planejamento dos transportes nas âreas metropolitanas, considerando
os níveis, complementaridades, opções e objetivos desse planejamento,
sempre tomando como marco de referência o contexto do desenvolvi-
mento urbano visto em sua globalidade.

* Publicado em Revista de Administração Municipal, Rio de Janeiro, 19(114) :5-28,


set./ out. 1972.

299
2. Os níveis do planejamento
C orno abordar o problema do planejamento de transportes nas áreas
metropolitanas? De início, é preciso ter presente que este planejamento
faz-se em três níveis complementares e harmônicos, no quadro de refe-
rência de um Plano-Diretor de transporte metropolitano e na tradução
deste em medidas executivas. O nível mais concreto e aparente desse
planejamento é o das soluções de trânsito. São soluções operacionais no
sentido de resolver problemas específicos de sinalização sincronizada,
escoamento rápido de veículos nas vias urbanas, segurança de pedestres,
eliminação de pontos de congestionamento, remanejamento de locais de
passagem e estacionamento, etc. O planejamento ao nível de trânsito
evidentemente constitui-se na camada mais superficial do complexo pro-
blema do planejamento de transportes nas áreas metropolitanas.
Infelizmente, no Brasil, as soluções de engenharia para os problemas
de trânsito são adotadas, muitas vezes, sem o necessário fundamento em
estudos econômicos urbanos e regionais. Estes estudos têm por fim jus-
tamente desvendar uma estrutura mais complexa do fenômeno trans-
porte e aprofundar uma análise da realidade metropolitana, que asso-
luções de trânsito obviamente não conseguem captar.
Existe assim um nível prévio de planejamento que podemos chamar
de planejamento ao nível de tráfego, onde são determinados os pontos
de grandes concentrações de geração de tráfego, identificadas as origens
e os destinos de passageiros e cargas, analisadas as correntes de tráfego,
feita a distribuição preliminar destas por modalidade, realizadas as
simulações do tráfego futuro e conferida a consistência do modelo ado-
tado para distribuição intermodal. Este nível de planejamento eviden-
temente precede o planejamento ao nível de trânsito, na medida em
que as soluções de trânsito são conseqüência de um adequado equacio-
namento do problema do tráfego.
Em termos de medidas executivas, é deste nível de planejamento
que derivam as opções por um equilíbrio entre o transporte público
- notadamente o de massa - e o individual, bem como a escolha de
tecnologias e sistemas operacionais mais adequados, tendo em vista a
melhor divisão de trabalho entre as diferentes modalidades no contexto
de atendimento da demanda total.
É sabido que em nosso País o equilíbrio entre as soluções de aten-
dimento de massa e aquelas de atendimento individual - além da
seleção de tecnologias adequadas às características da área metropoli-
tana- não decorre de estudos de tráfego que examinam alternativas
de escoamento dos fluxos, mas sim de decisões autônomas não comple-
mentares e, muitas vezes, conflitantes. Além disso, o equacionamento
de problemas específicos de escoamento dos fluxos, quando feito, não
deriva de estudos aprofundados quanto ao inter-relacionamento das va-

300
riáveis relevantes para o tráfego com aquelas de caráter macroeconô-
mico que refletiriam o crescimento e transformações da estrutura me-
tropolitana.
Haveria ainda, por conseguinte, o planejamento que pode ser cha-
mado ao nível de transportes, mediante o qual são elaborados estudos
que constituirão as bases para consolidação de um Plano-Diretor de
transporte metropolitano e que deve perceber, do que foi exposto, o pla-
nejamento ao nível de tráfego. São projetadas as variáveis macroeco-
nômicas mais significativas para identificar o crescimento da área me-
tropolitana (renda, população, emprego, atividades econômicas, etc.) e
examinando o inter-relacionamento destas com as projeções de fluxos
'de passageiros e carga, frota de veículos, etc. São identificadas ainda as
características locacionais das atividades econômicas, sociais e residen-
ciais e também é examinado o problema à luz da regulamentação de uso
do solo vigente e das perspectivas de sua alteração. Este nível de pla-
nejamento constitui-se num nível mais profundo de análise das grandes
alternativas de transporte para a área metropoliana. É claro que por
trás desses três níveis de planejamento de transporte metropolitano
existe ainda o planejamento urbano ou metropolitano propriamente
dito, sem o qual perde sentido a elaboração do Plano-Diretor de trans-
porte metropolitano.
A passagem de um nível de planejamento para outro, ou seja, o
desdobramento progressivo dos problemas de transporte lato senso em
problemas de tráfego e desses em problemas de trânsito, permitirá ao
poder público fundamentar uma opção efetiva entre o predomínio de
soluções para transporte público - especialmente o de massa - ou
transporte individual. Na verdade, esta constitui a grande opção a ser
feita, porque dela resultará de certa forma toda a configuração do cres-
cimento metropolitano, como decorrência da disponibilidade, em nível
e localização, dos serviços de transporte.
É importante destacar que o complexo desenvolvimento urbano-
transporte-tráfego-trânsito reflete-se na estrutura de planejamento in-
tersetorial-intermodal-modal dos transportes. O planejamento interse-
torial é aquele que examina as relações do setor de transportes com os
demais setores da economia metropolitana e regional, compatibilizando
as metas de expansão do sistema de transportes com os objetivos econô-
micos e sociais globais.
O planejamento intermodal é aquele que examina as relações entre
as diferentes modalidades de transportes, adequando suas capacidades
de atendimento à demanda total, de maneira que o equilíbrio no aten-
dimento decorra de uma racional distribuição de fluxos a um custo
econômico menor.
Finalmente, ao nível modal é analisado o emprego de recursos em
diferentes alternativas, de investimento para cada modalidade. São os
problemas específicos de viabilidade econômica de investimentos, esco-
lha de tecnologia, etc 1 •
1 Ver cap. 2, pp. 116-17.

301
É para o planejamento intermodal que convergem tanto as infor-
mações das relações intersetoriais quanto às informações específicas
modais. Constitui, portanto, a etapa mais complexa no Plano-Diretor de
transporte metropolitano, pois nela é feita a coordenação dos programas
de investimento e das políticas de operação. As alternativas de escolha
de modalidades são feitas dentro de limites de natureza econômica,
tecnológica ou prática. Na verdade, para os transportes em áreas me-
tropolitanas a escolha de modalidade se faz no quadro de referência de
sistemas e estes podem englobar várias soluções integradas e comple-
mentares.

3. Complementaridade e competição
O planejamento dos transportes nas áreas metropolitanas constitui
matéria altamente complexa. Os problemas relativos à transferência
tanto de passageiros quanto de cargas devem ser examinados no âmbito
de um Plano-Diretor de transporte metropolitano, tendo por objetivo
proporcionar maior mobilidade a menores custos econômicos para o des-
locamento de pessoas e mercadorias. A coordenação intermodal envolve
medidas executivas, dirigidas mais no sentido de complementaridade
de soluções do que de competição entre modalidades de transportes. É
interessante restringir intencionalmente o escopo deste trabalho ao caso
do transporte de passageiros, com vistas a uma esquematização dos
aspectos de complementaridade intermodal, uma vez que o equaciona-
mento de soluções para o transporte de carga depende em grande parte
das opções feitas para equacionar o problema do transporte de passa-
geiros.
Tendo em vista que uma "viagem" na área metropolitana deve ser
considerada como seqüência de eventos que implicam em etapas com
características próprias de tempo, conveniência e conforto, mas que
devem produzir o efeito final de transferência do passageiro de uma
origem para um destino, o sistema de transporte deve ser compreendido
como a conjugação de várias modalidades de transportes. Cabe exami-
nar no planejamento em questão qual a participação adequada de cada
modalidade no conjunto de um sistema de atendimento, no que diz
respeito à complementaridade dos níveis de serviço, e qual a função
de cada sistema no atendimento da demanda total.
As modalidades de transporte metropolitano podem ser grupadas
nos seguintes sistemas:
a) metrô, trem suburbano, bonde e ônibus de grande capacidade
em via isolada, constituindo o sistema de transporte público de massa;
b) ônibus ou microônibus, como sistema de transporte público
complementar ao anterior; e
c) automóveis particulares e táxis, como sistema de transporte
individual.

302
Tais sistemas devem integrar-se e complementar-se no sentido de
proporcionar etapas articuladas nas viagens, muito embora seja cres-
cente a competição entre o transporte público e o transporte indivi-
dual2. É esta competição que, mesmo nos países altamente industria-
lizados, vem justificando a revisão das políticas de favorecimento à ex-
pansão do transporte individual 3 •
Como se sabe, o estado de congestionamento das vias urbanas nas
metrópoles deveu-se ao incremento acelerado das frotas de veículos,
provocando soluções de tráfego e trânsito que desfavoreceram o trans-
porte público. A conseqüência, como se constata atualmente em muitas
metrópoles, é a decadência dos níveis de serviço do transporte de massa
e a redução de mobilidade para os veículos que trafegam nas vias urba-
nas, com prejuízo para os ônibus como peça fundamental para alimen-
tação do tráfego de massa. Onibus, táxis e automóveis encontram-se
diante dos seguintes problemas, ao disputarem as mesmas vias urbanas:
declínio da velocidade comercial; incremento dos custos operacionais
e do desgaste dos veículos; perda de tempo, com a duração cada vez
maior das viagens. São os custos do congestionamento que tornam mais
oneroso o deslocamento de passageiros nas áreas metropolitanas. A
tabela 1 mostra o incremento da frota de veículos em alguns estados
no período 1950-1970. Permite constatar ainda a elevada concentração
de automóveis nas áreas metropolitanas das capitais 4 •
Examinando o transporte público de massa, quais seriam as carac-
terísticas, vantagens e desvantagens de cada modalidade? O metrô foi
introduzido nas grandes cidades da Europa e da América no final do
século XIX e início do século XX. As razões que levaram à implantação
de malhas de metrô - algumas bastante densas como as de Paris e
Londres- foram de um lado o rápido aumento das distâncias nas áreas
metropolitanas e de outro a impossibilidade de competição em tempo

2 SMERK, George M. Readings in urban transportation. Bloomington, Indiana Press,


1968. O editor reúne no capítulo 5 - Mass transport or private transport? - uma série
de artigos que questionam a validade das políticas de apoio ao uso do transporte individual.
3 SHERMAN, Roger, Subsidies to relive urban traffics congestion. journal ol Trans-
port Econornics and Police, London, v. 6, n. 1, jan. 1972. Roger Sherman argumenta que,
quando o usuário dirige seu próprio carro, ele faz frente apenas ao seu custo privado da
viagem. No caso de congestionamento, este será ainda menor que o custo marginal social
da viagem. (O custo marginal social compreende os custos médio e atraso incorrido por
um veículo marginal que entra em circulação, mais custos adicionais e atrasos impostos a
todos os outros veículos pela sua presença).
O autor vê nos impostos sobre insumos do veículo medida muito imprecisa para im-
pedir o congestionamento nas horas de peak, porque os insumos não são comprados no
mesmo tempo em que são usados e observa que os carros particulares têm custo inferior
ao custo marginal social. Desta forma, uma maneira eficaz de impedir o congestionamento
seria o de subsidiar o transporte de massa.
4 Os índices de concentração variam a rigor de 0,40 (Paraná) a 0,86 (ex-Guanabara
e Estado do Rio tomada em conjunto). O índice 1,00 de Brasília é excepcional, dado a
coincidência da área metropolitana com a unidade geográfica do Distrito Federal.

303
e velocidade por parte das alternativas de transporte de superfície. Após
a implantação das malhas em numerosas cidades, houve um recesso na
construção de novas linhas de rnetrô durante o período de grande expan-
são da indústria automobilística, principalmente nos Estados Unidos.
Atualrnente observa-se em todo o mundo um renascimento de implan-
tação de linhas ou sistemas de rnetrô nos países industrializados. Cerca
de trinta e oito cidades no mundo dispõem de sistemas de rnetrô já
implantados, em processo de modernização ou em fase adiantada de im-
plantação 5 •
Para o usuário as vantagens do rnetrô sobre outras modalidades são
incontáveis: a) elevada velocidade média; b) grande capacidade de es-
coamento; e c) pontualidade dos serviços. O rnetrô só apresenta van-
tagens operacionais quando implantado em rotas de elevada concentra-
ção de tráfego, não havendo conveniência em desenvolvê-lo através de
malhas muito densas. Atendendo apenas a pontos geradores de eleva-
dos quantitativos de tráfego, o rnetrô é compensado pelo suporte de
outras modalidades que têm suas malhas mais densas para exercer urna
função alimentadora complementar.
As ferrovias suburbanas desenvolvem-se mais no sentido linear do
que em malhas, atendendo igualmente a rotas de elevada concentração
de tráfego, só que para percursos médios maiores. Enquanto que nos
rnetrôs o espaço recomendável entre estações varia de 500 a 2.000 me-
tros, nas ferrovias suburbanas a variação é de 1.000 a 5.000 metros.
Nestas últimas, devido às maiores distâncias a serem vencidas nas via-
gens, são exigidas das composições maiores velocidades. As ferrovias su-
burbanas atualmente são interligadas à malha do metrô na maioria das
cidades européias e americanas, proporcionando serviços integrados ao
usuário e tendo como função básica permitir a expansão das cidades
para a periferia.
Os bondes tendem ao desaparecimento nas grandes metrópoles,
dado a dificuldade de combinar os diferentes tipos de uso das vias urba-
nas com uma operação de tipo ferroviário e, principalmente, em decor-
rência da competição com os veículos rodoviários. Em muitas cidades,
entretanto, a suspensão dos serviços de bondes tem sido lenta, pois, con-
siderando as reduzidas despesas de capital e material rodante para me-
lhoria da malha existente e dos veículos em uso, além de baixos custos
de manutenção, esta modalidade apresenta-se como solução transitória
para as correntes densas de tráfego. Ora isolado inteiramente do tráfego
de automóveis e ônibus, ora como transporte de superfície gradualmen-

5 Hillbom, B. Les différents systemes de transports collectifs e comparaison économi-


que. Revue de l'Union International des Transports Publics, Bruxelles, 20 (2), 1971. O
autor examina sucintamente as características operacionais, técnicas e econômicas
das diferentes modalidades de transporte urbano e metropolitano de passageiros. Os pará-
grafos seguintes a esta referência contêm algumas observações feitas por B. Hillbom em
seu Relatório.

304
Tabela 1
Brasil: Incremento da Frota de Veículos em Alguns Estados Brasileiros
Período 1950-1970

Taxa geométrica
Anos N. o de veículos de crescimento Ano de 1970
a mm!

N. 0 de
1950 Hl60 1950 automóveis:
Ct
Estado!<
1950 % 1960 !O 1970 ~íó Hl60 1970 1!)70 áreas
metropolitanas/
Estados

Pernambuco 12 831 3,01 23 013 2,42 88 \J40 2,84 6,4 14,0 10,2 0,78
Bahia 10 380 2,44 27 !102 2,83 90 981 2,91 10,4 12,6 11,5 O,ií2
Minas Gerai>< 41 665 9,78 106 083 10,74 300 617 \J,61 9,8 11,0 10,4 0,42
Rio de Janeiro 20 047 4,70 53 210 .5,39 131 354 4,20 10,3 9,5 9,9 0,86
Guanabara 74 574 17,50 llO 663 11,21 348 118 11,13 4,0 12,2 8,1
São Paulo 158 376 40,96 355 437 35,99 1 155 649 36,96 8,1 12,5 10,5 0,63
Paraná 20 959 4,92 72 046 7,30 231 3:38 7,40 1:3,1 12,4 12,8 0,40
Rio Grande do Sul 47 800 11,22 lll 921 11,33 334 024 10,68 8,9 11,6 10,2 0,42
Distrito Federal* 5 12·1 0,52 36 007 1,15 21,0 21,0 1,00
Subtotal 386 632 90,71 861 175 87,20 2 717 028 86,90 8,3 12,2 10,2
Brasil 42~ 21G 100,00 987 613 100,00 3 126 559 100,00 8,7 12,2 10,5

FONTES: Anuário Estatístico dos Transportes, 1970 - l\finistério dos Transportes. Veículos licenciados, 1970 - IBGE. Setor de
~ Transportes - IPEA.
o * Só foi considerado durante o período 1960-1970.
t11
te tornado subterrâneo - abrindo caminho para o metrô - o bonde em
muitas cidades ainda desempenha importante papel no atendimento
da demanda.
Os ônibus podem operar isoladamente em vias com prioridade de
escoamento ou como coletores e distribuidores de fluxos das rotas de
elevada densidade, servidas pelo trem suburbano, metrô e/ ou bonde. As
principais vantagens do ônibus em relação a outras modalidades de
transporte metropolitano são: a) flexibilidade para atingir grande di-
versidade de pontos de origem e destino; b) adaptação rápida a mo-
dificações nas vias urbanas; c) despesas de capital relativamente baixas,
se comparadas com soluções de tipo ferroviário; e d) condições opera-
cionais mais vantajosas para fluxos de menor densidade.
As desvantagens, entretanto, são suficientes para tornar inadequa-
da a escolha do sistema de ônibus como modalidade principal de trans-
porte de massa em grandes áreas metropolitanas, em face de outras al-
ternativas de transporte público: a) irregularidade de horários devido a
congestionamentos; b) velocidade comercial normalmente baixa (10 a
15 km/h) 6 ; e c) número de pessoal ocupado por passageiros transpor-
tados mais elevados que nos sistemas de metrô e ferrovia, envolvendo
conseqüentemente maiores dificuldades administrativas. Quando os ôni-
bus são segregados dos veículos particulares e dos táxis, para mantê-los
longe dos congestionamentos de trânsito estas desvantagens podem ser
atenuadas e o ônibus adquire características de transporte de massa,
porém com menor capacidade de escoamento.
No início do século XX, cidades como Paris, Londres, Nova York
e Buenos Aires já dispunham de malhas integradas, trem suburbano-
metrô-bonde, que permitiram que o crescimento dessas cidades fosse
orientado no sentido centrífugo aos espaços intra-urbanos, disciplinan-
do o uso do solo e aliviando aqueles espaços das fortes pressões demo-
gráficas. Por outro lado, na atualidade, cidades como Amesterdã, Zuri-
que, Milão, Bruxelas, Boston e São Francisco, ainda apresentam sistemas
de trem suburbano-bonde complementados pelo ônibus, sendo que o
bonde é ainda responsável pelo escoamento de grandes massas em "cor-
redores" nos espaços centrais, embora esteja sendo gradativamente subs-
tituído pelo metrô.
As áreas metropolitanas brasileiras tiveram sua expansão orien-
tada, no início do século, pelo bonde e por um eficiente sistema trem
suburbano-bonde, complementado posteriormente pelo ônibus. A partir
da década de 50, entretanto, o favorecimento ao ônibus na compe-
tição frente ao sistema de escoamento de massa (trem suburbano-bon-
de), a eliminação abrupta do bonde -sem uma tentativa de soluções
6 "Pelo estudo de viabilidade do metrô, a velocidade média dos ônibus no centro de
São Paulo estava a 7,5 km/h, ou seja, algo comparável a um carro de boi". A informação
é do Ministro do Planejamento, Prof. João Paulo dos Reis Velloso, no pronunciamento que
fez na sessão de abertura do 1.0 Seminário Nacional sobre Desenvolvimento Urbano, pro-
movido em setembro no Rio pelo Banco Nacional da Habitação e jornal do Brasil. (N.
do E.)

306
intermediárias do tipo adotado nas cidades européias e americanas -
conjugada à expansão do uso do automóvel, acabaram por provocar a
estagnação (e mesmo decadência) do transporte público de massa,
transferindo esta tarefa para os ônibus e automóveis 7 • O ônibus deixou
de ser modalidade complementar para substituir o bonde e o trem subur-
bano no transporte do tráfego denso 8 • Ora, como os serviços prestados
pelos ônibus não se constituem em alternativa para o transporte indi-
vidual- devido às já citadas desvantagens concernentes à pontualidade
e velocidade comercial - as vias urbanas foram sendo congestionadas
pelos ônibus, táxis e automóveis particulares. Calçadas tomadas aos pe-
destres, árvores abatidas e redução dos espaços verdes, edifícios-garagem
em espaços centrais, extensas filas nos terminais de ônibus, elevados
índices de acidentes, poluição do ar, elevado índice de ruído, etc., é o
alto preço que pagam nossas áreas metropolitanas, pela ausência de
Planos-Diretores de transporte metropolitano.
A tabela 2 apresenta para o Brasil em 1970 a frota de automóveis
nas principais áreas metropolitanas, relacionando-a com a população e
a superfície. Cabe ressaltar os elevados índices de automóveis por qui-
lômetro quadrado para a Grande São Paulo e o Grande Rio.

Tabela 2
Brasil: Frota de automóveis nas áreas metropolitanas - 1970

Superfície
Áreas Automóvelli População Relação 2/1 Relação 113
(1) (2) em km2
Metropolitanas (3) hab.fauto. auto./km2

Grande São Paulo 572 925 8 206 129 7 951 14,32 72,06
Grande Rio 339 901 6 967 556 5 384 20,50 63,13
Grande Belo Horizonte 84 875 1 628 859 3 670 19,19 23,13
Grande Porto Alegre 102 716 1 554 375 5 806 15,13 17,69
Grande Recife 49 284 1 729 308 1 460 35,09 33,76
Grande Salvador 33 661 1 170 043 2 183 32,89 15,42
Grande Curitiba 60 409 785 181 5 949 13,00 10,15
Brasília 30 750 272 002 1 013 8,85 30,35
Brasil 2 781 288 94 508 554 8 511 965 33,98 0,33

FONTES: Veículos Licenciados - DEICOM, IBGE. Censo Demográfico, 1971 - IBGE.


IPEA - Setor de Transportes.
* Inclusive utilitários e pick-ups.

7 BARAT, Josef & NASCIMENTO, Celso Pitta do. Os transportes nas áreas metro-
politanas. Revista de Administração Municipal, Rio de Janeiro, 19 ,( 111) : 5-23, mar./ abril. 1972.
8 BERNARDES, Lysia M. C. Os deslocamentos diários da população; a circulação
e a faixa suburbana. ln: - . Curso de Geografia da Guanabara. Rio de Janeiro, IBGE, 1968.
Nestes dois estudos, Lysia Bernardes examina, para o caso da área metropolitana do Rio
de Janeiro, o inter-relacionamento do desenvolvimento do sistema de transportes com a
expansão metropolitana, dentro de uma perspectiva histórica e realçando o papel comple-
mentar ou competitivo das diferentes modalidades de transportes utilizados nos desloca-
mentos pendulares diários da grande massa da população ativa.

307
4. As opções do planejamento
Quais as opções que podem ser feitas com base no planejamento
do transporte metropolitano? Optar pelo transporte público de massa
significa dar ênfase a um sistema no qual são movimentados grandes
volumes de passageiros. Nas áreas metropolitanas, a opção implica
em investimentos nas modalidades de transporte de elevada capaci-
dade, ao longo de rotas básicas ou "corredores" para atendimento das
necessidades de movimentação de grandes concentrações populacionais
e operadas por entidades públicas com serviços definidos por rotas,
paradas e horários determinados. A opção significa ainda equacionar
alternativas concretas e eficientes para o transporte individual privado,
oferecendo ao usuário deste a possibilidade de utilizar-se do transporte
público sem que isto represente uma restrição à liberdade de locomoção
dos proprietários de automóveis.
Um sistema de transporte de massa pode compreender várias mo-
dalidades de transporte. A decorrência desta opção é uma divisão de
trabalho, sendo o sistema formado pelas ferrovias suburbanas, metrô
e ônibus de alta capacidade, para operação em certos "corredores"
onde ocorre elevada concentração de tráfego, complementado pelo sis-
tema de ônibus, automóvel particular e táxi. Estes últimos coletam os
fluxos mais rarefeitos para a alimentação das rotas de tráfego denso
e os distribuem.
A gravidade do problema dos transportes nas áreas metropolitanas
brasileiras resulta, em primeiro lugar, de ter sido rejeitada a opção
feita pelo transporte público de massa, a partir do advento da nossa
indústria automobilística. Na verdade, as soluções ligadas a tal opção
têm sido relegadas para um segundo plano, em favor de soluções que
estimulam o uso do ônibus como principal modalidade de transporte
público e do automóvel como transporte privado. Isto pode ter signifi-
cado, em termos destes serviços urbanos, uma distribuição desfavorável
de renda, no sentido de que:
a) nas duas últimas décadas, grande parte dos investimentos pú-
blicos favoreceu o usuário do automóvel e do ônibus, que ocuparam os
espaços mais "nobres" das áreas metropolitanas;
b) pela ausência de planejamento e coordenação intermodal, foi
estimulada a competição irrestrita dos ônibus com os trens suburbanos
e os bondes, desviando fluxos de passageiros destes para aqueles e
criando para as administrações ferroviárias um círculo vicioso de de-
sequilíbrios financeiros;
c) as soluções de transporte coletivo por ônibus para as popula-
ções de nível de renda mais baixo relegadas aos espaços periféricos são
onerosas. Qualquer medida governamental no sentido de favorecer so-
luções de transporte de massa viria favorecer estas camadas popula-
cionais em termos de elevação da sua renda real.

308
Em seguida cabe destacar que, mesmo para as populações de nível
de renda mais alto, que se utilizam do automóvel particular, o con-
gestionamento nas áreas urbanas - cada vez mais intenso - acabará
por colocar os usuários do automóvel num dilema de perda do seu
tempo disponível para trabalho e lazer, versus opção por um sistema
eficiente de transporte rápido de massa.
Deve-se ressaltar, finalmente, que o poder público abandonou entre
nós, de certa forma, a opção no sentido da utilização do sistema de
transporte - principalmente do transporte de massa - para con-
dicionar o crescimento metropolitano a padrões racionais de utilização
do solo. Neste sentido, o atual sistema de transporte não tem contri-
buído para descongestionar os espaços intra-urbanos das áreas metro-
politanas, em favor de uma ocupação mais racional da periferia. Pelo
contrário, o estímulo exagerado ao uso do automóvel particular tem
conduzido a maiores densidades urbanas, dadas as características pe-
culiares de crescimento das áreas metropolitanas brasileiras.
Em termos de planejamento, a maioria das áreas metropolitanas
do País não dispõe de um planejamento integrado de transportes.
Muitas vezes confundem-se medidas ou planos de emergência de trân-
sito com planos de transportes. As soluções de engenharia, que deveriam
ser conseqüência de um planejamento econômico adequado, constituem-
se muitas vezes em origem de novos problemas e de novas decisões
de localização, distorcendo os padrões de crescimento metropolitano
e contribuindo para o aumento do congestionamento.

Tabela 3
Brasil: Modificação das Densidades Populacionais nas Principais
Capitais - Anos de 1960 e 1970

Índice de modificação
Habitantes/km2 da densidade
Capitais 1960 = 100

1960 1970 1960 1970

São Paulo 2 605,86 3 966,37 100 152,21


Rio de Janeiro 2 824,22 3 631,09 100 128,56
Belo Horizonte 2 201,53 3 686,57 100 167,45
·Porto Alegre 1 290,09 1 781,82 100 138,12
Recife 3 814,52 5 075,37 100 133,05
Salvador 2 293,26 3 427,70 100 149,47
Curitiba 882,25 1 411,64 100 160,00
Brasília 268,35

FONTES: Censos Demográficos, 1960/1970 - IBGE. Anuário Estatístico do Brasil, 1971


- IBGE. IPEA- Setor de Transportes.

309
5. Os objetivos do planejamento
Quais seriam os objetivos básicos de um Plano-Diretor de transporte
metropolitano? Do que foi visto até aqui, os objetivos mais importantes
de tal plano seriam :
a) disciplinar e reorientar os padrões de uso do solo, no sentido
da renovação urbana, reabilitação dos espaços de ocupação mais antiga
e racionalização na localização dos espaços residenciais;
b) possibilitar a elevação progressiva do nível real de renda da
população servida pelo sistema de transportes, através da prestação de
serviços integrados, baratos e eficientes;
c) permitir a conexão mais eficiente entre os diversos pólos da
área metropolitana e dar maior racionalização e compatibilidade na
localização dos espaços residenciais e de serviços com o mercado de
trabalho, melhorando as relações entre locais de trabalho e locais de re-
sidência e lazer;
d) permitir que as soluções específicas de trânsito ou de escoa-
mento de tráfego se integrem no âmbito de um plano de transportes,
tendo sempre presente que este deve inserir-se obrigatoriamente no
quadro do planejamento metropolitano global.
Cabe examinar agora como e porque estes objetivos fundamentais
não têm sido adequadamente equacionados, pela carência de planeja-
mento.

6. Sistema de transportes e padrões de uso do solo


Com relação à definição ou reorientação dos padrões de uso do solo,
cabe lembrar que no Brasil a tendência para o crescimento desordenado
das áreas metropolitanas deveu-se, em grande parte, à ausência de um
planejamento efetivo e integrado do sistema de transportes. A inexis-
tência de critérios objetivos para seleção de prioridades de investimentos
e as distorções na política de preços acarretaram graves deficiências
operacionais e estagnação tecnológica dos transportes públicos de massa,
concorrendo assim para as deformações hoje observáveis nas estruturas
metropolitanas.
Inicialmente, cabe examinar os principais impactos do transporte
de média e longa distâncias na configuração metropolitana. Sabe-se
que os padrões característicos da estrutura urbana surgem das ne-
cessidades ligadas às diferentes utilizações do solo, em relação às van-
tagens de transferência e processamento, de localização das atividades
econômicas. As cidades se desenvolvem em pontos nodais da rede de
transportes e devem parte de sua expansão às vantagens de contatos
entre mercados consumidores, zonas de produção e matérias-primas,
centros de transformação, etc. Apesar de suas características próprias,
ligadas a fatores geográficos, históricos, sócio-culturais, etc., as cidades

310
são formadas e estão sujeitas a transformações, em grande parte, devido
aos fatores de contato resultantes da disponibilidade de transportes
em particular e comunicações em geral 9 •
No Brasil, o processo de deterioração dos transportes ferroviário e
marítimo nas últimas décadas, bem como o declínio sistemático de
suas participações no atendimento da demanda total pelos serviços de
transportes, contribuíram de maneira marcante para distorções loca-
clonais que afetaram a configuração metropolitana. Atividades indus-
triais que envolviam transferência e manuseio de grandes concentra-
ções de carga densa, que tradicionalmente procuraram localizar-se ao
longo dos troncos ferroviários ou nas áreas portuárias, acabaram loca-
lizando-se ao longo de acessos rodoviários ou mesmo próximo a es-
treitas faixas portuárias, posteriormente envolvidas por elevadas densi-
oades urbanas 10 •
Por conseguinte, a estagnação tecnológica e a deterioração dos pa-
drões de prestação dos serviços das ferrovias e dos portos, principalmente
a partir do término da Segunda Guerra Mundial, contribuíram de
maneira importante para a dispersão da localização industrial no âmbito
metropolitano, criando novas concentrações e até congestionamentos
(São Paulo). Indústrias de grande porte foram atraídas para zonas
de influência das rodovias e buscaram uma proximidade exagerada
dos mercados consumidores para compensar as deficiências de trans-
porte. Além disso, cabe lembrar que a disponibilidade concentrada de
economias externas em poucas áreas só poderia gerar um processo
cumulativo de concentração de localizações industriais.
A politica de investimentos rodoviários, por sua vez, orientou-se
no sentido de competição com as ferrovias nas regiões que apresentavam
elevada concentração de produção e busca das fronteiras agrícolas em
expansão. Todo o esforço federal de investimento na implantação e
melhoria da infra-estrutura rodoviária concentrou-se 'p raticamente nas
ligações de média e longa distâncias, relegando a segundo plano o pro-
blema do tráfego local. A preocupação com as ligações de pontos de
origem e destino distantes favoreceu, em muitos casos, o esvaziamento
econômico de espaços intermediários nas áreas de influências das ro-
dovias, servidos por infra-estrutura local deficiente - ou não servidos

9 Hoover, Edgar M. The Iocation oi economic activity. New York, McGraw-Hill Book
Company Inc., 1948. É interessante a consulta ao Capítulo 8 - "A estrutura econômica
das comunidades" - para uma referência ao processo de ocupação do solo urbano. Nele,
Edgar Hoover examina os padrões gerais de localização das atividades econômicas e resi-
dencial no âmbito das estruturas urbanas e metropolitanas, com ênfase em determinadas
características "especialização", no uso do solo.
10 Os portos brasileiros não evoluíram nas últimas décadas para as modernas concep-
ções de faixas portuárias com retaguardas livres para manuseio, estocagem, embarque e
desembarque e localização industrial, ficando limitados pelo mar e pelos espaços centrais
das cidades.

311
de todo - promovendo intensificação de intercâmbio entre grandes
centros, o que estimulou a concentração econômica nas áreas metro-
politanas.
Tal orientação da política rodoviária fez com que as soluções do
problema do tráfego local, principalmente metropolitano, ficassem a
cargo de níveis locais de decisão. Isto significou a perpetuação de defi-
ciências nas soluções dos problemas de acessibilidade e mobilidade. Cabe
lembrar que a ação do Governo Federal nos Estados Unidos orientou-se
progressivamente, após a difusão do uso do automóvel, no sentido de
ajuda a investimentos em tráfego de caráter metropolitano que favore-
ciam o transporte individual. Foi apenas a partir da década de 60
que se colocou na ordem do dia o problema do transporte de massa,
com a suspensão de recursos federais, a partir de 1965, para projetas
rodoviários em áreas urbanas contando com mais de 50. 000 habitantes,
caso não fizessem parte integrante de um planejamento abrangente do
sistema de transporte urbano ou metropolitano 11 • No Brasil, a primeira
década de difusão do uso do automóvel já encontrou os transportes de
massa em decadência e não dispôs do suporte da política federal
rodoviária para diminuir a tendência à elevação das densidades intra-
urbanas e paralelamente racionalizar a ocupação periférica.
No que diz respeito ao tráfego local metropolitano, a excessiva valo-
rização de terrenos em áreas intra-urbanas criou elevada densidade
demográfica e foi favorecida também por um nível inadequado dos
serviços de transporte. É interessante observar que, nos Estados Unidos,
as cidades se esvaziam de população em favor das áreas suburbanas e
periféricas, como uma decorrência da disponibilidade de vias expressas
para o tráfego local e do aumento da renda real, que ampliou substan-

11 Smerk, George U. Op. cit. O editor chama atenção para o fato de ter o Governo
Federal norte-americano iniciado sua política rodoviária excluindo ajuda federal para qual-
quer área que pudesse ser remotamente considerada urbana (Fedenal-Aid Highway Act
- 1916). Tal situação continuou até 1944, embora muitos programas de construção e
melhoria da infra-estrutura rodoviária urbana contassem com recursos federais, durante a
década de 1930, pois tinham como finalidade específica absorver mão-de-obra desempregada.
A regra, entretanto, era a da origem local ou estadual para os investimentos em áreas
urbanas.
O Higlrw~zy Act de 1944 inclui as áreas urbanas na provisão de recursos federais
"para garantir a adequada circulação nas cidades". O Highway Act de 1956, por sua vez,
embora desse ênfase ao sistema de ligações interestaduais, destinou, posteriormente, recursos
para as seções urbanas dessa malha. Cabe notar que os investimentos rodoviários urbanos
eram sempre considerados isoladamente do contexto de complementariedade e integração
intermodal no âmbito das áreas urbanas e metropolitanas.
O Highway Act de 1962 pela primeira vez possibilitou o tratamento do problema do
transporte nas áreas metropolitanas como um todo integrado.
Com efeito, segundo essa lei, a partir de 1965 nenhuma ajuda federal para projetos
rodoviários poderia ser concedida a cidades com população superior a 50.000 habitantes,
se estas não fizessem parte de uma concepção integrada e complementar do sistema de
transportes, principalmente do transporte de massa.

312
cialmente a faixa de proprietários de veículos 12 • No Brasil, entretanto,
a ocupação histórica dos subúrbios e da periferia se fez com populações
de baixo nível de renda. Isto porque a disponibilidade de serviços (água,
esgoto, iluminação pública, etc.), era um privilégio das áreas urbanas
que atraíram as camadas populacionais de nível de renda mais elevado.
A difusão do uso do automóvel, associada à inadequação da infra-estru-
tura rodoviária local e à concentração dos serviços urbanos nos espaços
intra-urbanos, foram os obstáculos que impediram a difusão dos padrões
de ocupação do solo de tipo norte-americano, dificultando a evasão da
classe média para as periferias metropolitanas.
Ocorreu assim em nosso país uma acentuada disparidade entre o
crescimento da renda disponível global do setor privado e a renda urba-
na per capita. Esta tendência seria o reflexo de dois fenômenos prin-
cipais:
a) forte pressão demográfica sobre as cidades em geral e as áreas
metropolitanas em particular, deteriorando os níveis de renda urbana
per capita; e
b) um crescimento desigual da renda urbana.

O processo de industrialização brasileira, acarretando uma intensa


urbanização, possibilitou a formação de uma classe média urbana e
um operariado qualificado com níveis crescentes de renda real, enquanto
que a população de nível mais baixo de renda ficou marginalizada nas
periferias urbanas, sobretudo nas áreas metropolitanas. Pode-se imputar,
desta forma, o crescimento do tráfego local rodoviário urbano ao cres-
cimento desigual da renda urbana, estimulando o consumo dos serviços
de ônibus ou a utilização do automóvel, relegando para as populações
mais pobres e marginalizadas na periferia suburbana- impossibilitadas
de pagar tarifas que cobrissem custos reais - os serviços ferroviários 13 •
Isto significou o agravamento cumulativo da tendência decadente do
trem suburbano e sua substituição pelo ônibus suburbano por parte das
camadas populacionais que melhoram seu nível de renda.

12 Wingo Jr., London. Transportation and urban land. Washington, Resources for
the Future, Inc., 1961.
O autor realça a importância das inovações nos transportes sobre a organização espa-
cial das cidades. Mostra que as cidades americanas que cresceram mais durante as três pri-
meiras décadas da era do automóvel ( 1920-1950), o fizeram no sentido de densidades
populacionais menores, enquanto que as que mais cresceram no período anterior ao impacto
do automóvel tiveram densidades maiores. O esvaziamento dos espaços intra-urbanos em
favor da periferia suburbana foi possível através da disponibilidade de vias expressas e da
difusão do uso do automóvel.
13 Além do pagamento da tarifa do trem, estas populações são obrigadas a se utili-
zarem de ônibus para chegar à estação do trem e / ou deste para seu destino final.

313
7. Sistema de transportes e padrões
de distribuição de renda
Com relação ao aspecto da distribuição de renda, verificou-se nas áreas
metropolitanas brasileiras, como foi visto, uma tendência para o afas-
tamento físico das populações de nível de renda mais baixo, no sentido
da periferia dessas áreas. Por outro lado, a supervalorização dos espa-
ços intra-urbanos, resultante da disponibilidade de serviços de infra-
estrutura, favoreceu a concentração de população de médio e alto nível
de renda justamente nestes espaços. Isto significa que, enquanto esta
população dispõe de serviços mais baratos de transporte coletivo e pode
utilizar-se do transporte particular, a população de nível de renda mais
baixo vem arcando com custos elevados de um transporte ineficiente e
precário. A decisão governamental de investir em transportes públicos
modernos e eficientes pode significar, dentro de uma política urbana de
concepção global, a possibilidade efetiva de elevação de níveis de renda
real das camadas populacionais economicamente mais fracas.
Cabe lembrar ainda os aspectos relativos à elevação de nível de
vida para a população urbana que decorrem da melhoria e eficiência
no atendimento público de massas. Sabe-se que o item transportes re-
presenta para o habitante das áreas metropolitanas brasileiras uma
despesa relativamente elevada no quadro do seu orçamento familiar.
Isto porque, além das tarifas diferenciadas que oneram os trajetos mais
longos, são comuns viagens que envolvem duas, três ou quatro mudan-
ças de ônibus num só percurso residência-trabalho. A concepção de
sistemas integrados e complementares de atendimento coletivo, dentro
de padrões racionais e modernos de prestação dos serviços, pode signifi-
car para o habitante urbano uma melhoria considerável no seu nível
de renda real.
Além dos aspectos mensuráveis de elevação do nível de vida, tra-
duzidos por um declínio na participação das despesas com transportes
nos orçamentos familiares dos habitantes urbanos, vale lembrar os
aspectos relativos à qualidade de vida, ou seja, às vantagens que advirão
de um adequado equilíbrio entre transporte individual, transporte com-
plementar por ônibus e transporte de massa. É fácil perceber que a
redução do tempo de viagem (para os trabalhadores na indústria e nos
serviços do Grande Rio e da Grande São Paulo, o tempo de duração da
viagem num só sentido costuma ultrapassar uma hora e meia) acarreta-
ria de imediato acréscimo na produtividade do trabalho e maior dispo-
nibilidade de tempo de lazer. Este último aspecto é da maior importân-
cia no alargamento das fronteiras do consumo, numa economia indus-
trial moderna .
O sistema de transportes, atuando sobre a mobilidade de pessoas e
sobre o valor da terra nas regiões metropolitanas, exercerá por conse-
guinte, desde que adequadamente planejado, influência muito grande

314
Tabela 4
Brasü: Evolução da Renda Disponível do Setor Privado, da Renda Urbana
Per Capita e do Tráfego Local Urbano: Período 1950-70
Renda Tráfego local urbano
disponível (Bilhões pass./km)
Renda
do setor População urbana
Anos privado urbana Automóveis
per capita (milhares)
(bilhões de (1 000 hab.) (Cr$ 1970)
cruzeiros de
1970) Ferroviário Rodoviário

1950 42,8 18 783 1 685 254,2


1951 44,4 19 816 1 673 315,2
1952 49,4 20 906 1 770 4,1 11,6 366,4
1953 50,1 22 055 1 700 4,6 12,7 393,6
1954 54,8 23 269 1 757 4,8 14,0 414,9
1955 59,7 24 548 1 817 4,9 15,4 428,6
1956 61,6 25 898 1 752 5,0 16,9 445,0
1957 66,5 27 323 1 859 5,3 18,6 461,5
1958 69,3 28 825 1 881 7,0 20,4 503,0
1959 73,0 30 411 1 835 7,8 22,4 567,1
1960 78,9 32 005 1 920 8,3 24,6 639,8
1961 91,2 33 637 2101 9,1 27,1 757,0
1962 98,1 35 353 2 060 10,0 31,1 867,6
1963 9R,5 37 156 2 083 9,4 35,6 1 037,9
1964 102,7 39 050 1 968 8,!} 40,7 1 236,2
1965 105,2 41 042 1 885 8,4 46,6 1 415,5
1966 107,9 43 135 1 913 7,5 53,8 1 587,2
1967 115,7 45 335 1 933 7,6 62,0 1 784,4
1968 123,5 47 647 1 980 7,7 71,4(1) 1 898,0
1969 138,0 50 077 2 055(1 ) 7,5 82,3(1) 2 143,2
1970 154,2 52 905 2 091(1 ) 6,9 94,8(1 ) 2 464,3

Período Taxa Geométrica de Crescimento Anual (%)


HJ50-1970
6,6 5,3 1,1 2,9** 11,7** 12,0

FONTES: Fundação Getúlio Vargas - Conjuntura Economica. Barat, Josef - O Setor de Transportes na Economia Brasilâra.
C.:l DNEF - Estatísticas de Estradas de Ferro do Brasil. GEIPOT - Brazil Transport Survey. Anuário Estatístico do
......
tn B~mil. 1970. IPEA - Setor de Transportes.
(1) Dados estimados.
(2) Período 1952-1970.
sobre a organização espacial das áreas metropolitanas . Isto significa
que, partindo da concepção de um sistema de transporte integrado,
chega-se a padrões de urbanização que podem atenuar as descontinui-
dades sociais verificadas nas áreas metropolitanas brasileiras. Não há
dúvida de que o padrão atual, se mantido, conduzirá ao agravamento
nas relações entre os espaços intra-urbanos e os espaços periféricos
dessas áreas .

8. Espaço metropolitano e mercado de trabalho


A partir da Revolução Industrial, a associação entre os processos de
industrialização e urbanização provocou uma progressiva separação en-
tre os locais de trabalho e os espaços residenciais, como conseqüência
da complexidade cada vez maior do processo produtivo. As novas es-
truturas e dimensões da produção industrial forçaram um novo tipo
de ocupação do espaço urbano, provocando a expansão horizontal das
cidades no sentido da consolidação de áreas metropolitanas. Surgiram
correntes de tráfego novas e com maior densidade, compostas por
aqueles que afluíam para as cidades demandando seus locais de traba-
lho em fábricas, estabelecimentos comerciais, escritórios, etc. Tais cor-
rentes exigiram alterações tecnológicas nos transportes metropolitanos,
que evoluíram no sentido do atendimento de necessidades coletivas. As
cidades cresceram, por conseguinte, acompanhando a disponibilidade
de serviços de transporte público de massa. No passado, esta influência
sobre o crescimento das cidades foi exercida pelo sistema de bondes,
trens suburbanos e metrôs. O crescimento demográfico, ao exercer pres-
sões sobre os espaços centrais das cidades, favoreceu a promoção do
desenvolvimento habitacional, intimamente ligado às linhas de expansão
do transporte público de massa.
Nas áreas metropolitanas brasileiras. os bondes e os trens subur-
banos desempenharam, nas primeiras décadas do século XX, impor-
tante papel na determinação das alternativas de expansão física e na
compatibilização dos espaços residenciais com as atividades econômi-
cas geradoras de emprego. Os deslocamentos de grandes massas de
população ativa, do local de residência para o local de trabalho, se fa-
ziam através desta modalidade, na medida em que se tornava mais
complexa a diferendiação urbana. A expansão das linhas de trens
suburbanos (principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo) acen-
tuou mais ainda este papel do sistema de transporte de massa, pos-
sibilitando a orientação do crescimento das cidades no sentido da ocupa-
ção racional dos espaços periféricos. A decadência do transporte público
de massa e a ênfase nas soluções viárias para atendimento das neces-
sidades de viagens por parte do automóvel e ônibus - soluções estas
competitivas e não concebidas dentro de um sistema de complementa-
ridade com o transporte de massa - impediram, no contexto de falta
de planejamento metropolitano, que a expansão física das metrópoles

316
se fizesse no sentido de aliviá-las das grandes pressões habitacionais
sobre os espaços intra-urbanos, favorecendo o crescimento vertical de-
sordenado.
Cabe lembrar a influência fundamental que a disponibilidade de
serviços de transportes exerce sobre a compatibilização dos espaços resi-
denciais com os mercados de trabalho. Quando novas áreas residen-
ciais são localizadas, tem-se que ter presente que a oferta de transportes
é um dos fatores determinantes desta localização, juntamente com os
serviços de água e esgotos, por exemplo. A localização de novos espaços
residenciais só é passível de ser efetivamente integrada ao crescimento
metropolitano desde que haja oferta de serviços públicos de transportes
com capacidade de movimentar pessoas, com rapidez e eficiência, das
suas residências para os locais de trabalho . Por conseguinte, para que
o planejamento metropolitano e habitacional se torne efetivamente viável
e impeça a marginalização dos habitantes das áreas periféricas, é de
capital importância a instituição de um planejamento capaz de levar a
termo a integração entre espaços residenciais e locais de trabalho .
A excessiva concentração de oportunidades de trabalho em espaços
centrais das áreas metropolitanas dificulta uma boa circulação da :mão-
de-obra, provocando congestionamento e elevando os custos sociais da
produção. Desta maneira, investimentos em habitação, comunicações,
transportes, água e esgotos e descentralização dos locais de trabalho
devem ser considerados como um todo harmônico dentro do planeja-
mento metropolitano. O planejamento do transporte metropolitano de-
ve, por sua vez, levar em consideração estas variáveis, para tornar mais
efetivo o papel dos transportes como condicionante das alternativas de
crescimento metropolitano.

9. Conclusões
A título de conclusões das considerações feitas neste trabalho, pode-se
dizer que:
a) há necessidade urgente de as áreas metropolitanas brasileiras
instituírem e implementarem Planos-Diretores de transporte, compatibi-
lizados e integrados organicamente aos planejamentos metropolitano
e regional;
b) há necessidade de orientar os investimentos em transportes
nas áreas metropolitanas, no sentido de um adequado equilíbrio entre
os transportes públicos- especialmente o de massa- e o individual,
através da concepção de sistemas que busquem a integração e com-
plementaridade das diferentes modalidades;
c) as opções pelas soluções de transporte público- especialmente
o de massa - devem constituir poderoso instrumento regulador do
uso do solo, em mãos do Poder Público;
317
d) as opções pelas soluções de transporte público - especialmen-
te o de massa - devem significar a possibilidade de elevação geral
dos padrões de vida e de redistribuição de renda em favor das popu-
lações com níveis mais baixos de renda;
e) o planejamento dos transportes nas áreas metropolitanas, atra-
vés do adequado equilíbrio entre o transporte público e o individual,
deve permitir que se evitem a.s soluções improvisadas que conduzem à
deterioração da qualidade da vida urbana e a repercussões negativas
sobre o meio ambiente.

318
Capítulo X - TRANSPORTES POBLICOS E PROGRAMAS
HABITACIONAIS *

1. Introdução; 2. O mecanismo de mercado; 3. A intervenção


do setor público; 4. A necessidade prévia do transporte público;
5. Conclusões.

1. Introdução
Os recentes estudos de transportes urbanos e os planos urbanísticos
em geral indicam a existência de elevada inter-relação entre a dispo-
nibilidade de serviços de transportes de passageiros, responsáveis pelo
grau de mobilidade dos habitantes das cidades, e os padrões vigentes
e uso do solo. A distribuição espacial das atividades urbanas determina,
por sua vez, o uso de certas áreas de espaço urbano para fins predomi-
nantemente residenciais. Normalmente, a ocupação e o desenvolvimen-
to destas áreas se faz em função da existência de serviços públicos
básicos e, em particular, o do transporte. Estes serviços, ao mediar e
compatibilizar as relações entre local de trabalho e de moradia no âmbi-
to do espaço urbano, permitem maior fluidez no mercado de trabalho,
elemento da maior importância no conjunto da economia urbana.
Na verdade, a função básica do transporte é a de integTar as
áreas urbanas, não somente do ponto de vista espacial, mas no que
diz respeito aos diferentes aspectos das atividades urbanas (econômicas,
sociais, residenciais e recreativas), permitindo a consolidação de mer-
cados para os fatores de produção. Neste sentido, os deslocamentos
pendulares diários da força-de-trabalho - residência/trabalho/residên-
cia- que constituem o grosso das viagens nas áreas urbanas, são con-
dicionados, largamente, pelos padrões do uso do solo, mas também
podem exercer influência sobre os mesmos e, conseqüentemente, sobre o
desenvolvimento urbano futuro, na medida em que a existência do
transporte precede os planos habitacionais .

* Public;ado em Pesquisa e Planejamento Económico, Rio de Janeiro, 3(2), 375-388,


jun. 1973 (co-autoria).

319
Se as decisões relativas à localização de conjuntos habitacionais
forem tomadas tendo como referência a disponibilidade de serviços
de transportes, será possível fazer com que os locais de trabalho se
"aproximem" da localização residencial. Isto é especialmente verda-
deiro quando se consideram as formas usuais de transporte público de
massa - trens suburbanos, metrôs, bondes ou ônibus, estes últimos
isolados do tráfego de superfície em pistas especiais - para as quais a
indivisibilidade das instalações fixas permite ganhos de escala e, conse-
qüentemente, reduções significativas nos custos unitários de prestação
do serviço.
Na grande maioria das cidades brasileiras, o sistema de transporte
coletivo em ônibus é, no presente - e continuará sendo por muito
tempo - o predominante no atendimento de grandes massas, devido
às seguintes características: a) grande flexibilidade para conexão de
pontos de origem e destino dispersos no espaço urbano; b} custos
de implantação relativamente baixos; e c) adaptabilidade de sua ofer-
ta a incrementos da demanda até limites de densidade de tráfego
que exijam modalidade de atendimento de massa. Neste sentido, são
necessários estudos que visem à sua racionalização administrativa e
operacional, bem como à sua adaptação progressiva às funções de trans-
porte de massa nas cidades de tamanho intermediário. Os planos de
expansão de linhas e capacidade de transporte deverão estar intima-
mente ligados aos programas habitacionais. Nas grandes cidades e
áreas metropolitanas, onde os problemas de coordenação de transporte
público são mais complexos, por envolverem diversas modalidades, torna-
se necessária a vinculação dos Planos Diretores de transportes e dos
estudos de viabilidade específicos aos objetivos do crescimento urbano,
em geral, e à política habitacional, em particular.

2. O mecanismo de mercado
O habitante urbano, ao escolher a localização de sua residência, exerce
influência sobre o uso do solo para fins predominantemente residen-
ciais, de maneira muito similar à sua destinação de recursos para a
aquisição dos demais bens e serviços. Procura maximizar a utilidade
da escolha em função do seu nível de renda, bem como do preço e
disponibilidade dos imóveis residenciais. Na determinação da deman-
da privada de imóveis residenciais, outros fatores, além dos compo-
nentes de renda dos indivíduos e preço da terra (que refletem de certa
forma a disponibilidade de serviços básicos) são importantes: os pa-
drões culturais, tendências históricas de ocupação do solo, a atração
pelas áreas dotadas de amenidades e equipamentos especiais, etc. Como,
em geral, os imóveis constituem bens adquiridos a prazo, a demanda
privada é também afetada diretamente pela disponibilidade e pelo custo
do crédito 1 •
1 Schreiber, Gatons & Clemmer. Economies ol Urban Problems - An Introduction.
Boston, Houghton Mifflin Company, 1971.

320
No quadro da teoria microeconômica, que atribui ao consumidor
racionalidade para maximizar sua satisfação ao adquirir bens e ser-
viços, a demanda de habitações depende principalmente dos fatores
assinalados. Seu inter-relacionamento com as forças que atuam do lado
da oferta, condicionando os custos de produção, determinará os preços
da indústria de construção civil.
As estruturas atomisticas tanto da demanda quanto da oferta
(grande número de construtores, produtores de material, disseminação
de pequenos e médios empreiteiros, etc.) determinam preços em condi-
ções de mercado concorrencial. Este, entretanto, pode ter suas di-
mensões restringidas tanto pelos padrões de distribuição da renda quanto
por atritos nos custos de construção . Sabe-se que estes últimos, em fun-
ção de uma inadequada estruturação da oferta e da ineficiência nos
métodos de produção, podem elevar inconvenientemente os preços, afas-
tando consumidores potenciais . Nas economias em desenvolvimento,
ambos os fatores contribuem de forma marcante para limitar as con-
dições de expansão do mercado de imóveis residenciais .
O mecanismo de mercado pode revelar-se, portanto, ineficaz no sen-
tido de baratear e estender o consumo de imóveis residenciais às ca-
madas menos favorecidas da população urbana. Com efeito, a determi-
nação do preço de um bem ou serviço através do mecanismo de mercado
não permite computar os efeitos negativos ou os custos sociais resul-
tantes do seu consumo . Para bens consumidos individualmente esta
constatação não apresenta maiores problemas, pois a discrepância entre
preço de mercado e custo social é pouco importante. No caso de bens e
serviços públicos ou de consumo coletivo, entretanto, os preços de merca-
do refletem muito pouco os efeitos negativos para outros habitantes
e/ ou custos sociais, decorrentes do seu consumo 2 •
Isto é especialmente verdadeiro para o mercado de imóveis residen-
ciais, onde as conseqüências não medidas no preço são muito impor-
tantes, pois o nível e a localização da demanda envolvem problemas de
uso do solo, interação com o meio, fornecimento de serviços públicos,
etc., que afetam a qualidade de vida da comunidade urbana como um
todo. A importância do preço como regulador dos níveis e estruturas
da demanda e da produção será diferente, por conseguinte, para o mer-
cado de imóveis residenciais e a sua formação, inclusive, mais complexa
que nos modelos agregados de mercados tradicionais 3 •
A ineficácia do mecanismo de mercado como instrumento regulador
da destinação de recursos, da distribuição de renda e mesmo dos pa-

2 Dorfman, Robert. Measuring Benefits of Government Investments. Washington; The


Brookings Institution, 1965.
3 HOLM, Per. Disaggregated Housing Market Model. ln: NEVITTA, A. A. ed.
The Economic Problems of Housing. New York, McMillan, 1967.

321
drões de uso do solo no âmbito da economia urbana, em geral e do
s~tor habitacional, em particular, pode ser identificada pelos seg~intes
smtomas:
a) exclusão do mercado de contingentes populacionais considerá-
veis, em virtude dos níveis insuficientes de renda;
b) acréscimo dos custos sociais diretos ou indiretos incorridos por
terceiros como decorrência do consumo de bens e serviços urbanos,
regulado pelo mercado 4 ;
c) concentração de recursos em áreas já congestionadas, aumen-
tando seu adensamento e gerando fenômeno de "deseconomias exter-
nas" no consumo dos serviços básicos 5 •

3. A intervenção do setor público


A intervenção do Setor Público no mercado habitacional decorre da
constatação dos sintomas apontados e da necessidade de orientar ou
influenciar políticas compensatórias. Os efeitos negativos da ocupação
do solo urbano, segundo os mecanismos de mercado, são especialmente
graves nos países em desenvolvimento, onde os problemas de natureza
global relativos à concentração de renda, à dualidade campo/ cidade,
às migrações maciças e conseqüente geração de marginalidade urbana,
são muito mais agudos e constituem-se em características próprias das
economias neste estágio. Além disso, problemas urbanos específicos re-
lativos ao inadequado uso do solo, à insuficiência no suprimento de
serviços básicos, à especulação exagerada com os terrenos, à invasão de
espaços públicos por imigrantes rurais, à proliferação de construções
ilegais, afligem estes países e decorrem, de certa forma, do próprio
desenvolvimento.
Nas cidades brasileiras, pode-se identificar, em geral, uma conju-
gação de duas tendências no processo de diferenciação espacial e ocupa-
ção do solo urbano para fins residenciais: a) uma tendência de "tipo
norte-americano", em que se verifica uma relativa deterioração dos
centros em favor de espaços que representam ocupação recente, se-
guindo direções onde os serviços básicos são mais abundantes e, b) uma
tendência de "tipo dualístico subdesenvolvido", em que se verifica um
fortalecimento econômico e social dos espaços intra-urbanos, vistos glo-
balmente, e um enfraquecimento da periferia. Esta última tendência
é mais visível nas áreas metropolitanas.
4 Um exemplo interessante a este respeito é traduzido na série de repercussões ne-
gativas resultantes do consumo do automóvel. Decisões, no âmbito privado, para aumento
da produção de veículos e, no âmbito governamental, de favorecer o transporte individual
em detrimento do transporte público, beneficiam uma minoria e implicam a deterioração
da qualidade de vida dos não-proprietários de veículos.
5 Henderson, William & Ledebur, Larry, Urban Economies- Processes and Problems.
Nova Iorque; John Wiley . and Sons Inc., 1972.

322
No primeiro caso repete-se em escala bem menor o paradoxo
das cidades norte-americanas em que os pobres vivem perto do cen-
tro em terrenos que deveriam ser mais caros e os ricos, na periferia
em terrenos mais baratos . É o caso de bolsões de miséria intra-urbanos,
na forma de casas de cômodo em áreas degradadas da periferia dos cen-
tros, onde as pessoas de reduzido nível de renda tiram partido da locau:.
zação em terrenos que lhes possibilitam aproveitar os baixos custos
de transportes 6.
No segundo caso, ocorre um fenômeno resultante da conjugação
do dualismo econômico e social de uma economia em desenvolvimento
com a explosão demográfica urbana . As cidades, carentes de recursos
para a infra-estrutura social básica, sofrem um processo de valorização
das áreas que já dispõem de serviços - provocando um adensamento
dos espaços intra-urbanos através do crescimento vertical para os habi-
tantes com nível de renda mais elevado, destinando-se os espaços peri-
féricos aos habitantes menos favorecidos. Isto significa para grande
parte da população com baixo nível de renda ou marginal à economia
urbana maiores distâncias e transporte mais caro. Assim, ao adquirir
ou alugar seus imóveis, o habitante de nível médio ou alto de renda
adquire também em nossas cidades um bem positivo a mais na transa-
ção, a acessibilidade, e incorre em custos negativos que se traduzem
na economia feita no transporte (suburbano e interurbano) .
O problema habitacional urbano decorre, por conseguinte, da con-
jugação freqüente de dois fatores: a) existência de obstáculos e atritos
que inibem a destinação eficiente dos recursos no âmbito do mecanismo
de mercado, provocando elevações de preços que impedem o acesso dos
usuários a adequados padrões de habitação no nível atual de suas rendas
e b) a existência de forte concentração da renda urbana, impedindo o
alargamento do mercado por insuficiência de renda em amplas camadas
da população. Os objetivos da intervenção governamental no mercado
são desta forma atingir maior eficiência na distinção dos recursos e
maior eqüidade na distribuição do consumo de habitações. A conciliação
destes dois objetivos nem sempre é fácil, dada a complexidade do pro-
blema urbano e a dificuldade de manipulação das variáveis que entram
em jogo. A necessidade do equacionamento do problema habitacional
integrado no planejamento urbano e nas programações setoriais surge
como aspecto da maior importância para o alcance dos objetivos gover-
namentais.
Pode-se dizer que os programas habitacionais populares decorrem,
portanto, do agravamento dos problemas urbanos e constituem-se na
tentativa de eliminar tanto os bolsões de pobreza intra-urbanos, como
os segmentos periféricos de ocupação desordenada. Os conjuntos habi-
tacionais populares, entre nós, em virtude do preço da terra, são loca-

6 As favelas do Rio de Janeiro constituem-se num bom exemplo de improvisação de


soluções habitacionais, no sentido da superação das deficiências do transporte. Estas atuam
como obstáculo . à aproximação dos locais de residência dos locais -de , trabalho.

323
lizados, via de regra, na periferia urbana. Sua implantação implica a
transferência de habitantes que anteriormente eram favorecidos pela
localização. Se tais conjuntos não oferecerem aos seus usuários, além
dos serviços básicos de água, esgoto, coleta de lixo, energia elétrica,
etc., acessibilidade aos locais de trabalho, traduzida em termos de
transporte eficiente e barato, eles correm o risco de não se integrarem
efetivamente na economia urbana, criando novas áreas de margina-
lidade.

4. A necessidade prévia do transporte público


S abe-se que o sistema de transportes nas áreas urbanas constitui-se
tanto em uma conseqüência da própria expansão destas áreas como
também em fator determinante da configuração e estrutura das mes-
mas. Assim, o nível e a localização da demanda de serviços de trans-
porte urbano não são determinados apenas pelas condições de expan-
são das cidades e, principalmente, pelos padrões de uso do solo. É!
óbvio que as cidades têm seu crescimento condicionado igualmente
pela disponibilidade do transporte, que acarreta modificações impor-
tantes no uso do solo.
Há, por conseguinte, uma relação biunívoca entre o transporte e a
estrutura urbana que deve ser lembrada na formulação das políticas
e planos relativos ao sistema urbano de transportes, pois o cresci-
mento da cidade - e os futuros padrões de uso do solo - devem ser
vistos também como função das redes que são objeto de planejamento 7 •
Basta lembrar, com efeito, que o sistema de trens suburbanos conduziu
à expansão das áreas suburbanas carioca e paulistana, as linhas de
bonde condicionaram à feição de muitas de nossas cidades e o trans-
porte coletivo em ônibus permitiu o preenchimento dos vazios entre os
pólos criados a partir das estações de trens ou cruzamentos e terminais
de linhas de bondes .
Historicamente, o processo de urbanização correspondeu, em gran-
de parte, às necessidades da industrialização. Na medida em que o
processo de produção se tornava mais complexo, promovia a dissocia-
ção espacial entre locais de residência e de trabalho. As cidades, ao
se expandirem, a partir de um surto de industrialização, recebiam con-
tingentes de populações rurais em busca de oportunidade de emprego
nas novas atividades industriais que se criavam. Os trabalhadores pas-
savam a habitar locais nem sempre próximos aos de emprego, ao con-
trário do que geralmente acontecia nas áreas rurais ou nas pequenas
cidades em que prevaleciam formas artesanais de produção. Com a
expansão subseqüente do setor terciário (escritórios, comércio, bancos,
etc.), aumentou a complexidade da estrutura urbana, determinando

7 ]avier Valeno, Calvete. Transportes Urbanos, Madrid; Dossat-Typsa, 1950.

324
que grande parte dos movimentos pendulares diários da população ativa
(residência-trabalho-residência) passasse a ser feita por um número
maior de pessoas em distâncias médias cada vez maiores .
Assim, a tendência verificada nas grandes cidades européias e norte-
americanas, a partir da Revolução Industrial, consolidada no século XIX,
foi a de ter o transporte de massa orientado seu crescimento, ao per-
mitir maior compatibilização entre as áreas com uso predominante-
mente residencial e o mercado de trabalho. Este foi o caso da expansão
promovida através, inicialmente, do bonde, em seguida do sistema bon-
de/ trem suburbano e, posteriormente, do sistema principal metrô/ trem
suburbano alimentado por sistemas secundários de ônibus 8 •
Nas cidades brasileiras, grandes e intermediárias, verificou-se tam-
bém um processo de orientação do crescimento através do transporte
público. Em algumas grandes cidades chegou-se mesmo à integração
e complementaridade de sistemas principais de transporte de massa
(bonde/ trens suburbanos) com sistemas secundájrios e terciários de
coleta e distribuição locais feita pelos ônibus e, em alguns casos, pelo
próprio bonde. Esta concepção de modalidades integradas, que per-
mitiam etapas articuladas das viagens urbanas, foi responsável, em
grande medida, pelos padrões mais racionais de ocupação do solo que
prevaleceram em nossas cidades até a década de 50. A vitalidade do
comércio em áreas centrais com tráfego intenso de pedestres, o processo
de descentralização urbana ao longo de novas linhas de transporte de
massa, a concepção de vias urbanas mais apropriadas ao nosso clima
e às necessidades dos pedestres, etc., foram algumas das conseqüências
da oferta adequada, em nível e localização, dos serviços de transporte.
A grande explosão demográfica urbana, resultante de deslocamen-
tos maciços de populações rurais, e a inadequada absorção destes imi-
grantes no processo produtivo, criando bolsões de marginalidade à
economia urbana, alteraram radicalmente o panorama de nossas ci-
dades. O crescimento populacional por si só já tornaria insuficiente a
oferta de serviços públicos, em geral, e de transporte, em particular.
Surgiram estrangulamentos graves na capacidade de movimentação de
passageiros, pelo simples fato de termos tido um processo violento de
urbanização nos últimos vinte anos.
Além do fator demográfico, entretanto, a falta absoluta de plane-
jamento gerou fatores de agravamento do problema do transporte:
a) a deteriorização do transporte ferroviário, b) a deteriorização e pos-
terior eliminação abrupta dos bondes, c) o estímulo à concessões de
linhas de ônibus competitivas e não complementares aos sistemas prin-
cipais e d) o estímulo à competição de automóveis e ônibus pelo uso
das vias urbanas, como resultado das próprias deficiências do trans-
porte. Pode-se dizer que muitas das deformações surgidas em nosso
processo de urbanização foram, de certa forma, uma conseqüência do

8 SMERK, George M. Mass Transportation at the Ebb. ln: BLOOMINGTON,


Smerk, ed. Reading in Urban Transportation. Indiana University Press, 1968.

325
mau equacionamento da expansão do si.stema de transportes. A partir
do momento em que não ficou claro o papel do transporte como condi-
cionante e orientador da expansão urbana- com papéis definidos para
cada modalidade e dentro de uma concepção de integração e comple-
mentaridade - assistiu-se ao agravamento das pressões sobre o uso
indevido do solo urbano: crescimento vertical exagerado nos espaços
intra-urbanos, destruição de espaços verdes, construção desordenada de
vias elevadas, falta de racionalidade na ocupação dos espaços perifé-
ricos, etc.
Com a entrada em cena do automóvel, muitos investimentos na
infra-estrutura viária urbana passaram a ter um caráter acentuada-
mente regressivo, beneficiando um número reduzido de proprietários de
veículos e agravando a limitação de recursos locais para aplicações
alternativas em transporte público. Por outro lado, tais investimentos,
ao invés de solucionarem os graves problemas de congestionamento do
tráfego de superfície, apenas atuaram como medidas paliativas, inca-
pazes de evitar futuros congestionamentos. Além disso, o acréscimo de
tempo nas viagens urbanas, passou a afetar também os próprios pro-
prietários de automóveis, o que acentua o desperdício da destinação
de recursos da comunidade para aquelas soluções.
Nas modernas economias urbanas de consumo, a perda de tempo
com viagens significa a redução no tempo de lazer e, conseqüentemente,
a imposição de restrições ao consumo- aqui entendido em seu sentido
mais amplo, isto é, não só de aquisição de bens, mas também de servi-
ços, cultura, diversões, etc. O transporte eficiente de grandes massas
de população representa um fator da maior importância na mobilidade
urbana. Cabe lembrar, entretanto, que a disponibilidade do transporte
deve inserir-se no contexto de um processo efetivo de descentralização
urbana. Se a expansão da cidade se faz em função da existência do
transporte, mas sem que haja uma descentralização paralela de ser-
viços, os movimentos pendulares pressionarão o sistema de transporte
em busca dos seus locais tradicionais de trabalho, transferindo o conges-
tionamento de sua capacidade para o futuro.

5. Conclusões
Foi visto que o desenvolvimento do setor habitacional é, em grande
parte, regulado por flutuações de oferta e demanda do mercado privado,
no qual as decisões de localização são influenciadas pela disponibili-
dade de transportes, proximidade dos locais de trabalho e outros parâ-
metros de ordem econômica, cultural e social. Este desenvolvimento im-
plica, entretanto, a marginalização de habitantes com níveis de renda
insuficientes para adquirirem imóveis satisfatórios, do ponto de vista
das modernas economias urbanas. Como decorrência, surgem as solu-
ções improvisadas e desordenadas de ocupação de áreas degradadas de
domínio público ou periféricas, em que os habitantes pobres compen-

326
sam por seus próprios meios a ausência de dispositivos governamentais
mai.s eficazes para regular o uso do solo e superar problemas de oferta
de transporte.
Quando o Setor Público intervém diretamente, através de um pro-
grama habitacional popular, supõe-se, portanto, que sejam feitos estu-
dos de viabilidade, nos quais os benefícios decorrentes sejam compara-
dos não somente com o custo da construção mas também com os custos
de implantação dos serviços básicos. Por exemplo, um projeto de reno-
vação urbana que visasse à remoção de favelas teria que referir os be-
nefícios diretos aos usuários das novas unidades habitacionais e indire-
tos à coletividade como um todo, no cômputo dos custos diretos e indi-
retos incorridos para viabilizar o empreendimento. Assim, os custos dire-
tos de construção do conjunto habitacional e os indiretos de implan-
tação dos serviços sanitários, energia, etc., devem constituir-se no de-
nominador da relação Benefício/ Custo para que a relação reflita, de ma-
neira mais objetiva, as vantagens da remoção. Neste sentido, os custos
de implantação de um sistema de transporte público para atendimento
da população transferida deve ser igualmente computado como custo
do empreendimento.
Não se pode, por conseguinte, desvincular a programação habita-
cional dos planos de investimentos e de reestruturação operacional de
transporte. As decisões de localização de conjuntos habitacionais devem
ser tomadas considerando-se a disponibilidade de transporte eficiente e
barato. Por outro lado, os planos diretores de transporte devem levar
em conta, ao quantificar e localizar a demanda, as perspectivas do cres-
cimento da oferta de novas habitações e da expansão urbana no seu
sentido mais amplo. Cabe ressaltar que a localização de novos conjuntos
habitacionais e a ocupação de novas áreas para fins predominante-
mente residenciais não devem fazer-se com base apenas na disponibili-
dade de transportes. Isto porque, se não houver um processo paralelo
de efetiva descentralização urbana, no que diz respeito à geração de
novas oportunidades de emprego em outras áreas os fluxos de transporte
demandarão os mesmos locais (principalmente os espaços intra-urba-
nos), sobrecarregando, como já foi dito, a capacidade de transporte
no futuro. O importante é que do inter-relacionamento entre as decisões
relativas à localização e implantação de novos conjuntos de habitação
e aquelas relativas à expansão e melhoria do sistema de transportes,
decorram soluções mais racionais e de menor custo para a coletividade.
Para concluir, propõe-se, considerando-se o pequeno número de
estudos dedicados ao exame da relação existente entre os programas de
habitação e o transporte público urbano, que o Banco Nacional da Ha-
bitação promova a realização de trabalhos destinados a melhor conhecer
estas relações. Desta forma, será possível obter parâmetros mais efica-
zes para escolher terrenos destinados à implantação de conjuntos habi-
tacionais, assim como possibilitar às municipalidades instrumentos de
orientação na estruturação de seus espaços urbanos. Espera-se que o

327
resultado dos estudos recomendados constitua um subsídio concreto para
uma correta disposição do uso do solo, na qual se levem em conta os
fluxos de transportes, a localização e a intensidade das diversas ativi-
dades urbanas, bem como a rede de distribuição dos serviços urbanos.
Estes estudos, segundo se imagina, poderiam referir-se aos seguin-
tes aspectos:
a) aos conjuntos já construídos e habitados há algum tempo, exa-
minando-se o comportamento de seus habitantes em relação à cidade
como um todo, quanto a locais de compra, de trabalho, de recreação,
diversões e lazer, os deslocamentos necessários a atingir cada um desses
locais, bem como o nível de serviços urbanos de que dispõem;
b) as modificações verificadas no local da implantação dos con-
juntos e sua vizinhança quanto à instalação espontânea de equipamen-
to comunitário - locais de compra, de recreação e diversões, de culto
e outros;
c) o comportamento dos padrões de uso do solo urbano frente à
implantação de novos conjuntos habitacionais e a disponibilidade de
meios de transportes coletivos.
Os resultados desses estudos servirão de subsídios consideráveis à
orientação dos programas do Banco Nacional da Habitação, mormente
os do Plano da Habitação Popular, onde nos parece importante consi-
derar não só a oferta de moradias a preços compatíveis com os orça-
mentos familiares mais baixos, como também o valor social desta oferta,
isto é, as condições de implantação e de acessibilidade da casa em re-
lação à cidade e aquilo que ela significa como oportunidade de realiza-
ção humana.

328
Capítulo XI - TRANSPORTE E ECOLOGIA *

1. Introdução; 2. Investimentos em Transportes e Desenvolvimento;


3. Repercussões Econômicas; 4. Política de Transporte de longa e mé-
dia distâncias; 5. Transportes Urbanos de massa; 6. Inadequado es-
tímulo ao transporte individual; 7. Benefícios às avessas; 8. Reper-
cussões sobre a ocupação uTbana.

1. Introdução
Estudaremos aqui o problema dos transportes a partir de suas reper-
cussões econômicas regionais, metropolitanas e urbanas, e daí sobre a
ecologia.
o sistema de transportes desempenha uma função econômica bá-
sica, na medida em que quase todas as atividades econômicas têm algu-
ma relação direta ou indireta com os serviços de transportes como insu-
mo, em suas funções de produção. Tais serviços são requeridos para
deslocar bens, serviços e fatores de produção. Têm como objetivo ligar
origens e destinos, favorecer a localização de atividades econômicas,
residenciais e de lazer, bem como compatibilizar o mercado de bens,
serviços ou fatores de produção.
O componente transporte entra na composição de todas as estru-
turas de custo de produção de mercadorias e serviços. A importância dos
serviços de transportes no processo econômico é, portanto, evidente.
Não abordaremos o tema da relação dos transportes com a ecologia
pelo lado da repercussão dos fluxos, ou seja, da passagem de bens e in-
divíduos: a operação dos serviços de transporte. Será mais útil o exame
do problema pelo aspecto das vias de transportes, pela infra-estrutura
necessária a este deslocamento e que o afeta: os investimentos em trans-
portes. Tais investimentos - implantação de novas vias ou melhoria

* Publicado em Revista de Administração Municipal, Rio de Janeiro, 20(119): 19-34,


jul./ago. 1973.

329
das existentes - desempenham uma função regional bastante impor-
tante, porque têm sempre alguma repercussão sobre a economia regio-
nal. Esse impacto não será necessariamente positivo.

2. Investimentos em transportes e desenvolvimento

N o Brasil habituamo-nos a pensar que investir em transportes, espe-


cialmente rodoviário, acarreta sempre um saldo positivo. Implantada
ou melhorada uma rodovia, magicamente haveria uma repercussão be-
néfica, quase imediata, sobre suas áreas de influência, tanto sob o ponto
de vista econômico quanto ecológico. Se isto aconteceu com numerosos
mvestimentos rodoviários feitos no Brasil, poderiam ser também iden-
tificadas muitas repercussões negativas. Muitas vezes o efeito resul-
tante foi o esvaziamento de determinada região. Em outros casos, o
investimento não teve efeitos propulsores econômicos de maior im-
portância.
Se compararmos a densidade da malha rodoviária existente no Nor-
deste brasileiro - a densidade e a qualidade das vias - com a das
regiões de fronteira agrícola recentemente ocupada (sul de Mato Gros-
so, sul de Goiás, oeste do Paraná, etc.), veremos que o Nordeste é uma
região relativamente bem dotada de rodovias.
Dentro da linha de raciocínio que conclui pela repercussão favorá-
vel do investimento rodoviário sobre o desenvolvimento econômico, o
Nordeste deveria ser mais desenvolvido e dinâmico do que, por exemplo,
o sul de Mato Grosso e Goiás ou o oeste do Paraná.
O avanço recente da fronteira agrícola nestas áreas demonstra, con-
tudo, uma capacidade de resposta muito maior ao investimento rodo-
1
viário que no Nordeste. Isso significa que o investimento no sistema de
transportes é uma condição necessária, mas não suficiente, para promo-
ver o desenvolvimento econômico. Este depende de uma série de fatores
econômicos, sociológicos, políticos e institucionais de natureza intera-
tiva, que limitam a onipotência do investimento em transportes com
trelação às transformações regionais.
A existência da infra-estrutura viária deve ser vista dentro da
perspectiva de um contexto mais global, da possibilidade de resposta
da atividade econômica ao investimento, no sentido econômico e social.
Estendendo .este conceito ao problema ecológico: o investimento reper-
cutirá também sobre o meio ambiente de maneira mais ampla, ou seja,
sobre aspectos físicos; naturais e humanos da região. Desta forma, por
analogia com o que foi dito em relação ao problema da repercussão da
infra-estrutura de transportes sobre as atividades econômicas, haveria
também repercussões favoráveis ou desfavoráveis sobre a ecologia re-
gional.

330
3. Repercussões econômicas
V oltando aos aspectos econômicos, de que maneira poderia verificar-se
o esvaziamento econômico de uma região? Uma rodovia, por exemplo,
pode atingir determinada região e integrá-la ao mercado, favorecendo
a criação de novos empreendimentos agrícolas, extrativos ou industriais;
a geração de novos empregos; o aumento do nível de renda, etc., com
toda uma repercussão cumulativa favorável no sentido de essa região
se tornar mais próspera por causa do investimento inicial na implan-
tação ou melhoria da rodovia. Mas pode ocorrer o contrário: a rodovia
significar, por exemplo, uma possibilidade mais concreta de evasão da
população em idade de trabalho, buscando novos empregos em áreas
urbanas ou metropolitanas, onde estas possibilidades são maiores.
Pode significar, ainda, drenagem de poupança- que deixa de ser
aplicada localmente para buscar oportunidade de aplicação nos grandes
centros urbanos, nem sempre de forma produtiva - como também a
penetração de mercadorias vindas de outras regiões (de centros produ-
tores de âmbito nacional, por exemplo), competindo com os bens pro-
duzidos na região.
Da mesma maneira que a economia de uma região pode ser afetada
desfavoravelmente pelo investimento em transportes, a ecologia tam-
bém pode. Vejamos o caso de empreendimentos em transportes que
visam a um objetivo de natureza turística. Se a implantação da infra-
estrutura viária tem objetivos turísticos e é justificada a partir da
intensificação de fluxos turísticos, ela deve constituir instrumento de
preservação da própria ecologia, englobando as particularidades do uso
do solo, da preservação dos valores culturais e históricos, do patrimônio
natural, das reservas florestais, enfim, de tudo aquilo que justifica a
natureza turística do empreendimento.
Se o planejamento rodoviário e, posteriormente, a implantação da
rodovia não agirem no sentido de preservar o meio ambiente ao longo
da área de influência - permitindo, por exemplo, o uso desordenado
do solo em termos de loteamentos, de especulação imobiliária, a de-
vastação das reservas florestais, etc. - o próprio patrimônio turístico,
em nome do qual a rodovia é implantada, será dilapidado, e alguns anos
após sua abertura ela não atenderá mais à finalidade turística origi-
nal. Este nos parece um exemplo muito claro de como a falta de um
planejamento adequado e a não compatibilidade de objetivos pode afe-
tar negativamente a ecologia de uma região.
O problema do uso do solo é uma particularização do problema mais
amplo da ecologia. Poderíamos encará-lo de maneira mais ampla, como
no caso de reservas florestais, que devem ser preservadas e muitas vezes
são destruídas justamente pela presença próxima da rodovia. Há tam-
bém o caso de cidades que têm um grande valor histórico, em que a
simples passagem do tráfego rodoviário pelos espaços intra-urbanos
provoca problemas de degradação do patrimônio.

331
4. Política de transporte de longa e média distâncias
Tornemos ao conceito de ecologia num sentido bem mais amplo, não
apenas dos aspectos físicos, naturais, humanos, etc., mas que inclua os
aspectos relacionados com o bem-estar e o equilíbrio do próprio homem.
Em todo investimento em transportes (e no Brasil, quando se fala em
investimento em transportes, fala-se principalmente em rodovia, por-
que 75 % do tráfego de mercadorias e 95 % do de passageiros se faz ao
longo delas) há necessidade urgente de integrar o planejamento rodo-
viário ao planejamento dos setores mais importantes servidos pela ati-
vidade de transporte.
Se examinarmos a tendência da nossa política de transportes, espe-
cialmente da nossa política rodoviária, veremos que a preocupação dos
planejadores tem sido em geral ligar entre si pontos situados a longa
ou média distâncias. Os objetivos implícitos ou explícitos eram ligar
capitais entre si ou com a capital federal, ligar pontos do litoral com
regiões produtoras do interior, centros econômicos de processamento ou
transformação com o centro produtor de matéria-prima, etc. Com esta
preocupação de ligações de longa e média distâncias, foi relegado a
segundo plano o problema das ligações locais e, mais ainda, não foram
considerados problemas relativos à repercussão local daquele investi-
mento de longa distância.
Quando o objetivo de um investimento é ligar dois pontos situados
a longa ou média distância, o que interessa em termos do planejamento
rodoviário é quantificar os benefícios e os custos desse empreendimento.
Os benefícios - além dos benefícios diretos de custos para os usuários
de veículos - serão expressos também pelos acréscimÕs de produção e
pelos estímulos à atividade econômica dentro da área de influência da
rodovia.
O que determinará propriamente a viabilidade desta rodovia, en-
tretanto, será o tráfego de longa e média distâncias, além do tráfego
de passagem, e não aquele tráfego de expressão local de coleta e dis-
tribuição ao longo da sua diretriz. Assim, não há uma preocupação
muito grande em saber o que está acontecendo e o que acontecerá com
as regiões localizadas à margem da rodovia.
Para levar o caso a uma situação mais extrema: quando o DNER
planeja uma rodovia, ele está preocupado com a faixa de domínio
daquela rodovia, no contexto dos objetivos de atendimento do tráfego
de longa e média distâncias. Não interessa ao DNER o que está acon-
tecendo ao lado desta faixa de domínio que ele constrói e mantém. A
rodovia não é encarada como instrumento efetivo, em mãos do Poder
Público, para regular o uso do solo e preservar o meio ambiente.
Isso significa que muitas vezes a ausência de preocupação com
as repercussões locais do investimento provoca problemas graves, não
só de natureza econômica como ecológica. Os problemas de esvazia-
mento econômico ocorrem em muitas regiões rurais ou em pequenas

332
cidades do Brasil. As vezes, um objetivo de ligação entre dois pontos
distantes não leva em conta, por exemplo, o problema de acesso para
a coleta e distribuição do tráfego local.
Uma região com grande potencial produtivo, dispondo de mão-de-
obra razoavelmente qualificada, de poupanças locais e de solos agricul-
turáveis, não pode especializar-se na produção de determinadas merca-
dorias agrícolas para o abastecimento dos centros urbanos, simples-
mente porque não dispõe de uma ligação permanente com a rodovia-
tronco que passa ao lado da própria região.
Em termos de repercussão econômica, isso signüica que há uma
impossibilidade física para o agricultor da área em se especializar e
em se ligar ao mercado. Em termos ecológicos, significa que aquela
região, que produz à margem do mercado para sua própria subsistência,
não se tornará uma região produtora, por exemplo, de cereais destina-
dos aos centros urbanos ou mesmo às exportações. Não havendo um pro-
cesso de especialização, as culturas de subsistência e os métodos tra-
dicionais de cultivo serão predominantes na região.
Outro problema é o de pequenas cidades que passam a ter acesso
a uma rodovia-tronco, ligando-se assim com rapidez a centros urbanos
maiores. Os habitantes da cidade preferem fazer compras nos centros
urbanos maiores e esvaziam não somente o comércio local, como tam-
bém os pequenos empreendimentos no setor de serviços.
O que nos interessa mais aqui, entretanto, é o impacto do investi-
mento rodoviário em part~cular, e o de transportes em geral, sobre o
uso do solo e sobre a ecologia, de forma mais ampla, nos grandes centros
urbanos e, especialmente, nas áreas metropolitanas. Qual seria, neste
caso, a repercussão do problema das ligações de pontos distantes em face
da situação das áreas metropolitanas?
Tomemos o caso de uma rede de distribuição de energia elétrica.
Nas linhas-tronco, teríamos uma determinada capacidade de transmis-
são, mas, chegado o momento de distribuir localmente, haveria uma
incompatibilidade de tensões, resultante de deficiência da rede local.
Da mesma maneira, se justificarmos o investimento através do trans-
porte de longa distância, este é normalmente gerado ou distribuído nas
grandes metrópoles.
Para que se tenha uma idéia da magnitude do problema, foi feito
recentemente um levantamento no IPEA sobre a concentração espacial
da frota de veículos rodoviários no Brasil. Para as maiores áreas me-
tropolitanas do País, essa concentração (excluindo-se o caso de Brasília,
em que a cidade se confunde com a própria área do Distrito Federal)
varia de 40 % a 86 % dos veículos na área metropolitana da capital, em
relação ao total da frota do estado correspondente.
Alguns casos de concentração são relativamente mais suaves (Curi-
tiba, Porto Alegre e Belo Horizonte, com cerca de 40 %), e os casos
mais violentos são os do Grande Rio - considerada a área metropo-
litana do Rio de Janeiro em relação à ex-Guanabara e ao Estado do

333
Rio - com 86%, e Recife com 78%. Conclui-se daí que grande parte
do tráfego de longa e média distâncias é gerado nas grandes cidades
e seus destinos são também as grandes cidades.
De que maneira, então, se verifica a não compatibilidade entre os
investimentos feitos para atender ao tráfego de longa distância e os
investimentos feitos para atender ao tráfego local urbano, suburbano
e intermunicipal nas áreas metropolitanas?
De início, as decisões de investimentos nas grandes vias-tronco
foram em grande parte tomadas, direta ou indiretamente, pelo Governo
Federal (necessidades financeiras). Enquanto isto, os problemas de
ligações locais sempre foram relegados a um nível de decisões locais,
contando predominantemente com recursos locais.
Estes investimentos se mostraram defasados em relação àqueles
outros, de forma que se criou o problema de incompatibilidade entre
a malha de longa e média distância e a malha local, seja esta última
rural, urbana ou metropolitana.

5. Transportes urbanos de massa


Do ponto de vista ecológico, os transportes urbanos criaram graves pro-
blemas, sobretudo nas áreas metropolitanas. Além de ser conseqüência
do próprio crescimento destas áreas, o transporte é ainda uma causa,
um fator determinante da configuração metropolitana. Ele não é sO-
mente determinado pelas condições de expansão das cidades: estas têm
o seu crescimento condicionado pela disponibilidade de serviços de
transporte.
Como os sistemas de transporte condicionam o crescimento das ci-
dades? Existem exemplos óbvios: o caso do sistema de trens suburbanos,
que condicionou a expansão das áreas suburbanas cariocas e paulis-
tanas; as linhas de bonde, que condicionaram a feição das nossas cida-
des, integrando sistemas de trens e complementadas por serviços locais
de ônibus; e o transporte coletivo em ônibus, que permitiu o adensa-
menta demográfico dos espaços intermediários situados entre os pólos
de urbanização gerados pelos trens e bondes.
Abordaremos as implicações ecológicas dos transportes urbanos e
metropolitanos. O processo de urbanização correspondeu, em grande
parte, às necessidades da própria industrialização, na medida em que
o processo de produção se tornou cada vez mais complexo, promovendo
a dissociação entre os locais de residência e os de trabalho.
O que ocorre à medida que as cidades crescem a partir de um surto
de industrialização? As populações que afluem para os grandes centros
urbanos e os trabalhadores nas novas atividades industriais passam a
habitar em locais nem sempre próximos ao trabalho.
Com a expansão subseqüente do setor terciário (escritórios, comér-
cio, bancos, etc.) essa distância tornou-se ainda maior. Então, uma

334
grande parte dos movimentos pendulares diários residência-trabalho-re-
sidência passou a ser feito em distâncias médias cada vez maiores e por
um número maior de pessoas.
A tendência verificada nas grandes áreas metropolitanas européias
e norte-americanas, a partir da Revolução Industrial do século XIX, foi
no sentido de o transporte de massa orientar o crescimento das cidades,
na medida em que permitia maior compatibilização dos locais afastados
de residência com os locais de trabalho.
Esse foi o caso da expansão promovida inicialmente através do
bonde; em seguida, através de um sistema bonde-trem suburbano; e,
posteriormente, através do sistema metrô-trem suburbano, incluindo o
próprio bonde, etapa embrionária na consolidação do metrô.
Estes seriam sistemas de escoamento de massa que podemos cha-
mar, dentro das áreas metropolitanas, de sistemas principais, alimen-
tados por sistemas secundários de ônibus, automóveis, bicicletas e trá-
fego de pedestres.
O fato é que nas grandes cidades do mundo verificou-se uma ten-
dência no sentido do equacionamento da problemática do transporte
da massa, dentro de uma perspectiva de complementaridade dos siste-
mas e realização de uma viagem segundo diferentes etapas.
De certa forma, isso também se verificou nas nossas cidades, nas
primeiras décadas do século. Com efeito, a função do sistema de bondes
era transportar grandes massas de passageiros; e a conjugação do sis-
tema de bondes com trens suburbanos, complementado pelos ônibus,
constituiu-se num sistema integrado, no qual o atendimento do grosso
das viagens era feito pelos trens e bondes e a coleta e distribuição local
feita através dos ônibus, e, em alguns casos, pelo próprio bonde.
As grandes cidades do mundo, porém, evoluíram para sistemas mais
sofisticados de integração trem suburbano-metrô, reservando ao ônibus
papel complementar ou, quando muito, papel de transporte de massa
especial, com elevada capacidade unitária e isolado na sua pista de ro-
lamento.
Enquanto nas grandes cidades do mundo houve uma evolução para
concepções mais modernas, sob o ponto de vista tecnológico, de trans-
porte de massa, o que aconteceu nas nossas cidades? Em primeiro lugar,
tivemos a eliminação abrupta do bonde. Em grande parte, o bonde cons-
tituía um estorvo ao tráfego de superfície, mas tinha condições de
atendimento de massa, principalmente em certas rotas ou "corredores"
de elevada concentração de tráfego.
A medida, porém, que começou a se tornar um estorvo à circulação
dos automóveis, o bonde foi condenado ao desaparecimento. Não houve
a preocupação de situá-lo, por exemplo, como uma solução de transpor-
te intermediário, que daria lugar posteriormente ao metrô. Sabe-se que
o bonde, quando modernizado e isolado do tráfego de superfície, pode
constituir sistema de trânsito rápido. Com. sua eliminação abrupta em
quase todas as cidades brasileiras, ele foi substituído pelo ônibus.

335
Constatamos a partir daí, em nossas metrópoles, uma deformação
encontrada em poucas grandes cidades do mundo: o transporte coletivo
por ônibus servindo de meio de transporte de massa. O grosso do trans-
porte urbano, suburbano e interurbano, nas nossas áreas metropolita-
nas, feito pelo ônibus, é uma distorção na medida em que, a rigor, suas
características técnicas e operacionais o definem como um transporte
de natureza complementar.
Ainda mais, não só deixou o ônibus de ser meio de transporte com-
plementar: foram estimuladas concessões de linhas competitivas com
o trem suburbano e com o bonde. Assistimos hoje nas nossas grandes
cidades à prevalência de um sistema público de transportes que tem no
ônibus seu apoio principal.

6. Inadequado estímulo ao transporte individual


As deficiências nos serviços de ônibus, por sua vez, passaram a cons-
tituir estímulo adicional ao uso do transporte individual. Enquanto que
nas mais importantes metrópoles do mundo, a evolução se orientou para
sistemas muito bem concebidos - complexos e sofisticados sob o pon-
to de vista tecnológico do transporte de massa (e a exceção, neste caso,
é a de algumas cidades norte-americanas que deram ênfase ao uso do
automóvel) - nas nossas cidades evoluímos para um sistema compe-
titivo que deu lugar ao surgimento do automóvel como personagem
mais importante das vias urbanas.
Estamos ainda sob o deslumbramento recente do automóvel. De
fato, o Brasil é um país que apenas recentemente entrou na fase de
produção automobilística e- talvez esta atividade se tenha associado em
demasia à imagem do Brasil como país industrial. O fato é que daqui
a alguns anos vamos começar a ter sérios problemas com o automóvel.
As vias urbanas não mais comportarão a disputa dos automóveis, táxis
e ônibus pelo uso da sua superfície.
Diante desta digressão sobre as modalidades de transporte metro-
politano e a especialização de cada um, constatamos que as deforma-
ções surgidas no nosso processo de urbanização foram de certa forma
conseqüência do mau equacionamento da expansão do sistema de
transportes.
Enquanto o sistema de transportes era concebido, nas primeiras
décadas do século, para atender ao crescimento da cidade - e tinha
a característica de sistema integrado, com subsistemas complementa-
res entre si- nossas áreas metropolitanas tiveram um determinado pa-
drão de crescimento.
Evidentemente, outros fatores influenciaram o crescimento urbano
e metropolitano. Restringimo-nos, entretanto, à análise do aspecto dos
transportes: não só os transportes atendiam ao crescimento das cidades,
como também condicionavam e dirigiam o crescimento delas.

336
A partir do momento em que ficou mais claro o papel dos sistemas
de transporte, no sentido de condicionar e ordenar o crescimento da
cidade, assistimos a uma verdadeira balbúrdia no crescimento urbano
e metropolitano.
Cabe então perguntar: por que os padrões de uso do solo, a ocupa-
ção territorial, a preservação do patrimônio natural, artístico, cultural,
etc. cederam às imposições de um processo de urbanização deformante?
Por que o sistema de transportes não visou a atender às necessidades
de equilíbrio ecológico nas áreas metropolitanas? Por que o cresci-
mento vertical exagerado nos espaços intra-urbanos, a destruição de
áreas verdes, a construção de vias elevadas são encarados como conse-
qüências inevitáveis da nossa expansão urbana?
O sistema de transportes pode ter uma repercussão desfavorável
sobre a economia das cidades, como também, e principalmente, sobre a
sua ecologia. :É importante mostrar que não existe uma opção muito
clara do Poder Público, no Brasil, em favor do transporte de massa;
muito pelo contrário, se existe uma opção, esta é implicitamente favo-
rável ao transporte individual: toda a euforia de construção de vias
elevadas é, na verdade, decorrência do estímulo ao uso do automóvel
particular.

7. Benefícios às avessas
Os investimentos em vias elevadas, vias expressas, túneis, etc. são feitos
com recursos de todos os contribuintes indiscriminadamente, dos que
têm e dos que não têm automóvel, mas usados apenas pelos primeiros.
Na ex-Guanabara, há elevados e túneis que não são usados por veículos
cole ti vos. Trata-se de uma forma de distribuição de renda às avessas:
a maioria dos que contribuem com seus impostos e taxas para melhoria
urbana - e que seriam usuários daquela melhoria - ficam impossi-
bilitados de usá-las porque não são proprietários de automóvel.
Qual o significado, por outro lado, de um investimento em metrô,
para tomar um exemplo oposto? Todos contribuíram com impostos e
taxas para sua construção, os que têm e os que não têm automóvel.
Neste caso, a maioria não proprietária de automóvel seria usuária
do metrô em maior escala, mas aqueles que têm automóvel também se-
riam usuários potenciais do metrô ou beneficiários indiretos de sua
existência. Isto porque se não existe um meio de transporte de massa,
as vias urbanas são congestionadas pelos automóveis e ônibus.
Se a grande massa da população passa a ser transportada pelo
metrô - com maior regularidade de horário, conforto e eficiência -
mesmo os proprietários de automóveis poderão utilizar-se do metrô;
ainda que utilizando-se do automóvel, chegarão mais depressa a seu
destino do que chegavam antes de sua construção, pelo fato de as ruas
se tornarem descongestionadas.

337
Além desses aspectos, de caráter econômico e social muito claro,
existem outros, talvez menos evidentes. Nós ainda não nos habituamos
a conceber o tempo como dinheiro. O tempo também é, de certa forma,
fator de produção.
Não fizemos ainda nenhum levantamento detalhado para saber
qual é o custo do congestionamento em nossas metrópoles, principal-
mente no Rio de Janeiro e em São Paulo. Provavelmente chegaríamos
a conclusões assombrosas. No caso do Rio, por exemplo, grande parte
da capacidade de decisão política, econômica e administrativa da cidade
(e talvez do País) reside na Zona Sul da cidade. Se houver um conges-
tionamento ou interrupção do tráfego por uma razão qualquer nos
acessos ou saídas de Copacabana, a cidade - e de certa forma o País -
ficam carentes da presença de pessoas que tomam importantes decisões.
O fato de estas pessoas levarem, em nossas grandes cidades, muito
tempo para chegar a seus locais de trabalho indica que não temos cons-
ciência muito clara do valor do tempo; por isso ainda não conseguimos
equacionar de maneira satisfatória o equilíbrio entre os transportes pú-
blico e individual.
Esse equilíbrio é fundamental: mesmo em países de alto nível de
renda, como é o caso dos EUA, onde até bem recentemente a ênfase do
transporte metropolitano, em algumas cidades, era dada ao automóvel,
hoje em dia esta posição está sendo radicalmente revista.
Nem mesmo os países ricos conseguem suportar o custo social do
transporte individual, que é muito elevado, na medida em que as vias
urbanas se tornam congestionadas.

8. Repercussões sobre a ocupação urbana


Quais seriam as repercussões sobre a nossa vida diária da falta de
opção pelo transporte de massa, ou melhor, da opção implícita, nos or-
çamentos de investimentos dos órgãos responsáveis locais, pelo trans-
porte individual?
Em primeiro lugar, temos que lembrar o que acontece no Brasil em
matéria de expansão urbana: o automóvel não está servindo para des-
congestionar ou diminuir as densidades intra-urbanas.
Na medida em que, nos EUA, a infra-estrutura rodoviária serviu
para levar o habitante de classe média para fora da cidade- a residir
em bairros suburbanos ou cidades-satélites, em condições de conforto
muito melhores do que quando vivia dentro da cidade- ela contribuiu
para diminuir densidades dentro dos espaços intra-urbanos.
No Brasil está ocorrendo o fenômeno oposto. Nossas periferias me-
tropolitanas são ocupadas por população com níveis de renda muito
baixos, especialmente no caso do Grande Rio, e os saturados espaços in-
tra-urbanos estão sendo ocupados por habitantes com níveis de renda

338
mais altos. Famílias com níveis altos e médios de renda moram em Co-
pacabana, na Tijuca, Ipanema e Leblon, em edifícios de apartamento
de 10/ 15 andares.
Em última análise, nossa classe média é vítima do próprio automó-
vel, que está disputando espaço com os habitantes de melhor nível de
renda. A reduzida oferta de serviços urbanos básicos na periferia das
metrópoles impede, por sua vez, a tendência do tipo norte-americano, de
ocupação racional e sistemática das áreas suburbanas por parte dos
habitantes com níveis alto e médio de renda.
Qual é o custo que temos hoje, em termos de deterioração do am-
biente de vida, como resultado da ênfase no transporte individual e
das deformações decorrentes da nossa estrutura urbana? Ruas alarga-
das em detrimento do pedestre, árvores derrubadas, ausência de espaços
verdes e a especulação imobiliária desenfreada, que, não tendo nenhuma
medida disciplinadora, possibilita corntrução de edifícios-garagem até no
centro da cidade.
Quanto a este último aspecto, vale lembrar que, quando em todas
as grandes cidades do mundo são postas em prática medidas com o
objetivo de penalizar o usuário do automóvel para que não entre no cen-
tro, assistimos exatamente ao oposto aqui: num local do centro da ci-
dade, onde poderíamos ter um jardim público bem arborizado, surge um
monstro de concreto, que é o edifício-garagem. Há um terminal cuja
capacidade parece ser de 3.000 veículos, localizado na Rua Primeiro de
Março. Quando estes 3.000 veículos saírem entre dezessete e dezenove
horas na Rua Primeiro de Março (que é um funil), vamos nos dar conta
de que aquela obra não deveria ter sido construída.
Os problemas de congestionamento vão se agravar mais ainda com
o estímulo à vinda de novos carros para a cidade. Temos também o caso
de um edifício-garagem que vai ser construído na Rua da Quitanda,
que é uma rua de pedestres. Este é o preço que estamos pagando pelo
uso do transporte individual, em detrimento do transporte de massa,
e pela ausência de planejamento em nossas cidades.
Temos que tomar consciência de um fato muito importante, que é
o mau equacionamento do problema dos transportes nas áreas metro-
politanas e a falta de visão integrada dos investimentos e da operação
dos transportes urbanos, principalmente quanto ao interrelacionamen-
to com outras variáveis do crescimento urbano.
A falta de uma coordenação, não só entre os próprios investimen-
tos feitos em transportes, como com outros investimentos em equipa-
mento urbano, constitui grave problema para nossas cidades. -
Cabe citar aqui o caso dos conjuntos habitacionais do BNH, que
até pouco tempo fornecia apenas a casa. O resto não era simplesmente
da conta do BNH. Instalado um conjunto habitacional na Vila Kennedy,
por exemplo, o morador para lá transferido paga Cr$ 1,50 por uma pas-
sagem de ônibus num sentido, porque o transporte é improvisado de-

339
pois da implantação do conjunto. Será um transporte caro para ele,
porque as tarifas de ônibus são progressivamente mais caras quanto
maior for a distância.
Verifica-se então um fato curioso: o habitante da Zona Sul, que
dispõe de um nível mais alto de renda, paga uma passagem mais barata.
O funcionário público, o comerciário, o homem de negócios, que vêm da
Zona Sul para o Centro, pagam Cr$ 0,50 ou Cr$ 0,60 pelo seu transporte
num sentido, e o operário que vem de Jacarepaguá ou Bangu vai pagar
Cr$ 1,00, Cr$ 1,50 ou Cr$ 2,00, sem contar com o fato de que ele perde
duas ou três horas do seu lazer dentro de um ônibus.
As sociedades industriais modernas não se podem permitir este des-
perdício, porque o tempo perdido com transporte pouco eficiente é o
tempo, dentro do contexto de uma sociedade de consumo de massa, que
está deixando de ser utilizado para o consumo. Consumir, no sentido
amplo e moderno da palavra, quer dizer não só adquirir bens, mas tam-
bém serviços, cultura, lazer, etc.
Enquanto que nas modernas sociedades industriais a preocupação
é com o aumento do tempo de lazer, para que a sociedade de consumo
estenda cada vez mais seus benefícios, temos nas metrópoles brasileiras
o problema oposto, em que o tempo de lazer é diminuto.
A qualidade da vida no Rio de Janeiro, sob alguns aspectos, há 30
anos atrás era muito melhor que a de hoje. Antes de 1940, havia não
só um sistema de transporte, mas também toda uma infra-estrutura
básica, que provavelmente atendia melhor às necessidades da cidade na
época. A cidade cresceu muito, tivemos problemas complexos de atra-
ção e marginalização de mão-de-obra; a disponibilidade de equipamen-
tos urbanos não conseguiu acompanhar o ritmo de crescimento da po-
pulação e, além disso, não houve planejamento adequado. As soluções
sempre foram improvisadas e essas improvisações deram lugar a vio-
lências contra a ecologia urbana.
A destruição de espaços verdes ou ambientes de lazer, a especula-
ção imobiliária desenfreada, decorrentes do inadequado uso do solo, tudo
isso aconteceu, em parte, porque a cidade não poderia crescer de outra
maneira, dada a falta de disponibilidade de serviços de transportes, em
particular, e de equipamento urbano, em geral.
A violência contra a ecologia decorreu também da falta de pre-
paro do nosso habitante urbano, para se organizar na recente e com-
plexa experiência de vida nas grandes metrópoles, e da ausência quase
total de planejamento.
Foram cometidos, para usar uma expressão atual, verdadeiros "eco-
cídios" em nome de um falso progresso. Cabe esperar que planejamentos
adequados e a formação de uma maior consciência de vida urbana possi-
bilitem às próximas gerações usufruir de melhor qualidade de vida em
nossas cidades.

340
IV - TRANSPORTES E A CONJUNTURA PETROLÍFERA
Capítulo XII - CRISE DO PETRóLEO E REFORMULAÇÃO DA
POLITICA DE TRANSPORTES*

1. Introdução; 2. As razões que fundamentam nossa excessiva depen-


dência do transporte rodoviário; 3. Uma visão quantitativa da de-
pendência do transporte rodoviário; 4. As repercussões da crise de
combustíveis de petróleo sobre o sistema de transportes; 5. Uma visão
quantitativa da problemática dos combustíveis de petróleo no setor de
transportes; 6. Conclusão.

1. Introdução
A recente crise internacional no mercado de combustíveis oriundos do
petróleo acarretou, entre nós, a súbita tomada de consciência quanto
à vulnerabilidade do nosso modelo de desenvolvimento do setor de trans-
portes. Cumpre reconhecer que acumulamos uma seqüência de reper-
cussões desfavoráveis sobre a eficiência dos serviços de transporte e a
localização de atividades produtivas, na medida em que foram destina-
dos de· maneira inadequada, no passado, recursos para o equacionamen-
to dos problemas de transferência de mercadorias e mobilidade de pes-
soas.
Tais repercussões, acumuladas secularmente, tornaram-se mais ób-
vias, sem dúvida, à luz do recente processo de encarecimento dos deri-
vados de petróleo, cuja matéria-prima depende em grande escala -
pelo menos até o presente- do suprimento externo. A ênfase excessiva
dada ao transporte rodoviário, sem a adequada modernização adminis-
trativa, comercial, operacional e tecnológica das modalidades não-rodo-
viárias, de maneira a torná-las capazes de atrair cargas e passageiros
nas densidades e percursos que lhe fossem próprios, colocou-nos abrup-

* Trabalho apresentado como texto-base ao Seminário sobre Transportes, realizado


dentro do Programa de Treinamento de Bancos de Desenvolvimento pela Escola Intera-
mericana de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas (setembro de 19 74) . Pu-
blicado em Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, 5(2) :475-516, dez. 1975.

343
tamente diante das inconsistências e ineficiências de nosso sistema de
transportes, sem a perspectiva de alternativas tranqüilizadoras a curto
e, talvez, médio prazos.
Infelizmente, foram muito poucas, no passado, as vozes discordan-
tes que assumiram uma perspectiva crítica frente às linhas mestras
da nossa política de transportes. Tendo-me situado nesta posição em
vários trabalhos publicados anteriormente, permito-me continuar, ao
longo da linha de pensamento por mim seguida, oferecendo alguns sub-
sídios e informações quanto à problemática atual dos transportes face
à crise de combustíveis do petróleo e chamando a atenção para aspectos
que ganharão maior relevância nesta etapa de transição.
Sem o risco de minha posição ser interpretada como aquela de
um recém-convertido à causa da reabilitação das modalidades não-ro-
doviárias de transporte, cabe-me, por outro lado, a responsabilidade de
fazer algumas advertências no que diz respeito às inconveniências de
se confundirem objetivos de curto, médio e longo prazos na definição
de medidas em favor daquelas modalidades.
Cabe-me, igualmente, mostrar que a destinação maciça de recur-
sos para a recuperação de nossas ferrovias, portos e navegação costeira
~· pressupõe a preparação de estruturas mais eficientes de administração,
comercialização dos serviços, operação do equipamento e treinamento
sistemático de pessoal, sem a qual sairemos de uma seqüência de erros
para cair em outra. Dito de outra forma, expandir a malha ferroviá-
ria, adquirir vagões e equipamentos de tração para ferrovias estrutural-
mente ineficientes ou reequipar portos sem uma perspectiva lúcida
quanto à escala e especialização econômica são medidas que poderão
redundar em repercussões tão desfavoráveis quanto as resultantes da
excessiva ênfase nos investimentos rodoviários. Isto porque tais medidas
não oferecerão, necessariamente, alternativas vantajosas para os fluxos
que se utilizam atualmente do transporte rodoviário.

2. As razões que fundamentam nossa excessiva


dependência do transporte rodoviário
Em trabalho recente t, o autor chamava a atenção para a necessi-
dade de uma reformulação em profundidade das prioridades estabeleci-
das pela nossa política de transportes, tendo em vista as profundas mo-
dificações na estrutura econômica e nas escalas de produção. Mostrava
que a opção pelo crescimento extensivo da infra-estrutura rodoviária,
numa etapa de crescimento significativo das cargas densas de matérias-
primas granelizáveis ou de produtos acabados unificáveis através de
processos modernos de acondicionamento, resultaria, inevitavelmente,
no encarecimento relativo dos transportes. Explicava, ainda, que as in-
divisibilidades condicionadas pelo aumento de capacidade de sistemas

1 Ver cap. 3, pp. 153-184.

344
integrados ferrovia-porto-navio e o uso intensivo de técnicas modernas
de manuseio, acondicionamento, estocagem e transporte em "corredo-
res" com elevada densidade de tráfego seriam, na verdade, mais capazes
de propiciar significativas reduções de custo para uma importante gama
de mercadorias.
Citando autor conhecido 2 , chamava a atenção, por outro lado, pa-
ra o fato de que, em nosso atual estágio de desenvolvimento, os proble-
mas de coordenação intermodal dos transportes deveriam ser equacio-
nados muito mais na faixa de compatibilidade de capacidades e integra-
ção de modalidades complementares em certas rotas ou "corredores" do
que na faixa relativa às atividades de transporte concorrentes. Isto im-
plicaria, na verdade, conceber o transporte rodoviário no desempenho
de funções complementares ou suplementares ao sistema ferrovia-porto-
navio em "corredores" selecionados - a par, obviamente, de suas fun-
ções gerais de penetração, comercialização e distribuição locais, trans-
porte de carga geral, etc. - e não no estímulo, como no passado, à
competição intermodal desordenada.
Cabe aqui, todavia, recapitular o conjunto de fatores subjetivos
e objetivos que se encontram na raiz do acúmulo de erros no passado
e que tornaram nossa economia excessivamente dependente do trans-
porte rodoviário para transferência de mercadorias e mobilidade de
pessoas.

2.1 Fatores subjetivos

Primeiramente, listarei fatores que, de início, independentes da rea-


lidade objetiva, passaram com ela a interagir ativamente, reforçando
a tendência de fortalecimento da ênfase nas soluções rodoviárias.
2.1.1 A crença em que o bom governo seria aquele que promovesse a expansão
acelerada da infra-estrutura rodoviária

Seu provimento, por si só, acarretaria acréscimos na capacidade de


transporte, em grande parte materializados através da introdução de
novas unidades prestadoras do serviço pelo setor privado, cuja capaci-
dade de resposta comprovaria o acerto da concepção de crescimento
extensivo do setor de transportes.
Tal crença relegou sistematicamente a uma ordem secundária de
prioridade o melhor aproveitamento da capacidade instalada segundo
sistemas, métodos e técnicas que visassem à utilização intensiva dos
meios disponíveis. Convém lembrar que já no apogeu de implantação
de nossa malha ferroviária vigoravam critérios de crescimento extensivo
da infra-estrutura viária com a concessão, inclusive, de subvenções por

2 Bourrieres, Paul. L'Economie dos Transports dans les Prograrnrnes de Dévélop-


ment Paris; Presses Universitaires de France, 1964.

345
quilômetro construído às empresas concessionanas. Pode-se dizer, as-
sim, que a política rodoviária, que ao longo das últimas quatro décadas
firmou-se no princípio do "governar é abrir estradas", herdou, na ver-
dade, a concepção do crescimento extensivo da infra-estrutura viária já
presente na política ferroviária anterior a 1930.

2.1.2 A crença em que a disponibilidade da infra-estrutura rodoviária seria condição


necessária e suficiente para promover o desenvolvimento

Intimamente associada à concepção do crescimento extensivo, acha-


va-se a crença em que, implantada uma ligação rodoviária, seria auto-
mático o crescimento da produção, emprego e renda de sua região de
influência. O investimento se justificaria pela geração de demanda adi-
cional ou atendimento de demanda insatisfeita, de forma a ter respostas
rápidas dos agentes econômicos. Em casos extremos, este raciocínio
conduziu à concepção do investimento em transporte como um fim em
si mesmo, do qual dependeria o dinamismo econômico de regiões inteiras.
É claro que, em grande número de casos, o investimento rodoviá-
rio na implantação ou melhoria das condições de infra-estrutura aten-
deu ao crescimento normal ou desviado do tráfego, em outros propiciou
a sua geração, mas seria, sem dúvida, temerosa a generalização deste
desempenho num país de grande diversidade econômica como o Brasil.
Nunca é demais lembrar que não foram devidamente avaliados os efei-
tos negativos dos investimentos rodoviários, consubstanciados na emi-
gração maciça da mão-de-obra mais apta para o trabalho, no declínio
da produção, na evasão de poupanças, no uso desordenado do solo em
áreas circundantes, na utilização predatória dos recursos naturais e na
acentuação de desequilíbrios no sistema de cidades em muitas áreas do
País.

2.1.3 A sobrestimação do papel do transporte rodoviário como fator


de modernização

Muito embora caminhões, ônibus e automóveis tenham-se constituí-


do em relevantes inovações tecnológicas face às modalidades de trans-
porte existentes, houve, entre nós, uma exagerada valorização do pa-
pel modernizante do transporte rodoviário. Este representaria o "novo"
e o "moderno", em oposição às modalidades não-rodoviárias, especial-
mente as ferrovias, que representariam o "velho" e o "superado".
Isto, creio, como reflexo de uma atitude mais ampla de nossos ad-
ministradores públicos, no sentido da absorção indiscriminada de ino-
vações tecnológicas sem a prévia avaliação quanto à sua adequabilidade
à estrutura de fatores e às conveniências da melhoria administrativa e
operacional de sistemas existentes. No que se refere aos transportes, esta
atitude implicou, obviamente, o estímulo à competição, ao invés do equa-
cionamento de problemas de escoamento de mercadorias e pessoas num
esquema de complementaridade intermodal.

346
2.1.4 A sobrestimação dos investimentos rodoviários face a outras oportunidades de
utilização dos recursos escassos da economia

Durante muito tempo, os administradores públicos brasileiros acre-


ditaram na superioridade da construção e melhoria de rodovias sobre
outras oportunidades de investimento na infra-estrutura econômica e
social. As repercussões favoráveis de um investimento rodoviário, no
sentido de melhoria dos padrões de vida de amplos contingentes popu-
lacionais, ultrapassariam de longe aquelas que poderiam advir de pro-
jetas de saneamento básico, combate a endemias, melhoria do sistema
educacional, entre outros.
Por sua vez, a perspectiva distorcida de ver na rodovia um fim em
si mesmo impediu, freqüentemente, a implementação de programas in-
tegrados do tipo transporte-saneamento básico-saúde pública-educação,
uma vez que a distribuição de recursos por parte dos Governos Federal
e Estaduais era feita em termos de trade-off, ou seja, rodovia versus
oportunidades alternativas. Estas, certamente, sem propiciar inaugura-
ções pomposas em prazos relativamente curtos de maturação dos inves-
timentos.
2.1.5 A importância exagerada imputada à indústria de veículos automotores
como fator de dinamismo econômico

Em pouco mais de uma década, o comprometimento dos rumos do


nosso desenvolvimento sócio-econômico com o desempenho do setor de
montagem e construção de veículos rodoviários chegou ao ponto de tor-
nar uma decisão de política econômica global um dos mais importantes
fatores de desarticulação dos sistemas não-rodoviários, expecialmente o
ferroviário. Apenas o colapso das modalidades de transporte ferroviário
de massa em nossas grandes cidades (bondes e trens suburbanos), dian-
te da avassaladora competição de ônibus e automóveis, seria bastante
para ilustrar a irracionalidade da dependência do desenvolvimento só-
cio-econômico das exigências da indústria de veículos automotores.

2.2 Fatores objetivos


Os fatores objetivos que determinaram a excessiva dependência de
nossa economia do transporte rodoviário foram, a meu ver, os apresen-
tados a seguir:
2.2.1 A necessidade de consolidação de um mercado nacional para
matérias-primas, alimentos e produtos manufaturados
Com a rápida expansão do eixo industrial São Paulo-Rio de Ja-
neiro, a partir de 1930, tornou-se necessária a consolidação de um mer-
cado interno de dimensões verdadeiramente nacionais. O sistema de
transportes deveria cumprir uma função inter-regional, não só para in-
terligação dos grandes mercados consumidores do litoral como para
acompanhar a expansão da fronteira agrícola.

347
O sistema ferrovia-porto-navio, concebido para uma função intra-
regional de exploração de recursos naturais de exportação, não apre-
sentava a flexibilidade necessária para atender às necessidades da rá-
pida industrialização. Assim, o processo de implantação de rodovias e a
expansão da frota de veículos, que podiam obedecer a um gradualismo
compatível com as necessidades do mercado industrial, revelaram-se
mais adequados, face às limitações de recursos e à premência de tempo,
para consolidar um amplo mercado nacional.
Os custos alternativos de unificação de bitolas ferroviárias e de reo-
rientação generalizada do sistema ferrovia-porto-navio para o mercado
interno seriam, evidentemente, mais elevados e demandariam longos
períodos de maturação dos investimentos. Todavia, o grande erro de
concepção de um sistema nacional de transportes a partir de 1930 foi
o de não situar o transporte rodoviário numa perspectiva de comple-
mentaridade intermodal, onde certos eixos ferroviários e portos seriam
reorientados para atendimento dos fluxos densos de carga resultantes
da industrialização. Ao invés disso, estimulou-se a competição desorde-
nada e predatória que esvaziou o sistema ferrovia-porto-navio, em algu-
mas rotas básicas, de suas vantagens inerentes de custo.

2.2.2 As vantagens oferecidas pelo transporte rodoviário para atendimento das


necessidades de deslocamento dos acréscimos da oferta interna

O transporte rodoviário, como inovação tecnológica, apresentou,


entre outras, as vantagens do transporte porta a porta, da facilidade
de adaptação da frota de veículos às exigências da demanda, da flexi-
bilidade da infra-estrutura viária, desviando para si fluxos de mercado-
rias e passageiros anteriormente deslocados pelas ferrovias e navios. A
crescente diversificação da produção, com acréscimos substanciais nas
necessidades de transporte de carga geral e alimentos acondicionados
em sacaria, para atendimento de um mercado interno que ampliava seu
alcance geográfico, favoreceu, sem dívida, a expansão rodoviária no
Brasil 3 •
A partir da década de 30, como se verificou em todo o mundo em
grau de intensidade maior ou menor um processo de substituição inter-
modal em favor do transporte rodoviário, era natural que seguíssemos
essa tendência. Este fator objetivo conjugado, porém, com os de ordem
subjetiva já mencionados tornaram a substituição intermodal peculiar
em nosso País. Nas economias altamente industrializadas e com ele-
vadas densidades de carga e passageiros por habitante e por km 2 de
área, o processo de competição não implicou necessariamente o colapso
das modalidades não-rodoviárias de superfície e sim uma contínua busca
de especialização. Entre nós, a magnitude mais modesta e a concentra-

3 Para uma análise mais detalhada da expansão rodoviária no Brasil, ver Cap. 1, pp.
59-75; Cap. 2, pp. 117-119; Cap. 7, pp 247-269 e Cap. 4, pp. 185-214.

348
ção espacial dos fluxos tornou a competição altamente danosa, criando
um círculo vicioso dentro do qual se debatem até hoje nossas ferrovias,
portos e navegação costeira.

2.2.3 A posição da indústria automobilística no contexto do nosso modelo de


desenvolvimento

Uma decisão de política econômica tomada em fins da década de


50 converteu-se objetivamente em fator de agravamento do processo de
deterioração das modalidades não-rodoviárias.
Cumpre, neste caso, reconhecer que, por mais rápido que tivesse
sido nosso processo de industrialização, sua dimensão e alcance foram
muito reduzidos quando comparados ao que sucede~ nos Estados Unidos
e Europa Ocidental. Assim, o mercado da nossa indústria automobilísti-
ca, já restrito, teve que incorporar, com grande voracidade, faixas do
mercado de transportes que poderiam ser bem atendidas através da mo-
dernização das ferrovias, portos e navegação. A substituição intermodal
indiscriminada em favor do transporte rodoviário obedeceu, assim, às
pressões de um ramo industrial com grande influência sobre o dinamis-
mo da economia.

2.2.4 O desinteresse das antigas concessionãrias em modernizar as ferrovias


e os portos

Ao lado dos fatores ligados à expansão dos investimentos públicos


na infra-estrutura rodoviária e dos privados na montagem e construção
de veículos, cabe lembrar aqueles ligados ao processo endógeno de de-
terioração das modalidades não-rodoviárias.
O irrealismo das políticas tarifárias, as dificuldades impostas às
correções de ativos, as limitações nas taxas de lucro, entre outros, foram
fatores que contribuíram para o desinteresse das concessionárias em
modernizar seus empreendimentos. Com a nacionalização das ferrovias
e portos, o Governo Federal recebeu abruptamente todo o ônus de ter
que administrar empresas em precárias condições financeiras, técnicas
e comerciais.
O despreparo do próprio Governo em administrá-las refletiu-se no
acúmulo de déficits, na falta de capacidade de comercialização dos ser-
viços e nas dificuldades em oferecer serviços rápidos e seguros, que ca-
racterizaram especialmente nossas ferrovias e portos.

2.2.5 O mecanismo circular de geração dos recursos destinados aos investimentos


rodoviãrios vinculados à expansão da frota de veliculos

Com a preservação no longo prazo das receitas vinculadas oriundas


do imposto único sobre lubrificantes e combustíveis, gerou-se um pro-
cesso de causação circular, através do qual os acréscimos na extensão
rodoviária induziram à expansão da frota de veículos e, conseqüente-

349
mente, ao maior consumo de derivados de petróleo, ampliando cumulati-
vamente a disponibilidade de recursos para a construção de novas rodo-
vias e a melhoria das existentes. Como a capacidade de endividamento
interno e externo do setor rodoviário dependeu do comprometimento de
receitas vinculadas previstas, ampliou-se consideravelmente o processo
de captação de recursos para investimentos no setor 4 •
Um importante estudo5 mostra, por outro lado, que o subsidiamen-
to ao transporte rodoviário, através de mecanismos indiretos de trans-
ferências de recursos oriundos de outros setores da economia, não foi
menos importante, no passado, que o financiamento dos déficits das mo-
dalidades não-rodoviárias. A diferença é que estes últimos eram cober-
tos através do subvencionamento direto com recursos do Tesouro da
União, enquanto que os déficits do setor rodoviário- no que diz respeito
à construção, melhoria e conservação da sua infra-estrutura - eram co-
bertos por recursos provenientes dos consumidores não-rodoviários de
derivados de petróleo e dos contribuintes em geral.
Ultimamente, com a maior adequação entre a participação do setor
rodoviário na formação do imposto único e a parcela deste que constitui
o Fundo Rodoviário Nacional, uma série de programas de investimento
rodoviário - os chamados "Programas Especiais" (PIN, PRODOESTE,
PROVALE, etc.) -passou a ser financiada através da receita tributária
geral. Isto representaria uma forma de afastar, novamente, os recursos
aplicados no setor das fontes ligadas aos usuários das rodovias.
A elevada participação relativa do setor rodoviário na formação
bruta de capital do País e no total dos investimentos em transportes
deveu-se, primordialmente, às características do processo de ocupação
econômica de um país com dimensões continentais. Sabe-se que entre
nós, ao nível de tecnologia existente, é sobre a rodovia que se apóia todo
o transporte das regiões cuja atividade econômica não atingiu ainda a
densidade e a diversificação que dão origem aos fluxos pesados e con-
centrados de transferências de matérias-primas, produtos granelizáveis
e lote significativos de carga geral 6 •
Neste sentido, a preponderância do investimento rodoviário con-
tinuará a ser uma realidade concreta entre nós, pelo menos no próxi-
mo decênio, uma vez que as características do processo de ocupação
econômica dificilmente se modificarão nesse prazo. Por outro lado,
cumpre ter presente que os investimentos rodoviários contribuíram, em
alguma medida, para a desconcentração de atividades, como será des-
tacado em parte subseqüente deste trabalho.
Muito embora o alcance do grosso da desconcentração industrial
ainda esteja limitado ao raio das regiões metropolitanas - na medida

4Ver cap. 3, pp. 164-68.


5 Aboucha r, Alan. A Política dos Transportes e a Inflação no Brasil, Rio de Janeiro ;
EPEA, 1967.
G BRAGA, Roberto Saturnino. A utilização do transporte ferroviário no Brasil.
Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 8 (1):233-64, 1974.

350
em que as modernas unidades industriais têm buscado solucionar suas
necessidades de amplos espaços e proximidade dos mercados através
da localização ao longo dos grandes eixos rodoviários que convergem
para as Metrópoles - não há dúvida de que nosso modelo de expansão
das atividades agropecuárias - altamente dinâmico e de ocupação ex-
tensiva - exigirá provimento, melhoria e conservação de uma vasta
malha rodoviária.
É claro, também, que em futuro próximo os investimentos na am-
pliação e melhoria dos sistemas secundários de acesso a áreas rurais,
urbanas e metropolitanas deverão receber mais atenção das autorida-
des rodoviárias federais e estaduais, sob o risco de comprometer qual-
quer formulação planejada do nosso desenvolvimento regional-urbano.
Convém não esquecer, portanto, que o problema de acessibilidade local
terá solução preponderantemente rodoviária, o que manterá ainda em
nível elevado o investimento nesta modalidade, quer em veículos, quer
na infra-estrutura.
Tornar-se-á factível, na minha opinião, a diminuição da excessiva
participação relativa do setor rodoviário nos investimentos em trans-
portes na medida em que:
a) seja progressivamente adaptada a localização das nossas estra-
das de ferro à configuração atual e potencial do mercado de transporte
ferroviário 7 ;
b) haja uma hierarquização dos portos, tendo em vista uma ra-
cionalização dos investimentos portuários através da concentração de
recursos em um número reduzido de portos regionais com elevados
potenciais de polarização;
c) seja implementado um processo contínuo de modernização tec-
nológica, operacional, administrativa e comercial, bem como criadas
condições efetivas de aprimoramento da qualificação profissional em
nossas ferrovias, portos e navios.
Cabe lembrar, todavia, que daqui para frente os investimentos nas
modalidades não-rodoviárias (transporte marítimo, fluvial, ferroviário
e por condutos) deverão concentrar-se no atendimento futuro dos flu-
xos de carga densa e de grandes partidas de carga geral, para os
quais existem relativamente poucos pontos de origem e destino e onde
a transferência de mercadorias é suscetível a economias de escala, den-
tro de limites de acréscimo no grau de utilização da capacidade ins-
talada. Por outro lado, é evidente que as soluções não-rodoviárias para
o transporte daqueles fluxos deverão ser concebidas não só para reduzir
custos de transferência de mercadorias, mas também para reduzir o
consumo relativo de combustíveis de petróleo. Neste quadro é que fará
sentido a eletrificação de trechos ou linhas ferroviárias, a implantação
de condutos e a implantação de sistemas integrados porto-navio em que
os portos sejam dimensionados em escala compatível com a capacidade

7 Ibid., p . 241.

351
e características dos navios. Tais investimentos, como se sabe, implicam
elevados custos de construção e aquisição de equipamentos, bem como
longos períodos de maturação, exigindo, portanto, uma estratégia glo-
bal de redução planejada no emprego de combustíveis de petróleo nos
meios de transportes e não medidas isoladas de destinação de recursos
às modalidades não-rodoviárias.

3. Uma visão quantitativa da dependência


do transporte rodoviário
A pós uma análise qualitativa das razões que fundamentaram nossa
excessiva dependência do transporte rodoviário, cabe apresentar uma
visão quantitativa recente do problema, tendo em vista os a.spectos
referentes a investimento, operação e política de preços, considerado
o período 1960/ 72 .

3 .1 Investimento

Pela tabela 1 observa-se que, ao longo do período 1960/ 72, foram


despendidos em nosso País cerca de Cr$ 178 bilhões, a preços de 1974,
para equacionar os problemas de transferência de mercadorias e mo-
bilidade de pessoas através do transporte rodoviário. Tais recursos
foram destinados à implantação e melhoria da infra-estrutura rodoviária,
bem como à aquisição de veículos 8 , e representaram nada menos de
80 % do investimento total realizado no setor de transportes. Por outro
lado, somente a implantação e a melhoria da infra-estrutura rodoviária
representaram, no período assinalado, 25% do esforço de investimento
global do setor de transportes em vias, terminais, equipamentos e veí-
culos.
O confronto dos recursos destinados à implantação, recuperação e
melhoria da infra-estrutura, bem como à aquisição de veículos, nas
diferentes modalidades de transporte, permite observar que o transpJrte
rodoviário foi multiplicado, em termos reais, por 1,94 entre 1960 e
1970 . Enquanto isto, o fator de multiplicação para as ferrovias foi de
1,40, para os portos e navegação de 1,30 e para a aeronáutica civil
de 0,50.
Entre 1970 e 1972 é possível constatar a busca de uma distribuição
mais equilibrada de recursos visando a superar as deficiências das mo-
dalidades não-rodoviárias: os fatores de multiplicação dos recurmc;, em
termos reais, entre estes dois anos foram de 1,26 para o transporte ro-
doviário, 1,81 para as ferrovias, 2,23 para os portos e navegação e 2,96
para o transporte aéreo. A participação relativa do transporte rodo-

8 O investimento em veículos rodoviários é calculado pelo Valor da Produção, a pre-


ços de mercado, de caminhões, ônibus, utilitários e 50% da produção de automóveis. Cf.
Brasil, Ministério dos Transportes, Anuário Estatístico dos Transportes, Rio de Janeiro,
1973, p. 23.

352
Tabela 1
Brasil: investimentos no setor de transportes, período 1960-72
(milhões de cruzeiros de 1974)

(6) Trans-
(1) Transporte rodoviário (5) Setor porte (7) Rodo-
(2) Trans- (3) Trans- (4) Trans- vias (a)
Anos porte porte porte de rodoviário
ferroviário transportes (1)
hidroviário aéreo
(a) (b) (c)
Total
Total (5)
Rodovias
I Veículos
I Total Total (5)

1960 2 573,49 6 874,68 9 448,17 1 120,48 983,13 1 019,27 12 571,05 75,16 20,47
1!)61 1 898,89 6 118,65 8 017,54 965,27 749,01 480,00 10 211,82 78,51 18,60
1962 1 794,80 8 786,19 10 580,!)9 1 151,32 !)28,71 646,96 13 307,98 79,51 13,49
1963 1 822,84 8 221,61 10 044,45 1 275,39 839,02 174,55 12 333,41 81,44 14,78
1964 2 307,30 8 202,57 10 509,87 1 105,75 729,88 257,18 12 602,68 83,39 18,31
1965 4 689,12 6 650,29 11 339,41 1 605,31 784,73 269,54 13 998,99 81,00 33,50
1966 4 285,90 7 797,72 12 083,62 1 503,89 1 004,20 529,54 15 121,25 79,!)1 28,34
1967 5 369,63 7 597,87 12 967,50 1 340,25 853,13 473,25 15 634,13 82,94 34,35
1968 4 759,15 9 610,99 14 370,14 1 095,60 1 284,28 815,73 17 565,75 81,81 27,09
1969 6 018,75 10 560,75 16 579,50 1 319,25 1 429,75 744,50 20 073,00 82,60 29,98
1970 6 252,65 12 131,52 18 384,17 1 566,92 1 277,87 513,40 21 742,36 84,55 28,76
1971 7 442,37 13 602,66 21 045,03 2 144,59 2 157,76 988,67 26 336,05 79,91 28,26
1972 7 530,00 15 639,21 23 169,21 2 842,04 2 851,07 1 519,06 30 381,38 76,26 24,78
1960-72 56 744,8!) 121 794,71 178 539,60 19 036,06 15 872,54 8 431,65 221 879,85 80,47 25,57
c,.)
t1l
c,.) FONTE: GEIPOT - Anuário Estatístico dos Transportes.
nano em 1972, todavia, continuava a ser bastante elevada no con-
junto dos recursos destinados a investimentos no setor, ou seja, da
ordem de 76%.
A mudança nos critérios de destinação de recursos, verificada a
partir de 1970, embora necessária para reduzir o descompasso entre
as modalidades rodoviária e não-rodoviária, pode-se revelar não sufi-
ciente na medida em que tais recursos tenham sido destinados à aqui-
sição indiscriminada de veículos e equipamentos, sem uma perspectiva
mais clara quanto à necessidade de aplicar concentradamente recursos
na reestruturação em profundidade das condições físicas e operacionais
de vias, terminais, pátios, portos e aeroportos selecionados.
A tabela 2 mostra o crescimento físico da frota de veículos rodo-
viários no Brasil, considerado o período 1960/ 72. Chama a atenção de
início o elevado ritmo de expansão da frota de automóveis e utilitários
que, em 1972, já ultrapassava os três milhões de veículos. A frota de
caminhões, por sua vez, embora tenha-se expandido a ritmo inferior,
praticamente dobrou em um período de 12 anos, três dos qlJ.ais (1966/ 68)
traduziram-se em estagnação do número de veículos. Cabe notar que o
ritmo de crescimento mais lento da frota de caminhões não implicou
um ritmo igualmente lento de expansão do transporte interurbano de
carga. Com efeito, houve elevação significativa da produtividade do
transporte rodoviário através do aumento da participação de unidades
com maior capacidade individual de transporte (caminhões pesados)
no total da frota, aumento da capacidade dos próprios caminhões pesa-
dos através do tracionamento de reboques ou sua conversão em cavalos-
mecânicos para o tracionamento de semi-reboques (unidades articula-
das), além da substancial melhoria nas condições físicas das nossas
estradas de rodagem 9 •
O fato notável na expansão da nossa rede rodoviária não foi, na
verdade, somente o relacionado com a ampliação da quilometragem das
rodovias federais e estaduais. Mais importante, talvez, foi a rápida mo-
dificação na composição da rede principal, com cerca de 1/ 3 já pavi-
mentada em 1972, quando em 1960 esta participação relativa era de
apenas 12 %, conforme mostra a tabela 3. Não fosse o aumento pro-
gressivo da eficiência do transporte em caminhão, em contraste com as
ineficiências prevalecentes nas modalidades não-rodoviárias, dificilmente
seria possível manter o ritmo da nossa expansão industrial na última
década. Cabe salientar, todavia, que, se a expansão do transporte ro-
doviário serviu de suporte à industrialização passada, isto não significa,
necessariamente, que no atual estágio de industrialização intensiva -
com base nos aumentos significativos de escala e no alargamento das
fronteiras internas e externas do mercado, nos quais serão importantes
as reduções de custos de transferência - seja lícito extrapolar a mes-

9 LORCH, Walter. Transporte rodoviário no Brasil: as perspectivas operacional e


organizacional. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 8 (1) :209-32, 1974.

354
Tabela 2
Crescimento da frota de veículos rodoviários, períodos 1960-72

(a) Automóveis (b)


Anos c Utilitários CarninhõeR (c) Ónibus

1960 570 195 389 773 27 645


1961 642 556 410 539 30 825
1962 787 685 439 554 34 319
1963 948 642 467 129 36 631
1964 1 135 933 494 145 39 001
1965 1 303 261 528 606 42 864
1966 1 482 965 570 279 46 114
1967 1 644 648 567 400 45 377
1968 1 765 521 571 117 46 625
1969 2 002 660 602 882 51 206
1970 2 324 309 632.720 50 767
1971 2 638 191 675 535 57 239
1972 3 067 153 744 304 57 919
Taxa de Crescirnen to
Médio Anual 15,08% 5,52% 6,37%

FONTE: GEIPOT. Anuários Estatísticos dos Transportes.

Tabela 3
Brasil: crescimento da rede rodoviária (estadual e federal),
período 1960-72
(em quilômetros)
(c) Total (d) Pavi-
(a) Rodovias (b) Rodovias (a+ b)
não- Pavimentadas rnentadas
Anos Pavimentadas (a)/(c)
-Pavimentadas +não- Total
-Pavimentadas
-
1960 12 703 95 574 108 277 11,73
1961 13 875 98 091 111 966 12,38
1962 16 278 99 682 11.'5 960 14,03
1963 16 954 100 601 117 555 14,42
1964 17 770 103 2.52 121 022 14,68
196!5 26 424 103 066 129 430 20,41
1966 30 112 106 267 136 379 22,07
1!)67 34 218 118 624 152 842 22,38
1968 :l9 392 123 376 162 768 24,20
1969 43 748 126 979 170 727 25,62
1970 48 577 132 434 181 011 26,68
1971 52 382 138 286 190 668 27,47
1972 57 736 140 806 198 .'!42 29,08
Taxa de Crescimento
Médio Anual 13,43% 3,29% 5,1H%

FONTE: GEIPOT, Anuários Estailsticos dos Transp(J1-te.~.

355
ma pos1çao do transporte rodoviário para o futuro 10 • Por outro lado,
convém insistir no papel preponderante que o transporte rodoviário
continuará a ter na absorção de mão-de-obra - tanto na construção
quanto na operação de veículos - na comercialização agrícola, na in-
corporação de novos mercados para a produção industrial e no trans-
porte rápido e seguro da carga geral.
Um aspecto final que merece ser mencionado com relação ao item
investimento é o da promoção de maior eqüidade inter-regional num
País como o Brasil. A este respeito, a tabela 4 mostra que a modali-
dade rodoviária é a que apresenta maior equilíbrio na distribuição
inter-regional de recursos para investimento e maior potencial de ate-
nuação de desníveis regionais, muito embora o fato de a região Norte
ter absorvido 11,5% dos recursos nos anos de 1970/ 71 / 72 (acumulados),
contra apenas 4% da região Centro-Oeste, constitua-se num paradoxo
que pode acarretar inibições no crescimento de áreas que apresentam
notável dinamismo econômico, tais como, o sul de Mato Grosso e o sul
de Goiás.
Nos sistemas portuários e ferroviários, todavia, os paradoxos são
mais acentuados. Se é lógica e altamente recomendável a concentração
regional dos investimentos nestes sistemas, como decorrência de fato-
res de escala e concentração espacial dos fluxos densos, não tem o
menor cabimento, por exemplo, o DNPVN destinar 14,6% dos recursos
disponíveis para os portos da região Sul - onde se concentra o grosso
da nossa produção de cereais e alimentos destinados tanto ao abasteci-
mento interno quanto às exportações- enquanto os portos do Nordeste
são aquinhoados com 18% daqueles recursos.
Já no sistema rodoviário, a concentração de nada menos de 88 ';Yr
dos recursos para investimentos na região Sul, enquanto apenas 8 % são
destinados ao Sudeste, revela a insistência de nossas autoridades fer-
roviárias em desvincular a localização de nossas estradas de ferro -
e investimentos para sua melhoria e recuperação - da configuração
atual e potencial do mercado de transporte ferroviário. Ao que tudo
indica, ainda não se chegou a uma consciência clara de que os gran-
des projetas de expansão dos setores siderúrgico, de cimento, petro-
química, entre outros, estarão localizados na região Sudeste.
A tabela 5, por sua vez, mostra que não deixa de ser curiosa a
destinação, ao transporte rodoviário, de 95% dos recursos para inves-
timentos em transporte na região Norte, enquanto os portos de uma
região que possui uma das maiores bacias hidrográficas do mundo re-
cebem apenas 4,8% do total regional. A destinação de apenas 6% do
total regional no Sudeste para investimentos ferroviários revela, por seu
turno, que a região mais industrializada no País terá, em futuro próxi-
mo, muitos dos seus fluxos densos de matérias-primas granelizáveis ou
produtos acabados unificáveis transportados de maneira inadequada por
caminhões.

10 Ver cap. 7, p. 266.

356
'~:.

Tabela 4
Brasil: investimentos ao nível federal por região e modalidade,
anos de 1970-72 acumulados
(percentagem relativa à modalidade)
(milhares de cruzeiros de 1974)

Região Região Região Região Região


Especificação Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Total

Setor Rodoviário (1) 708 565,54 1 592 820,76 1 908 922,98 1 687 074,58 245 657,66 6 143 041,52
(11,53%) (25,93%) (31,07%) (26,46%) (4,00%) (100%)
Setor Portuário (2) 35 832,10 248 311,85 883 158,90 199 649,15 1 366 952,00
( 2,62%) (18,17%) (64,61%) (14,61%) (100%)

Setor Ferroviário (3) 76,14 30 435,11 178 702,82 1 899 931,19 33 123,07 2 142 268,33
(O%) ( 1,42%) ( 8,34%) (88,69%) (1,55%) (100%)

Total 744 473,78 1 871 567,72 2 970 784,70 3 786 654,92 278 780,73 9 652 261,85
( 7,71 %) (19,39%) (30,78%) (39,23%) (2,89%) (100%)

FONTES: Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER); Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis (DNPVN);
Departamento Nacional de Estradas de Ferro (DNEF).
(1) Nível federal: construção e pavimentação.
(2) Nível federal: recursos do FPN e do FMP.
(3) Somente investimentos na infra-estrutura: inclui a FEPASA e EFVM.
Tabela 5
Investimentos ao nível federal por região e modalidade,
anos de 1970-72 acumulados
(percentagem relativa à região)
(milhares de cruzeiros de 1974)

Região Região Região Região Região


ERpecificação Nordeste Sudeste Sul Centro-Oe::;te Total
Norte

Setor Rodoviário (1) 708 565,54 1 592 820,76 1 908 922,98 1 687 074,58 245 657,66 6 143 041,52
(95,18%) (85,11%) (64,26%) (44,55%) (88, 12%) (63,64%)

Setor Portuário (2) 35 832,10 248 311,85 883 158,90 199 649,15 1 366 952,00
( 4,81%) (13,27%) (29,73%) ( 5,27%) (14,16%)

Setor Ferroviário (3) 76,14 30 435,11 178 702,82 1 899 931,19 33 123,07 2 142 268,33
( 0,01%) ( 1,63%) ( 6,02%) (50,17%) (11,88%) (22, 19%)

To tal 744 473,78 1 871 567,73 2 970 784,70 3 786 654,92 278 780,73 9 652 261,85
(100%) (100%) (100%) (100%) (100%) (100%)

FONTES: Departamento Nacionn.l de Estradas de Rodagem (DNER); Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis (DNPVN);
Departamento Nacional de Estradas de Ferro (DNEF).
(1) Nível federal: construção e pavimentação.
(2) Nível federal: recursos do FPN e do Fl\IP.
(3) Somente investimentos na infra-estrutura; inclui a FEPASA e EFVN.
Entre nós, as duas funções mais importantes do transporte- a de
transferir mercadorias com eficiência, tirando melhor partido da escala,
natureza e localização dos fluxos, e a de promover maior eqüidade intec-
regional do desenvolvimento - são, obviamente, negligenciadas pela
ausência de uma concepção adequada, ao nível nacional, quanto à dis-
tribuição regional dos recursos para investimentos nas diferentes mo-
dalidades de transporte.

3 .2 Operação
Pela tabela 6 é possível observar que foi crescente a participação re-
lativa do transporte rodoviário no total da movimentação de cargas e
passageiros, considerado o período 1960/ 72. Nesses 13 anos, os cami-
nhões movimentaram 1.149 bilhões de toneladas/ quilômetro, num to-
tal de 1. 665 bilhões, o que representou a elevada participação relativa
de 69 % . Os ônibus e automóveis, por sua vez movimentaram 937 bi-
lhões de passageiros/ quilômetro, num total de 1. 052 bilhões, ou seja,
atendendo a 89 % da demanda. No ano de 1972, estas percentagens atin-
giam, respectivamente, 73 e 95 % .
O que chama a atenção, nessa tabela, é a acentuada discrepância
nos ritmos de crescimento das movimentações de carga e passageiros,
quando confrontada a modalidade rodoviária com o conjunto das não-
rodoviárias. A tabela 7, por sua vez, estabelece o confronto dos índices
de crescimento da movimentação de carga com os do Produto Interno
Bruto, permitindo constatar que sem o desempenho do transporte rodo-
viário o próprio desenvolvimento econômico do País poderia ter-se frus-
trado. A comparação entre o desempenho dos transportes rodoviário e
ferroviário, por exemplo, pode ser feita através da tabela 8. Aí, vários
indicadores de produtividade são confrontados no tempo, notando-se a
posição média desvantajosa das ferrovias no trabalho de movimentação
interurbana de carga. Pode-se dizer que, entre nós, os índices médios
revelam uma inadequada posição dos caminhões como transporte linear
pesado, quando era de se esperar que densidades de carga mais elevadas
fossem transportadas nas ferrovias .
É claro que, em termos de custos, tal situação tem representado
uma negligência sistemática dos aproveitamentos de escala. As indivi-
sibilidades dos investimentos em instalações fixas e melhorias para im-
plantação de facilidades de granelização e armazenagem em sistemas de
transporte combinado, onde o grosso da movimentação linear pesada se
fizesse através de modalidades adequadas (ferrovias, dutos, rodovia-
tronco expressa ou via navegável), poderiam ter reduzido significati-
vamente os custos médios unitários para o tráfego denso de um con-
junto selecionado de mercadorias 11 • Apesar de sua eficiência relativa,
o transporte rodoviário trouxe para si cargas que não lhe eram próprias,
gerando elevações de custos que se propagaram pelo sistema econômico.

11 cap. 8, p. 293 e cap. 5, pp. 215-24.

359
Tabela 6

Movimentação de carga e passageiros, periodo 1960-72

(a.) Bilhões de (b) Bilhões de (b) (d) Bilhões de (e) Bilhões de (e)
ton ela.da.s/ toneladas/ (c)--% pa.ssageiro/s passageiros/
Anos quilômetro quilômetro (f) - - %
(a.) quilômetro quilômetro (d)
total rodoviário total rodoviário

1960 69,7 42,0 60,3 39,4 29,6 75,1


1961 76,0 46,8 61,6 42,0 32,5 77,4
1962 85,9 52,7 61,3 47,3 37,2 78,6
1963 90,8 59,3 65,3 52,9 42,6 80,5
1964 97,5 66,7 68,4 53,6 48,8 83,2
1965 108,9 75,0 68,9 65,8 55,9 84,9
1966 120,9 84,1 69,6 72,3 64,1 88,6
1967 132,9 92,8 69,8 80,8 73,1 90,4
1968 145,3 102,4 70,5 91,7 83,4 90,9
1969 160,7 112,9 70,3 103,3 95,2 92,2
1970 176,3 124,5 70,6 116,0 108,6 93,5
1971 193,2 137,3 71,1 131,7 124,3 94,4
1972 207,3 152,1 73,3 150,0 142,1 94,6

Toi ·,J 1960/72 1 665,4 1 148,6 69,0 1 052,0 937,4 89,0

Taxa médh de
rre~cimento
a.nua.J 9,51% 11,32% 11,78% 13,9.'i%

FONTE: GEIPOT, Anuários Estatfsticos dos Transportes.


Tabela 7
Tráfego de mercadorias, rodoviário e não-rodoviário

Rodoviário: Não-Rodoviário: PIB


Anos Toneladas/Quilómetro Toneladas/Quilómetro
(Bilhões) (Bilhões) (Bilhões)

1960- Base 100,00 100,00 100,00


1961 111,42 105,41 107,48
1962 125,47 119,85 115,47
1963 141,19 113,71 118,99
1964 158,80 111,19 120,70
1965 178,57 122,38 122,84
1966 200,23 132,85 129,96
1967 220,95 144,76 134,69
1968 243,80 154,87 151,44
1969 268,80 172,.56 167,21
1970 296,42 187,00 182,51
1971 326,90 201,80 203,23
1972 362,14 199,27 224,00

FONTE: GEIPOT, Anuários Eslalisticos dos Transportes.

Tabela 8
Brasil: comparação entre o desempenho dos transportes rodoviário e
ferroviário interurbano de carga, anos de 1960, 1964, 1968 e 1972

Rodoviário Ferroviári0Cll

Anos t km por i km por t km por t km por t km por i km por


km de Via Unidade Veículo km de Via Unidade Veículo
por AnoC2l de PIB por AnoC 3l por Ano de PIB por AnoC 4l
(Milhares) (:.\filhares) (Milhares) (Milhares) (Milhares) (Milhare~)
-
1960 387,89 0,20 107,75 353,82 0,06 331,97
1964 551,13 0,27 133,62 468,29 0,06 490,78
1968 629,11 0,33 179,29 672,43 0,06 679,13
1972 766,08 0,33 204,35 1 075,53 0,07 1 107,50

Cll Incluídas as E. F. Vitória-::\1inas e E. F. Amapá, cujo transporte intensivo de mirério


eleva obviamente os índircs por km de linha e por veículo.
C2l Considerada apenas a extensão das redes federal e estadual.
C3) Considerados apena.'! os caminhões (excltúdos pick-ups, furgões e utilitários).
<4l Considerados apenas os vagões em tráfego.

361
Foi dito que a elevação de produtividade do transporte rodoviário
deveu-se, além do aumento na capacidade unitária dos veículos e da
entrada em circulação de grande número de unidades articuladas, à
melhoria das condições físicas e técnicas das nossas rodovias. Cabe lem-
brar, todavia, que, a persistir a excessiva ênfase dada pelas autoridades
rodoviárias à construção e pavimentação, poderão surgir em futuro
próximo graves estrangulamentos de recursos para as necessidades de
conservação viária e segurança de tráfego. Estes itens, como se sabe,
têm a maior importância na preservação da eficiência operacional do
transporte rodoviário .

3.3 Política de preços


Sabe-se que a política de preços tem por finalidade última limitar a
demanda face às restrições na produção de bens ou prestação de servi-
ços. Por outro lado, em virtude das interdependências existentes no
processo econômico, a demanda de um bem ou serviço não depende ex-
clusivamente do seu preço em particular, mas também dos preços de
todos os outros e, especialmente, daqueles bens ou serviços substitutos.
Uma política de preços que vise a adequar a demanda de um setor às
condições da oferta, portanto, deve ser concebida em termos de uma
estrutura de preços relativos.
Além disso, o custo de produção de um bem ou a prestação de um
serviço são determinados pelos preços dos fatores de produção, que,
em última análise, são determinados pela escassez relativa dos mesmos.
A política de preços de um setor deve~ assim, levar em conta a vincula-
ção entre custos e preços, de forma que estes últimos reflitam a realidade
econômica do processo produtivo. Num setor como o de transportes, a
determinação das tarifas deve obedecer a ess·es princípios, devendo a
formulação de uma política tarifária ser estriba~a no conhecimento
tanto da estrutura de preços relativos quanto da composição real dos
custos de prestação dos serviços.
Cabe lembrar que nesse setor, todavia, a formulação de política
tarifária torna-se ainda mais complexa:
a) pela existência, muitas vezes, de divergências entre preços de
mercado e custos sociais;
b) pelo fato de o consumo dos serviços apresentar externalidades;
c) pelo fato de o provimento dos serviços aquém de uma deter-
minada escala poder implicar prejuízos financeiros para que apresente
benefícios sociais.
Estas considerações, embora mais pertinentes à prestação dos ser-
viços de transporte urbano, podem ser igualmente válidas para algumas
situações do transporte rodoviário.
Por outro lado, é comum os preços do mercado dos serviços de
transporte não refletirem as condições do custo de produção para ope-
rações de tipo industrial e onde a cobertura financeira pelas tarifas é

362
essencial para o funcionamento da empresa prestadora do serviço. Nes-
tas condições encontra-se a maior parte dos serviços prestados pelas
empresas portuárias, ferroviárias e, mesmo, rodoviárias. Os fatores de-
terminantes da política tarifária são, neste caso, o nível da demanda
dos consumidores, a tecnologia de produção e a oferta de fatores de
produção.
Devido à interdependência de preços no processo económico, a va-
riação relativa no preço de um insumo pode alterar a estrutura de custo
de prestação do serviço, provocando uma série de efeitos em cadeia.
Esta situação pode ser exemplificada com a política de preços e de tri-
butação relacionada ao óleo diesel. O preço deste combustível determi-
nou, entre nós, alterações significativas na estrutura da produção de
veículos rodoviários de carga, favorecendo a produção de veículos pesa-
dos e unidades articuladas. Dentro da concepção de uma política de
tributação do usuário das rodovias, por sua vez, os veículos pesados mo-
vidos a díesel são menos onerados pelo imposto único sobre combustí-
veis e lubrificantes do que os movidos a gasolina, sendo que, ao contri-
buir com 37,5% da receita do imposto, concorrem com 67,4% do desgaste
físico das rodovias, consubstanciado nas toneladas/quilómetro brutas
realizadas pela frota destes veículos 12 • Há, neste sentido, um subsidia-
menta ao transporte rodoviário pesado de média e longa distâncias.
Como o transporte ferroviário utiliza também o óleo díesel em larga
escala, qualquer política de "barateamento" relativo deste combustível
para favorecer esta modalidade poderá, pelas razões expostas, favorecer
ainda mais o transporte rodoviário e tornar inócuas as intenções de
recuperar a curto prazo o mercado de serviços ferroviários.
Com relação ao problema da política tarifária, cumpre lembrar,
finalmente, um aspecto de fundamental importância, cuja consideração
deverá estar presente em qualquer reformulação da política de trans-
portes. Sabe-se que o transporte rodoviário de cargas apresenta a pe-
culiaridade de ter a sua tarifa formada em condições de concorrência,
enquanto os serviços ferroviários, portuários (assim como muitos tipos
de carga marítima) têm as suas tarifas formadas em condições mona-
polistas ou oligopolistas.
Num contexto inflacionário, as tarifas rodoviárias têm sido muito
mais flexíveis frente aos acréscimos nominais de custos, permitindo rea-
justamentos imediatos. Esta vantagem já não pode ser apresentada pelas
modalidades não-rodoviárias, pois às suas atividades monopolizadas pelo
setor público, ou com sua grande participação, somam-se a inércia e
as dificuldades burocráticas para o reajuste de tarifas 13 •
A tabela 9 mostra, com efeito, a evolução da tarifa ferroviária -
a preços constantes de 1974 -para um conjunto selecionado de mer-

12 Ver, a este respeito: PAOLA, Magali de & AZEREDO, Ricardo Luiz R. de


Política de financiamento do setor de transportes. Revista de Administração Pública,
Rio de Janeiro, 8 (1) :117-59, 1974.
13 Ver cap. 1, p. 45-46.

363
cadorias no período 1970/ 74. Nota-se que as tarifas reais oscilam bas-
tante, evidenciando-se tendências declinantes para todas as mercado-
rias. Isso significa que, além das tarifas ferroviárias não corresponde-
rem, via de regra, ao nível real de custos de fatores, insumos e de-
preciação, seu valor em termos constantes reduz-se no período, impe-
dindo que façam frente aos incrementos de custos resultantes da eleva-
ção geral de preços.

Tabela 9
Tarifa ferroviária - distância de 400 km/t
(em cruzeiros de 1974)

Mercadorias 1970 Hl71 1972 1973 1974

Aço 65,77 65,58 54,37 70,67 62,04


Cimento 53,83 53,08 44,54 57,88 50,83
Gasolinn. 71,76 71,.56 59,34 77,13 67,74
Feijão 59,79 59,63 49,69 64,62 56,76
Trigo 53,83 53,68 44,51 57,88 50,83

FONTE: Rede Ferroviária Federal S/A.

4. As repercussões da crise de combustíveis de petróleo


sobre o sistema de transportes
As repercussões da crise de combustíveis de petróleo sobre o sistema
de transportes podem ser vistas segundo duas perspectivas principais:
a) repercussões sobre o sistema de transportes no desempenho de
sua função de transferir grandes massas de mercadorias granelizáveis
ou unificáveis segundo modernas formas de acondicionamento, nas lon-
gas e médias distâncias;
b) repercussões sobre o transporte de grandes massas de passagei-
ros nas áreas urbanas de maior porte e, em especial, nas regiões metro-
politanas.
Ao identificar estas duas perspectivas estou, obviamente, conside-
rando que:
a) o transporte de densidades rarefeitas de matérias-primas e pe-
quenas partidas de carga geral continuará a ser efetuado de maneira
mais racional e com maior eficiência pelos caminhões, nas longas e mé-
dias distâncias;
b) excetuando poucas ligações de grandes Metrópoles relativamente
próximas entre si, o transporte de passageiros nas longas e médias dis-

364
tâncias continuará a ser efetuado primordialmente por ônibus e aviões,
uma vez que inexistem ainda entre nós fluxos significativos que justi-
fiquem investimentos em outras modalidades;
c) o tráfego local de mercadorias, no sentido de coleta e distri-
buição nos centros urbanos e áreas de porte médio e pequeno, bem como
os fluxos que representam coleta e distribuição de usuários de sistemas
de transporte de massa nos grandes centros e regiões metropolitanas,
deverão ser atendidos por modalidades coletivas ou individuais de trans-
porte rodoviário (ônibus, automóveis particulares ou táxis).
Nos itens assinalados, creio serem reduzidas as possibilidades de
modificações sif!nificativas na situação de predomínio absoluto do trans-
porte rodoviári~ . As conseqüentes pressões sobre o consumo de deriva-
dos de petróleo utilizados pelos veículos rodoviários (gasolinas "A" e
"B", óleo diesel e óleos lubrificantes), nestes casos, só poderão ser re-
duzidas, obviamente, através de medidas conjunturais de racionamento,
de repercussões marginais na atual estrutura do consumo.
Cabe, desta forma, insistir na análise das repercussões da crise de
combustíveis segundo as duas perspectivas apontadas. Veremos onde
são mais factíveis as possibilidades de equacionar, no futuro, uma divi-
são de trabalho mais adequada entre modalidades alternativas, de modo
a conceber sistemas integrados de escoamento que diminuam, em ter-
mos absolutos, o consumo de petróleo ou aumentem significativamente
a produção dos serviços de transporte para as quantidades de com-
bustível atualmente consumidas.

4.1 Transportes de grandes massas de mercadorias nas longas e


médias distâncias
Coloca-se, neste sentido, o dilema entre o transporte intensivo, que apro-
veita eficientemente as escalas de prestação do serviço, e o extensivo,
que propicia ineficiências, ociosidades ou mesmo estrangulamentos nas
rotas e períodos de maior demanda. Como o transporte intensivo de
mercadorias granelizáveis ou grandes concentrações de carga geral uni-
ficâvel, cuja operação de tipo industrial permite ganhos consideráveis
de escala, concentra-se, entre nós, em um número reduzido de rotas e
restringe-se a uma gama relativamente diminuta de mercadoria, tor-
na-se desejável e factível a reorientação de fluxos importantes para os
transportes ferroviário, hidroviário e dutoviário. Tais fluxos de elevada
densidade em "corredores" de longa e média distâncias podem ter como
modalidade básica o transporte linear pesado (ferrovias hidrovias e
condutos). Terão como complementação inevitável o transporte rodo-
viário, em malhas densas ou rarefeitas, nas funções de coleta e distribui-
ção locais 14 • O extraordinário poder de penetração do caminhão deve
ser estimulado, e, considerando que os nossos níveis de renda e a dis-

14 Para melhor conhecimento da conceituação de "corredores de transportes", ver Cap.


7, pp. 271-300.

365
persão da produção não permitem ainda o uso maciço de técnicas de
granelização e distribuição nos locais de produção, caberá ainda ao ca-
minhão trazer esses fluxos até pontos selecionados de transbordo.
Por outro lado, o transporte de carga geral em lotes de menor den-
sidade que não justifiquem o emprego de modernas técnicas de unifi-
cação, para os quais é importante a flexibilidade do caminhão, conti-
nuará a ser feito, insisto, nesta modalidade.
Não se trata, por conseguinte, de fazer com que as modalidades
não-rodoviárias sejam submetidas a um regime de competição por car-
gas ou rotas que não lhe são próprias, mas sim de estimular um pro-
cesso de especialização no qual elas usufruirão de vantagens compa-
rativas e inerentes de custo, face ao caminhão. É pouco provável que,
nos próximos dez anos, o transporte rodoviário perca a sua posição ma-
joritária no rateio das toneladas/ quilômetro transportadas anualmente.
Apenas sua participação não será tão elevada e - isto é o mais impor-
tante - nos acréscimos futuros das toneladas/ quilômetro, que resul-
tarão de uma etapa intensiva de industrialização, a participação rela-
tiva das modalidades não-rodoviárias deverá ser maior, sob o risco de
não viabilizar as metas de expansão dos setores industriais básicos (si-
derúrgico, de cimento, petroquímica, entre outros) e de ampliação do
poder de competição, no mercado internacional, de nossa produção pri-
mária.
Cumpre ter presente, portanto, que, numa perspectiva macroespa-
cial do sistema de transportes, o fortalecimento administrativo, comer-
cial e tecnológico das ferrovias, portos e navegação não significará uma
exclusão abrupta do transporte rodoviário. Pelo contrário, todo um es-
forço de organização deverá ser feito no sentido de tornar o transporte
rodoviário mais eficiente e complementar das demais modalidades lG .
Cabe não esquecer que, após uma fase de grandes investimentos na im-
plantação e aumento de capacidade da malha rodoviária principal, é
de crucial importância a consolidação de um sistema secundário que
promova uma efetiva acessibilidade urbana ou rural. Por outro lado,
as rodovias deverão ser conservadas dentro de padrões satisfatórios para
reduzir acidentes e aumentar a eficiência. As vias implantadas, por sua
vez, continuarão a existir independentemente do tipo de veículo que
trafegará sobre elas. Inovações tecnológicas que diminuam a dependên-
cia do veículo rodoviário do petróleo se darão utilizando a infra-estru-
tura existente e suas complementações futuras.
Neste ponto, cabem algumas observações sobre a inter-relação do
nosso sistema de transportes com a indústria automobilística, quando
se examina o problema do ponto de vista das trocas inter-regionais de

15 O estímulo, nos grandes eixos trancais, à operação de empresas organizadas, à in-


corporação e padronização de inovações tecnológicas nos veículos e aumento de sua capa-
cidade unitária, de um lado, e o apoio técnico e financeiro aos carreteiros nas estradas
vicinais e alimentadoras, de outro, podem ser um esquema interessante de progressiva mo-
dernização administrativa e operacional do setor rodoviário.

366
mercadorias e a situação do setor industrial. Ou seja, não se trata ape-
nas de formular uma política de transportes que consubstancie um mo-
delo alternativo de desenvolvimento do setor em termos de uma divisão
de trabalho mais adequada entre as distintas modalidades, mas sim de
reformular a própria estratégia do desenvolvimento nacional, no senti-
do de reduzir, no longo prazo, a dependência do dinamismo da econo-
mia do ramo da produção de veículos rodoviários.
Em se tratando de uma reformulação de estratégia global, forçosa-
mente estaremos tomando como horizonte de tempo período superior a
dez anos, uma vez que modificações abruptas na estrutura produtiva
do País poderão acarretar efeitos indesejáveis no que diz respeito aos
níveis de renda e emprego, bem como às taxas de expansão de ramos
industriais produtores de insumos. Com isto quero dizer que, a partir
de agora, a política de transportes não deverá constituir-se meramente
na substituição indiscriminada do transporte rodoviário pelas demais
modalidades- ou seja, o oposto do ocorrido até o presente- mas sim
em uma ação planejada no sentido de subordinar a expansão da indús-
tria de veículos automotores - e, conseqüentemente, dos investimen-
tos na infra-estrutura rodoviária - ao desenvolvimento da economia
como um todo.
Apenas esta mudança de perspectiva - pois, como se sabe, até o
presente foi a indústria de veículos automotores que determinou, em
grande medida, a expansão da siderurgia, metalurgia, petroquímica e
construção de obras públicas - associada a uma reestruturação pro-
funda das bases tecnológicas, operacionais, administrativas e comerciais
das modalidades não-rodoviárias já seriam suficientes para alterar subs-
tancialmente o quadro atual de nosso sistema de transportes e tornar
suportável nossa dependência do consumo de um combustível caro, não
renovável e não disponível, internamente, de forma abundante.

4.2 Transportes de grandes massas de passageiros nas áreas


metropolitanas e centros urbanos de maior porte

O dilema que se apresenta para os transportes, segundo esta perspec-


tiva, é aquele entre a insistência nas soluções rodoviárias - social-
mente onerosas e economicamente ineficientes -de atendimento indi-
vidual ou coletivo e a recuperação e/ ou ampliação da capacidade de
atendimento público de massa através de sistemas de tipo ferroviário.
Por analogia ao que já foi dito em relação ao transporte de grandes
massas de mercadorias nas longas e médias distâncias, torna-se cada
vez mais urgente, em nossas Metrópoles, a concepção de sistemas de
escoamento que impliquem a criação de complementaridades e aprovei-
tamento de especializações.
Neste sentido, fluxos com elevadas densidades de passageiros e em
"corredores" específicos deverão ser atendidos por modalidades de trans-

367
porte linear pesado (metrô, trem suburbano, ônibus expresso com ele-
vada capacidade unitária de transporte e com direitos preferenciais de
passagem e - por que não? - reimplantação de linhas de bondes em
determinados percursos). Ao transporte rodoviário, coletivo ou indi-
vidual, com seu desenvolvimento em malha e propiciando a conexão de
número muito maior de pares de origens e destinos, caberão as fun-
ções complementares de coleta e distribuição locais, ou seja, um aten-
dimento concebido como o de uma etapa, entre outras, de viagens que
exigirão transbordos e articulações.
No caso do transporte de passageiros nos grandes centros urbanos
e áreas metropolitanas, todavia, as modificações no atual sistema de
dependência das soluções rodoviárias deverão ser mais urgentes. Os
objetivos não são somente os de reduzir o predomínio dos investimentos
na infra-estrutura rodoviária face a alternativas mais eficientes de
transporte de tipo ferroviário, nem o de reduzir a elevada participação
dos insumos orinndos do petróleo, mas também- e principalmente-
de redistribuir renda entre as populações menos favorecidas através
da disponibilidade dos serviços de transportes, reduzir custos sociais
impostos pelo deficiente equacionamento das soluções de transporte e,
conseqüentemente, melhorar a qualidade de vida do habitante urbano,
antes que o nível de desgastes e tensões, provocados pelo uso desorde-
nado de automóveis e ônibus, atinja proporções perigosas.
Trata-se, portanto, de imprimir modificações nas quais a prestação
eficiente dos serviços de transporte constitui-se em objetivo de tal im-
portância que as inter-relações com o ramo industrial de produção au-
tomobilística- ao contrário do que foi dito para o transporte de mer-
cadorias e passageiros nas longas e médias distâncias - devem ser
drasticamente revistas.
De qualquer forma, desde que sejam concebidas soluções inteligen-
tes de complementaridade entre modalidades de transporte linear pesa-
do e sistemas coletores e distribuidores, coletivos e individuais, caberá
aos ônibus e automóveis privados papel de grande importância na movi-
mentação de passageiros nas metrópoles e suas áreas circundantes.
Principalmente se forem revistos os atuais padrões de estruturação do
espaço metropolitano, através, justamente, da utilização do transporte
rodoviário para ocupação mais racional e extensiva das periferias me-
tropolitanas. Assim, a implantação de anéis rodoviários, vias expressas
de acesso, contornos etc., poderá ser um elemento de crucial importân-
cia num modelo alternativo de ocupação residencial por parte dos habi-
tantes com níveis médios e altos de renda.
Para isto, entretanto, cumpre não considerar o transporte como
elemento estanque de uma estrutura urbana ou metropolitana, e sim
examinar detidamente as suas interdependências com a organização
de espaço e as atividades produtivas e residenciais. Cumpre, igualmente,
não permitir que sejam executadas obras de vulto sem que estejam pré-

368
via e racionalmente compatibilizada com os meios de transportes exis-
tentes e projetados 16.
Ao examinar as repercussões da crise de combustíveis de petróleo
sobre o sistema de transportes, é preciso ter presente, portanto, que:
a) as possibilidades de substituição do transporte rodoviário por
modalidades não-rodoviárias, dentro de sistemas planejados de trans-
porte combinado, restringir-se-ão a um número muito reduzido de flu-
xos, cuja escala, porém, torna elevada sua participação relativa no con-
junto das toneladas/quilômetro (ou passageirosj quilômetro) movimen-
tadas anualmente no País;
b) a substituição por modalidades não-rodoviárias, nestes casos,
implicará redução nos custos de prestação dos serviços e poderá impli-
car, igualmente, redução relativa no consumo de combustíveis de pe-
tróleo, desde que utilizadas, também, tecnologias alternativas no trans-
porte linear pesado (ferrovias eletrificadas e condutos);
c) enquanto o próprio transporte combinado de mercadorias em
"corredores" de longa e média distâncias não deverá implicar, na minha
opinião, revisão radical da expansão de nossa indústria de material de
transporte rodoviário - pois o papel dos veículos rodoviários conti-
nuará a ser muito importante - é para o transporte de passageiros
nas áreas metropolitanas que surgem as possibilidade de modificações
realmente radicais no atual sistema de atendimento público e privado
predominantemente rodoviário, altamente consumidor de espaço e com-
bustível- fatores caros e escassos em nossas Metrópoles.

5. Uma visão quantitativa da problemática dos combustíveis


de petróleo no setor de transportes
A tabela 10 apresenta a evolução no consumo dos principais derivados
de petróleo no Brasil para o período 1960/ 73. Os derivados apresentados
nessa tabela são aqueles que se relacionam em maior ou menor pro-
porção com a operação do nosso sistema de transportes. Observa-se, em
termos de ritmo de crescimento anual, a notável expansão no consumo
da gasolina e do óleo diesel. Em 14 anos, foram consumidos no Brasil
nada menos de 109 bilhões de litros de gasolina, 73,2 bilhões de óleo
diesel e 97,7 milhões de toneladas de óleo combustível. Que proporção
deste consumo destinou-se a atender à movimentação de cargas e pas-
sageiros?
Com base em estudo recente 17 , foi possível montar a tabela 11, onde
são quantificados os níveis de consumo dos diversos derivados de pe-
tróleo, segundo as modalidades de transporte.
16 PRADO, Lafayette. Política de transportes. Revista de Administração Pública,
Rio de Janeiro, 8 (1) :27-44, 1974.
17 Brasil, Instituto de Planejamento Econômico e Social, O Imposto Único sobre Lu-
brificantes e Combustíveis Líquidos e Gasosos (IULCLG) e o F inanciamento do Programa
Rodoviário Nacional, Rio de Janeiro: IPEA/IPLAN, 1972.

369
Tabela 10
Consumo de derivados de petróleo, período 1960-73
(em milhões de litros)

Gasolina para
Gasolinas Óleo Aviação e Óleo
Anos HAn e 'B" Diesel Combu~tível Combustível*
para Jato

-
1960 4 426.9 2 954,0 526,8 5 197,0
1961 4 603;3 3 111,7 552,0 5 490,6
1962 5 231,8 3 436,8 559,4 5 807,8
1963 5 594,7 3 692,3 572,3 6 098,6
1964 6 074,5 4 160,0 554,0 6 085,7
1965 6 040,6 4 068,1 530,7 5 471,4
1966 6 638,9 4 409,6 572,4 5 680,2
1967 7 247,3 4 825,9 642,9 5 904,0
1968 8 219,0 5 513,0 726,2 7 205,8
1969 8 747,0 5 931,9 799,0 7 836,5
1970 9 704,8 6 515,5 878,5 7 632,8
1971 10 616,7 7 157,5 1 011,3 9 117,5
1972 11 937,4 7 956,5 1 143,8 9 010,6
1973 13 928,6 9 461,7 1 348,2 11 149,3

Total 1960-73 109 011,5 73 194,5 10 417,5 97 747,8


Taxa Média Geomé-
trica de Crescimento
Anual 8,53 % 8,66 % (),94 % 5,59%

FONTE : Conselho Nacional do Petróleo (CNP).


*Em milhares de toneladas.

Observa-se, por esta tabela, que o grosso do consumo de óleo diesel


e de gasolina ocorreu no transporte rodoviário, sendo as participações
relativas desta modalidade no consumo total crescentes para o óleo
diesel e ligeiramente decrescentes para a gasolina. Em 1970, 74,6%
do óleo diesel e 95% da gasolina consumidos no País o eram pelos
veículos rodoviários. O consumo de diesel pelo transporte ferroviário teve
participação relativa decrescente (6,6% em 1970 contra 8,8% em 1965),
embora a níveis absolutos crescentes, enquanto o transporte marítimo
teve um consumo oscilante entre uma participação mínima de 2%
em 1966 e a máxima de 4,1% em 1962, também com níveis absolutos
crescentes. No que diz respeito ao óleo combustível, volumes variando
entre 6,9% do consumo total em 1965 e 2,9% em 1970 representam
a participação do setor de transportes (ferrovias e navios).
O curioso é que, enquanto os combustíveis de petróleo estão forte-
mente comprometidos com as funções econômicas de transferir merca-
dorias e· prever a mobilidade de pessoas, a energia elétrica tem uma

370
Tabela 11
Consumo dos mais importantes derivados de petróleo no setor de
transportes, período 1965-70

Trans- Trans- Trans-


Total
porte porte porte Total
Especificação rodo- % ferro- % marí- % trans- % Outros % geral %
porte (I)
viário viário timo

Úleo Diesel
(Milhões de 1)
1965 2 814 69,2 357 8,8 92 2,2 3 262 90,2 806 19,8 4 068 100,0
1966 3 075 69,7 359 0,2 101 2,0 3 523 79,0 887 20,1 4 410 100,0
1967 3 421 70,!) 365 7,6 103 2,1 3 889 80,6 937 19,4 4 826 100,0
1968 4 034 73,2 357 6,5 123 2,2 4 514 81,9 999 18,1 5 513 100,0
Hl69 4 297 72,4 411 6,9 242 4,1 4 949 83,4 983 16,6 5 932 100,0
1970 4 861 74,6 433 6,6 220 3,5 5 523 84,7 993 15,3 6 515 100,0
Gasolinas "A" e "B"
(Milhões de I)
1965 5 834 96,6 5 834 96,6 207 3,4 6 041 100,0
1966 6 339 95,5 6 339 95,5 299 4,5 6 639 100,0
1967 6 827 94,2 6 827 94,2 421 5,8 7 247 100,0
1968 7 751 94,3 7 751 94,3 460 5,7 8 219 100,0
1969 8 277 94,6 8277 94,6 470 5,4 8 747 100,0
1970 9 208 94,9 9 208 94,9 497 5,1 9 705 100,0
Úleo Combustível
(Milhares de t)
1965 189 3,4 190 3,5 379 6,9 5 092 93,1 5471 100,0
1966 159 2,8 185 3,3 344 6,1 5 336 93,9 5 680 100,0
1967 141 2,4 188 3,2 330 5,6 5 574 94,4 5904 100,0
1968 148 2,1 203 2,8 350 4,9 6 856 95,1 7 206 100,0
1969 91 1,2 446 5,7 537 6,9 7 299 93,1 7 836 100,0
1970 24 0,3 196 2,6 220 2,9 7 413 97,1 7 633 100,0

FONTES: GEIPOT, Anuário Estatistico dos Transportes (1971); Brasil, Instituto de Planejamento Econômico e Social, O Imposto Único
c,., sobre Lubrificantes e Combustíveis Liquidos e Gasosos (IULCLG) e o Financiamento do Programa Rodoviário Nacional.
-J
...... <ll Exclusive o transporte aéreo, que é consumidor exclusivo de gasolina para aviação e combust.ível para jatos .
utilização insignificante para este fim, conforme revela a tabela 12.
O que não deixa de ser intrigante, pois em nosso País o petróleo como
insumo constitui-se em restrição de ordem física (limitações na dispo-
nibilidade física interna aos atuais custos de prospecção e exploração)
e com profundas repercussões de ordem financeira (parcela importante
dos recursos em divisas comprometidos com as importações de óleo cru)
para a economia como um todo, enquanto que a energia elétrica oriun-
da de fontes hídricas constitui-se em fator relativamente abundante.
Debruçado sobre a problemática atual do petróleo, não posso deixar
de pensar que, se as autoridades responsáveis pelos investimentos
operação e política de preços do setor de transportes tivessem pautado
sua atuação passada sobre o mínimo de previsibilidade e planejamento,
seria possível promover, nos dias que correm, uma suplementação da
capacidade de transporte tendo em vista a economia dos combustíveis
de petróleo.
Por exemplo, se fossem concentrados, ao longo da década de 60,
recursos na viabilização de um número reduzido de linhas férreas e
sua progressiva eletrificação, ao invés do provimento de cobertura
financeira a uma grande quantidade de obras dispersas - além da
perniciosa política de aquisição indiscriminada de material de tração
- seriam hoje incalculáveis os benefícios para o transporte de merca-
dorias granelizáveis ou grandes partidas de carga geral em "corredores"
selecionados.
Por outro lado, a eliminação abrupta dos bondes em nossas Metró-
poles e centros urbanos de portes grande e médio, em meados da
década de 60, constituiu-se em exemplo lamentável da falta de pers-
pectiva por parte das autoridades responsáveis quanto à sua função de
transporte de massa de transição para tecnologias mais avançadas de
tipo ferroviário. Sabe-se, com efeito, que os bondes, quando moderni-
zados e colocados sob condições operacionais e de tráfego similares às
prevalecentes em dezenas de centros urbanos da Europa e Estados Uni-
dos, constituem-se em bases sólidas para a implantação de sistemas de
trânsito rápido, inclusive metrôs.
Não causa surpresa, assim, que, de acordo com a tabela 12, o
consumo de energia elétrica para a movimentação de cargas e passa-
geiros tenha caído sistematicamente em termos absolutos, ao longo da
década de 60, enquanto o consumo total deste insumo crescia a ritmo
elevado.
Por outro lado, não deixa de ser interessante observar que, tomada,
recentemente, consciência quanto à necessidade de uma reformulação
profunda das premissas que até aqui nortearam nossa política de trans-
portes, os termos em que está sendo colocada esta reformulação nãJJ se
apresentam inteiramente coerentes com o objetivo de poupar combus-
tíveis de petróleo que, afinal de contas, deu origem a tal consciência.
Senão vejamos: tem havido certa insistência em reorientar nossa polí-
tica de investimentos em transportes no sentido de maior favorecimento

372
Tabela 12
Consumo de energia elétrica para a movimentaçf!o de cargas
e passageiros, período 1960-72
(em milhares de MWh)

(b) Consumo
(a) Consumo de Energia (b)
Anos Total de Elétrica em (c) %
Energia Elétrica<l) Transportes (a)
(Tração Elétrica)<2>

1960 14 598,0 798,2 5,47


1961 16 265,5 795,4 4,09
1962 18 110,7 751,4 4,15
1963 19 190,6 790,9 4,12
1964 20 114,1 738,7 3,67
1965 20 877,1 713,8 3,41
1966 22 947,6 657,7 2,87
1967 24 479,2 635,1 2,59
1968 27 888,6 657,4 2,36
1969 31 175,8 642,2 2,06
1970 34 248,6 619,5 1,81
1971 39 164,8 617,0 1,58
1972 43 937,1 592,8 1,35
Total 1960-72 332 987,9 9 010,0 2,71
Taxa Média
Geométrica de
Crescimento Anual 8,84% -2,30%

FONTE: Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica.


Cll Considerado o fornecimento para consumo das empresas de serviços públicos.
<2> Compreende o consumo pelos serviços de bondes, ônibus elétricos, estradas de ferro e guin-
dastes elétricos.

das modalidades não-rodoviárias e, em especial, do transporte ferro-


viário. Foi colocada, recentemente, à disposição dessa modalidade vul-
tosa massa de recursos destinados à sua recuperação e expansão. Não
questionando apenas para simplificação de raciocínio - a capacidade
de aplicação eficiente de tais recursos a curto e médio prazos, tendo
em vista a complexidade e multiplicidade de aspectos da problemática
ferroviária que situam a construção e recuperação de linhas, além da
aquisição do material rodante e de tração, apenas como parte de um
conjunto maior de medidas, cabe indagar sobre qual a orientação a
ser tomada quanto ao problema da tração ferroviária.

373
Dados de um documento do Governo 18 mostram que a parcela
referente à tração elétrica do consumo total de energia elétrica suprido
pelas empresas de serviços públicos representou, em 1973, apenas 1,3 %
do total, ou seja, 622 GWh em 49.009 GWh. As projeções desta parcela
para 1977 indicam um consumo de 1.153 GWh num consumo total de
79.151 GWh, o que aumenta a participação percentual do consumo
destinado ao setor de transportes para apenas 1,5 % do total. Conve-
nhamos que os níveis absoluto e relativo previstos para esse consumo
são extremamente baixos e que as previsões feitas no setor de energia
elétrica já admitem um comprometimento mais ou menos rígido com
outros setores de consumo. Somente a concentração de recursos em um
número reduzido de projetas eletrificáveis poderá modificar, a longo
prazo, o balanço energético do setor de transportes e, mesmo assim,
com repercussões, na margem, sobre o consumo de outros setores da
economia e, conseqüentemente, sobre o nível de investimentos do sis-
tema hidrelétrico.
Se prevalecer a tendência, que já se esboça, de ênfase nos inves-
timentos ferroviários, sem uma reestruturação profunda da atual estru-
tura de insumos energéticos, poderemos, a meu ver, chegar a situações
igualmente difíceis no futuro, pois as ferrovias também são consumi-
doras de combustíveis de petróleo.

Tabela 13
Toneladas j quilômetro realizadas por óleo diesel consumido,
período 1965-70
(em toneladasj quilômetro/ litro)

Anos Rodoviário(!) Ferroviário Marítimo

1965 10,6 51,3 1 6~,2


1966 12,2 52,8 199, 1
1967 13,6 54,0 197,2
1968 12,7 60,2 173,0
1969 14,5 63, 1 94,0
1970 15,4 69,9 93,7
1970-65 7,8% 6,4% - 11,2%
(T axa de Crescimento
Médio)

(!) Considerada tUna variação de 40% em 1965 a 60% em 1970 da participação das toneladas/
q uilômetro movimentadas em veículos a d iesel.

l 8 Brasil, ELETROBRÁS S. A., Orçamento Plurianual do Setor de Energia Elétrica :


Resumo do Programa 1973-1977, Rio de Janeiro, ELETROBRÁS S. A., 1973.

374
Neste sentido, pela tabela 13 pode-se observar que, comparativa-
mente, a movimentação das toneladas/ quilômetro de carga por litro
de óleo diesel consumido é muito mais elevada para o transporte
marítimo, seguindo-se o ferroviário e, por último, o rodoviário. Não
há dúvida que as modalidades não-rodoviárias apresentam maior ren-
dimento por unidade de combustível de petróleo consumido 10 • Cabe,
no entanto, verificar a evolução desse rendimento no tempo para cons-
tatar as melhorias de produtividade no âmbito de cada modalidade.
Neste sentido, a modalidade que apresentou maior crescimento neste
rendimento foi a rodoviária, muito embora caiba ressaltar que o desem-
penho do transporte ferroviário foi igualmente satisfatório. O impor-
tante, no futuro, é melhorar os índices de transporte por unidade de
combustível de petróleo consumido, mesmo para as modalidades não-
rodoviárias.

6. Conclusão
A título de conclusão das idéias expostas neste trabalho, creio ser
interessante dar destaque a alguns itens:
a) o transporte rodoviário constituiu-se, sem dúvida, em impor-
tante avanço tecnológico e propiciou, em praticamente todos os países,
o desvio maciço de tráfego das modalidades não-rodoviárias para os
automóveis, ônibus e caminhões nas últimas décadas. Entre nós, toda-
via, além dessa componente tecnológica no crescimento do tráfego
rodoviário de mercadorias e passageiros, entraram em jogo, por razões
históricas específicas, outras componentes, quais sejam, aquelas ligadas
à ineficiência e estagnação tecnológica das modalidades não-rodoviárias
e à urgência na consolidação de um mercado nacional para a nossa
extensão física. Pode-se afirmar, assim, que para muitos fluxos o predo-
mínio do transporte rodoviário, decorrente do processo cumulativo que
envolveu a interação das componentes citadas, não se constituiu em
alternativa econômica mais adequada;
b) sendo o transporte, em geral, uma etapa intermediária no
processo produtivo, seus custos elevados transferem-se inevitavelmente
para outros setores, gerando ineficiências e onerando o consumidor.
Ora, o transporte inapropriado de certos fluxos de mercadorias e passa-
geiros em veículos rodoviários em determinadas contingências, além do
transporte estruturalmente ineficiente nas modalidades não-rodoviárias
- decorrentes de distorções nas políticas de investimento, operação,
preços, administração, comercialização e de formação de recursos huma-
nos - geraram um processo de distorções em cadeia que atingiram
a utilização de insumos e a indústria de material de transporte;

19 A comparação foi efetuada apenas em termos de óleo diesel. Não foi considerado
o consumo de óleo combustível e outros óleos pelos transportes ferroviário e marítimo. Isto,
obviamente, torna as comparações mais favoráveis para estas modalidades, uma vez que o
transporte rodoviário, no caso, só utiliza o diesel como combustível.

375
c) o crescimento exagerado da demanda de transporte rodoviário,
em relação a modalidades não-rodoviárias, repercutiu, assim, tanto
sobre a nossa estrutura industrial, quanto sobre o consumo de produtos
de petróleo. A diversidade de uso desses produtos e o seu valor de
escassez elevaram o preço dos transportes sem que fossem tomadas
medidas preventivas de recuperação e especialização das modalidades
não-rodoviárias no sentido de baratear os serviços de transporte e eco-
nomizar combustíveis de petróleo;
d) na situação atual de encarecimento dos combustíveis de pe-
tróleo, cabe ter presente que as medidas de racionamento e contenção
no seu consumo, embora necessárias, terão efeito apenas marginal e
não contribuirão de forma decisiva para alterar profundamente a estru-
tura de consumo no setor de transportes. Cumpre, assim, planejar para
o longo prazo sistemas básicos de transporte combinado, nos quais o
transporte linear pesado, em "corredores" selecionados, possa não só
tirar partido das economias de escala proporcionadas pelas suas indivi-
sibilidades, mas também utilizar insumos energéticos alternativos (por
exemplo, ferrovias eletrificadas);
e) a prioridade de atuação do Setor Público deve ser, portanto,
no sentido de equacionar de maneira mais adequada, em termos de
investimentos, operação e preços, dois problemas:
1) o do transporte, nas média e longa distância, de grandes con-
centrações de mercadorias granelizáveis ou de carga geral unificável
segundo técnicas modernas e integradas de armazenagem (manuseio)
e transporte;
2) o do transportes de passageiros nas regiões metropolitanas,
segundo tecnologias modernas de tipo ferroviário para os fluxos de
elevada densidade e reservando para automóveis e ônibus a função
de coleta e distribuição, bem como de ocupação racional das periferias
metropolitanas.

376
Capítulo XIII- NOTA SOBRE A CRISE DE COMBUSTJVEIS E
OS TRANSPORTES URBANOS *

1. Introdução; 2. Transporte ferroviário; 3. Transporte hidroviário


em baías ou rios navegáveis; 4. Transporte rodoviário coletivo; 5.
Transporte rodoviário individual; 6. Formulação de política abran-
gente para o transporte urbano; 7. Conclusão.

1. Introdução

Com grande freqüência em anos recentes, tem sido colocado em debate


o problema de repercussão da atual crise de combustíveis de petróleo
sobre o setor de transportes. É levantada, em conseqüência, a necessi-
dade de se alterar o rateio das cargas e passageiros - hoje predomi-
nantemente movimentados através de veículos rodoviários - em bene-
fício de alternativas poupadoras daqueles combustíveis (transporte
hidroviário e ferroviário) ou substitutivas (ferrovias eletrificadas e
metrO) 1 •
Cabe lembrar, todavia, que investimentos em tais alternativas
implicam custos elevados e períodos prolongados de implantação, que
somente apresentam viabilidade naqueles projetas cuja escala de movi-
mentação justifique a destinação maciça de recursos do Governo
Federal.
Por outro lado, é necessária uma revisão em profundidade das
políticas operacional e tarifária de forma a tornar factível a substi-
tuição por soluções não rodoviárias naquelas faixas de atendimento
onde elas apresentam vantagens comparativas naturais. Como se sabe,
o acúmulo de distorções administrativas, operacionais e na estrutura
de preços, contribuíram para que mercadorias e passageiros em densi-
dades compatíveis com soluções ferroviárias ou hidroviárias estejam
hoje sendo transportados em caminhões e ônibus 2 •

* Publicado em Revista de Administração Municipal, Rio de Janeiro.


1 Ver cap. 3, pp. 153-65.
2 Ver cap. 7, .pp. 247-69.

377
A opção por alternativas não-rodoviárias não pode ser, todavia,
colocada em termos de trade-off com relação às soluções rodoviárias,
pois estas, se negligenciadas, resultarão em sério comprometimento da
movimentação de pessoas e mercadorias. Em nosso País, com efeito, o
contínuo deslocamento das fronteiras agrícolas, a acelerada expansão
das superfícies urbanizadas e o poder de indução locacional das estradas
de rodagem, fazem do transporte rodoviário uma alavanca sempre prio-
ritária do desenvolvimento econômico e social.
No caso do transporte urbano de passageiros, trata-se de examinar
como e em que condições as alternativas poupadoras e substitutivas
podem ser implantadas no País, a médio e longo prazos, e como os
combustíveis de petróleo podem ser consumidos de forma mais racional,
a curto prazo.

2. Transporte Ferroviário
Características:
a) o período de maturação dos investimentos é, em geral, longo.
Entre estudos de viabilidade técnico-econômica, detalhamento de pro-
jetas finais de engenharia, implantação e início da operação comercial,
são exigidos de 6 a 8 anos em média;
b) os investimentos exigem somas vultosas de recursos e com uso
intensivo de capital, implicando, inclusive, significativa importação de
equipamento e componentes do material rodante;
c) nas áreas urbanas tem necessidade de vias exclusivas ou blo-
queadas, o que resulta, na maioria das vezes, em pesados custo de
desapropriação.
No que diz respeito ao transporte ferroviário suburbano, a implan-
tação de linhas ou melhoria de sistemas estão limitados, entre nós, a
um número muito restrito de aglomerações metropolitanas. As do Rio
de Janeiro e São Paulo concentram 96% da movimentação diária total
de passageiros de subúrbios no Brasil (respectivamente 512 e 411 mil
passageiros/diários de passageiros de subúrbio), obviamente em condi-
ções de subutilização da capacidade instalada por inadequadação da
infra-estrutura e/ou deficiências operacionais 3 •
Quanto ao transporte metroviário, sua implantação se restringe,
presentemente, às duas principais Metrópoles (Rio de Janeiro e São
Paulo), sendo que, talvez a médio prazo, apresente viabilidade técnico-
econômica em Belo Horizonte. A necessidade de canalização de recursos
federais para a implantação destes sistemas é óbvia, pois os orçamentos

3 RIO DE JANEIRO (Estado) Secretaria de Estado de Transportes. Diretrizes


setoriais e prioridades de investimentos em transportes. Rio de Janeiro, 1975 (SECTRAN,
RT/2)

378
municipais e estaduais são insuficientes para fazer face às necessidades
de recursos para investimentos (desapropriações, obras civis e aquisição
de material rodante e equipamentos).
Finalmente, quanto a bondes e/ ou pré-metrô (sistemas ferroviários
"leves"), a implantação de linhas pode ser justificada apenas em centros
urbanos com mais de 500.000 habitantes, nos corredores que apresen-
tarem densidade de tráfego da ordem de 20 a 30 mil passageiros/ hora
para o pré-metrô ou de 12 a 20 mil passageiros/ hora para o bonde.
Sem dúvida a movimentação mais significativa de passageiros do
País se concentra em um número reduzido de corredores com elevada
densidade de tráfego, localizados nos espaços conurbados das regiões
metropolitanas e centros urbanos de grande porte situados em suas
proximidades. Sabe-se, por outro lado, que no Brasil os centros urbanos
de médio e grande portes que não estão conurbados às Metrópoles,
encontram-se localizados, via de regra, em suas proximidades 4 •
Assim, é lícito, em princípio, pensar na implantação ou melhoria
de sistemas ferroviários no âmbito de algumas regiões metropolitanas,
tanto entre os Municípios já conurbados, como prevendo futuras agluti-
nações com áreas urbanizadas de Municípios próximos cujas funções
se integram ativamente à região (Campinas e Jundiaí (SP), Petrópolis
e Teresópolis (RJ), Esteio, Canoas e Novo Hamburgo (RS) e Betim
(MG), para citar alguns exemplos). As ligações-tronco de tipo ferro-
viário poderão se comttituir, desta forma, na ferramenta básica de in-
dução, no longo prazo, da estruturação mais ordenada do macroespaço
metropolitano.
Cabe ter presente, portanto, que uma política de investimentos
maciços em sistemas ferroviários ("pesados" ou "leves"), com vistas
a aliviar as pressões do consumo de combustíveis de petróleo fora deste
número limitado de corredores prioritários, pode onerar, a curto prazo,
o próprio balanço de pagamentos e comprometer a capacidade de in-
vestir do País. Por outro lado, sistemas que ainda se encontram em
fase de experimentação nos seus países de origem (colchões de ar,
aerotrem, monotrilho, etc.) além de apresentarem riscos na sua implan-
tação e onerarem, também, o balanço de pagamentos, podem não resol-
ver o problema de transporte de massa, na medida em que apresen-
tarem reduzida capacidade unitária e baixos rendimentos de escala.

3. Transporte hidroviário em baías ou rios navegáveis


Características:
a) necessidade freqüente de trabalhos de dragagem, que implicam
elevados custos, como condição prévia à implantação do sistema;
b) necessidade de importação de grande número de peças compo-
nentes para as embarcações;
4t BARAT, Josef & GEIGER, Pedro P. Estrutura econômica das Áreas metropolitanas
brasileiras. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, 3 (3) :645, out. 1973.

379
c) quando as condições de navegabilidade e atracação são satis-
fatórias, o transporte hidroviário apresenta condições excepcionais de
operação com ganhos de escala, especialmente quando é possível im-
plantar sistemas com embarcações que apresentam elevada capacidade
de transporte (seja pela maior velocidade comercial e facilidade de
atracação, seja pela maior capacidade unitária, ou pela conjugação
desses fatores).
Os sistemas de transporte de massa hidroviário só apresentam
viabilidade técnico-econômica em um número muito reduzido de liga-
ções metropolitanas e urbanas no Brasil, sendo pertinentes, para esta
modalidade, as observações já feitas com relação ao transporte ferro-
viário.

4. Transporte rodoviário coletivo


Características:
a) o período de maturação dos investimentos na infra-estrutura
é mais curto;
b) os investimentos na infra-estrutura são relativamente mais
baratos, à exceção, obviamente, das obras de "cirurgia urbana", como
vias elevadas e vias expressas em áreas densamente ocupadas;
c) há utilização de proporção maior de mão-de-obra na sua ope-
ração, constituindo-se em importante fator de emprego;
d) o aumento da capacidade de transporte pode se dar através
da introdução de veículos adicionais em circulação nas vias existentes;
e) tem a função de espalhar ("spread-out") e adensar a ocupação
urbana, fortalecendo a malha urbanizada nos espaços compreendidos
entre os eixos de transporte de massa e, ainda, na periferia suburbana.
Cabe ressaltar que as soluções de prover infra-estrutura rodoviária
através de vias expressas e vias elevadas, como forma de aumentar a
mobilidade da população dos grandes centros urbanos, são notoria-
mente inadequadas. As obras são onerosas, o tempo de implantação
relativamente longo e o maior beneficiário passa a ser o transporte
individual.
Além disso, os locais de retenção de tráfego simplesmente se trans-
ferem e os custos sociais se mantêm elevados, inclusive pela agressão
ao ambiente urbano. Nestes casos, é importante que a elaboração de
um Plano-Diretor de transportes indique quais os corredores que, pela
densidade de tráfego, justificam a implantação de sistemas ferroviários
subterrâneos ou de superfície ou, ainda, sistemas não convencionais de
transporte coletivo, ao invés de serem implantadas, na base do puro
empirismo, vias expressas e vias elevadas.
Quanto a soluções não convencionais de transporte rodoviário
coletivo, cabe lembrar, inicialmente, os sistemas de ônibus expressos
(simples ou articulados) em vias bloqueadas. Neste caso existe a possi-

380
bilidade de implantação, no País, de linhas em um número maior de
centros urbanos, relativamente às alternativas ferroviárias. Estas solu-
ções podem acarretar significativa economia de combustíveis e contri-
buir para tornar a expansão urbana mais racional através da implan-
tação de eixos estruturais.
Mesmo assim, é importante ressaltar que os investimentos no
bloqueio de pistas e na montagem dos sistemas operacionais são consi-
deralvelmente elevados, o que exclui, ainda, a grande maioria de nossos
centros urbanos de grande e médio portes de adotar esta alternativa.
Uma solução de maior abrangência para o uso mais racional da
infra-estrutura viária urbana é a de implantação de sistemas combi-
nados de ônibus em linhas tronco e ônibus em linhas de coleta e distri-
buição, com freqüência e intervalos articulados, de forma a reduzir
capacidade ociosa e aumentar a produtividade dos veículos que atendem
aos eixos de maior movimentação de passageiros.
Trata-se de solução relativamente simples, mas que exige a elabo-
ração de um Plano-Diretor de transportes para que, conhecidos os volu-
mes, as origens e os destinos dos fluxos, se possa definir e hierarquizar
funções de transporte, com melhor aproveitamento da capacidade exis-
tente. A chave do êxito destes sistemas combinados é a implantação de
um conjunto de terminais e um esquema de tarifas integradas.
Finalmente, a curto prazo e dentro das concepções convencionais
de transporte rodoviário coletivo, pode-se obter significativa redução
no consumo de combustível através das seguintes medidas:
- reescalonamento de horários de entrada e saída dos serviços e
comércio, de forma a ampliar as faixas horárias de "pico", com a con-
seqüente utilização mais racional de frota em uso;
- instituição de faixas preferenciais ou exclusivas para o tráfego
de coletivos;
- tratamento preferencial para coletivos em cruzamentos sinali-
zados;
- aumento da capacidade unitária de transporte dos coletivos,
através de estudos adequados de "design";
- instituição de campanhas para o uso de ônibus, mesmo para
viagens de compras e lazer.

5. Transporte rodoviário individual


Características:
a) com o aumento da frota de veículos, a taxa de ocupação por
unidade em circulação diminui, fazendo com que a capacidade global
de transporte em veículos individuais aumente em função do seu maior
número;

381
b) por outro lado, como o aumento da frota de veículos se dá
de forma independente da disponibilidade física de vias urbanas, a
capacidade de transporte crescerá, a partir de certo momento, em função
dos investimentos em alargamentos de ruas e avenidas, vias elevadas
ou vias expressas nos eixos que apresentem maior concentração de
tráfego;
c) o uso de automóveis individuais apresenta enormes vantagens
para movimentações de lazer, compras e usos profissionais específicos,
em virtude das combinações muito mais numerosas de origens e destinos
que estes veículos proporcionam. Todavia, a sua utilização em movi-
mentações pendulares é inadequada, pois nos períodos e eixos conges-
tionados verifica-se discrepância entre os custos marginais privados e
aqueles sociais;
d) não havendo diferenciações entre usuários pendulares e não-
pendulares em termos de tributação, verifica-se um subsídio implícito
aos primeiros no sentido de que usem o sistema principal de vias urba-
nas de acesso aos centros de negócios nos períodos de "pico" 5 •
Uma política global de racionalização do consumo de combustíveis
de petróleo deve levar em conta, a curto prazo, medidas de limitação
ej ou racionalização do uso do transporte individual nas movimentações
pendulares. Entre as mais importantes podem ser mencionadas as
seguintes:
- utilização conjunta de um veículo por um pool de vizinhos
ou colegas de trabalho, com vistas a elevar a taxa média de ocupação
dos automóveis privados (transporte solidário) 6 • Estima-se, por exem-
plo, que nos Estados Unidos o acréscimo de um passageiro em cada
automóvel proveniente das zonas residenciais periféricas (commuting
auto) implicaria em economia de cerca de 800 mil barros diários de
gasolina 7 ;
- incentivos à utilização de carros menores. No Serviço Público,
por exemplo, a padronização de frotas dando ênfase a viaturas pequenas
e aquelas de 4 cilindros pode representar significativa economia de
combustível;
- implementar mecanismos de cobrança das diferenças entre
custos privados e custos sociais, dos usuários de veículos individuais
para movimentações pendulares. Uma forma simplificada de introduzir
o conceito de custo social no orçamento do automobilista é o de elevar
preços e estabelecer rotatividade dos estacionamentos nas zonas de
negócios;

5 NETZER, Dick. Economics and Urban Problems - Diagnoses and Prescriptions.


New York, Basic Books Inc. 1970. p . 140-1.
G V. a este respeito, NEWLON, D. H. Pooling Cars and Buses to Improve urban
Transportation. ln: CHA TERFI, M . ed. Space Location and Regional Development. Pion
Limited, 1976. p. 154-67.
7 MEYER, John R. Transportation Solutions to the Energy Crisis. National Bureau
of Economic Research, 1975. (National Bureau Report Supplement, t14)

382
- incentivos às formas de transporte combinado, automóvel;
ônibus/ metrô ou automóvel/trem, de forma a restringir o uso do auto-
móvel a etapas mais curtas de viagens e realizadas fora das áreas mais
congestionadas. Sistemas de tarifas integradas (do tipo "park and
ride") podem-se revelar bastante eficazes desde que oferecidas, obvia-
mente, as alternativas de transporte público;
- criação de serviços de ônibus especiais, com paradas mais espa-
çadas, função intermediária entre os ônibus comuns e táxis e tarifas
mais elevadas, para atrair usuários de automóveis.

6. Formulação de política abrangente para o transporte


urbano
Cumpre enfatizar que uma política global de poupança de combustível
de petróleo no setor de transportes urbanos, deve ser conduzida, a médio
e longo prazos, no sentido de oferecer alternativas poupadoras ou substi-
tutivas naqueles eixos cuja escala de prestação dos serviços seja de tal
ordem que a redução no consumo (em cruzeiros) seja superior ao vo-
lume de recursos necessários à implantação do sistema. Por outro lado,
vale lembrar que tais soluções podem implicar sobrecarga adicional ao
balanço de pagamentos a curto prazo.
A orientação a curto prazo, por sua vez, deve ser no sentido de
racionalizar o consumo através da introdução de métodos operacionais
mais adequados ao transporte coletivo (especialmente aquelas soluções
que por sua simplicidade possam atingir maior número de centros
urbanos) e, sobretudo, a sua contenção, através do desestímulo ao uso
do transporte individual nas movimentações pendulares. Cabe lembrar
que as medidas administrativas e operacionais visando a reduzir a
excessiva convergência dos automóveis particulares aos centros de negó-
cios não devem, de forma alguma, implicar na montagem de esquemas
operacionais e estruturas administrativas cujos custos suplantem o
volume de recursos equivalentes à poupança estimada de combustível
de petróleo.
É importante assinalar, ainda, que, na conjuntura atual, a formu-
lação de uma estratégia global de racionalização do consumo de com-
bustíveis de petróleo, implicará na revisão em profundidade da estru-
tura de nosso transporte urbano, vale dizer, na modificação de conceitos
ligados à operação e à política de investimentos desse setor 8 • Deverá
haver, ainda, uma correspondência entre o que se pretende como obje-
tivos fundamentais da política de desenvolvimento urbano e a gama
de formulações conceituais, medidas administrativas e institucionais e
instrumentação executiva voltadas para o transporte urbano.

8 Wilfred Owen - "Transport, energy and community Design". Futures pp. 94-103,
abril 1976.

383
Neste sentido, dois setores tradicionalmente negligenciados entre
nós e que deverão sofrer profundas transformações em suas bases ope-
racionais, são aqueles do trânsito e dos transportes coletivos. Antes de
qualquer outra providência, o Governo Federal (a exemplo do que
ocorre no relacionamento União-Estados-Municípios com respeito ao
setor de estradas de rodagem) deverá estabelecer diretrizes gerais de
operação, normas de organização empresarial e, sobretudo, critérios de
elaboração de projetas, para reorientar a ação dos poderes estaduais
e locais de acordo com uma política global de transporte e circulação
urbanos.
A instrumentação jurídico/ institucional, a reorganização adminis-
trativa e a modernização operacional através da introdução de novas
técnicas de engenharia de transportes, devem ser os objetivos básicos
definidos globalmente. Por outro lado o fortalecimento das estruturas
locais deve ser perseguido com o fim de serem possíveis as modificações
propostas, especialmente nos centros urbanos de grande e médio porte.
Nestes centros, inclusive, a administração do trânsito deve ser transfe-
rida para a esfera municipal (com a necessária contrapartida de re-
cursos) cabendo aos órgãos estaduais de trânsito função normativa, de
análise de projetas e transferência de recursos.

7. Conclusão
A título de conclusão e sumarizando idéias implícitas e explícitas neste
trabalho, cabe destacar os itens que se seguem:
a) a conjuntura de escassez de combustível se mostrou propícia
a uma reavaliação dos objetivos que se desejam para a expansão das
nossas cidades. O momento é de meditação e busca de novas alternativas
para o transporte, os serviços públicos e a urbanização em si;
b) a economia de combustível será, na verdade, uma resultante
de melhorias sensíveis que se podem obter em favor da redução dos
pesados custos sociais de nossa urbanização;
c) a distensão social e urbana é, de certa forma, tão relevante,
no momento, quanto os efeitos da redução no consumo de combustível.
Este pode ser racionalizado através de uma reformulação de objetivos
sociais e pessoais. As campanhas de esclarecimento e motivação de
coletividades devem calcar-se nos objetivos mais amplos de almejar
melhores condições de nossa vida;
d) as restrições ao uso do automóvel não devem representar uma
negação do seu conceito de valorização social e elevação de padrões de
vida, mas sim uma atitude consciente e coletiva quanto à sua inade-
quada utilização em determinadas funções;
e) em todas as grandes Metrópoles do mundo industrializado o
automóvel convive com modalidades de transporte público e seu papel
é claramente definido e aceito. Sua utilização não acarreta, necessaria-

384
mente, constrangimentos ao pedestre, ao veículo coletivo e à comuni-
dade, no que ela tem de valores mais caros;
f) é importante ressalvar que o que importa no momento é gerar
um processo de conscientização coletiva de que as medidas governa-
mentais não devem decorrer de intenções repressivas, mas sim de uma
permanente busca de objetivos e valores que devem redundar no bem
comum;
g) numa estratégia global de racionalização de consumo de com-
bustíveis há um conteúdo que precisa ser discernido no seu alcance
final, ou seja, a melhoria das condições e da qualidade das vias urbanas
e uma correspondência aos objetivos do desenvolvimento urbano. Não
se trata de reprimir o legítimo exercício dos direitos individuais, mas
obter uma autodisciplina consentida, que é o modo mais elevado de
exercer-se o direito individual, criadas as condições para que ele se
exerça sem fricções excessivas e tensões. O trânsito e o transporte con-
tribuem, em muito, para isso e o que se pretende é reduzir tal contri-
buição obtendo, além disso e dentro dos objetivos nacionais imediatos,
a economia de combustíveis;
h) é preciso consagrar doutrina e conceitos que visem à preva-
lência das soluções de transportes de massa e que atendam às carências
básicas de amplos setores da população. Dar ênfase ao transporte de
massa não significa em absoluto abandonar as demais modalidades
que a ele se somam e com ele devem harmonizar-se. Significa, apenas,
constatar realisticamente que o nosso desenvolvimento urbano carece,
a várias décadas, de um sistema de transporte racional e equânime;
i) medidas operacionais aplicadas ao sistema de transportes exis-
tente, como a adoção de modernos conceitos de engenharia de trânsito
irá propiciar um não desdenhável aumento da capacidade do espaço
viário existente, induzindo uma almejada redução de tensões e permi-
tindo alcançar a diminuição do gasto de combustível, enquanto não se
obtém os duradouros efeitos de sistemas efetivos e permanentes de
transporte de massa.

385

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